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Surfando entre as estrelas

(Uma Breve viajem semiótica com o Surfista Prateado)

Por JJ Marreiro

O SURF
A origem do Surf (que vem da palavra surface) está ligada aos antigos povos
polinésios (no Sul do Pacífico) e aos peruanos (nas Américas). A prática já foi ligada
historicamente a atividades místicas, ao culto do mar e rituais de ordem espirituais,
tornando-se importante elemento para a vida social enquanto promovia a conexão do
homem com a natureza e propunha desafios de autossuperação. Tudo isso muito
antes de se tornar um esporte mundialmente famoso.
O Surf requer mais que o equilíbrio sobre a prancha, requer a percepção do ritmo do
mar, da velocidade do vento e das ondas, requer conhecimentos sensíveis sobre o
entorno e sobre o seu eu, seu próprio ritmo, suas próprias capacidades físicas, o
reconhecimento de seus próprios limites e a audácia de testar esses limites.

A PRATA
Elemento químico de símbolo Ag, que vem de Argentum, palavra latina derivada de
um termo em sânscrito que significa branco e brilhante. A prata está ligada à cadeia
simbólica da lua e da água (que por conseguinte está quitessencialmente ligada ao
surf). Ao contrário do vigor masculino do ouro, a prata possui uma conexão com o que
é feminino, sutil e com a dignidade da realeza e à purificação divina.
Contraditoriamente a prata, que representa a riqueza provoca a cobiça humana o que
lhe confere uma dinâmica dentro de seu próprio significado.

Um Surfista Prateado
Ao propor um arauto para Galactus, o Devorador de Mundos, Jack Kirby veio com a
ideia de um explorador espacial seminu que navegava as ondas de energias
cósmicas, ventos solares, gases, campos magnéticos, plasmas e radiações espaciais
sobre uma placa de bordas arredondadas. Enquanto sua nudez demonstra fragilidade,
a cor prateada de todo seu corpo traz consigo uma pureza que reflete sua alma que
não é vista a priori dado o aspecto alienígena que isso lhe confere.

A angústia que o Surfista Prateado traz consigo, isolado de sua terra natal, removido
do convívio de sua amada, forçado a encontrar mundos inteiros que serão destruídos
para saciar a fome de seu Mestre, reflete bem a dicotomia da própria prata, que sob
alguns formatos torna-se tóxica (como o pó de prata) e sob outros (nitrato de prata)
possuem usos terapêuticos.

Enquanto o traço de Jack Kirby apresenta um Surfista robusto, John Buscema o


retrata de modo delicado, quase feminino. Notadamente nesta fase vemos a
contradição entre os impressionantes níveis de poder do herói — capaz de ombrear os
deuses mais poderosos de Asgard— e sua profunda angústia e tormento.

O gênero dos super-heróis tem sido associado a personagens bidimensionais, sem


profundidade e sem drama, está é uma leitura comum e uma percepção válida em
uma primeira análise de seus aspectos gerais, no entanto, desde o Spirit de Will
Eisner, passando por Homem-Aranha de Lee & Ditko e culminando com Watchmen de
Allan Moore os Super-Heróis (ou heróis uniformizados) tem mostrado que sua
profundidade depende não do seu caráter constitutivo, mas da abordagem de seus
autores. O Surfista Prateado trás para o gênero uma riqueza temática e uma dicotomia
que representavam muito bem os agitados anos da década de 1960 com suas lutas
por direitos civis, suas guerras, movimentos populares e regimes de exceção. A
amplitude de tramas e conflitos que se abrem ante o Surfista Prateado são de certo
modo um oceano (ou um universo) de possibilidades para personagem, autores e
leitores.

Surfista Prateado, a animação (1998):


Após ter participado, através dos tempos, como convidado de episódios dos desenhos
animados de Quarteto Fantástico e Homem-Aranha o Arauto de Galactus ganhou em
1998 seu próprio programa. O traço calcado no estilo forte e "rude" de Jack Kirby
aliado ao uso extensivo de computação gráfica renderam muitas críticas. Por um lado,
a arte de Kirby não é palatável para audiências incautas, por outro a inserção de
computação gráfica parece provocar uma "quebra" no deleite visual do traço de Kirby.
A forma como a história do herói é construída, sua personalidade, seus aliados e
vilões, a trama como um todo não possuem os mesmos batentes de compreensão e
fluem ajudando inclusive a suplantar eventuais desconfortos visuais para civis e
kirbyans. Há de se lamentar que a série veiculada pela Fox Kids tenha tido apenas
uma temporada. Visivelmente o personagem renderia facilmente 8 temporadas
repletas de ação, conspirações e reflexões.

Surfista Prateado no Cinema (2007):


Quarteto Fantástico e o Surfista Prateado é o filme que apresenta o Surfista Prateado
ao universo dos civis. Bem construído com uma voz profunda (voz de Lawrence
Fishburne e personificação de Doug Jones) e com um razoável (não excelente)
aspecto visual, o herói espelha sua trajetória nos quadrinhos do Quarteto surgindo
como uma terrível e enigmática ameaça e ganhando humanidade aos poucos, até
revelar um lado heroico. A falta de coragem (ou de recursos) da Direção do Filme
deixaram ausente o que poderia ter sido a salvação desta franquia nos cinemas:
Galactus. Mostrado vergonhosamente como um indiscernível vulto fumacento, o
Devorador de Mundos provocou na audiência a expectativa de um retorno mais digno
noutra produção. Apesar de ter uma Sue Richards Latina e um Tocha Humana
supervalorizado, o filme como um todo não é um desperdício total, afinal de contas o
Surfista Prateado está lá.

Matéria originalmente veiculada no blog www.laboratorioespacial.blogspot.com

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