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HISTÓ RIA DO TEATRO BRASILEIRO

III
Material com fins pedagógicos elaborados pela profº Diego Ferreira

O Teatro Moderno no Brasil


O TEATRO MODERNO NO BRASIL

1. Um Conceito de Teatro Moderno Brasileiro 3

O Teatro Moderno Brasileiro vem substituir a vigência do Teatro Brasileiro


de Revista, este, por sua vez, era um espetáculo de característica musical,
com temas da atualidade, políticos ou sociais, mas de caráter leve, e com
enredo frouxo para que as canções, as mais diversas quanto ao tema,
pudessem ser inseridas no espetáculo. Era comum o uso de plumas e paetês
por dançarinas e dançarinos que se posicionavam num quadro de dança
enquanto o cantor ou cantora interpretava esta ou aquela canção. As
paródias musicais também eram constantes. O teatro de revista no Brasil
surgiu baseando-se na adaptação de espetáculos do gênero na Europa e
após o surgimento da obra de Artur Azevedo nas décadas finais do século
XIX. Para Décio de Almeida Prado o início do teatro Moderno Brasileiro
compreende dois aspectos, a inserção duma temática de crítica social de
cunho marxista (Deus Lhe Pague, de Joracy Camargo, encenada por
Procópio Ferreira, em 1932) e a temática de cunho freudiano, com Sexo, de
Renato Vianna, em 1934. Décio acrescenta ainda o surgimento do chamado
teatro de bonecos de Álvaro Moreyra, mas este é na verdade tributário do
teatro simbolista e penumbrista, conforme salienta o próprio Décio, em que
no auge da teorização teatral deste tipo de teatro, o próprio ator deveria ser
substituído para que com sua interpretação não interferisse no sentido do
texto dado por seu autor, vide o teatro de Maeterlinck.
Mas é com o teatro de Oswald de Andrade da década de 30 (O Homem e o
Cavalo, 1934; A Morta, 1937 e  O Rei da Vela, também de 1937) é que se
firma um conceito de modernidade para o Teatro.
“Assim cria não só uma dramaturgia (apesar de pequena) de
invenção, mas também, rompendo definitivamente com o teatro
naturalista e realista, cria uma forma teatral original, inovadora,
nacional e longe de tudo o que fazia no teatro brasileiro de então.
Sua dramaturgia, como o restante de sua obra, estava carregada dos
procedimentos antropofágicos: devorar os elementos enriquecedores
de outros textos e contextos, sejam eles culturais, sócias, político ou
estéticos e, produto dessa devoração canibal, produzir a arte
brasileira.” (GARDIN, Carlos “A cena em Chamas” em:
ANDRADE, Oswald de. Obras Completas: A Morta. São Paulo,
Globo, 1991. p. 8).
A opinião de Gardin vem apenas reforçar um aspecto já apontado por
Décio de Almeida Prado em seu Teatro Brasileiro Moderno: “Para Oswald,
em particular, o teatro foi uma paixão da adolescência que reviveu com
ímpeto na idade madura, levando-o a escrever três peças (...) O Rei da Vela
(...) participa a seu modo da atmosfera otimista, de expectativa de
profundas reformas estruturais que originou Deus lhe Pague... e Sexo. Não
erraríamos se a puséssemos sob a dupla égide de Marx e Freud.” (PRADO,
p. 29). Fernando Peixoto acrescenta como peça importante para o
surgimento do Teatro Moderno no Brasil, “o alucinado Bailado do Deus
Morto, de Flávio de Carvalho, espetáculo que em 1933 determina o
fechamento do ‘Teatro Experimental de São Paulo”, devido à censura.
Como o nome da peça já anuncia, a dança é um aspecto do espetáculo, os
atores dançam ao ritmo de músicas experimentais ao passo que anunciam a
morte de deus e a repetição desta notícia em diferentes contextos-cenários
passa a ser uma confirmação de verdade. Depois conta-se o modo de sua
morte, como observa Wiliam Golino:
“Demonstrada a inegável inexistência de deus, passa-se a contar a história
de seu fim. Apresenta-se a vida de deus igual às feras do mato, vivendo
numa natureza sacralizada, portando o indesejável atributo de não poder ser
transformada, exatamente contrário ao projeto de Flávio de Carvalho, que
não só propunha como transformava constantemente a natureza no sentido
complexo e ampliado que esta deve ter constituída com o homem.”
(GOLINO, p.3) A peça foi proibida antes da quarta encenação pela polícia,
alegando atentado aos bons costumes e imoralidade. Mas o  conceito de
teatro moderno brasileiro não se resume ao surgimento de peças que
apresentam temática fundada na apresentação duma interpretação freudiana
da psique nem tampouco na análise social de caráter marxista, mas é um
conjunto maior de características, que começam a se compor com mais
clareza com a encenação de Vestido de Noiva, em 1943, com direção do
polonês Zbigniev Ziembinsky, da autoria de Nelson Rodrigues.
Ziembinsky tinha um probema de encenabilidade da peça, uma vez que a
ação se desenvolvia em três planos distintos, mas justapostos: o da
realidade, que envolvia o acidente de Alaíde e sua ida ao hospital; o da
Memória, com as digressões em flash back e o da alucinação, com a
presença da personagem Madame Clessi. A solução foi dada por um
engenhoso jogo de luzes e a divisão do palco. Este aspecto é de natureza
cenográfica expressionista, como observa URSSIR: “Os cenógrafos
expressionistas rejeitavam tudo o que fosse supérfluo e não consideravam o
cenário como lugares, mas visões sugeridas pela dramaturgia. As
atmosferas cênicas eram definidas por luzes e cores contrastantes,
arquiteturas distorcidas e planos dentados, proporcionando cenas diagonais
e múltiplas. O ânimo inconstante e dilacerado do homem moderno era
sintetizado por elementos arquitetônicos como escadas, planos giratórios,
volumes e pontes suspensas que se estendiam pelo espaço do palco. Os
expressionistas visavam não menos que a regeneração do espiritual do ser
humano  e exploraram intensamente as possibilidades do palco moderno e
do novo meio que se firmava, o cinema.” (URSSIR, p. 51-52). Eudinyr
Fraga comentando este aspecto expressionista de Vestido de Noiva, atenta
para o fato de que Ziembinsky percebeu  que aquela sucessão de cenas
rápidas entre os diferentes planos, ao mesmo tempo que apresentava uma
desagregação da consciência, proporcionava um grande envolvimento com
o espectador, de tal maneira, que poderia ser uma perturbadora experiência,
uma vez que a mente de Alaíde se reconstituía somente na mente do
espectador, “numa metáfora do  mistério do ser humano, da sua
incapacidade de realização” (FRAGA, p. 63) e felicidade no cenário das
contradições sociais.

2. A Crítica de Décio de Almeida Prado

Decio de Almeida Pra do (1917-2000) teve papel fundamental no


desenvolvimento da crítica teatral no Brasil, por trabalhos como o já
citado Teatro Brasileiro Moderno, Apresentação do Brasileiro
Moderno e outros, como Teatro de Anchieta a Alencar; O Drama
Romântico Brasileiro; História Concisa do Teatro Brasileiro. No que
tange à sua crítica sobre o teatro brasileiro moderno, Teresa de
Almeida Arco e Flexa assim comenta a importância do trabalho do
crítico:

“Capturando, pois, com uma escritura notável esse desfile de


espetáculos nacionais e estrangeiros, que, a partir dos anos 40, se
sucederam num período de progresso do teatro brasileiro, Décio de
Almeida Prado possibilitou que a arte do palco, a mais fugidia de
todas, com instantâneos feitos de gestos, sons, rostos e olhares, se
fixasse no imaginário do leitor com a força da perenidade.”(ARCO E
FLEXA, p.9) No livro organizado por Vilma Areas, João Roberto
Faria e Flavio Wolf de Aguiar, Décio de Almeida Prado: Um
Homem de Teatro, no capítulo escrito por Sábato Magaldi (“Um
Crítico a frente do teatro brasileiro”) assim se conclui sobre o que se
deve fazer agora, depois dos escritos de Décio: “Qualquer novo
estudo sobre teatro brasileiro tem de partir, obrigatoriamente, de seus
comentários.” (p.88)
De fato, o trabalho crítico sobre o teatro brasileiro moderno e sobre o teatro
brasileiro em geral, carece ainda de maiores desenvolvimentos, ainda
existem lacunas acerca de obras e produções teatrais que aguardam esse
trabalho de pesquisa. Mas aos poucos, isto vem se fazendo, basta lembrar
da recuperação para o conceito do teatro moderno de caráter surrealista, o
livro sobre a obra de Qorpo-Santo levado à cabo por Eudinyr Fraga
(Qorpo-Santo: Surrealismo ou Absurdo?). No caso de Décio de Almeida
Prado seu trabalho foi comparável ao de Antônio Cândido com sua
Formação da Literatura Brasileira, só que menos orgânico, uma vez que
muito do que escreveu foi para jornais, ao sabor da urgência, exceção feita
aos seus trabalhos acadêmicos acerca do teatro de João Caetano. Neste
sentido, a definição do que compõe o teatro brasileiro moderno acaba se
pautando no trabalho definidor de Décio, acrescido aqui e ali de outros
autores que apontam aspectos específicos aqui ou ali em determinada obra
ou autor.

2. Um Panorama de Autores e Obras

Não vamos aqui fazer um levantamento exaustivo, bibliotecário do teatro


brasileiro moderno, mas listar algumas peças que pelas suas características
e pelo momento que apareceram na cena brasileira, compõem um
panorama inicial do teatro brasileiro moderno, com vistas a formar um
conjunto que seja, digamos, formador do teatro brasileiro moderno, existem
muitos outras peças e autores aqui não citados, mas, efetivamente,
acreditamos que estas peças aqui citadas apresentam um panorama bem
significativo da produção do teatro brasileiro moderno:
Deus lhe Pague (1932) –  Joracy Camargo
Sexo (1934) – Roberto Vianna
Bailado do Deus Morto (1933) – Flávio de Carvalho
O Rei da Vela (1937) – Oswald de Andrade
A Morta (1937) – Oswald de Andrade
O Homem e o Cavalo (1934) – Oswald de Andrade
Amor (1933) – Oduvaldo Viana
Vestido de Noiva (1943) – Nelson Rodrigues
Café (1943) – Mário de Andrade
Sinhá Moça Chorou... (1940) – Ernani Fornari
Amanhã se não chover (1949) – Henrique Pongetti
Um Deus Dormiu lá em casa (1949) – Guilherme Figueiredo
Da Necessida0 de de Ser Polígamo (1949) – Silveira Sampaio
A Canção dentro do Pão (1953) – R. Magalhães Jr.
Moral em Concordata (1956) – Abílio Pereira de Almeida
Rua São Luís, 27, 8.º Andar (1957) –Abílio Pereira de Almeida
As Mãos de Eu0rídice (1950) – Pedro Bloch
Dona Xepa (1952) – Pedro Bloch
A Moratória (1955) – Jorge de Andrade
Os Ossos do Barão (1959) – Jorge Andrade
O Auto da Compadecida (1956) – Ariano Suassuna
Morte e Vida Severina (1955) – João Cabral de Melo Neto
Barrela (1958) – Plínio Marcos
A Moratória (1956)  – Jorge de Andrade
Eles Não Usam Black-tie (1959) – Gianfrancesco Guarnieri
O Pagador de Promessas (1960) – Dias Gomes
O Santo Inquérito (1966) – Dias Gomes
Em Moeda Corrente do País (1960) – Abílio Pereira de Almeida
Revolução na América do Sul (1960) – Augusto Boal
Odorico, o Bem Amado (1962) - Dias Gomes
Arena Conta Zumbi (1965) Boal e Guarnieri (Teatro de Arena)
Arena Conta Tiradentes (1966) – Boal e Guarnieri (Teatro de Arena)
Navalha na Carne (1967) – Plínio Marcos
Dois Perdidos Numa Noite Suja (1966) – Plínio Marcos
O Abajur Lilás (1969) – Plínio Marcos
Opinião (1964) – Oduvaldo Vianna F.º
Corpo a Corpo (1971) – Oduvaldo Viana F.°
Rasga Coração (1974) – Oduvaldo Vianna F.º

4. Características do Teatro brasileiro Moderno

Aqui listamos, meio que didaticamente e esquematicamente as


características apontadas pela crítica do que é o teatro brasileiro moderno:
a) influência do discurso marxista (de esquerda), e por isso mesmo, contra
os estados ditatoriais (Getúlio Vargas, Período Militar)
b) influência da psicanálise freudiana para compreensão dos conflitos
existenciais do homem na sociedade brasileira.
c) Cenografia com influência expressionista
d) Influência do teatro épico brechtiano (Teatro de Arena)
e) Antropofagia revisitada (Oficina, José Celso Martinez)
f) Revisão de Qorpo-Santo, Surrealismo e o Teatro do Absurdo (P.ex., o
grupo Ornitorrinco nos anos 80 de Cacá Rosset)
g) “Teatro do oprimido” de Augusto Boal
h) Experimentalismo no espaço cênico
i) Metateatro – metalinguagem do teatro
Estas características não devem ser entendidas como presentes em
quaisquer peças do período que tratamos, mas sim, como possibilidades
para entendimento de um determinado texto. Uma peça pode apresentar
uma ou outra característica mais específica e não ter outras deste conjunto,
mesmo porque algumas destas são presas a movimentos teatrais específicos
(Oficina, Arena, Oprimido, Expressionismo). De fato, as duas primeiras
características, como já apontava sabiamente Décio, são as mais
recorrentes.

5. O Objeto em cena e a significação simbólica do Objeto

Um aspecto que queremos apontar na análise do teatro brasileiro moderno é


o modo como se articula a construção do espaço cênico. O ator, no teatro
brasileiro moderno, tem diante uma gama de possibilidades de
interpretação. As escolas de teatro que se formaram a partir da década de
30 no Brasil, buscaram o desenvolvimento e a prática de técnicas de
representação fundadas na exploração das potencialidades do ato cênico.
Superando a negação do papel do ator, existente no rasgo mais profundo do
teatro penumbrista, ou na superficialidade tipológica do teatro de revista, a
representação encontrou no período de 1930 ao final do século XX um
enriquecimento significativo. O Expressionismo, o teatro do Absurdo, o
teatro épico, o teatro do oprimido, o teatro surrealista, enfim, abriram as
possibilidades de discussão do papel do ator em cena. Mas um ponto a se
observar é o modo como elementos simbólicos são tratados no teatro
brasileiro moderno para compor na presencialidade deste símbolos um
recurso alegórico de ressignificação. Assim, a cruz em O Pagador de
Promessas, o sapato em Dois Perdidos Numa Noite Suja, o telefone e o
rádio em O Rei da Vela, o buquê em Vestido de Noiva, o Black-tie
(smoking com gravata borboleta preta), o diploma de costureira e o convite
falso para teste de cinema em Eles Não Usam Black-tie; o cemitério em
Odorico, o bem-amado; o pão e o cachorro em Auto da Compadecida de
Ariano Suassuna; o abajur em O Abajur Lilás, são apenas alguns exemplos
de como determinados objetos colocados em cena são tratados de forma a
possuírem um significado simbólico que é ressignificado na solução do
conflito e no momento de  elevação da tensão dramática ou clímax.
Os objetos em questão são conhecidos do cotidiano do público, estão
presentes em relações cotidianas, possuem valor seja no sentido de troca,
seja no sentido de uso e funcionalidade. O buquê, por exemplo, é
tradicional nos casamentos cristãos realizados no Brasil, signo de
afirmação de um sonho de realização pelo casamento para a mulher, é
costumeiramente jogado pela noiva para que as convidadas disputem a
posse dele, o que simbolizaria a promessa de casamento próximo. Mas em
Vestido de Noiva, de Nelson Rodrigues; a cena final, em que o buquê é
passado de uma irmã para a outra, ganha novo significado, dramático,
trágico. O sapato disputado por Tonho e Paco (Dois Perdidos Numa Noite
Suja) não é somente um objeto de uso comum, mas é o signo de uma
possibilidade de ascensão social e por isso mesmo, a contradição dessa
possibilidade. Enfim, os objetos nestas peças são modificados, tornam-se
símbolos ressignificados cuja presença na cena serve de alegoria (no
sentido da concretude pelo abstrato) do desmascaramento de um discurso,
no mais das vezes, burguês ou capitalista. Assim, o modo como o rádio e o
telefone comparecem na peça O Rei da Vela, de Oswald de Andrade,
confirma, por sua vez, esta ressignificação. Vejamos o caso do rádio nesta
peça. No segundo ato, em determinado momento João liga o rádio e se
ouve uma valsa de Strauss que “amacia o ambiente”:  “-Papagaio! Toda
vida de Strauss! Ora!” João resolve trocar de estação, ouve-se o ruído da
troca de estação e então Abelardo intervém: “-Não. Deixe Strauss! É o
adultério! A voz mais pura do adultério... Escutem!” Heloísa a seguir diz:
“-A guerra acabou com esses refúgios...” João: “Prefiro um Fox... O
Banqueiro: “-Uma Fox danz. Vamos Valz é triste!”. Porém, no terceiro ato,
ao final da peça: “Uma voz no rádio: -Proletários de todo o mundo, uni-
vos!
Aqui fala Moscou. Mos...”
O modo como o rádio é usado na primeira cena e a mensagem que ele
transmite na cena do terceiro ato implicam numa modificação da função do
rádio. No início é para o deleite, para a música e para as impressões que
esta ou aquela música causam com relação aos sentimentos de cada
personagem, na cena final é um recurso para a divulgação de uma
mensagem política que se contrapõe ao sistema social capitalista.
Acreditamos que seja possível fazer um estudo dos objetos simbólicos nos
cenários do teatro moderno e que estes tenham essa função ressignificativa.
Entendamos aqui a função ressignificativa como expressa em nosso Teoria
do Neo-estruturalismo Semiótico, qual seja, a de dar ao signo um sentido
superssimbólico , abrangente, ligando e modificando o significado usal do
símbolo para um novo significado, originário do processo criativo artístico.
Se confirmado, poderíamos assim considerar como uma característica do
teatro moderno brasileiro essa ressignificação do objeto simbólico como
forma de desmascaramento ou desvelamento da realidade ou do discurso
do sistema acerca da realidade.

1. A encenação de Vestido de Noiva, de Ziembisnki.


Data de início: Vestido de Noiva:28-12-1943
Local de realização: (Brasil / Rio de Janeiro / Rio de Janeiro) | Instituição
de realização: Theatro Municipal do Rio de Janeiro

Obra de referência no teatro brasileiro que incorpora as mais notórias


conquistas da modernidade cênica, marcando o encontro do texto
de Nelson Rodrigues (1912-1980) com uma encenação de excepcional
qualidade de Ziembinski (1908-1978) para o grupo carioca Os
Comediantes. O texto é retomado por Sergio Cardoso (1925-1973) em
1958, numa nova montagem também histórica, realização que projeta a sua
companhia em parceria com Nydia Licia (1926).
O autor situa sua obra como uma trama de "ações simultâneas em tempos
diferentes". A partir do acidente de que é vítima, "a protagonista Alaíde,
em estado de choque, reconstitui os acontecimentos marcantes de seu
passado próximo e se entrega às fantasias do subconsciente, encontrando-se
no território do imaginário com Madame Clessi, a mundana de existência
aventurosa, com quem se identifica e se compensa do cotidiano
insatisfatório. A matéria primordial de Vestido de Noiva é, assim, a
projeção exterior da mente de Alaíde",1 conforme grifa Sábato Magaldi
(1927).
O enredo é bastante simples: duas irmãs lutam entre si pela posse de um
homem, ele que, casando-se com uma delas, não deixa de cortejar a outra.
A morte de Alaíde - sem que fique esclarecido se acidental ou provocada -
estende um manto de mistério sobre este triângulo de criaturas, marcado
pelos confrontos, a inveja e o rancor. Nem o casamento com o viúvo livra
Lúcia, a irmã, da infelicidade.
Para dar concretude aos três planos imaginados por Nelson Rodrigues, o
cenógrafo Santa Rosa (1909-1956) projeta uma ampla construção, por ele
definida como "arquitetura cênica". Um prodigioso plano de luz, criado por
Ziembinski, incumbe-se de fornecer os climas soturnos solicitados pelos
ambientes e viabiliza a necessária agilidade para a passagem de um plano a
outro, através de cortes bruscos, soluções técnicas consideradas de
fundamental importância para o fluxo da peça.
A encenação é aparatosa, mobilizando um grande elenco que ocupa o palco
do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, estreada a 28 de dezembro de
1943. Nos papéis centrais estão Lina Grey (ou Evangelina Guinle) como
Alaíde, Auristela Araújo como Mme. Clessi, Stella Perry como Lúcia e
Carlos Perry como o namorado/marido Pedro. São intérpretes depurados e
ensaiados com extremo rigor por Ziembinski, capazes de passar dos tons
leves e maliciosos aos pesados e histéricos, infundindo às criaturas rico
registro de gamas e expressões. Este tom expressionista, coerente com o
conjunto da realização, é surpreendido naquilo que possui de poético,
próprio à exploração das nuanças abarcadas pelo universo do autor.
A montagem eleva o grupo amador Os Comediantes à condição de criar o
primeiro espetáculo efetivamente moderno do nosso teatro, apoiado em
texto de autor nacional. Merece do crítico Décio de Almeida Prado (1917-
2000) extenso e elogioso comentário: "É provável mesmo que em nenhuma
outra peça tenha Ziembinski sido tão feliz na mise-en-scène, como nesta.
[...] com intuição admirável, adivinhou e valorizou tudo o que o autor quis
dizer, dando à peça uma interpretação das mais lúcidas. O próprio estilo da
representação, o próprio jogo dos atores acompanharam fielmente o
ziguezaguear do texto, mantendo inclusive a distinção entre os três planos:
as cenas desenroladas no plano da alucinação são jogadas num estilo
francamente expressionista, que viola deliberadamente a realidade para
conseguir maior efeito plástico e dramático, em contraste com as cenas da
memória, já mais próximas do cotidiano, e, ainda mais, com as cenas do
plano da realidade, que chegam até o naturalismo perfeito da mesa de
operação".2
Em 1958 a mesma peça conhece, num espetáculo conduzido por Sergio
Cardoso para sua companhia, uma surpreendente retomada, agora em São
Paulo. O encenador, influenciado pela estética despojada do Théatre
National Populaire (TNP), comandado por Jean Villar, idealiza uma
cenografia em três planos abstratos, interligados entre si e recortados por
uma linha de luz que brota do chão. Tudo o que havia de expressionista na
encenação anterior é aqui depurado, resolvido em chave quase realista,
onde os atores entram e saem de cena carregando móveis e objetos. Os
efeitos trágicos ou as expressões grotescas são reservados para os
momentos culminantes do enredo, o que inspira aos diálogos uma
densidade muito mais corrosiva e sórdida.
Trata-se de uma leitura que busca na obra não seus efeitos datados ou seu
estilo carioca, mas que almeja aquilo que as personagens detêm de
essencial como perversidade humana. Nydia Licia como Alaíde, Ana Maria
0Nabuco como Lúcia, Wanda Kosmo (1930-2007) como Mme. Clessi e
Carlos Zara (1930-2002) como Pedro compõem um elenco afinado com ta0
is propostas do diretor, impregnando a cena de figuras densas, sombreadas,
desamparadas e amorais. Carlos Zara obtém aquele que é apontado, durante
muito tempo, como seu melhor desempenho sobre os palcos.
Essa nova encenação desperta no crítico Décio de Almeida Prado
comentários entusiasmados: "Vestido de Noiva assenta-se, portanto, sobre
esses dois pilares: apresenta um interesse de natureza inteiramente teatral, o
de contar uma história de maneira a nos deixar presos ao seu desenrolar, e
penetra num certo mundo obscuro, de sentimentos inconfessados, que nem
por ser menos nobre deixa de representar um dos aspectos essenciais da
0personalidade humana. [...] Sergio Cardoso conseguiu, portanto, realizar o
milagre em que ninguém acreditava: reapresentar Vestido de Noiva como
se Ziembinski e o expressionismo nunca tivessem existido, isto é, sem se
deixar influenciar e também sem procurar fugir a qualquer custo do que
fora feito antes. A sua encenação é original no sentido mais raro e genuíno
da palavra, o etimológico, no sentido de provir diretamente da origem, de
ter voltado ao texto, deixando-se guiar e inspirar exclusivamente por ele".3

3. A moderna dramaturgia brasileira:

Nelson Rodrigues, Plínio Marcos, Vianinha, Oswald de Andrade


entre outros.

Nelson Rodrigues

Dramaturgo, nascido no Recife e criado no Rio de Janeiro, deixou legado


de 17 peças, além de romances, contos e crônicas

Nelson Falcão Rodrigues nasceu no Recife, em 1912. Aos 5 anos,


mudou-se com a família para o Rio de Janeiro, indo morar na Rua Alegre,
em Aldeia Campista, bairro que depois seria absorvido pelos vizinhos
Andaraí, Maracanã, Tijuca e Vila Isabel. Em contato com a imaginação
fértil do futuro escritor, a realidade da Zona Norte carioca, com suas
tensões morais e sociais, serviu como fonte de inspiração para Nelson
construir personagens memoráveis e histórias carregadas de lirismo trágico.
Aos 13 anos, ingressa na carreira de jornalista, trabalhando como repórter
policial em A Manhã, um dos jornais fundados por seu pai, Mário
Rodrigues, que marcaram época – o segundo foi Crítica, palco de uma
tragédia que abalaria o dramaturgo profundamente: o assassinato de seu
irmão, o ilustrador e pintor Roberto Rodrigues, em 1929.
Lado a lado com o teatro, o jornalismo foi para ele um ambiente
privilegiado de expressão. Dentre seus textos propriamente jornalísticos,
destacam-se aqueles dedicados ao futebol, em que empregou toda sua veia
dramática, transformando partidas em batalhas épicas e jogadores em
heróis. Trabalhou nos mais diversos jornais e revistas, assinando artigos e
crônicas, como a popular e discutida coluna “A Vida Como Ela É…”.
Em 1943, a consagração no Teatro Municipal do Rio de Janeiro: sua
segunda peça, Vestido de Noiva, montada por um grupo amador, Os
Comediantes, dirigida pelo polonês recém-imigrado Ziembinski e com
cenários de Tomás Santa Rosa, revolucionava a maneira de se fazer teatro
no Brasil. Sua peça seguinte, Álbum de Família, de 1946, que trata de
incesto, foi censurada, sendo liberada apenas duas décadas depois. Dali em
diante, sua obra despertaria as mais variadas reações, nunca a indiferença.
O prestígio alcançado pelo reconhecimento de seu talento não livrou-o de
contestações ou perseguições. Classificado pelo próprio Nelson Rodrigues
como “desagradável”, seu teatro chocou plateias, provocando não apenas
admiração, mas também repugnância e ódio, sentimentos muitas vezes
alimentados por seu temperamento inclinado à polêmica e à autopromoção.
Nelson Rodrigues morreu no Rio de Janeiro, em 1980, aos 68 anos. Além
dos romances, contos e crônicas, deixou como legado 17 peças que, vistas
em co njunto, colocam-no entre os grandes nomes do teatro brasileiro e
universal.

PLINIO MARCOS

Plínio Marcos de Barros (Santos, São Paulo, 1935 - São Paulo, São Paulo,
1999). Autor. Renovador dos padrões dramatúrgicos, através de enfoque
quase naturalista que imprime aos diálogos e situações, sempre cortantes e
carregados de gírias de personagens oriundas das camadas sociais
periféricas, torna o palco, a partir dos anos 1960, uma feroz arena de luta
entre indivíduos sob situações de subdesenvolvimento.
Vive até a juventude em Santos, quando ingressa em um circo-teatro, no
qual ocupa diversas funções e destaca-se como o palhaço Frajola. Em 1958,
é chamado para substituir um ator no grupo amador que Patrícia Galvão,
mais conhecida como Pagu, e seu marido Geraldo Ferraz mantém na
cidade, e conhece autores como Samuel Beckett e Fernando Arrabal.
Desses contatos resulta a primeira encenação amadora de um texto
seu, Barrela, em 1959, dirigido por ele próprio, centrado numa curra em
uma cela de prisão, o que provoca escândalo na sociedade santista.
Plínio exerce diversas funções, como vendedor de álbuns de figurinhas,
camelô, e, no início dos anos 60, técnico da TV Tupi . Em 1966, sob a
direção de Benjamin Cattan, ele e Ademir Rocha interpretam Dois
Perdidos Numa Noite Suja, no Ponto de Encontro, bar da Galeria
Metrópole, em São Paulo, o que marca sua estréia como profissional.
Navalha na Carne, sua obra seguinte, enfrenta graves problemas com a
Censura, o que desencadeia mobilização da classe teatral. Leituras
no Teatro de Arena e no teatrinho particular de Cacilda Becker e Walmor
Chagas reúnem a crítica e artistas, que pressionam pela liberação do texto,
permitindo à montagem estrear em 1967. Porém  o pungente desempenho
de Ruthinéa de Moraes, vivendo a prostituta explorada pelo proxeneta, só é
0liberado para maiores de 21 anos. O mesmo papel irá impulsionar a c
0arreira de Tônia Carrero, na montagem carioca sob a direção de Fauzi
Arap, em 1968. No ano anterior, Plínio dirige mais um outro texto, Quando
as Máquinas Param, no Teatro de Arte, sala pequena do TBC, que chama a
atenção para o trabalho de Miriam Mehler. Também em 1967, surge nova
criação, Homens de Papel, com Maria Della Costa interpretando a catadora
de papel Nhanha, pelo Teatro Popular de Arte - TPA.
Fervoroso defensor dos seus direitos, Plínio envolve-se em agudo debate,
transmitido pela TV, com a deputada Conceição da Costa Neves, no qual
advoga pela sua liberdade de expressão. Já é um nome nacional e, como
articulista do jornal Última Hora, dispõe de uma tribuna para arremeter
contra a censura e a ditadura.
Sua vida insubmissa, seus textos desbocados e cheios de fúria, sua teimosia
em não aceitar cortes, em não negociar com a Censura, levam à proibição
de toda sua obra. Proclama-se um "autor maldito", sempre que tem a
oportunidade de fazer pronunciamentos públicos.
Jornada de um Imbecil até o Entendimento, encenada por João das
Neves no Grupo Opinião, em 1968, é nova oportunidade para gerar
polêmica. Em 1975, um episódio ilustra o clima em que ele sobrevive: a
montagem de Abajur Lilás, com direção de Antônio Abujamra, é proibida
no ensaio geral, levando a produção à bancarrota e Plínio à condição de
autor cuja obra inteira encontra-se interditada. A peça enfoca a vida de três
prostitutas exploradas por um cáften homossexual, num clima de mórbida
dependência.
Sobrevive como articulista dos raros órgãos de imprensa que o aceitam; só
c0 onsegue voltar a atuar em 1977, com o musical O Poeta da Vila e Seus
Amores, sobre a vida de Noel Rosa, na encenação de Osmar Rodrigues
Cruz, que inaugura a nova sala do Teatro Popular do Sesi - TPS. A seguir,
uma peça amena: Sob o Signo da Discoteque, de 1979, período menos
tenso que marca uma mudança de rumo - Plínio interessa-se pelo estudo de
assuntos esotéricos e pela leitura do Tarô.
Dessa nova fase nascem Madame Blavatsky, encenada por Jorge
Takla 1985, grande painel sobre a vida da mística autora de A Doutrina
Secreta; e Balada de um Palhaço, com direção de Odavlas Petti, 1986,
sobre dois palhaços de circo que dividem o picadeiro.
Durante muitos anos Plínio vive das edições e reedições auto-financiadas
das suas obras, em exemplares que vende nas filas de teatro e que incluem
novelas, contos, peças teatrais e romances. Com freqüência, personagens de
crônicas ou contos migram para o texto teatral, como é o caso de Balbina
de Iansã, de 1970, nascida de textos jornalísticos, ou Querô, antes vindo à
luz na novela Querô, Uma Reportagem Maldita, de 1976.
Sobre o primeiro ciclo da produção pliniana, o crítico Edelcio
Mostaço escreve, surpreendido por sua originalidade: "Algozes truculentos
e vítimas pisoteadas alternam-se, em cada célula ou lance dos enredos, para
escalonarem e desvendarem as intimidades da outra figura;
desvendamentos cada vez mais cruéis, pérfidos ou insidiosos, cujos obj0
etivos são levar o outro ao martírio, isolá-lo num cúmulo de solidão e
desamparo que, não raro, atinge as raias da condição abjeta. O apogeu
destes círculos de opressão que se estreitam é insuflado pelas alternâncias
entre as personagens, onde algozes e vítimas intercambiam seus papéis,
batalha que só terá fim num confronto armado entre as figuras e do qual
sobreviverá o mais apto. A dramaticidade de Plínio não admite soluções de
compromisso ou acomodamento de situações, apenas o rompimento dos
vínculos, onde apenas a morte ou o aniquilamento de um dos pólos
tencionais pode representar a libertação".1
Plínio deixa grande número de obras inéditas, como O Bote da Loba, 1997,
além de peças infantis (As Aventuras do Coelho Gabriel, 1965; O Coelho e
a Onça, 1988; Assembléia dos Ratos, 1989). É o autor dos roteiros
cinematográficos Rainha Diaba, filme de Antônio Carlos Fontoura
realizado em 1971, e Nenê Bandalho, filme de Emílio Fontana, de
1970. Navalha na Carne e Dois Perdidos Numa Noite Suja ganham versões
cinematográficas de Braz Chediak, em 1969 e 1970, respectivamente. Em
1997, Neville de Almeida volta a filmar Navalha na Carne e José Jofilly
prepara uma nova versão para as telas de Dois Perdidos, ainda em processo
de produção. Em 1968, com sua atuação na novela Beto Rockfeller, de
Bráulio Pedroso, Plínio alcança projeção nacional como ator. Recebe o
Prêmio Molière de melhor autor por Navalha na Carne e Dois Perdidos
Numa Noite Suja, nos anos em que são lançadas, além do Golfinho de
Ouro como personalidade, em 1971. Casa-se com a atriz Walderez de
Barros e é pai do também dramaturgo Léo Lama.

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OSVALD DE ANDRADE
José Oswald de Sousa Andrade (São Paulo, São Paulo, 1890 - idem 1954).
Romancista, poeta, dramaturgo, ensaísta e jornalista. Filho único de José
Oswald Nogueira de Andrade, de origem latifundiária, e Inês Henriqueta
Inglês de Sousa Andrade, de família aristocrata. Sua opção profissional e
dedicação à literatura são bem recebidas, desde a juventude, pela família,
sobretudo por ter como tio o escritor Inglês de Souza (1853-1918). Inicia-
se no jornalismo em 1909, colaborando na coluna "Teatros e salões"
do Diário Popular. Em 1911, funda o irreverente semanário O Pirralho.
No ano seguinte, viaja pela Europa, onde toma contato com o ambiente
artístico marcado pelo manifesto futurista (1909) do poeta italiano
Marinetti (1876-1944), bem como pela arte primitiva, em voga entre os
franceses. Seu livro de estreia, lançado em 1916, reúne as peças de
teatro Mon Coeur Balance e Leur Âme, escritas em francês, em parceria
com Guilherme de Almeida (1890-1969). Em 1919, forma-se bacharel na
Faculdade de Direito do Largo de São Francisco. Em 1920, funda
com Menotti Del Picchia (1892-1988) a revista Papel e Tinta, entre cujos
colaboradores estão intelectuais da vanguarda modernista como Mário de
Andrade (1893-1945) e Di Cavalcanti (1897-1976). Durante a Semana de
Arte Moderna de 1922, que ajuda a preparar, lê trechos do romance Os
Condenados (posteriormente chamado Alma) sob vaias do público. Em
1924, defende a valorização da "originalidade nativa" como pedra de toque
da nova estética proposta no seu "Manifesto da Poesia Pau-Brasil" e, com o
mesmo intuito, integra uma excursão de modernistas pelas cidades
históricas de Minas Gerais. Seu propósito de ruptura se concretiza, na
prosa, com Memórias Sentimentais de João Miramar (1924) e, na poesia,
com Pau-Brasil (1925). Em 1927, publica o romance A Estrela de
Absinto e o Primeiro Caderno do Aluno de Poesia Oswald de Andrade. No
ano seguinte, em diálogo com a obra da pintora Tarsila do Amaral (1886-
1973), com quem está casado, cria o Movimento Antropofágico, divulgado
pelo "Manifesto Antropófago" e pela Revista de Antropofagia. Em 1931,
torna-se membro do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e passa a
evidenciar seu posicionamento político na sua produção intelectual dos
anos seguintes, como no prefácio com que lança Serafim Ponte
Grande (1933) e nas alterações que faz no romance A
Escada Vermelha (1934), inclusive com o acréscimo do atributo de cor ao
título. As preocupações políticas também se fazem notar nas suas peças de
teatro O Homem e o Cavalo (1934), A Morta e O Rei da Vela (1937) e nos
dois volumes do romance cíclico Marco Zero, A Revolução
Melancólica (1943) e Chão (1945). Após romper com o partido, em 1945,
retoma as idéias antropofágicas, buscando alçá-las ao estatuto filosófico,
em produções como a tese A Crise da Filosofia Messiânica (1950) e a série
de artigos "A marcha das utopias" (1953). Publica o primeiro volume das
suas memórias, Um Homem sem Profissão: sob as ordens da mamãe,
em1954, meses antes de sua morte.
Análise
Oswald de Andrade é considerado um dos principais expoentes da primeira
fase do Modernismo brasileiro, aquela que tem lugar na década de 1920,
reconhecidamente após a Semana de Arte Moderna (1922). Esse período
concentra grande parte de sua contribuição inovadora para a literatura
brasileira, como as propostas estéticas formuladas nos manifestos com que
inaugura os movimentos Pau-Brasil (1924) e Antropofágico (1928).
O escritor apropria-se do nome da primeira riqueza do território brasileiro
exportada em massa, o pau-brasil, para designar a poesia de exportação que
propõe, em oposição à poesia de importação, que julga mera imitadora dos
modelos europeus. Caracteriza, assim, a poesia pau-brasil como "cândida",
no sentido de prescindir da cópia em favor da valorização do primitivo, dos
"fatos estéticos" da geografia, história e sociedade brasileira, e "ágil", no
sentido de se constituir pela síntese, dispensando, no nível da linguagem, o
que é simples demonstração de erudição e acolhendo o natural e a
invenção, como o erro e o neologismo. O crítico Haroldo de Campos
(1929-2003) vê nas técnicas de montagem empregadas para gerir esses
elementos uma forma de estimular o leitor a deixar o estado de
contemplação e participar da construção do sentido, tal como na montagem
cinematográfica teorizada pelo cineasta russo Sergei Eisenstein (1898-
1948). Um caso bastante representativo é o dos poemas iniciais de Pau-
Brasil (1925), formados pelo recorte de trechos de crônicas de viagem da
época colonial e pelo acréscimo de títulos que reforçam o deslocamento de
contexto, o que destrói o sentido original e constrói um outro, marcado pela
crítica e pelo humor. Esse procedimento revela que já está em germe no
movimento Pau-Brasil a essência da Antropofagia, a devoração do outro, o
"inimigo", para a incorporação dos seus valores e o consequente
fortalecimento do antropófago.
No que se refere à prosa de Oswald moldada pela estética que propõe a
partir de 1924, mostra-se bastante próxima da poesia pelo caráter
fragmentário conferido à expressão de ambas; é o que se nota, por
exemplo, pela comparação entre o poema "Velhice" ("O netinho jogou os
óculos/ Na latrina"), de Primeiro Caderno do Aluno de Poesia Oswald de
Andrade (1927) e o fragmento 75, "Natal" ("Minha sogra ficou avó"),
de Memórias Sentimentais de João Miramar (1924). Esse romance
e Serafim Ponte Grande (publicado em 1933, mas escrito na década de
1920) formam o que o crítico Antonio Candido (1918-2017) considera "o
par ímpar", ou seja, as duas obras de ficção mais bem realizadas de
Oswald, justamente por associarem, de forma inédita na sua produção,
elevados graus de descontinuidade e de sarcasmo-poesia. O primeiro se
constitui de fragmentos justapostos em linguagem sintética cuja sequência
narra a história de João Miramar desde a infância até o momento em que
declara, em entrevista, a intenção de interromper a escrita de suas
memórias. No segundo, a subversão sintática extrapola o nível do
fragmento e atinge todo o livro, formado de partes que revelam as
aventuras do protagonista sob diferentes gêneros narrativos, o que faz
Haroldo de Campos classificá-lo como não-livro composto de fragmentos
de livros possíveis.
Os volumes da Trilogia do Exílio - Os Condenados (1922), A Estrela de
Absinto (1927) e A Escada Vermelha (1934) -,  elaborados essencialmente
entre 1917 e 1922, sob o impacto inicial de um relacionamento amoroso do
escritor terminado tragicamente, são não só menos inovadores em termos
estruturais como também mais afastados do humor, assumindo mesmo um
tom decadentista. Numa possível tentativa de superação do pessimismo, ao
retomar o texto do último volume para a publicação, já na década de 30,
Oswald incorpora a ele elementos vindos da sua recente adesão ao
comunismo, abrindo ao personagem Jorge d'Alvelos, por exemplo, a
perspectiva da luta pela revolução social. Essa tomada de posição política,
claramente expressa no prefácio escrito para Serafim Ponte Grande em
fevereiro de 1933, também resulta numa experiência que, juntamente com
as agruras financeiras vividas após a crise de 1929, constitui a base
de Marco Zero. Os dois volumes deste romance, A Revolução
Melancólica (1943) e Chão (1945), mantêm a estruturação em fragmentos
como procedimento técnico para captar os quadros da realidade dos anos
1930 que Oswald deseja retratar, mas sem a radicalidade estética
de Serafim Ponte Grande. O interesse maior do escritor já não é marcar
posição pela linguagem, mas pela interpretação crítica da história que
vivencia. Isso mostra que, após a primeira fase modernista, ele continua a
acompanhar o compasso das transformações no cenário da literatura
brasileira, no qual se nota maior ênfase nas questões ideológicas do que nas
estéticas, conforme aponta o crítico João Luiz Lafetá (1946-1996).
Na dramaturgia, com exceção de suas primeiras peças, Mon Coeur
Balance e Leur Âme (1916), todas as outras - O Homem e o
Cavalo (1934), A Morta e O Rei da Vela (1937) - contêm indícios, mais ou
menos explícitos, do envolvimento de Oswald com o marxismo. Nesse
caso, porém, a linguagem de vanguarda não é ofuscada pela ideologia e
difere de tudo que o teatro brasileiro conhece até então, como destaca o
crítico teatral Sábato Magaldi (1927-2016); um exemplo são as referências
à própria situação cênica, que quebram a ilusão de realidade em torno da
representação e criam um canal de comunicação mais direto com o público.
Tal vanguardismo mantém essas peças longe dos palcos por muito tempo,
mas o contexto de contestação política que se pronuncia na década de 1960
leva o Teatro Oficina a enfrentar o desafio de encenar O Rei da Vela em
1967. O mesmo movimento de retomada se dá com a poesia inovadora dos
anos 1920, baseada na síntese, que é valorizada pelo Concretismo dos anos
1950 e ecoa no Tropicalismo do final dos anos 1960.

ODUVALDO VIANNA FILHO

Oduvaldo Vianna Filho (Rio de Janeiro RJ 1936 - idem 1974). Autor e ator.
Participante ativo do Teatro de Arena, fundador do Centro Popular de
Cultura da UNE e do Grupo Opinião, Oduvaldo Vianna Filho personifica a
trajetória de uma luta contra o imperialismo cultural. Sua dramaturgia
coloca em cena a realidade brasileira através do homem simples e
trabalhador, sendo unanimemente considerada a mais profícua de sua
geração, com textos como Chapetuba Futebol Clube, Papa Highirte e Rasga
Coração. Filho do importante dramaturgo Oduvaldo Vianna, passa a ser
chamado de Vianinha pela classe teatral e a imprensa.
Cursa a Faculdade de Arquitetura da Universidade Mackenzie até o terceiro
ano. Suas primeiras experiências no teatro são como ator no Teatro Paulista
do Estudante, TPE, dirigido por Ruggero Jacobbi, em 1955, atuando em
várias produções - entre elas Rua da Igreja, de Lennox Robinson e O Rapto
das Cebolinhas, de Maria Clara Machado. Ingressa no Teatro de Arena de
São Paulo em 1956 e atua em A Escola de Maridos, de Molière, e em Dias
Felizes, de Claude André Pugget, com direção de José Renato; Só o Faraó
Tem Alma, de Silveira Sampaio, Marido Magro, Mulher Chata, texto e
direção de Augusto Boal, Juno, o Pavão, de Sean O'Casey - em que ganha o
Prêmio Saci de ator coadjuvante, e Enquanto Eles Forem Felizes, de
Vernon Sylvain, todas em 1957. No ano seguinte, escreve a peça Bilbao,
via Copacabana. Em 1958, atua em Eles Não Usam Black-Tie, de
Gianfrancesco Guarnieri. O espetáculo, que marcaria o encerramento das
atividades do Teatro de Arena, se vê diante de sucesso tão inesperado que o
grupo decide apostar na linha inaugurada pelo texto de Guarnieri.
Surge, ainda em 1958, o Seminário de Dramaturgia, para incentivo da
criação de textos voltados à realidade brasileira. Ao mesmo tempo em que
participa do Seminário, Vianinha trabalha nos espetáculos produzidos pelo
grupo. Em 1959, estréia Chapetuba Futebol Clube, primeira peça fruto das
discussões do Seminário. Com diálogos diretos e ágeis, Vianinha se serve
das relações entre os jogadores de futebol tratados como mercadoria para
falar da realidade brasileira e do problema da solidariedade social diante da
busca de sucesso individual. Driblando o didatismo ideológico do
Seminário, o autor dá vida e verossimilhança aos personagens e à trama.
Com esse texto, recebe os primeiros prêmios de dramaturgia: Governador
do Estado e Associação Paulista dos Críticos Teatrais, APCT.
Identificado com o movimento operário que, em todo o país, faz surgir
organizações sindicais na cidade e no campo, com reivindicações
econômicas e políticas, Vianinha cria um elenco para percorrer sindicatos,
escolas, favelas e organizações de bairro. Para esse elenco escreve, em
1960, A Mais-Valia Vai Acabar, Seu Edgar, que marca a estréia do Teatro
Jovem. O texto mostra ao público a lógica da exploração capitalista. Dessas
atividades surge o o Centro Popular de Cultura da UNE - CPC, órgão
cultural da União Nacional dos Estudantes - UNE, que, com o objetivo de
conscientizar o público por meio do "teatro revolucionário", acaba
estendendo suas atividades a outras áreas artísticas. Vianinha se afasta do
Arena, entusiasmado com a capacidade do CPC de mobilizar grande
número de ativistas, intelectuais e estudantes, e alcançar um grande
público. Escreve várias peças curtas, entre elas Brasil Versão Brasileira.
Em 1962, atua no filme Cinco Vezes Favela, também produzido pelo CPC,
no episódio dirigido por Cacá Diegues. Em 1963, escreve Quartos Quadras
de Terra, pelo qual recebe o Prêmio Latino Americano de Teatro da Casa
de Las Américas, de Havana. Em 1964, com o golpe militar e a extinção do
CPC, participa da fundação do Grupo Opinião, que se dedica à arte de
protesto. Escreve, com Armando Costa e Paulo Pontes, o show Opinião,
encenado no mesmo ano. Paralelamente começa a escrever para teleteatro.
Em 1965, atua em Liberdade, Liberdade, de Millôr Fernandes e Flávio
Rangel. Escreve, com Ferreira Gullar, um dos primeiros textos
representantes do teatro de resistência, Se Correr o Bicho Pega, Se Ficar o
Bicho Come, com Ferreira Gullar, participando também como ator do
espetáculo, encenado em 1966. O Bicho, resultado dos debates internos do
grupo, recorre à fantasia da literatura popular, à festa e à vitalidade para
tentar "desenhar o impasse entre o ser real e a vontade de ser das pessoas
da realidade brasileira".1 A peça recebe o Prêmio Molière, no Rio de
Janeiro, e os Prêmios Saci e Governador do Estado, em São Paulo. Ainda
em 1966, ganha menção honrosa com Os Azeredo mais os Benevides, que
aborda o problema dos trabalhadores rurais sem terra, texto que, no ano
seguinte, ganha o concurso de dramaturgia do Serviço Nacional de Teatro -
SNT. No mesmo ano, escreve o show Telecoteco Opus n. 1, em parceria
com Teresa Aragão, que o encena no Grupo Opinião. Em 1967 escreve
Meia Volta Vou Ver, que é dirigido por Armando Costa.
1968 é um ano intenso de atividades: atua em A Saída, Onde Fica a Saída?,
de Antônio Carlos Fontoura, Armando Costa e Ferreira Gullar, com direção
de João das Neves; escreve Dura Lex Sed Lex No Cabelo Só Gumex, que é
dirigido por Gianni Ratto; ganha o primeiro lugar no Concurso de
Dramaturgia do SNT por Papa Highirte, que é imediatamente censurada;
redige também o artigo Um Pouco de Pessedismo Não Faz Mal a Ninguém,
em que conclama os artistas e intelectuais de teatro a relevar divergências
estéticas e se unir contra o inimigo político. Desliga-se, com Paulo Pontes,
do Opinião e funda, com outros autores cariocas, o Teatro do Autor, que,
sem ser um grupo formal, subsiste até 1973, com certa independência em
relação a grupos de produção.
No período de maior repressão política, Vianinha se afasta do teatro
popular e começa a escrever peças em que o protagonista de classe média -
um jornalista, como em A Longa Noite de Cristal, ou um publicitário,
como em Corpo a Corpo - se vê encurralado pela situação social. Ao ser
encenada pelo diretor Celso Nunes, em 1970, A Longa Noite de Cristal
recebe o Prêmio Molière. O monólogo Corpo a Corpo é dirigido por
Antunes Filho (que dirige também Em Família, dois anos depois), com o
ator Gracindo Júnior, em 1971.
Produz teleteatro e adaptações de peças para a TV, como Medéia, Noites
Brancas, A Dama das Camélias (com Gilberto Braga), Mirandolina e Ano
Novo, Vida Nova. Em 1973, escreve o seriado para a TV A Grande
Família, com Armando Costa. Aos 38 anos, Oduvaldo Vianna Filho morre
sem ver encenadas suas duas obras-primas censuradas. Papa Highirte,
escrita em 1968, só é montada onze anos depois. A peça humaniza um
herói negativo, um ditador, abordando-o, no fim da vida, exilado, e com
esperanças de voltar ao poder. As últimas páginas de Rasga Coração são
ditadas no leito de morte. A peça, que, como Papa Highirte, ganha o
primeiro prêmio no concurso do SNT, e é imediatamente censurada,
trabalha com uma multiplicidade de planos, que alternam tempos, espaços
e personagens distintos, para falar da psicologia e das relações familiares
de três gerações, de Getúlio ao Golpe Militar. Em 1984, Aderbal Freire-
Filho encena Mão na Luva, apaixonado relato de amor, escrito em 1966, só
descoberto anos após sua morte. Parceiro e amigo de Oduvaldo Vianna
Filho, Paulo Pontes escreve sobre a importância do pensamento e da ação
de Vianinha para a década de 60: "... toda a vastíssima produção cultural
saída desse período particularmente feliz da cultura brasileira, quando a
melhor energia criadora do país se unia aos interesses sociais mais
legítimos do povo, recebeu, de alguma forma, o sopro da inteligência
criadora de Oduvaldo Vianna Filho. Eram dezenas de peças, peças curtas,
filmes, espetáculos de rua, shows, debates e conferências nascidos da
perspectiva de que o intelectual do país subdesenvolvido tem que refletir e
criar sobre as condições reais da existência do povo. E, sem dúvida, Vianna
foi o grande arquiteto dessa perspectiva, em sua geração, pensando e
criando, discutindo e organizando, prevendo e estimulando".

Referências

1 MAGALDI, Sábato. A vez do encenador. Jornal do Brasil, Rio de


Janeiro, 24 dez. 1993. Brasil: 50 anos de teatro moderno.
2 PRADO, Décio de Almeida. 'Vestido de Noiva'. In: ______. O teatro
brasileiro moderno. São Paulo: Perspectiva, 1996. p. 6.
3 PRADO, Décio de Almeida. 'Vestido de Noiva'. In: ______. Teatro em
progresso. São Paulo: Martins, 1964. p. 82-85.

ARCO E FLEXA, Teresa de Almeida. “A Mais Fugidia das Artes” em:


Ensaios – Todas as Letras, Mackenzie, 2000.
MAGALDI, Sábato. “Um Homem à Frente do teatro brasileiro” em:
AREAS, Vilma & FARIA, João Roberto & AGUIAR, Flávio Wolf de
(orgs.). Décio de Almeida Prado: Um Homem de Teatro. São Paulo,
FAPESP/Edusp, 1997.
Vilma Areas, João Roberto Faria e Flavio Wolf de Aguiar
FRAGA, Eudinyr. Nelson Rodrigues Expressionista. São Paulo,
FAPESP/Ateliê Editorial, 1998.
GARDIN, Carlos “A cena em Chamas” em: ANDRADE, Oswald de.
Obras Completas: A Morta. São Paulo, Globo, 1991
GOLINO, William. “Um teatro Moderno” em: Anais do XVIII Encontro
Regional de História – O historiador e seu tempo. ANPUH/SP –
UNESP/Assis, 24 a 28 de julho de 2006.
LUNA, Jayro. Teoria do Neo-estruturalismo Semiótico. São Paulo, Vila
Rica, 2006.
PRADO, Décio de Almeida. Teatro Brasileiro Moderno. São Paulo,
Perspectiva, 1984.
URSSIR, Nelson Jose. A Linguagem Cenográfica. Dissertação de
Mestrado, orientador: prof. Dr. Cyro Del Nero. ECA-USP, 2006.

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