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Mutarelli
Mutarelli
HELOISA PISANI
CAMPINAS
2012
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Agradecimentos
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Resumo
Este trabalho se constitui por uma leitura da obra de Lourenço Mutarelli em seu
percurso das histórias em quadrinhos até a literatura em busca de uma poética do
autor. A transposição de seu primeiro livro, O Cheiro do Ralo, para o cinema, pelo
diretor Heitor Dhalia, é analisada de forma a levantar questões narrativas próprias
aos dois meios (contrapondo-os ao mesmo tempo em que os aproxima) e à
criação dos dois artistas.
Abstract
This study is comprised of a reading of the work of Lourenço Mutarelli from its
precursor in comics to literature in search of the poetics of the author. The
transposition of his first book, Drain's Smell, to cinema, by the director Heitor
Dhalia, is analyzed in order to raise specific issues about the two media narratives
(opposing them at the same time as it brings them closer) and to the work/creation
of those two artists.
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SUMÁRIO
ABERTURA ...................................................................................... p. 1
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ABERTURA
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fora dos muros da instituição em que trabalho, uma revista eletrônica com a
colaboração de diversos participantes dessas atividades, além da mudança de
perspectivas pessoais e profissionais para alguns de seus frequentadores. Os
grupos e as pessoas criaram sua autonomia em relação ao que era proposto
nesse espaço.
Aí está a dimensão da arte, do encontro e o sentido que entendo haver não
apenas em minha profissão, mas também neste estar no mundo. Aquela reflexão,
que desde o início de meu trabalho como programadora me acompanhava, sobre
os porquês de meu interesse pela leitura e pela sétima arte desde a infância,
sobre o que poderia me atrair e a outras pessoas para atividades culturais nessas
áreas, sobre a estrutura primeira de que derivam os trabalhos em cada suporte,
em cada linguagem, acabaram me mostrando que a práxis existe e faz sentido
quando, para além da teoria, tornamos possível – e muitas vezes de forma ainda
oculta – a presença desses questionamentos na atividade concreta, no encontro
com as obras, mas, principalmente, com o humano (ou mesmo com o Humano).
Foi nessa busca por referências que me dessem base para a discussão e
proposição que cheguei ao trabalho de Beatriz Resende, crítica literária e
Professora Titular de Poética do Departamento de Ciência da Literatura da
Faculdade de Letras da UFRJ. Contemporâneos – expressões da literatura
brasileira no século XXI me aproximou de alguns dos temas e tensões presentes
no trabalho de escritores recentes. Essas características acompanham não
apenas a produção literária, mas também todo o movimento artístico, político e
cultural de seu tempo, já que nenhuma dimensão da vida se dissocia.
O desafio, então, seria o de (re)conhecer, principalmente, o que estava
sendo feito no presente – sem desconsiderar, é claro, a importância irrefutável de
obras e autores já consagrados.
Ao procurar estabelecer um diálogo que aproximasse as dimensões desse
movimento entre trabalho-emprego e trabalho-estudo, desenvolvi uma proposta de
pesquisa para o mestrado, cujo resultado apresento aqui.
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Essas características não dizem respeito, em geral, àquilo que está exposto
apenas denotativamente (a partir de temas, por exemplo), mas também de sua
forma de estruturação (suporte, elementos, composição, entre outras tensões).
São essas similaridades entre os diferentes trabalhos de um autor que
conformam seu estilo em um “programa de arte” (PAREYSON, 1997),
normalmente em consonância com o seu tempo, sua época, ou seja, sua
realidade. De acordo com Luigi Pareyson:
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atual), a força recairia sobre o presente. Ela relembra que, de todos os gêneros da
poética clássica aristotélica, o que se realiza sempre no presente é o trágico.
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LOURENÇO MUTARELLI
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Desde sua ida para a literatura, Mutarelli lançou seis romances: O Cheiro
do Ralo (Devir, 2002, Companhia das Letras, 2011) , Jesus Kid (2004), Natimorto
(Devir, 2004, Companhia das Letras, 2009), A Arte de produzir efeito sem causa
(2008, terceiro lugar no Prêmio Portugal Telecom), Miguel e os demônios (2009) e
Nada me faltará (2010).
Depois disso, por pressão da nova editora para que retornasse aos
quadrinhos, criou Quando meu pai se encontrou com o ET fazia um dia quente
(2011). Apesar de a obra ter sido solicitada como tal, se constitui mais como uma
história ilustrada do que como uma novela gráfica, que se compõe com desenhos
sequenciais.
Cada página contém apenas uma imagem e o texto não combina
necessariamente com a ilustração. Mutarelli trabalha a partir da fragmentação e
faz uso de cortes costumeiramente utilizados em técnicas de edição do cinema
que propõem a ordenação dos fatos pelo espectador/leitor.
Ao lançar o olhar para sua obra como um todo, é possível reconhecer que
já as primeiras produções do quadrinhista apresentam algumas características
que a acompanham até os dias de hoje.
Quadrinhos
Entre algumas de suas principais obras gráficas está Sequelas (1998), uma
coletânea que reúne parte do trabalho que o quadrinhista realizou em dez anos de
trajetória profissional. O material permite acompanhar o desenvolvimento de sua
obra autoral, cujas primeiras criações aconteceram em 1988 com sua auto
publicação em fanzines, e de sua carreira, tendo em vista que nesse álbum estão
reunidas histórias que foram editadas de forma independente, publicadas em
coletâneas e, outras, em revistas de circulação nacional.
Mutarelli separou sua produção em capítulos de acordo com diferentes
classificações (por período de produção, características estéticas ou temáticas e
meios nas quais foram publicadas). O capítulo um é dedicado às primeiras
histórias em que ainda não havia um maior cuidado estético (plástico e narrativo).
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Nos demais estão uma segunda fase de sua produção (que mostra um trabalho
mais minucioso), três versões para o mesmo argumento (sobre “O Nada”), as
(poucas) histórias em parceria, ilustrações para RPG e histórias avulsas criadas
após Transubstanciação.
A publicação é permeada por comentários em que ele próprio faz algumas
análises sobre os trabalhos e observações sobre o momento de sua criação.
Existem, ainda, no decorrer do álbum, alguns desenhos de criança, que analisa a
partir de sua formação e de sua relação com a família.
A abertura de Sequelas, como um prólogo, diz: “Alguém me disse que
antigamente o nanquim era extraído do polvo. Me parece que o polvo desprendia
sua tinta quando sentia-se ameaçado. Creio que quando desenhe eu devolva ao
nanquim sua função primitiva. Eu sou como o polvo”.
No desenho, um ilustrador, enquanto fuma, trabalha à mesa. Desenha algo
próximo à imagem de Cristo crucificado com Maria ajoelhada a seus pés (o que,
posteriormente, ao longo da obra, descobrimos ser um desenho feito pelo autor
em sua infância). Temos sua visão lateral esquerda, quase de costas, posição da
qual ele também nos olha, sem virar a cabeça, apenas com os olhos. Por sobre a
prancha, um maço de Marlboro, isqueiro, cinzeiro, xícara de café, rádio, luminária,
caixa de giz, papeis, borracha, apontador, ficha de orelhão, rolo de papel
higiênico, régua, esquadro, corretivo, fluido para isqueiro, um porta-lápis-canetas-
escova-abridor de envelopes-tesoura-colher, vários organizadores de CDs em que
se podem ver nomes como Elomar e Carlos Gardel, no mural à parede, pequenos
papeis, pôster ou foto com imagem de uma mulher, outro de um carro.
A gaveta ao seu lado esquerdo está aberta. Podemos ver mais do que
detalhadamente a textura da madeira de sua cadeira. O centro da mesa é
iluminado. Nas demais áreas, um denso tracejar cria o sombreamento e o forte
contraste da imagem. A mesa, a parede, a moldura da janela, assim como os
demais objetos e imagens dispostas ao seu redor são formados e cobertos por
muitos traços paralelos. Sua roupa também. Sua pele, ainda que na área clareada
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pela luminária, ganha texturização e idade pelas muitas marcas nos braços
magros, rosto e pescoço.
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dependessem de uma revista para publicação, o que lhe abriu também as portas
para o mercado editorial.
Tal como seus futuros trabalhos, essa primeira obra narrativa mais
desenvolvida (e mais longa) já se divide em capítulos não necessariamente
sequenciais. Desde cedo Mutarelli nos apresenta uma história com a qual nos
relacionamos de maneira semelhante à proposta por outras formas narrativas,
como o cinema ou a literatura moderna (influenciada, ela também, pela sétima
arte). Ele faz uso de diferentes enquadramentos e sequencialidades. Há diversas
cenas intercaladas, suspensões temporais, ambientações em que o protagonista,
que até então ainda não nos foi apresentado, apenas permanece em cena.
Acompanhamos seus pensamentos, a ação da chama de uma vela e o tango de
Carlos Gardel tocando na vitrola. Ele está imóvel (Imagem 3).
Recebemos informações visuais, narrativas, mas também imagens sonoras
propostas nas composições de seus desenhos e palavras.
O segundo capítulo é aberto com uma cena externa, em que o personagem
é interpelado por um pedinte que o questiona sobre deus e o capitalismo. Thiago
acorda do sonho na casa de sua amante.
Mutarelli constrói e desconstrói as cenas. Acompanhamos os
acontecimentos por uma outra lógica. Somos apresentados a um ambiente que,
em seguida, é suprimido. Essas localizações servem não apenas para introduzir
os leitores no pano de fundo em que a história ocorre, em seu cenário, mas
também em uma espécie de frequência em que a obra vibra.
Daquela casa, Thiago segue para a sua própria. Aos poucos, por meio dos
diálogos, recebemos mais informações sobre sua origem, seu passado recente e
suas intenções. Ele acaba de sair da cadeia, onde passou os últimos oito anos por
ter assassinado o próprio pai, um ser bizarro possuidor de quatro braços, que era
explorado pelo circo. Thiago alega tê-lo matado para seu próprio bem. Os
indivíduos não mereceriam a dor e a humilhação de uma existência tão cruel. Ele
sai da prisão com o objetivo de procurar pela mulher que dizia amá-lo para que ela
o mate – o que seria uma prova de seu amor.
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Literatura
Mutarelli diz que, em 2002, estava saturado de imagens. Foi durante um
feriado de carnaval, em que sua mulher e filho viajaram, que surgiu a ideia de O
Cheiro do Ralo. O texto, que ele não sabia se era exatamente um livro, foi escrito
em cinco dias, corrigido em dez e enviado para a Devir, editora que publicava
seus quadrinhos na época. A princípio não houve interesse em lançar o romance,
pois acreditava-se que seu público era apenas para as HQs.
Em uma visita a Arnaldo Antunes, Lourenço lhe entregou uma cópia do
texto. Dias depois, o compositor enviou um e-mail elogiando o trabalho. Sua
editora, então, aceitou publicar a obra com um desenho do quadrinhista como
capa e com o texto de Antunes na quarta capa – o que lhe daria credibilidade.
Segundo o autor, graças aos escritores Marçal Aquino e Marcelino Freire, o
livro foi descoberto em pouquíssimo tempo. Menos de um mês após seu
lançamento, os direitos para filmagem haviam sido vendidos.
Depois disso, sua vida mudou. Começaram a aparecer inúmeras
encomendas de textos, principalmente para o teatro (gênero a que se dedica,
como leitor, desde a adolescência).
O diretor Heitor Dhalia, que havia comprado os direitos de O Cheiro do
Ralo, estava na pré-produção de seu primeiro longa-metragem, Nina (2004), e
pediu que Lourenço fizesse as ilustrações e animações para o filme.
Para o longa feito a partir de sua primeira obra, o autor foi convidado a
atuar como o segurança da loja.
A partir daí, publicou um livro por ano, número bastante acima da média da
maioria dos escritores.
O relativo sucesso do filme para a dimensão de sua produção revelou o
trabalho de Mutarelli. Ao contrário do que ele próprio esperava, o cinema levou os
espectadores para a literatura.
Nesse primeiro livro, é perceptível como o autor enxuga suas frases em
relação ao desenvolvimento que fazia nos quadrinhos para contextualizar algum
acontecimento.
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Sépia.
Terreno baldio. Imagem borrada, luz difusa. Lembrança.
Um menino solitário brinca com um graveto. Miguel, menino.
Detalhe da mão do menino erguendo o graveto para o céu. O
graveto acompanha o percurso de aviões que passam.
Esquadrilha da Fumaça. O menino tropeça em algo e cai. Percebe
um cão vira-lata morto a seus pés. O menino se levanta e com o
graveto cutuca, levemente, o cão (p.9).
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“E aí?
E aí?”
A poética do autor
“(...) eu nada entendo, mas sinto tudo, da forma mais intensa possível”
(Sequelas, p.16).
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O muito, complexo
Outra característica que acompanha o trabalho do autor já se encontra nos
primeiros materiais gráficos apresentados em Sequelas: a presença denotada de
múltiplas referências, principalmente artísticas. Ele faz questão de incluir em seus
desenhos e nas falas dos personagens o nome de compositores e instrumentistas,
escritores, teóricos, programas de televisão. A presença desses referenciais
conforma grande parte da personalidade de seus protagonistas. Eles se criam na
cadência em que essas referências nos vão sendo apresentadas – muitas vezes
com extrema ironia.
A verdadeira história de João (1988) é dedicada a Jane e Herondy, dupla
de cantores românticos da música brasileira daquela mesma década. Em
Transubstanciação, o personagem ouve um tango de Carlos Gardel enquanto
aguarda a chama de uma vela se apagar, fuma enquanto na imagem aparecem
nomes de bandas e compositores, trechos de músicas, notícias de jornais,
orações, expressões utilizadas em rótulos de alimentos, entre tantas outras
(Imagem 10).
Em seu primeiro romance, O Cheiro do Ralo, o narrador cita de Valêncio
Xavier a Paul Auster, Ferréz, Freud, programas do Discovery Channel e Cartoon
Network. Em Miguel e os demônios, um dos personagens mistura inúmeras
referências históricas para justificar sua crença numa seita demoníaca.
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Ele entra.
Ele faz uma careta.
Essa será a nova senha.
Para entrar tem que fazer cara feia.
É o preço.
Este é o preço para sentir o cheiro do inferno.
Nossa senhora! Que cheiro ruim!
Fede, não fede?
Ô! E como.
Você come?
O quê?
Você que falou, “fede e como” (idem, p. 99).
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O vazio
O próprio autor questiona, em Sequelas, o motivo para ter feito três versões
de um mesmo argumento para uma HQ que tematiza o “vazio”.
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Fim da história. “E assim como veio o estranho ser, ou não ser, partiu. Deixando
apenas uma insuportável sensação de que sempre esteve e continuará presente
dentro de nós...” (idem, p.96).
O mesmo tema está presente em outras obras. Geralmente seus
personagens adotam comportamentos incompreensíveis ou obsessivos sem
motivos aparentes ou como consequência de fatos banais. Assim o é em O Cheiro
do Ralo e O Natimorto. A presença do absurdo, que acompanha todas as
histórias, desde a situação mais corriqueira à mais fantástica (num sentido
underground, sujo), traz consigo o “vazio” desses personagens. Os diálogos
muitas vezes estão centrados na argumentação em que um dos interlocutores se
pauta pela razão e o outro insiste no non sense, em argumentos que seguem uma
lógica própria, perturbadora, que colocam personagens e leitores em um labirinto.
É o que ocorre em A Arte de produzir efeito sem causa, em que Junior, ao
longo da narrativa, passa a se comportar de modo psicótico, relacionando
acontecimentos, letras de cartas e bilhetes, achando mensagens subliminares em
coisas aparentemente banais. O leitor é levado a esse ambiente, acompanha
Junior (cujo nome já remete ao próprio pai, à sua sombra e dependência), entra
em sua lógica, passa a pensar em seu ritmo.
A presença do nu e do sexo é outra característica marcante de sua obra. Já
em seu trabalho gráfico se evidencia a nudez, a aparição de órgãos sexuais
(principalmente o masculino, o falo), em corpos sempre decadentes, de seres
sobrenaturais, homens ou mulheres (Imagem 11).
Seus personagens estão quase sempre à procura de sexo. Em O Cheiro do
Ralo, por exemplo, em algumas negociações com suas clientes, o narrador propõe
que tirem a roupa ou que lhe façam sexo oral em troca de seu dinheiro.
Nas poucas vezes, em toda sua obra, que se tratam de relações amorosas,
elas não são correspondidas. Nos demais casos, essas aparições dizem respeito
à atração carnal, da satisfação de um desejo físico, não intermediado por
sentimentos. A crueza de um mundo real, quase aos moldes naturalistas, não se
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dos maços de cigarro como se fossem cartas de tarô que definirão, dia a dia, os
acontecimentos de sua vida.
Em O Cheiro do Ralo, pelo contrário, os distúrbios do comprador não estão
explícitos por suas ações, mesmo porque alguns fatos ou considerações absurdas
suas se confundem com tanta ironia que desfia a todos os interlocutores e consigo
mesmo durante os fluxos de consciência.
Nos seus primeiros trabalhos na literatura, Mutarelli suprime quase todas as
referências à localização das histórias. Nos demais livros, já é possível perceber
uma descrição mais minuciosa.
Esse enraizamento na realidade é feito, por exemplo, por meio do nome
das ruas e bairros pelos quais os personagens transitam em Miguel e os
demônios, pela estação do ano, temperatura, datas e descrições minuciosas (do
suor de Miguel, do modelo de seu carro, dos enfeites natalinos no comércio local,
da roupa provocante de sua cunhada). A localização precisa se estrutura de forma
a criar uma base sobre a qual se desenvolverão os devaneios e distúrbios do
protagonista.
É possível observar que, nos seus diversos livros, o aprofundamento
desses distúrbios é inversamente proporcional à localização da história. Quanto
mais detalhes temos sobre a “realidade” daquele personagem, maior sua fuga ou
mais distorcida sua forma de enxergar as coisas.
Em sua obra, existe a presença do relato autobiográfico e de referências
pessoais de Mutarelli. O autor brinca ao se colocar nas obras até mesmo pelos
nomes de seus personagens. Na trilogia do detetive Diomedes, um domador de
leões chama-se Lorenzo. Em Jesus Kid, o narrador tem o nome de Eugênio e um
senhor de idade se chama Lourenço. Em A Arte de produzir efeito sem causa, o
protagonista é Junior - ao mesmo tempo nome de Lourenço Mutarelli e uma
metáfora que explicita a dependência que o personagem estabelece com o pai.
A relação pai e filho é outro tema presente em suas obras. Uma das poucas
informações sobre a o comprador de O Cheiro do Ralo é que ele nunca chegou a
conhecer o pai – que apenas engravidou sua mãe sem ter com ela nenhuma
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personagens tanto das HQs quanto da literatura que os fazem deslocar o foco e o
sentido de suas ações para objetos e acontecimentos.
Todas essas características trazem aquele que parece o eixo central da
obra do autor: o vazio e a falta de sentido da existência humana. À procura desse
sentido, seus personagens lançam expectativas em seres superiores, criam
desejos e culpabilizam objetos, desenvolvem raciocínios e lógicas próprias, que
constroem labirintos cuja saída não parece existir: nem para os personagens, nem
para os leitores.
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A uma viciada que tenta lhe vender objetos sem valor, ele se demonstra
interessado e lhe dá o dinheiro. Com o passar do tempo, o comprador não mais
aceita suas ofertas e, então, apenas lhe paga quando ela se submete a ele e tira a
roupa – situação determinante para o encadeamento da narrativa, já que ela é a
única cliente que retorna à loja constantemente e seu papel é fundamental para o
desfecho.
O destino do protagonista se constrói a partir da relação efetivada com os
demais personagens que cruzam seu caminho. São eles que o procuram por uma
necessidade e neles toda sua densidade psicológica é despendida.
Ao mesmo tempo em que o personagem é responsável pelas ações que
seus interlocutores têm contra si, ele se manifesta como um títere, sem reações
ou a busca de um objetivo claro, apenas recebendo o que se manifesta contra ele
próprio de forma quase passiva. Ele provoca situações e aguarda seu desfecho.
Esse é seu jogo.
O narrador consegue uma relativa cumplicidade do leitor pelo humor
presente no sarcasmo e na ironia de suas reflexões e falas. No entanto, ao
mesmo tempo, adota uma postura arrogante e sádica que o afasta da ideia do
personagem-herói: “Eu adoro fazê-los voltar quando trazem coisas pesadas”
(p.58). Pelo contrário, assim como os demais protagonistas de Mutarelli, seu
destino é trágico. Ele sofre e faz sofrer.
Sua frieza fica evidente pelas piadas e ironias que faz com seus
interlocutores e pelas construções em que coloca, em um mesmo período,
assuntos bastante diferentes, tais como um acontecimento supostamente
dramático relacionado à sua vida pessoal e comentários sobre programas de
televisão:
O telefone toca. Acho que atendo antes mesmo disso. Ele diz que
sua filha está internada. Ele diz que fizeram lavagem. Ele diz duas
caixas de Lorax.
Imagino baldes, repletos de merda e amarelos Lorax.
Ele diz que eu não sou homem. Não sou homem para sua filha.
Ele diz que ela tentou se matar. Com os convites na gráfica. No
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de pagar para que lhe mostre a bunda, pede demissão do trabalho e, então, o
protagonista passa um período sem a encontrar.
Sua percepção sobre a realidade vai se alterando, ele começa a ver e sentir
vultos e, então, já não há distinção clara entre o que são seus delírios e o que de
fato acontece dentro da realidade da obra. O protagonista recebe um sapo com a
boca costurada – dentro da qual há uma mensagem para ele: “Estive no inferno e
lembrei de você”.
Mais uma vez Mutarelli faz com que o leitor acompanhe os sentidos do
protagonista, não apenas sua rotina, mas principalmente seus pensamentos e
percepção subjetiva daquilo que ocorre ou acredita acontecer.
Somos todos testemunhas de seus distúrbios psicológicos e das distorções
que realiza ao deslocar o sentido das coisas:
Eu já sei o que foi que aconteceu. Não foi culpa do olho. Coitado.
É que eu andava estressado. Por isso eu absorvia o sentimento
das coisas. Porque tudo o que eu compro tem história. Tem
sentimento. E eu, cansado, acabava os absorvendo para mim. É
como no caso do olho. Coitado. Não era ele quem me trazia má
sorte. Eram os sentimentos nele contidos. É isso. E no fundo, em
relação à bunda, foi melhor assim. Porque, se por um lado não a
vejo, por outro tenho me alimentado melhor. O cheiro se foi para
sempre. E meus pensamentos voltaram a fluir. Voltei aos livros. E,
hoje, me sinto bem. Não existe mais vulto. Meu sono se
regularizou. É isso aí. É claro que ficaram resquícios. Mas a coisa
é pouca. É café-pequeno (p.55).
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garçonete, que aceita realizar seu desejo (ser paga para mostrar sua bunda). O
dono da loja lhe oferece emprego como sua recepcionista.
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Ele entra. Um raro livro. Jura ser a primeira edição. Chuto baixo,
bem baixo. Quero que ele pense que eu não sei o que tenho ali.
Ele me chama de ignorante. Reforço sua ideia dizendo,
Baudelaire? Nunca ouvi falar. Heresia! Blasfema. ‘Les Fleurs Du
Mal’.
Não falo francês.
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Nem inglês.
Nunca aprendi nem sequer a língua do P.
É a primeira edição francesa. Isso vale uma fortuna.
Isso quem diz é você.
O pior é que eu preciso da merda dessa grana.
E por falar em merda, o cheiro é do ralo.
Que cheiro? Ele não sente!
Quadruplico a oferta.
Ele põe a mão sobre o peito. Ele pede para sentar. Chamo a
mocinha e peço um copo d’água. Se o senhor soubesse como eu
preciso desse dinheiro. tenho um filho doente. A vida é dura (p.26-
27).
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HEITOR DHALIA
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3 Contraplongée (em francês, “contra‐mergulho”) se refere ao posicionamento de câmera em
que o objeto é filmado de baixo par cima, de forma a situar o espectador abaixo do objeto, o
que, em geral, cria uma sensação de grandiosidade e superioridade do que está sendo filmado
em relação ao observador.
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O filme busca ao máximo manter apenas tons de cinza e cores frias com a
predominância do preto, o branco, o cinza, o marrom, o verde e o azul. As paredes
são todas envelhecidas e manchadas em tons de cinza esverdeado. Nina usa
sempre roupas, botas e meias três quartos pretas, maquiagem borrada, seus
cabelos estão sempre sujos e despenteados. Ela sua. A direção de arte (de Akira
Goto e Guta Carvalho) e a fotografia em alto contraste (de José Roberto Eliezer)
são determinantes para a criação do clima de suspense do longa.
Em 2007, Dhalia estreou seu segundo longa, O Cheiro do Ralo (analisado
mais à frente), e, em 2009, À Deriva, filme que o levou à seção Un certain regard
(Um certo olhar) do Festival de Cannes.
À Deriva acompanha as férias de uma família da classe média alta em
Búzios, Rio de Janeiro, no início da década de 80.
A narrativa toma como foco o olhar da filha mais velha, a adolescente
Filipa, que descobre, ao mesmo tempo, as relações amorosas e a traição entre os
pais - um escritor francês e uma professora.
O casal decide passar um tempo na casa de praia na tentativa de se
reconciliar. Porém, todos assistem ao naufrágio da relação.
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A direção de arte novamente é assinada por Guta Carvalho, que tinha como
premissa adotar intervenções o mais discretas possíveis. A composição é feita
com objetos e figurinos típicos dos anos 80, como se evidencia pelos quadros 9 e
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10, em que vemos uma máquina de escrever, louças e o rótulo utilizado na época
para as latas de Nescau.
4 Segundo o roteirista do filme, Marçal Aquino, em palestra realizada no SESC Campinas, em 13/08/2009.
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Estação, o filme rodou por algumas cidades do Brasil, além de ter sido exibido em
outros países onde recebeu algumas premiações.
Apesar de um processo dificultoso para sua realização, O Cheiro do Ralo é
ganhador de diversos prêmios, entre os quais o de Melhor Filme na Mostra
Internacional de Cinema de São Paulo, no ano de 2006, e de Melhor Ator para
Selton Mello, Prêmio Especial do Júri e Melhor Filme Latinoamericano no Festival
do Rio daquele mesmo ano.
A ideia de filmá-lo surgiu do interesse do diretor Heitor Dhalia pelo livro de
Lourenço Mutarelli, que o levou a comprar seus direitos para a filmagem. O
segundo passo foi tomado por Selton Mello, que, logo depois de ler o texto em
uma ponte aérea, ligou para o diretor se oferecendo para fazer o papel principal. O
ator tinha se encantado com a obra e com seu narrador. Depois de muita
insistência, Dhalia o aceitou como personagem principal.
Em contraposição à única referência espacial relacionada ao centro de São
Paulo no livro de Lourenço Mutatelli, na obra cinematográfica a história se passa
em um bairro industrial. O protagonista, cujo nome não aparece na versão literária,
chama-se Lourenço - primeiro nome do autor do livro, que acabou assumindo, no
filme, o papel do segurança da loja.
O roteiro foi adaptado pelo próprio diretor, Heitor Dhalia, em parceria com o
escritor e roteirista Marçal Aquino, que já criou diversos roteiros para cinema a
partir de livros, inclusive O Invasor e o recente Eu receberia as piores notícias dos
seus lindos lábios, ambos de sua autoria e filmados por Beto Brant. Segundo
Marçal, O Cheiro do Ralo foi a obra que transformou mais facilmente em roteiro,
dada sua construção, em que prevalecem os diálogos e descrição de ações.
Grande parte dos fluxos de pensamento do protagonista foram transformados em
voz over no filme.
No geral, as cenas se mantêm de forma bastante semelhante à do livro.
Tema, estrutura e ações permanecem praticamente os mesmos nas duas obras
(literária e cinematográfica), tendo sido feitas apenas poucas adaptações e
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deparam com algo comum em um contexto inesperado, o que faz com que
experienciem aquilo de outra maneira ou mesmo reflitam a respeito.
Em seu livro O Ato da Leitura, Wolfgang Iser discorre sobre a concepção de
Roman Ingarden, para quem o padrão fenomenológico para a definição de objetos
diz respeito à existência do objeto real, aquele que é apreendido, e do objeto ideal,
o que é constituído, imaginado.
Para ele, o objeto de arte se distingue desses dois por ser de natureza
intencional: não possui a determinação universal do objeto real nem a existência
autônoma do ideal, “pois é um objeto que espera sua realização” (1999, p.108).
Essa realização apenas acontece pela relação de sentido que é estabelecida pelo
sujeito que com ela se relaciona.
A criação imagética no filme O Cheiro do Ralo se dá nesse âmbito, entre o
real e o ideal. Utilizam-se elementos usuais para a criação de composições outras,
incomuns.
Ao optar pelas filmagens em um único galpão – onde foram construídos
todos os ambientes – e por tomadas externas sem ações específicas (apenas
como conexões para outras sequências, transições), o direcionamento do filme se
encaminhou para uma forte intervenção imagética sobre esses espaços. O
“universo” em que se passa o longa é criado por um intenso trabalho de direção
de arte e de fotografia.
O Cheiro do Ralo pode, em alguns aspectos, se aproximar de algumas
formas de produção cinematográficas, como o “cinema de transgressão”
estadunidense, criado pelo movimento punk nas décadas de 70 e 80 (e cunhado
como tal em 85 por Nick Zedd). Com a proposta de produzir choque e humor, suas
filmagens em geral eram feitas com câmeras super 8, enfocando temáticas
irônicas e fetichistas. Ou ainda o chamado “cinema de borda”, filmes feitos de
forma totalmente independente com baixíssimo orçamento.
No entanto, ambos os gêneros pautam-se por uma estética bastante tosca,
improvisada. As condições de realização ficam evidentes no resultado final e essa
é mesmo a intenção.
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A Direção
Tal como a obra literária, o longa-metragem O Cheiro do Ralo é dividido em
capítulos.
O filme se caracteriza por uma direção basicamente estática e de edição
fragmentária. Praticamente todas as tomadas são feitas com câmera fixa, exceção
a pequenos movimentos em que se acompanha algum personagem ou em cenas
que denotam o delírio do protagonista ou atos de violência (quadros 11 a 14),
todas elas feitas com câmera na mão em que a imagem é produzida de forma
bastante trêmula e instável.
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Direção de Arte
Função que se alterou muito ao longo da história do cinema, a direção de
arte se constituiu, a princípio, pelo trabalho de cenografia, que hoje faz parte de
um conjunto maior de ações, cuja intenção é refletir sobre a concepção estética do
filme criada pelos elementos físicos que aparecem em cena (locação, cenografia,
figurinos, objetos de cena, maquiagem, entre outros tantos), além de coordenar as
funções da equipe que realizará tudo o que foi concebido.
Enquanto o diretor de fotografia define climas a partir da escolha de lentes,
suportes de captação da imagem, iluminação, entre outros aspectos, a direção de
arte se ocupa com a composição dos espaços e elementos que o constituem
fisicamente, a arquitetura, a definição da paleta de cores pela qual as imagens
transitam, assim como o uso de texturas. Todas essas etapas ocorrem de forma a
propor imageticamente uma coerência plástica e visual ao filme buscando
metáforas que se associem à proposta do trabalho. São criados climas a partir de
todas as escolhas.
A cinematografia tem empregado suas possibilidades de diferentes
maneiras com o decorrer do tempo. Inicialmente inexistente dentro dos grandes
estúdios em que se faziam as filmagens, a função do diretor de arte (também
chamado por Production Designer) se tornou predominante no cinema
contemporâneo de muitos países, o que demonstra a importância da criação
estética nas obras a partir dos itens que as constituem de forma mais elementar.
De acordo com Vincent LoBrutto (2002):
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comentar a respeito de temas da história. Um objeto ou imagem é transposto de seu significado comum
a fim de substituir ou simbolizar algum aspecto da narrativa, além de proporcionar uma complexidade
poética à história. A metáfora evocada pelas imagens pode ser complexa e ter sua compreensão em
diversos níveis, mas normalmente o espectador pode facilmente fazer uma leitura de seu significado
latente. Diferentemente das palavras incompreensíveis da poesia, que dão margem a múltiplos
significados e imagens na cabeça do leitor, as imagens de um filme são concretas. A utilização de um
objeto de forma a transcender sua fisicalidade é um desafio, já que o propósito metafórico pode parecer
bastante vago. Por vezes se torna difícil a compreensão do público para com o objetivo narrativo da
metáfora (tradução minha).
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de pintura, imagem estática, que cria um limite de imagem (AUMONT, 1995), aquilo que é enquadrado,
e que constitui a unidade elementar da imagem em movimento.
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Sequência de abertura
O Cheiro do Ralo se inicia com a sequência em que uma bunda toma toda
a tela. A câmera a segue pelas ruas, enquandrando-a ora pela diagonal direita,
ora perpendicularmente.
Não se pode ver o rosto da personagem ou qualquer outra parte de seu
corpo, a não ser parte das pernas e braços, na altura do quadril.
Ironicamente, veste shorts cuja estampa figura coqueiros, flores, um veleiro
e ondas. Cria-se a imagem de paisagem em duplo sentido.
A tendência da cinematografia mundial é a de realizar aberturas com
paisagens. É dessa forma que se localiza o espectador no filme. Uma grande
angular que caminha para cortes ou aproximações dos personagens, tomadas
internas. É esse o caminho de fora para dentro do filme.
Em O Cheiro do Ralo, o sentido da sequência inicial pode ser entendido de
forma semelhante. O diretor nos localiza na paisagem do filme: a bunda. É ali que
se passará, simbolicamente, a história. Se não na bunda, em parte daquilo que ela
produz, o que dá origem aO Cheiro do Ralo.
No entanto, a sequência é criada de forma a deixar entrever por onde essa
personagem caminha. É possível vislumbrar paredes, calçadas, portões, postes.
Tudo cinza e bege – como as demais paisagens do filme, analisadas mais à frente
neste texto.
A bunda segue pela rua e entra em uma lanchonete. Ali podemos, pela
primeira vez, visualizar o rosto de uma pessoa: Lourenço, que lê sentado ao
balcão.
A personagem passa para a parte interna do balcão e se abaixa para pegar
algo. Há, então, um corte para o enquadramento de Lourenço que vê e torna a
olhar para a bunda que, percebe-se, chamou sua atenção. Há outro corte e a
câmera se volta novamente para a bunda.
Instaurou-se, aí, imagética e dramaticamente, a relação de Lourenço com
seu “objeto” de fetiche.
A segunda sequência se inicia já na fachada de sua loja.
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Fachada da Loja
Como todas as tomadas externas, não há ações específicas quando as
cenas se localizam na fachada da loja de Lourenço.
O enquadramento é quase o mesmo em todas elas e se tratam de
momentos apenas de chegada ou saída de seus clientes ou do próprio
protagonista. Essa construção se dá em estreita relação com a estrutura do livro:
as sequências se iniciam repetidamente com “ele entra” ou “ela entra”. A câmera é
quase sempre estática, não realizando nenhum tipo de aproximação ou
afastamento. Ao longo do filme, a semelhança entre as tomadas insinuam, mais
uma vez, a ideia de monotonia e repetição.
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Tipo de pintura muito comum em intervenções urbanas que utiliza fôrma vazada pela qual passa
a tinta.
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Lourenço. É ali dentro que ele lhes impõe seu jogo. Normalmente, é ele quem
ganha.
No meio do cenário, em uma das partes da parede cinza, existe um grande
círculo preenchido de marrom, no mesmo estilo de pinceladas. Esse ponto
persiste em todas as tomadas da fachada e se relaciona imageticamente com o
ralo da loja e com o olho que o protagonista compra.
Esse círculo simboliza os dois objetos, cujas características são atribuídas
àquele local. A loja fede, ali é o próprio esgoto. É por ali que todos vão, de fato,
entrar. É por aquele “portal” que adentrarão o universo fétido construído por
Lourenço. Heitor Dhalia produz, com isso, uma ideia de continuidade entre as
cenas. O círculo faz a transição de uma tomada a outra.
Ao mesmo tempo, ele serve como uma fuga do filme. É o olho que “já viu
de tudo”. Ele se lança para fora da tela.
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Composição da Loja
É na loja onde se passa a maior parte do filme. Ali acontecem as
negociações de Lourenço com seus clientes, é o espaço onde estabelece seu
jogo, exerce sua perversão.
Trata-se de uma sala bastante ampla em que a direção de arte inseriu
diversos elementos. São artigos velhos ou antigos, de procedência e contextos
diversos. Não existe uma unidade sobre o estilo do mobiliário, não havendo,
assim, forma de se distinguir a época de sua origem.
Existem alguns enquadramentos que se repetem. Por vezes, a câmera se
coloca próxima ao ponto de vista de Lourenço, não pretendendo, no entanto,
simbolizar seu olhar. Em geral, essas tomadas têm como fundo a parede em que
há diversos porta arquivos empilhados uns em cima dos outros. São peças de
cores e tamanhos diferentes, compondo uma espécie de unidade fragmentária.
Esses objetos representam a paleta de cor básica do espaço.
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Ao lado dos porta arquivos, existe uma máquina de pinball9 e uma balança
antiga, com o marcador redondo, que é utilizado algumas vezes para compor a
transição entre uma cena e outra. Nos cortes, ela aparece na mesma posição que
o círculo da fachada da loja ou o olho.
Quadro 45 - 1h16min48s
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Quadro 52 - 1h25min37s
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Quando as tomadas a focalizam, parte dos vidros está fechada para evitar
a luz contra a câmera.
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Quadro 59 - 33min28s
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Quadro 66 - 54min58s
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Lanchonete
O espaço da lanchonete, ao contrário dos demais ambientes do filme (como
as tomadas externas ou a loja e a casa de Lourenço), é criado em cores quentes.
Ali várias pessoas se encontram e notam-se elementos inexistentes em
outros espaços, tais como frutas, flores e plantas.
Esse é o espaço “mundano” do filme, onde o protagonista conhece “a
bunda”, uma garçonete cujo nome é “impronunciável” e que gosta de ler a “Revista
dos Astros”.
A presença desses elementos, somado às cores predominantes, dão vida
ao ambiente. Fazem parte do cenário quadros com a imagem de um papagaio e
de uma paisagem (algo semelhante a um cânion).
Nota-se a opção em algumas das tomadas de utilizar as frutas como
elemento de enquadramento da cena. Elas compõem a parte baixa da tela.
Os frequentadores do local, no entanto, também se vestem em tons de
bege. Como grande parte dos personagens, eles se confundem com o cenário. A
mudança de cores é feita apenas no figurino das pessoas que destoam desse
universo pelo qual o filme vaga. A garçonete é identificada com aquele espaço,
com a vida.
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Figurinos
Os figurinos são utilizados para caracterizar personagens. Algumas vezes
mais, em outras menos, existem acessórios ou estilos empregados em cada figura
do filme. A forma como cada um se veste é parte da constituição de sua
personalidade.
Em O Cheiro do Ralo, a composição se impõe, em primeiro lugar, mas não
apenas, pelas cores das roupas, que interagem com os ambientes.
O protagonista está o filme todo vestido de tons de bege e marrom, seja em
sua loja, na lanchonete ou em sua casa. São casacos, camisas, camisetas pólo,
calças e (na casa) roupão marrom que sempre se combinam nessas duas cores.
Não há estampas figurativas, exceto quando Lourenço sonha com a bunda. Nessa
cena curta, ele usa uma camiseta pólo em que aparecem dois pássaros (ainda
que marrons).
A escolha de seu figurino tem por finalidade identificá-lo com seu ambiente
e, mais, criar a unidade de sentido que o situa como a personificação daquilo que
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aparece vestido de terno e camisa ainda vermelhos, porém num tom mais escuro,
em uma clara referência a uma suposta ascensão social (mesmo que simbólica ou
apenas pretendida). Ele se vangloria por ter salvado a vida do chefe.
Outra personagem que aparece com a cor vermelha é a viciada, como em
uma prenunciação ao ato que vai cometer no final do filme. Ela gera desconfiança
no segurança, demonstrada claramente na cena em que ele é enquadrado de
braços cruzados por cima do ombro da drogada, encarando-a (quadro 99).
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Sequências
Em vários momentos do filme, a montagem privilegia a criação de
sequências em que a transição de cortes acontece de forma a manter alguma
semelhança entre elementos dos dois quadros.
Esses elementos funcionam, semanticamente, como símbolos ou objetos
de significação, além de elaborarem a transição entre uma cena e outra e, em
alguns casos, servirem como elemento de permanência.
Logo a primeira transição é realizada do enquadramento da bunda (primeira
sequência do filme) para a fachada da loja, em cuja composição o círculo marrom
se destaca. Mais uma vez os elementos se relacionam diretamente.
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A compra do olho
• Livro
Ele entra.
Traz um olho de vidro nas mãos. Esse olho já viu de tudo. Ele diz.
Esse olho tem história. De tudo, ele não viu. Penso eu. Não viu a
bunda, isso ele não viu. Pego o olho, analiso. É incrível. É perfeito.
Injetado. Quero o olho pra mim. A bunda e o olho. Lembro daquela
capa de disco. Acho que era do Tom Zé. A bunda e o olho.
O olho do cu.
Chuto.
Quero o olho pra mim. Será o meu amuleto. Ela bate e entra. Ela
ainda não sabe que não gosto de ser interrompido. Ela sua,
cansada. Traz um pacote. Mais de quatro quilos calculo. Areia,
cimento e pedrinhas. Coloca ali no cantinho.
Peço desculpas ao homem do olho. Ele diz não se importar.
Explico o cheiro e o problema. Ele finge interessado ficar. Ela sai.
E então.
Não aceita. Diz que o olho vale mais. Esse olho já viu de tudo.
De tudo sei que não viu.
Digo que dei o máximo que posso dar. Ele levanta e agradece.
Espera, me ouço falar. Dobro. Ainda é pouco. Ele diz. Ele sabe
que o olho me encanta. Ainda o seguro nas mãos.
Quanto? Pergunto.
Tanto, ele chuta.
Tanto não posso dar.
Então fica pra próxima. Ele diz estendendo a mão.
Não devolvo. É o meu amuleto. Abro a gaveta e pago.
Você sabe negociar.
Guardo o olho no bolso.
Ele sai.
Mesmo com ele no bolso, continuo a alisar. (p.36-37).
“Ele entra”. Como a maior parte das negociações, o trecho se inicia com a
entrada do cliente. A descrição do ato repetidas vezes em diferentes capítulos
explicita a observação contínua do protagonista.
Então começam o diálogo. Não apenas as frases são entrecortadas, mas
também a própria introdução das falas, pontuadas separadamente do que é
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pronunciado pelos personagens: “Esse olho já viu de tudo. Ele diz. Esse olho tem
história. De tudo, ele não viu. Penso eu” (p.36).
A pontuação do texto cria uma ruptura no ritmo da cena ao mesmo tempo
em que encadeia as ações rapidamente, como se cada pequeno trecho fosse uma
peça de um quebra cabeças.
Além disso, as ações, falas e introduções são entremeadas pelos fluxos de
consciência do protagonista, que relaciona diversas referências com o diálogo que
estabelece e com as ideias que lhe vão surgindo:
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versos: “Peço desculpas ao homem do olho. Ele diz não se importar. Explico o
cheiro e o problema. Ele finge interessado ficar. Ela sai. E então.
Não aceita. Diz que o olho vale mais. Esse olho já viu de tudo” (p. 36).
Ao final do trecho, uma suspensão da sequência (“E então”), mais uma vez
assinalada por um ponto final, até o cliente negar a expectativa do protagonista.
O “homem do olho” é enfático. Suas ações são curtas e não há hesitação.
Ele nega as ofertas, se levanta para sair, não parece interessado em entrar no
jogo, em se render às propostas do protagonista.
Nessa cena não há brincadeiras e ironias direcionadas ao seu interlocutor.
O comprador faz novamente uma proposta e acaba se rendendo ao que o
cliente pede. O olho lhe causou um impacto e suscitou diversas relações com sua
história, com suas criações imaginárias. Ele se tornará seu amuleto, seu parceiro,
testemunha de tudo o que vê e vive.
Mais à frente o personagem o transformará no “olho de seu pai”, o pai que
nunca teve, seu “pai Frankstein”.
• Filme
A sequência se inicia com a externa do “homem do olho”. A câmera o
enquadra em plano americano. Virado para o lado oposto à loja, ele fuma, se vira
e prossegue em direção à porta com o cigarro na boca. Há um corte e o
enquadramento passa a mostrar toda a fachada.
Essa mesma movimentação é feita pelo segurança em outro momento do
filme.
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Mais um corte e Lourenço olha para o olho, o pega e pede para que seu
interlocutor se sente. Pede desculpas pelo cheiro e chuta: “Cinquenta?”.
Em contraplano, o “homem do olho” diz o mesmo texto que no livro: “É
pouco. Esse olho vale mais”. A câmera o focaliza em close: “Esse olho já viu de
tudo”.
O enquadramento evidencia sua feição. Ele usa um brinco de argola
dourada na orelha esquerda. Sua pele enrugada traz textura e gravidade. Por
debaixo da gola da jaqueta fechada, a gola de uma camisa também azul escuro
fechada (quadro 139). Seus movimentos são severos, enérgicos em contraposição
à hesitação de Lourenço, que dobra a oferta: “Cem?”.
O vendedor nega: “Ainda é pouco”. Ao ser questionado, lhe dá seu valor:
“Quatrocentos”. O personagem principal recusa, seu interlocutor se levanta e
estende a mão para pegar o olho e ir embora, mas Lourenço se rende. Abre as
caixinhas onde guarda o dinheiro e entrega o que lhe foi pedido.
Em pé à sua frente, o homem ainda grave parece satisfeito. Estende a mão
para pegar o dinheiro e a fecha energicamente, pondo o dinheiro no bolso da
calça.
Lourenço diz: “Você sabe negociar”. O homem sai sem dizer nada.
Sozinho na sala, o personagem analisa o olho: “Não. De tudo esse olho
ainda não viu. Ele ainda não viu a bunda”. Ao invés do fluxo de consciência,
optou-se pela fala do personagem em cena, ao invés de uma possível voz over
durante a negociação. No livro mesmo, não existe diferenciação entre essas duas
expressões.
A cena ocorre como na obra literária. O acontecimento é quase o mesmo.
Porém, no filme há quantificação, tratam-se de valores precisos. Ainda assim, a
moeda nunca é citada, apenas o número. Existe uma certa referência, mas que
não precisa época, data.
O enquadramento em close capta a gola da jaqueta e da camisa, mas corta
da imagem parte da testa do personagem, prolongando aquilo que não está em
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cena. Dessa forma, tem-se a impressão de que a cabeça seja maior do que de
fato é (quadro 139).
Heitor Dhalia constrói imagens com uma enorme precisão. Ao se levantar
para pegar o olho, a mão do homem, estendida, é enquadrada na mesma posição
do objeto, que é segurado por Lourenço (quadro 140). A imagem supõe
duplicidade, uma possível transição e a dúvida de com quem o olho ficará.
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• Livro
Entro eu. O cimento secou. O cheiro cessou. Já não há mais ralo.
Tiro o olho do bolso e beijo. Você fará a sorte voltar.
Ele entra.
Nada tenho que explicar.
Traz consigo uma caneta.
É de ouro.
Chuto.
Ele repete.
É uma caneta maciça de ouro.
Então ela não escreve. Ironizo.
Claro que escreve, é só pôr a carga.
Mas se é maciça, não há espaço para carga. Ele não entende.
Ele desatarraxa e mostra a carga.
Eu não quero. Por quê?
Porque não gostei da sua cara.
Meu senhor, me desculpe minha cara. Não é ela que estou
oferecendo.
É a caneta. E olha que essa caneta, além de ser de ouro maciço,
tem história.
Não quero nem de graça.
Meu senhor, assim o senhor me ofende. Me desculpe, se minha
feição não lhe agrada, mas estou aqui pela caneta. É a caneta o
que deve julgar.
Não quero.
Senhor, te suplico. Eu preciso muito do dinheiro por favor, se o sr.
preferir me viro de costas. Assim o senhor nem precisa me olhar.
Você precisa mesmo do dinheiro?
O senhor nem imagina o quanto.
Então você faria qualquer coisa para conseguir?
Qualquer coisa também não, afinal sou um homem de princípios.
E até onde vão seus princípios?
Vão até seus limites.
E que limites são esses?
Ah, não sei precisar. Mas o que o senhor sugere que eu faça?
Nada. Nada não. Pode se retirar.
O senhor nem vai fazer uma oferta pela caneta?
Já fiz mas retiro.
Eu não vou te ajudar.
Olha, filho, a vida dá voltas. Um dia pode ser o senhor a precisar.
Você está me ameaçando?
Não, claro que não. Só estou...
Está nada. Você disse que é um homem de bem.
E sou. Sou, sim senhor...
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A cena começa com Lourenço (“Entro eu”). O ralo o incomoda cada vez
mais e isso é evidente pelo pensamento encadeado logo em seguida da entrada
do cliente: “Ele entra.
Nada tenho que explicar” (p.40).
A tensão aumenta conforme o narrador percebe a seriedade e
incompreensão de seu interlocutor para aquilo que diz e ironiza - como no caso da
caneta ser de ouro maciço e, portanto, não haver espaço para carga.
Conforme o diálogo avança, o cliente se coloca em uma posição cada vez
de maior inferioridade. O protagonista estabelece diversos jogos contra os quais o
vendedor não se insurge, tira sarro de sua cara e, ainda assim, ele se desculpa,
diz que pode se virar de costas para que o comprador não olhe para seu rosto. Ele
se submete a humilhações porque precisa muito do dinheiro. Aí mesmo é que o
narrador não lhe ajuda e exerce sobre ele seu sarcasmo e poder sádico.
Sua submissão se demonstra mesmo pelo pronome de tratamento pelo
qual se refere ao protagonista: senhor.
Ao contrário da maior parte do livro, neste trecho os períodos são um pouco
mais longos, mas mesmo assim continuam curtos.
As ideias do protagonista são concatenadas de forma breve e em
contraposição com o que disse anteriormente. Ele propõe e retira a proposta, diz e
desdiz, contradiz as falas de seu interlocutor, tentando confundi-lo,
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• Filme
“É de ouro”, inicia o vendedor tal qual no livro. A cena é aberta com um
close da caneta. O diálogo acontece de forma bastante parecida como na obra
literária, havendo, porém, mais uma vez, valores em jogo. Lourenço lhe oferece
“vinte, máximo”, ao que o homem retruca “mas é de ouro”. O personagem principal
retira a oferta e assim a cena transcorre.
A construção do personagem se dá de forma bastante característica. Trata-
se de um homem na faixa dos cinquenta a sessenta anos. Seus cabelos são
pintados de castanho e possuem uma parte de raiz branca. Ele usa uma calça
bege clara (que só é possível notar quando se levanta para sair), uma camisa
bege escura da qual apenas se vê uma parte da gola por baixo da blusa de lã
larga em tonalidades que variam do bege ao cinza e com motivo geométrico: uma
linha mais escura (preta ou cinza) a divide na horizontal mas de forma irregular,
com espécies de degraus. Na manga, existem fios puxados. Ele usa uma aliança
de ouro na mão esquerda: é casado.
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• Livro
Ela entra.
Ela treme.
A cada dia, mais.
Balanga.
Traz um saco.
Um desses sacos de embrulho, de papel pardo.
Desses que não se vê mais.
Agora tudo se embrulha em sacolinhas de plástico.
Essas sacolinhas fazem um barulho irritante. As de plástico.
Esses sacos não.
Ela enfia a mão dentro dele.
Agora até o saco treme.
Ela conserva a mão mergulhada.
Fala criatura, o que trazes pra mim?
Eu trouxe uma coisa que é do senhor.
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Ah, é?
É. Trouxe a única verdade.
Não brinca?
Ela aponta o saco pra mim.
O saco treme.
A cabeça balanga.
A mão trêmula está dentro do saco.
Eu trago a sua verdade.
Adivinho o que o saco guarda.
Eu trouxe uma coisa que só serve em você.
Abaixe isso!
Não posso.
Então o saco faz BUM.
E o BUM é tão alto que dói.
O BUM rasga o fundo do saco.
O BUM me rasga também.
O BUM sempre diz a verdade.
O saco rasgado revela sua mão.
Em sua mão tem fumaça.
A fumaça que sai pelo cano.
Mas não pelo cano do ralo.
Pelo cano da arma.
Ela treme.
Eu também.
Tem um buraco no teto.
Tem um furo em mim.
É uma dor grave.
Quando encosto o queixo no peito, eu vejo.
O paletó se tinge de mim.
Meu coração agora bate pra fora.
Espalhando o meu sangue por tudo.
Bate fora do peito.
E aí ouço um novo BUM.
O cheiro do ralo.
Esse era o nome do livro que eu nunca escrevi.
Tudo passa por meus pensamentos.
Penso em tudo que um dia comprei.
Penso em todas as coisas que me colecionaram.
A morte é dura.
A Morte cura.
A Morte cura e machuca.
A morte dói.
Eu sou dor.
Dói.
Dói muito.
Tudo é dor.
Tudo é dor no nada.
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Não há luz.
Era tudo mentira.
Deste lado ninguém espera por mim.
Ninguém me guia.
Pois o caminho não dá para errar.
Caio.
O caminho é a queda.
A queda me traga.
Como um ralo
É no desfecho que o mundo se rebela contra ele e lhe devolve aquilo que
vinha cultivando em suas relações. A opressão e a humilhação a que submeteu
muitas pessoas fez com que uma delas buscasse a solução de seu problema pela
morte do opressor.
Existe aí, mais uma vez, o deslocamento das ações, a culpabilização do
outro por sua própria situação. No caso, uma drogada que recorria
constantemente ao dono da loja para conseguir dinheiro para comprar drogas e
que poderia resolver essa situação específica simplesmente não retornando
àquele lugar. No entanto, ela opta por matá-lo. Sua revolta se vira contra a figura
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• Filme
A viciada entra na loja de Lourenço com um saco de pão na mão e diz que
tem algo que pertence a ele. Os tiros que dá perfuram o saco e deixam à mostra o
cano da arma.
A camiseta cavada e larga evidencia o colo e os braços magros,
esqueléticos, enfatizando sua condição física degradada. Seu corte de cabelo
durante todo o filme é assimétrico.
De costas, vemos Lourenço se curvar. Ele coloca a mão sobre o peito e vê
sangue. A viciada atira novamente e sai.
Após ser atingido, Lourenço se joga da cadeira, rasteja até o banheirinho e
cheira o ralo, onde a garçonete (agora secretária da loja) tenta socorrê-lo.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS∗
∗
Baseadas na norma NBR 6023, de 2002, da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT).
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