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DIREITO DAS COISAS – anotações

INTRODUÇÃO

Direito das coisas é o conjunto de princípios e normas que disciplina a relação jurídica
referente às coisas suscetíveis de apropriação pelo homem, segundo uma finalidade social.
Existem várias teorias que explicam a relação jurídica real, sendo as mais difundidas (I) realista
e (II) personalista.
De acordo com a teoria realista, real é o direito que traduz o poder jurídico direto de
uma pessoa sobre uma coisa, submetendo-a em todos (propriedade) ou em alguns de seus
aspectos (usufruto, servidão, superfície etc.). Para o exercício, portanto, do direito real, não é
necessária a participação de outro sujeito na relação jurídica.
A teoria personalista aduz que toda relação jurídica exige a convergência de, no mínimo,
duas pessoas, de maneira que até mesmo para os direitos reais há que corresponder uma
obrigação passiva universal imposta a todas as pessoas de se absterem de qualquer ato lesivo
ao titular do direito – dever geral de abstenção. Dessa forma, a relação jurídica de direitos reais
seria uma relação entre pessoas. Genericamente, o sujeito passivo da relação seriam todos os
sujeitos (sujeito passivo universal). O sujeito passivo, portanto, será determinado em particular
quando alguém viola o direito real de outrem. Assim, os direitos reais seriam absolutos,
oponíveis erga omnes. Isto é, à exceção do proprietário, todos são sujeitos passivos numa
relação real.
O que é a titularidade? É o vínculo ou liame entre a coisa de pertencimento e o sujeito.
De acordo com Luciano Penteado, o bem corpóreo, passível de valoração econômica e
de imputação patrimonial privada é a coisa em sentido jurídico. Contudo, há também direitos
que se coisificam, por necessidade do tráfico jurídico, p. ex., o usufruto.
Existem também direitos reais sobre coisas alheias, como a servidão, superfície,
usufruto. É importante observar que a locação não é um direito real.
Ao longo do tempo, a propriedade passou a ser vista como um direito-função. A função
social, ao contrário do que se imagina, está tutelada no ordenamento jurídico pátrio desde antes
da Constituição de 1988. Portanto, afirmar que tal instituto só foi inserido através da atual CF
é um erro.
• Teoria interna (Leon Duguit): propriedade como função social. Não existe
direito de propriedade sem função social;
• Teoria externa (Karl Renner): propriedade com função social. Há uma garantia
de propriedade apartada da função social, mas que é reduzida por ela.
A função social corresponde à harmonização do exercício do direito de propriedade,
com os mais diversos interesses gerais, coletivos ou sociais.
Conflitos possessórios e individuais serão resolvidos pelo Código Civil e o Código de
Processo Civil.
As obrigações propter rem são efetivamente obrigações, em sentido estrito, que
decorrem de um direito real sobre determinada coisa, aderindo a essa e, por isso,
acompanhando-a nas modificações do seu titular.
Ao contrário das relações jurídicas obrigacionais em geral, que se referem pessoalmente
ao indivíduo que as contraiu, as obrigações propter rem se transmitem automaticamente para o
novo titular da coisa a que se relacionam.
É o caso, por exemplo, da obrigação do condômino de contribuir para a conservação da
coisa comum (art. 1.315 do CC/2002), em que a obrigação decorre do direito real, transmitindo-
se com a transferência da titularidade do bem.

DA POSSE

O Código Civil, através do art. 1.196, conceitua o “possuidor”, mas não a posse. A
doutrina brasileira, portanto, não é unânime quanto à natureza jurídica da posse. São
identificadas inúmeras vertentes: posse como fato, como direito pessoal, como direito real,
como direito sui generis etc. No campo dos direitos reais, é possível, de forma geral, identificar
a posse com um domínio fático da pessoa sobre a coisa.
São poderes inerentes à propriedade: gozar (fruir); reaver; usar; e dispor.
A posse estaria dividida em dois elementos: (a) objetivo e (b) subjetivo.
a) O elemento objetivo seria o corpus, a possessio corpore, isto é, a presença física da
coisa sob o poder do possuidor. Ou seja, o possuidor exerce influência sobre a coisa;
b) O elemento subjetivo seria o animus. Para Savigny, o animus que caracteriza a posse
é o animus domini, ou seja, a intenção de ser proprietário da coisa. Em outras
palavras, possuidor seria aquele que, além de ter a intenção de se assenhorar do bem,
dispõe do poder material sobre ele. Ao passo que, para Ihering, o animus seria a
intenção de ter a coisa para si, em seu domínio (affectio tenendi), isto é, possuidor
seria aquele que, mesmo sem dispor do poder material sobre o bem, comporta-se
como se fosse o proprietário, imprimindo-lhe destinação econômica.
Assim, para Ihering, o sujeito que, após um dia de trabalho em sua lavoura, dirige-se à
cidade para comprar mais sementes, está exercendo posse sobre a sua plantação, mesmo que
não esteja, naquele momento, presente, materialmente exercendo um poder sobre ela.
A teoria de Ihering, nessa linha, explicaria com mais facilidade determinados “estados
de posse”, como a do locador que, embora não esteja direta e materialmente utilizando o
apartamento, atua como possuidor, imprimindo destinação econômica ao bem, ao locá-lo e
auferir os respectivos alugueis.
Além disso, a posse pode se desdobrar em duas facetas: direta e indireta. Direta seria a
posse de quem utiliza a coisa diretamente. Noutra toada, indireta seria a posse na qual nenhum
dos dois (nem proprietário nem possuidor) detém a posse plenamente. Contudo, na posse
indireta, o proprietário ainda consegue gozar da posse à sua maneira, recebendo proventos
oriundos de sua propriedade.
É importante observar, também, a Teoria Sociológica da Posse: a posse ultrapassaria as
fronteiras do pensamento tradicional individualista das correntes anteriores, para ingressar em
um plano constitucional superior voltado à função social. Vale dizer, a posse se explica e se
justifica pela sua própria função social, e não, simplesmente, pelo mero viés do interesse pessoal
daquele que a exerce.
Na verdade, mesmo sendo exteriorização da propriedade, o que também comprova a sua
função social, a posse com ela não se confunde. É cediço que determinada pessoa pode ter a
posse sem ser proprietária do bem, uma vez que ser proprietário é ter o domínio pleno da coisa.
A posse pode significar apenas ter a coisa à disposição, utilizar-se dela ou tirar dela os frutos
com fins socioeconômicos.
Para todos os efeitos, considera-se que a teoria adotada pelo Código Civil brasileiro, em
seu art. 1.196, foi a de Ihering. Sucede que a interpretação desta norma, por óbvio, não poderá
ser feita fora do âmbito de incidência do superior princípio da função social. Vale dizer, o
exercício, pleno ou não, dos poderes inerentes à propriedade somente justifica a tutela e a
legitimidade da posse se observada a sua função social.
Detenção
O detentor não deve ser considerado possuidor, na medida em que é, apenas, um mero
“servidor ou fâmulo da posse”.
Nesse sentido, o art. 1.198, caput, do Código Civil: “Considera-se detentor aquele que,
achando-se em relação de dependência para com outro, conserva a posse em nome deste e em
cumprimento de ordens ou instruções suas”.
É o caso do bibliotecário, do motorista particular ou do caseiro.
Claro está, todavia, que, se deixa de cumprir instruções, passando a atuar com liberdade
no exercício de poderes inerentes à propriedade – usando ou fruindo –, poderá converter a sua
detenção em posse, conforme já decidiu o Superior Tribunal de Justiça.
Detenção é o corpus sem o animus domini. Quer dizer, se há corpus e animus domini,
há posse, não detenção.
Para Savigny, deixando claro que sua teoria não foi adotada pelo legislador brasileiro,
primeiro haveria a detenção para só depois ser alcançada a posse. Por exemplo, o locatário,
sendo apenas detentor da coisa, não teria direito a ação de reintegração de posse. Apenas o
proprietário da coisa poderia fazê-lo. Destarte, para conseguir que fosse ajuizada tal ação, o
locatário precisaria recorrer à figura do proprietário.
Para Ihering – teoria aceita no Brasil –, a detenção seria o poder de fato sobre a coisa,
ao qual a lei recusava o caráter de posse, por mera opção legislativa. No caso, o ponto de partida
é a posse que, desqualificada, converte-se em detenção. Quer dizer, no plano dos fatos, os dois
institutos – detenção e posse – não possuem qualquer diferença. Nesse diapasão, pode-se dizer
que atendem aos mesmos requisitos no corpus e no animus. Todavia, a lei retira a proteção
jurídica da detenção, convertendo-a em uma posse desqualificada.
Em assim sendo, o detentor exerce poder de fato sobre a coisa, mas sua relação de
dependência com o titular impede que esse poder de fato seja protegido como posse.
Posse de direitos (possessio juris)
Em geral, a tendência atual em nosso sistema é considerar a posse em face de bens
corpóreos ou materiais. Excepcionalmente, todavia, admite-se a denominada posse de direitos.
Exemplo de aplicação da teoria encontra-se no enunciado da Súmula 193 do Superior
Tribunal de Justiça: “O direito de uso de linha telefônica pode ser adquirido por usucapião”.
No caso, considerando-se que, em verdade, adquirimos a propriedade, por usucapião,
mediante o exercício de atos possessórios, não sobre os cabos ou linhas da empresa de telefonia,
mas sim em face do direito ao nosso próprio número de telefone, é forçoso convir que a
prescrição aquisitiva se opera em virtude da posse sobre um direito essencialmente abstrato.
Proteção jurídica da posse
Sobre a proteção jurídica da posse, esta pode ser:
• Positiva: quando realizada mediante ações deferidas ao possuidor (quando o
possuidor se protege e, por consequência, protege a posse);
• Negativa: o dever de abstenção geral à posse alheia. Nesse caso, figura o sujeito
passivo universal.
Estende-se à posse a tutela legal do exercício dos poderes e deveres do proprietário. Por
exemplo, quando um caseiro defende uma propriedade rural da invasão de terceiros, e o faz
sem expressa ordem de seu empregador, este sujeito atuou dentro dos limites legais, pois o
exercício dos poderes e deveres do proprietário estão estendidos ao possuidor. Com efeito, estão
protegidos os poderes fáticos que correspondem aos direitos da posse.
Considera-se possuidor, portanto, todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não,
de algum dos poderes inerentes à propriedade. Se o indivíduo está fruindo da coisa, por exemplo,
está exercendo posse. Dessa forma, não é preciso ter o poder. Basta haver o exercício do poder.
E o possuidor tem o exercício do poder.
O fundamento da posse é o princípio da conservação do fático: há uma relação de fato
com a comunidade. Não há uma relação jurídica. A posse só ingressa no mundo jurídico quando
aliada a outros fatos previstos na norma, como, por exemplo, quando ela é violada (a posse,
somada a outro fato, pode virar um fato jurídico). Destarte, a posse é meramente um fato.
Natureza da posse
A posse que foi adquirida clandestinamente ou por meio de violência permanece assim,
mas a lei admite que, cessada a clandestinidade ou a violência, converta-se em posse justa, que
direito à proteção possessória. Se o possuidor é de má-fé, ele deve provar que a clandestinidade
cessou em algum momento para haver amparo jurídico. De mais a mais, a posse que não é plena
pode se converter em plena.
Composse
O que é “composse”? É a posse conjunta de uma mesma coisa. Um exemplo prático: a
piscina de um condomínio. Nenhum morador é dono, exclusivamente, da piscina. Contudo,
todos os condôminos o são. Nesse diapasão, cada compossuidor pode exercer os atos de defesa
da totalidade da posse, inclusive a autodefesa.
Sobre o tema, dispõe o art. 1.199 do Código Civil atual: “Se duas ou mais pessoas
possuírem coisa indivisa, poderá cada uma exercer sobre ela atos possessórios, contanto que
não excluam os dos outros compossuidores”.
Aquisição da posse
Como a posse é meramente um fato, a posse se adquire quando se inicia o exercício do
poder de fato. Sobre o tema, dispõe o art. 1.204 do Código Civil/2002: “Adquire-se a posse
desde o momento em que se torna possível o exercício, em nome próprio, de qualquer dos
poderes inerentes à propriedade”.
A posse não se adquire se: (a) o poder de fato sobre a coisa for de detentor; (b) se resultar
de mera permissão ou tolerância do possuidor; (c) se consistir em situações de violência,
clandestinidade ou precariedade; (d) de violação da função social ou do meio ambiente.
Por seu turno, a aquisição originária da posse, isto é, quando a posse está sendo
adquirida pela primeira vez, pode se dar de três maneiras: (a) ocupação, que é a aquisição de
coisas móveis que não tenham dono, por apropriação, rememorando o dito popular “achado não
é roubado”; (b) acessão, cuja ocorre em bens móveis ou imóveis, e se dá mediante adjunção,
ou seja, quando uma coisa se une a outra coisa, por ação humana ou da natureza; e (c) usurpação,
quando a posse é adquirida – forçada – contra a vontade do possuidor, como no caso do esbulho.
Ressalte-se que, salvo os três tipos de posse originária, as demais espécies constituem
em aquisição derivada da posse. Nessa linha, aquisição derivada da posse é aquela adquirida
de terceiro. Pode acontecer de três formas: (a) constituto possessório, cujo consiste na
transferência convencional da posse – mediante acordo das partes. É o caso de o proprietário
de uma casa efetuar a sua venda, permanecendo no imóvel na condição de locatário; (b) traditio
breve manu ou tradição de mão certa, quando transmite-se a posse plenamente, a exemplo do
carro financiado que, quando quitado o financiamento, é transferida a posse plena a quem já era
possuidor parcial; (c) sucessão hereditária; (d) regimes de comunhão parcial ou universal de
bens; (e) quem exerce múnus público, como o liquidante, o síndico e o inventariante; (f) o
administrador de massa falida, pois não representa o devedor insolvente; e (g) os hospedeiros
e hoteleiros sobre as bagagens, móveis, dinheiro que os seus hóspedes tiverem consigo nas
respectivas casas ou estabelecimentos, pelas despesas que lá tiverem feito.
Na aquisição derivada, o sucessor singular, ou seja, o que adquiriu a posse de coisa
determinada, tem a faculdade legal de unir a posse com a de seu antecessor, ou rejeitar a deste,
como no caso da ação de usucapião. Por exemplo, ao optar por uma nova contagem do tempo
da posse, o sucessor estará livre do vício objetivo que maculava a posse anterior. Se optar por
incluir a posse anterior na contagem, e esta mostrar-se de má-fé, a posse posterior, ainda que
seja de boa-fé, resta maculada. Para tanto, vida o Enunciado 494, das Jornadas de Direito Civil.
A posse do imóvel faz presumir a posse das coisas móveis que forem nele encontradas,
segundo a regra geral de que o acessório segue o principal.
Classificação da posse
A origem da posse é quem determina a classificação (ou qualificação) desta. Pode ser:
(i) justa ou injusta; (ii) direta e indireta; (iii) de boa-fé e de má-fé.
Considera-se justa a posse pública, pacífica, não precária e que cumpre sua função social.
Injusta é a posse que não corresponder a qualquer um desses predicados, isto é, é a posse
clandestina. A posse injusta não recebe proteção legal em nenhuma medida, o que a torna
inexistente para o direito enquanto permanecer contaminada. Clandestinidade é a tentativa de
aquisição da posse feita às escondidas. Além do mais, a posse precária se origina do abuso de
confiança.
No condão de Clóvis Beviláqua, a concessão da posse precária, aquela deferida a título
de favor, é lícita. É o que se dá no comodato (empréstimo gratuito de coisa infungível). Exemplo:
A empresta seu respectivo apartamento a B. Esta posse, licitamente concedida em favor de B,
é tipicamente precária. O vício da precariedade surge, tornando a posse precária injusta, quando,
em violação à cláusula de boa-fé objetiva, o titular do direito exige o bem de volta, e o possuidor
precário, em nítida e reprovável “quebra de confiança”, recusa a sua devolução. Opera-se, no
caso, uma alteração na natureza da posse exercida, até então lícita, por meio do fenômeno da
interversio possessionis (interversão da posse).
Posse direta é aquela exercida mediante o poder material ou contato direto com a coisa,
a exemplo daquela exercida pelo locatário. Por outro lado, a posse indireta é aquela exercida
por via oblíqua, a exemplo daquela exercida pelo locador, que frui ou goza dos aluguéis, sem
que esteja direta e pessoalmente exercendo poder físico ou material sobre o imóvel locado. É
válido salientar que a posse direta poderá coexistir com a posse indireta, facultando-se a
qualquer dos possuidores defender a sua posse entre si ou em face de terceiros. Uma vez que a
posse direta e a indireta coexistem, temos o fenômeno do paralelismo ou desdobramento da
posse.
A posse é de boa-fé quando o possuidor ignora a existência de obstáculo legal à
aquisição da coisa, notadamente de titular de posse justa. Por exemplo, na hipótese em que o
sujeito desfruta da posse de uma fazenda que lhe fora transmitida por herança, após a morte do
seu tio, ignorando o vício existente no formal de partilha, na medida em que o falecido havia
falsificado o registro imobiliário, sem que de nada soubesse. Incorre em má-fé o possuidor que
tem conhecimento do obstáculo que o impede de adquirir a coisa e, mesmo assim, adquire-a.
A posse de boa-fé é ônus de quem a invoca, ou seja, quem diz estar de boa-fé na posse,
deve provar. Outrossim, deve provar a má-fé aquele que a alega. Os efeitos da posse de boa-fé
estão previstos no Código Civil, do art. 1.214 ao art. 1.219.
Um exemplo cômico que pode ser usado para delimitar quem é um possuidor de má-fé
consiste no personagem ficcional “Seu Madruga”. Por residir no imóvel há muito tempo sem
realizar o pagamento do aluguel, este inquilino incorre em posse de má-fé.
Perda da posse
Dispõe o Código Civil:
“Art. 1.223. Perde-se a posse quando cessa, embora contra a vontade do possuidor, o
poder sobre o bem, ao qual se refere o art. 1.196.
Art. 1.224. Só se considera perdida a posse para quem não presenciou o esbulho, quando,
tendo notícia dele, se abstém de retornar a coisa, ou, tentando recuperá-la, é violentamente
repelido”.
Maria Helena Diniz, interpretando o regramento legal, enumera como modos de perda
da posse: abandono da coisa, tradição (como se dá na venda de um bem), perda da própria coisa,
destruição da coisa etc.
Efeitos da posse
Espécies de bens acessórios, os frutos podem ser definidos como utilidades que a coisa
principal periodicamente produz, cuja percepção não diminui a sua substância (exemplos: a
soja, a maçã, o bezerro, os juros, o aluguel). Se a percepção da utilidade causar a destruição
total ou parcial da coisa principal, não há que se falar, tecnicamente, em frutos.
Nesse contexto, quanto à natureza, os frutos podem ser classificados da seguinte forma:
(a) naturais, gerados pelo bem principal sem necessidade da intervenção humana direta.
Decorrem do desenvolvimento orgânico vegetal (laranja, soja) ou animal (crias de um rebanho);
(b) industriais, decorrentes da atividade industrial humana (bens manufaturados); e (c) civis,
utilidades que a coisa periodicamente produz, viabilizando a percepção de uma renda (juros,
aluguel). São também chamados de rendimentos.
Já quanto à ligação com a coisa principal, os frutos podem ser classificados em: (a)
colhidos ou percebidos, que são os frutos já destacados da coisa principal, mas ainda existentes;
(b) pendentes, aqueles que ainda se encontram ligados à coisa principal, não tendo sido,
portanto, destacados; (c) percipiendos são aqueles que deveriam ter sido colhidos mas não o
foram; (d) estantes, que são os frutos já destacados, que se encontram estocados e armazenados
para a venda; e (e) consumidos: que não mais existem.
O possuidor de boa-fé tem direito, enquanto ela durar, aos frutos colhidos ou percebidos
(art. 1.214, caput).
Os frutos pendentes ao tempo em que cessar a boa-fé, por sua vez, nos termos do
parágrafo único do mesmo dispositivo, devem ser restituídos, depois de deduzidas as despesas
da produção e custeio (art. 1.214, parágrafo único).
O possuidor de má-fé responde por todos os frutos colhidos e percebidos, bem como
pelos que, por culpa sua, deixou de perceber (frutos percipiendos, ou seja, aqueles que deveriam
ter sido colhidos e não foram), desde o momento em que se constituiu de má-fé, com direito às
despesas da produção e custeio para evitar o enriquecimento sem causa do verdadeiro titular do
direito (art. 1.216).
Como espécies também de bens acessórios, os produtos são utilidades que a coisa
principal produz, cuja percepção ou extração diminui a sua substância (ex.: pedras e metais que
se extraem das minas e das pedreiras). A alterabilidade da substância principal é o ponto
distintivo entre os frutos e os produtos.
O Código Civil consagrou, apenas, a regra geral de que o proprietário do solo (principal)
é – salvo em caso de preceito jurídico especial de terceiro – senhor dos produtos (acessórios)
gerados pela coisa (art. 1.232 do CC/2002).
Perda da coisa consiste em seu total perecimento; a “deterioração” traduz a ideia de
estrago ou dano parcial. O possuidor de boa-fé não responde pela perda ou deterioração da coisa,
a que não der causa (art. 1.217). Ou seja, somente responderá aquele que atua de boa-fé se deu
causa ao evento danoso. “Dar causa” significa atuar com dolo ou culpa, nos termos do art. 186
do Código Civil.
O possuidor de má-fé, por seu turno, responde pela perda ou deterioração da coisa, ainda
que acidentais, salvo se provar que de igual modo se teriam dado, estando ela na posse do
reivindicante (art. 1.218). Ex.: Um sujeito possui uma televisão, ciente da ilegitimidade deu seu
direito (deveria ter devolvido a quem lhe emprestou e não o fez). Caso o aparelho sofra um
“curto-circuito”, o possuidor responderá pelo dano (ainda que acidental), salvo se provar que a
pane ocorreria mesmo que o bem já estivesse em poder do reivindicante.
Pode-se definir benfeitoria como uma obra realizada pelo homem, na estrutura da coisa
principal, com o propósito de conservá-la, melhorá-la ou embelezá-la.
Existem três classificações de benfeitoria: (a) necessária é a benfeitoria realizada para
evitar um estrago iminente ou a deterioração da coisa principal (ex.: reparos realizados em uma
viga); (b) úteis são aquelas empreendidas com o escopo de facilitar a utilização da coisa (ex.: a
abertura de uma nova entrada que servirá de garagem para a casa); e (c) voluptuárias são
aquelas empreendidas para mero deleite ou prazer, sem aumento da utilidade da coisa (ex.: a
escultura feita nas rochas de um jardim), de acordo com o art. 96 do CC/2002.
Nesse sentido, o possuidor de boa-fé tem direito à indenização das benfeitorias
necessárias e úteis, bem como, quanto às voluptuárias, se não lhe forem pagas, a levantá-las,
quando o puder sem detrimento da coisa, e poderá exercer o direito de retenção pelo valor das
benfeitorias necessárias e úteis (art. 1.219).
Note-se que, quanto às necessárias e úteis, o possuidor terá o direito de reter a coisa,
condicionando a sua devolução à indenização correspondente. As benfeitorias voluptuárias,
caso o reivindicante não opte por pagar por elas, poderão ser levantadas ou removidas (jus
tollendi), desde que não se danifique o bem principal. Ao possuidor de má-fé serão ressarcidas
somente as benfeitorias necessárias; não lhe assiste, todavia, o direito de retenção pela
importância destas, nem o de levantar as voluptuárias (art. 1.220).
Toda benfeitoria é artificial, decorrendo de uma atividade humana, razão por que não se
confunde com os acessórios naturais do solo (art. 97 do CC/2002). As benfeitorias não podem
ser confundidas com as acessões.
As acessões industriais são obras que criam coisas novas e têm regime jurídico diverso,
sendo um dos modos de aquisição da propriedade imóvel. Se a estrutura da casa é aproveitada
para abrir uma garagem, realizar-se-á uma benfeitoria. Todavia, se um galpão contíguo é
construído para servir de garagem, realiza-se uma acessão artificial. Neste último caso, houve
considerável aumento de volume da coisa principal.
A acessão traduz união física com aumento de volume e, diferentemente das
benfeitorias, pode também ser natural (exs.: aluvião, avulsão, formação de ilhas, álveo
abandonado).
Proteção possessória
O Código Civil prevê duas formas de autotutela da posse, que deverão ser exercidas
com prudência e proporcionalidade: a legítima defesa (autodefesa da posse) e o desforço
incontinenti ou imediato: “Art. 1.210. O possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso
de turbação, restituído no de esbulho, e segurado de violência iminente, se tiver justo receio de
ser molestado”.
Vale observar que a reação deverá ser concomitante ou imediatamente posterior à
agressão à posse. Como delimitação do marco cronológico da resposta defensiva, o legislador
utilizou a expressão “contanto que o faça logo”. Se o sujeito se encontra em outra cidade e,
imediatamente após tomar ciência de que o seu imóvel foi invadido, desloca-se para o local do
esbulho, ainda poderá praticar atos de desforço, pois, diante das circunstâncias, reagiu com a
esperada brevidade.
A proteção da posse é matéria que diz respeito, em especial, ao Processo Civil.
Fundamentalmente, temos três demandas possessórias mais frequentes: (a) a ação de
reintegração de posse – em caso de esbulho (privação ou perda da posse); (b) a ação de
manutenção de posse – em caso de turbação (embaraço ou perturbação da posse); e (c) o
interdito proibitório – em caso de ameaça à posse.
O interdito proibitório, por sua vez, poderá ser manejado quando o possuidor direto ou
indireto tenha justo receio de ser molestado na posse, caso em que poderá requerer ao juiz que
o segure da turbação ou esbulho iminente, mediante mandado proibitório em que se comine ao
réu determinada pena pecuniária caso transgrida o preceito (art. 567 do CPC/2015).

PROPRIEDADE, DOMÍNIO E DIREITO À PROPRIEDADE

O termo linguístico de “propriedade” tanto serve para significar direito de propriedade,


como a coisa objeto desse direito. Para Pontes de Miranda, propriedade é gênero, do qual são
espécies o domínio (mais amplo) e os demais direitos reais.
Direito DE propriedade: fala-se nisso quando já se é titular da propriedade. Direito À
propriedade: direito de acesso a um patrimônio mínimo para uma vida em dignidade.

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