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Bom, para verificar que o pH da água não é tão importante para o pH do mosto, resolvi fazer
um teste, com vários tipos de água e um pouco de malte. Peguei 510ml de cada tipo de água,
adicionei 200g de malte pílsen e medi o pH:
PH MEDIDO A 24-26C
PH MEDIDO A 25-26C
Calibrei o medidor de pH antes de fazer as medições, mas ressalto que a precisão do medidor
(pHep 4) é de 0.1. Reparem que o pH nominal (indicado no rótulo) é bem diferente do medido.
Parece que isso se deve ao fato da medição das companhias de água ser por amostragem e
provavelmente não muito freqüente. Além disso, uma água com poucos íons e antes da adição
do malte parece ser mais instável em relação ao pH.
A água mineral Minalba mencionada acima é a única com um pouco mais de bicarbonatos (um
pouco acima de 50ppm, o que ainda é considerado mole), contribuindo para o aumento do pH.
Não sei a quantidade de bicarbonatos da água da bica. Infelizmente não achei água dura ou
meio dura para incluir no teste.
Há fórmulas explícitas em John Palmer (1999) e Ray Daniels (2000) para calcular o pH do mosto
e que envolvem explicitamente a concentração de bicarbonatos, de cálcio e de magnésio, mas
acho melhor não exibi-las aqui, mesmo porque elas são fórmulas empíricas e não muito
precisas.
Á GU A Minalba Petrópolis
Isso é consistente com as indicações da literatura de que água mole é apropriada para cervejas
claras, não necessitando de nenhum ajuste.
Como mencionado acima, a adição de maltes caramelo e escuro ajudam a diminuir mais ainda
o pH, às vezes até demais, e para isso a adição de carbonato de cálcio para aumentar o pH
pode ser útil. Na leva de Dry Stout que fiz recentemente, obtive as seguintes medições:
D E C O Z I NH A 5.3
P H M E D I D O A 6 0 C C O MO A C I M A E M A I S O S G R Ã O S E S C U R O S 5.0
P H M E D I D O A 6 0 C C O MO A C I M A E M A I S 2 5 0 P P M D E C A R B O N A T O D E
CÁLCIO 5.1
Mas em uma cerveja escura, mesmo que o pH fique em 5.0 ou um pouco abaixo, isso não é tão
crítico para a eficiência. Fix (1999), por exemplo, mostra a seguinte tabela com a eficiência das
enzimas na conversão do amido:
4.8 98%
5.0 99%
5.2 100%
5.4 95%
5.8 85%
6.2 65%
Fix (1999) não menciona explicitamente a qual enzima amilase ele se refere, mas
provavelmente é a beta-amilase, que é mais ativa a 60C e a um pH próximo de 5.2. A alfa-
amilase funciona melhor a uma temperatura e um pH um pouco mais altos. Mas Fix (1999)
menciona ainda que essa propriedade da diminuição da atividade ser maior com o aumento do
pH do que com a diminuição do mesmo, a partir do pH ótimo, vale para qualquer das enzimas,
reforçando a idéia de que um pH mais baixo não é tão crítico para a conversão. Além disso, a
atividade é medida em laboratório por um período determinado de tempo; aumentando esse
tempo, consegue-se melhorar essa atividade um pouco mais.
Além do carbonato de cálcio, adicionei outros sais para obter uma composição próxima à da
água de Dublin. Qual é a composição da água de Dublin? Isso depende da fonte de informação.
Peguei várias fontes e tirei uma “média” como alvo, conforme ilustrado na próxima tabela:
BEER
(MG++) 19 4 4 4 4 4
SÓDIO (NA+) 1 12 12 12 12 12
BICARBONATO
SULFATO
(SO4–) 5 55 55 54 55 55
CLORETO (CL-) 1 20 19 19 0 19
Antes de falar como obtive a composição desejada, devo dizer que não é apenas pela questão
do pH que a água é importante. Vários íons têm influência direta ou indireta no sabor final da
cerveja, independentemente da questão do pH. E dependendo do estilo a ser produzido, pode-
se buscar uma determinada composição da água para realçar certar características da cerveja,
como usar mais cloreto para realçar o malte ou mais sulfeto para obter uma cerveja mais seca
e/ou realçar o lúpulo.
No entanto, essa influência é complexa e geralmente bastante sutil, e muitas cervejarias não
tratam a água de maneira especial, de acordo com o estilo. Lewis (1995), por exemplo, cita 11
cervejarias de diversas partes do mundo e quatro não tratam a água que recebem da cidade. E
das sete que tratam a água, apenas quatro tratam a água para Stout de maneira diferente que
para os outros estilos. Portanto, apenas um pouco mais de um terço dessas cervejarias se
preocupa em tratar a água de acordo com o estilo. Lewis (1995) também afirma que há muito
com o que se preocupar antes da água e que, além disso, a água é o único ingrediente “local” e
que pode dar um diferencial típico da região, sugerindo o não tratamento. A preocupação
passa apenas a ser em termos genéricos: que os minerais estejam dentro de padrões
“normais” e a alcalinidade residual seja razoavelmente apropriada para o estilo.
Dito isso, não deixa de ser divertido brincar com esse tratamento da água até os mínimos
detalhes, então vamos em frente.
Um dos íons mais importantes é o cálcio, que reage com os vários fosfatos do malte e ajuda a
regular o pH de forma adequada. A importância de alguns íons no processo todo pode ser
resumida na seguinte tabela, montada a partir de várias fontes:
ÍON E F E I T O N O P R O C E S S O E NA C E R V E J A
Acidifica o mosto e a fervura, precipitando fosfatos, e com isso
aumenta a ativididade enzimática, ajuda na lavagem diminuindo a
viscosidade, reduz a extração de taninos, reduz a extração e
isomerização de alfa-ácidos. Também melhora a clarificação
precipitando proteínas e aumentando a floculação e sedimentação do
fermento. E melhora a estabilidade da cerveja. Excesso de cálcio pode
atrapalhar a fermentação reduzindo o fosfato que serve de nutriente
para o fermento. Não tem efeito direto no sabor, apenas através do
C Á L C I O ( C A + ) seu efeito no processo. Usualmente presente entre 50 e 100ppm.
É importante ressaltar que não é o íon em si que contribui com um determinado sabor, mas
sim a sua interação com os outros ingredientes e a sua influência no processo. E não é apenas
a quantidade de cada íon individualmente que influencia na cerveja; a proporção entre eles
também é importante. Por exemplo, o sódio é mais agradável quando combinado com cloreto
do que quando combinado com sulfato. Nessa direção, Alexander (2006) indica a proporção
correta entre sulfato e cloreto de acordo com o estilo de cerveja. Essas proporções estão
indicadas na tabela abaixo, com a inclusão da proporção que aparece na água de Dublin,
apropriada para Dry Stout, diferente da sugerida por Alexander para Stouts e Porters inglesas:
ESTILO S U LF A T O : C L O R E T O
Stout 1:2
Há vários sais utilizados para o tratamento da água. Como o cálcio é o íon mais importante, os
sais mais utilizados são cloreto de cálcio, sulfato de cálcio e carbonato de cálcio. Qual deles
usar depende da cor (para saber se é necessário adicionar carbonato ou não para não diminuir
demais o pH) e do estilo (para saber a proporção adequada entre sulfato e cloreto) da cerveja.
Se a água é muito mole e deseja-se fazer uma cerveja escura, é apropriado utilizar carbonato
de cálcio, para tornar a água menos mole. No caso de cervejas secas, o sabor pode ser
realçado através do sulfato e evitando-se o cloreto, então nesse caso utiliza-se gipsita. No caso
de cervejas onde deseja-se destacar o malte, como Mild Ale, Brown Ale, Porter, Sweet Stout,
etc., pode-se usar mais cloreto de cálcio.
Os diversos sais utilizados e as suas contribuições em termos de íons para cada grama por 20
litros de água é dada na tabela abaixo:
13.6ppm de Ca++,
CaCl2 24.1ppm de Cl-, 34ppm
C L O R E T O D E C Á LC I O D I I D R A T A D O 2(H2O) de dureza
13.7ppm de Na+,
36.3ppm de HCO3-,
B I C A R B O NA T O D E S Ó D I O NaHCO3 0ppm de dureza
Na Dry Stout que fiz, contei com os íons divulgados no rótulo da água Teresópolis e adicionei,
para cada 20L de água, 1g de gipsita, 1g de sal amargo, 1/2g de sal de cozinha, e 5g de
carbonato de cálcio. A composição da água (arredondando alguns valores) ficou assim, bem
próxima do alvo “médio” da água de Dublin:
20L água
Teresópolis 1 0 2 1 0 7 3
1g de gipsita 12 0 0 0 28 0 29
1g de sal
amargo 0 5 0 0 19 0 20
1/2g de sal
de cozinha
não-iodado 0 0 10 15 0 0 0
5g de
carbonato
de cálcio 100 0 0 0 0 150 250
Quase todos esses sais podem ser adicionados diretamente na água. A exceção é o carbonato
de cálcio, que não dilui bem na água, devendo ser bem mexido quando adicionado, ou então
diluído diretamento no mosto, após a adição dos grãos, mexendo também para ajudar na
diluição. Ressalto, mais uma vez, que isso é uma das coisas menos importantes no processo.
Faço em grande parte só de onda. Os amidos seriam convertidos mesmo com o pH de 5.0
obtido antes da adição de carbonato de cálcio. Talvez apenas o cálcio seja um pouco mais
importante.
Se você não encontrar gipsita nem sal não-iodado, pode trabalhar apenas com sal amargo,
carbonato de cálcio e bicarbonato de sódio, que podem ser achados em farmácias normais.
Talvez só o carbonato de cálcio dê um pouco mais de trabalho; que encontrei em uma única
farmácia, mas também pode ser achado em farmácias de manipulação. Usando esses três sais,
e trabalhando com água destilada como ponto de partida, podemos fazer a seguinte
composição:
20L água
destilada 0 0 0 0 0 0 0
1g de
bicarbonato
de sódio 0 0 14 0 0 36 0
2g de sal
amargo 0 10 0 0 39 0 20
5g de
carbonato
de cálcio 100 0 0 0 0 150 250
Mas tomem cuidado caso a sua água não seja tão desprovidade de minerais!
Além dos sais, essa leva contou com vários tipos de maltes tostados, lúpulos ingleses e
fermento “Dry English” da White Labs.
E nessa leva contei com a participação especial do Walter Souto como cervejeiro adjunto, digo
co-adjuvante, que aqui aparece ajudando na lavagem:
Foram apenas 3,7Kg de malte, sem açúcar, que renderam 22,8L de mosto com 1.042 de OG.
Uma eficiência de 93%!!!! Novo recorde! Nesta leva, usei pela primeira vez o meu moinho de
rolo, o Crankandstein 3D, que pode ter ajudado nisso.
A bazooka screen também não teve nenhum problema em filtrar o mosto, apesar da casca vir
de apenas 62% dos grãos. Também tive o cuidado de manter a água da lavagem sempre acima
de 70C, para aumentar a eficiência.
Agora é esperar o fermento fazer a sua parte e torcer para o resultado sair como o esperado.
Na verdade o fermento já fez o seu trabalho, pois a leva é de duas semanas atrás. Só falta
carbonatar. A atenuação não foi tão alta como a esperada com esse fermento e a cerveja não
ficou tão seca quanto gostaria, mas certamente não ficou ruim, he, he, he. Não está tão boa
quanto a Oatmeal Stout do Botto, mas “dá pro gasto”.
PS: Quando tiver tempo, disponibilizo uma calculadora para a adição de sais, assim como uma
calculadora para prever o pH da mostura.
Referências:
John Alexander (2006), “A Guide to Craft Brewing”, The Crowood Press, Marlborough,
Wiltshire, England.
Ray Daniels (2000), “Designing Great Beers”, Brewers Publication, Boulder, CO, EUA.
Ray Daniels e Jim Parker (1998), “Brown Ale”, Classic Beer Style Series 14, Brewers
Publication, Boulder, CO, EUA.
George Fix (1999), “Principles of Brewing Science”, Brewers Publication, Boulder, CO,
EUA.
Terry Foster (1999), “Pale Ale”, Classic Beer Style Series 16, Brewers Publication,
Boulder, CO, EUA.
Ted Goldammer (1999), “The Brewers’ Handbook”, KVP Publisher, Clifton, VA, EUA.
Michael J. Lewis (1995), “Stout”, Classic Beer Style Series 10, Brewers Publication,
Boulder, CO, EUA.
Dave Miller (1995), “Homebrewing Guide”, Storey Publishing.
Randy Mosher (1995), “The Brewer’s Companion”, Alephenalia Publications, Seattle,
WA, EUA.
John Palmer (1999), “How to Brew”, on-line edition at