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Porto Alegre | RS | Brasil

grupo
n
d
a
10
anos
Um projeto de formação
continuada em dança
que possibilite a experiência
diária e coletiva de criação
com conceituados
profissionais da área.

Assim nascia, em 20 07,


o Grupo Experimental de Dança
da Cidade, oferecendo um
programa de aulas gratuitas.

Neste livro, relatos de alunos,


professores, artistas e gestores
traduzem o processo de reflexão
e vivência intensa desse projeto
e seus desdobramentos.

O depoimento plural e afetivo


registra a memória de uma
iniciativa que vem ajudando
a transformar a cena local
da dança na capital gaúcha.

Em 2017, o Grupo Experimental


de Dança completou 10 anos
de existência.
Porto Alegre | RS | Brasil

grupo
p en
d
an a
10
anos
Organização
Air ton Tomaz zoni
Paula Finn

Por to Alegre, 2018


Prefeitura de Por to Alegre

Prefeito
Nelson Marchezan Junior

Secretário Municipal da Cultura


Luciano Alabarse

Secretário-Adjunto Municipal da Cultura


Leonardo Maricato

Coordenador do Cent ro Municipal de Dança


Air ton Tomaz zoni

Equipe Cent ro de Dança


Ilza Maria Praxedes do Canto
João Antonio Pereira
João Augusto Pereira
Melissa Silveira Torales
Neca Machado

Cent ro de Dança
Centro Municipal de Cultura
Avenida Erico Verissimo, 3 07
CEP 90110 -170
Por to Alegre/RS
Brasil
© 2018 / Centro Municipal de Dança

Organização
Air ton Tomaz zoni e Paula Finn

Textos
Air ton Tomaz zoni

Design Gráfico
Clô Barcellos

Editoração
Libretos

Revisão
Lucia Maria Goular t Jahn

Tratamento de imagens
Maximiliano Graña Dias

Impressão
Ideograf

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


Bibliotecária responsável Renata de Souza Borges CRB10/1922

3
G892 G r upo ex per imental de dança : 10 anos /
O rgani zação: Ai r ton Tomaz zoni e Paula F inn. –
Po r to Aleg re : Secreta r ia Municipal da Cultu ra,
Edito ra Canto Cultu ra e A r te, 2 018.

252 p.: i l.; 21,5x 25,5 cm.


I SBN: 978 - 8 5 - 69814 -16 - 0

1. Dança. 2. Projeto de dança. 3. G r upo


ex per imental de dança - H istó r ia. I. T ítulo. I I.Tomaz zoni,
Ai r ton. I I I. F inn, Paula.

CDU 793. 3
histórias virtuo
P
arabéns ao Grupo Experimental de Dança da Cidade pela publi-
cação desta bela obra, onde se registra a trajetória de sucesso de
uma iniciativa que formou bailarinos e bailarinas para Porto Alegre
e para o mundo.
Especial menção se faz necessária ao nosso colega da Secretaria da Cultura
de Porto Alegre, o Coordenador de Dança, Airton Tomazzoni, um dos maiores incen-
tivadores da dança que conheço e mentor do referido grupo e do presente livro, a
quem devemos render entusiástico aplauso e agradecimento.
Ao longo dos anos de trabalho do Grupo Experimental de Dança da Cidade
algumas pessoas, de reconhecida qualidade, como Jussara Miranda, Eva Schul, Ale-
xandre Rittmann, Daggui Dornelles, Luciana Paludo, Liane Venturella, Maria Helena
Bernardes, Maíra Coelho, entre muitos outros importantes mestres da dança, da ce-
nografia, das artes visuais e do teatro, colaboraram no sentido de que essa trajetória
bem-sucedida entrasse para a história da cultura de nossa Porto Alegre.
Espero que este seja o primeiro volume de uma série a relatar a trajetória de
um grupo experimental de dança, com acesso gratuito às suas atividades, que se
firma como um espaço de referência democrática e de qualidade em formação
artística no universo da dança.
Iniciativas com o escopo do Grupo Experimental de Dança servem como
exemplo a ser seguido por outros setores de nossa sociedade. Os resultados positivos
e permanentes das ações artístico-educacionais nos provam a vital importância da
atividade cultural, que se mostra como modificadora da vida das pessoas e transfor-
4 madora da maneira como as pessoas percebem e interagem com o ambiente e as
comunidades que as cercam. As histórias deste livro provam, mais uma vez, como a
cultura de uma comunidade constitui-se em agregadora e multiplicadora de valo-
res humanos, e, por conseguinte, econômicos.

Luciano Alabarse

Secretár io da Cultura de Por to Alegre


sas e vitoriosas

5
Sum
Prefácio 8

16

42

68

90

110

130

154

172

198

216

236
6

Epílogo 248

Créditos
das fotos 251
7
Prefácio

premissas delin
Airton Tomazzoni

A
ideia original surgiu dentro do projeto Escola Livre de Dança,
em 20 05, quando assumi a direção do Centro de Dança. O
que era uma ideia, em 20 06 começou a ganhar forma, com
o esboço de uma de suas ações: um Grupo E xperimental de
Dança da Cidade. Essa iniciativa foi alimentada pela experiência como bailari-
no e coreógrafo desde a década de 1990, pela experiência docente no curso de
graduação em dança da UERGS, no doutorado em Educação na FACED/UFRGS,
no intercâmbio por experiência pelo Brasil (como o Colégio de Dança do Ceará),
no mestrado em Ciências da Comunicação na Unisinos (trabalhando com ado-
lescentes, dança e videoclipe), na observação e diagnóstico agudo da dança
na cidade de Porto Alegre. Tudo isso entrecruzado com leituras provocativas de
arte, filosofia, educação por onde conviviam John Dewey, Isabel Marques, Michel
Foucault, Georges Noverre, Sandra Meyer, Henry Giroux, Gilles Deleuze, Jorge Lar-
rosa (especialmente em Pedagogia Profana). Leituras por sua vez alimentadas por
conversas com colegas como Eva Schul, Luciana Paludo, Tatiana da Rosa, Roberto
Pereira, Lu Coccaro, Neca Machado, entre outros tantos.
Assim se desenhou a proposta de abrir um espaço de formação com viés con-
temporâneo, não uma escola de dança contemporânea, mas um espaço contem-
porâneo de dança. E aqui a ordem dos fatores muda o resultado sim. A perspectiva
contemporânea não no sentido de tentar enquadrar-se em parâmetros (sempre re-

8 dutores) do que é identificado como dança contemporânea, mas sim pelo objetivo
de refletir, pensar, fazer, experimentar as relações da dança com as questões do
mundo, com a vida essa que nos apresenta condições singulares no nosso tempo.
Condições de sociabilidade, da globalização, de redimensionamento de tempos e
espaços, de transformações tecnológicas constantes, de novos modos de conviver,
de perceber e interagir com o mundo e com o outro. Esse foi o alicerce do projeto.
Fruto de uma série de percepções do contexto local de dança.
earam escolhas
A primeira percepção era de que estava se perdendo uma certa cultura de
se fazer aulas, de se manter um treinamento diário, de uma rotina de prática. Uma
realidade que se dava tanto pela dificuldade de oferta quanto pelo custo financeiro
de um estudante pagar aulas diárias.
A outra percepção era a de cada vez menos se ter a vivência do trabalho
coletivo, com cada vez mais intérpretes-criadores trabalhando isoladamente ou em
núcleos reduzidos.
Além disso, tirando a experiência universitária em dança (que naquela época
inexistia em Porto Alegre), identificávamos a dificuldade de encontrar reunidos e
articulados diferentes saberes, abordagens e professores para quem tinha interesse
em formação em dança. Ao mesmo tempo, entendíamos que o projeto do grupo
poderia ampliar o acesso a essa formação, tanto por ser gratuito, quanto por não li-
mitar a participação por formação educacional, diplomas, títulos, provas de marcar
cruzinha, mas sim pelo interesse e disposição em trafegar por esses saberes e trocar
com esses agentes.
Dentro dessa perspectiva se começou a procurar um espaço para realiza-
ção das aulas (o maior entrave para o início e continuidade do projeto) e a reunir
artistas-educadores que aceitassem participar da experiência. Assim, iniciamos a
alinhavar alguns pontos fundamentais que guiariam a construção de uma linha pe-
dagógica, ainda que esta só tenha vindo a se desenhar no andamento do projeto
com maior clareza. 9
Sendo assim, algumas premissas delinearam as escolhas nesse percurso:
Arte como experiência
A primeira delas dizia respeito a encarar o projeto como experimental, ou seja,
de ter como foco a valorização da experiência e seus possíveis desdobramentos.
Não queríamos que o Grupo Experimental fosse um “grupo oficial”, uma “compa-
nhia”, mas sim um espaço que permitisse experimentar a dança, a articulação de
saberes, a reflexão crítica, a criação, com todos os riscos e sabores aí envolvidos.
A ideia – que, no início, era atravessada mais por uma intuição, uma percepção
e também pelo desejo, do que por uma construção teórica – encontrou mais tarde a
sua tradução na filosofia de John Dewey, em sua obra A Arte como Experiência.
“O gosto pelo fazer, a ânsia de ação, deixa muitas pessoas, sobretudo no meio
humano apressado e impaciente em que vivemos, com experiências de uma pobre-
za quase inacreditável, todas superficiais” (Dewey, 2010, p.123). Era a tentativa de po-
der nutrir as experiências em dança que moveu o projeto. De dar tempo e cuidado
para uma outra vivência, para aquilo que pudesse proporcionar em alguma medida
o enriquecimento da experiência, cujo empobrecimento Walter Benjamin já havia
alertado com propriedade.

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Ênfase no processo
Consequência dessa primeira escolha era a de ter-se o foco nos processos,
mais do que nos resultados acabados. Montagens, espetáculos, performances de-
veriam ser desdobramentos possíveis e não fins obrigatórios. O importante era poder
dar ênfase ao percurso, poder ir e voltar quantas vezes fosse necessário, avaliar,
reavaliar, recomeçar de outro ponto se necessário fosse, ou mesmo insistir. Tanto nos
processos das aulas quanto no processo de constituição do próprio projeto do Gru-
po Experimental.
E assim como as aulas ou uma montagem, a ideia de currículo, de proposta 11

pedagógica não se estabeleceu como um modelo dado, rígido, mas está em cons-
tante processo de elaboração frente à dinâmica dos encontros, dos acasos, da vida.
Isso não significa não se ter definições, não estabelecer regras, mas estar sempre
disposto a reavaliar os percursos frente às experiências. Por isso esse relato é uma
verdade modesta e provisória. Procuramos estabelecer um permanente estado de
reflexão e construção.
Diferença como potencialidade
Não partir da homogeneidade, unidade, uniformidade. Apostar na diferen-
ça como riqueza da experiência. Essa perspectiva vinha marcada pela ideia de
transgressão positiva, produtora de diferenças e criadora de novas possibilidades
estéticas e éticas de existência, como muito aparece na obra de Deleuze e outros
autores dessa linhagem. Por isso, optamos pela seleção por alunos com diferentes
experiências, das muitas danças e das muitas artes. Muitas idades. Muitas trajetórias.
Mas isso também foi traduzido na aposta de uma formação plural e hetero-
gênea, apostando tanto na experiência docente universitária quanto no dito ensino
informal, do trabalho com corpos treinados e não treinados, virtuosos ou não.
Portanto, o reconhecimento e ênfase na singularidade foram condições para
o trabalho no que se referia a alunos, a aulas e a professores.

Técnica: não como o fim,


mas o começo de uma viagem
Sim, precisamos dela, mas alargando o seu entendimento. Então, partiríamos
12 da compreensão de que técnica não é um fim, mas um meio que pode nos dar
valiosas e fundamentais pistas, sinalizações, orientações para a elaboração de um
caminho. Afinal, sair viajando pode levar a vagar ou a dar voltas no mesmo lugar.
Como desdobramento, a noção de que técnica não é só o que está devida-
mente codificado e/ou reconhecido/oficializado, um conjunto rigidamente organi-
zado, mas todos os procedimentos que nos instrumentalizam o fazer.
Não existe uma técnica universal
Técnicas são saberes importantes, fundamentais, mas na perspectiva contem-
porânea fica difícil eleger uma técnica que “resolva” os problemas de criação de
um mundo e uma vida tão complexos. “Cada projeto coreográfico terá de forjar
seu suporte técnico”, como já havia destacado num artigo intitulado Essa Tal Dança
Contemporânea – publicado na Revista Aplauso e no site idança.net. Ou melhor
dizendo, terá de escolher o seu caminho técnico.
Não partimos da premissa de que há uma técnica universal ou superior, mas
13
a mais adequada às singularidades de cada projeto, seja a partir dos corpos que
solicita, das ideias que mobiliza, das crenças que afirma. Por isso a proposta é mais
do que “formar” artistas nessa ou naquela técnica, a proposta é a de oferecer um
horizonte de saberes sobre o corpo e sobre a dança, para que cada aluno possa ter
como desdobramento escolhas individuais mais significativas e críticas.
Ética e estética
As maneiras e formas que escolhemos para atuar na dança, seja em sala de
aula ou no palco, legitimam, autorizam, desautorizam, estabilizam e desestabilizam.
Em cada ação dessas afirmamos sobre que corpo pode e não pode, de que jeito
o corpo pode ou não pode. Enfim, são escolhas que não passam impunemente,
ajudam a consolidar um certo modo de vida, um certo tipo de mundo. Uma coreo-
grafia não é apenas um entretenimento, por mais que possamos simplesmente nos
deleitar com ela, é um modo de ver e falar do mundo. Assim, como uma aula de
dança não é apenas uma escolha de treinamento, é uma escolha de postura para
consigo e com os outros, e estas são questões éticas.

Prático, intelectual e afetivo


Alinhados a muitas experiências e perspectivas de arte contemporânea, tí-
nhamos também o desejo de não separar instâncias muitas vezes tratadas em com-
partimentos separados. O projeto baseava-se na crença de que a experiência de
dança envolve a prática, a racionalidade e também as emoções. Razão e emoção,
pensamento e sentimento eram dicotomias que limitariam e reduziriam a possibili-
dade de vivência e entendimento do processo de criação em dança. E de novo, o
eco de Dewey: “Não é possível separar entre si em uma experiência vital, o prático,
o intelectual e o afetivo e jogar as propriedades de uns contra as características de
outros.” (Dewey, 2010, p.138).

Isso tudo foi se delineando em um


14
cenário no qual todos esses princípios
se conectaram de maneira natural
e progressiva. Acertos, revisões,
frustrações, insistências, afetos,
tensões, compartilhamentos. Tudo isso
fez parte desse processo que vem
possibilitando experiências dançantes
d e s d e 2 0 0 7.
guma

C
onheci o GED em 2010, assistindo aos espetáculos Pulp Dance e

dific
Faz de Conta que..., a convite de uma amiga do elenco. Aquelas
montagens ficaram guardadas na memória, e lá estão até hoje.
Em 2011, tive a opor tunidade de ingressar no estágio do Centro
de Dança. Essa experiência modificou todo o meu entendimento sobre dança
e sobre o trabalho nesse campo. Desde então, passei a acompanhar o Grupo
E xperimental, par ticipar das produções e, quando possível, frequentar algumas

toda
aulas. Em 2012, par ticipei da residência com Douglas Jung, que resultou no es-
petáculo ...Foi pro espaço..., apresentado com ex- integrantes do projeto. E eu,
que nem tinha entrado, já par ticipava como ex- integrante.
Em 2014, decidi encarar a experiência completa. Finalizado o estágio
(mesmo que continuando na equipe da Coordenação), dediquei um ano intei -
ro ao Grupo E xperimental de Dança. Algumas escolhas modificam toda a nossa
vida.
Tenho uma relação profunda com esse projeto, e acredito nele como uma
das bases na qualificação dos ar tistas que atuam em Por to Alegre. Considero

vi
o Grupo E xperimental um marco na gestão do Centro de Dança, e também no
crescimento da dança na cidade. É um projeto gratuito, sem necessidade de
pré - requisitos – além da dedicação e do compromisso de estudar dança diaria-
mente por um ano –, oferecendo uma “formação” que provoca um senso crítico
e político (uma das características do trabalho ar tístico de Air ton Tomaz zoni).
O Grupo E xperimental é hoje um projeto consolidado, pois foi construído a
par tir de um programa consistente e peculiar, linkando a dança com outras ar-
tes, como teatro, ar tes visuais e per formance. A grande quantidade de ar tistas
e coletivos advindos do Grupo e atuantes na cidade é mais uma demonstração
da vitalidade desse projeto.
O convite para par ticipar de uma publicação como essa e registrar esta 15
história só reafirma a força do GED e a profunda modificação que provocou, e
provoca, nas nossas vidas. Foi um prazer rever cada momento desse percurso.
Enquanto coorganizadora, lembro ainda que todos os textos não assinados são
de Air ton Tomaz zoni e que, no alto das páginas, há miniaturas em sequência
que darão à leitura um gostinho de movimento. Boa leitura!

Paula Finn
uma sala na qual as
aulas pudessem ser
realizadas ao longo
do ano, diariamente...

16
Em março de 2007 finalmente conseguimos o que era fundamental para
podermos dar início ao projeto do Grupo Experimental: uma sala na qual as aulas
pudessem ser realizadas ao longo do ano, diariamente. Tivemos a possibilidade de
contar com um espaço no oitavo andar da Cia de Arte (Rua dos Andradas, 1780),
que era de uso da Prefeitura. Ainda que com piso de parquet e em condições lon-
ge das ideais, o local poderia servir para começarmos a experimentar, como um
projeto-piloto. Tratamos de pintar a sala, trocar lâmpadas, colocar linóleo.
Paralelo a essa conquista, tínhamos alguns desafios: estabelecer um progra-
ma de aulas, definir o perfil do corpo docente, definir o perfil dos alunos e como
faríamos a seleção.
Para isso foi preciso, antes de mais nada, definir o período de funcionamen-
to e verificar os recursos que seriam necessários para manter um programa de au-
las. Como precisaríamos de um prazo para planejamento, divulgação e seleção,
definimos que as aulas iriam acontecer de junho a dezembro.
Quanto ao perfil dos alunos, em função dos objetivos e do curto espaço
de tempo que teríamos, seria necessário que os alunos já tivessem algum conhe-
cimento de dança, independente de linguagem, estilo ou modalidade. Era uma
aposta na heterogeneidade da turma e na tentativa de evitar o privilégio de alu-
nos com formação em uma técnica apenas.
A ideia era trabalhar com duas aulas semanais que se manteriam até o final
do ano, como eixo central do programa pedagógico, e nos demais horários tra-
balharíamos com módulos mensais com diferentes técnicas e abordagens. O ob-
17
jetivo, mais do que “formar” bailarinos em técnicas específicas, era abrir espaço
para descoberta e experimentação de informações e práticas que pudessem se
complementar, permitir ao aluno/a vislumbrar um horizonte de formação amplo,
permitindo que, no futuro, eles fizessem escolhas coerentes para os seus treina-
mentos pessoais.
Seleção
Para a seleção, solicitamos a cada candidato/a que nos enviassem um cur-
rículo e uma carta de intenção com os motivos de integrar o projeto. Este material
serviu para realizarmos uma pré-seleção daqueles alunos que não tivessem qual-
quer experiência em dança, bem como daqueles que acreditavam ser o projeto
uma formação em técnicas específicas, como balé ou dança de salão. A partir
da pré-seleção, foi realizada uma entrevista com cada um dos candidatos/as com
o objetivo de esclarecer o perfil e verificar o interesse, disponibilidade e compro-
misso para com o projeto.

A primeira turma

Aline Karpinski Janaína Leão Paula Hanke


Ana Lucia Hellmeister Janaína Nocchi Ricardo Gregianin
Constance Peterlongo Jenifer Guedes Roberta de Savian
18 Douglas Jung Luciana Hoppe Sane Vianna Pereira
Fernanda Bignetti Luiza Moraes Thaís Alves
Fernando Faleiro Márcio Canabarro Valter Santos
Graziela Silveira Nicole Fischer

A diversidade da turma foi um diferencial positivo para o Grupo. Tínhamos


alunos graduados ou graduandos de cursos de dança da Ulbra e da Uergs, baila-
rinos e bailarinas de outras companhias da cidade, alunos de outras áreas, como
da publicidade, com experiência em dança de rua, danças folclóricas, balé,
dança flamenca. Uma riqueza para o trabalho, mas também foco de inevitáveis
conflitos. A convivência diária, intensiva, a exigência das diferentes aulas (geran-
do facilidade e conforto para alguns, dificuldades e angústias para outros) e as
expectativas singulares de cada um geraram na metade do percurso uma forte
crise que, como todas as crises, foi fundamental para o amadurecimento e avan-
19
ço da turma enquanto Grupo. Foi um momento difícil, mas decisivo para a conti-
nuidade e coesão da turma. As diferenças não foram apagadas, mas revelou-se a
possibilidade de compreendê-las e transformá-las. O que poderia ser fragilidade
transformou-se em potência para criação, na troca, na cooperação com o outro.
Dentre outros desafios, era preciso enfrentar a evasão. Desde o começo pre-
víamos eventuais abandonos do projeto pela exigência física de fazer aulas todos
os dias, pelo compromisso diário exigido ou ainda por dificuldades sócio-econô-
micas, que podem ser decisivas para quem precisa pegar mais de um ônibus para
chegar ao local das aulas, por exemplo, ou ainda pela não identificação com o
programa de aulas.


Aulas e professores
A definição da duração do programa de aulas nos deu o primeiro susto:
teríamos 360 horas/aulas. Um susto tanto pela extensão, quanto por, consequente-
mente, os custos, uma vez que naquele momento contávamos com um orçamento
anual de 40 mil reais para todos os projetos do Centro de Dança. A primeira ação
foi buscar parcerias, em especial com a Coordenação de Descentralização da
SMC, que contava com professores para Oficinas de Dança, Capoeira, Música,
entre outras atividades. Conseguimos desta forma a cedência de carga horária
de dois professores: um de Dança Moderna (Eva Schul) e um de Capoeira (Guto).

20
Para complementar o programa, convidamos alguns dos principais artis-
tas da capital para completar o corpo docente, buscando a diversidade de abor-
dagens e linguagens. Dessa forma, a primeira turma do Grupo Experimental pôde
contar com os seguintes professores:

Alexandre Rittmann Fernanda Carvalho Leite


Balé Contato e Improvisação
Carlos Nunes Luciana Paludo
Dança de Rua Estudos Contemporâneos em Dança
Jussara Miranda Airton Tomazzoni
Dança Contemporânea Laboratório de Improvisação e
Composição
Luciane Coccaro
Dança Contemporânea Eva Schul
Dança Moderna
Daggui Dornelles
Dança Moderna Guto (Mario Augusto)
Capoeira
Tatiana da Rosa
Abordagens Somáticas para a Dança

Além das aulas, o programa pedagógico foi complementado com atividades


como sessões de vídeo na sala P.F. Gastal, com obras de coreógrafos e companhias.

21
J
á se passaram anos desde o dia 6 de junho de
2007, quando se reuniu a primeira turma do Gru-
po Experimental. Das 18 pessoas sentadas no
círculo, eu conhecia uma ou duas e, ao mesmo
tempo que me sentia um pouco estranho, lem-
bro de estar super empolgado com a ideia de fazer parte do projeto.
Naquele dia se iniciava um tempo bom, de novas ideias e fértil de estímulos e
questões. Um tempo de “ver o que há” e “como se faz”. O início do processo no Gru-
po me apresentou e aproximou do entendimento de como trabalhar com a diver-
sidade de abordagens e práticas, das possibilidades e do potencial de cada uma
delas. Sobretudo, esse início deu para ver, de maneira sutil a relação “investimento/
retorno” no trabalho com o corpo. Era urgente dedicar tempo e atenção no trato
com o meu instrumento e as transformações que aconteciam dentro e fora dele.
Havia espaço e informação de sobra para alimentar a curiosidade. As ideias e
sensações se multiplicavam e, mesmo que naquele início não se desse a compreen-
são de todas as questões, o desenvolvimento do trabalho e o amaciar do corpo aju-
davam a manter o processo vivo. O corpo estava encharcado de novas vontades.
Participar do Grupo foi, de certa forma, como estar num observatório do que
se passava ao redor. Era um ponto estratégico de onde se podia ter uma boa ideia
do que acontecia na cidade, entender de onde vinham muitas das referências do
que se via em cena e qual era o meu lugar dentro dessa rede. O Grupo oferecia
segurança em poder fazer uso desse observatório em favor de mapear quais seriam
os meus interesses e lugares possíveis, ao mesmo tempo em que eu também era visto
por outros membros da comunidade de dança.
Mapear e definir possibilidades, conectar-se com outros artistas, entender e
desdobrar ideias, estar atento às oportunidades, manter-se curioso... Todas essas
questões fizeram parte do meu aprendizado. Não de maneira óbvia e didática, mas
esse tipo de informação esteve presente no decorrer do período em que estive no
22 Grupo. Creio que uma das habilidades importantes do artista contemporâneo é jus-
tamente o desafio de conectar-se de maneira eficaz. De construir a sua própria rede
de contatos e possibilidades de geração de trabalho, de renovação das suas ideias
e desejos. Para mim, essa foi a parte mais bonita da experiência no grupo: o contato
com as pessoas.
No Grupo Experimental fiz alguns dos melhores amigos que tenho. Pessoas que
fazem parte das memórias daquela época e que seguem comigo. Trocando, traba-
lhando juntos, dividindo a cena e compartilhando da mesma
experiência que começou a se entrelaçar com a deles naquele
círculo. Muitas ideias e convicções daquele período me acom-
panham até hoje, num cenário que mudou muito e muitas ve-
zes, mas a essência das questões do presente está conectada à
experiência do Grupo.
Depois de quatro anos fora de Porto Alegre, é sempre muito bom voltar e en-
contrar o Grupo cada vez mais sólido. Sempre com rostos novos, questões novas e
talvez alguns dos problemas antigos, mas com o mesmo propósito: de ser um espaço
de descoberta, observação, conexão e de experiência. Um lugar que abriga àque-
les que acreditam no valor da prática, da tentativa, da aposta nas suas e em outras
ideias.
Vida longa ao Grupo Experimental!

Douglas Jung
Bailarino e coreógrafo formado
na SEAD - Salzburg Experimental
Academy of Dance, em Salzburgo
(Áutria). Idealizador d’O NINHO -
escola de dança contemporânea,
diretor artístico do Coletivo
Moebius e integrante do quadro de
professores e coreógrafos residentes
da Casa Cultural Tony Petzhold e da
New School Dreams.

23
P
rovavelmente estes depoimentos soarão nos-
tálgicos, e são! O encontro com essas pessoas
no Grupo Experimental foi um grande acon-
tecimento para mim na dança e na vida. Dos
professores aos colegas. O contato com visões e técnicas di-
versas, a troca de experiências e conhecimentos foram e são essenciais na minha
formação como ser que ama, faz e quer cada vez mais a dança. No Grupo Experi-
mental tive o prazer de encontrar grandes amigos que quero sempre perto na vida
e na arte (se é que faz diferença). Pessoas onde encontro ideais e desejos comuns
e visões diferentes que alimentam minha alma, minha dança.
Fecho os olhos e quase sinto a sensação que sentia naquela manhã. Novas
caras, novos professores, novas experiências e a velha vontade de mergulhar na
dança. Já de cara, Eva Schul. Lembro o nervosismo que sentia no primeiro “enrola
um” da aula, descobri depois que esse sentimento não cabia só a mim! Claro que
começar algo novo sempre dá certo medo, mas não era só isso, era uma sensa-
ção que ali naquele lugar seria o início de muitos outros inícios. Muitos artistas
maravilhosos. Lu, Tati, Daggi, Cibele, Jussara e tantos outros formavam um time
de peso, com muito a dividir, e nós sempre sedentos aos ensinamentos e visões
artísticas da cada um. Cada professor trouxe algo valiosíssimo para a formação
daqueles seres ali e agradeço muito por isso.
Mas quando penso no Grupo as imagens que enchem meus olhos e cora-
ção são as lembranças das manhãs com meus colegas queridos: da dança, das
conversas, boas risadas, choros, brigas, festas. Da Aline com seus desejos e narcó-
ticos, do cigarrinho e ombro amigo do Doug, da parceria do Make, da fofura da
Thata, das semelhanças com a Lux, do humor da Nanda, do groove da Jeni, das
viagens do Fê, da acidez da Grazi, da doçura do Nilti, da good vibe da Jana, da
dedicação da Lu Hoppe...
Mesmo sem vê-los mais todas as manhãs levo todos no coração, a contribui-
24 ção dada foi descomunal, dividimos um início de caminho que espero não findar.
Tenho certeza que a visão sobre dança de cada um de nós tem o tempero desse
grupo querido que teve a sorte (leia-se Airton) de se encontrar!
E não posso terminar sem agradecer ao Marcelo pela grande ajuda para
que eu fizesse parte desta história.
Folias Fellinianas
Algumas cadeiras, uma mesa e tarefas, assim começou o processo de cria-
ção do Folias. Lembro do momento crise, nada vinha, nem
uma ideia. Lembro do Márcio de cabeça para baixo escalan-
do a parede também em crise, assim como a grande maioria.
De repente começamos a brincar e essa brincadeira foi evo-
luindo, evoluindo e quando vimos o grupo jogava, intercalan-
do grupos, duplas, solos e assim abriram-se os trabalhos. Nos encontros seguintes
o Dire foi agrupando pessoas, dando tarefas e experimentando trilhas.
O barato do Folias foi toda essa experimentação em grupo, todos se envol-
veram para ele nascer, malas de roupa para o figurino, idas à Redenção, festas
enlouquecidas, camisetas, cartazes. Tudo isso regado com a vontade de estarmos
ali juntos dançando. Isso acontecia em cena, essa troca, essa brincadeira. Tínha-
mos que estar em cena sempre, sem coxias a solução era manter o jogo ou ir para
o camarim, e óbvio que estar em cena era muito mais divertido. Foi prazeroso e
divertido estar no palco com amigos feitos no dia-a-dia, que dividiam dúvidas,
frustrações e sonhos. Era como se reunir com amigos de infância para brincar,
com toda cumplicidade, sinceridade e vontade de estar ali.
...ou algo assim que me intrigue
Trabalhar com a Lu(x) Paludo é algo fora do comum. O corpo se dilata, o
espaço fica denso, quase se consegue tocar o ar. Nas aulas já se busca essa in-
teireza que acaba aparecendo no palco, um estado corporal e energético que
modifica a percepção de quem dança e de quem olha.
Sou suspeita para falar, sou fã da Lu, ela modificou muito minhas percep-
ções quanto à dança, corpo e mobilidade. Mudou também minha cervical. Mas
confesso que foi um processo difícil, mesmo com tudo isso. Era um novo início
de grupo, alguns amigos haviam saído alçando novos voos, percorrendo novos
caminhos e muitos novos companheiros entraram e tínhamos pouco tempo para
nos conhecermos, entendermos essa nova fase até a estreia do trabalho. No fim,
a Lu fez um lindo trabalho, sensível, político, com momentos delicados, momentos
pesados e divertidos, tudo isso com pessoas absurdamente diferentes umas das 25

outras e com pouco tempo de convivência e trabalho.

Nicole Fischer
Bailarina, coreógrafa e professora.
E
u tenho tentado escrever um texto que não con-
sigo escrever, não só por falta de habilidade,
mas por tentar falar em passado. Existem situa-
ções que ainda são recorrentes, estímulos que
se perpetuam no tempo e ainda vertem no corpo. Tentar falar
de passado nunca caberia, nem auxiliaria a tentativa de tatear um testemunho.
A vivência em meio ao primeiro ano do Grupo Experimental de Dança da
Cidade em Porto Alegre, ainda reverbera e é residente nessa pele. Algumas experi-
ências do sensível desconsideram a lógica, em especial a lógica da minha palavra
escrita, ora que não sou poeta para transformar esse código desenhado em sensa-
ção. Seria mais justo e honesto de minha parte transpor, o que me acontece quan-
do penso nessa curva do tempo onde a dança se mostrou a mim, em movimento.
Acho que o faço a cada fragmento de instante onde o dançar anseia e sem dúvi-
da fiz há uma semana, onde estreei minha primeira dança com o dito: profissional.
Título desdencadeado pelo projeto em Porto Alegre.
As sutilezas divididas fizeram-me cruzar o mar e viver de dança. E a cada
momento em que crio conhecimento kinético ou testemunho do corpo em movi-
mento prolongo essa história que teve início na Rua dos Andradas no ano de 2007.
Existe em mim uma gratidão enorme por esse período, se hoje vivo experiências
indizíveis, se minha percepção e propiocepcão continuam a expandir, se o corpo
se tornou manifesto, se meus desejos de ser em poética derramam, se consigo
vivenciar trocas e compreender conhecimento como uma prática viva, é devido
aos desdobramentos desse projeto que aos meus sensos foi tão generoso, instiga-
dor e inspirador.

Márcio Canabarro
Bailarino da Hodwworks/
Budapeste / Hungria

26
E
m 2007, tive a oportunidade de participar como
professora do Grupo Experimental de Dança de
Porto Alegre, uma brilhante iniciativa da coorde-
nação de Dança da Cidade, ideia original de
Airton Tomazzoni – Coordenador de Dança. Considero um luxo
ter sido parte do corpo docente qualificado deste projeto que vem se consolidan-
do cada vez mais e com sucesso. Uma proposta de formação artística a introduzir
no mercado de dança contemporânea bailarinos múltiplos e instigantes.
Uma Porto Alegre ansiosa por um corpo de baile oficial de dança há muitos
anos, algo que não se concretizou até o momento num formato de companhia
estável ligada a um Teatro Municipal. O Grupo Experimental de Dança é uma
versão mais abrangente do que seria um corpo de baile oficial de dança da ci-
dade, considero o Grupo Experimental já um corpo de baile, só que numa outra
proposta, ligada ao ensino de dança e à formação artística. Começando pela se-
leção dos integrantes, feita através de currículo, mas prioritariamente em função
de uma entrevista que aborda as motivações dos aspirantes, o que configura um
formato mais democrático e demonstra um pensamento arejado sobre o que é ou
pode ser um bailarino contemporâneo.
O grupo. Bailarinos jovens com variadas formações em dança, alguns mais
e outros menos introduzidos na cena de dança contemporânea da cidade. Al-
guns atores, alguns alunos das diferentes universidades de dança do estado, por-
tanto, com formações diversas. Em meio à diversidade de corpos e experiências,
uma única meta, fazer parte de um coletivo de dança, fazer parte de um grupo
de dança, aprender mais sobre a dança, mas, sobretudo, compartilhar o desafio
de trabalhar em grupo, com todas as implicações decorrentes desta escolha.
Méritos. Trabalhar em grupo é uma proposta louvável, uma vez que na
cidade há muitos espaços para se trabalhar isoladamente ou em pequenos gru-
pos por afinidade. O Grupo Experimental agrega diferenças, e em grupo apren-
der a lidar com elas me parece um desafio para quem pretende se profissiona- 27

lizar, uma escola possível para o entendimento do que seja tornar-se profissional
em dança. Poderíamos comparar a experiência no Grupo Experimental como
um trampolim à carreira artística. Esta diversidade está presente também nos
professores, nas dinâmicas das aulas, nas propostas diferenciadas. O aluno tem
aula de balé, contemporâneo, educação somática, hip hop e aulas de criação
e composição coreográfica. Uma formação voltada para a prática diária de
dança. E esta formação integral é bancada pela Prefeitura
de Porto Alegre.
Minha participação. A proposta desenvolvida por mim
junto ao grupo foi uma espécie de laboratório de criação,
cada aula, uma oficina diferente a investigar as relações entre
os participantes, criação em duplas, em trios, em grandes grupos, com objetos
levados por mim, mas de livre escolha do grupo. Cada um escolheu seu objeto
e imediatamente este objeto lhe foi presenteado e fez parte de alguma cena, a
relação com a música ou ausência de, foi tema investigado. Além da relação com
os espaços; espaços sonoros, espaços internos do corpo, espaços entre a dança
e o teatro.
Pesquisa desenvolvida. O foco de atenção nas oficinas estava nas presen-
ças cênicas desenvolvidas a partir das três energias Potence, Radiance e Buoyan-
ce criadas por Arthur Lessac – energias da lama, dos choques elétricos e da flutu-
ação no elemento água. A estas energias relaciono o estudo de caráter iniciado
em Freud e desenvolvido por Reich – caráter Anal que corresponderia ao Potence,
o Uretral ao Radiance e o Oral ao Buoyance. São possibilidades de identificar e
caracterizar a predominância de cada intérprete, algo que pode abrir uma porta
a um autoconhecimento e a uma consciência maior sobre si mesmo na hora de
criar e de ir para a cena. Além de um estudo sobre o tom e a energia apropriada
para cada cena. Algo que vem sendo cada vez mais tema de minha investigação
como professora, bailarina e atriz.
A dinâmica. Nos encontros semanais com o grupo tentava olhar para o gru-
po, para cada um individualmente e levava um tema de investigação para de-
senvolver um laboratório de criação com base em improvisação. De minha ideia
primeira iam se desdobrando propostas do grupo. Num processo de criação co-
letiva, somente possível graças ao entendimento do grupo já incorporado numa
noção de coletivo. Meu papel talvez não tenha sido o de professora neste projeto,
28 mas o de incitadora coreográfica, nome carinhosamente sugerido por Laura Ba-
ckes sobre meu jeito de criar em trabalhos que realizamos juntas na Cia Lucoc em
2006.
O espetáculo. Um dos méritos do projeto Grupo Experimental é a realização
de um espetáculo de dança a cada final de ano, espetáculo e não uma mostra
de processo. Tive a alegria de na primeira montagem do grupo, que chamava
Folias Felinianas, sob a direção de Airton Tomazzoni, reconhecer em cena uma
partitura coreográfica trabalhada em meus laboratórios com
a turma, e eles me fizeram uma homenagem a colocando em
cena, de forma bem apropriada.
Mais uma experiência. Em 2008, estava realizando o
espetáculo Estados Corpóreos, financiado pelo FUMPROARTE
– Fundo de Fomento à Cultura. Uma das contrapartidas deste projeto era a reali-
zação de quatro oficinas de criação. E a convite de Airton Tomazzoni, lá estava eu
de novo a realizar as oficinas junto ao Grupo Experimental de Dança. Foi bárbaro.
Tive oportunidade de investigar junto ao grupo a preparação de dois dos esta-
dos cênicos desenvolvidos para meu espetáculo, foi uma troca maravilhosa poder
compartilhar o caminho de entrada – gatilho – num estado corpóreo específico.
Experiência riquíssima vê-los acessando os estados trabalhados a partir das mes-
mas técnicas pesquisadas por mim na criação do espetáculo. Ótimo aprendizado
ouvir o feedback do grupo sobre suas sensações corporais ao entrar em cada
estado. E na última oficina contamos com a presença de Fábio Mentz, músico,
parceiro no projeto Estados Corpóreos, foi um aulão de corpo e voz com base nos
ritmos, proposta de Fábio.
Enfim, agradeço muito a rica oportunidade de ter feito parte de um projeto
como o Grupo Experimental de Dança de Porto Alegre, iniciativa que admiro. Um
celeiro de jovens artistas em ebulição na construção de um senso de coletividade.
Uma escola de formação de bailarinos criadores, e que por estar não vinculada a
nenhuma instituição de ensino superior pode se dar ao luxo de seguir um formato
maleável. O aluno não ganha uma nota por seu desempenho anual, o professor
não cumpre o papel de avaliador, pois há um encontro num outro lugar, o de pro-
dutividade e troca artística. Muitos destes artistas hoje estão no mercado dentro
e fora do país. Alguns que foram alunos, hoje voltam ao grupo como professores,
fomentadores de novas propostas de pesquisa e investigação em dança contem-
porânea. Eu voto em vida longa a esta promissora iniciativa da Coordenação de
Dança de Porto Alegre. Espaço de pesquisa, ensino e criação artística. 29

Luciane Moreau Coccaro


Professora do Curso de Dança do
Departamento de Arte Corporal / UFRJ.
Doutora em Ciências Humanas – Sociologia / UFRJ.
Bailarina e atriz
A
os 23 anos, resolvi retomar a carreira de baila-
rina. Voltei para faculdade no então Curso de
Tecnologia em Dança da Universidade Luterana
do Brasil / Ulbra. Por dois anos, consegui conci-
liar os estudos em dança com a profissão de jornalista, mas a
dança falou mais alto e decidi largar de vez o jornalismo enquanto atividade pro-
fissional regular. Na faculdade, entrei em contato com a dança contemporânea e
sua forma de pensar e comecei a dançar numa companhia de Porto Alegre que
atualmente chama-se Geda Cia de Dança Contemporânea. Na época, apenas
engatinhava na dança com os pés descalços, pois até então havia dançado balé
clássico e flamenco. Senti necessidade de me aprofundar tecnicamente na dan-
ça contemporânea e recebi um e-mail sobre uma seleção para um novo projeto:
o Grupo Experimental de Dança de Porto Alegre. Sem nada a perder e com vonta-
de de trabalhar com arte, resolvi enviar currículo e, depois de alguns dias, recebi
o telefonema de Airton Tomazzoni dizendo que eu era uma das selecionadas. As
aulas na Cia de Arte foram momentos de profundo aprendizado corporal e men-
tal. Fui exposta a pessoas, estéticas e técnicas corporais diferentes e complemen-
tares. O encontro com o chão foi absurdamente dolorido, mas aquele grupo de
pessoas era maravilhoso e fazia tudo valer a pena. Acho que foi principalmente
pela capacidade daquele grupo que conseguimos fazer um espetáculo que foi
sucesso de público: o Folias Fellinianas. Um sucesso de público que foi um prazer
poder dançar. Era maravilhoso dividir o palco com aquelas pessoas. Ainda hoje,
sinto falta daquela energia. Infelizmente, depois de participar do espetáculo ...Ou
Algo Assim que me Intrigue de Luciana Paludo no ano seguinte, tive que sair do
grupo, pois este tem um caráter apenas de formação e os compromissos profissio-
nais acabaram exigindo meu afastamento das aulas. Hoje vejo que meu esforço
em me aprimorar está sendo recompensado, pois em 2011, fui indicada ao Prêmio
Açorianos de Melhor Bailarina pelo espetáculo Cem Metros de Valsa e Um Grama
30 da Geda Cia de Dança Contemporânea. O tempo que passei na turma pioneira
do Grupo Experimental de Dança de Porto Alegre foi um dos mais importantes
da minha vida. Além de representar a volta para um sonho antigo: o de poder
fazer aulas de dança todos os dias e, com isto, possibilitar corporalmente a dança
enquanto profissão, o contato com aquele grupo de pessoas foi essencial para
minha sanidade mental durante a reviravolta que minha vida pessoal sofreu justo
na hora em que conseguia tornar realidade meu maior desejo: dançar! Junta-
mente com os colegas do Geda, do Tablado Andaluz e da
minha família, o Grupo Experimental de Dança me salvou da
depressão profunda. Dançar e poder ser profissional da área
são umas das maiores bênçãos que Deus me deu. Agradecer
por isto todos os dias ainda é pouco diante da gratidão que
sinto por ser uma artista de dança com direito a DRT na carteira de trabalho. De-
sejo longa vida ao Grupo Experimental e que ele possa no futuro expandir sua
atuação e, quem sabe ter, além do caráter de formação também o profissional,
possibilitando um novo campo de trabalho para os bailarinos formados ali.

Graziela Silveira
Jornalista, bailarina, bailaora e professora de Flamenco e
integrante da GEDA Cia de Dança Contemporânea

E
ntrei no Grupo Experimental de Dança de Porto Alegre no mesmo ano
em que entrei na Universidade no curso de Dança. Trabalhava como atriz
há algum tempo e senti a necessidade de investir no aperfeiçoamento
do corpo criativo e inteligente através da disciplina da dança. Tive a oportunida-
de de receber a influência de grandes artistas da dança que me ensinaram antes
de tudo o respeito que devemos ter pelo nosso corpo. Aprendi a me distanciar do
conceito de que nosso corpo é nosso instrumento de trabalho. Ver o corpo desta
maneira é reduzi-lo e nos distancia de infinitas possibilidades de descobertas que
se abrem quando aprendemos a escutá-lo. Foram dois anos de descobertas, me
perdi e me encontrei inúmeras vezes. O processo nem sempre é tranquilo. Pode
nos envolver em dúvidas, mas assim temos certeza de estarmos vivos. O meio é
sempre o corpo.
Com aulas práticas e teóricas foi possível o desenvolvimento do meu en-
tendimento de todo processo cênico. A experiência de compartilhar processos 31
em arte com artistas renomados foi catalizador importante no meu processo de
profissionalização.

Roberta de Savian
Graduada em Dança pela UERGS,
Mestre em Artes Cênicas pela UFRGS,
vencedora do prêmio Klauss Vianna em 2010 e 2012.
C
omeçou tudo a partir de um sonho, de uma ideia
colocada em experimento. Grupo Experimental
de Dança. Nada mais coerente poderia surgir
para nominar o que lá iria acontecer. Grupo: pa-
lavra que supre a necessidade de referência de um determi-
nado conjunto de pessoas unidas a um determinado fim. Palavra corriqueira, mas
que, quando empregada, torna-se uma referência familiar para quem está inse-
rida no mesmo. Experimental: pode soar como uma justificativa para um trabalho
iniciante, porém, neste caso, está ligada uma proposta real de autoconhecimen-
to, autocontrole e busca do/de algo mais.
Dança: expressão máxima daquilo que nos move, daquilo que o corpo não
suporta mais silenciar e projeta à pele, imprimindo assim um evento que ganha um
bailar único e intransferível. Grupo Experimental de Dança. Tendo eu participado
do primeiro ano, sinto hoje, uma alegria e uma sensação de saudosismo singular.
De certo, muitas coisas aconteceram nesses anos e que foram de extrema impor-
tância e superação para o trabalho de cada jovem lá atuante. No entanto, (que a
modéstia me permita falar) o que aconteceu no primeiro ano do Grupo, resultan-
do em um trabalho lembrado por muitos até os dias de hoje, foi o que minha mãe
chamaria de “o Manjar dos Deuses”. Folias Fellinianas, espetáculo de excelência
para a cidade, conferiu a mim a credibilidade de um processo constituído. As
diferenças nos fizeram e o amor nos uniu em um universo paralelo tão intenso e
significante dentro de nós. Aquela família experimental alçou voos desde então,
cada um foi buscar sua dança, seus motivos e seus próprios experimentos. Talvez
de tudo que ficou (e não foram poucas coisas), a sensação de pertencimento da
própria dança foi o que marcou esse grupo. Essa doce loucura felliniana jamais
sairá da gente por mais tempo que se passe... Inesquecível folias! Inesquecível
Grupo Experimental de Dança da Cidade! Parabéns a cada um!

32
Fernanda Bignetti

Bailarina, coreógrafa e professora da rede municipal


de Porto Alegre, vice-diretora da escola EMEF João Antonio Satte.
Agosto a Dezembro de 2007

No mês de agosto começamos a trabalhar uma manhã por semana no


processo de criação. Um processo guiado mais pela possibilidade de experimen-
tações e descobertas do que por definições já estabelecidas para uma monta-
gem. Ainda que houvesse algumas ideias, como a de criar um espetáculo sobre
lembranças de Porto Alegre e mesmo uma leitura contemporânea para o Natal, já
que teríamos datas no teatro próximo a essa data. Mas saber o resultado final era
o que menos importava nesse momento.
Frente a um grupo heterogêneo de corpos, trajetórias, técnicas, vivências
cênicas, optei pelo trabalho tarefas de improvisação, visando num primeiro mo-
mento buscar o estímulo à imaginação, ao acionamento de vocabulários pesso-
ais de movimentos e o exercício com elementos como tempo, espaço, relação
entre os corpos, o jogo cênico, o foco, entre outros. A tarefa central era brincar
com o movimento, tomar consciência, intimidade, manipular motivos, jogar.

Um Grupo Experimental,
experimentando
Estabeleci então exercícios de experimentação. O primeiro deles foi reali-
zado em duplas, no qual cada par deveria estabelecer relações de contrastes.
Quando um estivesse no plano baixo, o outro deveria trabalhar no plano alto,
quando um estivesse se movimentando lentamente, o outro deveria trabalhar de
maneira acelerada, quando um estivesse num movimento fluido e contínuo, o
33
outro trabalhasse com pausas frequentes. Enfim, eles também podiam definir ou-
tros contrastes. O objetivo central era começar a promover a interação entre os
alunos, estimular a percepção, foco da tarefa e a capacidade de jogo entre eles.
Num segundo encontro o exercício foi retomando, com um desdobramento, cada
aluno poderia modificar ao longo do exercício seu elemento de contraste, fican-
do o outro atento a perceber essa mudança e procurar o novo contraste proposto.
Como prosseguimento destes exercícios também partimos para improvisa-
ções em grupos, explorando o espaço num primeiro momento concentricamente,
em um grupo que, de uma concentração, se expandia pela sala e voltava ao
centro, bem como pela exploração do espaço em trajetórias de linhas retas. Pos-
teriormente estes dois exercícios eram variados, a partir da mudança de dinâmica
dos deslocamentos que surgiam.
Complementando essa primeira etapa de experimentações, também re-
alizamos o exercício em duplas, que deveriam afastar-se e aproximarem-se, va-
lendo-se do nível baixo. Quando estivessem muito próximos ou muito afastados
deveriam experimentar movimentos de braços e mãos, como se esculpissem o ar.
Esses primeiros encontros permitiram que começassem a se desenhar vo-
cabulários individuais e a possibilidade de jogo entre os integrantes do grupo. Ain-
da que persistisse uma certa ansiedade em saber que materiais seriam utilizados e
para que coreografia ou espetáculo. Mas ainda era o momento de experimentar
sem “ancorar” o material que começava a aparecer e evitar um direcionamento
que pudesse impedir experimentações menos condicionadas por outros elemen-
tos que não o movimento em si.

Insistência, permanência e
estruturação
A segunda etapa do processo envolvia o desafio de retomar alguns frag-
mentos que já insinuavam sua potência e a possibilidade de organizá-los, estrutu-
rá-los. Como então retomar um material sem deixar que o “frescor” que apareceu
não se perdesse? Como poder insistir num mesmo material e deixá-lo aberto para
possíveis mudanças? O que se ganha e o que se perde na permanência de uma
mesma estrutura de movimentação?

34
Dessa forma, começamos exercícios de seleção e
combinação. Alguns materiais já apareciam nas improvisa-
ções em duplas ou trios ou mesmo em pequenos grupos. Mas
outros tomei a liberdade de propor aproximações para evi-
denciar “parentescos” ou mesmo contrastes entre diferentes
materiais individuais. A partir daí, fui sugerindo mudanças de combinações, mo-
dificações no movimento individual dos participantes e embrionariamente dese-
nhando pequenas cenas. Cabe salientar que quando se trata de sequência em
momento algum estabelecemos, como tradicionalmente acontece, um “conta-
gem”. Buscamos resgatar os fragmentos sem a necessidade de aprisioná-los em
uma medida de tempo rígida ou num parâmetro de precisão a ser reproduzido
a cada retomada. O importante era resgatar a intensidade daquela descoberta,
mesmo que ligeiramente modificada, alterada, ressignificada. Para isso trabalhá-
vamos às vezes com música, às vezes sem música. Às vezes experimentávamos
com uma trilha mais intimista, às vezes com uma trilha mais dinâmica, às vezes
com uma trilha brega. E íamos tentando perceber que resultados diferenciados
produziam.
Mesmo com essa nova etapa, tive a percepção que a turma estava que-
rendo que enfim, tivéssemos “alguma coreografia”. Busquei então, sem abrir mão
do processo de experimentação, brincar com elementos das aulas de balé que
eles vinham fazendo. A partir de port de bras, começamos a estruturar uma pe-
quena coreografia, mas utilizando-se como trilha um samba. Isso dava uma estra-
nheza interessante à sequência que começava a nascer. Além disso, foram sendo
incluídas experimentações: o uso da pausa – um elemento que raramente apare-
cia nas improvisações –, equilíbrio, sustentação, dentre outros elementos. Aliado a
isso, percebi que a tentativa de estruturar a coreografia de balé, se por um lado,
amenizava a ansiedade por uma coreografia “pronta”, por outro lado tinha, de

35
Ainda para produzir material complementar foi lançada a proposta
de trabalharmos com desajustes coreográficos:

1. mancar
2. repetir demais um mesmo movimento
3. parar “de soco” seguidamente
4. um membro do corpo não obedece
5. tontear (perder referência no espaço)
6. achar graça de um(ns) movimento(s) que faz
7. se invocar se alguém chega perto demais
8. recomeçar sem nunca estar satisfeito com a
sequência
9. parar para anotar as sequências que faz
10. calcular (estudar) cada passo antes
de realizá-lo
11. atrapalhar-se com o que veste
(calcinha-cueca na bunda/sutiã/
calça)
12. só conseguir dançar quando está
sendo foco de atenção de alguém
13. tirar e guardar coisas da bolsa
14. dançar preocupada em não
desarrumar o cabelo
15. xingar a parte do corpo que não
está funcionando como você
queria
16. outras alternativas serão
bem-vindas

36
certa forma interrompido o fluxo criativo do processo que co-
meçava a florescer.

Iniciando uma Folia,


bem felliniana
O material produzido, bem permissivo que era, possibilitava ser encaminha-
do em várias direções. E escolher um caminho dentre muitas opções é sempre
difícil. E foi um momento bastante tenso, quando isso aconteceu, depois de al-
guns encontros experimentando. Mas uma melodia de Amarcord, de Nino Rota,
certo dia ficou comichando os pensamentos inquietos, enquanto assistia àquela
turma se movendo deliciosamente. Resolvi então propor entrarmos no território do
cineasta italiano Federico Fellini. Estávamos diante de vasto repertório imaginário
que seus filmes deixaram, repletos de figuras e situações que revelam seus olha-
res meio de soslaio para a vida. E neste percurso foi saboroso para alguns serem
apresentados a este universo, e não menos instigador para os que o revisitavam
enquanto dança.
Procuramos então entender do material que tínhamos, o que apresenta-
va características “fellinianas”: inusitadas, frágeis, à margem e ao mesmo tempo
efusivas, festivas, cheias de vitalidade. Procuramos um jeito de dar vida a movi-
mentos e encontros anônimos, daquelas pequenas coisas quase imperceptíveis e
até mesmo desvalorizadas. Foi então que fomos realizar uma sessão na Sala P.F.
Gastal, de Amarcord, de Fellini, filme que apenas uma das alunas do grupo já
tinha visto.
Depois dessa sessão cada aluno passou a buscar referências do universo de
Fellini em outros filmes, em trilhas, na internet. Tinha sido desencadeado um pro-
cesso fundamental para criação: a curiosidade e o interesse. Ao mesmo tempo,
uma preocupação que eu dividia com eles: a de não reproduzir cenas dos filmes.
Não era esse nosso objetivo. Queríamos poder traduzir em dança um universo felli-
niano. E precisávamos descobrir as estratégias para esse intuito. Ao mesmo tempo 37
aquelas figuras e cenas eram muito próximas de figuras e cenas com as quais
tropeçávamos cotidianamente pela cidade, nesta Porto Alegre meio metrópole,
meio província, meio Roma, meio Rimini.
A partir daí começamos a estabelecer pequenas cenas, como um duo de
Márcio e Roberta que tinha como mote central a ideia da percepção não-vi-
sual. Márcio deveria acompanhá-la de maneira “cega”. A cena de grupo em
que explorávamos trajetórias foi batizada “a praça”. Nela o movimento de cada
intérprete criou uma galeria de figuras que se encontravam, se desencontravam,
reagiam e interagiam no espaço. Ao mesmo tempo, incorporamos material de im-
provisação nascido na aula da professora Luciane Coccaro, que acabou virando
a cena das “Noivas”, na qual apenas as mulheres do grupo dançavam em uma
sequência alucinada, que as ia levando à exaustão. Também propus um exercício
de movimentar-se em trio. Dois trios de mulheres que gradualmente se transforma-
va em um sexteto.
Enquanto íamos entendendo esse material, surgiam propostas de improvisa-
ção, como uma cena que estruturamos a partir de uma lista de ações para serem
realizadas por cada um, como: acenar para alguém, dar dois passos para direita,
tirar o sapato, girar, dar três passos para esquerda, flertar com alguém, correr em
círculos ao redor do mesmo lugar. Depois de cada um ter seu próprio material,
todos deviam executar simultaneamente essas tarefas em grupo. Cada um reali-
zando a sua, mas cada ação ao mesmo tempo que o outro.
Na procura de poder traduzir em dança as possibilidades fellinianas, iam
nascendo a cada ensaio novas propostas. Algumas deixadas de lado, outras ga-
nhando forma mais delineada. Umas encontrando a música tão esperada, outras
vagando entre melodias de Nino Rotta. Foi assim que nasceram solos como o da
Jenifer, que foi acrescido de algumas dificuldades: realizá-lo com pés de pato
e máscara de mergulho e encerrá-lo dentro de uma enorme câmara de pneu
de caminhão inflada. Para Nicole foi dado o desafio de realizar sua partitura de
movimento individual inspirada em pin-ups de revistas da década de 50. E Luiza
ficou com o desafio de incorporar uma diva do cinema, envolvida com dois fãs
dispostos a tudo para agradá-la (Márcio e Douglas).

38
Ainda como proposta de criação, busquei aproveitar
singularidades e afinidades entre os intérpretes. Assim, em um
ensaio pedi para Márcio e Douglas, que tinham dificuldade
em “ficar parados”, para usarem a sala do andar debaixo e
criar uma cena em que eles gastassem muita energia, incluin-
do literalmente subir pelas paredes, rolar, saltar etc. Eles voltaram no final da ma-
nhã e tínhamos um engraçado fragmento de dois jovens que procuravam formas
de enganar um ao outro com ações interrompidas, desvios e “ciladas cinéticas”.
Por outro lado, Aline e Fernando gostavam muito de trabalhar a partir do estímulo
musical. Começamos a pensar num fragmento coreográfico inspirado em Ginger
Rogers e Fred Astaire, que apareciam em Ginger e Fred, de Fellini, reconstruídos
de maneira magnificamente precária por Marcello Mastroianni e Giulietta Masi-
na. Conforme a escolha musical foi definida, a cena transformou-se não mais em
um casal de bailarinos, mas em um noivo e uma noiva atrapalhados com o ges­
tual de ir para o altar. Ainda nesta perspectiva, sugeri um duo com Taís e Graziela,
mais intimista, com exploração de pontos de apoio e investindo no plano baixo,
construindo uma cumplicidade rasteira, frágil.

39
Um provisório fim

Com essas cenas, começamos o exercício de composição efetivamente


pensando em como juntar fragmentos, estabelecer uma atmosfera, criar ligações,
transições entre cenas. Para isso, criamos uma cena inicial bastante livre em que
cada aluno deveria explorar o espaço cênico como desejasse. Definimos um final
que incluía uma versão de Nino Rotta cantada por Caetano Veloso, Que não se vê,
na qual deveria ser aberta a porta externa ao fundo do palco, pela qual gradual-
mente todos deveriam sair em direção ao beco iluminado atrás do teatro. Foi meio
que inevitável pensar em improvisar um baile, a partir de partituras individuais que
cada um tinha do trabalho inicial de improvisação, descobrindo possibilidades
que fossem surgindo do jogo entre cada aluno em cena, que acabou rendendo
duas cenas: Baile I e Baile II.
A pesquisa de figurinos auxiliou bastante e deu um certo “brilho” a todos.
As vestimentas foram buscadas em brechós da cidade, com peças dos anos de
1940, 1950, 1960. Na proporção que foram chegando vestidos, bolsas, sapatos,
chapéus, luvas, entre outros acessórios e peças, cada cena foi ganhando rele-
vo: descobrindo outras possibilidades de arranjo, adaptando-se a limitações (que
eram positivas) ou transformações inovadoras.
Fundamental, ainda, foram os ensaios no próprio palco do Teatro Renas-
cença, quando decidimos usar a caixa cênica toda aberta, com alternativas
de uso de espaço tanto das coxias, das varandas de luz, camarins. Literalmente
descortinar o universo que estávamos construindo. Deixar o piano de cauda em
cena, poder usar aberta ou fechada a porta do alçapão que dava para o porão
do teatro (e por onde acabaram saindo as bailarinas em uma das cenas). Ao
mesmo tempo, surgiam os elementos cenográficos de Zoé Degani: a escolha por
bicicletas tão presentes no imaginário felliniano, janelas móveis, bancos de praça.
Foi assim que fomos criando o nosso próprio universo, povoado de frag-
40
mentos de memórias, lembranças, associações, sugestões, invenções, numa gran-
de folia dançante. Em momento algum quisemos representar ou encenar as obras
de Fellini, nem reviver personagens. Preferimos ser fiéis a esse criador de outro jei-
to, exercitando o que ele mais defendia: a mentira é sempre mais interessante do
que a verdade. E, neste exercício, buscar aquilo que ele postulou em suas obras:
“Não há nenhum fim. Não há nenhum começo. Há somente a paixão da vida.”

Crítica publicada na Revista Aplauso, nº 91
(http://grupoexperimentalpoa.blogspot.com.br/2010/07/as-folias-fellinianas-no-palco-por-luiz.html)

41
deixar então
nascer os
movimentos,
as percepçòes,
os afetos

42
Em 2008, o projeto deu continuidade à turma de 2007. Depois de realizar a
abertura da Mostra de Dança Verão em janeiro, o Grupo voltou às aulas em feve-
reiro. O desafio no segundo ano foi, além de dar seguimento e complementação
às aulas, aprimorar a montagem e o aprendizado de questões de produção do
espetáculo Folias Fellinianas. Para isso, os alunos passaram a organizar uma série
de atividades como divulgação, produção de material gráfico, envio de material
para festival, produção de fotos, clipes de vídeo. Fruto desse trabalho foi a realiza-
ção de duas temporadas no Teatro Renascença, participação no Festival Dança
Bagé, no Festival Dança Alegre Alegrete e no Porto Alegre em Cena, e ainda a
abertura da Mostra Sesc Diálogos da Dança. A montagem fez também o encer-
ramento do Seminário Nacional de Dança e Educação. Além disso, o espetáculo
ganhou uma versão de rua, apresentada no Parque da Redenção, na Semana de
Porto Alegre e foi responsável pela cerimônia de entrega dos Prêmios Açorianos
de Dança e Teatro, transmitida pela TVCOM.

Professores (fevereiro a setembro)

Cibele Sastre Tatiana da Rosa


Sistema Laban de Análise do Movimento Abordagens Somáticas para a Dança
Liane Venturella Silvia Canarim
Máscara Neutra Dança Flamenca
Alexandre Rittmann Eva Schul
Balé Clássico Dança Moderna

Alunos

Aline Kaspinsky Lindsay Gianoukas


Douglas Jung Luiza Moraes 43
Fernanda Bignetti Marcio Canabarro
Fernando Faleiro Nicole Fischer
Graziela Silveira Nilton Gafree
Jenifer Guedes Roberta de Savian
Juliana Vicari Thaís Alves
Nova turma 2008
Em junho, no turno da tarde, uma nova turma foi aberta.

Alessandro Rivellino Joana Vieira Roberta de Savian


Aline Brustolin Juliana Rutkowski Sheila Amaral
Bibiana Altenberd Muriel Vieira Stephania Vasconcellos
Fabiana Saikowski Raquel Purper Tuti Muller
Flora Adams Renata de Lèlis
Gabriela Martins Ricardo Oswald

Professores

Cibele Sastre Tatiana da Rosa


Sistema Laban de Análise do Abordagens Somáticas para a
Movimento Dança
Airton Tomazzoni Silvia Canarim
Laboratório de Improvisação e Dança Flamenca
Composição
Eva Schul
Alexandre Rittmann Dança Moderna
Balé

44
Algo assim que me intrigue

A turma da manhã, que vinha de 2007, ao longo do ano teve uma redução
devido a bons motivos. Alunas passaram a atuar na rede municipal e estadual de
ensino. Dois alunos ganharam bolsa para estudar no exterior: Douglas Jung, na
Folkwang, em Essen, Alemanha e Márcio Canabarro, na SEAD, Salzburg, Áustria.
Frente a esse contexto, ficou impossível manter a montagem de Follias Fellinianas.
Então foi aberta nova audição e a turma dedicou-se a uma nova montagem,
conduzida pela coreógrafa Luciana Paludo, que resultou no espetáculo ...Ou Algo
Assim que Me Intrigue.

Alunos
Bethany Martinez Lindon Shimizu Roberta de Savian
Graziela Silveira Luiza Moraes Stefania Vasconcellos
Isis Marks Ribeiro Nicole Fischer Thaís Alves
Juliana Vicari Nilton Gafree
Laura Rosa Patricia La Machia

45
fragmentos de um processo

Começar respirando. Essa foi a escolha para os laboratórios de criação da


montagem com turma que tinha entrado em junho de 2008 no Grupo. Respiração.
Percepção. Mobilidade. Depois do Folias Fellinianas, em 2007, tentamos evitar as
ciladas de fórmulas e modelos que deram certo e buscar entender e perceber as
singularidade daquela turma e suas potencialidades.
Deixar então nascer os movimentos, as percepções, os afetos (entendidos
como sentimentos, mas também como o modo se deixar afetar por si e pelos ou-
tros). Confiar. Confiar em não se ter um fim determinando. Confiar em se ter par-
ceiros. Confiar que as diferenças são uma rica matéria-prima. Confiar na aventura
do mover-se e ESTAR nesse momento, intenso, por inteiro.
A partir daí, encontrar espaços, possibilitar fluxos. Respirar com a cabeça,
com as mãos, com a cintura, com os pés. Deixar a respiração levar ao movimen-
to, ao deslocamento. E o deslocamento, por sua vez, levar ao encontro. E nos
encontros descobrir as relações possíveis, os jogos, as trocas, as combinações, os
contrastes, as semelhanças.
Talvez se tivesse de escolher um momento do processo, seria “a caminhada”.
Cada um começava a sua e gradualmente um grupo ía se constituindo, respirando
e passando juntos. Ao mudar a direção, quem assumia a frente propunha um novo
movimento que se propagava pelo grupo em movimento. Aos poucos o grupo
voltava a se separar, cada um encontrando seu “lugar de aconchego”, por vezes
sozinho, por vezes amparado por um colega, num abraço, num ombro, num colo.
Ainda não sabíamos a direção da montagem. Em uma viagem para a Bie-
46
nal de Dança de Fortaleza, li em uma parede a pichação: “Eu me faço simples
por você”. E o indício de como conduzir a montagem, por momentos banais da
vida, muitas vezes os mais valiosos. Então partimos para o desafio de começar
e fizemos disso a própria cena: como se começa alguma coisa, um movimento,
uma coreo­g rafia?
Seguiram-se outras cenas,
como a das poses de fotografias
para aniversário, casamento, via-
gens, churrasco de final de sema-
na. Fragmentos de duos ou trios
geraram outras delicadas cenas.
Percursos pelo espaço e compo-
sição de imagens criaram outras.
Ainda a manipulação do próprio
corpo como marionetes dese-
nhou outro momento. Ao mesmo
tempo, tentamos preservar esses
momentos simples, não apenas
em fotos, mas também em vídeos.
E daí decidimos utilizar inserções
de vídeo entre as coreografias.
Depoimentos dos alunos e alunas
sobre como começar algo, de
como ficar na frente da câmera e
tentar (inutilmente) ser natural, de
seus medos, de seus prazeres sim-
ples (como tomar um banho de
mangueira no pátio).

47
O
ano é 2007 e vigora a primeira turma do Gru-
po Experimental de Dança da Cidade de Porto
Alegre. Airton Tomazzoni, diretor e idealizador
do projeto, juntamente com o grupo de baila-
rinos, está no processo de criação que originará o espetáculo
intitulado Folias Fellinianas, a primeira experiência cênica do grupo. A criação ce-
nográfica da obra, por sua vez, era assinada pela artista plástica e cenógrafa Zoé
Degani, com quem ocasionalmente trabalho como free lancer, acompanhando
seu processo criativo e estabelecendo relações conceituais entre a obra da artis-
ta e o pensamento sobre arte (prática que atualmente vem compor uma pesqui-
sa de mestrado junto ao PPGAC-UFRGS1). Lembro de, neste momento, observar o
grupo com distância e admiração, não sabia ao certo do que se tratava a pro-
posta a que aquela gente se submetia, mas ao cruzar com eles pelos corredores
do Centro Municipal de Cultura – acompanhada da nada discreta Electra, minha
cachorrinha de estimação – havia uma energia neófita e inspiradora, própria de
aventuras precursoras. Este foi o primeiro contato estabelecido com o grupo onde
iria residir minha futura incursão pela dança.
Eu era da equipe da cenógrafa, acompanhada do weimaraner efusivo que
estava naturalmente ambientado ao teatro (já que a Electra costumava acom-
panhar toda produção artística que o atelier da artista desenvolvia). Alguns mem-
bros do grupo eu já conhecia, pois sendo a dança berço da minha formação
artística, naturalmente já cruzara com alguns deles por salas de aula, encontros e
espetáculos da classe. Airton, por sua vez, sabia quem era com a devida cautela
empreendida por quem observa os artistas à distância, sua prática e discurso,
através dos textos no site i-dança.net, e ainda por ser muitas vezes avaliador de
obras nas quais eu participava em editais e festivais da área. Era, portanto, uma
possibilidade distante que eu pudesse ingressar àquele espetáculo e, menos ima-
ginável ainda, àquela equipe de trabalho que havia passado por um rigoroso
48 processo de seleção para estar ali, mesmo porque havia um ano que eu estava
afastada dos palcos e das aulas de dança.
Felizmente a possibilidade distante é ainda potência e, sendo assim, se ma-
terializou pelo motivo mais improvável, que habita os meandros da criação e que

1 Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Pesquisa sob
orientação da Profa. Dra. Silvia Balestreri Nunes.
permite agregar força à obra de arte. A cena requeria o univer-
so de Federico Fellini, a versossimilhança absurda característica
da obra do cineasta e, para isso, Tomazzoni precisava de animais
em cena, queria no palco a recorrência da vida irônica como
aparecia nos filmes que inspiravam o trabalho – animais para-
doxalmente coadjuvantes e imprescindíveis compõem um dos elementos funda-
mentais da obra de Fellini: o inusitado estranhamente factível ajuda a pincelar a
magia que abriga a obra do artista.
– Zoé, vamos colocar galinhas em cena... Precisamos ter animais no palco
porque todos os filmes do Fellini têm muitos bichos no elenco, afirma Airton.
– Galinhas?, questiona a cenógrafa.
– Pois é, eu não sei como é que vou fazer para que elas se restrinjam ao es-
paço da cena, não quero que invadam a área do público.
Evidentemente, a cenógrafa sabia do que se tratava, já que pinta em cena
quadros em movimento, acopla à sua criação esculturas móveis, possibilidades
para os corpos. Assim, restringir o espaço da cena e o espaço do público é a pri-
meira instância deste teatro, desta dança, que ocupam o palco italiano. As aves,
por sua vez, dificilmente serão coreografadas para seguir uma partitura limitada
a ambientes específicos. No decorrer da conversa, fruto da proliferação criativa
que antecipa os acontecimentos cênicos, chegou-se à conclusão que seria mais
apropriado recorrer a um canino. Muitos cachorros também nos filmes do diretor
italiano. Da constatação sobre a necessidade deste elemento, sempre difícil de
trabalhar (já que os animais, pela sua verdade absoluta, tendem a romper o uni-
verso representativo das artes cênicas), à consideração da Electra como convida-
da especial, foi só virar a cabeça para o pátio do teatro...
Feito! Electra integraria o espetáculo. Primeiramente queriam que a própria
cenógrafa a conduzisse em cena, pois a canina em questão é de sua propriedade
também. Apesar de suas incursões ocasionais pelo palco, Zoé desta vez não se
dispôs a tal e prontamente sugeriu que eu empreendesse a tarefa. Assim, cheguei 49

ao espetáculo conduzida pela pata da Electra (graças à ousadia de Airton e o


empurrão de Zoé, claro), meu personagem era a dama do cachorrinho.
Repleta do medo que catapulta as ações, assumi o papel. Claro que, como
não era integrante do elenco até aquele instante, já vésperas da estreia, não
contava com figurino, posição no palco ou partitura de movimento. Desafiando
o bom senso, tirei do cabide um vestido de época e da gaveta os acessórios. Zoé
Degani providenciou os sapatinhos vermelhos e Rodrigo To-
mazzoni (responsável pela caracterização dos personagens)
aprovou o cabelo e a maquiagem, enquanto a Electra já nas-
cera pronta para aquela cena: estava delineada a figura que
comporíamos para o espetáculo. Da composição da figura ao
movimento que ela desenvolve em cena, meu background em dança contempo-
rânea e clássica foi providencial para que eu pudesse habitar o ambiente cênico
em conformidade com os outros corpos e elementos que a integravam. Tínhamos,
eu e Electra, três cenas, as quais habitamos plenamente, imersas na obra que an-
tes fascinava e da qual agora fazíamos parte.
Foi uma temporada excepcional. Quanto às sensações da cachorra, só sei
que adorava a fila que se formava no camarim, antes de entrarmos em cena,
perante ela sentada, onde todos disputavam dar-lhe frutas e biscoitos. De resto,
se comportava muito bem, participou de todos os ensaios que antecederam a es-
treia e acompanhava o aquecimento do grupo e a roda de concentração que fa-
zíamos. Eu também estava sendo alimentada, mas de poesia e beleza. O encontro
com o grupo fez alargar nossas relações, fui bem-vinda à equipe, desta vez como
elenco, e as trocas eram vastas e profundas, leves e poéticas, tratavam da dança
e da vida, da técnica e das emoções. A trilha de Nino Rota traduzia o universo
que havia se instalado no Teatro Renascença, éramos todos seres que poderiam
ter habitado um filme de Federico Fellini, mas residíamos no palco, na primeira
obra do Grupo Experimental de Dança, que arrancava do cinema o elemento
que compunha, agora em movimentos, a esfera cênica a que pertencíamos. Or-
gulhosamente apresentávamos ao público o resultado de um trabalho sensível e
delicado, tratado com seriedade e exigência, onde a doação era requisito fun-
damental.
Ao término da temporada, quando me preparava para me despedir de
todos, com uma sensação de morte que acompanha todo fim de trabalho, eis
50 que sou convidada a prosseguir a jornada juntamente com o grupo, oficializar
minha participação e integrar as aulas e demais atividades. Lisonja é pouco para
definir a satisfação. Por esses intermédios que a vida traz, pelas deliciosas sur-
presas que nos reserva (esta certamente foi uma delas), me entreguei ao convite
como uma noiva desesperada no altar. Eu dizia para o diretor: “Aceito! Aceito!
Aceito!”. Aberta em sorrisos e apoiada nos pulos que não me continha em dar.
No ano seguinte, 2008, era eu mais uma integrante do Grupo
Experimental de Dança, ambiente que fez multiplicar o co-
nhecimento, a técnica e a reflexão na área.
Pela frente veríamos o reconhecimento do trabalho,
com muitos convites para apresentações do espetáculo, cul-
minando na adaptação da obra para ser o leitmotiv da cerimônia de entrega dos
Prêmios Açorianos e Tibicuera daquele ano. Nas atividades daquele oitavo andar
do prédio da Cia de Arte, no centro da cidade, eram aulas de balé clássico e dan-
ça contemporânea, street dance e máscara neutra, improvisação e videodança
etc, as quais participava todas as manhãs com fascínio e dedicação. Havia uma
miríade de universos naquela sala e migrávamos entre eles nos desenvolvendo en-
quanto artistas, sendo injetados de possibilidades, trocando e crescendo, doando
e aprendendo. Víamos passar o tempo preso no relógio paralelo ao tempo que
residia em nossos corpos expressivos e aprendizes, em nossos espíritos artísticos e
insaciáveis, um tempo inapreensível, inenarrável. Neste instante, em que recorro
à memória para redigir este texto, percebo que não é no passado que reside esta
experiência, este convívio, mas no presente. O legado que esta vivência deixou
está impregnado nos poros, nos tendões e músculos, na minha visão e formação
de mundo, no próprio conceito de arte que exercito hoje. Desenvolvemos àquela
época, mais que exercícios: afetos, mais que discursos: práticas. Posteriormente,
as atividades do grupo se fragmentaram (existe agora o Grupo Experimental de
Teatro), se adaptaram a um novo modus operandi, possui hoje uma trajetória, com
muitos alunos e artistas no currículo: anos depois, o projeto exibe sua maturidade.
Quanto a mim, vivi sua precocidade, digna de uma aprendizagem com-
partilhada: como uma tripulação de navio que, orientada pelo comandante, se
joga ao mar, já que nele o movimento é mais interessante. Vivíamos a religião
da dança, o culto ao aperfeiçoamento, o apego em desbravar instâncias poéti-
cas do palco e de nós mesmos. Nesses instantes de felicidade, em que o sujeito
esfrega os olhos para ter certeza de que não está sonhando, é que relaciono a 51

experiência junto ao grupo. O legado que me acompanha não está restrito às


linhas do meu currículo, se expande pelas camadas da vida, se insere nos pilares
da própria formação profissional, na edificação do meu ser. Como saber ao certo
a quem agradecer: ao Airton, ao Fellini, à Electra, aos colegas, aos professores?
Por uns ingressei e por outros fui conduzida, diz respeito a estas oportunidades da
vida que, mesmo operando nas instâncias do inusitado, não
podem ser negligenciadas. Afinal, é no atípico que se constrói
a singularidade de um artista e, se lhes tenho como memória
constitutiva, como experiência de vida, vos agradeço ampla-
mente, mesmo porque“não existe fim, não existe início, ape-
nas a infinita paixão da vida...” 2

Lindsay Gianoukas
Atriz e Bailarina (dança contemporânea e sapateado americano).
Mestre em Artes Cênicas pelo PPGAC/ UFRGS.

2 Fellini em Fellini (1976) editado por Anna Keel e Christian Strich

52
A
experiência em ministrar aulas de flamenco no
Grupo Experimental de Dança de Porto Alegre
foi extremamente gratificante para mim em di-
versos níveis, tanto profissional como pessoal.
Como o Grupo era formado por alunos com um perfil diferente
dos que eu estava acostumada a lidar, tive que reformular bastante o conceito e
a didática das minhas aulas.
Acredito que um dado interessante seja o fato de eu ter participado do Gru-
po como aluna e como professora, inclusive simultaneamente, no caso do segun-
do curso. Dessa maneira, tive o privilégio de “me movimentar” nesses dois lugares/
espaços distintos. Isso foi fundamental para que eu entendesse melhor a proposta
e pudesse dirigir as aulas de forma mais produtiva para os alunos.
Foi apaixonante ver como eles se surpreenderam com o flamenco e suas
possibilidades expressivas. Lembro inclusive de uma mensagem que o Douglas
enviou comentando sobre as aulas de flamenco que ele teve em uma companhia
europeia onde fez residência. Logo depois dos cursos, fui morar em Sevilha por
dois anos e, retornando ao Brasil, reencontrei alunos daquelas duas turmas, que
me procuraram e seguiram fazendo aula comigo. Também, hoje, assisto a traba-
lhos de outros componentes da época, onde percebo que alguns movimentos do
flamenco estão presentes.
Creio que tenha contribuído de alguma forma para enriquecer o repertório
deles e acredito que ampliei muito minha visão em relação ao reconhecimento
do flamenco como uma ferramenta potente de expressão e de possibilidades de
movimento para qualquer intérprete.

Silvia Canarim

Bailarina, coreógrafa e professora de Flamenco.


Mestre em Artes Cênicas pela UFRGS.
Diploma de Estudos Avançados em Flamenco pela Universidad de Sevilla.
53
N
o ano de 2008, despretensiosamente escrevi uma
carta de interesse e mandei meu currículo para a
seleção dos novos alunos do Grupo Experimental
de Dança de Porto Alegre. Eu já havia dançado
balé na minha infância, jazz e street dance na adolescência,
porém, ao iniciar minha vida artística no teatro, nunca mais havia tido conta-
to com a dança. Não imaginava que seria selecionada, pois naquele momento,
pensava que não estaria apta para entrar numa Escola de Dança...
(... Anos depois que parei de fazer aulas de balé, participei de uma audição
para um grupo de jazz – o Transforma – e fui eliminada da audição de uma forma
brusca. Cada participante tinha um número e a professora, no decorrer da aula,
eliminava os números... nunca me esqueci dessa experiência e acredito que ela
tenha marcado fortemente meu olhar sobre a minha dança e colocado em dúvi-
da minha capacidade de dançar novamente...)
Porém, meu retorno à dança foi um reencontro com a Raquel bailarina que,
aos 32 anos, se percebeu capaz de voltar a dançar... encontro cheio de surpresas,
intensidades, trocas, criações, convívio...
O Grupo Experimental de Dança mudou minha vida. Transformou meu pen-
samento sobre a dança, sobre o corpo que dança, sobre o ser humano que dan-
ça. Nesse lugar incrível de muito aprendizado e autoconhecimento, pude viver os
momentos artísticos mais intensos da minha vida... um local de compartilhamento
entre pessoas muito diferentes com experiências artísticas diversas... onde o olhar
sobre si e sobre o outro se fundem num encontro profundo. Passei três anos da
minha vida em um estado de entrega... conhecendo corpos e almas dançantes...
vivendo e pensando a dança em um ambiente democrático, aberto... alunos e
professores em conjunto, criando, recriando, aprendendo, reaprendendo...
Dançar e pensar a dança, hoje, é a minha vida. Encontrei o sentido da
minha existência. Ter participado desse espaço foi crucial para as decisões que
54 tomei ao longo desses três anos e essencial para minha formação como profis-
sional da dança – dançando e ensinando... ensinando e dançando... respirando
profundamente a dança.

Raquel Purper
Diretora, coreógrafa e professora de dança.
H
á como transformar em palavras as experiên-
cias? Há como traduzir uma linguagem que
ultrapassa a própria linguagem? Por vezes se
pensa que a dança se faz de corpos que se
movem; outras, por corpos que se movem e pensam; outras
por corpos que se movem pensam e sentem; outras ainda por corpos que se mo-
vem, não movem, pensam, sentem, refletem, socializam, exploram, criam, com-
partilham.
Foi a partir de meu envolvimento com o Grupo Experimental de Dança da
Cidade que ampliei meus horizontes acerca da dança e da criação artística e me
aproximei de uma possibilidade mais complexa de entender e vivenciar a arte de
dança. Instigando meu quebra-corpo-cabeça a aprender e desaprender.
Fiquei três anos como aluno e um como professor, e hoje me percebo muito
mais inteiro em meu posicionamento artístico; isso se dá, também, graças à inter-
ferência positiva do Grupo na minha vida; percebo mudanças tão internas e ao
mesmo tempo tão materiais que passam pela maneira como danço mas que vão
muito além disto. A partir de minhas experiências como aluno e professor dentro
do grupo, posso dizer que é impossível passar por este rio sem se molhar. Transfor-
mações acontecem.

55
Que bom que houve muitas pessoas que permitiram e faci-
litaram que eu fizesse e inclusive redescobrisse o que amo.
Creio que, das idas e vindas, os que permanascem (isso
mesmo) por algum tempo no grupo tem um imenso potencial
de estabelecerem-se, no mínimo, como grandes criadores e
intérpretes de dança.

Alessandro Rivellino
Artista multimídia interessado no que pode um corpo.
Bailarino, professor, diretor, performer e coreógrafo. Integrante do coletivojoker.

Q
ue piso errado, me apoiando nas beiradas dos pés
Que abri minha caixinha de Pandora e ela estava guardada na
minha escápula esquerda, e que havia muita dor ali
Que muitas pessoas, muito próximas a mim, me causam fobia e
falta de ar
Que tenho dificuldade em dobrar a coluna
Que tenho um belo peito de pé
Que flexibilidade tem mais qualidade que força bruta
Que podemos estar em movimento, mesmo estando em repouso
Que podemos encontrar espaços inimagináveis dentro do nosso corpo
E que esses espaços acessam movimentos suaves e amplos
Que usamos nosso corpo inapropriadamente a maior parte do tempo
Que a dança é um mergulho para dentro
E que nesse mergulho, encontramos tesouros perdidos.
***
Eu tinha escrito isso em novembro de 2008. Amei ter tido essa experiência
56 com todos do Grupo Experimental. Foi uma síntese do que eu sentia. Descobertas,
sensações e a ansiedade por pisar no Renascença pela primeira vez. Mas até aí a
dança é algo maravilhoso, pois é uma doação e eu consegui fazer essa entrega.
Descobertas e percepções.

Sheyla Amaral
Mãe, dona de casa e aprendiz
T
rabalhei com o Grupo Experimental de Dança
da Cidade de Porto Alegre em quatro ocasiões:
duas vezes ministrando aulas de dança (2007 e
2008); um processo de montagem coreográfica
(2008), o qual resultou na coreografia ...Ou Algo Assim que me
Intrigue; e numa remontagem do mesmo trabalho, para um grupo parcialmente
diferente, no primeiro semestre de 2009. O que pretendo narrar aqui começará
pelo processo da montagem de ...Ou Algo Assim que me Intrigue, coreografia que
se configurou como uma das primeiras vivências que me impeliram a desenvolver
o estudo de minha tese, a qual desenvolvo no Programa de Pós-Graduação em
Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Analisar certos fatos
e procedimentos dessa ocasião fez com que eu iniciasse uma observação mais
específica de como se dá o meu funcionamento nos processos de criação em
dança – especificamente quando se trata de coreografar para outros corpos.
Trabalhar com corpos diversos, com formações diversas em dança movimenta
entendimentos relativos a estéticas e possibilidades de configurações em dança.
Assim, dificilmente ficaremos imóveis em nossos “cômodos lugares” de pensamen-
tos. Os pensamentos, por sua vez, dificilmente se fixarão como verdades plenas e
acabadas.
Outubro de 2008... Era o primeiro encontro que teria com aquela turma, e
um fato já estava dado: ao final de um período de três meses e meio, teríamos que
aprontar uma coreografia. Os anos de experiência no ensino da dança tinham
propiciado o contato com uma porção muito diversa de corpos e possibilidades
de movimento. Mas, o que me instigava tanto na nova experiência? O que estava
diferente das outras vezes? Não conseguia localizar.
Aos poucos passei a compreender. Era a primeira vez que ganhava a tarefa
e assumia o compromisso de formar para corpos que não conviviam diariamente
com meu trabalho de aula. O problema, então, não estava na diversidade; estava
no curto espaço de tempo que teria para “descobrir uma metodologia possível” 57

para aquela circunstância.


Quando se está num início de trabalho coreográfico, a intencionalidade
se pronuncia de uma maneira muito intuitiva, pelo menos no que posso observar
quando componho. As peculiaridades da criação, o ato de dar sentido a uma
série de elementos, de modo que se configure um todo que comporte uma signi-
ficação particular é uma das tarefas mais difíceis que se tem na arte.
O primeiro procedimento que fiz para formar a coreo-
grafia foi dar aulas de dança. As seis horas semanais eram
usadas para fazer aula. Precisava, minimamente, criar signos
em comum de entendimentos de corpo e percepção, de
modo que tivéssemos vocabulários para estabelecer diálogos.
Percebia que proceder assim seria uma espécie de escuta; uma abertura aos cor-
pos e às ideias, para que a dança pudesse se pronunciar ali.
Nos exercícios, sugeria a eles, através do uso de imagens (procedimento
inspirado na Ideocinese), que buscassem intenções para gestos, movimentos e
deslocamentos específicos no espaço. Lidar com as pausas, situar a cintura es-
capular no espaço nas dimensões da largura, profundidade, o que gera um re-
sultado específico na altura. Todos esses eram procedimentos meus para a minha
dança, os quais estavam vindo à tona em palavras. Aos
poucos percebia que o fato de eu não dançar a coreogra-
fia estava propiciando este recuo, e, delicadamente, uma
elaboração do que me era tão particular.
O que saliento dessa experiência de montagem co-
reográfica foi que estabeleci muitas reflexões a respeito da
relação entre técnica, poética e estética; vejo que essas
três camadas são a trama de uma mesma coisa, faces de
um mesmo objeto. Às vezes o objeto só não se mostra em
todas essas fases, mas, já comporta em si a potência. Por
exemplo, se estou a dar aulas, há uma inventividade e uma
intenção em cada elemento; posso não estar preocupado
em formar uma coreografia, mas, ela poderá se organizar
como consequência daqueles movimentos, em acordo à
intenção que tenho, ou não, de formar algo.
O conceito de técnica em dança é muito amplo;
58 há muitos mitos e interpretações a respeito de ser ou não
necessária a “técnica”, como se ela fosse um ente que
estivesse pairando nalgum lugar. Outro mito é o de aco-
lher apenas uma técnica, como necessária e fundadora.
Compreendo a questão da técnica em dança como todo esse aparato criado,
em determinadas épocas e contextos, a partir de necessidades peculiares dos
praticantes dessa arte. Se pudermos repetir algumas organizações e nos basear-
mos em sistemas de movimento, certo é que cada tentativa é uma re-invenção
daquele gesto nos corpos e no mundo. Aquele procedimento
vem à tona, é remontado a partir do que já sabemos; com isso
podemos instaurar e propor novas tentativas, entendimentos
e arranjos.
No caso de ...Ou Algo Assim que me Intrigue, ao iniciar
o trabalho com o grupo não tinha nenhuma intenção a priori; a intenção foi se
engendrando. Como era final de ano, as propagandas de natal, as músicas de
natal, os bonecos de natal e o frenesi das pessoas com seus pacotes de presentes
nos shoppings, lojas e ruas da cidade foram nossos primeiros motivos de pesquisa
e inspiração para criar movimentos.
Certo dia perguntei a eles: “o que intriga vocês?”. Sugeri que, além das
observações da época de Natal, trouxessem algo que fosse mais pessoal, e fizes-
sem uma frase de movimento. Passamos a trabalhar nossos
incômodos, a trazer para o movimento, de maneira abs-
trata, pois sempre se trata de uma transferência de signos
e de linguagem. A partir dessas tarefas realizadas foram,
aos poucos, surgindo organizações de pequenos blocos;
tínhamos uma pesquisa musical que corria paralela, em
músicas novas que ocupava para dar aulas e para experi-
mentar os exercícios e tarefas propostas e criadas.
Vejo que circunstâncias específicas geram com-
portamentos relativos a tais realidades. Também criamos
comportamentos nesse processo coreográfico. Mais do
que metodologias de criação; inventamos modos de ope-
rar com o nosso corpo durante a semana. Tornamos-nos
cúmplices e o que solicitava a eles era “para não desligar”
do processo nos dias em que não nos encontrávamos – por
isso as tarefas de criação, as quais geralmente lhes propu-
nha no último encontro da semana (na quinta-feira, para 59

serem apresentadas no início da semana seguinte.


É difícil “desligar o botãozinho”, quando se está
criando... Eu ia embora ao final de uma manhã, depois de
um trabalho de três horas e, decididamente, o processo não se encerrava com o
final das horas de trabalho. Os corpos permanecem em mim. Minha retina confere
a memória visual necessária; a sensibilidade e o envolvimento fazem com que as
horas seguintes sejam uma continuidade da criação. Assim, propunha a eles no-
vas tarefas, às vezes por e-mail; ou então, escrevia no caderno
de notas e lhes passava no encontro seguinte. Na expectativa,
sim, mas, também na compreensão da possível e certeira de-
fasagem, própria, tão própria da dança.
Formular espécies de pensamento tem relação com o
ambiente e a organização social e política que se engendra em relação ao ob-
jeto que estamos a lidar. Pude pensar e elaborar várias coisas a partir dessa cir-
cunstância vivida no Grupo Experimental de Dança, cuja organização se constitui
no formato de uma Escola Livre de Dança, respaldada pelo Centro Municipal de
Dança da Cidade de Porto Alegre e sua Coordenação, vinculada à Secretaria
Municipal de Cultura. Esse caráter oficial nos coloca em evidência; há uma co-
brança em termos de resultado – estético inclusive.
Não emitirei pareceres quanto ao resultado estético de ...Ou Algo Assim que
me Intrigue. Digo que ela cumpriu sua função, dentro do contexto que se propôs
a ser criada e a existir. Dentro, também, de meu contexto de artista da dança.
Digo que tivemos a feliz oportunidade de movimentar modos de pensamento em
relação à dança, à criação; aos problemas estéticos e de recepção. Movimentei
minhas concepções e, por certo, convidei ao movimento os bailarinos. Hoje é
mais fácil falar de certas questões de meus processos de criação em dança, por
conta dessa experiência fundadora, que “me intrigou”, colocou-me em conflito. E
o conflito é este maravilhoso motor da criação. Alguém, por acaso, quer sossego?

Luciana Paludo
Bailarina, bacharel e licenciada em Dança.
Mestre em Artes Visuais, doutora em Educação, professora do Curso de Dança da UFRGS.
Coordenadora do Mimese Cia de dança-coisa .

60
M
inha experiência no Grupo Experimental foi
extremamente importante e transformadora.
Eu fiz parte do primeiro grupo de bailarinos
privilegiado pelo projeto, e tenho certeza de
que aquele foi um momento fundamental para muitos de nós.
O início, com aulas todas as manhãs na Cia de Arte, me proporcionou a primeira
oportunidade de treinamento diário profundo e diversificado, abrindo possibilida-
des até então desconhecidas no meu corpo e modificando o meu entendimento
do que significa ser bailarina no contexto da dança contemporânea. Lembro que
naquele primeiro ano nenhum de nós tinha segurança sobre o futuro do projeto,
tudo era ainda um terreno de tentativas e apostas às quais nos engajamos plena e
alegremente. O processo de criação coreográfica nos levou ao espetáculo Folias
Fellinianas, que rendeu viagens, temporadas, apresentação do Prêmio Açorianos
de Dança e Teatro, muito engajamento de grupo e a sensação de termos atingi-
do um momento de maturidade que tinha um gosto de representar publicamente
a consistência do projeto. O grupo se tornou uma família baseada na força da
experiência compartilhada, e os projetos conjuntos começaram a extrapolar os
limites do Grupo Experimental.

61
O ano seguinte foi palco das primeiras despedidas do-
lorosas mas orgulhosas, os primeiros bailarinos deixavam o
grupo para alçar voos mais altos. Logo em seguida, novos co-
legas se uniram à turma já entrosada para a criação de ...Ou
algo assim que me intrigue, com direção de Luciana Paludo.
Tudo o que me restou na memória do processo de criação e do espetáculo resul-
tante tem um tom de sensibilidade extrema, de refinamento e entrega no movi-
mento, na relação entre os bailarinos e na interação generosa da coreógrafa com
o grupo.
Desde lá, o tempo voou. O caminho que começou no Grupo Experimental
me levou para (geograficamente) longe de Porto Alegre e das pessoas que fize-
ram parte deste momento da minha vida. Quando penso no grupo, o sentimento
inevitável é a saudade. Saudade dos professores, dos amigos-colegas-bailarinos,
do frescor das primeiras descobertas, da confiança adquirida neste caminho
denso. Foi daqueles acontecimentos na vida em que experiências intensas se con-
centram em um período de tempo relativamente curto. É incrível pensar em tudo
o que se passou naqueles primeiros anos do grupo. Me orgulho de ter feito parte
desta primeira turma, de ter construído laços que se mantiveram no tempo, de ter
feito a minha parte para consolidar este projeto. Recupero um trecho de um texto
que publiquei no blog do grupo quando comemorávamos um ano:
“Não encontro exemplo melhor do que o que segue pra ilustrar a mudança
que se operou nos corpos/mentes destes experimentais. Nas famosas e indispen-
sáveis conversas de corredor, um questionamento geral e recorrente ( impertinen-
te, até) nos primeiros meses de aula era “será que eu vou ser bailarino mesmo um
dia? será que dá? será que eu consigo?”. Pois o fato é que eu, o Doug e a Nicole
temos conversado há um tempo sobre as mudanças que se operaram, motivados
pela proximidade das comemorações de um ano do grupo. Percebemos o se-
guinte: há um ano atrás, ao preencher qualquer daqueles formulários, cadastros,
62 etc., em que a gente tem que dizer até a cor da calcinha, o campo profissão era
bastante problemático. Eu, por exemplo, sempre colocava “profissão: estudante”,
ou seja, não sou nada ainda, sou um projeto. Comentamos que agora, depois da
experiência com o grupo, o campo profissão de qualquer formulário passou a ser
bem mais simples. Profissão: bailarina. Sem hesitar. Esse é o tamanho da mudança
que o grupo promoveu na minha vida e, acredito, nas dos outros balarinos que
têm a oportunidade de fazer parte dele. Não pode faltar: obrigada, Airton, pela
coragem, pela primeira e maior aposta, que tornou possíveis
todas as outras.
Com toda a certeza, o crescimento que percebemos
nas aulas da Tati hoje não seria o mesmo sem os professores
que enfrentaram com a gente os diferentes momentos do gru-
po. Obrigada, queridos professores.
Que venham mais apostas, mais conquistas, mais folias, fellinianas ou não.
Um grupo de bailarinos muito afinado se formou. Ao final de um ano, temos o mais
importante para que novas conquistas venham: fichas, muitas fichas para apostar.”

Luiza Moraes
Mestre em dança, criação e performance pelo CNDC/Angers e Université Paris8,
performer independente atualmente baseada em Budapeste, Hungria.

E
ntrei para o Grupo Experimental sem saber de que forma aquilo me
afetaria. Sem noção das descobertas, dos corpos que se transformam,
expressam, traduzem, que criam. O Grupo me sensibilizou para a
quantidade de dança que existe em cada gesto, olhar e rotina.
A dança que passa despercebida no cotidiano. E, principalmente, a dança
particular que mora dentro da gente, que briga pra sair. Eu nunca havia dançado
formalmente, e assim que entrei para o grupo tive que enfrentar prazerosamente
aulas de dança moderna, contemporânea, street dance e ballet; descobrir novas
energias, vértebras, músculos e a existência das escápulas. Mergulhei de cabeça
nesse universo novo e apaixonante, que me transformou. Permaneci no grupo por
63
cerca de um ano, de 2008 a 2009, e fiz parte do elenco do espetáculo Eu me faço
simples por você, que materializou meses de experiências e entregas. Só tenho
a agradecer a todos os professores, colegas e, principalmente, ao Airton, pelos
estímulos, descobertas, sorrisos e excelência. A sociedade precisa dançar mais.

Ricardo Oswald
Produtor e professor de Yoga, residente em Berlim.
P
articipei como professora do Grupo Experimen-
tal nos anos de 2007, ministrando uma oficina
ao longo de um mês e como professora perma-
nente no ano de 2008. Trago aqui brevíssimas
reflexões sobre o papel das abordagens somáticas do movimento em uma escola
de formação de bailarinos.
Costumo chamar minha aula de “Improvisação e abordagens somáticas
do movimento”, ou algo aproximado. O faço na tentativa de evitar o nome “dan-
ça contemporânea” e a redução a um estilo coreográfico daquilo que poderia
ser uma disposição para encararmos a dança, ou diferentes tradições de dança
como artes em criação, em movimento, em mudança, em estado de pergunta.
O nome “dança contemporânea” tende a colar em certas soluções cênicas, em
certas práticas pedagógicas (como por exemplo a improvisação e aquelas reu-
nidas sob o guarda-chuva da educação somática), mas, principalmente, em um
certo repertório de movimentos (rolos no chão, articulações colapsadas, etc.). No
contexto de uma proposta como a do Grupo Experimental o compromisso com
essas posições e discussões torna-se maior.
Mas também solicitei ao Airton que acrescentasse a palavra “dança” ao
nome de meu curso na ficha técnica deste livro, pois há uma segunda formulação
que baliza muitas de minhas escolhas como artista de dança e que precisei tra-
zer à tona agora: a da noção de formatividade, presente no nome do Centro de
Formatividade em Dança , do qual fui aluna em 1991. A teoria da Formatividade
de Luigi Pareyson entende que “formar [uma obra] significa fazer inventando ao
mesmo tempo o modo de fazer”, isto é, que não é possível separar técnica de
criação. Com isso se diz não só que o criar não é produto da inspiração livre, que
é condicionado, plasmado pelos seus procedimentos, mas também que a técnica
não é um fim em si mesma e que é modificada pelas necessidades da criação.
Ou seja, é preciso que se entenda as técnicas agrupadas sob o nome “educação
64 somática” não só como instrumentos para a garantia da saúde dos bailarinos ou
seu aperfeiçoamento técnico, mas como ferramentas que, ao aproximarem-se
da experiência vivida do corpo, ao incluirem a propriocepção do bailarino nas
práticas pedagógicas, tornam-se práticas e estatégias de criação. E que, num
contexto artístico, conversam com o desejo de dança, são guiadas por ele.
De maneira muito geral (ou generalista), podemos dizer que essas técnicas
incluem a consciência, ou a atenção do praticante ao movimento enquanto exe-
cutado, exigindo, em muitas delas, um tônus baixo, o repouso
e a sua repetição lenta. Através de abordagens assim, que
parecem à primeira vista negar o mundo altamente cinético
da dança, o bailarino entra em contato minucioso com o re-
conhecimento das estruturas de seu corpo e de movimentos
básicos que permeiam seu cotidiano e os diferentes passos de dança que experi-
menta. Mas esse contato se dá pelo próprio sentir, ou melhor, por uma valorização
que essa pedagogia traz ao sentir – e do qual o professor tem que ser cúmplice
e estimulador –, revertendo, no ato, a relação de poder professor-aluno. É nesse
âmbito apaixonante da sensação pequena, do que poderia ser apenas íntimo,
que os significados da dança ganham ampliação em cada bailarino, que a co-
municação ganha espaço. Se refino o meu sentir, refino a possibilidade de sentir e
perceber o outro e a realidade a minha volta. Se ganho o aval para o meu sentir,
passo a bancar as imagens que emergem em minhas explorações próprias.
Trabalhar na intensidade de um ano com a primeira turma do Grupo permi-
tiu não só a emergência dessas experiências, mas um gosto do que pode ser um
aprofundamento. Foi possível instaurar um ambiente de trocas nas aulas e, prin-
cipalmente, uma confiança em tais procedimentos. Sem confiança nada nesses
métodos funciona, eles não são mecânicos, não são lineares.
Na primeira turma do Grupo reencontrei muitos ex-alunos da Graduação
em Dança – Licenciatura UERGS/Fundarte, onde fui professora. Nesse novo mo-
mento, o que apresentavam era uma fome pela imersão na prática de dança,
que o formato do Grupo podia proporcionar. Havia para eles a perspectiva de
participar de um espetáculo, a inserção era artístico-profissionalizante, portanto
engajada em um projeto em comum, em torno da criação. Se na graduação pro-
curei sempre decupar procedimentos de forma mais analítica, busquei, no primei-
ro contato com o grupo, no curso curto de 2007, lhes dar um banho de movimento
(e de alegria), trazer logo a experiência de que as práticas lentas modificavam
diretamente movimentos grandes com risco e gosto de virtuosismo. Lembro de 65

trabalharmos o pequeno jogo entre o cóccix e a cabeça, que dá maciez e con-


tinuidade ao impacto de saltos, e de realizarmos diagonais amplas saltando com
o corpo espalhado no ar para resolver a queda em um rolo. Vivemos ali o desafio
que se instala por um movimento que o corpo não acessa de imediato, de forma,
acredito eu, estimulante e divertida. Isto porque a solução não vinha à força, vi-
nha no investimento nas práticas sobre a sensação própria, abertas portanto a
resultados que uma aula não consegue conter, que um professor não consegue
suspeitar. Desenhávamos um espectro em que o virtuosismo e as práticas suaves
e aparentemente indulgentes de abordagens somáticas se complementavam,
assim como, acredito, o desejo de criação e apropriação do processo se insinua-
va em cada um. Foi com este gosto que nos reencontramos no ano seguinte, sem
resistências, com confiança e desejo. E com muito espaço pela frente. Foi um ca-
minho construído. Condições assim não se dão num toque de mágica, é preciso
um investimento longo, atento e criativo. Naquele início, pudemos colher desse
investimento numa medida estimulante.
E como potencializar tudo isso? Realizar a mediação dessas experiências
entre aulas e professores é ainda um campo a ser explorado no projeto do Grupo,
entendendo-se que a solução para isso não é simples nem imediata. Ela implica
o debate de visões de dança e de mundo.
Apesar da técnica ser muito em dança, o corpo não é mecânico. Não po-
demos mais falar mais em corpos, devemos falar em sujeitos. Isso exige soluções
complexas, diálogos abertos. Neste momento de reflexão do projeto do Grupo
Experimental, um projeto que abraçou a complexidade, ficam os votos para que
se equacione cada vez mais os desafios e soluções que a dança exige hoje.

Tatiana Nunes da Rosa


Bailarina, coreógrafa, professora de dança.
Mestre em Educação – UFRGS.

66
F
oi mais ou menos no inverno de 2007. Eu estava no
terceiro ano do curso de teatro na UERGS quando
fiquei sabendo que havia um “grupo-escola” de
dança contemporânea em Porto Alegre. Soube por
uma amiga que cursava dança na mesma faculdade. Achei inte-
ressante, mas não foi o bastante para querer entender mais sobre o assunto. Na época, eu
estava imerso em uma pesquisa corporal do ator e, naquele momento, isso já me bastava.
No ano seguinte, soube que estava aberta a inscrição para uma audição para a
criação de um espetáculo de dança pelo grupo. A pesquisa em que eu estava envolvido
já estava no fim, achei um bom momento para buscar novas ferramentas e informações.
Foi uma audição para o futuro espetáculo dali surgido …Ou Algo Assim que me Intrigue,
com direção e coreografia de Luciana Paludo.
Lembro-me de estar próximo a muitos bailarinos no espaço da Cia de Arte. Pensei
que seria uma boa experiência participar de uma audição de dança, mas senti naquela
aula-audição que eu não entendia muito bem alguns pontos de vista daquele universo,
portanto dialoguei com o vocabulário em que estava mais acostumado. Porém, eu sentia
no ar da Luciana, um conforto. Algo que me remetia a um universo próximo. Algo até mais
oriental do que muitos japoneses. Um lugar que tem contorno, mas reconhece as indefini-
ções das coisas. Talvez um entorno. Depois fiquei sabendo pela Luciana que ela me passou
porque gostou da qualidade do meu “limpar o chão do espaço” anterior à audição.
Eu tive uma grande descoberta no processo de criação. Eu vim de um lugar em que
o peso é um lugar de segurar. Eu segurava o peso. Junto com ele o mundo. Então eu não
entendia no meu corpo coisas como “acomodar a escápula”. Lembro que um dia, eu esta-
va em pé e a Luciana colocou as mãos na minha escápula esquerda e fez uma leve mas-
sagem, e pediu para eu soltar o peso. Deixando-me levar pela experiência eu deixei meu
braço cair. Respirei. Opa, novidade no ar. A diferença entre segurar o peso e soltar o peso.
Lembrando hoje, aquilo me tranquilizou tanto. Eu posso soltar o peso. Eu posso “deixar”,
né? Eu posso dividir a responsabilidade de eu estar aqui, com a terra. A gente trabalha a
nossa expectativa. A gente não precisa “dar conta” de tudo. Talvez esse tenha sido um dos 67

primeiros gestos da dança que me marcou. Como dividir a responsabilidade com o espa-
ço. Assim, acho mais coerente, se nós também somos natureza. Assim, acho menos sofrido.

Lindon Satoru Shimizu


Bailarino integrante da Cia. Dani Lima / RJ
como pensar
uma ideia
em dança

68
Em 2009, devido à grande procura por alunos para participar do Grupo,
foi decidido utilizar os três turnos da sala na Cia de Arte. Para isso foi criado uma
grade de horários flexível e cada aluno deveria cumprir pelo menos 15 horas se-
manais. Com isso, ganhou-se a possibilidade abrir um maior número de vagas, por
outro lado, deixamos de trabalhar com um grupo fixo em cada turma. Apenas os
alunos de 2008 que tinham participado das montagens, tinham um turno semanal
para seguir ensaiando os espetáculos.
Uma novidade que também foi implantada foi a da realização da primeira
Mostra de Dança do Grupo Experimental, no mês de julho, com apresentação das
duas montagens de 2008 e com fragmentos coreográficos criados em aula pelos
professores.
No final de ano foi mantida a apresentação de fragmentos coreográficos e
da montagem de Alguma coisa acontece, no Teatro Renascença.

Professores
Alessandra Chemello Elisa Machado
Jazz Balé
Alessandro Rivellino Eva Schul
Danças Circulares Dança Moderna
Alexandre Rittmann Ivan Motta
Balé Clássico Dança Moderna
Andrea Spolaor Juliana Vicari
Dança Contemporânea Improvisação
Bia Diamante Luciana Paludo
Educação Somática Estudos
Contemporâneos
Carlos Nunes em Dança
Dança de Rua
Neca Machado
Cibele Sastre Dança Moderna
Sistema Laban de
Análise do Movimento 69
Alunos

Alessandro Rivellino Igor Pretto Maria Albers


Alice Tessler Isabel Grinberg Muriel Vieira
Aline Brustolin Jéssica Padilha Nicole Fischer
Aline Karpinsky Joana Vieira Nilton Gafree
Anelize Simões Julia Lüdke Nina Eick
Béthany Martinez Juliana Rutkowski Patrícia Lamachia
Bibiana Altenbernd Juliana Werner Paula Sperb
Bruna Merino Karina Fröhlich Raquel Purper
Carine Sophia Karine Paz Regina Rossi
Carol Martins Lara Sosa Dias Roberta Pedroni
Carolina Garcia Laura Rosa Roberta de Savian
Carolina Roehe Lauren Hartz Rodrigo Fiatt
Charles Ferreira Lindon Shimizu Samanta Bueno Medina
Cristiano Vieira Luciane Panisson Thaís Alves
Fábio Gonzales Luiza Moraes Tracy Freitas
Fani Vasconcellos Magda Oliveira Tuti Muller
Fernanda Boff Marina Mendo Viviane Gawazee
Fernanda Santos Manuela F. de Souza
Iandra Cattani Marcelo Mertins

70
O
Grupo Experimental com certeza foi um grande incentivo
na minha carreira e oportunidade de aperfeiçoamento. Na
área artística ainda encontramos muitas dificuldades para
de fato construirmos uma carreira sólida e próspera. Após a
formatura em Dança pela UERGS, foi fundamental encontrar uma oportuni-
dade dentro do Grupo Experimental de Dança, sendo possível nutrir minha
carreira com experiências práticas, diálogos e trocas riquíssimas. Ao sair da
universidade e encontrar as portas abertas no Grupo foi como sentir-me
acolhida e motivada dentro do cenário cultural da cidade de Porto Ale-
gre. Minha experiência no Grupo me trouxe o que todo bailarino almeja:
períodos intensos de conhecimentos e práticas corporais, podendo dessa
forma dançar, adquirir conhecimentos, dançar, conhecer novas técnicas,
dançar, relacionar-me com outros artistas, dançar, crescer profissionalmen-
te e dançar.
O Grupo traz consigo características importantes, que contribuem
para o desenvolvimento da cidade e de seus artistas, pois oportuniza estu-
dos diversificados com competentes profissionais da área, possibilita a par-
ticipação de pessoas de diversas vertentes artísticas, ouve seus integrantes
para conseguir suprir as necessidades existentes, analisa o cenário cultural
da cidade para direcionar suas ações e escolhas, entre tantas outras.
Certamente o Grupo Experimental de Dança veio para contribuir
significativamente com o universo das artes de Porto Alegre, criando um
espaço de qualificação e incentivo aos artistas desta cidade, que, além
de pesquisarem e praticarem a dança, podem retribuir a cidade com espe-
táculos, oficinas e diversas ações artísticas. Sinto-me contente e orgulhosa
por ter feito parte do Grupo Experimental, pois além de enriquecer minha
trajetória vejo sua importância para outros amigos artistas e para a cidade.
Parabéns ao Grupo Experimental de Dança pela sua trajetória. Parabéns a
Airton Tomazzoni que brilhantemente alimenta este projeto e proporciona 71

oportunidades imensuráveis aos artistas da cidade. Parabéns a todos os


colegas que passaram pelo Grupo, que ainda estão nele, e aos próximos
que vêm para fazer parte desta história!

Lauren Hartz
Bailarina e produtora cultural da Cia KHAOS Cênica.
O
que falar do Grupo Experimental? No meu caso, foi uma experiên-
cia transformadora! Do ponto de vista corporal, foi incrível, aulas
diárias de todos os tipos, muita disciplina física e psicológica, de-
safios diários que me tornaram uma pessoa mais forte e mais cons-
ciente do meu próprio corpo.
Experiência de palco, espetáculos emocionantes para crianças e para
adultos. Convívio intenso com colegas de diferentes áreas e personalidades, com
maneiras diversas de pensar a arte, a dança, a presença cênica e principalmente
como se colocar diante do coletivo.
As maiores conquistas foram a determinação e a força de vontade para
buscar diariamente ultrapassar, nem que fosse um pouquinho a mais, o próprio
limite do corpo.
Foi difícil em muitos momentos, confesso, vivenciei momentos de tristeza,
solidão e incompreensão. Momentos de desunião e de falta de esperança en-
quanto artista, além de desavenças, choques de pensamentos que provocaram
rupturas.
Porém, afirmo que foi uma oportunidade maravilhosa de me testar, de me
conhecer melhor como pessoa que vive imersa num entorno maior, de conhecer
o meu próprio corpo e suas possibilidades e sem dúvida aprender a lidar com a
difícil arte de conviver em grupo.
No final, sinto que pude aprender muito mais do que, em minha expectativa
inicial, poderia imaginar, e agradeço a todos os envolvidos pela riqueza das ex-
periências compartilhadas.
O que ficou em mim após esses três anos que participei do Grupo Experi-
mental de Dança foi com certeza a disciplina e a persistência para lutar com dig-
nidade e esperança pelo sonho de ver a Arte mudar as pessoas e mudar o mundo.
Obrigada colegas e professores.

72
Lara Sosa
Formada em Artes Visuais/UFRGS.
Pós-graduada em Gestão Cultural
A
continuidade do projeto iniciado em
2007 já é, independente de qualquer
resultado ou avaliação produtiva, lou-
vável e uma iniciativa necessária e im-
prescindível ao desenvolvimento da dança em Porto
Alegre.
Fico orgulhosa e satisfeita de ter feito parte do
segundo ano do projeto, foi muito enriquecedor para
mim. Estive em contato com professores/artistas que
não conhecia, pude compartilhar dúvidas e conheci-
mentos com colegas interessados nos mesmos temas
que eu. Sem contar que o treinamento diário é uma ferramenta necessária para o
bailarino, e muitas vezes, por questões financeiras e práticas, muitos bailarinos não
têm a possibilidade de treinar diariamente.
Mesmo não podendo estar presente em todos os encontros até o final do
processo, assisti ao espetáculo que resultou de tal, o que tornou mais visível ainda
a prática diária em dança nos corpos dos “alunos-performers”. E como resultado,
para mim pessoalmente, destaco o solo que trabalhei com Eva Shul e que, sem o
Grupo não teria acontecido.
Gosto da ideia de continuidade do projeto, e seu crescimento e desenvolvi-
mento. Acho, como já mencionado, enriquecedor para Porto Alegre, uma cidade
que pede dança (as comunidades da Descentralização da Cultura estão seden-
tas por professores que trabalhem com dança!) e começa, lentamente, a oferecer
um link para produzir dança de qualidade.

Regina Rossi 73

Bailarina e performer. Pesquisadora em Estudos


da Performance em Hamburgo / Alemanha
I
mpactados pela perda dos nossos mestres da dança Michael Jackson e
Pina Bausch, sem saber ainda que Merce Cunningham iria logo após, na-
quele inverno do ano de 2009, deixamo-nos mover e comover por imagens
que emergiam em movimento como material expressivo baseado na Aná-
lise Laban em Movimento em prática naquele momento. Produzindo movimentos
e atmosferas muito inspiradas sobretudo em Bausch, parecia ser o que nos restava
a fazer diante de tantas perdas: uma humilde e informal homenagem/reverência.
Alunos-amantes da dança e das artes do corpo encontraram a presença
do corpo-vivo-em-movimento e se permitiram partilhar experiências sensíveis em
jogos e tarefas, experimentando improvisar sobre elementos de transformação de
qualidades de movimento, quase como se estivessem contando histórias pessoais
ao redor de uma quente fogueira, em tempo e espaço remotos. O grupo que fre-
quentava as aulas teve um momento de encanto em estado onírico, perdendo a
referência do ali/lá fora, para uma total entrega no aqui/agora, de tempos esten-
didos entrando em impulsos de magia, acrescentando densidades espaciais e re-
lacionais. Estávamos todos encantados: espaço – peso – fluxo, atenção e intenção
e precisão com as emoções, e foram muitas, em fluxos intensos. Com a chegada
do inverno e algumas condições difíceis de acesso ou acolhimento na sala, algo
maior que a matéria se instalou com esse grupo. Algo que, para nós, permitiu a
evocação.
Recém ida, nossa musa certamente não nos ouvia, e se ouvisse talvez até
resistisse a tamanha ousadia. Mas assim foi. Carol Garcia, que não poderia par-
ticipar da apresentação, fez questão de deixar gravado em off um poema de
Neruda que catei na minha caixinha pessoal, presente de um encontro entremun-
dos com uma bailarina espanhola muito especial. Todos compartilhamos memó-
rias e sensações em movimento, simbólicas para nós, ilegíveis para os demais. Ao
público restou compartilhar atmosferas mais do que formas coreográficas ou de
movimento, e a emoção de estar evocando a nossa própria presença uns diante
74 dos outros, e a de quem mais quisesse estar ali, enquanto Pina se afastava de nós
no além.

Cibele Sastre

Artista e pesquisadora de Danças e Artes Cênicas,


analista em movimento certificada pelo LIMS/NY (Bolsa do Ministério da Cultura),
articuladora do Conexão Sul, professora do Curso de Dança da UFRGS.
Performances apresentadas na
Mostra do Grupo Experimental
da Cidade
Dias 11 e 12 de julho de 2009
Teatro Renascença / Porto Alegre

Tatuagem Enquanto Pina voa


com Eva Schul e Mônica Dantas com Alessandro Rivellino, Alice Tesseler,
Coreografia: Eva Schul Aline Karpinski, Carine Sofia, Carol Martins,
Charles Ferreira, Juliana Rutkowski, Karine
Um mesmo material – Estudo 1 Paz, Nicole Fischer, Raquel Purper, Thaís
com Fani Vasconcellos, Alves e Viviane Gawazee.
Coreografia: Airton Tomazzoni Coreografia: Cibele Sastre

Um estudo para o espetáculo Um mesmo material estudo 6


com Bibiana Alterbernd e Muriel Vieira
perspectivas Coreografia: Airton Tomazzoni
com Bibiana Alternbernd e Juliana Vicari
Coreografia: Eva Schul
Será um tango?
com Alexandre Rittmann e Fernanda
Sob medida Santos
com Alexandre Rittmann e Fernanda Coreografia: Alexandre Rittmann
Santos
Coreografia: Alexandre Rittmann
Um mesmo material – Estudo 3
com Fani Vasconcellos, Lauren Hartz e
Um mesmo material – Estudo 2 Raquel Purper.
com Juliana Rutkowski e Alessandro Coreografia: Airton Tomazzoni
Rivellino
Coreografia: Airton Tomazzoni
Teo
com Regina Rossi,
Retrato da Música Coreografia: Eva Schul
com Alexandre Rittmann, Carolina Roehe,
Fernanda Santos, Igor Pretto, Juliana
Vicari, Karine Paz, Samanta Bueno, Iandra Olho em pausa
Cattani, Lauren Hartz e Crystian Dany com Andréa Spolaor
Coreografia: Alexandre Rittmann Coreografia: Andréa Spolaor

Um mesmo material – Estudo 4


com Alessandro Rivellino, Fani
Vasconcellos, Raquel Purper e Bibiana
Alternbernd e Muriel
Coreografia: Airton Tomazzoni

Um mesmo material – Estudo 5 75


com Alice Tessler, Alessandro Rivellino, Fani
Vasconcellos, Lauren Hartz, Raquel Purper,
Karine Paz e Bibiana Alternbernd
Coreografia: Airton Tomazzoni

Experimento Fluxo
com Didi Pedone
Coreografia: Didi Pedone
Um mesmo
O
laboratório de criação foi desenvolvido no primeiro semestre, a
partir da elaboração de pequenas células de movimentos, a partir
de investigação de técnicas de manipulação de movimento como:
acumulação, reversão, subtração, repetição, redução, ampliação,
instrumentalização, entre outras.
Cada aluno experimentou os resultados dessas possibilidades e criou pe-
quenas sequências de movimentos. A esses materiais denominamos “caixa de
brinquedos”. A partir deles criamos situações de improvisação na qual cada aluno
escolhia com o que “brincar”, trazendo o(s) seus(s) brinquedo(s) ou aprendendo
a brincar com o brinquedo do outro. Ao mesmo tempo, esses jogos foram sendo
experimentados com diferentes estímulos musicais: instrumental, MPB, techno mú-
sica, música erudita experimental, música brega.
Utilizando esses elementos definimos duos, trios, quintetos, bem como as res-
pectivas trilhas sonoras para avaliarmos como compor, fixar cenas que nasciam
do acaso dos jogos, buscando entender as possibilidades de “leituras” que po-
diam se produzir nas relações entre os participantes e com as músicas escolhidas.
Assim nasceu um solo da Fani muito rente ao chão ao som de uma ária de
ópera. Um duo do Alessandro e da Juliana Rutkowski, que se configurou como um
casal se debatendo sem conseguir se comunicar. Um trio de tchuchucas robotiza-
das com Raquel, Fani e Lauren, caindo no funk. Um quinteto que brincava com en-
tradas e saídas do Alessandro, da Bibiana, da Muriel, da Raquel e da Fani; e outro,
que buscava simplesmente deixar que se estabelecesse a conexão entre os intér-

76 pretes, de maneira lenta, pela respiração. Assim nasceram os trabalhos que foram
batizados de Um mesmo material e numerados conforme iam se desenhando.
material

77
Alguma coisa acontece
Para o segundo semestre a opção de trabalho foi de manter alguns dos
materiais que tinham surgido no primeiro semestre. Já havíamos experimentado
a improvisação e o jogo com os materiais de cada aluno desdobrando-se em
materiais que eram arranjados e definiam cenas dançantes, partimos então para
a proposta de não se definir nada e deixar que jogássemos, alguma coisa acon-
tecesse, sem preocupação em construir uma cena definitiva. A cada encontro, a
partir dos mesmos materiais, deixávamos que fossem definidos quem participava,
se haveria ou não música, se a música seria interrompida na metade, se elementos
como peças de vestuário ou objetos seriam agregados à cena.
A proposta também foi encaminhada no intuito de um grupo de discussão
sobre o processo de criação artística. Assim, fui produzindo textos que problema-
tizassem questões sobre os desafios do processo de criação, como: o desafio de
ter uma boa ideia, como pensar uma ideia em dança, como “cercar” essa ideia,
o exercício da síntese, objetividade/subjetividade, o vazio, entre outras. Também
discutimos textos relacionados ao tema, como do filósofo Luigi Pareyson (Proble-
mas da estética) e do cineasta David Lynch (Em Águas Profundas – criatividade e
meditação), do filósofo José Gil (Movimento Total) ou citações provocativas como:
“Dança não é uma atividade física, mas um estado de sensibilidade”, de Michel
Bernard, citado por Armando Menicacci, na Bienal Internacional de Dança do
Ceará - De Par em Par/ 2008.
Paralelo a esse trabalho, exercitamos criações individuais a partir da tare-
fa de trazer material para trabalhar com “aquilo que incomodava cada aluno”.
A partir de cada proposta discutida, cada aluno trouxe um pequeno fragmento
para apresentar à turma e discutir aspectos como clareza do material apresenta-
do. E daí, como não lembrar do Alessandro com o corpo pintado de batom em
pontos que devíamos tocar para que ele se movesse e trazendo a sua “carta na
manga”, literalmente (indo inclusive, bem mais adiante integrar sua performance
78
JokerPsiquê). Da Nina, vendando os olhos para ter coragem da cantar em pú-
blico um canção do Chico (o Buarque) e dançando enquanto se desculpava o
tempo todo pela sua performance. Da Raquel, em sequên­c ias bem desenhadas,
incomodada com uma música de pagode que tocava no vizinho. Do Cristiano,
lutando e se deliciando com a dramaticidade do tango e na literalidade de seu
trabalho sobre a separação e perda. Isso a ficar em apenas alguns dos muitos
“incômodos” que ganharam relevo em dança.
Assim se desenhou Alguma coisa Acontece, uma aventura que para alguns
foi tensa, para outros, saborosa. Pela primeira vez nos entregávamos à incerteza.
Não tínhamos um espetáculo montado, mas possibilidades que poderiam ou não
se concretizar e que exigiram lidar com escolhas instantâneas, a todo momento. E
no palco do Renascença...

79
H
á como transformar em palavras as experiências? Há como tradu-
zir uma linguagem que ultrapassa a própria linguagem? Por vezes
se pensa que a dança se faz de corpos que se movem; outras, por
corpos que se movem e pensam; outras por corpos que se movem
pensam e sentem; outras ainda por corpos que se movem, não movem, pensam,
sentem, refletem, socializam, exploram, criam, compartilham.
Foi a partir de meu envolvimento com o Grupo Experimental de Dança da
Cidade que ampliei meus horizontes acerca da dança e da criação artística e me
aproximei de uma possibilidade mais complexa de entender e vivenciar a arte de
dança. Instigando meu quebra-corpo-cabeça a aprender e desaprender.
Fiquei três anos como aluno e um como professor, e hoje me percebo muito
mais inteiro em meu posicionamento
artístico; isso se dá, também, graças
à interferência positiva do Grupo na
minha vida; percebo mudanças tão
internas e ao mesmo tempo tão mate-
riais que passam pela maneira como
danço mas que vão muito além disto.
A partir de minhas experiências como
aluno e professor dentro do grupo,
posso dizer que é impossível passar por
este rio sem se molhar. Transformações
acontecem.
Que bom que houve muitas pes-
soas que permitiram e facilitaram com
que eu fizesse e inclusive redescobrisse
o que amo.
Creio que, das idas e vindas, os
80 que permanascem(isso mesmo) por al-
gum tempo no grupo tem um imenso potencial de estabelecerem-se, no mínimo,
como grandes criadores e intérpretes de dança.

Alessandro Rivellino

Artista multimídia interessado no que pode um corpo.


Bailarino, professor, diretor, performer e coreógrafo. Integrante do coletivojoker.
E
u não queria estar aqui dizendo o óbvio. O que está na cara. E o que
são, provavelmente, as mesmas palavras da maioria que aqui se en-
contram impressas. Mas acho que não tem jeito mesmo... Não posso
escapar da obviedade. Não posso deixar de dizer o quão importan-
te foi para mim poder fazer parte do Grupo Experimental de Dança. Impossível
não escrever que, sem dúvida, sem o Grupo, eu não seria um terço do que sou
agora. E não é só pelo o que ficou desses pouco mais de dois anos em que estive
no Grupo, mas também pelas reverberações que esse “estar” causou. Esse “bem-
-estar”. Pois bem, estive fazendo muitas aulas, com gente boa pra caramba. Bem,
estive aprendendo a criar, trocar e encontrar. Bem, estive conhecendo pessoas
queridas, amizades cultivadas até hoje. Estive, sim, muito bem. E estar no Grupo
Experimental foi descobrir como ser. Foi me conhecer e poder decidir, por mim,
muitas coisas. Foi o que sou e estou hoje. Hum? Isso. O projeto do Grupo Experi-
mental é invejável e me sinto privilegiada por ter participado.

Fernanda Boff
Artista e educadora

P
razer maior que assistir da plateia as produções artísticas, certa-
mente é integrar e vivenciar a intensa e relevante rotina de apren-
dizados que o Grupo Experimental de Dança de Porto Alegre pro-
porciona aos aspirantes e/ou praticantes da dança.
Digo isso com a certeza de quem, entre centenas de alunos, teve a opor-
tunidade gratificante de frequentar as aulas e somar conhecimento através da
diversidade de alunos e professores que gera muitas trocas e conhecimentos.
Em relação às aulas de Educação Somática e Dança de Rua que participei,
posso afirmar que não foram simplesmente “aulas de dança” no sentido pejorati- 81
vo, mas aulas que promoviam um desenvolvimento corporal, educacional e artís-
tico dos alunos que participavam, o que penso caracterizar e diferenciar o próprio
Grupo Experimental dos demais espaços de dança na capital.
Por exemplo, as aulas de Educação Somática da professora Bia Diamante
são aulas enriquecedoras, pois incentivam o aluno a descobrir e reconhecer seu
próprio corpo, para assim atingir os estados corpóreos não só durante uma dança,
mas em movimentos triviais que executamos normalmente no dia-a-dia. Várias
vezes, durante estágios de dança, lembrei-me dos exercícios e da atenção indivi-
dual a cada corpo que a Bia dedicava a nós com delicadeza, interesse e conhe-
cimento absoluto. Trouxe para as minhas aulas as atividades executadas nas aulas
de educação somática, como: os exercícios no solo, de toque, ação e repouso e
com o uso de simples objetos como bolas de tênis para ativar a musculatura, e que
foram de fundamental importância para que eu pudesse educá-los e acessá-los
corporalmente, assim como a Bia fez lá atrás comigo.
Já, nas aulas de Dança de Rua, com o professor Carlos Nunes, observo
hoje a preocupação em fazer-nos compreender o que são as danças urbanas,
os diferentes estilos que as compõem e principalmente não exigir uma técnica
qualificada de alunas que pouco conheciam o estilo. Pelo contrário, com muita
perspicácia o Carlos soube aula a aula conduzir-nos para que os movimentos en-
contrassem um significado e assim nos apropriássemos do estilo, ou seja, depois
de várias aulas, exercícios, conversas, trocas, correções é que foi possível compre-
endermos a corporeidade da dança de rua e aplicar um pouco dessa compre-
ensão nos movimentos. E só depois disso, dividir com o público a construção das
aulas, de maneira solidificada e que refletia não só estas aulas, mas as aulas da
Bia, de balé, labanálise e demais aulas que as outras alunas participavam.
Vendo toda esta mobilização que o Grupo Experimental de Dança de Por-
to Alegre provoca em quem o integra, e mesmo em quem acompanha a sua tra-
jetória, é que sua continuidade é de vital importância para a formação de uma
ação colaboradora e formativa no cenário da dança, da arte e da cultura na
cidade.

Ana Paula Reis


Produtora cultural, graduada em Dança pela Ulbra,
especialista em Dança pela UFRGS. Professora de Arte/
Dança no Governo do Estado do RS.
82
V
isto que meu trabalho é uma técnica criativa fortemente baseada
na prática da improvisação, um dos momentos mais ricos e grati-
ficantes do processo foi quando os bailarinos puderam explorar
profundamente os materiais da arte numa investigação de origi-
nalidade e imaginação das diferentes facetas dos princípios da dança, trazendo
à tona o componente intuitivo do artista, guiando-o à invenção e à unicidade
para assim desenvolver suas habilidades abrindo todos os canais de percepção ,
ouvindo os ditames do corpo e de sua rede sensorial.
Então, no processo com o Grupo Experimental, que provou a validade do
projeto, quando do final da experiência com improvisação e composição de um
ano inteiro em 2009, apresentamos um “ jogo cênico” baseado nessas aulas.
Primeiro cada bailarino criou uma frase de movimento baseada num tema
teórico. Com estas frases criamos uma coreografia igual para todos. Desenvolve-
mos, a partir daí, cinco jogos de entradas e saídas, onde além de jogarem uns
com os outros, a troca de jogo se dava por um sinal aleatório (um apito) que
alguém do Grupo resolvia quando deveria usar, criando assim um jogo do acaso
que o apito anunciava definindo qual jogo e quando deveria ser jogado.
Ao mesmo tempo, introduzimos música, para também ter um jogo rítmico
paralelo, trabalhando com diferentes tempos e ritmos.
O trabalho chamou-se Aleatório, e contou com os seguintes bailarinos: Ra-
quel Purper, Juliana Rutkowski, Bibiana Altenbernd, Julia Lüdke, Cristiano Vieira,
Juliana Werner, Alessandro Rivellino, Fabio Gonzales, Fani Vasconcellos, Maria Al-
bers e Rodrigo Fiatt.
Conseguir desenvolver com o Grupo, paralelamente, técnica e criação,
provou ser uma forma fundamental na formação do artista, oportunidade que o
ensino privado raramente proporciona. Somente um órgão público pode propor-
cionar este espaço e prover este lugar de encontro.

Eva Schul 83

Professora, coreógrafa e diretora da Ânima Cia. de Dança


V
oltei para Porto Alegre em novembro de 2008, logo depois de de-
fender minha dissertação em Farmacologia na UFSM. Sempre tive
vontade de retornar à cidade de onde havia partido aos seis anos
de idade. Mas foi a perspectiva de ingressar no doutorado que
me fez efetivar esse plano. Estava tudo certo com meu futuro orientador, e minha
expectativa era me vincular ao programa de pós-graduação já em dezembro de
2008. Depois de organizar minha vida nessa nova casa, fui procurar o professor
para dar início ao processo de ingresso. Mas “por motivos burocráticos”, segun-
do o professor, não seria possível que prestasse seleção naquele ano. E ele me
disse isso com toda a tranquilidade desse mundo, enquanto eu não parava de
pensar que havia aberto mão de uma estabilidade em outra cidade para
arriscar tudo em Porto Alegre. Naquele momento não tinha muitos planos.
Era como se uma parte da minha vida tivesse colapsado. Estava construin-
do uma carreira acadêmica sólida, e seria doutora já aos 27 anos. Poderia
logo prestar um concurso e adentrar na carreira docente em nível superior.
Esses eram os planos. Essas eram as expectativas. Sempre fui um tanto an-
siosa e costumava planejar minha vida desde que consegui elaborar frases
completas, até onde eu me lembro. E meu desapontamento foi imenso na-
queles primeiros dias de dezembro, quando todo o meu planejamento se
foi com as palavras daquele professor.
Inicio meu depoimento contando esse pequeno “deslize” nos meus
planos porque essa série de “enganos” foi o que me levou a conhecer o
projeto do Grupo Experimental de Dança da Cidade de Porto Alegre. Pas-
sados vários dias do episódio, comecei a reestruturar meus planos. Lembro-
me que por mais de uma vez eu peguei meu caderno e caneta e fui para
o parque da Redenção, tentando encontrar algo que realmente me moti-
vasse. Não iria esperar mais um ano para prestar aquela seleção. Aquele
plano já estava envenenado. Deveria traçar algum outro que me permitisse
84 recomeçar com todas as energias que eu pudesse investir. Fiz então uma
autoanálise, tentando buscar todas as coisas as quais havia me dedicado
com prazer. E percebi que a dança havia sido uma dessas coisas, uma das
quais eu me dedicara com mais deleite e intensidade. Decidi então que eu
começaria a procurar escolas ou grupos que me permitissem investigar a
dança em seus aspectos mais diversos. Foi quando descobri por acaso o
Grupo Experimental, que estava com inscrições abertas.
Não recordo bem, mas creio que foi em janeiro de 2009 que escrevi minha
carta de intenção, necessária para a inscrição no processo seletivo. Era o começo
de um novo ano. Particularmente gosto de novos começos porque penso que são
uma chance que nos é dada pela vida para repensar nosso trajeto, fazer novas
escolhas ou reforçar as antigas. Mas nunca imaginei que aquele ano mudaria tan-
ta coisa na minha vida. Em algum dia de março recebi um e-mail com a data da
audição. Não sabia muito bem o que esperar quando li a palavra audição, mas
não me deixei amedrontar. Quando cheguei à Cia de Arte, 8º andar, lá estava a fi-
gura acolhedora do Airton Tomazzoni. Não sabia que aquele era o Airton, mas me
senti confortada por aquele sorriso de boas-vindas. Eram tantas pessoas naquele

85
espaço que tiveram que dividir a turma em duas. Apesar da minha ansiedade, me
diverti com aquelas pessoas que faziam todos aqueles movimentos. Claro que eu
estava extremamente preocupada em estar fazendo as coisas certas, e me lem-
bro do pavor quando a Neca Machado pediu que fizéssemos um swing de pernas
e eu não tinha a menor ideia do que seria.
Dias depois recebo um e-mail do Airton dizendo que, conforme os horários,
que eu havia disponibilizado para o Grupo, ele havia conseguido me encaixar
nas aulas de balé do Alexandre Rittmann às terças e quintas pela manhã, e aulas
de dança contemporânea com Eva Schul quartas à noite. No decorrer de 2009
me foi permitido fazer outras aulas e ter outras “experiências” naquele espaço.
Lembro-me que achava extremamente difícil acompanhar as aulas de balé. Es-
pecialmente porque não usávamos barras e a aula toda era feita no centro. Por
sorte sempre podia seguir os movimentos da Fernanda Santos e descobrir o que
era uma primeira, segunda ou terceira. E isso era uma coisa muito rica. Poder
contar com as colegas do grupo que, mesmo não tendo tanta proximidade nesse
primeiro momento, sempre eram dispostas a ajudar quem sabia menos.
Eu nunca havia feito uma aula de balé, mas imaginava que seria como
nos filmes. Aquela rigidez e seriedade, um treinamento quase atlético onde cada
um deve executar sozinho o exercício. Claro que havia certa rigidez – recordo de
uma ocasião em que uma colega chegou 30 minutos após o início da aula e o
professor não permitiu que ela fizesse a aula. O que era justo, porque devíamos
respeitar o professor e os colegas e chegar no horário previsto –, mas essa empatia
e disposição de meninas como a Fê Santos tornava a aula de balé menos apavo-
rante para mim. Aprendi a gostar das aulas de balé, e hoje percebo a importância
daquelas aulas na minha trajetória.
Mas foi na aula da Eva Schul que descobri o chão. E há muitos anos que não
me permitia estabelecer esse contato de forma tão prazerosa. Descobri meu cor-
po naquelas aulas. Minhas costas, pareceu-me, haviam despertado de um longo
86 período de imobilidade. Descobri dedos e tornozelos como articulações distintas
e à parte uma da outra. E até hoje ainda, nos momentos mais inusitados, me pego
“cantando” a aula da Eva (Enrola mão, pulso, cotovelo, o ombro passa outro om-
bro, cotovelo, o pulso, a mão. E volta mão, pulso, cotovelo, ombro, outro ombro,
cotovelo, o pulso, a mão. E relógio...).
Aos poucos fui sentindo vontade de fazer mais aulas e a cada vez que conse-
guia liberar um espaço na minha semana enviava um e-mail para o Airton pergun-
tando se eu poderia assistir a mais alguma aula. Ao final do ano, já havia começa-
do a fazer as aulas da Bia Diamante, Carlos Nunes, Alessandro Rivellino, além dos
laboratórios de criação com a Eva Schul e com o próprio Airton Tomazzoni. Acho
que cada um desses encontros me fez conhecer um pouco mais sobre mim.
Ainda recordo com nitidez meu estranhamento na primeira aula da Bia. Era
curioso perceber o clima nos minutos que antecediam a aula. Era como se as
pessoas entrassem em algum tipo de transe pelo que viria depois. Parecia-me, em
um primeiro momento, que não estávamos fazendo coisa alguma. E não enten-
dia quando a Bia nos pedia para tomar cuidado com esse ou aquele movimento
porque ele era “perigoso”. Mas como perigoso? Mal estávamos no movendo! E os
“bichos” estavam frequentemente entre nós. Não recordo de todos, mas alguns
eram mais presentes como a preguiça e o coala da Raquel Purper. Lembro-me
também das “orelhas molhadas” da Juliana Rutkowski, e das mãos de bebê da
própria Bia. Essas imagens com frequência retornam à minha memória, não ape-
nas durante as aulas.
E ao relembrar desse primeiro ano e desse primeiro contato com o Grupo me
dou conta de como me deixei transformar por cada uma dessas vivências. Hoje,
passados alguns anos desde a minha primeira aula com a Bia, sinto como as sutilezas
do movimento modificam muita coisa. Hoje eu entendo o que a Bia quer dizer quan-
do ela fala que algum movimento é forte ou que pode ser perigoso. Mas me pergun-
to se a Bia sabe o quão forte isso tudo pode ser. Dia desses, ao voltar de fato para o
Grupo, passado mais de um ano de afastamento, tive uma aula com a Bia. Ao final
daqueles pouco mais de 60 minutos me dei conta de como essa aula é importante
pra mim. Era como se eu tivesse finalmente encontrado a mim mesma depois de
tanto tempo. É impossível descrever em palavras o que eu senti ao final daquela
aula. Era como se meu corpo não coubesse em si. Como se minha pele fosse a única
barreira que impedia meu ser de desintegrar-se, transpondo espaço e tempo.
Talvez muitos relatos narrados aqui sejam incompreensíveis para alguém
que não passou pelo Grupo. Mas provavelmente aqueles que compartilharam 87

desses momentos serão inundados por um sentimento gostoso de nostalgia, ao


lembrar aquelas paredes grafitadas que cercavam o espaço onde tantas coisas
foram vividas.
O que aprendi de tudo isso? Aprendi que as pessoas são diferentes e que
cada uma, a seu modo, possui um modo único de viver seus corpos. E que essa
diferença é o que torna mais rica a nossa dança, como a nossa vida. Aprendi que
espiritualidade pode ser encontrada em lugares onde jamais imaginei. Aprendi
que as pessoas fazem apostas quando escolhem partilhar a vida com alguém,
e que mesmo as decepções nos fazem crescer e nos tornam mais fortes. E sobre
dança? Aprendi que dança não é coreografia. E que nem sempre é necessário
contar uma história. Mais do que isso, é sobre o que nos faz sentir. Aprendi que
a dança pode ser provocativa. E aprendi que o não mover-se também pode ser
dança. Aprendi que conhecer o próprio corpo é importante no processo de co-
municar. E que o corpo tem uma dramaturgia. Aprendi a ter um olhar mais sensível
ao mundo. Aprendi a admirar o caminhar das minhas gatas, ou a forma ágil e
graciosa como elas pulam na janela. Aprendi a ampliar minhas sensações, e a
me deixar ser tocada pelo movimento. Aprendi a não ter vergonha de mostrar o
que sinto. A não ter vergonha de compor uma partitura e mostrá-la aos colegas.
Ainda estou aprendendo. Constantemente. E me arrisco a dizer que essa é a maior
riqueza desse projeto. A capacidade de sempre nos ensinar coisas novas. As opor-
tunidades que temos de nos desafiar.
Por fim, ouso dizer que aprendi a não saber viver sem fazer parte desse gru-
po. No segundo semestre de 2010 tive de abrir mão de fazer parte do Grupo em
função do meu ingresso no mestrado. (Como assim? Não havia vindo para Porto
Alegre para fazer um doutorado, logo após a defesa da dissertação na Farmaco-
logia?) Longa história... Depois de conhecer o Airton e assistir sua defesa de tese
na Faculdade de Educação, percebi que a dança poderia ser um objeto legítimo
de pesquisa, e decidi começar tudo outra vez. Ainda me lembro que ao conversar
com o Airton no intervalo da defesa ele me disse que tinha uma admiração mui-
to grande por um deus indiano chamado Ganesha. Porque o deus elefante com
sua tromba tira obstáculos do caminho ao mesmo tempo em que coloca outros.
Para que possamos chegar onde devemos ir, ele me disse. A partir daquela tarde,
acho que estou exatamente onde eu deveria estar. E aprendi, portanto, que tudo
acontece por uma razão, exatamente quando e como deve acontecer. E por isso
88 só tenho agradecer a essa pessoa especial, Airton Tomazzoni, por ter me aceito
no Grupo lá em 2009 e por me permitir fazer parte desse projeto que tanto admiro
e prezo.

Juliana Werner
Forrozeira, Professora da “Arte do Abraço”,
coordenadora d’O Chinelo Dela.
Mostra Grupo
Experimental
de Dança da Cidade
De 11 a 13 de dezembro de 2009
21h – Teatro Renascença

PROGRAMAÇÃO

Sexta, 11/12, às 19h

Alguma coisa acontece


Direção de Airton Tomazzoni.
Interpretes criadores: Aline Karpinski, Raquel
Purper, Juliana Rutkowski, Alessandro Rivellino,
Cristiano Vieira, Fani Vasconcellos, Joana
Vieira, Juliana Werner, Laura Rosa, Fernanda
Bertoncello, Lara Dias.

Sábado, 12/12, às 20h30

Domingo, 13/12, às 19h


Hip Hop Experimental
Coreografia de Carlos Nunes.
Bailarinos: Ana Paula dos Reis, Carlos Nunes, Mulheres Modernas
Raquel Purper, Juliana Rutkowski, Lauren Hartz, Com Juliana Rutkowski e Julia Lüdke
Priscila Nascimento, Fernanda Bertoncello,
Carolina Garcia, Laura Rosa. Sem-título
Coreografia de Raquel Purper, com
Salsa Alessandra Souza, Juninho Grandi, Lucas
Coreografia de Tracy Freitas. Simas, Marcia Berselli, Romes Pinheiro,
Bailarinos: Tracy Freitas, Cristian Dany, Mateus Tatiane Garrido, Viviana Shames.
Espinosa, Andreli Lima, Rafael Naval, Débora
Saad. Ganas
Com Laura Rosa e Daniel Weinmann
Inerente
Coreografia de Alexandre Rittman. Aleatório 89
Bailarinos: Aline Karpinski, Carine Sofia, Direção Eva Shul.
Julia Lüdke, Karine Paz, Fani Vasconcellos, Bailarinos: Raquel Purper, Juliana Rutkowski,
Fernanda Majorczyk, Fernanda Santos, Laura Bibiana Altenbernd, Julia Lüdke, Cristiano
Rosa, Roberta Beck, Sibele Garroni, Fernanda Vieira, Juliana Werner, Alessandro Rivellino,
Rodrigues, Karen Silva, Fábio Gonzáles, Fábio Gonzáles, Fani Vasconcellos, Maria
Cristiano Vieira, Alexandre Rittmann. Albers, Rodrigo Fiatt.
um fragmento de musical,
um videodança
muitos solos,
um espetáculo de dança
para crianças,
uma “pulp”montagem

90
No ano de 2010, o grupo mudou de endereço e pas-
sou a ter aulas no TEPA (Teatro Escola de Porto Alegre), na
Av. Cristóvão Colombo, 400, que por décadas foi a sede
da Escola de Bailados Clássicos Tony Petzhold. Tínhamos
disponível apenas o turno da manhã de segundas a sex-
tas-feiras para as aulas, mas em compensação uma sala
mais adequada para o trabalho de dança.
A avaliação de 2009 também tinha encaminhado a necessidade de reto-
marmos um grupo único, podendo aprofundar melhor o trabalho e as relações
entre alunos e professores. Por isso também a decisão de contar com menos pro-
fessores, mas que pudessem permanecer por mais tempo para desenvolver seu
trabalho ao longo do ano.
Essa escolha propiciou um trabalho mais minucioso e intenso e uma evasão
muito menor que nos demais anos. Dessa maneira foi possível já no meio do ano
fazer uma Mostra de Solos, produzidos pelos alunos, um remake do musical Chica-
go (com a coreografia Tango do presídio), o videodança Inspiração, e no final do
ano a mesma turma produziu duas montagens: Faz de conta que..., para o público
infantil, e Pulp Dances.

Professores

Airton Tomazzoni Bia Diamante


Laboratório de Criação Educação Somática
Alexandre Rittmann Didi Pedone
Balé Clássico Axis Sillabus
Andrea Spolaor Eva Schul
Dança Contemporânea Dança Moderna
Juliana Vicari
Análise do movimento Laban e Improvisação

Alunos
91
Alessandro Rivellino Fernanda Bertoncello Boff Leonardo Jorgelewicz
Aline Brustolin Giovanna Consorte Maria Albers
Aline Karpinski Iandra Cattani Marilei Rocha
Ana Luiza Bergman Juliana Rutkowski Raquel Purper
Andréa Lopez Juliana Werner Renan Fontoura
Andréia Lucchina Kalisy Cabeda Tainá Borges
Carol Laner Lara Sosa Tracy Freitas
Diego Esteves Laura Rosa Viviana Schames
G
rupo Experimental de Dança. Projeto Público
onde EXPERIMENTO, DIVERSIDADE e FORMA-
ÇÃO, andam juntos e ainda conseguem des-
cobrir um passo comum para a construção
de passadas outras por esse mundo afora. Anos depois, a primeira infância está
acabando, que venha a adolescência e a fase adulta, para podermos sentir na
pele o que tem sido até agora essa caminhada, essa “dialogação” de saberes tão
profícuos. Ao invés de falar sobre essa experiência, prefiro manifestar a minha satis-
fação e o prazer de fazer parte dela.
Uma caminhada experimental pelos caminhos do corpo...

Bia Diamante
Diretora, coreógrafa e
professora de Educação Somática

92
A
dança sempre esteve presente em minhas
experiências corporais e artísticas. No ano
de 2010, entrei no Grupo Experimental de
Dança de Porto Alegre, e então a dança
me tomou de maneira intensa e prazerosa. Foi uma ex-
periência única! Um grupo acolhedor, aberto e criativo,
que possibilita a descoberta da dança, do corpo, livre, sem (pre)conceitos. Muitas
aulas, com professores excelentes, cada um em sua maneira e com sua arte, que
me mostraram a multiplicidade da dança, das possibilidades do corpo. Compon-
do com essas aulas, a gente lia, conversava e criava danças nas manhãs com o
Airton, nosso coordenador, professor e diretor.
O Grupo Experimental transformou minhas manhãs do ano de 2010 em
aprender, descobrir, produzir, criar e experimentar. E me mostrou na prática que
as diferenças e singularidades transformam e constroem, ao juntar pessoas que
vieram de trajetórias bem diferentes. Bailarinos, circenses, atrizes, todos com um
desejo em comum: o desejo de dançar, de sentir o corpo, de experimentar! E pas-
samos um ano lindo, unidos e fortes como grupo, transformando esse desejo de
dança em muita arte! E criamos dois belíssimos espetáculos: Faz de conta que...
e Pulp Dances. Experimentando com o Grupo Experimental, me descobri bailari-
na, tradutora de libras, lutadora, narradora de corridas em câmera lenta, voltei a
ser criança, subi, desci, toquei as nuvens! E descobri que quando a gente dança,
sempre é primavera!
Obrigada ao projeto, ao Centro de Dança, aos professores e, em especial,
ao Airton, pela bela e provocadora experiência de experimentar com este Grupo!

Dance, dance, dance. Senão estaremos perdidos.


Pina Bausch

Tainá Borges 93

Bailarina,
artista de circo
e fundadora
do Circo Híbrido.
A
minha entrada no Grupo Experimental sig-
nificou um mergulho em um mundo que eu
não conhecia, e do qual, depois de alguns
meses, não haveria volta possível. A possi-
bilidade de fazer da dança minha atividade principal
transformou a minha relação com todas as coisas. Tanta
corporeidade, todos os dias, me envolveu de uma forma diferente com meus de-
sejos e interesses, e sobretudo com minha presença no que eu fazia, dentro e fora
das aulas. O foco se tornou o que me movia, de forma literal e abstrata, ambas
profundamente.
A experiência no Grupo Experimental foi o estopim para uma grande mu-
dança de vida. Passei a viver a dança no dia-a-dia, vendo-a nos corpos das pes-
soas em situações cotidianas, vendo-a no meu corpo em todo momento. Este cor-
po, aliás, que reconheci e reaprendi a sentir, como que acordando de anos de
ausência e torpor. Tudo isso aconteceu através de aulas e trocas com professores
e colegas incríveis, assim como processos de criação memoráveis. Sou imensa-
mente grata por ter tido essa oportunidade, que está em mim e em tudo que faço
hoje, e que me alimentou como pessoa, como artista.

Iandra Cattani
Bailarina e performer.

94
Mostra Coreográfica
do Grupo Experimental
de Dança da Cidade
14 e 15 de Agosto
Sala Álvaro Moreyra

Tango do Presídio
Um tributo a Bob Fosse; com Ana Luiza Bergmann, Andrea
Lopez, Fernanda Bertoncello Boff, Giovana Consorte, Iandra
Cattani, Juliana Werner, Juliana Rutkowski, Laura Rosa, Leonardo
Jorgelewicz, Mari Rocha, Raquel Purper, Tainá Borges e Viviana
Schames.

Tudo aquilo que já aconteceu agora Peace of cake


Alessandro Rivellino Viviana Schames

Pulso Flamenco para viagem


Carol Laner Iandra Cattani

Dancing Emma Labirinto


Andréa Lopez Aline Karpinsky

Que te parece? Copelia.com fragmento


Mari Rocha Lara Sosa

Provisórias conexões De cara limpa


Laura Rosa Fernanda Bertoncello Boff

Without Sem título


Leonardo Jorgelewicz Andréia Lucchina Constantin

Variações sobre o equilíbrio Pela pele


95
Diego Esteves Bibiana Altenbernd

Estar sendo Experimento 2


Raquel Purper Tainá Borges

3.03 – Kalisy Cabeda


direção: Isandria Fermiano
E
ra uma vez um grupo de dança muito legal,
que na pessoa do Airton Tomazzoni solicitou
a feitura de adereços para o espetáculo in-
fantil que ainda estava em processo. Por ser
este o “Grupo Experimental” e constatar que a verba era
muito pequena, decidimos então testar, tentar, provar
com eles. Buscamos uma maneira para que o grupo pudesse aprender com os
materiais. Que eles pudessem construir os objetos de cena que iriam utilizar e com
isso apropriar-se deles e de toda a sua demanda. Desde a criação, construção
até a finalização.
Nada melhor como na forma de oficinas. No meu atelier.
Foi então que a rua Pindorama virou um lugar de investigação, colaboração
e cooperação entre os bailarinos, a coordenação de dança e eu. E tornou o meu
atelier num ponto de encontro, num espaço criativo e divertido.
E assim o trabalho floresceu, transformando garrafas plásticas em lindas flo-
res, papelão em cataventos, ramos de jornais em vassouras, papel picado em
bolas gigantes e assim por diante. De tal modo que fazer de conta que grandes
almofadas eram nuvens fez me sentir no céu. Muito obrigada.

Maíra Coelho
Diretora e diretora de arte, cinema e teatro. Marionetista.

96
Q
uando eu ingressei no GED nunca imaginei
as grandes mudanças que aconteceriam
na minha vida! Foram dois anos de muito
aprendizado, troca, reflexão, movimento
e, é claro, dança! Eu que vinha do teatro e não possuia a
experiência corporal e vertical que a dança proporciona,
acabei por me deixar levar, encontrar, surpreender e amar a dança. Através das
mais variadas aulas e estilos, pude experienciar o corpo em movimento de dife-
rentes formas e assim descobrir qual é a dança que meu corpo dança! Acredito
que a diversidade de técnicas que a gente experimenta no grupo diariamente
é de grande valor e ao mesmo tempo um diferencial do Grupo, que tem na sua
pedagogia um espaço aberto para a experimentação e a pesquisa. Eu agradeço
muito os dois anos em que pude vivenciar as aulas diárias do GED e conviver com
professores e colegas que são pessoas tão incríveis. E se hoje a minha pesquisa de
mestrado é sobre as questões do corpo e da dramaturgia corporal, com certeza
isso foi fruto da minha formação dentro do GED. MUITO OBRIGADA!

Kalisy Cabeda
Atriz e bailarina

97
Dança

U
m novo desafio pareceu oportuno para a turma de 2010. Como pro-
duzir dança contemporânea para crianças. Assim, começamos a
problematizar a primeira montagem para o público infantil. Apesar
do clima lúdico das improvisações e ensaios, o processo foi cercado
de um certo temor. Nenhum aluno ou aluna tinha “enfrentado” o público infantil e
a incerteza desse caminho acompanhou a sua criação.
Assim, foi nascendo Faz de conta que..., que investiu na invenção e no ima-
ginário para construir um espetáculo recheado de humor e poesia. Definimos tra-
balhar com a própria problemática da criança. O que mostraríamos em cena
seria um grupo de bailarinos com o desafio de fazer dança para crianças, tentan-
do escapar de clichês, investindo na aventura de redescobrir como brincar com
movimentos e imagens.

98
contemporânea
para crianças?
Partimos de uma lista inicial de Faz de conta que...:

• todo mundo é igual (mesmo que no final isso não fosse


um bom faz de conta)
• não dá pra desgrudar
• a gente pode ser super-herói
• é noite e ninguém consegue dormir (travesseiros)
• a gente tá na TV
• tudo estica sem parar
• não dá pra parar (ficar quieto)
• a vida é um balé (incluir dublagem ao vivo)
• escureceu e o medo nasceu
• tudo voa pelo ar
• que estrelas não ficam no céu
e com o vento vão e tudo gira de montão...
não é muito faz de conta, não?
• todo mundo dança

99
Algumas cenas funcionaram de partida, outras pre-
cisaram de insistência e outras não frutificaram. Outras ain-
da se fundiram e se mesclaram. No final, uma coletânea
de deliciosos fragmentos. Dois deles foram “encomenda-
dos” a dois professores do Grupo, Didi Pedone e Alexandre
Rittmann, integrando também, de maneira mais efetiva,
as aulas ao processo de montagem.
O processo de criação contou ainda com uma atividade inédita. A ceno-
grafia e adereços do espetáculo foram produzidos pelo próprio elenco, junto com
a cenógrafa e diretora de arte Maíra Coelho, em uma oficina que ensinou diver-
sas técnicas de elaboração de objetos a partir de material reciclável. Além disso,

100
a montagem de Faz de conta que... abriu espaço para
novos criadores na área musical e do figurino. Na trilha,
composições também de uma das bailarinas do elenco,
Andréa Lopez, além de Bruno, Gabriel e Leghau. Nos figu-
rinos, dois estudantes do curso de designs de moda do IPA,
Marcelo Pacheco e Agatha Tomatis.
No elenco: Aline Brustolin, Alessandro Rivellino, Andréa Lopez, Andréia
Lucchina, Carol Laner, Diego Esteves, Fernanda Bertoncello, Iandra Cattani,
Juliana Rutkowski, Juliana Vicari, Kalisy Cabeda, Lara Dias, Laura Rosa, Leonardo
Jorgelewicz, Mari Rocha, Raquel Purper, Tainá Borges e Viviana Schames.

101
A
qui onde?
Aqui, no Teatro Renascença, 5 de dezembro, 16h.
Aqui, num mundo onde o irreal é alcançável e salta
na nossa frente, que está ao nosso alcance. Aqui,
onde a timidez não existe e os impulsos nos tomam conta. Aqui,
soltos na fantasia!
Ao contrário do que muitos podem pensar, montar um espetáculo infantil neces-
sita de muito trabalho e é sempre um desafio. O Grupo Experimental de Dança invade
este universo e arrisca-se nos labirintos deste terreno tão pouco cuidado na dança gaú-
cha, trazendo aos palcos do Teatro Renascença um belíssimo espetáculo para todos
os públicos.
Faz de conta que... cumpre o seu papel sem fazer de conta. Leva movimento,
imaginação e contemporaneidade para a criação das crianças. De sobra, tomam de
assalto os pais, tios, avós... que mostram em seus rostos o desejo de invadir a brincadeira
como os pequenos.
Pensando como gestor cultural... assim como eles, precisamos de mais! Mais aven-
tureiros que desbravem os campos da dança para crianças (ou da dança de todas as
idades) e que mergulhem em projetos e propostas inovadoras. As crianças necessitam
cada vez mais de espaço para sair dos parâmetros rígidos, para que assim possam criar,
sonhar, imaginar e desenvolver a sua escrita da sensibilidade.
Faz de conta que... rompendo padrões, questionando, derrubando clichês, for-
mando novos públicos, traz “crianças” vivas e alegres que mostram, não só para outras
crianças, mas para os adultos, que a dança não precisa ser sempre de pontos técnicos
e fixos e que todos podem dançar da forma como sentirem-se bem. E aí sim, é a dança
mais feliz.
De longe, acredito que para as crianças é isso que importa, é isso que conta. A
forma com que elas podem criar suas próprias histórias para o que veem ali e o senti-
mento de sentirem-se parte.
102

Termina. Mas já? Nãããããão...


“FAZ DE CONTA QUE TODO MUNDO DANÇA!!!!”
E a partir de então, a dança fará parte da vida destas crianças.

Marcinhò Zola
Gestor e produtor cultural
E
ntão hoje num dia de Primavera, onde o céu
está tão lindo... adentrei a sala do Renascen-
ça onde crianças na plateia sorriam. Aden-
trei um espaço onde crianças se viam em cena e gritavam alegres.
Como se seus gritinhos respingassem tinta colorida na roupa dos bailarinos. Posso
dizer bailarinos? Pois mais via crianças dançando e deixando-se levar pelo mo-
mento. Descobrindo formas do corpos se permitindo contar histórias, seus desejos...
Sabe quando você está na creche? A gente fica chorando na porta da cre-
che, pois não quer se separar do papai e da mamãe. Mas depois a gente gosta,
pois a gente conhece amiguinhos, pode sujar a roupa, come o lanchinho, brinca
no recreio e dorme com todos coleguinhas numa salinha com o som da voz da
professora preferida contando história.
Me senti numa creche que se chama FAZ DE CONTA.
Onde você pode se sujar de sorvete
Correr pelo pátio
Trazer seu brinquedo predileto
Brincar de pegar
Se exibir com o bambolê
Ir correndo para o lavabo escovar os dentes deixando a espuma cair no
queixo
Vibrar que a primavera venha. Deixar as flores surgirem. Dar uma flor para
alguém e inocentemente querer uma de volta, pois quando crescer você vai que-
rer dar amor e vai querer ele em troca. Trocam-se flores e surge um sorriso.
E quantos sorrisos nesta creche palco
Quantos sorrisos expressos no corpo e não somente na face
Quanta alegria saindo das meias-calças coloridas 103

Creche onde você pode girar gritando e dar a risada mais gostosa
Onde você descobre que o reciclável pode virar uma coisa gostosa de brincar
O que eram as cabeças dos seres que apareciam?
Petit criança pensa que são móbiles que brincam no céu. Cada um se exi-
bindo com sua dança, com suas cores. Cada um mais divertido que o outro. Como
se cada um fosse aquele no qual cuida do sono da criança do quarto. Ficam lá
pendurado no teto e quando todos dormem entram nos
nossos sonhos... e nós fazem rir enquanto dormimos. Então
a gente acorda com sorriso pela manhã e abraçando a
mãe quando acorda.
Os figurinos são nosso restinho de infância. Não sou puxa-saco do Marcelo,
mas acredito que ali ele pôs muito respingo de tinta, muita coisinha de cada crian-
ça bailarino, muito desenho animado, delicadeza...
As coreografias são simples e descobertas boas de serem olhadas... Cho-
ques e impulsos que aparecem. Como se um adulto dissesse: mostrem como a
criança de vocês dança.
E ai vi crianças dançando
e dancei timidamente com meu pezinho no chão do teatro
e fiquei com vergonha de subir no palco
onde vi
com lágrimas escondidas de alegria
o quanto as crianças
se apropriam do palco
o quando era lindo a troca
entre crianças grandes bailarinas e crianças pequenas
ali aconteceu a dança

104
ali aconteceu a troca
onde nenhum coreógrafo poderia fazer melhor, pois
aquela dança surgiu ali
no momento
que aquela personagem que eles acreditavam e vi-
bravam de pernas longas
diz: vamos dançar!!!!! e a grande cortina se abre
num ímpeto virou um grande recreio onde tudo é permitido
e ali fiquei feliz
com a força da dança
do teatro
da ARTE
de fazer as crianças acreditarem
que sim as coisas são possíveis
VÁ VER O GRUPO EXPERIMENTAL
É UM GRUPO UNIDO
CRIATIVO
e acho que traz uma grande contribuição para a cidade de Porto Alegre
Muitos anos e dezembros com estreias lindas para vocês
da criança Petit

Fernanda Petit
Atriz

105
Delicadezas
que o mundo
nos dá

F
az de conta que eu não fiquei dormindo depois de doze horas ininter-
ruptas no Centro Municipal de Cultura, participando do 24h de Cul-
tura, na virada cultural de 19 para 20 de março. Faz verdade mesmo.
Faz verdade que quando a gente tem programações culturais pela
cidade a gente precisa prestigiar. Pra não ficar dizendo que em Porto Alegre não
acontece nada de bom. Só não acontece pra quem fica dormindo ou sentado
em frente à televisão a ruminar a mesmice, né? E não faça de conta que eu não
estou falando com você. Eu estou.
Então, faz verdade que eu não sou destes que ficam sentados ou dormindo
no domingo. Levantei cedo – da tarde – e fui assistir ao espetáculo do Grupo Ex-
perimental de Dança da Cidade.
106 Que legal, cara, o espetáculo chama-se Faz de conta que...!
Lá fui eu, ando necessitando encontrar gentes. Essa vida de computador
não anda legal. Não sou uma pessoa de 140 caracteres. Tenho mais a dizer. Tenho
mais a pensar. A sentir. Sou das minúcias. E gosto de usar uma lupa a tudo que
assisto, leio, vejo. Meio nerd, meio geek. Inteiro pessoa. É o sabor da vida. E meio
xereta, também, porque prazer da descoberta é coisa de criança que mantenho
viva em mim.
Faz de conta que, agora, sou uma criança. Uma
criança xereta.
Pego minha lupa de menino especulador e vou es-
pecularizar sobre um espetáculo de dança. Oba! Um espetáculo de dança para
crianças!
Lá estava eu, perfumado, de bermuda bonita, sentadinho na plateia do Tea-
tro Renascença, honestamente entregue, esperando que o faz de conta começas-
se. Fiquei feliz de ver a Bethania, toda linda, faceira, cumprimentando o Samuel,
com seu cabelo lourinho encaracolado. Um charme! Ah, os filhos dos nossos co-
nhecidos atores e amigos, que alegria vê-los. Alegria maior é vê-los no teatro! Faz
um bem tão grande ver as crianças de todas as idades indo ao teatro. Eu gosto.
Fiquei com um bocadinho de medo quando as luzes começaram a apagar,
mas logo, tão logo tudo escureceu, porque foi apagando devagarinho pra gente
ir se acostumando com a escuridão, a luz do palco já se acendeu e começaram
a aparecer umas crianças lá no tablado. Crianças? Não. São bailarinos, Hermes!
E eles estavam meio envergonhados, que nem a gente fica quando tem visita em
casa e a mãe fica chamando para mostrar a gente. Nesse jogo de empurra-em-
purra reconheci-me no menino metidinho, amigo da menina chorona que a tudo
medra, amigo estratégico do valentão, e parceiro da curiosa, que sempre pode
dizer uma coisa não muito legal sobre a gente, por isso é bom ficar por perto pra
não deixar ela dizer besteira.

107
Faz de conta que eu sou uma criança que nunca viu
espetáculo de dança. Acho que a Bethania nunca tinha vis-
to, também. Não sei, mas depois vou ligar pra ela pra saber.
Se bem que ela tem só três anos, acho que vai ficar dizendo
hum, hum, hum ao telefone. Para quem não sabe, na lingua-
gem das crianças hum, hum, hum pode ser Oi, tudo bem?
O que importa é que nesse domingo eu fiz tanto de conta que nunca tinha
visto um espetáculo de dança que esqueci que a vida é difícil, às vezes. Gostei tanto
de como o cara que dirigiu o espetáculo fez com as crianças – quero dizer, com os
bailarinos –, porque ele mostrava umas coisas de dança e colocava umas brincadei-
ras no meio, pra gente que é criança não ficar chateada. Porque criança como eu é
assim: se gosta, gosta. Se não gosta, não gosta e pronto, tá feito o berreiro. Eu não fiz
berreiro. Se fizesse, a minha amiga Maristela Saito, que tava do meu lado, cuidando
de mim, ia me dar uns belos de uns puxões de orelha, certamente.
Eu gostei muito, muito mesmo. Só teve uma hora que eu senti falta do meni-
no metidinho, que se enfiava nas coreografias (Ah, essa palavra é nova, eu apren-
di por que fui ver o Faz de conta que...) e significa o desenho que os bailarinos vão
fazendo com o corpo, juntos ou separados, pra lá e pra cá, conforme a música
vai tocando. Eu senti falta dele e porque eu gostava de ver ele tentando fazer os
passos, mas não conseguia. Ele podia ficar nessa brincadeira de tentar, tentar, até
conseguir mais perto do final, eu acho, né? Eu também tento fazer uns passos e
nem sempre consigo. Mas se eu treino eu consigo. E senti falta da chorona. Tenho
uma amiga muito parecida com ela e me lembrei muito dela chorando porque
sempre tinha medo de tudo. Fiquei me perguntando, será que aquela chorona
sorriu e ganhou coragem? Seria legal ver isso. Ia ser bom para gente perceber que
nem tudo é sempre igual, né?
Gostei das roupas das crianças – quero dizer, dos bailarinos – tudo bem sim-
ples e bem de criança mesmo. Fiquei morrendo de vontade de ter uma camiseta
108 daquelas, preta, com girafa de bolinha preta e branca. E tem umas cabeças colo-
ridas que são show de bola. Eu queria colocar uma cabeça daquelas. Tinha uma
que deu vontade até de dar um chute, pra ver se fazia um gol.
E teve uma hora que eu gostei do cenário de flores que desceu de um jeito
mágico no palco. A luz acendeu direto nele e refletiu mais um monte de flores no
palco, como se a gente estivesse num jardim. A música que tocou é uma bem
conhecida, que o Pato Fu regravou (eu ganhei o CD da minha mãe). Mas eu não
gosto de ouvir música conhecida em teatro. Não sei vo-
cês, mas essa eu não gostei. Me disseram que tem uma
versão mais antiga. Talvez eu fosse gostar mais dessa, já
que não conheço, né? Ei, senhor cara da direção, pense
nisso, tá! Mas não fique bravo comigo por dizer. Eu sou
uma criança, agora, e não gosto de fazer de conta que
gostei de uma coisa que eu não gostei, ok?
Mas tem outras músicas no espetáculo, tão legais de boas. Foi uma moça
que inventou pras crianças – quero dizer, pros bailarinos – dançarem. Com a mú-
sica dela fica tudo mais bonito. E as crianças – quero dizer, os bailarinos – gostam
tanto de estar fazendo de conta que, fazem melhor, e se torcem, se contorcem
de um jeito criança que dá pra ver que eles estudaram muito pra fazer aquilo.
Porque gente grande não consegue mais fazer algumas coisas de criança sem
estudar aquilo que chamam de técnica, né? Será que pra ser criança tem que
ter técnica? Hum, essa é uma boa pergunta. Pra ser bailarino, descobri, precisa.
No final do espetáculo, que faz de conta não é o final, faz verdade que
tudo continua sorrindo e divertindo dentro da gente, e a gente vê que criança
nenhuma – e adulto também – quer que acabe, e a gente adora porque os bai-
larinos convidam a gente pra dançar no palco com eles. Ai que vontade que
deu! Mas o meu faz de conta tinha que acabar. Eu tinha que voltar a ser o adulto
que eu sou, cheio de vergonha, cheio de medo, cheio de timidez que, às vezes,
parece que não existe, mas existe sim e se protege nesse jeito seguro/inseguro de
ser de verdade.
No fundo, no fundo, eu estava morrendo de vontade de dançar, mas achei
mais legal que as crianças e os bailarinos de verdade o fizessem. Preferi ficar
com o encanto que veio dessa iniciativa despretensiosa da Arte, dessa delica-
deza que o mundo ofereceu, e guardar tudo dentro de mim pra depois poder
escrever bonito sobre ela. É o meu jeito faz de conta de ser e me emocionar sem
fazer de conta. 109

Hermes Bernardi Jr
Em memória.
Escritor e ilustrador de LIJ,
diretor e dramaturgo de teatro para a Infância.
performances,
happenings,
instalações ou
outras experiências
(in)nomináveis

110
Mais uma vez, o Grupo mudou de endereço. Em parceria com a Casa de
Cultura Mario Quintana, passamos a ocupar as manhãs na Sala Cecy Frank, enca-
rando o desafio de manter os alunos do ano de 2010, todos desejando permane-
cer no Grupo, e poder abrir nova vagas. Infelizmente não tínhamos dois turnos de
uso da sala, como em 2008, quando pudemos trabalhar com duas turmas separa-
das, dando continuidade a um trabalho e iniciando outra turma paralelamente.
Dessa maneira, experimentamos pela primeira vez uma grade de horário
mista, que pudesse oferecer aulas avançadas para os alunos que já estavam no
projeto, aulas introdutórias para os novos alunos e aulas mistas que pudessem in-
tegrar os dois grupos de alunos.
Ao mesmo tempo, os alunos de 2010 tinham o compromisso com as monta-
gens, além da participação na programação em comemoração ao aniversário
de Porto Alegre, no qual as duas montagens participariam. Faz de Conta Que...
iria integrar a programação do Festival Dançapontocom e Pulp Dances conseguiu
através do site Catarse financiamento para uma temporada no Teatro de Câmara.
Aliada a esse contexto, a proposta para 2011 foi pautada por explorar de
maneira mais focada experiências ainda não vivenciadas no Grupo, como a da
performance e seus desdobramentos. A primeira ação neste sentido foi em come-
moração ao Dia Internacional da Dança, na Alameda dos Cataventos, na Casa
de Cultura Mario Quintana, e a participação no Festival Internacional Dançapon-
tocom, no qual foi apresentada Performances, Happenings, Instalações Ou Outras
Experiências (In) Nomináveis, baseada em proposições do artista Alan Kaprow.
Na Mostra de Novos Criadores, realizada em agosto, na Sala Álvaro Moreyra,
alunas da turma de Composição, da professora Karenina de los Santos, apresen-
taram performance baseada na obra infantil de Tim Burton, O Triste fim do menino
Ostra.
Duas novidades também marcaram o programa de aulas. A primeira foi o 111
convênio com o curso de Licenciatura em Dança da UFRGS para realização de
estágio curricular no Grupo Experimental, trabalho desenvolvido pela aluna/pro-
fessora Paola Vasconcelos, que ministrou aulas de tango com uma abordagem
contemporânea. Também foi firmada parceria com a Arena Cursos, que recebeu
os alunos em sua sede para aulas com a professora Maria Helena Bernardes, abor-
dando a obra de artistas como Marina Abramovich e Yves Klein.
Professores

Airton Tomazzoni Didi Pedone


História da Dança e Introdução à Composição Axis Syllabus
Coreográfica
Eva Schul
Alessandro Rivellino Dança Moderna e Improvisação
Contato e Improvisação
Karenina de los Santos
Bia Diamante Composição em Dança/ Composição em
Educação Somática Tempo Real

Alunos
Alessandro Rivellino Iandra Cattani Mariana Konrad
Andrea Lopez Isadora Maia Michele Zgiet
Andréia Lucchina Juliana Rutkowski Naiana Tedesco
Cibele Donato Kalisy Cabeda Nina Eick
Diego Esteves Lara Sosa Raquel Purper
Fernanda Bertoncello Boff Leonardo Jorgelewicz Samir Sead
Gabriela Camargo Luciana Moraes Tainá Borges
Geórgia Reck Luiza Fischer Thiago Dias
Giuliano Andreolli Mari Rocha

112
113
Para que termos um corpo, se somos obrigados a
mantê-lo encerrado em uma caixa, como se fosse um
violino raro, muito raro?¹

A
ntes de conhecer o Grupo Experimental minha percepção sobre a
dança estava vinculada a tradições de movimentos delineados por
padrões estéticos bem definidos, isto é, dançar é dançar ballet. Ou
jazz. Ou sapateado. Parte da minha experiência com dança incluía
expectativas externas em relação ao meu próprio corpo: o processo bastante co-
mum de olhar imagens de bailarinos/as e performances e retirar daí um padrão
de superioridade e qualidade. Pode-se dizer que meu corpo não era realmente
meu. Ele era a projeção de um violino imaginário esperando a sua vez de produzir
música.
Mas essa vez parecia não chegar nunca.
Até que as aulas começaram. Nas aulas de Educação Somática, inicial-
mente, eu não entendia nada do que estava acontecendo. Me sentia perdida e,
como sempre, inapropriada. Até que as coisas começaram a fazer sentido. Antes,
eu estava presa de um lado de uma rua movimentada até que, gentilmente, se-
guraram minha mão e me ajudaram a atravessá-la. Essa travessia foi lenta, gra-
dual, amedrontadora e imperfeita. Fui descobrindo pequenas coisas importan-
tes: calcanhar-dedinho-dedão. Cintura pélvica e cintura escapular. Os dedos dos
pés. Uma perna depois da outra. Cabeça para um lado, cabeça para o outro.
Um grande enrolamento. Ondulações da coluna. Contato. Percepção. O chão. A
verticalidade. Empatia. Vanguardas. Movimentos. História. O cérebro é também
um músculo. A respiração também é movimento. Dança não é só expressão de
sentimento, é também um instrumento político. E aos poucos fui descobrindo que
eu tinha um corpo. E que ele funcionava. É claro, as amarras psicológicas não se
desfazem com tanta facilidade. O processo de dividir um espaço, uma dança ou
114 um movimento com outro corpo é até hoje um pouco assustador.
No entanto, cada professor trazia uma visão completamente diferente de
corpo e movimento, o que é muito bom. Afinal, quanto mais se puder discutir e
elaborar uma concepção, melhor ela fica. Além disso, abre a possibilidade de um
processo de autonomia investigativa, uma experiência de aprendizagem cons-

¹ Do conto “Felicidade” de Katherine Mansfield.


tantemente ofuscada pelo sistema tradicional
de passividade e rigidez.
Além das aulas, as experiências extracur-
riculares, como as sessões de vídeos na sala P.F.
Gastal (descobrindo as produções mundiais
mais controversas), os minicursos no Arena (es-
miuçando o trabalho e a vida de artistas como
Marina Abramovich), as discussões teóricas e
a participação em eventos, como o Festival
Dançapontocom (o que dizer da Tele-entrega
de Dança da Claudia Müller ou do Abecedário
do Corpo Dançante do grupo canadense de
Andrèe Martin?), bem como a acessibilidade
a espetáculos diversos no Quartas na Dança,
enriqueciam o espectro de diversidade e pos-
sibilidades de produções.
Hoje, já me defino como uma pessoa livre
para participar ou não de processos de cria-
ção, para escolher caminhos estranhos e me-
nos percorridos, para cair no óbvio quando me
der vontade, para me permitir errar e aprender
e para direcionar para outros a mesma ener-
gia transformadora da dança e do movimento.
Essa autonomia é uma semente que foi cultiva-
da nas aulas do Grupo Experimental. O seu flo-
rescimento é ainda uma caixinha de surpresas.
No entanto, em vez de um encerrado numa
caixa, sou um instrumento capaz de produzir (a
minha) música todos os dias. 115

Gabriela Camargo

Tradutora.
O
Grupo Experimental de Dança é, com toda a certeza, e por expe-
riência própria (felizmente a tive!), uma oportunidade rara e rica,
onde artistas de diferentes áreas se integram e se entregam à dan-
ça, orientados por professores dos mais conceituados, cujas linhas
de trabalho bem distintas se complementam, propiciando uma vivência intensa e
completa de aprendizado e criação artística, tudo isso dentro da grande tendên-
cia de que qualquer corpo pode dançar e qualquer movimento ou não-movimen-
to pode se tornar dança!
E estive em movimento, criei, me diverti, encarei desafios, aprendi muito,
convivi com um grupo de pessoas bem heterogêneo, portanto rico demais, e por
um ano, todas as manhãs, dançamos juntos!
Só tenho a agradecer ao Centro de Dança!

Georgia Reck
Bacharel em Artes Cênicas/ UFRGS.
Atriz da Cia Stravaganza. Tem passagens pela dança Jazz, dança moderna e
contemporânea, dança-teatro. Atualmente faz aulas regulares com Eva Schul.

116
117
performances,
instalações ou
A partir da perspectiva de valorizar a percepção da experiência, do ins-
tante, das interações, o coreógrafo e diretor Airton Tomazzoni convidou artistas e
estudantes para criarem ações simultâneas nos espaços do Centro Municipal de
Cultura. Jardim, estacionamento, palco, bilheterias, camarins, mesas de bar, cal-
çadas. Os espaços se abrem ao encontro e à partilha do sensível.

1 – Pelo espaço afora


Um grupo de bebês explora o espaço. E você?
Andréia Lucchina / Bebês convidados: Gustavo / Bruno / Violeta

2 – Desobedeça
Uma locução orienta o participante em uma série de instruções para se
movimentar.
Você aceita?
Fernanda Boff / Andrea López / Leonardo Jorgelewicz

3 – Sem título
Arte se anuncia? O que se anuncia é arte?
118 Diego Esteves / Juliana Rutkowski / Kalisy Cabeda

4 – Você dançaria para mim?


Participantes dançam ao som do seu próprio mp3. Depois oferecem os fo-
nes de ouvido ao convidado ouvir a música e…
Michele Zgiet / Mariana Konrad
happenings,
outras experiências
(in)nomináveis

5 – Experiência: corpo e percepção


Percurso do sensível. Entregue-se e descubra.
Raquel Purper / Iandra Cattani / Alessandro Rivellino / Andréia Lucchina /
Luciana Moraes

6 – Madaleine
119
Paladar e memória. Um sabor poder levar você para onde?
Isadora Maia / Luciana Moares / Luiza Fischer / Nina Eick

7 – Bambolódromo
Qual o impulso para perceber-se ainda criança?
Gabriela Camargo / Cibele Donato
D
esde o início, quando comecei a trabalhar com o Grupo Experi-
mental, o que me pareceu mais interessante, foi o fato de lidar com
a diversidade de formações, o que permitia o desenvolvimento de
uma linguagem mais híbrida e mais aberta a novas possibilidades
criativas. Era, além disso, um contato com as diferentes linguagens da dança, e
com jovens disponíveis e interessados, que ganhavam uma oportunidade única
de troca com vários professores especializados, sem a preocupação generalizada
nas artes de ter como pagar pela experiência.
O trabalho se provou correto e rico já desde o princípio, quando ao final de
um ano de trabalho vários dos alunos se colocaram em escolas internacionais.
Começou como brincadeira o fato de que eu dizia que ao final de um ano
eles seriam “outras pessoas”. Virou bordão quando no final “eles” diziam que eram
outras pessoas.
O importante foi ver a transformação e a compreensão do que buscáva-
mos, da consciência de seus corpos e da homogenização sem padronização do
grupo.
Outro fator interessante foi perceber que eles não sabiam se o que fazíamos
era bom e novo o suficiente, e quando o primeiro chegou à Europa, ver nas con-
versas virtuais, perguntas como se o que eu fazia era realmente contemporâneo e
ao receber confirmação, perceber a realização da oportunidade recebida.
Outro exemplo disso, foi a audição que fizemos na minha Cia. (Ânima Cia.
de Dança), para um projeto de memória com jovens bailarinos, e verificar que

120
todos os alunos do Grupo inscritos passaram a trabalharam conosco por um ano
inteiro, após o que alguns permaneceram na cia.
Tem sido muito gratificante ver cada turma começar, selecioná-los e vê-los
crescer e criar asas. Um fator emocionante é ver o medo que quase todos têm
no início com a parte de criação, uma vez que não é comum na formação de
danças, mas essencial para a dança contemporânea. E, como ao ir entendendo
e desenvolvendo a linguagem, o prazer que envolve e a facilidade que promove
na construção do discurso estético. Assim como a facilitação da saída para outras
portas se abrirem.
Ver o grupo evoluir junto e crescer em suas próprias medidas tem sido o
grande pagamento para essa jornada, que é formar e educar na arte da dança,
dentro deste projeto proposto e criado por Airton Tomazzoni, um grande compa-
nheiro nesta bela aventura.
Nessa bela experiência, posso dizer que vi seres humanos evoluírem como
pessoas e grandes talentos eclodirem. 121

Eva Schul
Professora, coreógrafa e diretora
da Ânima Cia. de Dança
M
inha escolha pelo Grupo Experimental para a realização do meu
primeiro estágio na faculdade ocorreu devido à demanda do
meu projeto que necessitava de corpos disponíveis ao experi-
mento. O próprio nome já carrega a identidade do grupo, onde
pessoas de todos os ambientes se encontram com um único objetivo: o de poder
aprender e vivenciar a dança através de suas diversas abordagens. Apesar da
minha insegurança inicial de temer que o grupo rejeitasse minha proposta por ser
uma linguagem diferente do que era de costume trabalhado. Eu pensava que
talvez por ser uma dança popular pudesse gerar certo estranhamento, já que
os alunos estavam acostumados com linguagens mais contemporâneas de dan-
ça. Porém havia uma intuição positiva por minha parte e da minha orientadora,
Mônica Dantas, de que ensinar o tango através de uma abordagem alternativa
funcionaria neste grupo. Então comecei trabalhando o histórico da dança, alguns
de seus conceitos básicos, o diálogo que se estabelece entre os parceiros, atra-
vés de dinâmicas que deveriam
partir de um processo individual
de reconhecimento de alguns
conceitos no seu corpo. Para
que aos poucos a outra pessoa
fosse sendo introduzida, termi-
nando na última aula com um
grande baile onde todos dan-
çavam entre todos e criavam
a partir do que foi passado nos
encontros. O meu objetivo era
que realmente eles pudessem
vivenciar um pouco dessa ma-
nifestação.
122 Acredito que o resultado
final foi muito interessante. Du-
rante o processo concluí que
havia feito a escolha certa e
que minhas expectativas ini-
ciais se confirmaram. Pude tro-
car experiências com pessoas
disponíveis a embarcar na minha ideia. Sou muito grata a todos que participaram
das minhas aulas e ao Airton por me disponibilizar esse espaço. E ainda por cima
pela liberdade concedida para que eu ficasse à vontade para desenvolver meu
trabalho como desejasse. E sem dúvida nenhuma o grupo marcou a minha vida
e o meu trabalho, pois a partir dessa experiência fui muito estimulada a continuar
buscando essa proposta. Uma validação de que a aprendizagem da dança de
salão não precisa ser baseada em apenas reprodução de movimentos. E que
pode se estabelecer através dos aspectos históricos da dança, do prazer e da
experiência de diálogo com o outro. Foram tantos estímulos positivos recebidos
pelos participantes que a partir desse estágio surgiu o meu tema de trabalho de
conclusão da faculdade. Então acredito que esse espaço de formação é muito
válido para a produção em dança na cidade. E principalmente pela oportuni-
dade de tantas pessoas diferentes poderem se encontrar todas as manhãs para
respirar dança. E por fim aos tangueiros que me encontraram durante os nossos
cinco encontros, obrigada pela dispo-
nibilidade, pelos comentários, sorrisos,
olhares e principalmente pelas lindas
danças que pude apreciar.

Paola Va s c o n c e l o s

Professora e dançarina de tango e dança


de salão queer. Doutoranda em Artes
Cênicas na Unirio/RJ, Mestra em Artes
Cênicas pela UFRGS e Licenciada em
Dança pela mesma universidade.

123
O Grupo Experimental de Dança da
Cidade comemorou o Dia Internacional
da Dança com intervenções na Casa de
Cultura Mario Quintana

A Travessa dos Cataventos virou palco para valsas e outros bailados que
fizeram o público se surpreender e também entrar na dança. Caracterizados com
personagens do espetáculo infantil Faz de Conta Que..., coloriram janelas, ala-
124 medas, passarelas e elevadores, colocando o cotidiano do centro da cidade a
bailar. Participaram da intervenção: Andrea Lucchina, Andrea López, Cibele Reis,
Fernanda Boff, Gabriela Camargo, Geórgia Reck, Juliana Rutkowski, Lara Sosa, Le-
onardo Jorgelewicz, Luciana Moraes, Luiza Fischer, Mari Rocha, Mariana Konrad,
Raquel Purper.
125
C
heguei ao Grupo Experimental no seu segundo ano de vida, em 2008,
num momento de incertezas minhas: recém-formada como Tecnólo-
ga em Dança pela ULBRA, querendo conhecer, estudar e praticar
dança contemporânea, mas sem um norte específico, sem saber
onde queria chegar (e muito menos até onde eu poderia ir).
Inicio assim o meu depoimento pois acho que a auto-descrição acima aju-
da a compreender a importância do Grupo na minha trajetória, em como passei
de estudante a bailarina.
Primeiramente, o acréscimo de palavras ao meu vocabulário como jogo,
troca, processo, experimentação, escuta, imagem, percepção, pluralidade. Não
que eu as desconhecesse, mas elas passaram a ter significados cheios e comple-
xos após vivenciá-las no Grupo.
Participei de quatro espetáculos durante os quatro anos que estive lá, cada
um com uma potência, com uma singularidade experienciada, cada um com seu
caráter experimental.
Eu Me Faço Simples Por Você poderia ter parecido para mim um grande de-
safio que talvez eu não tivesse como superar pois trabalhávamos com imagens e
sensações corporais, não tendo uma coreografia específica e fechada. Tudo era
jogo! Logo, a estrutura do espetáculo não mudava, mas o movimento apresenta-
do sim. Percebi que a segurança que eu tinha não passava por saber exatamente
o que eu faria, como eu faria e quando eu faria no palco, mas mais significativo,
minha segurança vinha por saber quem está no palco comigo, por conhecer pro-
fundamente meu grupo e confiar nas nossas decisões.
No meu segundo ano vieram as experimentações menos guiadas e mais
individuais, criadas a partir do “desconforto” de cada um. Esses “desconfortos”
(coloco entre aspas pois era dessa forma que nos referíamos a essa tarefa) po-
deriam ser qualquer coisa: um sentimento, uma sensação, um fato, de forma que
cada um passou a explorar algo real de sua vida, nada inventado ou imaginado,
126 e a tarefa de passar esse “desconforto” para o corpo e para o outro trazia diversas
leituras aos olhos alheios, e trouxe o cotidiano para nossas experimentações. Foi
importante para mim trabalhar sozinha, escolher a minha música e ir descobrindo
meus caminhos para concretizar corporalmente o imaginado, e reconhecer que
eu já havia aprendido uma série de possibilidades de ferramentas e estados cor-
porais para realizá-lo.
O terceiro ano veio marcado por
grandes mudanças nas estruturas que eu
conhecia do Grupo: mudança de local –
sendo agora num espaço privado, onde
não poderíamos chegar antes ou ficar
além da hora criando –, mudança na es-
trutura das aulas – apenas um turno e uma
única turma de alunos –, mudança nos
participantes – poucos colegas dos anos
anteriores, muita gente nova que vinha do
teatro e do circo, poucos vinham da dan-
ça –, e juntando a isso, minha incerteza so-
bre qual era o meu papel no Grupo, será
que eu conseguiria desenvolver nesse novo
formato? A resposta veio antes do final do
primeiro semestre onde, por iniciativa de
duas colegas, Giovana Consorte e Raquel
Purper, remontamos a coreografia Tango
do Presídio do musical Chicago, sendo
apresentado na mostra do Grupo Experimental e no Cabaré Valentin. No segundo
semestre ainda criamos dois espetáculos: o infantil Faz de Conta Que... e o adulto
Pulp Dances. Ambos tiveram êxito acima do meu esperado e, com certeza, acima do
meu pretendido, pois além de apresentarmos no decorrer do ano seguinte, o público
perguntava sobre a volta das apresentações, mesmo depois de seu fechamento. A
vida útil desses espetáculos foi curta porém intensa. Ter dois espetáculos em criação
poderia ter sido uma tarefa complicada de administrar, mas os diretores Airton To-
mazzoni, do infantil, e Juliana Vicari, do adulto, não permitiram que acontecessem
contratempos significativos à montagem. Trabalhávamos em aula, trabalhávamos
depois das aulas e em outros momentos do dia, mas sempre com muita vontade e 127

gana para que desse certo. O resultado final foi muito bem aceito por público e crí-
tica. Recebemos belíssimos retornos de professores do Grupo, amigos e público em
geral. Veio a somar no Faz de Conta Que... a nossa participação na construção dos
objetos utilizados em cena através de oficinas ministradas por Maíra Coelho, com seu
trabalho cenográfico e seu carinho ao passar seu conhecimento para o Grupo, assim
como a sensível criação da música do espetáculo por nossa colega Andrea López e
seu marido Bruno Ângelo.
O ano de 2011 iniciou com datas agendadas para os dois espetáculos, mui-
tos colegas do ano anterior permanecendo no Grupo pela vontade de querer
seguir com as apresentações e com uma reunião para se falar sobre dúvidas, dis-
ponibilidades e possibilidades de continuidade. Devido a trâmites legais que não
permitem que os espetáculos que têm ligação com a Prefeitura possam participar
de festivais, a não ser como convidados, e as dúvidas de como vender as duas
produções sem haver divergências entre órgão público e privado, os espetáculos
tiveram vida curta. A partir disso, os colegas passaram a se desligar do Grupo Ex-
perimental, e o desafio do ano era agrupar alunos antigos com os que iniciaram
nesse ano. Por não ter coesão no Grupo, neste ano não montamos espetáculo.
Para mim, o Grupo foi o diferencial na minha vida artística, claramente
como antes e depois dessa vivência. Iniciei lá uma construção sobre o que é dan-
ça contemporânea para mim, e posteriormente delimitei para quais técnicas eu
me interesso e quero trabalhar. Iniciei lá também vínculos com pessoas que abri-
ram portas para todos meus trabalhos posteriores, como Dar Carne à Memória,
com Eva Schul – professora permanente do Grupo –; Hybris, do Falos & Stercus –
indicação da minha colega em 2009 e 2010, Aline Karpinsky –; grupo Necitra – fui
convidada a ingressar pelo meu colega em 2010, Diego Esteves –; e meu processo
de investigação para criação de um espetáculo com Bia Diamante – professora
do Grupo desde 2009.
O formato diferenciado do Grupo, com várias aulas, variadas técnicas e
trânsito dos melhores professores de Porto Alegre proporciona um crescimento visí-
vel de todos os alunos em meses. O crescimento é técnico quanto a linguagens de
dança; é relacional quanto a grupo, a troca, a ter contato com pessoas que talvez
eu não viesse a cruzar caminhos em outro momento. Sou uma apaixonada pelo
Grupo, e creio que é importante a sua continuidade como forma de proporcionar
128 a bailarinos/ atores/ circenses práticas com qualidade subsidiada pela Prefeitura
e sendo encabeçado por uma pessoa com grande afeto por este projeto.

Juliana Rutkowski
Bailarina da Macarenando Dance Concept
e professora de dança na Educação Infantil, formada
no Curso Superior de Tecnologia em Dança pela ULBRA.
129
em que
embalagens
colocamos
nossos sonhos,
desejos,
vontades e
quais destinos
damos a eles?

130
A continuidade de parceria com a Casa de Cultura Mario Quin-
tana manteve a possibilidade de ocuparmos as manhãs na Sala Cecy
Frank. Para essa edição, depois de analisar profundamente as avalia-
ções e o andamento de 2011, definimos formar uma turma de alunos no-
vos e não uma turma mista, como fizemos no ano anterior. Dessa forma
foram selecionados 28 alunos, numa turma marcada pela heterogenei-
dade, com integrantes vindos da dança de rua, balé, dança de salão,
dança cigana, dança do ventre, dança contemporânea, uma cantora
vinda de Belém do Pará, artistas circenses e atores, e com idades que
iam dos 15 aos 40 anos.
Essa escolha permitiu fazer da diferença o elemento aglutinador e
que efetivou de maneira decisiva um trabalho coletivo e de grupo. Tanto
que já na metade do ano a turma produziu seu primeiro experimento cê-
nico, a performance Sou Muitos e Mudo, que foi apresentada no dia 15 de
julho, na própria Sala Cecy Frank, como desafio de se apropriar do espaço
de trabalho diário como espaço de apresentação.
Durante o período de férias, no mês de julho, realizamos workshop e
residência com Douglas Jung, ex-aluno do Grupo, com alunos e ex-alunos
do Grupo. Em agosto, no Teatro de Câmara Túlio Piva, foi apresentada
então a Mostra do Grupo Experimental. Na programação, o solo criado
por Douglas Jung intitulado A que Ponto Chegamos, a montagem ...Foi pro
Espaço..., especialmente criada na residência, e coreografias dos alunos,
alunas e professores da turma de 2012.
Outra novidade foi a realização de uma montagem coreografada
por Airton Tomazzoni, Alessandro Rivellino e Andrea Spolaor. Não uma co-
reografia de cada criador, mas o exercício de um espetáculo único criado
coletivamente, que resultou na obra Cuidado Frágil, apresentada dias 8 e 131
9 de dezembro no Teatro Renascença.
Professores
Airton Tomazzoni Raul Voges
História da Dança e Introdução à Composição Balé
Coreográfica
William Freitas
Alessandro Rivellino Danças Urbanas
Contato e Improvisação
Thiago de Lucca
Bia Diamante Percussão Corporal
Educação Somática
Regina Rossi
Didi Pedone Dança Contemporânea
Axis Syllabus
Andrea Spolaor
Eva Schul Dança Contemporânea
Dança Moderna e Improvisação
Douglas Jung
Susana D´Ávila Dança Contemporânea
Jazz
Jussara Miranda
Dança Contemporânea

Alunos
Alexandra Castilhos Emily Chagas Matheus Espinoza
Aline Jones Gabriel Grillo Maurício Daniel Ferreira
Alyne Rehm Gina Vitola Miriam Strack
Andrew Tassinari Giulia Barão Ramon Ortiz
Bruna Silvestrin Gustavo Silva Ranieri Camargo
Carolina Dias Gustavo Thomé Raquel Leão
Caroline Bomfim Jéssica Fiorenza Rebeca Soares
Caroline Mendes Juliana Werner Roberta Campos
Cauan Feversani Laerte Cardoso Rogério França
Diego Ebling Lidiane Santiago Sofia Villasboas
Emmanuel Moncorvo Luiza Fischer

132
T
rabalhar no Grupo Experimental foi um grande
presente para mim. A cada encontro revelava-se
um contato mais afetuoso entre os alunos e au-
mentava o clima de coletividade e aprendizado.
A miscigenação de pessoas com muita, pouca ou quase nenhu-
ma experiência dentro do vasto universo da dança e/ou ativida-
des físicas possibilitou uma abordagem sensível sobre ser-corpo,
harmonizar-tensões, transitar por diferentes situações, sentir, es-
cutar, tocar e ser tocado. As propostas de reconhecimento das
estruturas físicas geraram constante questionamento, curiosida-
de, brilho nos olhos e interesse por parte dos integrantes. Abrir
a mente e entregar o coração para vivenciar o corpo como
presença, força e manifestação pessoal não é tarefa fácil, pois
exige, muitas vezes, soltar-se no desconhecido e habitar lugares
a muito bloqueados pelas mais diversas razões. O grupo foi se
fortalecendo, os rostos expressavam vontade de ir além do lugar
comum, uns mais confortáveis com as propostas, outros menos.
E à medida em que cada um sentiu-se à vontade para expor as
suas dificuldades dentro dos encontros, manifestou-se um gran-
dioso potencial humano entre eles. Quando assisti a Sou Muitos
e Mudo ficou nítido que o trabalho de composição dirigido pelo
Airton estava determinado a abrir espaço para a livre expressão
encontrada no íntimo de cada um. O tema foi claro, a pergunta
solicitava uma resposta interna aonde vida e dança são insepa-
ráveis, e realizar a integridade entre imaginação e movimento
dentro de um contexto grupal demonstrou um importante pas-
so para a maturidade dos bailarinos. Eles dançaram como se
gritassem no meio de um grande silêncio, imbuídos de presen-
ça dançaram no limite entre vida/arte/loucura/dor e amor. A
133
vida como processo, experimento de co-criação a dança com
entrega, reconhecimento e responsabilidade. Da minha parte,
eterna gratidão!

Flora Adams
Educadora do Movimento
134
Q
uando Airton me convidou para escrever sobre o Grupo Experimen-
tal, 2012, logo refleti sobre O CORPO inserido no contexto GRUPO, e
o caldo que daria.
Lá em 2009, entrevistando o Airton, tive a confirmação do ca-
ráter formativo do Grupo Experimental, disposto a oferecer contato com as mais
variadas técnicas, possibilitando que os alunos tivessem acesso a um repertório am-
plo e diverso em linguagens de dança. Perguntei: “qual é o mercado para estes
alunos?”. Respondeu Airton: “provável, integrarão grupos locais consolidados e mais
experientes, como poderão formar outros grupos e/ou carreira- solo!”.
O meu primeiro contato com o Grupo Experimental, 2007, rumou para este di-
recionamento. Dentre as suas características, o grupo era formado por pessoas “es-
coladas” em dança, algumas já qualificadas, podendo o oficineiro, no meu caso,
distinguir o sujeito e a sua origem pré-formativa. Ou seja, os integrantes eram reco-
nhecíveis dentro de um cenário previsível, em sua maioria, bailarinos oriundos de
“formações” locais identificáveis [escolas, academias, grupos e Cias].
Já no segundo contato como oficineira, 2012, me deparei com um grupo di-
verso, não mais identificável enquanto origem, caminhando no rastro de uma lógica
de dança formativa descentralizada.
Este foi o grande barato deste encontro! Pessoas desconhecidas, nem tanto
e até conhecidas entre iniciados, iniciantes e nunca iniciados, com a característica
de um grupo com uma cara de “experimental”, no sentido da experiência em si
como o objeto do exercício.
A experiência somou o interesse dos alunos que perguntavam: “o que aqui
temos a dizer e o que fazemos com isso!”.
Talvez isto tenha se dado justamente pela aproximação dos alunos com a di-
versidade dos formadores, suas técnicas, pedagogias e métodos, o que considero o
ponto alto do projeto: “pertencimento à origem enquanto conhecimento em dança”.
Para mim, o Grupo Experimental é “grupo” e é “experiência”. Grupo enquanto
um coletivo que tem um tempo e um lugar de convívio definidos, e que, desapega- 135

do de ideologias de “grupo”, mantêm-se ligado pela experiência. Experimental, no


que se refere à construção de sentidos, cada um e a sua maneira, no exercício da
dança a partir de escolhas e decisões particulares.
O que acho mais bacana neste projeto é o seu caráter “camaleônico”: distin-
ção de uns e outros pelas habilidades, movendo-se, cada um, de forma indepen-
dente.
Acaso o Grupo Experimental intenta rumar para um status de grupo per-
manente, o que é (e seria) da natureza vocacional; cada vez mais demonstra sua
vocação de não sê-lo. Ou seja, cada vez mais, o projeto revela as caras daqueles
que se agrupam em torno de uma rica e única experiência, desvelando que há
mais pessoas e conteúdos a serem explorados do que a previsibilidade de intentar
a institucionalização de uma “Cia de Dança Municipal”, o que representaria a
morte da experiência.
O projeto é uma atitude não servil aos dispositivos governamentais, cujo
mérito dá-se pelo constante diálogo com o serviço primeiro, que é o de agluti-
nar experiência em sequência, agregando estudos artísticos multidisciplinares em
dança, livremente.
A metáfora – camaleão – dá-se aqui e não por acaso, dado que o projeto
– experimental – move-se livremente para direções desconhecidas, ajustando, in-
cessantemente, suas formas, volumes, discursos e cores, em processo. Não o seria,
a experiência, caso contrário! [escritos em 2012].
Hoje, passados quatro anos desta contribuição, vejo o projeto Grupo Expe-
rimental por outra ótica, não mais “camaleônica”, mas como argumento político
para a formação de uma Cia Municipal de Dança, ora existente. Sem consistên-
cia, o Grupo Experimental nada mais é que uma previsão rasa e insustentável, em
momento que a produção formativa gaúcha em dança está exaurida. Ou seja,
GRUPOS de dança porto-alegrenses existem desde 1950, cujas sustentabilidades
não são e nem foram reconhecidas pelo poder público até então, em razão de
investimentos precários e insignificantes.
O aspecto formativo de bailarinos, coreógrafos, produtores e diretores e etc
locais, demonstram alta desempenho no mercado, através dos seus representan-
tes reconhecidos. Importante rever a atual situação do setor da dança em Porto
Alegre, começando pela valorização da produção de grupos experientes e orga-
nizados do setor.
136

Jussara Miranda
Diretora e Coreógrafa da Mouvere Cia de Dança de Porto Alegre RS 28 Anos.
Graduada em Dança e Tecnologia e Mestre em Inclusão Social e Acessibilidade.
Mostra
do Grupo
Experimental
de Dança da
Cidade Alma Brasileira
Coreografia de Emmanuel
24 a 26 de agosto de 2012 Moncorvo
Intérprete: Emmanuel
PROGRAMAÇÃO Moncorvo, Emily Pogorzeiski

Estudo sobre a libertação


Dia 24 Coreografia de Juliana
...Foi para o espaço... Werner e Emily Chagas
Criação de Douglas Jung Intérprete: Juliana Werner
Intérpretes: Fernanda Boff,
Fernando Faleiro, Kalisy Cabeda, 2 em 1
Laura Rosa, Nicole Fischer e Paula Criação de Carol Mendes,
Finn Mauricio Figuerah e Emily
Chagas.
Dia 25
A que ponto chegamos Utopia
Criação de Douglas Jung Criação de Rebeca
Lima Soares
Dia 26
Estudo de Klokobetz I La tchiktcha
Criação de Luíza Fischer Coreografia de
Emmanuel Moncorvo
Intérprete: Emmanuel
Avesso
Moncorvo e Alexandra
Criação de Alexandra Castilhos e
Uczak
Luciana Hoppe

Semáforo
Madrugada
(estudos de esquetes
Criação de Mirian Strack, Lidiane
para sinaleiras e faixas
Santiago
de segurança)
Criação de Gustavo
Profundo Eu Thomé e Ramon Ortiz
Criação de Emily Chagas
Todos os Meus
Vícios
Performance 137
Convidada
Intérprete:
Andrea
Spolaor
P
ara mim, participar do Grupo Experimental foi uma experiência
única. A prática corporal diária transformou o meu corpo e co-
locou em movimento os pensamentos sobre corpo, dança e arte.
Por conta da faculdade, percebi que durante todo este ano estive
em um caminho de comunicação entre as práticas e percebi que os espaços se
complementavam.
O meu desempenho na faculdade se potencializou e se transformou por
conta das aulas e do trabalho coletivo do GED, pois, a todo tempo percebia que
eu levava os ensinamentos do grupo para a faculdade. E da mesma forma, per-
cebi que as reflexões teóricas das aulas da universidade complementavam o meu
processo de criação no grupo.
Nesse momento, sinto como se terminar o ano*, fosse o fim de um momento
e que nunca mais poderei deixar de fazer aulas todos os dias e trabalhar como
trabalhei neste ano. Desejo continuar no GED para poder aprofundar o trabalho
corporal e para poder aprofundar um trabalho coletivo tão maravilhoso como o
que criamos no final do ano.

Alexandra Castilhos
Bailarina, graduada em Licenciatura em Dança pela UERGS.
Mestre em Artes Cênicas pela UFRGS.
* Texto de avaliação escrito no final de 2012.

138
F
oi no Grupo Experimental que eu descobri que não existe limite de
criação, não existe divisão entre a vida e a arte. Percebi que a arte
vai muito além do que é bonito, feio, perfeito, correto, a arte é tudo
aquilo que nos liberta, é tudo aquilo que podemos sentir. E o Grupo
Experimental é o que me fez sentir livre para sentir tudo o que eu pudesse imaginar
dentro de mim. Depois que entrei para o Grupo pude sentir o universo dentro do
meu corpo enquanto dançava.
Além de ajudar no meu amadurecimento artístico, o Grupo Experimental
também ajudou no meu amadurecimento como ser humano, agora tenho um
olhar mais presente, sensível e poético para a vida, para o mundo ao redor.
E por ensinamentos, transformações e infinitas sensações que professores e 139
colegas incrivelmente incríveis me proporcionaram, serei eternamente grata ao
Grupo Experimental.

Emily Chagas
Bailarina e estudante
sou muitos
Quem somos? Quem acham que somos? Quem so-
mos quando dançamos? Temos uma unidade de identifi-
cação? Somos muitos? Quem gostaríamos de ser? Como
afirmamos essa(s) identidade(s).
A partir dessas indagações e leituras sobre o
tema da identidade, foram conduzidos vários jogos de
improvisação, individuais e em grupo, que foram sendo
gradualmente organizados com o objetivo de problema-
tizas essas questões. Dessa maneira cada integrante bus-
cou afirmar suas singularidades, mas também se permitir
transitar pelos modos de ser do outro/ dos outros cole-
gas. A investigação buscou procurar experimentar como
gestos, movimentos e ações modificam essa identidade,
bem como que outros elementos colaboram para alterar
os códigos de reconhecimento, como peças de vestuá-
rio, máscaras, sonoridades.
Dessa maneira alguns alunos experimentaram
anunciar ser um outro colega e se apropriar das coreo-
grafias e movimentos respectivos, ou ainda escolher figu-
ras ou personalidades históricas e/ou midiáticas para sua
identidade, como presidentes da república, jogadores
de futebol, atrizes de cinema, escritores.
A relação com a palavra também foi explorada,
na produção de frases de identificação que deveriam
140 ser proferidas ao longo da performance, como “eu sou...”
e “eu estou...”. De onde surgiram fragmentos como:

“sou o tempo e estou passando”


“sou dart wader e estou do lado negro da
força”
“sou uma mulher e estou sangrando”
e mudo
“sou peter pan e estou crescendo”
“sou marilyn monroe e estou morrendo sozinha em
meu quarto”
“eu sou a mulher maravilha e estou invisível”
“eu sou a bruna e estou vulnerável”

Paralelo a esta experimentação foi problematizada a situa-
ção performática no próprio espaço de trabalho: a sala de aula.
Como descobrir as limitações e potencialidades desse local, nor-
malmente, relegado ao processo e não ao resultado cênico.
Um dos exercícios que buscou permitir que não ficássemos
restritos a sequências coreográficas e a provocar situações menos
exploradas consistiu em uma série de instruções espalhadas pela
sala, escritas em pequenos pedaços de papel:

• anuncie “estou indo embora” e convide
alguém para ir com você
• escreva o nome de todos que estão em cena,
no quadro negro
• dê uma gargalhada
• coloque uma cadeira em frente a um colega
e fique observando-o por muito tempo
• abrace alguém
• feche todas as janelas
• conte um segredo no ouvido de alguém
• leia um livro
141
Assim abriu-se a reflexão para pensar a relação com o
espectador, com os demais colegas em cena, de como estar e
permanecer em cena, como entrar e deixar a cena. Enfim, como
ressignificar os códigos de encenação e experimentar novas alter-
nativas para a performance em dança.
F
rio!
Muito frio!
Domingo, 18 horas, sala Cecy Frank da Casa de Cultura Mario
Quintana – Porto Alegre/RS.
Eu, sentado aguardando para assistir um trabalho em processo do Grupo
Experimental de Dança da Cidade de Porto Alegre sob a direção de Airton
Tomazzoni.
Aguardar uma proposta de dança iniciar, para mim, sempre é um pouco
tenso. É como se eu fosse dançar algo que não sei o que é. Talvez eu fique na
expectativa de dançar junto enquanto assisto da minha cadeira. Nem sempre
o que assisto deixa brechas em que eu
me sinta deslizar e participar, nem
sempre quando assisto uma dança
minhas sensações coreografam minha
respiração, nem sempre o que eu assisto
produz arrepios como efeito.
Mas o que assisti nesse dia
disparou em mim o desejo de ver
em que essa proposta poderá se
desdobrar. Para mim, o que assisti veio
ao encontro do que tenho pensado
neste momento e tenho chamado de
descoreografar (ousadia minha, mas
é apenas um exercício para pensar a
dança), que seria uma criação que não
vai ao encontro do que se espera ou
do se faz normalmente. É como se eu
não pensasse em formatos específicos
142 e possíveis receitas para coreografar,
é como não fazer o que “possíveis
manuais” podem indicar. Para, a partir
disso, repensar o coreografar/performar
e após voltar a coreografar como se
estivesse desfazendo a dança, que em
si se refaz na própria cena. E trago o
desfazendo como uma criação na contramão. Uma criação despreocupada com
o que pode vir a agradar, voltada para produzir sensações, para acontecer, para
vir a ser, para um devir dança numa proposta contemporânea.
Sim! Isso mesmo, não se tratava de uma coreografia pronta ou fechada/
acabada, era uma performance, mas me levou a pensar em processos
coreográficos. Apenas isso!
Parabéns aos bailarinos/performers/dançarinos/atores, ou seja lá como se
queira chamar, parabéns Airton Tomazzoni. Sucesso nos desdobramentos dessa
proposta.

Wagner Ferraz
Artista, professor, editor, pesquisador
e gestor na área da dança e educação.
Coordenador dos Estudos do Corpo
(https://estudosdocorpo.weebly.com/).

v
ou contar uma coisa pra vocês... já se passou uma semana de cur-
so* e eu achei que esse curso seria como qualquer outro, mas nesse
pouco espaço de tempo já mudei completamente meu modo de
pensar e visualizar as coisas ao meu redor. Quando eu entro na-
quela sala eu viro outra pessoa, me desligo de tudo e isso está me
fazendo um bem que nem eu imaginaria um dia conseguir. mesmo estando re-
cém no começo já quero agradecer a oportunidade e a todos que estão lá para
apoiar e somar. Obrigado! 143

Maurício Figuerah

Bailarino de Street Contemporâneo. Cursando Licenciatura em Dança / ULBRA

* Este texto foi escrito no início de 2012.


T
rabalhar no Grupo Experimental foi um grande presente para mim.
A cada encontro revelava-se um contato mais afetuoso entre os

u
alunos e aumentava o clima de coletividade e aprendizado. A mis-
cigenação de pessoas com muita, pouca ou quase nenhuma expe-
riência dentro do vasto universo da dança e/ou atividades físicas possibilitou uma
abordagem sensível sobre ser-corpo, harmonizar-tensões, transitar por diferentes
situações, sentir, escutar, tocar e ser tocado. As propostas de reconhecimento das

i
estruturas físicas geraram constante questionamento, curiosidade, brilho nos olhos
e interesse por parte dos integrantes. Abrir a mente e entregar o coração para
vivenciar o corpo como presença, força e manifestação pessoal não é tarefa fá-
cil, pois exige, muitas vezes, soltar-se no desconhecido e habitar lugares a muito
bloqueados pelas mais diversas razões. O grupo foi se fortalecendo, os rostos ex-

d
pressavam vontadede
O processo decriação
ir além do lugar comum, uns mais confortáveis com as pro-
postas,
de 2012outros menos.
nasceu do Equestio-
à medida em que cada um sentiu-se à vontade para expor
as suas dificuldades
namento dos desejosdentro dos encontros, manifestou-se um grandioso potencial
dos pró-
humano entrerelacionados
prios alunos eles. Quandoaoassisti a Sou Muitos e Mudo ficou nítido que o trabalho

a
de composição
ofício da dança.dirigido pelo Airton estava determinado a abrir espaço para a
Suas frustra-
livre
ções,expressão encontrada
suas ambições, no íntimo de cada um. O tema foi claro, a pergunta
as fragi-
solicitava
lidades, a uma resposta
rotina interna aonde vida e dança são inseparáveis, e realizar
de trabalho,
a
asintegridade entre
expectativas, asimaginação
alegrias, e movimento dentro de um contexto grupal de-
monstrou um importante
as dores, enfim, passo
o material hu- para a maturidade dos bailarinos. Eles dançaram

d
como
mano se gritassem
que envolvenoameio de um grande silêncio, imbuídos de presença dança-
produ-
ram no limite A
ção artística. entre vida/arte/loucura/dor
partir de jogos e amor. A vida como processo, experi-
mento de co-criação
de improvisação forama dança
sendo com entrega, reconhecimento e responsabilidade.
Da minha parte,
investigadas eterna
cenas gratidão!
e partitu-

o
ras de movimentos que pudes-
Flora Adams
sem ser incorporados.
Educadora do Movimento
144

rágil
145
Durante esse processo surgiu a ideia de criarmos uma central de tele-entre-
ga de dança. Uma empresa na qual chegariam pedidos dos clientes/consumido-
res. Dessa maneira, estaríamos trabalhando com os desejos de quem produz, mas
também de quem aprecia a dança. Nesse percurso se buscou ampliar as refe-
rências de criação para a montagem e, para isso, os professores Andrea Spolaor
e Alessandro Rivellino passaram também a assinar a criação, investigando essa
temática em suas aulas. Assim nascia o espetáculo Cuidado Frágil.
De que maneira atendemos aos pedidos que nos fazem? Até que ponto
respondemos mais aos apelos dos outros do que aos nossos apelos? Em que em-
balagens colocamos nossos sonhos, desejos, vontades e qual destinos damos a
eles? Metáforas que podem servir para qualquer pessoa, metáforas que podem
servir talvez e especialmente para aqueles que dançam, sempre transitando entre
os seus desejos pessoais e os desejos do público.
O espetáculo colocou em cena, então, um grupo de bailarinos confinados
por paredes altas em um palco sem saídas, recebendo pelo telefone ordens e sen-
do observados por entre grades na plateia. A impossibilidade de escapar dessa

146
situação leva o grupo a situações extremas, transitando pelo humor e a violência,
pelo poético e o grotesco.
A cenografia foi criada por Juliano Rossi, os figurinos por Samuel Lucca Ga-
zola e a iluminação por Fabrício Simões.

No elenco:

Alexandra Castilhos Luiza Fischer


Aline Jones Maurício Figuerah
Alyne Rehm Matheus Espinoza
Andrew Tassinari Miriam Strack
Carol Mendes Ramon Ortiz
Emmanuel Moncorvo
Emily Chagas
Gabriel Grillo
Juliana Werner
Gina Vitola
Lidiane do Canto

147
T
udo começou quando, quando tudo começou?1
Quando fui convidado para participar do processo de criação
do Cuidado Frágil, sabia que esta pista sobre os princípios muito
provavelmente se aplicaria: havia corpos em transformação constante
e muitas ideias, a intersecção corpo-mente já enveredava um caminho próprio em
cada um dos bailarinos-criadores, e o nosso trabalho seria concentrar tudo num
espaço-tempo em processo criativo e compor com aquilo que vencesse nosso
desapego diário.
Havia um grande artista regendo a orquestra 2. Recebi carta branca para
trabalhar. Os bailarinos estavam com muita vontade. Começamos não sei como.
Qualquer começo é um bom começo. Acho que foi conversando sobre desejos e
infelicidades. Acho que aconteceu devido à entrega e à confiança, e à ressignificação
dessa última (confiar = fiar com). Tecer a rede-sonho em realidade, satisfazendo ou
não o impulso original com o “resultado”.
Quando comecei no grupo como aluno, aterrissei direto no processo de ensaios
do Eu me Faço Simples Por Você. Agora, dando aulas e “coreografando”, vi aqueles
que pela primeira vez experimentavam um trabalho criativo tão aberto quanto as
flechas disparadas por um cego intuitivo encontram um alvo supostamente aleatório.
Mais ou menos como eu experienciei anos atrás.
A liberdade criativa sempre me encantou, saber que eu poderia fazer qualquer
coisa, ainda que não de qualquer jeito, me impulsionava a estruturar minhas entranhas.
Vi que permitir a criação individual ressurgir no coletivo era um grande prazer. Agora,
percebi o desafio que pode ser para muitos.
– Faz o que tu quiser, o que tu tiver vontade de criar, aquilo que te move por
dentro, aquilo que te chega impregnado de sonho, a forma é uma consequência
148 de instauração no mundo daquilo que não tem mais pra onde ir. Quero o corpo que
emerge dos estados em que se mergulha.
Lembro-me de termos feito uma espécie pacto, ok, acordo, vai:

1 Dizem que a criação começa antes de começar e que termina depois de terminar.

2 Airton Tomazzoni.
1) Doesn’t matter how it sounds 3 .
2) Vamos até o fim juntos.
3) Vamos tentar olhar não olhar, ou olhar o mínimo, para o espelho 4 .
Bueno, foi um encontro onde todos nós abrimos um pouco mão do nosso jeito
de pensar, derivado de um intenso diálogo com as diferenças. Acho mesmo que
chegamos a fazer ao mesmo tempo inventando o modo de fazer5 . Tínhamos muitas
pistas e saber estruturar sequências de movimento e colocar músicas afins ou afins
ao contrário seria muito pouco. Acabamos descortinando a possibilidade de todos
estarem em cena o tempo todo, e transitarem entre uma corporalidade “cotidiana”
(que por si só já não o seria, pelo ato performativo em si) e intensidades possivelmente
diferenciadas.
A relação com a fragilidade apareceu muito em nossos mergulhos pessoais no
processo, e respeitamos algo que foi ao encontro de codificar nossas intenções para
que o possível espectador pudesse decodificá-las a seu modo 6 . Não presumo ser

3 Frase de Per Bristow, em suas lições sobre canto e voz, referindo-se, na minha concepção, a como a
nossa preocupação em estar bonito pode nos fazer reproduzir ao invés de criar e representar, ou invés
de atualizar nossas espontaneidades criativas. O que inclui generosidade em todas as instâncias (consi-
go, com o outro, com as ideias...).

4 Sempre quis que pudéssemos transitar em diferentes estados de estar em cena, e olhar pro espelho
conferiria, neste caso, a meu ver, uma lógica representativa, o que poderia ser uma armadilha inconve-
niente.

5 Frase excerto de alguma parte do corpo do trabalho de mestrado de Tatiana da Rosa.

6 Insiro aqui partes de um comentário meu em resposta à crítica feita por Wagner Ferraz: “Que bom ler e
perceber que a complexidade complementar fragilidade e potência, e mesmo sua miscelânea entrópica
possível, de alguma forma esteve presente...
Neste trabalho (des)coreografamos (assumindo teu termo) inventando, ao mesmo tempo, o modo de (des)
coreografar, o que é uma alternativa corajosa que confia na criação de cada um envolvido no traba-
lho, indo além ou mesmo ao revés daquilo que pressupúnhamos que ia dar “certo”; nos ocupamos em
potencializar/fragilizar o que cada um de nós já tinha, e mesmo revelar aquilo que já tínhamos e ainda não
149
sabíamos. Core é derivado do grego, podendo ser assumido como núcleo, centro, ou coração; Grafia pode
ser assumido como escrita; assim coreografar poderia ser grifar o coração, escrita do núcleo, escrever ou
ser escrito pelo centro; e neste sentido, pensando no centro como algo corporal, assim como o coração, o
núcleo celular, e pensando o corpo como aquele agente que escreve a si mesmo no espaço-tempo indo
para além de si mesmo e para além do espaço-tempo, então (e pensando na via corpo sem órgãos ainda),
verifico que (des)coreografar pode ser mesmo o termo mais adequado pra revelar o que fizemos.
A resistência ao óbvio também passa pela incrível complexidade necessária de percebê-lo e assumí-lo,
ainda que saibamos que há, em si, uma grande dificuldade em realmente perceber o óbvio. Nesse sentido
o que chamas resistência entendo também como a existência de novos modos e possibilidades criativas, e
fico feliz com isso. Bueno, cá estamos. “Devirando” e derivando de descoreografias coreográficas. É muito
bom ver a maneira com que escreves, o que revela, em seus detalhes, uma grande aproximação com o
trabalho que co-criamos, indo para além de qualquer significado estanque, usufruindo de uma experiência
não-fenomenológica, e tendo gatilhos disparados para novas criações.
Fico com muita satisfação em rever o que criamos dessa perspectiva, gracias por se permitir, por estar poro-
so, e deixar que isso tudo se transfigurasse nesse ato de escrever.
possível, pessoalmente, definir se conseguimos encontrar o espectador de modo
a convidá-lo a co-criar o trabalho a partir de seus próprios sentidos e atualizações
pessoais, apesar deste exemplo citado ao rodapé. Acredito que posso julgar nosso
sucesso em âmbito pessoal, relacional e de formação, mais do que aqueles que
não participaram tão avidamente do processo (que por sua vez podem ter uma
crítica de outra ordem); de acordo com essas instâncias que me são facilitadas
focar e dada a intenção subjacente ao grupo7, digo que foi um processo muito
rico pra todos nós, um grande marco na vida de cada um e um prazeroso sucesso
pessoal. O grupo deste ano, este processo de criação a que aqui me refiro mais
extensamente, aquilo que se convencionou chamar de resultado e a criação do
livro do grupo engendram um grande encerramento de ciclo. Que em si carrega
a semente amadurecida para o próximo ano, forte e flexível, como o aprendizado
desses anos conferiu ao projeto.
Como começou?
Para medirmos um círculo pode-se começar não importa onde.

Alessandro Rivellino
Artista multimídia interessado no que pode um corpo.
Bailarino, professor, diretor, performer e coreógrafo.
Integrante do coletivojoker.

150

7 Experimentar.
U
ma das melhores escolhas que fiz no ano de 2012. Começo
minha avaliação com essa frase, dita às pessoas que me per-
guntavam sobre minha experiência no Grupo Experimental
de Dança.
Acompanhava o trabalho do GED através de amigos que parti-
ciparam em anos anteriores, mas não imaginava que a abertura desse
espaço na minha vida, nas minhas manhãs, fosse expandir minha per-
cepção para tantos modos do sentir e existir. Experimentei um olhar mais
profundo e atento para o corpo, o movimento e a dança em suas dife-
rentes formas e potencialidades. No meu trabalho como atriz sempre cir-
culei por pesquisas e espetáculos com o foco num treinamento corporal,
entretanto o estudo do corpo a partir da dança me ajudou a entendê-lo
de uma maneira mais complexa e cuidadosa.
Percebi uma ampliação da minha percepção espaço/temporal e
tal refinamento produziu reverberações produtivas no meu trabalho prá-
tico e teórico de pesquisa nas artes. Sinto-me mais consciente da minha
relação com meus colegas atores/dançarinos, nos ensaios e na cena, e
com a possibilidade de experimentar novas formas de acessar o corpo, o
movimento, o gesto e o jogo durante um processo criativo.
Durante as aulas do Grupo Experimental nos relacionamos com o
corpo e o movimento a partir de suas variações, sua suposta inércia jo-
gado no chão – percebendo peso, volume e contornos – sua expansão
e contração com movimentos ágeis e circulares ou lentos e internos. Os
encontros também serviram como experiência para pensar as relações
do meu corpo com o entorno, sem certo ou errado, num processo de
abertura e aprendizado. Um espaço livre para experimentação, trocas e
descobertas.

151
Sofia Vilasboas
Atriz e pesquisadora em Artes Cênicas.
Doutoranda pelo PPGAC – ECA/USP.
Mestra em arts de la scène/arts du spectacle vivant pela
Université Paris VIII, França.
M
inha experiência com o Grupo Experimental de Dança da
Cidade de Porto Alegre vem desde 2009, quando ministrei aulas
de Dança Contemporânea e Técnicas Corporais Chinesas. Mas
foi no segundo semestre de 2012 que Airton me chamou para
uma nova experiência com o grupo: compartilhar com ele e Alessando Rivellino
a direção do espetáculo Cuidado Frágil. De início, com muitas conversas entre os
três e com o grupo, minha expectativa era absolutamente zero, pois não sabia
nem com que metodologia de trabalho iria interferir positivamente para que algo
surgisse para a construção do trabalho.
No início da montagem, pensei que trabalharia com o material coreográfico
de cada um, e funcionaria mais como uma organizadora desse material, dada a
liberdade quase que total de agir que Airton Tomazzoni nos deu para conceber
cenas que comporiam a obra. Mas percebi que aquele grupo em especial ainda
não havia trabalhado com um coreógrafo da forma tradicional – quero dizer,
passando a coreografia e adaptando de acordo com os intérpretes – e achei
que poderia ser uma boa oportunidade possibilitar essa experiência: “O que meu
corpo faz com aquilo que me é dado?”

152
Tivemos momentos riquíssimos! Foi pouco o
tempo para criar e ensaiar as cenas, e organizar
outras que não foram criadas por mim. Mas, ao final,
o saldo foi positivo, e quando estreamos o espetáculo
tive a sensação de dever cumprido, satisfeita com
o trabalho que realizei com cada um (um dos meus
pedidos para Airton: “Quero trabalhar com todos!”).
Um ano em que o grupo me surpreendeu, pois os
vi abertos, disponíveis, sem pretensão e cheios de
coisas para dar, mesmo que fosse apenas a vontade
de aprender.
Obrigada Airton pelo convite!
Obrigada Exército de Pessoinhas pelas
experiências.

Andrea Spolaor
Bailarina, coreógrafa, professora, produtora de conteúdo
do Dança e Saúde e Diretora Artística da Cia Municipal
de Dança de Caxias do Sul.

153
Para além daquilo
que gostamos
precisamos
entender/sentir/
compreender se
o que está sendo
proposto condiz
com o projeto da
obra.

154
Em um ano de fortes movimentações políticas e sociais, o
ano do GED não deixou de lado a reflexão da questão da arte
e em especial da dança nesse cenário. Nesse sentido, uma das
primeiras produções do ano intitulou-se Um corpo terrorista!!? No
corpo docente, duas parcerias internacionais, com Magda Loitzenbauer, gaú-
cha radicada há vinte anos na Áustria, e Matej Kejzar, bailarino e coreógrafo
esloveno. Foi um ano especial, pois dois ex-alunos do Grupo que atuaram como
professores assumiram a orientação das montagens finais: Douglas Jung (GED
2007/2008), com Procedimento 21+1 e Alessandro Rivellino (GED 2008/2009/2010),
com Risco GED, um processo antes do gesto.

Professores
Neca Machado Jussara Miranda
Dança Moderna Dança Contemporânea

Eva Schul Douglas Jung


Dança Moderna Dança Contemporânea

Bia Diamante Izabela Gavioli


Educação Somática Preparação Corporal para a Dança

Alessandro Rivellino Didi Pedone


Contato e Improvisação Axis Syllabus

Cibele Sastre Matej Kejzar


Sistema Laban de Análise do Movimento Dança Contemporânea

Magda Loitzembauer
Improvisação

Alunos
Alessandra Castilhos Emily Chagas Marcela Bobsin
Alyne Rehm Ferhi Mahmood Marcelo Iuds Ribeiro
Andhiara Soares do Gabriel Dias Martins Mariana Mattiello
Amaral Gabriel Grilo Natália Karam
Andréa Ventura da Silva Gina Vitola Ramon Ortiz 155
Bianca Brochier Inês Gonzatto Raquel Coelho
Bruna Gomes Joana Castilhos Renata Stein Dias
Bruno Parisoto Leslie Diehl Sahaj Landel de Moura
Carol Mendes Lilian Habib Slohan Rocha Cardoso
Clarissa Brittes Luãh Moreira Valença Suelen R. Silva
Cláudia Dutra Luis Felipe Soares de Lima Vítor Hansen Ely
Débora Nunes Luiza Fischer
Emanuelle Maia Manon Galisteo
N
o primeiro semestre de 2013, tive a
oportunidade de trabalhar com o Grupo
Experimental de Dança de Porto Alegre.
Foi uma experiência muito gratificante e
enriquecedora para mim. Como tivemos um tempo
considerável para nos conhecer e desenvolver um trabalho mais fundado, pude
passar algumas técnicas de improvisação que considero importantes e que são
como “boas ferramentas“ ou como “caminhos“ que levam à coreografia.
Começamos a aula com uma preparação corporal, um aquecimento
baseado principalmente em exercícios da hatha yoga, bioenergética, assim
como exercícios inspirados na técnica de Feldenkrais. Utilizei também algumas
sequências de dança moderna simples, com movimentos soltos, repetitivos e fáceis
de memorizar, tornando essas sequências mais livres, sensoriais e prazerosas.
O objetivo dessa primeira fase da aula é tornar o corpo mais flexível, aberto
e desperto; aguçar os sentidos, trazer o foco mais “para dentro“, aumentando
assim a percepção do que se passa no corpo, dos movimentos e mudanças sutis
que ocorrem no mesmo através dos exercícios propostos.
Na segunda parte da aula, trabalhamos com técnicas de improvisação em
dança. Vários aspectos foram abordados: o ritmo, as diferentes tensões musculares,
a relação espaço/tempo, possibilidades de locomoção na sala, movimentos em
dupla e em pequenos grupos, jogos cênicos, entre outros. Durante esse período,

156
trabalhamos também com criação de pequenas sequências
de movimentos a partir de frases aleatórias (selecionei algumas
frases do I Ching - o livro das mutações). Cada aluno recebeu
uma frase que deveria ser interpretada em gestos através de
associação direta, de forma livre e lúdica. O rosto deveria estar o
mais neutro possível. Num segundo momento, o aluno praticou e memorizou sua
pequena partitura de movimentos. Uma vez estabelecida a partitura de gestos,
estava criada a base da sua coreografia pessoal. Como numa partitura musical,
passamos a nos deter na interpretação desses gestos através de formas variadas
de execução. Passamos a dar diferentes “entonações“ a eles, acentuando um
gesto e outro, experimentando diferentes velocidades e amplitudes, tornando o
trabalho coreográfico rico em possibilidades. O mais interessante nesse trabalho
é quando percebemos o potencial dramático dessas partituras, de como um
trabalho, a princípio puramente técnico, pode se tornar cheio de significados e
despertar diferentes emoções nos espectadores.
Entrei em contato com essas técnicas de improvisação no Konservatorium
der Stadt Wien, privat Universität (Viena/Áustria), onde estudei quatro anos e
me formei Pedagoga em Dança. A fundadora do departamento de dança do
Konservatorium, Rosalia Chladek, bailarina da geração de Laban e Kurt Jooss,
foi aluna de Émile Jaques-Dalcroze, e criou seu próprio método de análise do
movimento.
Com essas aulas, espero ter podido contribuir um pouco na caminhada
artística de cada bailarino do grupo. De minha parte, só resta dizer que foi
realmente um prazer ter convivido e trabalhado com um grupo tão vibrante, com
tanta vontade de experimentar e de se jogar em cena. Deixo aqui o meu obrigado
a Airton Tomazzoni e ao Grupo Experimental de Dança de Porto Alegre.

Magda Loitzenbauer
Bailarina, coreógrafa, atriz e instrutora de Yoga, 157
gaúcha radicada na Áustria, residente em Viena desde 1992.
F
azer parte do GED em 2013 foi um marco na
minha trajetória de vida. Sou psicólogo, tera-
peuta corporal e atualmente me considero
bailarino por profissão. O GED me impulsio-
nou por completo nessa escolha de transformar a dança,
que sempre fui apaixonado, em profissão.
Lembro do momento que decidi voltar a dançar, estava afastado da prática
fazia uns dois anos, depois de muitos anos dedicados à capoeira angola e ritmos
populares. Essa foi minha escola desde 1997.
Havia terminado um relacionamento de 3 anos, o que me fez repensar vá-
rios caminhos da minha vida. Um deles foi querer voltar a me movimentar. Sou te-
rapeuta corporal, nunca parei de trabalhar com o corpo, porém sentia que havia
um espaço dentro de mim que sentia falta de criar e expressar através do movi-
mento criativo do corpo. Decidi voltar a dançar.
Em uma noite de sábado, fui ao espetáculo de Antônio Nobrega na Casa
de Cultura Mario Quintana. Na fila, acabei conhecendo uma guria que se tornou
uma grande amiga, Michele Zgiet. Durante a conversa, ela me disse que fizera
parte do Grupo Experimental de Dança e que atualmente fazia aulas de tango.
Após o espetáculo (maravilhoso!) continuamos conversando, quando uma pessoa
que eu apenas conhecia de vista parou na minha frente e pediu licença para me
dizer uma coisa.
– Preciso te dizer que tua alma precisa dançar!
Entendi o chamado.
Fui às aulas de tango, porém não me identifiquei muito. Conheci Juliana
Vicari, que me apresentou o contato improvisação, e me apaixonei. Ela também
me falou sobre o GED e do quanto fora importante na sua trajetória de dança. Ao
final daquele ano decidi me atirar na dança e tentar entrar no GED. Meus amigos
me questionaram: como eu, com 35 anos, inserido no mercado de trabalho, abri-
158
ria mão de um turno por semana durante um ano para dançar…
Quando fiz minha inscrição, confesso que não apostava muito que iria pas-
sar na audição. Nunca fiz qualquer aula de balé ou qualquer outra dança “re-
conhecida” (esse era meu julgamento na época). Minha escola de movimento
sempre foi a capoeira angola, que eu considerava mais um jogo, uma luta e uma
expressão da cultura popular do que propriamente uma dança.
Durante a audição, apesar de ser um dos mais velhos da tur-
ma, me chamou a atenção a diversidade de corpos. Pessoas que
nunca haviam dançado, com saberes diversos; estudante, sociólo-
go, psicóloga, fotógrafo, advogado, junto com professores de dife-
rentes estilos de dança, jazz, tribal, circo, ventre… gordos, magros, baixos e altos.
Senti que seria uma experiência muito rica integrar esse grupo.
Veio a notícia que fora selecionado!
Nem acreditava, que passaria o ano de 2013 inteiro tendo aulas de diferen-
tes estilos de dança durante todas as manhãs, gratuitamente! Parecia um sonho!
Começou o ano e pude conhecer quem daquela audição havia sido se-
lecionado. Um grupo heterogêneo, com diferentes idades, diferentes corpos,
diferentes estilos e experiências de vida. Nos primeiros meses de aulas, foi um
reconhecimento da forma como meu corpo sentia aulas tão diversas. Dança mo-
derna, Educação somática, contemporânea com diferentes abordagens, conta-
to improvisação, danças urbanas, Axis Syllabus entre outras. Com o tempo pude
perceber que mais do que um nome da técnica e estilo de dança, os professores
traziam suas trajetórias e experiências: Douglas Jung, Jussara Miranda, Cibele
Sastre, Eva Schul, Bia Diamante, Didi Pedone, Alessandro Rivellino entre outros e
Airton Tomazzoni, com suas aulas de história da dança e suas reflexões estético-
-políticas sobre cada obra de dança que assistimos na sala PF Gastal da Usina do
Gasômetro.
Durante o ano, fiz aulas em que meu corpo se deleitava na potência de
criação, e movimentos em dança e aulas que traziam tensões e desafios em que
meu corpo nitidamente rejeitava algumas práticas propostas. Nessas horas me
lembrava muito do que Airton falava: para além daquilo que gostamos ou não,
precisamos entender/sentir/compreender se o que está sendo proposto condiz
com o projeto estético daquela obra. Isso me ajudava a sair do meu umbigo e me
abrir para uma nova experiência de corpo e com o corpo.
Me fez crescer, ampliar meus horizontes, despertar desejos e lembranças há 159

muitos anos adormecidas. Me lembrei que quando pequeno queria fazer balé,
ficava observando minha irmã dançar, porém nunca pedi aos meus pais, afinal,
não era coisa de guri!
Fazer parte do GED me ajudou a despertar a vontade de criar através da
dança e de compor a dança com diferentes saberes das artes, como vídeo, per-
formances, artes plásticas e música. Experimentar colocar na roda, no palco e na
rua, fazer parte de um espetáculo, conhecer todo universo
para além do espectador, me fez sentir vivo.
Ao final do semestre nos propusemos a criar um espe-
táculo, ou melhor dois, para apresentarmos no Teatro Renas-
cença. Procedimento 21+1 dirigido por Douglas Jung com colaboração do co-
reógrafo Matej Kejzar, que integrava uma das mais importantes companhias de
dança do mundo, a Rosas, da Bélgica, dirigida por Anne Teresa de Keesmaekere e
Risco GED – um processo antes do gesto, com direção de Alessandro Rivellino. Dois
espetáculos bem diferentes na sua concepção, forma de condução e criação.
Foram quatro meses ensaiando em grupo. Foi incrível perceber a dimensão que
um espetáculo de dança pode alcançar, tanto na sua dimensão individual, atra-
vés de todas as questões que foram mexendo em mim; medos, desafios, desejos,
limites… e na dimensão grupal; as relações entre as pessoas, com a obra, ritmo,
espaço, fluxo, tolerância, limite, respeito…
Ao final do ano de 2013, encerramento do GED, uma parte deste grupo
encarou o desafio de dar continuidade ao espetáculo Procedimento 21+1 e mais
ainda, criar um coletivo de dança contemporânea para seguir pesquisando, ago-
ra de forma mais posicionada na dança contemporânea. Criamos o Coletivo Mo-
ebius de dança contemporânea em 2014.
Naquele mesmo ano, junto com minha companheira, também bailarina
com trajetória no GED 2011, Priya Mariana Konrad, criamos o Duo pelo Mundo – Es-
paço que nos afeta. Um trabalho de percurso performático em diferentes lugares
do país e do mundo, onde realizamos trajetórias performáticas e videodanças em
8 países divididos em 2 continentes por 4 meses.
Tenho muito a agradecer à existência deste lindo projeto, que chamaria
mais de uma política de formação em dança de Porto Alegre. O Grupo Experi-
mental de Dança, além de ser democrático e acessível pela sua gratuidade, é
único na qualidade técnica dos professores e, principalmente, na sua proposta
160 de ampliar o conceito do que é e para quem é dançar.

Sahaj
Pesquisador do corpo, bailarino,
terapeuta corporal, capoeirista e psicólogo.
E
u participei do GED num momento meio perdido da
vida, saindo do colégio, entrando na faculdade, co-
meçando a trabalhar. Sempre gostei de dançar e de
estar envolvida com pessoas e corpos. Com as aulas,
fui descobrindo técnicas, movimentos, sensações que me abriram para várias coi-
sas e também me ajudaram em várias tomadas de decisões que vieram depois.
Vivi muito e aprendi demais sobre meu corpo, meus limites, minha presença em
palco e na vida. Foi um período de descoberta e experimentação e a dança se-
gue sendo um terreno muito especial e instigante para mim.

Manon Galisteo
Cantora, professora de música e
terapeura aprendiz de Bioenergética

161
N
o ano em que inúmeras manifestações ganha-
ram as ruas pelo país, a proposta foi pensar
que corpo é esse que ameaça, que perturba
a ordem social. Como material provocativo, foi
lançado o vídeo que viralizou na internet em 2013, o Harlem Shake, em que
pessoas comuns se fantasiavam e reproduziam o vídeo em diferentes contextos
pelo mundo. Apropriação, democratização, carnavalização, protesto, rebeldia,
escracho. Elementos que serviram de estímulo para esse pequeno exercício de
composição anárquico-artística. A estreia foi no Festival Dançapontocom, no
Teatro Renascença.

um corpo

162
Pequenos atentados poéticos
O trabalho reúniu uma série de cenas criadas nas aulas do
projeto buscando investigar e problematizar temas como corpo e
(des)ordem social, dança e padrões de composição, uso do espa-
ço cênico, a relação entre o artista e o espectador e os discursos sobre o fazer ar-
tístico. A performance teve direção dos coreógrafos Airton Tomazzoni, Alessandro
Rivellino, Douglas Jung e Neca Machado.
No elenco: Alex Vidaleti, Alexandra Castilhos, Alyne Rehm, Andhiara Soa-
res do Amaral, Bianca Brochier, Bruna Gomes, Clarissa Brittes, Débora Nunes, Ferhi
Mahmood, Emily Chagas, Gabriel Dias Martins, Gabriela Rosa, Junior Alceu, Leslie
Diehl, Luãh Moreira Valença, Luis Felipe Soares de Lima, Luiza Fischer, Manon Galis-
teo, Marcelo Iuds Ribeiro, Mariana Kich, Natália Karam, Raquel Vidal, Renata Stein
Dias e Sahaj.
A mostra de trabalhos foi apresentada no dia 17 de outubro às 20h no Teatro
Bruno Kiefer da Casa de Cultura Mario Quintana, no Encontro Estadual de Dança,
promovido pelo Instituto Estadual de Dança/ IEaCENRS.

terrorista !!?

163
Procedimento 21+1 Como quem compõe a estratégia perfeita para uma missão irreali-
zável, ou como quem escreve o plano diretor de uma cidade em ruínas; a
constituição do Procedimento 21+1 foi escrita para gerir e regulamentar um
sem-fim de movimentos e manifestações que reivindicam a constante revisão
das propostas de presença física e ocupação de espaços. O grupo investiu
tempo e curiosidade em construir um procedimento que desafia a experiên-
cia da presença e do ato de mover-se no espaço de performance. O espec-
táculo foi fruto da colaboração entre Douglas Jung (BR) e Matej Kejzar (S).

Elenco: Alyne Rehm, Andhiara Soares do Amaral, Bianca Brochier, Cla-


rissa Brittes, Débora Nunes, Ferhi Mahmood, Emily Chagas, Gabriel Dias Mar-
tins, Junior Alceu Grandi, Leslie Taub, Luhã Moreira Valença, Luis Felipe Lima,
Luiza Fischer, Manon Galisteo, Marcelo Iuds Ribeiro, Mariana Kich, Natalia Ka-
ram, Raquel Vidal, Renata Stein Dias, Sahaj.

164
Risco
GED
O processo acima do gesto. É um debuxo e uma ode ao que poderia ter sido,
através do que já está devirando. Uma possibilidade de observação, através de
uma fenda metafórica, de um caleidoscópio de espelhamentos e projeções, onde
o observador e o observado se encontram num meio inóspito, mas hospitaleiro.
Através de uma costura conceitual, mantivemos vivas perguntas sobre o
corpo e a dança, e acima de tudo, sobre a motivação de cada bailarino em pro-
cessar/produzir dança ou ser processado/produzido por ela.
165
Direção: Alessandro Rivellino
Elenco: Alexander Vidaleti, Alyne Rehm, Andhiara Soares do Amaral, Bianca
Brochier, Clarissa Brittes, Débora Nunes, Ferhi Mahmood, Emily Chagas, Gabriel
Dias Martins, Rita Rosa, Junior Alceu Grandi, Leslie Taub, Luhã Moreira Valença,
Luis Felipe Lima, Luiza Fischer, Manon Galisteo, Marcelo Iuds Ribeiro, Mariana Kich,
Natalia Karam, Raquel Vidal, Renata Stein Dias, Sahaj.
É
com muita alegria que celebramos uma década do Grupo
Experimental de Dança de Porto Alegre. Lecionando neste
projeto, tive a oportunidade de conhecer diversas perso-
nalidades importantes do atual cenário artístico gaúcho, e
também de encontrar pessoas ávidas por conhecimentos sobre o corpo
e sobre movimento. Pude viver e compartilhar momentos dançantes ex-
tremamente prazerosos, e também trocar e fornecer informações empí-
ricas e científicas fundamentais sobre a constituição do corpo humano e
seus movimentos, sendo esse o campo principal de atuação das minhas
práticas.
Há 17 anos conheci Frey Faust, originador do sistema de estudo
e análise do movimento humano denominado “The Axis Syllabus” (AS),
e me apaixonei por sua proposta. Através desse sistema, compreendi
minha função como educadora física e professora: auxiliar meus alunos
a compreender seus corpos.

– “Axis”: é uma referência a coordenadas vetoriais


que permitem o cálculo de valores inerciais e equa-
ções de energia cinética; e

– “Syllabus”: significa uma lista ou léxico, que organi-


za essas referências documentadas, correlacionan-
do-as com a prática.

O Axis Syllabus fornece uma plataforma de informações sobre o


corpo e seus potenciais motores, e oferece ferramentas para o aluno
compreender seu corpo e adquirir mobilidade com o máximo de
segurança e consciência.
As informações são compiladas das áreas científicas que estudam
o corpo, tais como: anatomia, biomecânica, cinesiologia e suas relações
espaciais e comportamentais (tais como: psicologia e sociologia).
166 Tendo um impacto intersetorial não-específico, o AS tem recebido
uma entusiasta resposta internacional de vários estudantes orientados
para o desempenho artístico, bem como de uma ampla parcela da
comunidade científica.
Vinte anos atrás, motivado por um convincente interesse popular
nessa obra, Frey Faust fundou a AS International Research Community,
que desde então desenvolve um processo de certificação de instrutores,
com centros operacionais em sete países e milhares de participantes
em desenvolvimento e estudo.
Entrei para esse processo de certificação em 2005, e em 2009
me tornei a primeira instrutora de Axis Syllabus da América Latina e,
hoje, ainda sou a única brasileira habilitada a lecionar, sendo responsável
pelo desenvolvimento desse estudo no nosso país.
Pela sua abrangência, sempre enxerguei o Axis Syllabus como
uma disciplina fundamental para todos os interessados numa formação
artística, principalmente sendo ela voltada para a dança, como é o caso
do Grupo Experimental de Dança de Porto Alegre.
Airton Tomazzoni, como pai desse projeto, teve a sensibilidade
de compreender essa necessidade e sempre abriu as portas para o
intercâmbio.
Foram anos lecionando semanalmente o Axis Syllabus para o GED,
e, através desse contato, tive alunos que se tornaram parceiros muito
importantes, e que deram sequência ao estudo desse sistema ao meu
lado. Sinto que, mesmo para aqueles alunos que mantiveram seu contato
restrito às aulas que lecionei no GED, as informações trocadas fizeram na
vida de cada um uma sensível diferença.
Para mim, estes anos de GED proporcionaram um grande crescimento
pessoal pela possibilidade de trabalhar com um número grande de alunos
de diferentes níveis de compreensão corporal, e isso me fez aprender
a adaptar meus objetivos na busca de conseguir sensibilizar a todos os
alunos.
Cada grupo ofereceu desafios diferentes, mas sempre tivemos a
oportunidade de aprender uns com os outros e trocar conhecimentos e
experiências.
Sendo assim, gostaria de agradecer de coração por estar fazendo
parte da trajetória desse projeto tão importante para a cena cultural 167

gaúcha.

Didi Pedone
Bailarina, educadora física e instrutora de Axis Syllabus
E
u sou Raquel Vidal, me formei em direito em 2012 e fui integrante do
Grupo Experimental de Dança de Porto Alegre em 2013. Comecei
a dançar em 2010 e me apaixonei, mas nunca tive a ideia de ser
bailarina como uma opção de carreira e vida, até o ano de 2013.
O GED, como é chamado pelos integrantes e ex-integrantes, foi uma
experiência intensa e balançou a minha vida de forma definitiva. É um lugar para
a arte, para trabalhar mente, corpo e relação, tudo ao mesmo tempo, o que me
tirou do meu lugar de conforto que eu estava tão enjoada de ocupar. Um lugar
para aprender sobre si mesmo, fazer amigos para a vida, e suar diante de muitos
desafios.
Para mim, essa experiência foi o início, um ponto sem retorno para o que
viria a seguir: assumir o futuro de ser uma bailarina, e melhor, livre de todo aquele
ar romântico e perfeição estética inatingível, mas na vida, nesse contexto, nessa
cidade, como meus colegas e professores.
Viver da dança é, na maior parte das vezes, ingrato, e algumas outras vezes
financeiramente inviável. É suar muito, frustrar-se muito, ganhar pouco, economizar
muito, sair pouco, ensaiar muito. Apesar de tudo, não me arrependi, mesmo
vivendo o preconceito (!) das pessoas, o descrédito com a profissão, a fragilidade
política da categoria. Nunca me arrependi, pois hoje lido com problemas muito
diferentes dos que tinha durante a faculdade de Direito, e a grande diferença é
que eu escolhi onde estou. Apesar de todas as coisas ruins que poderiam vir junto,
eu me sinto extremamente feliz por não ter morrido de olhos abertos atrás de uma

168
mesa de escritório, fazendo uma coisa qualquer, para a qual eu não
dava a mínima, só porque era o caminho mais óbvio e porque eu
nunca tinha conhecido ninguém que me dissesse que podia ser de
outro jeito.
Nada tenho além de uma gratidão imensa pelo GED e a certeza de que
é o lugar de gestação dos melhores artistas locais, uma iniciativa maravilhosa
da prefeitura de Porto Alegre, que mudou a vida de muitas pessoas, como
fez comigo, e que planta na cidade uma semente de criatividade, arte,
espontaneidade, cooperação e capacidade crítica, qualidades cada vez mais
raras e propositalmente arrancadas das pessoas. É difícil explicar o que esse
projeto significa, pois não se pode sentir falta daquilo que nunca se teve, e o GED
tem como referência um modelo de educação muito distante dos clássicos, com
os quais todos temos grande intimidade, infelizmente.
Em 2013, apresentamos dois trabalhos, dirigidos por dois grandes professores,
Douglas Jung e Alessandro Rivellino, que nos auxiliaram a ir além de nós mesmos,
a nos arriscar, a entrar em um processo criativo que, para mim, era um mistério
completo. Os dois trabalhos foram marcantes, o primeiro totalmente guiado
por tarefas que se sucediam, e o segundo com as cenas desenvolvidas pelos
intérpretes.
No primeiro semestre de 2014, estudei na Escola Angel Vianna, no Rio de
Janeiro, onde também tive a oportunidade de experimentar esse outro modelo
de educação, baseado na liberdade, no diálogo, na criação coletiva, na

169
1 70
horizontalidade das relações, e lá também é um oásis em meio a faculdades,
universidades federais e suas intermináveis burocracias, e seus alunos-números.
Do grupo de 2013, e do trabalho com Douglas Jung, nasceu o Coletivo
Moebius, que hoje conta com quase quatro anos de atuação na cena de dança
contemporânea e performance em Porto Alegre. Há pouco tempo, em meio a
uma das piores crises financeiras que já presenciei, em agosto de 2017, iniciaram
os trabalhos da formação em dança contemporânea, denominada O Ninho,
do qual tenho o privilégio de fazer parte. É, mais uma vez, uma formação para
desenvolver artistas e, acima de tudo, pessoas, seguindo a tradição do GED.

Raquel Vidal Coelho


Bailarina contemporânea, performer e poledancer.
Instrutora de pilates clássico e poledance, professora
de dança contemporânea. Pesquisadora de Axis Syllabus.

171
172

Mostramos a
nossa fragilidade,
nos despimos de
tudo. Somente
permaneceu o
desejo, os sonhos
e a certeza de que
este era o caminho.
processos
cada vez
mais híbridos
No ano de 2014, 36 alunos selecionados frequentaram um programa de
aulas com carga horária de 483 horas totais, com 162 aulas, na sala Cecy Frank,
da Casa de Cultura Mario Quintana. Durante o ano, o grupo compôs alguns
eventos, com apresentações e performances, além da já tradicional Mostra de
Trabalhos e a montagem final.
No Dia Internacional da Dança (29 de abril) foi realizada intervenção na
Rua dos Andradas (Centro), com saída da Casa de Cultura Mario Quintana e
ponto de chegada no Mercado Público, guiada por Junior Alceu (Estágio DAD),
iniciativa e parceria inédita, que resultou na performance A Ninhar.
A Mostra do meio do ano foi um espaço para apresentar alguns processos
que se dão nas práticas diárias de aula. No evento, foi apresentada a Playfor-
mance, resultado do trabalho de processos híbridos de criação, com o professor
João de Ricardo, além de trabalhos individuais e coletivos dos alunos. O Grupo
também foi convidado a integrar a programação do I Encontro Estadual de 173

Dança, realizado na Casa de Cultura Mario Quintana, sob coordenação do


IEACen.
Como trabalho de encerramento do ano foram produzidas duas monta-
gens: a criação colaborativa idealizada pelos alunos e intitulada CyberMacum-
ba e Sagração, uma versão da obra de Nijinsky, dirigida por Douglas Jung.
Professores
Airton Tomazzoni Eva Schul
História da Dança Dança Moderna

Alessandro Rivellino João de Ricardo


Contato Improvisação Processos Híbridos de criação

Bia Diamante Neca Machado


Educação Somática Princípios do Movimento e da Coreografia

Didi Pedone Patrícia Preiss


Axis Syllabus Danças Circulares

Douglas Jung
Dança Contemporânea

Turma
Agatha Andrade Andriola Fernanda Fávero Mariana Bandarra
Alex Vidaletti Fernanda Müller Marielly Silva dos Santos
Ana Maria Vasconcelos Guilherme Jacobsen Martina Seifer
Ananda Pinto Cardoso Guilherme Guinalli Namisi de Oliveira
Anderson Moreira Sales Jeferson Cabral Nicole Fischer
André Macedo João Zabaleta Paula Finn
Andressa Bitencourt Jony Pereira Priscila Florido
Anne Caroline Paz Ferreira Kevin Brezolin Priscila Augustin Auler
Áquila Mattos Lima Júnior Leslie Diehl Renan Santos
Augusto de Magalhães Leonardo Menezes da Stamatina Banou
Ayeza Haas Silveira Tatiane Rocha
Cristiane Giaretta Luiza Gil Vargas da Silveira
Débora Jung Maílson Fantinel D’Avila

1 74
175
C
orpo lento, adormecido, atravessa a Praça da Alfândega, tinha um
olhar vivo e fixo no rosa de uma construção distante.
De longe, o perfil da construção parecia um Castelo Rosa, e
essa imagem, recheada de subjetividade, ativava os pensamentos,
que andavam mais rápido que o Corpo, e tudo parecia tão distante.
No Castelo Rosa, de muitas portas e janelas, nem todas abertas, o Corpo
aterrissa numa grande sala e encontra diversos Corpos, e a trama se iniciava: en-
trelaçamentos de vidas, experiências e tonalidades.
Esse Corpo tinha um único objetivo, sobreviver/resistir corporalmente e per-
mitir todos os atravessamentos possíveis e não imagináveis.
O tempo fluía e o processo diário de aulas, movimentos, conversas, téc-
nicas, discussões, afetos começam a fazer parte desse
Corpo que se entregava ao processo, um saltar sem pa-
raquedas.
O Castelo Rosa deixou de ser castelo e passou
a ser Casa, a Casa do Corpo. Do imaginário foi para
a realidade, muitas vezes, de dor, de frustrações, de li-
mitações, de cansaço, de escolhas, de sensações nem
sempre agradáveis, mas é em casa que o corpo tira as
amarras, se reconhece e relaxa. O chão virou cama; os
outros corpos, aconchego; os professores, dias bonitos
de sol: eram semelhantes e totalmente diferentes, tudo
pulsava e tudo fazia sentido, até mesmo quando o sen-
tido não podia ser presença.
Respirar, tocar, massagear, sentir, soltar o peso, experimentar, romper, mos-
trar, ver, ouvir, tocar de novo, sentir outra vez, resistir ao medo, não desistir, insistir,
tentar de novo, observar, tentar de novo, insistir, ousar, atrever, encantar, esvaziar,
enamorar, soltar o peso, não resistir, acreditar, olhar mais uma vez, enxergar, con-
176 fiar e VIVER.
A Dança – RELAÇÃO CONSTANTE DE MOVIMENTO E DE VIDA
– se fazia presente, todos os dias, e nos levava a caminhos tão
diferentes. E os Corpos vibravam, pois todos em seus tempos e
singularidades resgatavam suas totalidades.
E o tempo passou, os Corpos na sua maioria se abriram, e
mais portas e janelas da Casa Rosa foram abertas, às vezes não escancaravam,
mas o espiar já era um começo.
E o grande dia chegou para esse Grupo de Corpos, saíram de casa e foram
se mostrar: era um desejo, pois estavam tão diferentes e satisfeitos que queriam se
movimentar e dividir com outros corpos.
E ao som da Sagração da Primavera de Igor Stravinsky, mostramos a nossa
fragilidade, nos despimos de tudo. Somente permaneceu o desejo, os sonhos e a
certeza de que este era o caminho.
Não tinha mais volta: 2015, 2016...

Ana Maria Silveira de Va s c o n c e l o s


Psicóloga, dançante e performance, focalizadora
e apaixonada pelas Danças Circulares Sagradas,
Pós-graduada em Psicopedagogia e Interdisciplinaridade pela ULBRA
e Pós-graduada em Dinâmica de Grupo SBDG/RS.

177
A Ninhar:

“Seja berço, seja caixão, eis o ninho. No conforto de um


passarinho ou nas trilhas de um bicho geográfico, toda
presença é engolfada. Entre, observe, trame, aprisione,
liberte-se. Uma mulher te oferece ajuda. Deves confiar
nela? Trafegar pelo espaço é perigo: mas a segurança é
sempre ilusão. O lugar está cheio de coisas A Ninhar:
fios lançados independentemente por performers
que vão alinhavando nascimento, morte, conforto,
destruição, iniciação, perda. Um processo longo de
construção e exaustão. Juntos, performers e público
aninhados, A ninhar.”
178

Release de A Ninhar

um fazer
ou Manifesto da Grande Bobagem
P
rimeiramente, A Ninhar foi uma legítima experimen-
tação artística: vulnerável, arriscada e bagunçada.
E eu a adoro assim, aberta e mal acabada. Prova-
velmente, uma das experiências mais significativas
da minha graduação em Direção Teatral. Gratidão ao Airton Tomazzoni, que me
abriu a oportunidade, aos professores e à própria existência do grupo e, claro,
especialmente a todas as pessoas que tiveram a disponibilidade de se envolver
artesanalmente na produção do A Ninhar, ocorrida em 2014.
Muitos conceitos atravessaram o pensamento desse fazer, como environ-
mental theatre, site-specific, hibridismo, performance art, identidade e suas fic-
ções, autoria compartilhada e estruturas abertas de poder e função, autonomia,
JAM (como estrutura de criação, ensaio e apresentação), mapa mental, teoria do
flow...
Tudo com uma postura política-poética-relacional que a academia desa-
provava: algo que eu chamava de “não-saber”. Alessandro Rivellino, que na épo-
ca era professor do grupo, falou o seguinte sobre isso quando o entrevistei: “Aí tu
cria uma projeção desse ‘lá’, que permeia os teus passos desde agora. Pensando
o que seria o contrário disso: seria tu estar dando um passo no desconhecido, po-
tencializando esse momento que está acontecendo, e descobrindo onde é que
tu está indo chegar.” Ele chamava isso de “fazer inventando o modo de fazer”,
mimetizando Pareyson.
Poxa, nos falta um exercício artesanal! Artifícios? Claro! São funcionais, mas
não sem antes encontrarmos o enxofre, a magia essencial, que falta em nossos
fazeres. Vejo tantos protocolos que lidam com (falsas) certezas na lógica contem-
porânea, parece que tudo é feito a partir de um projeto, de um estudo prévio,
uma ordem conhecida e uma teoria científica ou dos costumes. Tudo é sabido,
desde como executar uma grande empreitada, até o cumprimento ao encontrar
um desconhecido, não se leva em conta a emergência da atualidade absoluta:
onde estamos? Com quem estamos? Em que estado estamos? Como e quais afe- 179

tos têm permissão para nos influenciar? Estamos vivos, poéticos, políticos, relativos,
complexos, ou somos braços operativos de uma máquina protocolar insensível e

artesanal,
absoluta de algo que não nos reconhece? Parece que algo
essencial, primordial, nos escapa, algo da ordem do aqui e
agora, da ordem da consciência, pois me parece que são
tempos hipnóticos, de um encanto perigoso. Chamo a aten-
ção para a sabedoria e a prática que requer entrega, experiência e integridade
para acessar; ontológica, holística e ancestral.
Arte é feitiçaria.
Feitiçaria tem técnica, mas não é uma técnica.
O “não saber” é inclusive uma maneira de encontrar o estado performativo,
a dilatação da presença, de encontrar o espírito, de meditar e de aguçar a escu-
ta, é um modo operante de descoberta do atual.
A função de diretor nessa peça foi trabalhando, ou atentando, primeira-
mente para as pessoas, não sobre o trabalho artístico em si. Até certo ponto, não
importa o que será o trabalho. O trabalho brota do engajamento existencial das
performers. E não é esse um dos princípios e legados que a Performance Art ge-
rou? A criação poético-existencial instalada na mídia, que é a interface de cada
um com o mundo: o comportamento, o corpo, a identidade, a postura, a comu-
nicação.
Antes do que diretor, talvez fosse melhor o termo facilitador, pois a busca é
por uma maneira de trabalhar para e com, mas não sobre, as pessoas; num pri-
meiro momento, ao menos, dirijo-me em como ajudar as performers a encontrar o
objeto de pesquisa que lhes dá tesão, que as deixa no estado de Flow, questiono
com elas (e existem maneiras físicas também de questionar, responder e dialogar)
o que faz sentido fluir em seu corpo (tendo em mente que a partir do corpo tam-
bém se desdobram as suas extensões: espectadores, interações, espaço, sistemas,
cidade). Como tornar o espaço de trabalho o possível berço daquilo que as move
enquanto artistas e existências no mundo? Importa permitir, incentivar e catalisar
essa potência, fazê-los de si agentes estéticos, relacionais, de si mesmos. O que
180 flui em linguagem é criação de sentido que se materializa, o corpo torna-se ponto
de referência e território ocupado da sua existência (algo em suma tão óbvio e
natural, mas que infelizmente não é uma realidade nos nossos tempos) . A criação
de um espetáculo é protocolo, o valor artístico não é a peça de arte.
Estamos cheios de protocolos, burocracias, condicionamento e disciplina.
A arte é lugar de resistência nesse sentido. Não queremos fazer cultura, a cultu-
ra somos nós mesmos. Parem de nos vender a cultura de espetáculo, hollywood,
show na pizzaria (e a crítica certamente não é para essas mídias e peças em si,
mas seu contexto de produção e consumo), de nos ensinar as falas
dos poetas mortos, as orações que não falam aos nossos Deuses.
Precisamos urgentemente nos reconectar com quem somos, com a
potência da nossa existência, isso é espiritualidade, e é carne, san-
gue, intensidade, rede. Metafísica ainda é física! Me violem pela transcendência,
transbordamento e desintegração, mas não pelo achatamento, arbitrariedade
e tributalidade. Precisamos encontrar o sagrado a partir do sentido, do sentir, da
experiência, descobrir e inventar quem somos com liberdade, para além da civi-
lidade oca e violenta, pois eu, honestamente, me sinto muito mais morto do que
gostaria.
“Protesto contra a ideia separada que se faz da
cultura, como se de um lado estivesse a cultura e do
outro a vida; e como se a verdadeira cultura não fosse
um meio refinado de compreender e de exercer a vida”

Antonin Artaud,
prefácio do livro O Teatro e Seu Duplo.

Junior Alceu Grandi


Bacharel em Direção Teatral na Ufrgs, estuda dança contemporânea
desde a adolescência. Atualmente tem suas intenções voltadas
para a Arte da Performance e experimentações artísticas,
buscando interdisciplinaridade e um campo expandido para a arte.

181
Dia 02 – Sábado

Vento e carvão
Com Priscila Florido

Pajaropez
Com Agatha Adriola

Mostra do Grupo 0
Com Kevin Brezolin
Experimental de
Dança da Cidade Transcrição dual
Com Priscila Auler
1, 2 e 3 de setembro de 2014
Ave
21h – Sala Álvaro Moreira
Com Débora Jung

PROGRAMAÇÃO Etta nóis


Com Grupo Experimental; mediação Neca
Machado
Dia 01 – Sexta-feira
Hiato
4 meses Com Paula Finn
Com Priscila Auler e Ananda Mida
Sem título
Construção Com Maílson Fantinel
com Grupo Experimental
Trem azul
O que me move Com Áquila Matos e Ayeza Haas
Com Jeferson Cabral
Sobreviver pelo imaginário
Âmbar Com Ana Maria Vasconcelos; mediação
Com Marielly Santos Alessandro Rivellino

Patchwork
Com Tatiane Rocha, Renan Santos, Áquila
Mattos, Luiza Vargas e Aline Loreto Dia 03 – Domingo

It’s oh so quiet Playformance


Com Ayeza Haas e Fernanda Muller Orientação: João de Ricardo

Etta nóis
Com Grupo Experimental; mediação Neca
Machado

O passado é apenas
um pesadelo que acabou
Com Wallison Andrade e Leslie Taube

182 Sem título


Com Andressa Bittencourt

A morte é um fazer artesanal


Com Ananda Mida
E
m 2014 participei do Grupo Experimental, e tive a
oportunidade de participar novamente em 2017. Na
minha primeira experiência no GED, sentia que dan-
çava o tempo todo em todo lugar. Tenho muita ener-
gia e preciso de muito movimento para meditar, para fluir e deixar fluir. Na dança
sigo aprendendo a ser harmonioso com o caos de todas as coisas e a entender
que não se tem controle de nada na vida, além do seu corpo. Focar nele leva a
respostas mais sensitivas do que racionais, sobre o que é existir, e ajuda a nos equi-
librarmos no caos para sobrevivermos.
Ao mesmo tempo, me questiono sobre o lugar onde se dança. E, princi-
palmente, por quê? Ainda mais no caso de uma apresentação, para pessoas te
verem dançando. Através dessa inquietação, criei o solo Vazio, em 2014. A introdu-
ção tinha um texto poético carismático que falava sobre estar vazio para deixar
a expressão tomar conta e dançar de forma livre, para as pessoas que veem, sem
necessariamente buscar um objetivo, apenas dançando a música e sendo impro-
visado por ela. Depois, em 2015, no Teatro Renascença, tentei repetir a mesmo solo
e fracassei. Deixo o relato de meu querido amigo Junior Alceu sobre o ocorrido:
Ontem, dia 13, apresentamos um trecho da Grande Bobagem na Mos-
tra de Dança de Inverno, e tive uma experiência incrível ao assistir o Grupo
Experimental de Dança, logo em seguida ao solo do Kevin Brezolin. Primeiro
foi o grupo experimental, com uma proposta que ocupava a plateia, ocu-
pava mesmo. Super sensível e convidativa, a proposta me deixou à vontade
e inquieto, de forma que, além de vocalizar junto com os integrantes da
performance, que se confundiam com o público por toda a plateia, me sen-
ti impelido a levantar da cadeira e me juntar a eles. Foi lindo, foi arte-vida,
uma experiência mais do que algo para assistir. E logo depois se levanta o
Kevin da plateia e vai pro palco, tira suas coisinhas dos bolsos na maior sim-
plicidade, enquanto sua traqueia eletrônica nos lança um texto filosófico,
sagaz e um pouco absurdo. O texto acaba com ele dizendo: o mínimo que 183

eu posso fazer é dançar esse momento, deixar os meus átomos dançarem.


E sim, nossa, você dançou o momento Kevin, fez aqueles instantes serem
especiais. Primeiro, ele começa com uma dancinha de dançar dentro do
quarto, que é quase patética e tão autêntica! Depois, o vejo dando um sal-
to violento, que não tinha dado na passagem das cenas, e aí começou a
loucura, naquele momento ele tinha aberto um corte profundo no supercí-
lio. Mas o Kevin é um homem forte, grande, e é uma figura es-
tranha diga-se de passagem, grande e um desajeitado; ele
não parou de dançar, nem por um instante, ele levantou da
queda e continuou cegamente, de forma que eu nem ima-
ginava o que estava se passando com ele. Atordoado, logo depois disso
veio uma das melhores partes, em minha opinião, em que ele, em seus mo-
vimentos frenéticos de átomos dançantes, perde o tênis no meio da dança,
como aqueles meninos que vão chutar uma bola de futebol, erram e seu
tênis voa. Ele escorrega com a meia no linóleo, cai não cai, eu não sei se rio
ou se choro, mas percebo que algo extraordinário está acontecendo, nova-
mente ele segue dançando com um vigor tamanho que faz não questionar
a veracidade da cena, mas nitidamente se percebe que está acontecen-
do algo fora do previsto. Eu sou apaixonado pelo patético... Assistindo, eu
nem imaginava o quão sério e perigoso estava sendo. Dei risada e fiquei o
tempo inteiro me remexendo na poltrona com a presença e disposição do

184
Kevin de lidar com o momento presente. Foi tão sincero que
fez eu apreciar ainda mais o grande fracasso dele, que belo
fracasso. Tem cenas que são lindas e bem preparadas, cenas
para assistir, e outras que, nuas, compartilham seu risco e o
fenômeno de sua existência com o público, cenas pra experienciar. O Kevin
tirou a camiseta e estancou o ferimento em cena, enquanto dançava, sem
nem mesmo racionalizar ou questionar, ele só continuou dançando, uma
dança cheia de sangue, uma dança de sangue. No final, ele recolheu suas
coisinhas enquanto comentava seu fracasso com o público, estavam todos
sobressaltados sem entender o que estava acontecendo e se o que tinha
acontecido era real ou fantasia da cena. Lá fora, enquanto esperávamos
o táxi que levaria Kevin até o HPS, ele diz: tudo na minha vida tem sido um
caos, nada tem sido como eu esperava.
Obrigado Grupo Experimental de Dança, obrigado Kevin.

Em 2017, a pedido de alguns professores do GED (Neca e Airton), resolvi


apresentar novamente meu solo na mostra de 10 Anos do Grupo Experimental.
Mas estava inquieto com o fato de dançar para majoritariamente pessoas da dan-
ça, que provavelmente estariam na plateia: por que dançar improvisando 5 minu-
tos para eles, em vez de dançar 5 com eles? Com isso matutando na cabeça, no
dia da apresentação, duas horas antes, resolvi mudar tudo.
Resolvi abrir o jogo. Gravei um áudio sobre o áudio antigo, conversando
comigo mesmo, criticando os meus antigos pontos de vistas na introdução. Mos-
trando que o que eu pensava tinha mudado. Deixei claro que poderíamos dançar
juntos se as pessoas quisessem, e realmente elas subiram ao palco e dançamos
durante cinco incríveis minutos. De alguma forma, expus o que eu sentia com a
mesma sinceridade da pessoa que abriu a cabeça dançando. Vivi aquele agora,
e o dividi com as pessoas. Era a melhor coisa que poderia fazer na ocasião.
Enfim, meu relato é apenas algo que achei bacana compartilhar. Sigo 185

aprendendo com o fracasso e com todas as outras condições humanas, é na


errância que evoluímos. Não sei quais serão os próximos episódios da dança da
vida, mas sigo improvisando, agora mais de boas.

Kevin Brezolin
Astr Ø nauta s Ø n Ø r Ø. Semi Ø nauta ca Ø tic Ø.
Bailarino que toca. Músico que atua. Ator que dança.
PHC no
C
omecei a dar aula no GED no ano de 2014. De lá até o presente mo-
mento, passaram pelas minhas aulas de PHC mais de 200 alunos em
5 turmas, impactando diretamente na realização de espetáculos e
performances dessas turmas, tais como: Playformance, Casula, Osso-
roca e Gala GED.
PHC é a abreviação de Processos Híbridos de Criação. Essa nomenclatura
apareceu durante meu mestrado na UNICAMP, em 2008-2010 (Cia. Espaço em
BRANCO – Processos Híbridos de Criação), onde ampliei o meu fazer criativo en-
quanto encenador teatral, mergulhando nas possibilidades da performance.
Antes de ser convidado a compor o corpo docente do GED, já havia realiza-
do mais de dez oficinas de PHC entre SP e POA. Ministrei PHC nas oficinas culturais
do estado de São Paulo, no Porto Alegre em Cena, na Bienal do Mercosul e em
universidades, como a UFPEL e a UFSM.

O que é PHC?
PHC engloba as práticas de corpo que venho experimentando, frente à Cia.
Espaço em Branco e nas minhas aulas, com foco na preparação do performer e
no espetáculo enquanto espaço de trabalho pedagógico.
Vindo e atuando no teatro, é natural que a minha abordagem do performar
acabe por se nutrir do espetáculo, tanto teatral quanto de dança, espetáculo de
artes do corpo.
A apresentação e o
apresentar-se ganham um
escopo particular, sendo tra-
tados a partir da performan-
186
ce. Muito dessa perspectiva
eclodiu quando, em 2013,
tive a oportunidade de tra-
balhar com o performer, ati-
vista e professor independen-
te Guillermo Gómez-Peña,
GED:
pistas para
performers
curiosos!
uma das maiores referências latino-americanas de performance, na oficina/espe-
táculo Os Bárbaros – An X-treme Fashion Show.
Falar em performance é muito amplo, já que sabemos que, da performance
arte aos estudos da performance, todo comportamento humano com finalidade
de “ser visto” se enquadra nessa definição, portanto cabe a mim esclarecer o pos-
sível leitor dividindo as bases teóricas que embasam minhas práticas.
Para começar, tenho que citar a artista brasileira Lygia Clark. Foi com ela
que, em meu período de mestrado, fui buscar recursos nas artes visuais para am-
pliar meu trabalho. A artista quase nunca se referiu à performance durante seus
longos anos de trabalho com o corpo. Para ela, o mais importante sempre foi o
ato. Esse “ato” é o que possibilitou para ela transferir seu foco criativo dos objetos
(o que tradicionalmente está associado às artes visuais) para o corpo. Esse ato é
o instante presente, onde o espectador, em contato com a proposição da artis-
ta, passa a ser também criador da obra. Sua proposição Caminhando, de 1963,
passou a ser realizada com todas as turmas a fim de conhecer o pensamento da
artista e, a partir da experiência, ir recodificando as possibilidades de performar
(atuar, dançar, tocar, apresentar-se etc).
A fusão entre o objeto-corpo proposta por Lygia foi criando teias de relação
com outros autores, práticas distintas.
Devo citar as mais importantes, para dar um sabor do que faço nas aulas
de PHC. Para tanto, é importante levar em conta o gás poético-político que Ar-
187
taud emana em sua obra Para acabar com o julgamento de Deus, de 1948, com
a proposição do corpo sem órgãos. Mas foi com Deleuze-Guattari que pude me
comunicar criativamente com a proposta artaudiana, já que os autores pensam o
CsO como uma prática radical de experimentação do estar vivo, tornando possí-
vel quebrar a supremacia dos órgãos sobre o corpo (aqui os órgãos fazem relação
com funções específicas do corpo que, segundo os autores, podem ser dissolvidas
e ampliadas em poesia, em corpos em constante estado de
transformação).
Seguindo, é com Maturana-Varela que vou buscar o
embasamento necessário para tratar a ação enquanto cria-
ção de saberes. Epistemologia biológica. Para um professor/artista, foi libertador
encontrar autores que discutem as práticas, o comportamento enquanto possi-
bilidade de entender a criação de saberes. Se levarmos em conta que estamos
falando aqui de artes do corpo, artes do ao vivo, do presente e da ação, o famoso
aforismo dos autores em A árvore do conhecimento, de 1984: “todo fazer é um
conhecer e todo conhecer é um fazer”.
Resumindo, e muito, acabo por trabalhar com Guy Debord e a Internacio-
nal Situacionista nas aulas. O autor francês, figura centralizadora nas revoluções
de maio de 68, nos ajuda a perceber a potência que as ações experimentais
terão no corpo da cidade, incitando a um pensamento político que se dá no co-
tidiano. Para mim, é como se a deriva de Debord refletisse no corpo da cidade o
CsO de Artaud no corpo do indivíduo.
Termino esse pequeno texto oferecendo três links que podem ajudar a apro-
fundar as questões que são trabalhadas nas minhas aulas de PHC:
O primeiro é o blog da turma do GED do ano de 2014, onde publicamos di-
versos textos, vídeos e fotos das performances realizadas em aula: http://grupoex-
perimentaldedanca2014.blogspot.com.br/; www.ciaespacoembranco.wordpress.
com onde centralizo as informações sobre meu trabalho como performer, ence-
nador e professor independente frente à Cia. Espaço em Branco.
E minha dissertação de mestrado na UNICAMP:
http://repositorio.unicamp.br/jspui/handle/REPOSIP/284935

João de Ricardo
Encenador, performer e professor independente

188
Bibliografia:
ARTAUD, Antonin. O Teatro e seu Duplo. São Paulo, Ed. Max Limonad, 1985.
CLARK, Lygia. Catálogo da Exposição “Lygia Clark” Barcelona, Fundacio Antoni Tapies, 1997
DEBORD, Guy. A Sociedade do Espetáculo. Fonte Digital base Digitalização da edição em pdf originária de
www.geocities.com/projetoperiferia 2003 — Guy Debord
DEBORD Guy. A Teoria da Deriva. Segunda tradução (espanhol – português) por membros do Gunh Anopetil
em 19 de março de 2006. Copia e detournément autorizados. Em http://geocities.yahoo.com.br/anopetil/
DELEUZE, Gilles e PARNET, Claire. Diálogos, São Paulo: Ed. Escuta, 1998
DELEUZE, Gilles e GUATTARI, Félix. Mil Platôs, Capitalismo e Esquizofrenia. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1995
MATURANA, Humberto. & VARELA, Francisco. A Ár vore do Conhecimento, São Paulo: Palas Athenas, 2007.
SANTOS, João Ricardo da Cunha. Cia. Espaço em BRANCO: Processos Híbridos de Criação, São Paulo, UNI-
CAMP, 2010.
Produções O grupo recebeu convites para compor eventos, produzir em parceria
com outros coletivos, além da tradicional proposta de montagem no
final do ano. Foi um semestre marcado pela produção de repertório e
processos de composição.

Habitat: o casaco que habito


Mostra Experimental 2#
coreografia; Matina Banou
A Mostra de agosto, na Sala Álvaro Moreyra,
Intérprete-criadora: Débora Jung
foi tão potente que foi decidido apostar nesse
Bonzanini
produto. Assim, o grupo foi convidado a reapre-
sentar a Mostra na Sala Carlos Carvalho, dentro Sem título II
da programação de Aniversário da Casa de Com Andressa Bittencourt
Cultura Mario Quintana. Mesmo sendo uma
reapresentação, os processos de pesquisa já Vento e carvão
estavam em outro estágio, com algumas coisas Com Priscila Florido
novas e outras amadurecidas. As apresenta-
ções tiveram entrada franca e aconteceram às Encontro Estadual de Dança:
20h do dia 23 de setembro. Com curadoria do IEACen, o Encontro Estadual
de Dança tem quatro dias de programação,
Programação com encontros, debates e apresentações. O
grupo foi convidado a apresentar na Mostra de
Construção Trabalhos e com intervenções no espaço da
Com Grupo Experimental Casa de Cultura.
Na mostra, foram apresentadas as coreografias
O que me move
Construção, Etta Nóis, Há Braços (Paula Finn
Com Jefferson Cabral
e Guilherme Guinalli) e Processo (Ana Maria
Pajaropez Vasconcelos). As apresentações se deram ao
Com Agatha Andriola longo dos três dias de mostra, dividida em gru-
pos de dança e universidades.
Um TCC dança? “O Corpo Político
da Cena: os Tupi Afrobrasileiros Nas intervenções foram apresentados os tra-
tomam o teatro e fazem o balhos O entardecer do Deus menino (Mailson
Fantinel) e Cidades Sensíveis - Desdobramento
carnaval.”
1 (Anderson Sales, Ian Geike e Florido)
Com Gabriela Tavares, Anderson
Moreira Sales e Kevin Brezolin.
Cortejo de Espelhos
Sem título Com iniciativa do Coletivo Moebius, o Grupo
Com Namisi Oliveira Experimental foi convidado a compor a inter-
190 Há braços venção urbana Cortejo de Espelhos, que fez
Com Guilherme Guinalli e Paula Finn parte das ações do Projeto Reabito, em come-
moração ao primeiro ano da revista digital Arte
O que foi isto Contexto. Foram realizadas três intervenções:
Com Ana Maria Vasconcelos Restinga, Centro de Porto Alegre e Parque da
Redenção, além da abertura da exposição,
Vazio
onde além da apresentação do coletivo,
Com Kevin Brezolin
foram expostas algumas imagens do cortejo. A
Etta nóis abertura da exposição foi no dia no dia 28 de
Com Grupo Experimental; mediação outubro, no espaço Galpón.
Neca Machado
Mostra de Final de Ano
Todos os anos o grupo tem a possibilidade de
apresentar uma montagem no Teatro Renas-
cença. Não é uma obrigatoriedade, mas essas
datas já ficam reservadas desde o início do Sagração
ano. Em 2014, a vontade do grupo foi de traba- Com direção do Douglas Jung, o espetáculo
lhar com o diretor Douglas Jung, bem como de realizou uma remontagem da Sagração da Pri-
realizar uma criação colaborativa e autônoma. mavera. Composta em 1913 por Igor Stravinsky
Assim, nos dias 5, 6 e 7 de dezembro foi apre- e coreografada por Vaslav Nijinsky, a Sagração
sentado, no Teatro Renascença, CyberMacum- da Primavera dispensa maiores apresentações.
ba e Sagração. Dos pontos de vista musical e coreográfico, a
obra original é permeada pelo arrojo, inovação
e coragem; características que se repetem nas
CyberMacumba inúmeras versões montadas por grandes nomes
A criação colaborativa CyberMacumba foi um da dança mundial, como Maurice Béjart e Pina
trabalho autônomo do grupo. Cara e coroa, Bausch, dentre tantos outros. Na versão GED
norte e sul, ocidente e oriente, direita e esquer- 2014, o grupo lançou um olhar sobre o papel
da, razão e emoção. São tantas as divisões que da “eleita”, personagem central de A Sagração
delimitamos ao mundo, traçamos linhas que da Primavera, onde uma jovem pertencente a
nos separam, nos dividem e que configuram uma tribo da Rússia pagã é escolhida por todos
diferentes subjetividades aos sujeitos. Essas para dançar até a morte. Contextualizando e
divisões (bi ou multipolares) configuram territó- atualizando o conceito de tribo, o grupo ques-
rios psicofísicos e, ao se cruzarem, entram em tionou precisamente o perfil e o lugar de uma
choque e podem causar cataclismos sociais. suposta eleita nos dias de hoje, aceitando com
Nesse universo caótico festivo, os vários artistas respeito o enorme desafio de realizar essa mon-
propuseram um diálogo entre as diferenças so- tagem como um exercício de experimentação
ciais na contemporaneidade brasileira. Através e, sobretudo, de coragem.
da temática conceitual de CyberMacumba e
tendo como pano de fundo as diferentes perso- Elenco: Aline Loretto, Ana Maria Vasconcelos,
nas que somos dentro do território das relações Ananda Mida, Anderson Moreira Sales, Áqui-
pessoais: ditador, agente do caos, apazigua- la Mattos, Débora Jung, Gabriela Tarouco
dor, violador, terrorista, pacifista, coxinha, revo- Tavares, Guilherme Guinalli, Jeferson Cabral,
lucionário de shopping, cibernético, blasé etc. Jony Pereira, Leslie Diehl, Lilian Habib, Luiza Gil
Vargas, Maílson Fantinel, Martina Seifer, Namisi 191
Explora-se, nesse espetáculo, os elementos da
cultura brasileira articulados sobre as diferentes de Oliveira, Paula Finn, Priscila Florido, Tatiane
polaridades que nos constituem artistas – baila- Rocha.
rinos – brasileiros – contemporâneos. Figurinos: Tuka Santos.
Iluminação: Carol Zimmer.
Elenco: Aline Loretto, Ana Maria Vasconcelos,
Ananda Mida, Anderson Moreira Sales, Áquila
Mattos, Débora Jung, Gabriela Tarouco Tava-
res, Jony Pereira, Kevin Brezolin, Lilian Habib,
Maílson Fantinel, Priscila Florido, Tatiane Rocha.
T
entei começar esse escrito tantas vezes. Pensei que
talvez pudesse ser impossível falar sobre a experiên-
cia. Que talvez eu só pudesse dançar para poder di-
zer sobre. Dizer com o corpo. Pensar com o corpo. Ser
o corpo em todas as suas capacidades de percepção. O corpo em
existência plena e sensorial para além de mim. Organizar e desor-
ganizar esse corpo. Integrar. Desintegrar. Reintegrar. Receber. Dar.
Expulsar. Ritualizar e morrer. Reencontrar.
Foi na prática destes verbos de existir, que as manhãs se pre-
encheram de mergulho nas potências. Que eu no agora compre-
endo a oportunidade de poder ter participado desse processo. Em
diária expansão de entender os limites deste corpo material. Ou
ainda os Anti-Limites. Dos contrastes do prazer que pode acontecer
nos encontros. Afinal, para mim que estava chegando, foi a melhor,
a mais desafiadora porta que se abriu em Porto Alegre. Reorga-
nizar-se diariamente é um processo intenso. E era ali, somente ali,
que eu queria estar. A entrega em despertar-se diante de qualquer
questão que surgisse. Enxergar, (re)conhecer o grupo. Era somente
dançando que eu queria estar.
O trabalho poético de um corpo que não é máquina, que suporta
de comandos modernos a corridas contemporâneas. Acessa conheci-
mentos ancestrais, orientais. Medita, aceita e dança circularmente. Nos
Processos Híbridos de Criação, não haveria de ser de outra forma: Bru-
xaria! O rito constante do encontro e do desencontro consigo próprio.
O espaço aberto para desterritorialização do ser. Babamos antropofa-
gicamente. As fronteiras se diluem na história da dança. Reflete em nós
inspirações, transcendem desejos. Experimentamos a autogestão. Uma
frase de movimento: um solo. O seu solo me afetou. A nossa Construção
192 um espetáculo. Uma aula de ballet ao som das marretas. Um diretor co-
lega, amigo capricórnio lua em leão.
Danço com as palavras, assim como minha memória dança nesse
resgate de tudo que escrevi no meu corpo nesse ano que não passa nos
meus músculos, tecidos e células. Nos tornamos sagrantes. Um dos pro-
cessos mais incríveis aos quais me entreguei. Entre chegadas e partidas.
O grupo já era outro. Era melhor. Já éramos parte um do outro sem se
perder de si mesmo. Já sabíamos dos cheiros, das vozes, dos sorrisos, dos
mimos, das tristezas. Das conjunções astrológicas. Não apenas sagrantes,
mas cybermacumbamos geral! Direção compartilhada de um espetáculo.
Enxergamos os olhos. Mas não físicos. Enxergamos o enxergar de cada um.
Estávamos juntos. Confiamos.
No time, No shape, No space. E assim éramos todos excluídos. Ras-
gamos o ego para ser Sagração. Intensificamos o prama para saltar na
direção das violências que nossa sociedade nos impõe. Sambamos, funke-
amos Stravinsky. Carnavalizamos Nijinski. Desnudados pelas intolerâncias.
Quem vê o espetáculo não imagina o processo. Não há como não dar um
espaço para falar do Doug e toda sua beleza. Yoga ousado. Contemporâ-
neo libertário. Direção para outros caminhos. Delicadeza das percepções.
Brutalidade das escolhas. Enfim, morremos. Sagramos. Fênix. Nunca mais
fomos os mesmos.
Airton Tomazzoni é a resistência em Porto Alegre, com o Grupo Expe-
rimental de Dança. Talvez, no Brasil. Evoé! Vida longa ao GED. Salve, Axé!!
Damos graça a essa potência. Que depois disso, eu nunca mais parei de
dançar.
Florido
Artista Visual e performer graduada pela
Faculdade Paulista de Artes

193
C
omo criar onde nada existe além da morte anunciada? Tudo come-
ça com uma grande festa, uma catarse coletiva, que logo se transfor-
ma numa “ressaca moral”. Uma sensação de voltar-se para si e não
entender em que lugar está e o que se faz. Outra vez o convite para
a direção da montagem final do programa de aulas de 2014 foi feito ao Douglas
Jung. E foi uma escolha ousada fazer uma releitura do emblemático espetáculo A
Sagração da Primavera, de Vaslav Nijinski. Criada em 1913, a obra apresenta um
ritual de iniciação da primavera de uma tribo pagã russa. Uma virgem é escolhida
para o sacrifício e tem o dever de dançar até a morte.
A trilha sonora do Igor Stravinski embalou um dos laboratórios de criação
mais angustiantes de que já participei. A atmosfera de uma tribo pagã russa foi
transposta para um dos ritos mais emblemáticos do Brasil: o carnaval. Cada esco-
lha, cada movimento, era levada ao extremo, beirando o bizarro, a exaustão - no
time, no shape, no space. Os olhos se cruzavam nas corridas e os corpos se cho-
cavam uns contra os outros, atravessavam o espaço e criavam um jogo onde o
194 desafio era ver quem aguentava por mais tempo. A doença é relacional.
Nunca vou esquecer o ensaio em que escolhemos a primeira vítima a ser sa-
crificada. Era a mais velha, a anciã. Todos os olhos se voltaram para ela e, num es-
tado de improvisação coletiva, arrancamos suas roupas. Talvez não fosse a esco-
lha mais adequada, mas era o que tínhamos como arma para atacar e demarcar
o que queríamos. As coisas não pararam por aí. Ainda sem entender o que estava
acontecendo, logo o próximo foi escolhido e desnudo. E depois o próximo. E o
próximo. E o próximo. As abordagens eram agressivas e não havia a possibilidade
de negar, de parar o bacanal criado coletivamente. Isso foi tão potente que o di-
retor resolveu levar para a cena. Desde o começo sabíamos da tarefa de escolher
uma pessoa para o sacrifício. “Se não for eu, vai ser alguém, e se não for ninguém
vai ser eu”. Essa questão continuou até o fim, porque todos fomos escolhidos e ao
mesmo tempo, a gente não escolheu ninguém.
Houve sacrifício? Dançar até a morte, lutando contra a exaustão, sem iden-
tidade, sem roupa.
Talvez um dos mistérios da Sagração seja realmente falar sobre os perigos e
as possibilidades de caos do coletivo, como disse Laurent Chétouane, coreógrafo
francês, que assinou uma das versões do espetáculo. Na estreia do espetáculo
de Nijinski, o Teatro de Paris foi inundado de vaias e gritos de descontentamento,
causando uma algazarra coletiva e impossibilitando a execução da peça até o
seu final. Por isso, durante a apresentação da nossa versão em Porto Alegre, não
nos espantamos quando alguns espectadores deixaram o teatro. Foi uma tarefa
difícil para quem fez e para quem assistiu. 195
Ter participado desse espetáculo foi uma experiência transformadora para
mim, como pessoa e como artista. Sou muito grata pelo Douglas ter proposto essa
ideia e agradeço a todxs os colegas que viveram, junto comigo, esta história.

Paula Finn
Artista e criadora em dança.
Bailarina e professora de flamenco e dança contemporânea.
D
entro de mim vive um forasteiro, de cascos duros e ligeiros. Tem per-
nas peludas e um par de chifres vermelhos. Digo forasteiro porque
ainda há pouco tempo não sabia que esse estrangeiro me habita-
va, ele vive no corpo que chama casa o qual eu visto a carcaça e
faço dele meu lar.
Furtivo o forasteiro, pouco a pouco se apoderou dos meus passos. Esses pas-
sos ainda desjeitosos e escorregadios. E assim ele foi convidado a participar do
rito de sagração e experimentou dar mais passos, esses imprecisos e impulsi-
vos. Vislumbrando ali sua verdadeira existência.

Com os dois cascos traço círculos correndo no espaço, eles


são meu primeiro instrumento de entendimento, com esses cascos
eu descasco o espaço em deslocamento. De perto outros corpos
me cercam, eles vestem desespero e solidão.
Em aflição colidem, mas logo se separam, a pele não conta
segredos à outra pele.
Os corpos se polarizam e entram em confronto direto e in-
cansavelmente provocam-se em vigor e violência. Silêncio .
As famigeradas almas se agrupam em duplas, abrem em
fenda enquanto se puxam para longe, os corpos suam mas a sen-
sação é de frio. Há mais formas de se comunicar nesse estado de
atenção e dentro de cada um cresce a sensação de que alguém
deve partir ser excluído por fim morrer.
Um a um vão sendo escolhidos e depois despidos das car-
caças, por fim expostos e entregues à sorte de outra vez em con-
flito tentar decidir quem por alguma razão deve deixar de existir e
sucumbir à escuridão.
Assim sendo sustento em suspiros, decolagens e giros o

196 quanto meu fôlego me permite adentrar o bosque da exaustão.

Dentro de mim vive um morador de cascos duros e ligeiros. Tem per-


nas peludas e um par de chifres vermelhos. Ele me fez provar o gosto do
néctar direto do ninho, sem que o ferrão dos marimbondos furiosos a carne
o ferissem. Sensação que guardei no corpo casa o qual agora se faz resi-
dente. Agora exploro o mundo através de seus passos impulsivos e cada vez
mais certeiros, movo espaço em saltos e desço ao chão em espirais. Descubro
novos caminhos e procuro de olhos atentos outros forasteiros cujos quais possam
em meu corpo fazer lar.

Mailson Fantinel
Artista visual que pesquisa dança como ferramenta de linguagem

197
“Cheguei com uma
bagagem formatada e
repleta de estéticas
viciadas. Saí poroso,
atravessado, permeável
e ainda levando na
mala muito de tudo
que trazia quando
c h e g a ra .”

198
exercitando

a autonomia
D
evido ao grande número de inscritos que usualmen-
te ficavam de fora do programa de aulas anual, de-
cidimos abrir duas e diferentes turmas, uma na sala
Cecy Frank e outra na sala Rony Leal – recém inau-
gurada na Usina do Gasômetro–, com a inclusão de aulas de voz e
movimento, com a professora Laura Backes.
O desenvolvimento de um processo de autonomia pautou as
reflexões ao longo do ano. Vínhamos avaliando a necessidade de
não centralizar as decisões, tanto da montagem de encerramen-
to quanto de desafios, como do afastamento de participantes por
faltas e atrasos, por exemplo. Esses temas passaram a ser tratados
e definidos coletivamente, o que possibilitou um outro engajamen-
to das turmas e a necessidade de posicionamento, argumentação
e capacidade de conciliação, como estabelecer um objetivo co-
mum em meio a tantas singularidades.
E nesse ano, as montagens de encerramento não tiveram
um professor/coreógrafo/diretor à frente do processo, mas sim uma
construção coletiva de cada turma, fomentada e orientada por
diversos professores/as. Isso implicou na definição dos locais de
apresentação e estrutura dos trabalhos. As duas turmas optaram
por fazer do local de trabalho, de aulas, o espaço cênico das apre-
sentações. E assim foram concebidas Casula, com duração de 12
horas, na sala Cecy Frank, e Ossoroca, na sala Rony Leal. Ficou sob
responsabilidade do coletivo também a decisão de negociar as exi-
199
gências de presença e participação para seguir no processo de
ensaios até a estreia.
Professores

Airton Tomazzoni Eva Schul


História da Dança/ Processos de Criação Dança Moderna

Alessandro Rivellino João de Ricardo


Contato e Improvisação Processos Híbridos de Criação

Bia Diamante Juliana Werner


Educação Somática Dança de Salão

Didi Pedone Laura Backes


Axis Syllabus Voz e Movimento

Douglas Jung Neca Machado


Dança Contemporânea Princípios do Movimento e da Coreografia

Eduardo Severino
Dança Contemporânea

Turma da manhã (CCMQ - sala Cecy Frank)


Amanda Patron Alves Branco Gabriela Guaragna Mateus Henz Kieling
Ana Maria Vasconcelos Gabriela Garcia Maia Natália Lescano Munró
André Reali Olmos Janaína Ferrari Garcia Patricia Nardelli Santana
Augusto de Magalhães Julia Hauser Guterres Pedro Guimarães Cassel
Augusto Schnorr Júlia Pezzi Roberta Fofonka
Bettina Rubin de Souza Juliana Pereira Rodrigo Azambuja
Camila Maria Pires da Silva Larissa Kafruni Rômulo de Souza Ferreira
Caroline Narciso Fossá Larissa Lewandoski Sabrina Silva Melo
Cristopher Correa Zelenko Liana Alice Silveira Correa Violette Jade Dubin
Daiani Fiorini Fernandes Lígia Fagundes Yasmin Azeredo Azevedo
Diego Deodato Fajardo Puhl Luana Garcia Marques Gomes
Diego Passos de Amaral Luciano Pereira de Souza
Eduardo dos Santos Schmidt Mara Lúcia Nunes

Turma da tarde (Usina - sala Rony Leal)


Aline Rodrigues Martins Juliana Chaves Strehlau Rita de Cássia Nunes Martins
200 Carmen Leide Nascimento Lucas Tortorreli Roberto Lauermann Val
Sousa Maíra Disconzi Brum Rochelle Luiza da Silveira
Carolina Diogo Vargas Manuela Bica Silvania da Silva Rodrigues
Cassiana da Rocha Gonçalves Marina Feldens Malcon Tainá Lopes Ybarra
Emily Blanco Fagundes Micheli Bastos de Oliveira Vinícius Magnus Müller
Flávio Moreira de Oliveira Nicoly Coelho Nos Vitor Hugo Tolfo Junior
Jackson Willian Silva Brum Omara Lange
João Gabriel de Queiroz Rafael Antonio Lumi Dartora
Q
uando Tomazzoni esboçou a ideia do GED, vibrei muito ao perceber
que estava prestes a se concretizar no Centro de Dança uma impor-
tante ação política cultural para cidade.
A dança vem sendo privilegiada na Prefeitura com diversas
ações que estão sendo desenvolvidas através do Centro de Dança. Todas essas
ações têm contribuído para ampliar ou mesmo conceber uma visão de dança mais
completa ou abrangente, contemplando sem preconceito tudo que pertence a essa
área de conhecimento e manifestação artística.
No GED não poderia ser diferente, a começar pelo modo como se constitui
o grupo de pessoas a cada ano. Partindo de uma inscrição por carta de intenção
e currículo, os candidatos passam por uma audição prática seguida de entrevistas
e, conforme a disponibilidade de horários, chega-se a um conjunto de privilegiados
que sofrem essa experiência a cada ano. Os grupos que se formam apresentam uma
diversidade em todos os sentidos, seja na formação anterior, na faixa etária ou nas
expectativas com a dança.
Já tive o prazer de compartilhar ensinamentos em três edições do GED. Por
ter começado muito cedo meu envolvimento com a dança e ter experimentado di-
ferentes abordagens com variados mestres, nesses trinta anos de aulas dadas em di-
ferentes situações, venho compondo uma abordagem aberta sem fidelidade a uma
técnica específica, mas com afinidade a muitas delas. Essa forma aberta, tempera-
da com um profundo respeito ao corpo e seus movimentos, vem a coadunar com a
orientação pedagógica que vem sendo aplicada ao GED.
Todo ano abrem-se novas possibilidades de experimentação. Profissionais da
dança de Porto Alegre recebem a oportunidade de fazer parte desse processo, con-
tribuindo com o entendimento do corpo que dança e com o aumento de probabili-
dades de dança.
Vida longa ao GED!!! Agradeço por fazer parte desse dinamismo empreen-
dido pelo Centro de Dança, que gera constantemente novos caminhos e arranjos
para a dança. Parabéns a todos que contribuíram e contribuem com essa realidade. 201

Façamos o nosso contexto.

Neca Machado

Graduada em Dança/ UERGS, diretora da Cia Municipal de Dança de


Porto Alegre e professora permanente do GED.
A
experiência no Grupo Experimental de Dança foi profundamente
transformadora. O caráter experimental nos possibilitou provar maior
autonomia nos processos de criação do grupo. Além das práticas
em diversas linguagens da dança, estudos e conversas a partir da
leitura de textos e vídeos, e a convivência diária com um grupo diversificado e
qualificado de participantes e professores, o processo não se limita à formação de
bailarinos. É muito mais amplo. Justo a convivência no cotidiano nos impulsionou
a descobrir e construir as texturas das relações entre todos os envolvidos. Vivendo
esses múltiplos aspectos, esse espaço compartilhado é uma potência na formação
de artistas e cidadãos.

André Olmos
Bailarino e fotógrafo. Formado em Psicologia
pela PUCRS e pós-graduado em Dança pela UFRGS

202
O
s aprendizados junto ao GED geraram ressignificações do meu
corpo, dos meus movimentos, de minhas crenças, das minhas
estéticas, do meu pensar e especialmente dos meus desejos de
existência. Imerso em um grupo de colegas muito especiais e de
professores maravilhosos, a minha experiência se deu de forma intensa. É difícil en-
contrar as melhores palavras para expressar tantos momentos e aprendizados es-
peciais. Cheguei com uma bagagem formatada e repleta de estéticas viciadas.
Saí poroso, atravessado, permeável e ainda levando na mala muito de tudo que
trazia quando chegara. Estar interessado pelos processos é realmente muito mais
gratificante do que apenas querer parecer interessante. A experimentação na
dança chegou para transformar de vez meu ser bailarino, meu ser mais especial
e mais íntimo. As práticas didáticas e filosóficas que encontrei no método de en-
sino naquela turma foram extremamente reveladores. Vivi uma forma muito mais
203
libertária de educação na qual a dança rompe com seus próprios limites e traz à
tona diversas questões transdisciplinares. Sem dúvida, é um projeto daqueles que
a gente se orgulha de ter na cidade.

Lucas Tortorelli
Neurobiólogo, pesquisador do programa nacional
de pós-doutorado da CAPES da UFCSPA, arte-cientista e performer in process
P
pensei em começar por quando sugeri que mu-
dássemos o nome: grupo experimental de corpo.
daí pensei que poderia falar sobre família. ou so-
bre um sistema ideal de ensino. ou sobre turning
points na vida.

é estranho falar sobre o grupo experimental. mais do que tudo,


eu aprendi sobre mim. sobre o meu corpo. sobre a inviolabilida-
de das minhas escolhas. tudo que tá dentro. tudo que tem como
fronteira a pele.

eu poderia falar sobre o dia em que ouvi


meus músculos em contato com os ossos.
numa aula da bia. diamante.

de tudo, o que eu mais me recordo é sobre


o sistema utópico de ensino colocado em
prática. de forçar a barra nas diferenças. de
apostar no coletivo e não no virtuoso. de po-
der se estar ali porque se quer. poder estar
ali porque se quer. porque se quer. se quer.
sequer estar ali.

nos nossos sistemas de ensino tão another brick in the wall, um


lugar que me permite: vá embora, se quiser. (o suicídio, última
questão possível, ser ou não ser)

o grupo experimental me ensinou que a única coisa minha é meu


204 corpo. a única e última. que carregarei até o fim. tudo aquilo de
matemática, de química, de arte que eu aprendi. tudo passa. a
única coisa que fica é o joelho doendo, a pele enrugando, a difi-
culdade de se manter em pé.

eduardo schmidt
ator e músico
Que encontro
foi esse?

O
GED 2015 foi como mergulhar numa espiral de autodescoberta.
Comecei o ano planejando terminá-lo alongada, acrobática e
aprendendo coreografias como ninguém. Terminei querendo rolar
no barro, pintar com café e fazer esculturas de jornal.
A noção de chegar em casa, nessa casa que é corpo – mas também é lar –
trouxe uma sensação inesperada de acolhimento. Essa sensação vem do interior,
mas também da vizinhança, que te permite chegar em casa com segurança. É
uma vizinhança que, sem ser invasiva ou bisbilhoteira, ilumina e protege o caminho
para que cheguemos em casa em paz.
Ainda com esse espírito clarkiano de que a casa é o corpo, finalizar o ano
com a Ossoroca esclareceu – ao mesmo tempo em que bagunçou – muito sobre
esse encontro. Isso porque Ossoroca é encontro de corpos – com o corpo do outro
e com o nosso próprio –, e entender essa realidade faz borrar ainda mais a linha
entre o dentro e o fora.
Esse processo foi para mim, sobretudo, relacionado a saber ouvir e ter a
bondade de falar, sem o medo de questionar, compartilhar ideias ou sensações.
Experimental não é sobre dar ou receber algo, não é sobre obter vantagem
ou acúmulo, muito menos sobre saber onde ou como estamos indo. É relativo
a passar por uma experiência que pode gerar empatia, raiva, compaixão e
infinitos sentimentos, mas que só importa enquanto existe. Pouco importa de onde
vínhamos ou para onde íamos antes e depois daquelas tardes, mas o que acontece
naquele enquanto é que tem potencial de transformar a realidade ao redor. O
detalhe, entretanto, é que esse enquanto diz respeito ao espaço de tempo em
que as manifestações artísticas e as práticas corporais ali compartilhadas ainda
reverberam.
205
Vive enquanto ecoa e ecoa enquanto vive.
Por ora, seguimos cada um a sua trilha. Tenho certeza, porém, de que muito
atravessados pela vivência coletiva e pela diversidade de experiências trazidas
por cada um dos que passaram pela Rony Leal nas tardes de 2015.

Emily Blanco
Comunicadora, exploradora de dança aérea e arte contemporânea
D
urante os nove meses no GED, o estudo foi revelador. Estar lá sem
bagagens, pronta e disposta a experimentar algo novo. Nesse pe-
ríodo, não foram poucas as manhãs que não quis sair da cama, os
dias que chorava ou que tinha raiva. Algumas vezes não conseguia
ir às aulas.
Venho de um estudo e entendimento de dança totalmente diferente: dança
de salão.
Vivenciei situações, per-
cursos e danças que, ao mesmo
tempo em que fascinavam e
causavam curiosidade, tinham
em alguns momentos descon-
fortos. E o mais incrível é que
tudo isso era desafiador e agu-
çava ainda mais minha curiosi-
dade por essa nova dança que
descobria a cada dia de aula.
Ter o conhecimento didático,
ver filmes e viajar no tempo para
conhecer e interagir com a dan-
ça foi maravilhoso. A proposta
de cada professor em nos en-
sinar e fazer cada um buscar o
seu entendimento e sua trajetó-
ria, que são únicas, e ao mesmo
tempo existindo uma harmonia
com o grande grupo. Nada dis-
so teríamos aprendido em aulas
206 normais de dança.
A proposta do Airton de
formar pessoas dispostas a se
arriscar, ajustando tudo a co-
nhecimentos preestabelecidos
ou a nenhum conhecimento na
área; em pessoas criativas, ou-
sadas e dispostas a se recriarem a partir de outra perspectiva; a ideia de que a
contemporaneidade e o conhecimento que a dança nos dá todos os dias não
têm preço. Ainda mais quando se é curioso e se vai além da proposta de sala de
aula. O GED nos impulsiona, possibilitando criar com autonomia e segurança tra-
balhos diferentes e únicos, com o auxilio e o olhar carinhoso dos professores que
compõem o corpo docente, o que deveria ter em todas as escolas, sem que preci-
sássemos ficar implorando atenção
e esperando que esses professores
deixassem seus egos de lado para
auxiliar seus alunos. A generosidade,
o comprometimento e o profissiona-
lismo de cada professor nos propor-
cionou segurança e muita curiosida-
de de experimentações em relação
à dança, vontade de estudar cada
vez mais, de conversar, tirar dúvidas.
A manhã passava voando, e mesmo
a caminho do trabalho, de casa ou
de algum outro compromisso após as
aulas, nosso corpo reverberava até a
manhã do próximo encontro.
Hoje, um ano após essa
experiência, trago comigo 90% do
aprendizado das vivências da nova
dança, resgatadas através dos nove
meses de aula do Grupo Experimen-
tal de Dança de Porto Alegre/2015.
Gratidão a Airton Tomaz-
zoni e a toda equipe de professores 207

e funcionários, sem vocês acho que


estaria perdida em Minha dança
não é só passos.

Mara Nunes
Professora de Dança de Salão
As coisas

acontecem
H
ouve um tempo em que só podia ter concentração naquilo que
podia criar.
Aquele amor particular às coisas que não consigo entender, mas
sinto.
Saber a intenção, mas não ter o controle total da ação e, sobretudo, amar
essa possibilidade.
A vida enquanto laboratório. E como ponto de partida, a investigação. E o
corpo.
Consultemos os poros para obter respostas.
Enquanto a gente dança, muita coisa se resolve sozinha. Dentro, fora,
adiante. Mas este é só mais um aspecto de porque mover importa.
O problema é que quando a gente tira do corpo a moldura da cadeira fica
difícil de querer voltar.
E aquela vontade absurda de sair na rua dizendo a todos que sintam suas
escápulas e a planta dos pés.
O que é animal não pergunta antes.
O respeito supremo ao durante.
A presença enquanto gesto de micropolítica.
Uma festa à fantasia pra ir daquilo que escondemos.
E, novamente, a realidade como matéria-prima.
Mover porque a vida importa. Mover para sobreviver.

2015, este ano que não acabou, ecoa no meu corpo, nos meus afetos, na
maneira de trilhar o caminho, vê-lo, estar nele. Obrigada Grupo Experimental, por
208 ter sido uma revolução na minha vida e em tantas.

(Depois de um tempo entendi que ter tocado Feeling Good da Nina Simone
na rádio que eu ouvia enquanto viajava de ônibus para a audição do GED havia
sido uma super profecia.)

Roberta Fofonka
Jornalista que se tornou pesquisadora de dança, vídeo e performance
Apresentada na sala Cecy Frank (CCMQ), dia 4 de dezembro,
a partir das 10h, com duração de doze horas ininterruptas.
Criada pelos próprios alunos, se constituiu em um espaço
criativo para fechar-se e abrir-se, deixar-se transformar e
ser transformado pelos muitos atravessamentos artísticos e
influências do momento presente. A experiência se propôs
a cruzar limites e apresentar um corpo outro, enquanto
atravessa o dia. Nos dias 10 e 11, Casula foi apresentada na
sala Rony Leal, na Usina do Gasômetro.

Sala Rony Leal, da Usina do Gasômetro, nos dias 6 e


8 de dezembro, às 19h30. Liberdade dos corpos em
ocorrência, o exercício da Ossoroca foi um resgate
constante de vida, norteado pelo aval dos ossos.
Com organicidade e percepção expandida, as
ondas de atração e repulsão liberam a estrutura
corporal do controle excessivo do racional, abrindo
espaço para fluxos de emoções e impressões
pessoais do grupo, que integradas à linguagem das 209
articulações, compõem uma maçaroca. Foi assim
que o espírito da Ossoroca emergiu, ele dança nos
vãos de fronteira entre a vibração vital-espontânea
e o arranjo da forma. As partes integram um corpo
múltiplo que, enquanto presente, se reorganiza.
Considerando os ossos, o que é mais importante:
conduzi-los ou escutá-los?
Casula
E
m 2015, a turma da manhã do Grupo Experimental de Dança da ci-
dade de Porto Alegre engendrou e deu vida à experiência Casula:
um espaço de improvisação aberto a atravessamentos. Casula foi,
acima de tudo, uma tentativa de criação coletiva autogestionada,
motivo pelo qual se torna difícil falar sobre ela, sendo eu apenas uma parte desse
organismo.
Para mim, Casula se construiu como resposta à vivência proporcionada
pelo GED. Desde o início, nosso grupo apresentou maneiras divergentes de enten-
der a criação artística e seus propósitos, o que se desdobrou em alguns conflitos
que geraram desistências e longas conversas entre nós e com alguns de nossas
e nossos professores. Havia um entendimento por parte de alguns de nós de que
teríamos que escolher uma ou duas pessoas do corpo docente para orientar nossa
criação final.
Nossa primeira tentativa de criação foi A Onda, quando começamos a en-
tender que não nos interessava a criação de um trabalho coreografado ou mais
tradicional. A Onda foi uma criação coletiva de algumas semanas, onde testamos
ideias do modo mais horizontal possível. Ali foi dada a tônica de que nosso pro-
cesso criativo seria baseado em muita conversa sobre o que entendíamos como
dança, arte e na maneira como se construíam nossas relações.
Em uma aula de Airton Tomazzoni, começamos a falar de cotidiano, casa,
210
espaço doméstico e relações. A partir dessa conversa passamos a nos questionar
a respeito do que era o GED para nós e fomos nos aproximando da ideia de que
ele seria essa convivência estendida que se desenrolava no espaço da sala Cecy
Frank, na Casa de Cultura Mario Quintana.
Queríamos, de algum modo, que nossa criação conseguisse passar para
fora o que havia sido a nossa experiência no GED. Da minha parte, o ano de 2015
marca um redirecionamento radical da minha vida, o GED foi parte fundamental
do meu processo pessoal e político de reinvenção de mundo. A partir desses ques-
tionamentos, surgiu a definição de que nossa criação se desenrolaria na Cecy
Frank por um tempo estendido: doze horas. Casula era a ideia de um microcosmo
da experiência GED completa.
Casula foi também a estratégia que encontramos para lidar com a dificul-
dade de autogestionar um processo. Não queríamos escolher ninguém do corpo
docente para nos dirigir e encontrávamos dificuldade em ocupar e estabelecer
posições de liderança, muitas vezes necessárias. A rotatividade do grupo foi um
grande obstáculo, pois acreditamos naquele momento que era necessário um
entendimento sensível entre os corpos que compunham aquele organismo e que
este se dava pela constância da presença. Casula foi o desafio de mergulhar nas
relações interpessoais que construímos ao longo daquele ano, expandir e contrair
os limites entre o eu e o outro. Entendemos que era necessário fazer nossa própria
grade horária, mantendo dias para os ensaios e escolhendo as aulas que acredi-
távamos que teriam mais a acrescentar ao nosso processo.
Casula tem muitas facetas: Casula em seu aspecto emocional, político,
pragmático. Subjacente à Casula estava a ideia de que era importante mostrar o
que era o GED em sua necessidade de resistência, já com sua existência ameaça-
da pela perda de seus espaços de trabalho (a sala Cecy Frank e, posteriormente,
a sala Rony Leal), sua relevância política e sua continuidade enquanto política
pública. Por isso, também era importante ocupar o espaço da sala de trabalho.
Ocupação é talvez uma outra palavra que contemple bem a Casula.
O processo de Casula foi tão colaborativo quanto possível, buscando,
apesar das ausências, a participação de todos os envolvidos nas conversas que
avaliavam as experiências de ensaio e se questionavam a respeito de que regras
deveriam ou não ser estabelecidas. A arte de divulgação contou com vídeos e
cartazes feitos por nós mesmos: Casula buscava potencializar o que cada um já
211
trazia como bagagem. O plano de divulgação contou com ações autônomas
como a colagem de lambe-lambes pelos espaços da cidade.
Não estabelecemos critérios de participação na Casula, nenhum de nós
queria ou se sentia no direito de ser efetivamente a pessoa que determinava a
partir de quando um integrante do grupo ficava impossibilitado de fazer parte
da performance. Em Casula habitaríamos o espaço construindo uma convivên-
cia corporal entre nós e nossos visitantes, que estariam convidados a adentrar o
espaço e compor conosco. A ideia era experimentar também os limites do que
constituía o próprio grupo, que se colocava disponível ao risco da instabilidade
provocada pela adição e subtração das pessoas que não o constituíam e não
dividiam o histórico que tínhamos entre nós.
Em termos de definições, decidimos utilizar uma playlist colaborativa dis-
ponível para que pudesse haver interferências sonoras na Casula, como parte do
improviso. Como figurino, optamos por nossas roupas cotidianas de trabalho. Ob-
jetos poderiam ser levados e dispostos em uma espécie de inventário, ficando à
disposição para serem mobilizados e trazidos à cena de acordo com as propostas
de cada um.
A primeira abertura de Casula aconteceu na sala Cecy Frank, no dia 4 de
dezembro de 2015, das 10h às 22h. O roteiro ficou estabelecido com os seguintes
marcos: um ritual de limpeza do espaço para marcar o início, a performance do
ringue de dança aconteceria pela tarde e A Onda seria performada no início
da noite. Tudo o mais era espaço de construção. Nesse espaço, muitos dos tra-
balhos que desenvolvemos em aula durante o ano apareceram, e performances
que havíamos criado foram realizadas novamente. As apresentações envolveram
interações com objetos, utilização da voz, coreografias, exercícios de aulas e a
materialização de conflitos entre nós, que buscaram expressão artística duran-
te aquelas doze horas de trabalho. Havia códigos que marcavam a separação
entre o mundo de Casula e o mundo externo: para ir ao banheiro era necessário
utilizar um roupão que ficava disponível na entrada da sala. Para fins de alimen-
tação, havia frutas, bolachas e água disponíveis, com o acordo de que deveriam
ser consumidas majoritariamente de forma comunal. O comprometimento com
a ação era um dos grandes norteadores do trabalho, tudo deveria ser feito até
o fim, tentando exaurir cada ideia proposta. E todos eram sempre parte da cena
que se construía, inclusive na sua escolha consciente de buscar se manter neutro.
O nome do trabalho surgiu em decorrência de uma mensagem do Airton
212 alterada pelo corretor ortográfico do celular. Que o nome esteja relacionado à
nossa vivência cotidiana é relevante, e também que tenha sido escolhido por
remeter à casa, casulo e processos de transformação. Quem seríamos nós depois
daquelas doze horas de performance? Quem seríamos nós depois de um ano de
trabalho conjunto?
A primeira Casula foi o verdadeiro marco do fim do ano, embora tenha-
mos realizado uma segunda edição, a Casula: amanheceste, na sala Rony Leal,
no dia 11 de dezembro de 2015, mantendo as mesmas 12 horas de performance.
Algumas pessoas se abstiveram de participar da segunda Casula, fosse por não
encontrar significado na repetição da experiência, fosse devido aos conflitos in-
ternos que surgiram no processo de montagem da primeira. Para uma segunda
experiência, decidimos enxugar ainda mais a proposta, Casula diria respeito à
relação existente entre nós, e nossas disponibilidades afetivas e corporais seriam
o único elemento realmente necessário para a execução do trabalho. Essa foi
também uma forma de resolver o fato de que a segunda experiência não se daria
na nossa casa, a sala Cecy Frank, mas sim na casa da nossa turma irmã, o GED
do período da tarde. Desse modo, limamos o inventário e suspendemos as regras
que nortearam a primeira experiência. Casula seria apenas a habitação do espa-
ço, embora tenhamos mantido a lista de músicas para serem disponibilizadas. A
segunda Casula, da maneira como a vivi, foi uma metáfora mais potente dos ar-
ranjos comunais, a ausência de regras trouxe uma maior necessidade da criação
coletiva de estratégias que viabilizassem a convivência dentro daquele espaço e
daquela janela de tempo.
Por fim, Casula foi um compromisso com o risco, com a abertura da cria-
tividade e com as formas de coexistência. Como na vida, nem todos os seus mo-
mentos foram potentes ou bem-sucedidos em suas tentativas de construção, mas
é inegável que apenas o conjunto da experiência possibilitou os momentos em
que as construções coletivas se autonomizaram e proporcionaram experiências
estéticas e afetivas significativas para aqueles que a constituíram, de modo per-
manente ou temporário.

Patricia Nardelli
Mestre em Antropologia Social pela Universidade Federal do Rio
Grande do Sul e especialista em gestão cultural. Trabalha com
dança, voz, música e texto. Integrante do NECITRA e aluna d’O
Ninho, escola de dança contemporânea. Dá aulas de dança tribal
e facilita processos de investigação corporal e criação.
213
Ossoroca
Q
uebrar uma noz não é verdadeiramente uma arte. Portanto, nin-
guém ousaria convocar um público para quebrar nozes na frente
deles. Ossoroca foi o espetáculo de encerramento da turma da
tarde do Grupo Experimental de Dança de 2015, que se iniciou
com o som de nozes sendo quebradas, cortando o silêncio. As nozes também re-
metiam ao ruído de ossos estalando, que se conecta com o desenrolar de todo o
processo – das aulas às montagens.
Mão, pé, umbigo... do quebrar de ossos, uma dança macabra, desmem-
brou-se uma das coreografias de Edu Severino, transformando-a em um jogo que
utilizava as divisões do linóleo e o limite do encontro entre os corpos nas regras.
No centro do processo, o grupo recebeu a provocação da Silvania, se a dan-
ça urbana inscrita no corpo dela era realmente dança. A partir daí, viu-se eclodir
na prática a questão já tanto trazida pelos professores durante o ano: “afinal, o
que é dança?”, dando origem a uma cena com poucas marcações coreo­g ráficas
e muita espontaneidade, ao som de Help me lose my mind, bastante pertinente.
Daqui, caminhou-se de volta ao jogo de entre corpos, espaços e objetos
– brincando agora com a oposição entre o que a trilha sonora oferecia e a ener-
gia presente nos corpos –, até passarmos ao que podemos chamar de “segunda
parte” da montagem, já com uma outra energia e com uma relação muito mais
próxima entre os corpos: O Cardume.
No desenrolar da montagem de Ossoroca, entendeu-se que as partes in-
tegravam um corpo múltiplo que, enquanto presente, se reorganizava. Ainda no
processo, tendo como plano de fundo a música Vírus, da Bjork – que posterior-
mente acabou sendo excluída da montagem – o grupo se entendeu como se fos-
se guiado por um vírus que se espalha entre

214
os corpos e conduz todos a um emaranhado de ossos e corpos livres, resgatando
o espírito do Cardume – número montado na metade do ano para uma mostra.
Do Cardume, chega-se ao que foi batizado pelo grupo de O Jardim, cena
movida pelo amor e pelo suporte que um corpo dá ao outro, independente de
haver troca de peso ou carregamento – existe ao sutil, fazendo com que a estru-
tura exista e germine. A criação dessa cena se deu a partir do texto Fevereiro, de
Matilde Campilho, e veio nos lembrar que o amor é um animal tão mutante, com
divisões possíveis. O que nos leva à penúltima cena, onde a estrutura, ou o todo,
muda de forma, e acontece uma dança já mais agressiva entre as personas Viúva
e o Sádico, ao som de Bach.
Considerando os ossos, o que é mais importante: conduzi-los ou escutá-los?
Por fim, Ossoroca encerra com a busca pelas possibilidades de escuta dos ossos
dos corpos presentes na cena.
Abrindo espaço para fluxos de emoções e impressões pessoais do grupo,
no início da composição dessa massaroca, é importante falar do cenário. A sala
Rony Leal se transformou: paredes foram aos poucos sendo preenchidas, até a sua
totalidade, por jornais, que também viraram espaço de expressão das pessoas
envolvidas, surgindo alguns escritos, como Autonomia, Início, Meio, entre outros.
Não é possível atribuir a orientação do trabalho a um professor do grupo,
mas é certeza que todas as aulas, todas as provocações e todos os experimentos
foram de suma importância para que a turma conseguisse, quase que autonoma-
mente, compor um todo único, embora muito diverso no seu interior.

Turma GED tarde

215
É importante que
esse novo público
tenha consciência
e abra seus
olhares...

216
O que fica
em nós
A
o longo da trajetória do projeto, apenas
em 2009 conseguimos ofertar algumas
aulas à noite na Cia de Arte, já que mui-
tos interessados e interessadas em se ins-
crever não tinham disponibilidade nos turnos diurnos.
Em 2016, optamos por abrir duas turmas, uma dando
continuidade a atividades no turno da manhã (turno
de maior procura) na sala Cecy Frank e uma turma à
noite, na sala Rony Leal na Usina do Gasômetro. Dessa
forma, também pôde ser ampliado o corpo docente.
Ao longo do ano as duas turmas produziram
trabalhos apresentados na Mostra GED, realizada du-
rante a programação do Festival Dançapontocom, no
Tea­
t ro Renascença. A turma da manhã apresentou
nove estudos e a turma da noite, a coreografia Suelen,
além de participar do videodança Gente, de Rosana
Almendares.
Os trabalhos de finalização do ano do projeto
seguiram distintos caminhos. A turma da manhã pro-
duziu o Gala GED, um exercício dançante performá-
tico irônico e cáustico, apresentado no mezanino da 217
Usina do Gasômetro. A turma da noite criou Kairós – o
que fica em nós, utilizando vários espaços da Usina,
como a sala Rony Leal, o píer e o terraço do 4º andar.
Professores

Airton Tomazzoni Iandra Cattani


História da Dança/Processos de Criação Princípios do Movimento

Alessandro Rivellino João de Ricardo


Contato Improvisação Processos Híbridos de Criação

Bia Diamante Juliana Werner


Educação Somática Dança de Salão

Driko Oliveira Karenina de los santos


Danças Urbanas Estudos em Composição Coreográfica

Douglas Jung Neca Machado


Dança Contemporânea Princípios do Movimento e da Coreografia

Eduardo Severino Paola Vasconcelos


Dança Contemporânea Dança de Salão Queer

Eva Schul Thais Petzhold


Dança Moderna Dança Contemporânea

218
Turma da manhã (CCMQ - sala Cecy Frank)
Adrian Geovana Nunes Gomes Ivy Fernandes Michelino
Aline Colombo Szpakowski Janete Vilela Fonseca
Ben-Hur de Almeida Barros João Augusto Pereira
Bruno Cunha Júlia do Nascimento Marchant
Cristiano Vieira Luciana Colvara Bachilli
Daniel Silva Aires Luciana Ventura Konrad
Débora Poitevin Cardoso Maicon Jr dos Santos Macedo
Diego Souza Bittencourt Maíra de Oliveira da Silva
Eduarda Timm Kühleis Marco Mafra
Eryck Richard Correa Balduino Morena G. dos Anjos
Evelyn Ligocki Nicolas Silva de Sales
Felipe Braga Costa Meira Pâmella Saldanha Kepler Corrêa
Fellipe Santos Resende Paula Souza
Fernanda Lenzi Richard Araujo Salles
Flávio Gilberto dos Santos de Lima Sabine Borges Silveira
Francielle Costa Abreu Tales Oliveira Gurgel (Oorjit)
Gabriela Poester

Turma da noite (Usina - sala Rony Leal)


Ananda Barzotto Lugo
Bruna Fernández Chiesa
Cândida Rodrigues de Oliveira
Carlos Henrique Fontoura
Caroline Petersen
Fátima Zanette da Rosa
Flavia Scalon Fogliato
Gabriela Gischkow Kern
Giorgia Fiorini
Jade Lopes
Janaína de Cássia Dambros
João Silvio Borges Júnior
219
Júlia Pellizzari de Mattos
Karen Nunes Rodrigues
Kynaê Primon Narciso
Ligia de Menezes Meyer
Luísa Prestes
Rogério Bertoldo Trindade Silva
Marília Saldanha da Silva
Nathalia Bulgaro Correa
Patrícia Dietrich Paranhos
Patricia Lima da Silva
M
inistrei aulas de dança contemporânea para o Grupo experi-
mental no ano de 2015, para duas turmas, e no ano de 2016 para
uma turma no período da noite. O que acho interessante nesse
projeto de formação é que pessoas de todas as tribos experi-
mentem uma gama de aulas diversas, com professores diversos e com professores
de formações muito diversificadas. Para mim, foi um desafio na medida em que
cada turma, e a cada ano, havia uma variedade de pessoas no que tange às suas
formações, nível técnico, maturidade e conhecimentos em dança. Desafio que
me fez repensar, organizar e preparar aulas em que todos pudessem usufruir com
certo prazer, e que despertassem curiosidade nesse grupo de pessoas/artistas.
Onde entendessem que as aulas fazem parte do processo artístico, fazem parte
do processo de estarem em cena. Alguns alunos querem fazer dança, mas não
querem fazer aula de dança que tenha muita “técnica”, “coreografia”, enfim,
querem discutir a dança, mas não fazer, ou fazer apenas o que está na sua zona
de conforto. Leva um tempo para entenderem que uma coisa está atrelada a
outra, que respiram juntas e que a diversidade é importante para sua formação.
Sempre ministrei aulas pensando em colaborar e potencializar a dança de cada
um, e acredito que muitos alunos do grupo experimental tenham entendido isso,
pelo que vi durante o ano e após participarem do grupo experimental, ou seja, no
que reverberou em seus corpos/mentes e nas suas escolhas artísticas. Mas, sobre-
tudo, o conjunto de professores com diferentes pensamentos/fazeres em dança

220
que ali desenvolveram seu trabalho e ajudaram a potencializar a dança de cada
um. Acredito que se houvesse um maior diálogo entre todos os professores sobre
as propostas pedagógico-artísticas de cada um, o projeto seria mais potente do
que já é. Algo que observei nesses anos é que esses alunos/artistas/curiosos fazem
parte de um público novo para ver/assistir e produzir dança, ou seja, o projeto
também é um formador de público para dança e para as artes cênicas de modo
geral. Então, é importante que esse novo público tenha consciência e abra seus
olhares e suas mentes para a diversidade de dança produzida aqui e para além
das fronteiras, inclusive, ao que é “diferente” ao seu olhar. Importante é que esses
novos artistas tenham a noção clara de que esta formação é, e pode ser, o início
de uma carreira “de vida” e “dançante”. Vida longa ao projeto de formação Gru-
po Experimental.

Eduardo Severino
Coreógrafo, bailarino, professor, produtor/divulgador. Núcleo
artístico principal, juntamente com Luciano Tavares, na Eduar-
do Severino Cia de Dança / Gestor do espaço de dança Sala
209-Usina das Artes/ Idealizador-curador da Mostra Movimento e
Palavra. Faz parte do coletivo de artistas de dança da sala 209.

221
É
difícil escrever a respeito da minha experiência no Grupo Experi-
mental de Dança, principalmente porque ela acontece agora.* Vivo
na pele (e por toda a pele) todos os dias. Mesmo fora do espaço
da Rony Leal, essa experiência habita meu corpo, pulsa em mim e
me faz dançar parada, só com a sobrancelha, só com os dedos, só com um mo-
vimentinho no quadril, com o corpo todo, com mais que o corpo, loucamente,
muito rápido, derramando através do corpo, fora do meu corpo, muito devagar,
dentro e fora da dimensão em que sobrevivemos cotidianamente. Se triste, fico
feliz. Rigorosa e religiosamente. Se feliz, mais feliz ainda. Quando chego em casa,
continuo dançando (e como é difícil driblar essa energia e ir dormir). Vou pra
aula dançando, danço na aula, danço na volta... Sinceramente, não sei se hoje
em dia existe algum momento em que eu não esteja dançando, e a consciência
disso (porque, sim, todos os corpos dançam, a todo o momento, mesmo aqueles
que “pertencem” a pessoas que não sabem disso), que é a riqueza maior de ter
acesso ao tipo de conhecimento que temos no GED. Conhecimento que, tenho
que dizer, é o conhecimento do corpo, mas não só do corpo, muito menos de um
corpo, mas sim de algo que integra toda a vida da criatura, algo que muda o
nosso olhar, nosso sentir. Que transforma tudo, porque tudo se vive com o corpo.
Nós. Não consigo escrever esse texto pensando só na minha perspectiva, nunca
vivi tão plenamente a força de um grupo, de uma convivência cheia de afeto e
cumplicidade, de gente que quer se ajudar, que quer estar junto, dançar junto,
experimentar junto, criar junto, suar junto, rir, chorar, trocar, discutir, beber, comer,
se abraçar, estar, faltar. Eu te vejo. Eu tô aqui. Esse texto (percebo agora), satura-
do de vírgulas e parênteses e sem divisão em parágrafos, nada mais é do que o
reflexo da vivência desse gerúndio intenso. Estamos vivendo. Não existe possibili-
dade de ordenar. A própria possibilidade de escrever sobre isso (A Coisa), e poder
escrever sem normas pré-estabelecidas, também é a experiência do/no GED. Esse
texto não pode ter conclusão, pelo mesmo motivo que não pôde ser um texto
ordenado. Não poderia escrever se não fosse pessoal, fui seduzida pelo convite
222 sem instruções. O Grupo Experimental parece convidar a experimentar na vida,
aceitar o convite foi mais uma forma de experimentar. A todos que passaram pelo
turno da noite, agradeço.

Giorgia Fiorini
Formanda em Licenciatura em Letras (UFRGS)
e estudante livre de teatro e de dança.

* Texto escrito em 2016.


P
ara quem sempre teve certa facilidade com as palavras, escrever
sobre o Grupo Experimental de Dança é tarefa que me surpreende
por se revelar extremamente custosa. A bem da verdade, é que ser
e estar no Grupo diariamente me provoca diversos graus de mu-
dez. Não como censura ou falta, mas como resultado bem-vindo de uma escuta
cada vez mais aguçada do próprio corpo e de tudo que com ele se relaciona.
E escutar é coisa que exige fazer silêncio por algum tempo*. Então, assumindo o
paradoxo de falar a partir do silêncio, tento remontar brevemente o vestígio desse
corpo em devir-ouvido no que diz respeito a sua existência em Grupo, em experi-
mentação e em dança.
O corpo que daqui escuta é de alguém que por muito tempo se desautori-
zou a dançar - embora tenha se desobedecido inúmeras vezes, não sem alto nível
de culpa e embaraço. E assim, cansado de dançar, escondendo-se de si mesmo,
percebe em certo ponto da vida que há algo de inescapável nisso tudo, que há
aí uma busca a ser desbravada. Só que ainda muito inocente sobre o que está em 223
jogo nesse caminho, esse corpo decide ser e estar no Grupo motivado por uma
demanda ainda bastante pessoal, individualizada e identitária. E descobre que
dançar é algo que se dá em relação ao outro (embora achasse que já soubesse,
descobre que essa relação é menos mímica e mais sintônica). Que a dança é
lugar fundamental de alteridade. Que o que entendia como ‘busca de si’ era jus-

* não por acaso, falo em silêncio inspirado em Hans Ulrich Gumbre-


cht, para quem a nossa cultura viciada em dar sentido às coisas nos
fez insensíveis à presença que é ser/estar no mundo, e senti-la inevita-
velmente exige ficar em silêncio de vez em quando.
tamente um desfazer-se de si (que não é fácil e certamente ainda não foi comple-
tamente conquistado) para descobrir que o Outro é também o próprio corpo. Isso
vem como resultado do processo de ser e estar no Grupo, porque se trata de um
espaço de provocação (nem sempre explícita, mas nunca acidental) que molda
um método coletivo de fazer-ensinar-aprender-dança: é como uma pedagogia
da coceira, que não intenta aliviar, mas faz coçar ainda mais. Que coloca eu em
espaço de crise a partir do atrito/contato e o transforma em e.
O corpo que daqui escuta é também o de alguém viciosamente apegado
à nossa mania logocêntrica de explicar as coisas extensivamente, extrair um sen-
tido, um por quê. Alguém que parte de um lugar seguro de achar que saber do
mundo acontece sem implicar-se no nível da carne, da pele, do osso. E que se dá
conta, lançado ao exercício experimental da liberdade que é a arte e a dança,
que essa lente do porque, em algum nível, esquece da materialidade (matéria
bruta mesmo) do processo que é o conhecer. O Grupo exige um ser e estar inevi-
tável que mostra (não explica, mas revela, faz aparecer) que o corpo que dança
é primordial, é inaugural. Dançar não como segunda ordem do corpo, mas como
reencontro de uma potência primeira, como aquilo que podemos certamente
tatear.
O corpo que daqui escuta é, enfim, um corpo que interage também com
muita coisa que o fere, o baliza, o censura, todos os discursos de violência que
estão aí e dos quais nossos corpos não passam incólumes. E esse corpo percebe,
cada vez mais, que dançar é forma de resposta, de abrir espaço (no e com o cor-
po) para o ser que nos é impedido. E compor o Grupo, espaço que faz coexistir
tantos corpos – discentes, do-
centes, crescentes, florescen-
tes – em resistência, é privilégio
que se desdobra em alimento,
em devorar ouvindo essas vozes
224 reativas às barreiras que sufo-
cam arte e vida.

Nicolas Sales
Jornalista, ativista e
carcaça dançante
225
E
ra início de 2016 quando escrevi na carta de intenção para entrar no
GED que o processo de me tornar adulto evidenciou um “corpo pro-
dutivo” para o trabalho que deixou em repouso outro mais pulsante.
Este corpo produzido, menos flexível, até que funcionava bem, mas
se cansou de ser só utilitário. A carta, assim, manifestava minha aposta de encon-
trar no GED um espaço potente para ampliar possibilidades e reflexões corporais
que já vinham me interessando. Meu corpo percebia as contingências de sua
construção e buscava caminhos experimentais para sua transformação.

+ encontros iniciais: sensações


O território fértil de descobertas (novidades) corporais, imersão por meio de
encontros potencializadores, doses viciantes de endorfina liberada dos exercícios,
a euforia gostosa das diversas formas de dançar, o ambiente seguro para um flo-
rescimento artístico, sustentado pelos/as colegas e professores/as, a sensação de
me constituir dançarino.

+ desencontros: entre perdas e marcas


Encontro, desencontro, reencontro, desorientação, deriva, espaço, alarga-
mento do tempo, casualidade, forças, fluxos, deslocamento, imprevisto, aconte-
cimento, busca: corpos em percurso. Palavras e expressões que podem anunciar
descobertas interessantemente vivas, mas também podem remeter a situações de
angústia.
Em um rompante fui lançado à experiência sem medida do desapareci-
mento e perda de minha mãe em um acidente. A brutalidade do baque desorien-
tou a minha rota, afetando não só o que eu vinha desenvolvendo, mas a dimen-
são do horizonte que eu enxergava. A sensação de desamparo produzida pela
morte dela, minha referência primária inclusive nos primeiros passos de dança,
impulsionou o nascimento de novas narrativas de quem sou. Senti necessidade de

226 fortalecer minhas redes de pertencimento, apoio e orientação, nas quais o Grupo
Experimental tinha lugar importante.

+ reencontros
Sem vontade de dançar, não sabia se fazia sentido voltar para o grupo, que
já estava em processo de criação de espetáculo. Mesmo com o corpo enlutado,
queria estar de algum modo junto com as pessoas, restabelecendo os vínculos,
pensando uma participação possível. Quando essa vontade pôde se tornar ges-
to, recebi o acolhimento dos colegas do grupo. O GED pós-morte era outro, mas
também era o mesmo.
Voltei então a me dedicar à dança e ao grupo, colaborando para produzir
o espetáculo do final do ano. O corpo da ação em dança deu lugar ao corpo do
pensamento em dança, do criar narrativa àquilo que foi experimentado ao longo
do ano pelo grupo.
O corpo que sofreu a experiência da morte aos poucos foi se nutrindo de
vida, nesse outro tempo dos encontros.
Foi desse modo singular que o GED se afirmou para mim como espaço aber-
to para uma criação artística e para uma sensibilização corporal, lugar de apren-
dizado, de trocas, de afetações boas e ruins. Eu corpo, que no início do ano dese-
java transformações, não tinha ideia do que estava por vir. Ao longo de um 2016
turbulento, foi-me fundamental pertencer ao grupo e poder participar da constru-
ção de uma dança que se deixou afetar por fluxos distintos e acolheu as contin-
gências, arte atenta à importância, tanto dos movimentos quanto dos intervalos.

João Augusto Pereira


Servidor público municipal desde 2012. Trabalha no Centro Municipal
de Dança da Secretaria Municipal da Cultura de Porto Alegre. Incluiu
em seus estudos em dança o Sapateado Americano.

227
MOSTRA GED

Ensaio sobre o tempo


Daniel Aires, Fellipe Resende, Richard
Salles e Verônica Prokkop

Balbúrdia
Vinicius Jordão e Luciana Ventura

Pétalas
Valentina D’angelo

Livre acordo
Daniel Aires e Fellipe Resende

Vão
Richard Salles

Teste de alma gêmea


Diego Bittencourt

]des[]encontros[
Janete Fonseca e Maíra de Oliveira

Dos atos de escuta


Verônica Prokopp

Algo de si
GED turma manhã
Direção: Karenina de los Santos

Suelen
GED turma noite
Orientação: Alessandro Rivellino

228
D
entro de mim, escondida entre meus desejos secretos, mora uma
bailarina flexível e leve. Enquanto pago as contas do mês ela tenta
saltar pelas ruas de Porto Alegre, correndo atrás dos sonhos. Por-
que a mantinha escondida, ignorava sua habilidade e passei a
vida pensando que a dança é para poucos. A convenci de que não fazíamos par-
te deles. Mas a culpa não era dela. Minha bailarina interior é o meu desejo infantil
podado e moldado a um sistema no qual nos convencem que dançar custa caro,
e só o faz por profissão os privilegiados que podem se dar ao luxo de ser artista.
Só aos 33 anos permiti que ela me convencesse que dançar não é proibido,
nem privilégio de quem pode se dar ao luxo. Isso é ignorância. Deixei a bailarina
me guiar pela vida. Ela me trouxe a notícia das inscrições para o GED – que até
então eu não conhecia.
Foi uma amiga que mandou o link com a frase: “achei tua cara”. Respondi:
“tá maluca, isso é pra gente que dança”; e, ela respondeu “tu dança, Patricia”. E
a bailarina fez coro com a amiga. Fui atrás, me informei, li sobre o GED e já no pro-
cesso seletivo me apaixonei. É um grupo diversificado. Acolhi como oportunidade,
e a bailarina interior começou a rodopiar de felicidade. Tentava me despertar há
anos e decidiu: “agora, você vai entender que podemos dançar”.
Imagine, Porto Alegre conta com um grupo de dança, aberto, plural. Você
e eu e todo mundo pode experienciar. Tem alguém pensando que eu e você
gostaríamos de conhecer a dança e talvez não soubéssemos o caminho. Alguém
sabe o que a minha bailarina sempre soube: todo mundo pode dançar.
Sempre acreditei que a dança é relação, diálogo. Acontece a partir do
encontro. O GED proporciona encontros. Diálogos que só podem existir na rela-
ção. Dançava na sala de casa, embaixo do chuveiro, na festinha, sozinha lá no
cantinho. E na aula de dança de salão. Só. Não sou dançarina ou profissional da
dança. E a bailarina gritava: “E daí?! Dentro de nós existe a dança”.
Descobri nas aulas, depois de um processo de entrega: se eu tenho um cor-
po, danço. Simples assim. Não há o que argumentar. Mover-se é dançar. Entregar- 229

se faz que a dança seja percebida por esse corpo que está se conhecendo. Não
é maluco que o corpo seja a nossa maior intimidade, ao mesmo tempo em que
é um estranho no qual habitamos?! E isso toca fundo. Cada aula é um aconteci-
mento enorme, uma revolução no íntimo. Houve aula que me fez chorar, entender,
sofrer e perceber o quanto me contenho, me seguro, me controlo. Por quê? Nem
eu mesma sei. Talvez nem precise saber, apenas soltar. Acolher que eu danço,
que tu danças, nós dançamos. Juntos ou separados, olhando-se nos olhos ou com
esses fechados.
Cada colega no GED é um ensinador do como dançar e se deixar ser dan-
çado. Um espelho do processo que vivemos no grupo, da experiência que divi-
dimos. Às vezes, basta se enxergar nos olhos e deixar transbordar a emoção que
230 não pode ser expressa em palavras. Cada professor é um condutor que nos ajuda
a encontrar o caminho do corpo que dança; ensina a nos ouvirmos. A reconhecer
que a bailarina que vive dentro da gente, somos nós. Não está separado. Mostra
o caminho de se deixar ser levado pela dança.
Deixar-se ser. Esse é o ponto alto da experiência gediana. Permitir-me ser
levada. Pela emoção, música ou silêncio, pela dança, pelo outro. Compreender
lá no íntimo que dançar é tocar a fantasia da realidade de todo o ser. Dançar com
largos movimentos. Na plenitude que o corpo pode alcançar agora. Ou apenas
sentir a vibração interna, ouvir a música orgânica e deixar-se levar pela pequena
dança. Uma dança tão sutil, tão delicada e que só a percebi através do olhar
do Rogério, da emoção que ele sentiu ao perceber que seu corpo reverberava
a dança silenciosa dos órgãos e compartilhou conosco. Essa é a beleza de ser
grupo. Aprender com a própria experiência e se deixar contagiar com a experiên-
cia do outro. Ou quando um exercício nos propôs oferecermos uma dança como
presente ao colega. E a Cândida me disse coisas sobre minha dança que tocou a
alma e me emocionou por uma geração inteira, fez minha bailarina sorrir e dizer:
viu como eu tinha razão! É sentir a gratidão de saber-se entregue e saber receber.
Olhar no olho do outro e ver a expressão de felicidade que já não cabe no peito
e transborda, porque um movimento “banal” transformou o corpo em lar, onde
a alma da Flávia agora habita com mais graça. Descobrir que caminhar é pura
poesia. Desejar que o mundo possa vivenciar esse poema latente dentro de cada
um. Poder levar para a vida que o sagrado poder da imaginação nos transporta
em voos que transcendem o próprio corpo.
É rir juntos. Dançar juntos. Viver uma experiência que só existe porque somos
grupo. Porque nos permitimos. Porque nos apoiamos. Porque temos o privilégio de
ser a turma de 2016. Anandas carolinas fatimas gabrielas giorgias janaínas karens
kynaes ligias luizas marílias nathalias patrícias. Cada um de nós é único e parte
desse grupo. Parte da história que comemora dez anos.

Patricia Lima
Um corpo que dança. Bailarina em formação.

231
Apresentada no mezanino da
Usina do Gasômetro, no dia
17 de dezembro, às 20h.

Belos vestidos. Make-ups


luxuosíssimos. Corpos no
auge de seu desabrochar.
Leoas de salto alto. Primor
primata. Hair styles da mais
alta pompa. Idiossincrasia
aristocrática. Glamour
decadente. Esquizofrenia
requintada. Garbo mofado.
Tradição torta. Vanera
venérea. Tapete vermelho do
avesso. Chulé chic. Puro luxo
orgânico. Uma celebração
que visa à chegada de
todos, como um cardume,
a um lugar comum. Ou
nenhum.

232
K ÓS
O que fica em nós,
apresentada na sala Rony
Leal (Usina do Gasômetro),
nos dias 16 e 18 de
dezembro, às 18h30.

Kairós parecia caótico,


desordenado, fragmentado, um
apanhado de exercícios feitos em
aula, reproduzidos e adaptados
para o público. Quando
nos dedicamos seriamente
a sua criação, houve uma
transformação: a criação assumiu
as rédeas e o encadeamento
foi-se formando. Cada fragmento
ganhando significado e deixando
suas marcas. O próprio surgimento
do nome foi assim: percebemos
que todos aqueles fragmentos
estavam em nós, haviam nos
marcado e transformado.
Os gregos antigos usavam
duas palavras para designar
o tempo: “chronos” e “kairós”. Assim, se decidiu que haveria
Enquanto o primeiro refere-se ao momentos coletivos e outros de
tempo cronológico ou sequencial pequenos grupos, desenvolvendo
(o tempo que se mede, de natureza o que fora trabalhado e registrado
quantitativa), Kairós tem natureza em nossos corpos ao longo de todo
qualitativa, o momento indeterminado aquele ano. Nossos exercícios de
233
no tempo em que algo especial mapeamento para aprender a criar
acontece. Kairós é o deus do tempo a partir do nosso corpo, nossa dança,
oportuno e, nesse caso, também é combinados com os exercícios
constatação de que o tempo que coletivos das modalidades que
passa, quando vivido de forma plena, experimentamos ao longo do ano,
deixa marcas. No nosso caso, deixou, transformaram-se em fragmentos desse
principalmente no corpo e em cada caos e compuseram o todo daquilo
um de nós, enquanto grupo. que estava em nós.
“A incerteza, por sua vez, é terreno fértil para a criatividade e
para a liberdade. Incerteza significa entrar no desconhecido
em todos os momentos da nossa existência. O desconhecido
é o campo de todas as possibilidades, sempre frescas, sempre
novas, sempre abertas para a criação de novas manifestações.”
Deepak Chopra
cdancasmc.blogspot.com.br
16 de Março de 2016
Resultado da Seleção do Grupo Experimental de Dança 2016
TURMA GED MANHÃ 2016
35. Verônica Maria Prokopp de Oliveira

“E
u estava em um lugar com minha mochila nas costas pe-
sando 16 anos de estudos, conhecimentos, pesquisas e vi-
vências em dança. A princípio, algumas coisas já tinham
assumido seu caráter de verdade, e essas são as que pe-
sam mais. Só descobri que ser a número 35 da lista de selecionados era meu bi-
lhete para o ‘Campo das Incertezas’, quando iniciei o trajeto e minha mochila foi
completamente dilacerada”.
Vivenciar o Grupo Experimental de Dança de Porto Alegre/2016 me fez exer-
citar a arte do silêncio, ou seja, da escuta. Essa escuta não passa apenas pelo
ato de ouvir, mas principalmente pelo ato de ver, de sentir e do auto-questiona-
mento. A diversidade de linguagens propostas encontra eco em um ato de escuta
interno, onde colocam em xeque algumas verdades já estabelecidas por mim
enquanto artista e ser no mundo.
Olhava para minha mochila dilacerada, minhas verdades espalhadas, re-
cortadas, que tentei desesperadamente restaurar. Ao entrar no estado de escuta
eu desisti de restaurar e percebi que elas nunca mais seriam iguais, pelo simples
fato de que os conhecimentos novos adquiridos no GED as fizeram ficar mais cor-
pulentas. Ainda não morro de amores por Jerome Bel, mas todas as reflexões e
discussões intermináveis que sua obra desencadeou em meu pensar dança faz
234
dele uma figura importante na minha mochila.
Eu não só encontrei coisas novas e questionadoras, como também encon-
trei pedaços de memória no GED: os cabelos cor de fogo, os olhos claros, com um
perfume que me lembra bergamota. Quinze anos depois eu a reencontrei.
Amante declarada do ballet clássico. Sim, essa sou eu. E eu o encontrei bem
disfarçadamente, prestando um primoroso serviço na construção de outro voca-
bulário. Mas estava todo mundo lá: plié, tendu, sauté, rond de jambe, 1ª posição,
2ª posição, port de bras...
Em minha mochila, também levarei do GED um pequeno diamante com
propriedades mágicas de longevidade do corpo. Só precisa observá-lo e escutá-
-lo com atenção para ver que ele é capaz de: alongar o primeiro encurtamento,
inflar a cintura escapular, aumentar o espaço entre cintura pélvica e cintura es-
capular, expandir o espaço entre as escápulas e a coluna vertebral, sentar nos
ísquios, entre tantos outros benefícios. Além disso, é excelente no tratamento de
escolioses (aliás, a minha agradece!).
Levarei também um frasco com uma dose de óbvio. Mas o óbvio é óbvio,
certo? Não sei não... Todavia, não significa narrativo. Mas também não imaginá-
rio. Linha tênue, quase imperceptível, mutável como tudo que acontece em tem-
po real. É quase como ficar à deriva, situação essa que proporciona um refino do
olhar para o entorno.
Ah! Tem um bolsinho cheio de uma risada engraçada, umas Cartas para
Noverre, muitas anotações sobre história da dança, algumas plumas das asas dos
Anjos de Apolo, além de muitas conversas enriquecedoras e umas notas no piano.
Sábia é a paráfrase da querida Thereza Rocha: “O problema era como dan-
çar e, ao mesmo tempo, evitar a velha forma de dançar”. Na verdade não se trata
de evitar a velha forma de dançar, e sim de remexer, repaginar, dar novo corpo,
agregar conhecimento, lançar um novo olhar a esta velha forma. É isso que vivo
no GED.
No meio do caminho tinha incertezas. Tinha o GED no meio do caminho.

Ve r o n i c a Prokopp
Bacharel em Artes Visuais pela UFSM. Bailarina, intérprete-criadora
e pesquisadora em dança há 16 anos. Diretora e membro fundador
da Cubo1 Cia de Arte. Intérprete-Criadora da Mimese Cia. de
Dança-Coisa sob direção de Luciana Paludo
235
É importante que
esse novo público
tenha consciência e
abra seus olhares e
suas mentes para a
diversidade de dança
produzida aqui e para
além das fronteiras,

236
Desafios...
E
m 2017, foram mais de uma centena de inscri-
tos para integrar turma num ano emblemático
de comemoração de 10 anos do projeto. Um
ano de desafios para manutenção das ativida-
des do Grupo e, ao mesmo tempo, de comemoração, pois o
projeto se firmou nessa década como uma referência para
a formação de artistas de dança. Uma “formação infor-
mal”. Uma formação que tensiona seus limites, que expan-
de, que confunde, que funde, que incomoda, que dialoga,
que busca frestas, que inventa descaminhos, que anda nas
margens, que redimensiona o entendimento de técnicas, e
que não abre mão da experimentação, do compartilhamen-
to, do trabalho intenso e contínuo. Em nome da pluralidade,
dos comuns no meio das valiosas singularidades (muitas ve-
zes conflituosas e nem por isso menos afetuosas). Uma turma
diversificada e internacionalizada recebendo inclusive uma
aluna do México e outra da Rússia.
E assim, a turma respondeu de maneira intensa e de-
dicada.

...e afirmação
Assim, em dia 3 de agosto, no centenário Paço dos 237
Açorianos, sede da prefeitura de Porto Alegre, foi apresen-
tada a performance Roda, junto às esculturas da Pinacoteca
Aldo Locatelli expostas no Porão do Paço. E a Mostra GED
2017, realizada dia 5 de setembro, na Sala Álvaro Moreyra, pe-
quena para tanto público que veio conferir trabalhos como:
Etta Nóis Cidade
Coreografia: Neca Machado Laís Souza, Renata Ibis,
Todo o Grupo (Dri Kaz, Alice Fogliatto, Chico de Los Santos
Diego Machado, Eduardo D’Ávila,
Chico de los Santos, Gianna Soccol,
Sem Nome
Giorgia Fiorini, Guadalupe Rausch,
Giorgia Fiorini
Juliana Nólibos, Juliano Barros, Ilza do
Canto, Kevin Brezolin, Laís Souza, Lua
Quando a
Lumps, Leila Klein, Leonardo Marim,
Ligia Meyer, Maria Ana Carmo, Maya
Serotonina Acaba
Rodrigues, Nadia Korneeva, Natalia Lili Maya e Dri Kaz
Meneguzzi, Pedro Ciocca, Renata Ibis,
Reynaldo Neto, Samantha Aline, Tiana Aya c i m o n g
Moon)
Diego Machado e
Maria Ana Carmo
Infestação
Eduardo D’Avila e Natália Meneguzzi

238
Raízes em Útero Passado Futuro
Alice Fogliatto, Gianna Soccol, Leila Klein, Kevin Brezolin
Nádia Korn, Lua Lumps, Maya Rodrigues,
Samantha Aline
Pequena Dança às
Avessas
Hipnose Substantivo Natália Meneguzzi e Leonardo Marim
Feminino
Ilza do Canto e Tiana Moon
Sede
Reynaldo Neto
Feira de Ciências:
Suruba Cósmica Roda Viva
Giorgia Fiorini, Reynaldo Neto, Juliano
Coreografia: Fernanda Santos
Barros, Guadalupe Rausch, Eduardo D’Avila
Todo o Grupo

239
Professores

Airton Tomazzoni Janaína Ferrari


História da Dança/Processos de Criação Contato e Improvisação

Alessandro Rivellino João de Ricardo


Laboratório de Percepção Corporal Processos Híbridos de Criação

Iandra Cattani Marilice Bastos


Sistemas Corporais para Fluidez do Fundamentos da Técnica de Martha Graham
Movimento
Neca Machado
Fernanda Santos Dança Moderna
Dança Contemporânea
Paula Finn
Gabriela Guaragna Dança Contemporânea (Oficina
Introdução ao Método Feldenkrays Hiato Vivência)

GRUPO E X P E R I M E N TA L DE DANÇA
2017

Adriele Teixeira Leila Klein de Oliveira


Alexsander Fernandes dos Santos Leonardo T. Marim
Alice Fogliatto Ligia de Menezes Meyer
César Rodrigues Pereira Luisa Krakhecke Amaro
Diego Machado Maria Ana Emerich Carmo
Douglas Florence Mariana Pacheco Tebacker
Eduardo Silveira D’Ávila Martina Frölhich
Francisco Macalão de los Santos Mayara Soares Rodrigues
Gianna Corrêa Soccol Nadia Korneeva
Giorgia Fiorini Natalia Meneguzzi Hejazi
Giulia Milanez Peña Schiavi Pedro Toledo Ciocca
Guadalupe Rausch Tomazzoli Rafaela Cezar Fischer
Gustavo Luz Renata Ibis
Ilza do Canto Reynaldo Lirio de Melo Neto
240 João Lima Rocío Del Rio Mercado
Juliana Nólibos Jorge Samantha Aline da Silva
Juliano Ramos Barros Tamara Giuliana Sitta
Kevin Brezolin Verônica Vaz
Laura Brodt Leistner Feijó (Lua)
T
e entrega.
Mas entrega mesmo, até te ser desconfortável.
Quando isso acontecer, olha em volta.
Olha quanta gente entregue junta e te encontra neles.
Encontra afeto nesse desconforto e te conforta no outro.

Alice Fogliatto

E
star no GED é uma experiência transformadora. Estar em contato com
pessoas que percorreram caminhos tão diferentes é sempre um desafio.
Experienciar visões, movimentos, sentir no corpo como a vida pulsa e flui.
Permitir-se seguir o fluxo. Aprender com os professores e com o grupo. Conhecer
e descobrir pessoas. Vivenciar as mudanças, transformar o olhar e o sentimento.
Dançar a vida, entregar-se a ela e resistir a ela.
O GED é uma jornada de autoconhecimento, de desafios e superações.
Uma reconexão com a vida e com os meus pedaços de alma perdidas.
Agradeço a oportunidade de fazer parte desse projeto, de deixar um pouco
de mim e levar muito de todos com quem tenho convivido e aprendido.
Quem disse que a dança não transforma o mundo? Acredito que um outro
é possível dançando, mudando a vida das pessoas e o GED está ai pra mostrar.

Ilza do Canto

A
dança toca em memórias que me levam à ancestralidade, bem como
aos primórdios da infância vivida no interior. Brincar com o corpo era a
disponibilidade encontrada para correr na rua e subir em árvores. Dan-
çar é tudo aquilo que faz nossos corpos moverem-se numa trajetória sem volta.
Entregar-se no espaço/tempo, fazendo desse movimento um ato de expansão,
241
liberação e transcendência. Nesse contexto, o GED é para mim uma forma de
conscientização da técnica, de tocar em novas linguagens e também de apri-
morar o percurso do desenvolvimento artístico. Experimento de profundo impacto
interno e externo. É o corpo criativo que dança os esconderijos da alma. E então,
ressignificar valores através do movimento que não se desfaz.

Juliano Barros
O
GED é uma possibilidade de voar e firmar raízes. É aprender sobre dan-
ça através da reflexão sobre a prática, com o embasamento teórico e
junto com espaço aberto à experimentação. O Grupo, que já formou
dezenas (centenas?) de bailarinos em Porto Alegre, é um grande “sim” em uma
ilha de “nãos”. Sim para poder dançar com qualquer idade, com qualquer físico,
com qualquer técnica, em qualquer espaço. É uma primeira instrumentalização
que abre portas para a autonomia de novos dançarinos, ou pode ser também
uma aproximação do corpo para quem andava mais longe dele do que gostaria.
Com práticas diárias, exercícios de criação, aulas técnicas, ele é um empurrão-
zão, como diria Larrosa, sobre a “experiência”, para aquilo que nos toca, o que
nos passa, nos atravessa e nos sucede.

Lígia Meyer

R
ostos: desconhecidos. Corpos: singulares. Entre olhos nos olhos, ener-
gias trocadas, descobertas e compartilhamento de saberes, únicos
continuamos. E resistimos, com uma pitada dos corpos dançantes da-
queles que um dia desconhecidos foram.

Maya Rodrigues

N
as primeiras semanas do GED 2017 descobri que estava grávida. Isso me
deixou extremamente confusa, com medo e vontade de desistir das au-
las. Por não saber qual seria a reação dos professores, coordenadores
e colegas, eu escondi a gestação durante 6 meses. É claro que minha barriga
começou a aparecer depois de certo tempo, e eu tive que contar. Foi surpreen-
242 dida com tanto carinho, amor e cuidado que recebi. Eu nunca vou esquecer essa
família linda que acolheu a mim e o Kaori.
Moa
E
star no GED, especialmente em 2017, ano de tantas perdas e total crise
política e social, me faz acreditar cada vez mais na arte enquanto po-
tente alternativa de (re)existência.
Fazer arte, e fazer arte junto, nos faz imensamente fortes. Dançar junto, co-
mer junto, pensar junto, construir junto, compartilhar e criar vidas que vão muito
além do espaço de aula. O GED para mim foi/é e está sendo, antes de tudo, um
grandioso encontro. Ser e estar parte de um projeto tão importante me faz grata
além das palavras. Vocês arrasam. Vida longa ao GED e a nós!

Natália Meneguzzi

F
azer parte do Grupo Experimental de Dança de Porto Alegre é uma
abertura de caminhos e perspectivas: é um novo olhar sobre o ambiente,
sobre tempo e sobre o(s) corpo(s): é vivenciar a dança em diferentes
contextos, espaços e dimensões... seja no palco, na sala de ensaio ou na cidade;
é perceber que onde há corpo, há dança - das virtuosas piruetas aos pequenos
movimentos; é entender que somos plurais e que, em cada um de nós residem
várias & vários & infinitas possibilidades de transformação.

Reynaldo Lirio de Mello Neto

243
244
A
dança cura, empodera, transforma, nos guia, nos faz protagonistas.
Encontrar o real sentido da dança é estar no palco, ao mesmo tem-
po que somos plateia torcendo por cada pequeno movimento con-
quistado. Diante de tantos seres dançantes, compostos por corpos
diversos, com estilos únicos, com características físicas e emocionais diferentes,
nos encontramos no Grupo Experimental de Dança; e, apesar, de me considerar
um ser racional nessa imensidão chamada planeta, acredito que nada é em vão.
Regado de um poder mágico de emponderamento e de impulsionamento que
nos envolve a sempre querer dançar, o grupo nos desafia a cada encontro, tendo
certeza que seremos diferentes de quando começamos. A cada passo dado, a
cada coreografia composta ou criada de uma maneira tão sensível e intensa por
nossas mestras, sinto meu corpo se redescobrindo. O redescobrir nos faz resilientes,
e sermos resilientes nos faz potentes. Quem dera que todo ser pudesse ter a opor-
tunidade de se redescobrir assim. Talvez as escolas estivessem cheias de professo-
res com tamanho envolvimento e crença, talvez a infância tivesse um gosto maior
de futuro e nós, adultos, um gosto maior por nossos sonhos.
Acredito profundamente no poder de mudança e de autoconhecimento
que a dança pode trazer à vida, acredito imensamente no potencial do GED,
acredito que se nada é por acaso seremos multiplicadores de toda aprendizagem
desse tempo bom. A dança não é feita para corpos e sim para almas, qualquer
corpo é capaz de dançar mas só quem enxerga a dança através da alma conse-
gue sentir sua transformação.

Samantha Aline da Silva

245
Sorriso
Cidade
U
ma criação coletiva, que abordou aspectos da cidade e
da vida cotidiana com humor, poesia, ironia, anarquia e
muita dança: Cidade Sorriso. Ao longo do ano, duas ques-
tões marcaram os encontros do grupo: a história da dança
e história da dança da nossa cidade. Esse processo envolveu navegar
por muitas referências de dança e compreender o sentido que essas
referências fariam hoje para esses corpos que habitam/dançam a nossa
cidade. Uma cidade vivida em múltiplas polaridades de amor e ódio,
de delicadeza e violência, de diversidade e intolerância, de assombros
e surpresas. Assim foram sendo articuladas as experiências das aulas
práticas e teóricas com questões filosóficas, estéticas, éticas, políticas,
de gênero, emotivas, geográficas. E nasceu dessa forma Cidade Sorriso
apresentado no dia 15 de dezembro no Teatro Bruno Kiefer da Casa de
Cultura Mario Quintana.

O espetáculo teve orientação de Airton Tomazzoni e Neca


Machado e coreografia com criação coletiva da turma.
Produção: Ilza do Canto e Grupo.
Professores colaboradores: Airton Tomazzoni, Neca Machado,
Iandra Cattani, Fernanda Santos, Ted Borges, João de Ricardo.
Iluminação: Kevin Brezolin. Operação de som e projeções:
Guadalupe Rausch. Vídeo: Martina Frölhich, Gianna Soccol,
Ligia Meyer, Renata Ibis. Arte gráfica: Maria Ana Carmo.
Bailarinos: Alice Fogliatto, Eduardo D’Ávila, Chico de los San-
tos, Gianna Soccol, Giorgia Fiorini, Juliana Nólibos, Juliano
Barros, Ilza do Canto, Laís Souza, Leila Klein, Leonardo Marim,
Ligia Meyer, Maria Ana Carmo, Mariana Tebacker, Maya Ro-
246 drigues, Martina Frölhich, Nadia Korneeva, Natalia Meneguzzi,
Renata Ibis, Reynaldo Neto, Samantha Aline, Tiana Moon.

didática poética
247

árquica d çante
Epilogo

uma proposta de
produção de imagens
Diego Esteves
Wagner Ferraz
* Artistas, professores e pesquisadores da dança
Editores da CANTO – Cultura e Arte

O
Grupo Experimental de Dança (GED), nesses 10 anos de atividade,
vem a ser um investimento de construção de imagens de dança
em Porto Alegre/RS. Isso pode ser dito levando em consideração a
participação daqueles que passaram pelas propostas de sua for-
mação, pelos espaços reservados para atuação de profissionais, pelas atividades
de formação de plateia, pelo investimento na criação e experimentação, pelas
ousadias e por todos aqueles que seguiram vivendo a dança e seus possíveis des-
dobramentos após passar por este projeto. Isso mostra o quanto uma proposta
dessas se faz importante na constituição dos fazeres desse campo e, quanto um
trabalho de continuidade possibilita que tudo isso possa acontecer.

248 10 anos de dança são 10 anos de desenvolvimento, crescimento, investi-


mento e múltiplos resultados de produção de imagens. Dizemos aqui produção de
imagens por construir modos de se ver a dança pela cidade, ou seja, modos de
viver a dança, de respirar dança, de sentir o movimento que faz arrepiar sem sa-
ber o motivo. Assim se faz dança hoje, buscando referência naqueles que já tanto
fizeram, preparando o campo para todos aqueles que virão.
10 anos de trabalho realizado possibilitam elencar algumas imagens:
Formação

Qual a imagem que se tem de uma bailari-


na ou um bailarino formado? O que é estar
formado e o que compõe essa formação?
Talvez nesta imagem esteja uma das maio-
res contribuições do GED para a dança de
Porto Alegre. Essa imagem se desdobra e
Produção
multiplica-se em muitas outras. A ênfase no
e difusão
processo, na experiência e na experimenta-
Criar é produzir. E se podemos separar a
ção borra e confunde algumas imagens que
criação, feita por artistas, e a produção,
outrora se poderia ter de uma formação em
realizada por técnicos, podemos tam-
dança; iniciando pelo corpo a ser formado,
bém misturar tudo isso e encontrar novos
que é tão múltiplo e diferente como pode
modos de produzir e criar. O GED assim
ser esse processo de formação, passando
experimenta também os modos de fazer
pela diversidade do currículo, e dos resul-
a coisa acontecer, modos de fazer junto;
tados que podemos encontrar – resultados
sempre dando créditos às formas possíveis
sempre provisórios, pois a formação passa a
de produzir e difundir a dança pela cida-
ser um processo sempre inacabado e que se
de em solos, espetáculos coletivos, perfor-
confunde com a experimentação.
mances, happenings, vídeos, instalações
e outras experiências (in)nomináveis (en-
Processo de tre as quais este livro agora se inclui).
criação e poéticas
Aquilo que se vê
Afinal, o que pode uma dança? A minha
dança, a sua dança, a dança de quem vê a Qual imagem representa uma dança? O
dança? O que uma dança quer? Pode uma que uma dança nos dá a ver? Quais ima-
dança nada querer e fazer desse nada sua gens nos faz pensar uma dança? E se um
força e nessa afirmação encontrar outras ser com uma cabeça enorme e colorida
danças? Processo e criação são palavras andando pela cidade (para citar apenas
que propõem muitas imagens que o GED uma das intervenções realizadas) pode
colocou em jogo de modos múltiplos e não ser visto como uma dança, por quem
potentes em cada um de seus 10 anos. Que por aí passa, tampouco isso importa, pois
essas imagens, seus jogos e possibilidades de é inevitável que coloque o pensamento a 249
composição, nos levem a mais perguntas, e pensar – e aí jaz uma dança.
estas a mais imagens, que a dança siga a
procurar e inventar, nesse processo, outras
poéticas.
O corpo
que dança

São tantas imagens quanto são os cor-


pos. E são tantos os corpos quanto os
que queiram dançar. Não precisando as-
sim o corpo encaixar-se entre as bordas
de uma imagem pré-definida, recriam-se
imagens dos corpos, dos nossos corpos,
dos corpos da dança, dos corpos a dan-
çar. Tantas imagens produzidas por todos
aqueles que atravessaram esse projeto,
que acreditaram e acreditam na pro-
posta, que a fizeram acontecer. Tantos
artistas e demais envolvidos que compu-
seram o Grupo Experimental, de modos
diversos, nesses 10 anos. Assim, essas ima-
gens apresentam-se nesse livro por meio
de fotografias e escritos, memórias e re-
gistros, danças e performances, educa-
ção e criação em dança, aproximações,
cruzamentos, parcerias, profissionalismo,
experimentações, corpos sedentos por
movimentos... Isso é nítido ao olhar a his-
tória desses 10 anos, ao olhar um traba-
lho contínuo, ao olhar um trabalho que
vai levando consigo quem se aproxima.
Basta olhar as páginas e observar, que se
verá as contribuições para a história da
dança e para a história de Porto Alegre
– e nisso com as imagens da dança na
cidade, e assim elencamos uma última
imagem, a seguir.

A imagem da dança

Pois as imagens sempre são nossas, de


250 cada um e de cada uma. Por vezes se
intenta partilhar uma imagem-guia: eis
aqui A Imagem da Dança! E deste inten-
to o GED desvia – e nisso talvez ele nos
diria: eis aqui seu olho, seu corpo, suas
vontades, seus pensamentos e anseios,
referências, professores e colegas, eis
aqui um espaço, crie suas imagens, e
com elas dance!
Eis aqui um livro.
Créditos de fotos

Capa 2013
Marcelo Cabrera Fotos de Ana Vianna
Págs. 162 e 163: Marcelo Cabrera
Págs. 2 e 3: Cláudio Fachel
Págs. 5, 11 e 13: Ana Vianna 2014
Págs 6, 7 e 10: Carlos Sillero Págs. 172, 175, 186, 189, 191 a 193 e 197:
Luciane Pires
2007 Págs. 174, 182, 194 e 195: Gislaine Costa
Fotos de Ana Vianna Págs. 176 a 178 e 181: Júnior Alceu Grandi
Pág. 18: Divulgação SMC Pág. 184: Ana Vianna
Págs. (sequência, no alto) 177, 179, 181, 183, 185
2008 e 187: Gislaine Costa
Fotos de Carlos Sillero Págs. (sequência, no alto) 180,182,184,186 e
Págs. 44, 45, 58 e 59: Laércio Sulczinski 188: Luciane Pires

2009 2015
Fotos de Marcelo Cabrera Págs. 198, 202, 203 e 209(foto acima): Sofia Cortesi
Págs. 73 e 75: Airton Tomazzoni Págs. 206, 207, 209, 214 e 215: Géssica Hardt
Págs. 204, 205, 208: Divulgação SMC
2010
Fotos de Cláudio Fachel 2016
Págs. 216, 219 a 221, 227 e 232: Marcelo Cabrera
2011 Págs. 218, 223 e 233: Rosana Almendares
Págs. 110, 124, 125 e 127: Marcelo Cabrera Págs. 224, 225, 228, 230, 231, 235: Natália Utz
Págs. 112, 113, 116, 117, 118 e 129: Ana Vianna
Pag. 115: Divulgação SMC 2017
Págs. 120, 121, 122 e 123: Airton Tomazzoni Págs. 236, 238, 239, 243, 245: Vitório Beretta
Pág. 119: Amilcar Cantoni Págs. 244, 246 e 247: Luiza Castro

2012 Epílogo 251


Fotos de Marcelo Cabrera Págs. 248 e 249: Luiza Castro
Págs. 133, 140 a 142: Dora Arduim Pág. 250: Marcelo Cabrera
grupo
p en
d
an a
10
anos

252

Este livro foi composto em


Century Cothic e Braggadocio,
concluído em março de 2018.
Registra 10 anos do percurso do
Grupo Experimental de Dança de
Porto Alegre e integra o Volume 2
da Série Escritos da Dança, da
Secretaria Municipal da Cultura.
Os organizadores

Airton Tomazzoni
E xperimentar sempre foi um vício, tanto que
a sua primeira graduação foi química industrial. A
continuidade desse desejo se espalhou pela ar te e
pelo ensino em muitas instâncias: na graduação em
jornalismo, no doutorado em educação, bailando,
coreografando, planejando, produzindo e voltando
a imaginar e inventar. Criou e dirigiu mais de 20
espetáculos, como Hitchcock Ri (Prêmio Açorianos
de Dança 1999), Folias Fellinianas (20 07) e Guia
improvável para corpos mutantes (Prêmio Rumos
Dança Itaú Cultural 2012). Assim, lecionou por quase
uma década no curso de graduação em dança da
UERGS (20 03 -2011). E, em 20 05, assumiu o desafio
de coordenar o Centro Municipal de Dança, onde
idealizou o projeto do Grupo E xperimental de
Dança da Cidade, além do Festival Internacional
Dançapontocom, o Quar tas na Dança e a Maratona
de Dança de Por to Alegre.

Paula Finn
Bailarina, produtora, ar ticuladora, criadora,
professora, ar tista inquieta e cheia de sonhos e
desejos. Ingressou na primeira turma do curso
de Licenciatura em Dança da UFRGS em 20 09,
onde foi representante discente e integrante
do Diretório Acadêmico. Em 2011, passou a
integrar a equipe do Centro Municipal de Dança,
par ticipando, dentre outros projetos, da produção
do Festival Internacional Dançapontocom e
Grupo E xperimental de Dança. Ar tista e criadora
em Dança, trabalha com dança contemporânea
e flamenco e tem na ar te sua ocupação desde
sempre. Em 2016, junto ao Coletivo Tônuma, criou
o espetáculo Hiato (Prêmio Açorianos de Melhor
Bailarina).

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