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III
Material com fins pedagógicos elaborados pela profº Diego Ferreira
Nelson Rodrigues
PLINIO MARCOS
Plínio Marcos de Barros (Santos, São Paulo, 1935 - São Paulo, São Paulo,
1999). Autor. Renovador dos padrões dramatúrgicos, através de enfoque
quase naturalista que imprime aos diálogos e situações, sempre cortantes e
carregados de gírias de personagens oriundas das camadas sociais
periféricas, torna o palco, a partir dos anos 1960, uma feroz arena de luta
entre indivíduos sob situações de subdesenvolvimento.
Vive até a juventude em Santos, quando ingressa em um circo-teatro, no
qual ocupa diversas funções e destaca-se como o palhaço Frajola. Em 1958,
é chamado para substituir um ator no grupo amador que Patrícia Galvão,
mais conhecida como Pagu, e seu marido Geraldo Ferraz mantém na
cidade, e conhece autores como Samuel Beckett e Fernando Arrabal.
Desses contatos resulta a primeira encenação amadora de um texto
seu, Barrela, em 1959, dirigido por ele próprio, centrado numa curra em
uma cela de prisão, o que provoca escândalo na sociedade santista.
Plínio exerce diversas funções, como vendedor de álbuns de figurinhas,
camelô, e, no início dos anos 60, técnico da TV Tupi . Em 1966, sob a
direção de Benjamin Cattan, ele e Ademir Rocha interpretam Dois
Perdidos Numa Noite Suja, no Ponto de Encontro, bar da Galeria
Metrópole, em São Paulo, o que marca sua estréia como profissional.
Navalha na Carne, sua obra seguinte, enfrenta graves problemas com a
Censura, o que desencadeia mobilização da classe teatral. Leituras
no Teatro de Arena e no teatrinho particular de Cacilda Becker e Walmor
Chagas reúnem a crítica e artistas, que pressionam pela liberação do texto,
permitindo à montagem estrear em 1967. Porém o pungente desempenho
de Ruthinéa de Moraes, vivendo a prostituta explorada pelo proxeneta, só é
0liberado para maiores de 21 anos. O mesmo papel irá impulsionar a c
0arreira de Tônia Carrero, na montagem carioca sob a direção de Fauzi
Arap, em 1968. No ano anterior, Plínio dirige mais um outro texto, Quando
as Máquinas Param, no Teatro de Arte, sala pequena do TBC, que chama a
atenção para o trabalho de Miriam Mehler. Também em 1967, surge nova
criação, Homens de Papel, com Maria Della Costa interpretando a catadora
de papel Nhanha, pelo Teatro Popular de Arte - TPA.
Fervoroso defensor dos seus direitos, Plínio envolve-se em agudo debate,
transmitido pela TV, com a deputada Conceição da Costa Neves, no qual
advoga pela sua liberdade de expressão. Já é um nome nacional e, como
articulista do jornal Última Hora, dispõe de uma tribuna para arremeter
contra a censura e a ditadura.
Sua vida insubmissa, seus textos desbocados e cheios de fúria, sua teimosia
em não aceitar cortes, em não negociar com a Censura, levam à proibição
de toda sua obra. Proclama-se um "autor maldito", sempre que tem a
oportunidade de fazer pronunciamentos públicos.
Jornada de um Imbecil até o Entendimento, encenada por João das
Neves no Grupo Opinião, em 1968, é nova oportunidade para gerar
polêmica. Em 1975, um episódio ilustra o clima em que ele sobrevive: a
montagem de Abajur Lilás, com direção de Antônio Abujamra, é proibida
no ensaio geral, levando a produção à bancarrota e Plínio à condição de
autor cuja obra inteira encontra-se interditada. A peça enfoca a vida de três
prostitutas exploradas por um cáften homossexual, num clima de mórbida
dependência.
Sobrevive como articulista dos raros órgãos de imprensa que o aceitam; só
c0 onsegue voltar a atuar em 1977, com o musical O Poeta da Vila e Seus
Amores, sobre a vida de Noel Rosa, na encenação de Osmar Rodrigues
Cruz, que inaugura a nova sala do Teatro Popular do Sesi - TPS. A seguir,
uma peça amena: Sob o Signo da Discoteque, de 1979, período menos
tenso que marca uma mudança de rumo - Plínio interessa-se pelo estudo de
assuntos esotéricos e pela leitura do Tarô.
Dessa nova fase nascem Madame Blavatsky, encenada por Jorge
Takla 1985, grande painel sobre a vida da mística autora de A Doutrina
Secreta; e Balada de um Palhaço, com direção de Odavlas Petti, 1986,
sobre dois palhaços de circo que dividem o picadeiro.
Durante muitos anos Plínio vive das edições e reedições auto-financiadas
das suas obras, em exemplares que vende nas filas de teatro e que incluem
novelas, contos, peças teatrais e romances. Com freqüência, personagens de
crônicas ou contos migram para o texto teatral, como é o caso de Balbina
de Iansã, de 1970, nascida de textos jornalísticos, ou Querô, antes vindo à
luz na novela Querô, Uma Reportagem Maldita, de 1976.
Sobre o primeiro ciclo da produção pliniana, o crítico Edelcio
Mostaço escreve, surpreendido por sua originalidade: "Algozes truculentos
e vítimas pisoteadas alternam-se, em cada célula ou lance dos enredos, para
escalonarem e desvendarem as intimidades da outra figura;
desvendamentos cada vez mais cruéis, pérfidos ou insidiosos, cujos obj0
etivos são levar o outro ao martírio, isolá-lo num cúmulo de solidão e
desamparo que, não raro, atinge as raias da condição abjeta. O apogeu
destes círculos de opressão que se estreitam é insuflado pelas alternâncias
entre as personagens, onde algozes e vítimas intercambiam seus papéis,
batalha que só terá fim num confronto armado entre as figuras e do qual
sobreviverá o mais apto. A dramaticidade de Plínio não admite soluções de
compromisso ou acomodamento de situações, apenas o rompimento dos
vínculos, onde apenas a morte ou o aniquilamento de um dos pólos
tencionais pode representar a libertação".1
Plínio deixa grande número de obras inéditas, como O Bote da Loba, 1997,
além de peças infantis (As Aventuras do Coelho Gabriel, 1965; O Coelho e
a Onça, 1988; Assembléia dos Ratos, 1989). É o autor dos roteiros
cinematográficos Rainha Diaba, filme de Antônio Carlos Fontoura
realizado em 1971, e Nenê Bandalho, filme de Emílio Fontana, de
1970. Navalha na Carne e Dois Perdidos Numa Noite Suja ganham versões
cinematográficas de Braz Chediak, em 1969 e 1970, respectivamente. Em
1997, Neville de Almeida volta a filmar Navalha na Carne e José Jofilly
prepara uma nova versão para as telas de Dois Perdidos, ainda em processo
de produção. Em 1968, com sua atuação na novela Beto Rockfeller, de
Bráulio Pedroso, Plínio alcança projeção nacional como ator. Recebe o
Prêmio Molière de melhor autor por Navalha na Carne e Dois Perdidos
Numa Noite Suja, nos anos em que são lançadas, além do Golfinho de
Ouro como personalidade, em 1971. Casa-se com a atriz Walderez de
Barros e é pai do também dramaturgo Léo Lama.
PARAMOS AQUI
OSVALD DE ANDRADE
José Oswald de Sousa Andrade (São Paulo, São Paulo, 1890 - idem 1954).
Romancista, poeta, dramaturgo, ensaísta e jornalista. Filho único de José
Oswald Nogueira de Andrade, de origem latifundiária, e Inês Henriqueta
Inglês de Sousa Andrade, de família aristocrata. Sua opção profissional e
dedicação à literatura são bem recebidas, desde a juventude, pela família,
sobretudo por ter como tio o escritor Inglês de Souza (1853-1918). Inicia-
se no jornalismo em 1909, colaborando na coluna "Teatros e salões"
do Diário Popular. Em 1911, funda o irreverente semanário O Pirralho.
No ano seguinte, viaja pela Europa, onde toma contato com o ambiente
artístico marcado pelo manifesto futurista (1909) do poeta italiano
Marinetti (1876-1944), bem como pela arte primitiva, em voga entre os
franceses. Seu livro de estreia, lançado em 1916, reúne as peças de
teatro Mon Coeur Balance e Leur Âme, escritas em francês, em parceria
com Guilherme de Almeida (1890-1969). Em 1919, forma-se bacharel na
Faculdade de Direito do Largo de São Francisco. Em 1920, funda
com Menotti Del Picchia (1892-1988) a revista Papel e Tinta, entre cujos
colaboradores estão intelectuais da vanguarda modernista como Mário de
Andrade (1893-1945) e Di Cavalcanti (1897-1976). Durante a Semana de
Arte Moderna de 1922, que ajuda a preparar, lê trechos do romance Os
Condenados (posteriormente chamado Alma) sob vaias do público. Em
1924, defende a valorização da "originalidade nativa" como pedra de toque
da nova estética proposta no seu "Manifesto da Poesia Pau-Brasil" e, com o
mesmo intuito, integra uma excursão de modernistas pelas cidades
históricas de Minas Gerais. Seu propósito de ruptura se concretiza, na
prosa, com Memórias Sentimentais de João Miramar (1924) e, na poesia,
com Pau-Brasil (1925). Em 1927, publica o romance A Estrela de
Absinto e o Primeiro Caderno do Aluno de Poesia Oswald de Andrade. No
ano seguinte, em diálogo com a obra da pintora Tarsila do Amaral (1886-
1973), com quem está casado, cria o Movimento Antropofágico, divulgado
pelo "Manifesto Antropófago" e pela Revista de Antropofagia. Em 1931,
torna-se membro do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e passa a
evidenciar seu posicionamento político na sua produção intelectual dos
anos seguintes, como no prefácio com que lança Serafim Ponte
Grande (1933) e nas alterações que faz no romance A
Escada Vermelha (1934), inclusive com o acréscimo do atributo de cor ao
título. As preocupações políticas também se fazem notar nas suas peças de
teatro O Homem e o Cavalo (1934), A Morta e O Rei da Vela (1937) e nos
dois volumes do romance cíclico Marco Zero, A Revolução
Melancólica (1943) e Chão (1945). Após romper com o partido, em 1945,
retoma as idéias antropofágicas, buscando alçá-las ao estatuto filosófico,
em produções como a tese A Crise da Filosofia Messiânica (1950) e a série
de artigos "A marcha das utopias" (1953). Publica o primeiro volume das
suas memórias, Um Homem sem Profissão: sob as ordens da mamãe,
em1954, meses antes de sua morte.
Análise
Oswald de Andrade é considerado um dos principais expoentes da primeira
fase do Modernismo brasileiro, aquela que tem lugar na década de 1920,
reconhecidamente após a Semana de Arte Moderna (1922). Esse período
concentra grande parte de sua contribuição inovadora para a literatura
brasileira, como as propostas estéticas formuladas nos manifestos com que
inaugura os movimentos Pau-Brasil (1924) e Antropofágico (1928).
O escritor apropria-se do nome da primeira riqueza do território brasileiro
exportada em massa, o pau-brasil, para designar a poesia de exportação que
propõe, em oposição à poesia de importação, que julga mera imitadora dos
modelos europeus. Caracteriza, assim, a poesia pau-brasil como "cândida",
no sentido de prescindir da cópia em favor da valorização do primitivo, dos
"fatos estéticos" da geografia, história e sociedade brasileira, e "ágil", no
sentido de se constituir pela síntese, dispensando, no nível da linguagem, o
que é simples demonstração de erudição e acolhendo o natural e a
invenção, como o erro e o neologismo. O crítico Haroldo de Campos
(1929-2003) vê nas técnicas de montagem empregadas para gerir esses
elementos uma forma de estimular o leitor a deixar o estado de
contemplação e participar da construção do sentido, tal como na montagem
cinematográfica teorizada pelo cineasta russo Sergei Eisenstein (1898-
1948). Um caso bastante representativo é o dos poemas iniciais de Pau-
Brasil (1925), formados pelo recorte de trechos de crônicas de viagem da
época colonial e pelo acréscimo de títulos que reforçam o deslocamento de
contexto, o que destrói o sentido original e constrói um outro, marcado pela
crítica e pelo humor. Esse procedimento revela que já está em germe no
movimento Pau-Brasil a essência da Antropofagia, a devoração do outro, o
"inimigo", para a incorporação dos seus valores e o consequente
fortalecimento do antropófago.
No que se refere à prosa de Oswald moldada pela estética que propõe a
partir de 1924, mostra-se bastante próxima da poesia pelo caráter
fragmentário conferido à expressão de ambas; é o que se nota, por
exemplo, pela comparação entre o poema "Velhice" ("O netinho jogou os
óculos/ Na latrina"), de Primeiro Caderno do Aluno de Poesia Oswald de
Andrade (1927) e o fragmento 75, "Natal" ("Minha sogra ficou avó"),
de Memórias Sentimentais de João Miramar (1924). Esse romance
e Serafim Ponte Grande (publicado em 1933, mas escrito na década de
1920) formam o que o crítico Antonio Candido (1918-2017) considera "o
par ímpar", ou seja, as duas obras de ficção mais bem realizadas de
Oswald, justamente por associarem, de forma inédita na sua produção,
elevados graus de descontinuidade e de sarcasmo-poesia. O primeiro se
constitui de fragmentos justapostos em linguagem sintética cuja sequência
narra a história de João Miramar desde a infância até o momento em que
declara, em entrevista, a intenção de interromper a escrita de suas
memórias. No segundo, a subversão sintática extrapola o nível do
fragmento e atinge todo o livro, formado de partes que revelam as
aventuras do protagonista sob diferentes gêneros narrativos, o que faz
Haroldo de Campos classificá-lo como não-livro composto de fragmentos
de livros possíveis.
Os volumes da Trilogia do Exílio - Os Condenados (1922), A Estrela de
Absinto (1927) e A Escada Vermelha (1934) -, elaborados essencialmente
entre 1917 e 1922, sob o impacto inicial de um relacionamento amoroso do
escritor terminado tragicamente, são não só menos inovadores em termos
estruturais como também mais afastados do humor, assumindo mesmo um
tom decadentista. Numa possível tentativa de superação do pessimismo, ao
retomar o texto do último volume para a publicação, já na década de 30,
Oswald incorpora a ele elementos vindos da sua recente adesão ao
comunismo, abrindo ao personagem Jorge d'Alvelos, por exemplo, a
perspectiva da luta pela revolução social. Essa tomada de posição política,
claramente expressa no prefácio escrito para Serafim Ponte Grande em
fevereiro de 1933, também resulta numa experiência que, juntamente com
as agruras financeiras vividas após a crise de 1929, constitui a base
de Marco Zero. Os dois volumes deste romance, A Revolução
Melancólica (1943) e Chão (1945), mantêm a estruturação em fragmentos
como procedimento técnico para captar os quadros da realidade dos anos
1930 que Oswald deseja retratar, mas sem a radicalidade estética
de Serafim Ponte Grande. O interesse maior do escritor já não é marcar
posição pela linguagem, mas pela interpretação crítica da história que
vivencia. Isso mostra que, após a primeira fase modernista, ele continua a
acompanhar o compasso das transformações no cenário da literatura
brasileira, no qual se nota maior ênfase nas questões ideológicas do que nas
estéticas, conforme aponta o crítico João Luiz Lafetá (1946-1996).
Na dramaturgia, com exceção de suas primeiras peças, Mon Coeur
Balance e Leur Âme (1916), todas as outras - O Homem e o
Cavalo (1934), A Morta e O Rei da Vela (1937) - contêm indícios, mais ou
menos explícitos, do envolvimento de Oswald com o marxismo. Nesse
caso, porém, a linguagem de vanguarda não é ofuscada pela ideologia e
difere de tudo que o teatro brasileiro conhece até então, como destaca o
crítico teatral Sábato Magaldi (1927-2016); um exemplo são as referências
à própria situação cênica, que quebram a ilusão de realidade em torno da
representação e criam um canal de comunicação mais direto com o público.
Tal vanguardismo mantém essas peças longe dos palcos por muito tempo,
mas o contexto de contestação política que se pronuncia na década de 1960
leva o Teatro Oficina a enfrentar o desafio de encenar O Rei da Vela em
1967. O mesmo movimento de retomada se dá com a poesia inovadora dos
anos 1920, baseada na síntese, que é valorizada pelo Concretismo dos anos
1950 e ecoa no Tropicalismo do final dos anos 1960.
Oduvaldo Vianna Filho (Rio de Janeiro RJ 1936 - idem 1974). Autor e ator.
Participante ativo do Teatro de Arena, fundador do Centro Popular de
Cultura da UNE e do Grupo Opinião, Oduvaldo Vianna Filho personifica a
trajetória de uma luta contra o imperialismo cultural. Sua dramaturgia
coloca em cena a realidade brasileira através do homem simples e
trabalhador, sendo unanimemente considerada a mais profícua de sua
geração, com textos como Chapetuba Futebol Clube, Papa Highirte e Rasga
Coração. Filho do importante dramaturgo Oduvaldo Vianna, passa a ser
chamado de Vianinha pela classe teatral e a imprensa.
Cursa a Faculdade de Arquitetura da Universidade Mackenzie até o terceiro
ano. Suas primeiras experiências no teatro são como ator no Teatro Paulista
do Estudante, TPE, dirigido por Ruggero Jacobbi, em 1955, atuando em
várias produções - entre elas Rua da Igreja, de Lennox Robinson e O Rapto
das Cebolinhas, de Maria Clara Machado. Ingressa no Teatro de Arena de
São Paulo em 1956 e atua em A Escola de Maridos, de Molière, e em Dias
Felizes, de Claude André Pugget, com direção de José Renato; Só o Faraó
Tem Alma, de Silveira Sampaio, Marido Magro, Mulher Chata, texto e
direção de Augusto Boal, Juno, o Pavão, de Sean O'Casey - em que ganha o
Prêmio Saci de ator coadjuvante, e Enquanto Eles Forem Felizes, de
Vernon Sylvain, todas em 1957. No ano seguinte, escreve a peça Bilbao,
via Copacabana. Em 1958, atua em Eles Não Usam Black-Tie, de
Gianfrancesco Guarnieri. O espetáculo, que marcaria o encerramento das
atividades do Teatro de Arena, se vê diante de sucesso tão inesperado que o
grupo decide apostar na linha inaugurada pelo texto de Guarnieri.
Surge, ainda em 1958, o Seminário de Dramaturgia, para incentivo da
criação de textos voltados à realidade brasileira. Ao mesmo tempo em que
participa do Seminário, Vianinha trabalha nos espetáculos produzidos pelo
grupo. Em 1959, estréia Chapetuba Futebol Clube, primeira peça fruto das
discussões do Seminário. Com diálogos diretos e ágeis, Vianinha se serve
das relações entre os jogadores de futebol tratados como mercadoria para
falar da realidade brasileira e do problema da solidariedade social diante da
busca de sucesso individual. Driblando o didatismo ideológico do
Seminário, o autor dá vida e verossimilhança aos personagens e à trama.
Com esse texto, recebe os primeiros prêmios de dramaturgia: Governador
do Estado e Associação Paulista dos Críticos Teatrais, APCT.
Identificado com o movimento operário que, em todo o país, faz surgir
organizações sindicais na cidade e no campo, com reivindicações
econômicas e políticas, Vianinha cria um elenco para percorrer sindicatos,
escolas, favelas e organizações de bairro. Para esse elenco escreve, em
1960, A Mais-Valia Vai Acabar, Seu Edgar, que marca a estréia do Teatro
Jovem. O texto mostra ao público a lógica da exploração capitalista. Dessas
atividades surge o o Centro Popular de Cultura da UNE - CPC, órgão
cultural da União Nacional dos Estudantes - UNE, que, com o objetivo de
conscientizar o público por meio do "teatro revolucionário", acaba
estendendo suas atividades a outras áreas artísticas. Vianinha se afasta do
Arena, entusiasmado com a capacidade do CPC de mobilizar grande
número de ativistas, intelectuais e estudantes, e alcançar um grande
público. Escreve várias peças curtas, entre elas Brasil Versão Brasileira.
Em 1962, atua no filme Cinco Vezes Favela, também produzido pelo CPC,
no episódio dirigido por Cacá Diegues. Em 1963, escreve Quartos Quadras
de Terra, pelo qual recebe o Prêmio Latino Americano de Teatro da Casa
de Las Américas, de Havana. Em 1964, com o golpe militar e a extinção do
CPC, participa da fundação do Grupo Opinião, que se dedica à arte de
protesto. Escreve, com Armando Costa e Paulo Pontes, o show Opinião,
encenado no mesmo ano. Paralelamente começa a escrever para teleteatro.
Em 1965, atua em Liberdade, Liberdade, de Millôr Fernandes e Flávio
Rangel. Escreve, com Ferreira Gullar, um dos primeiros textos
representantes do teatro de resistência, Se Correr o Bicho Pega, Se Ficar o
Bicho Come, com Ferreira Gullar, participando também como ator do
espetáculo, encenado em 1966. O Bicho, resultado dos debates internos do
grupo, recorre à fantasia da literatura popular, à festa e à vitalidade para
tentar "desenhar o impasse entre o ser real e a vontade de ser das pessoas
da realidade brasileira".1 A peça recebe o Prêmio Molière, no Rio de
Janeiro, e os Prêmios Saci e Governador do Estado, em São Paulo. Ainda
em 1966, ganha menção honrosa com Os Azeredo mais os Benevides, que
aborda o problema dos trabalhadores rurais sem terra, texto que, no ano
seguinte, ganha o concurso de dramaturgia do Serviço Nacional de Teatro -
SNT. No mesmo ano, escreve o show Telecoteco Opus n. 1, em parceria
com Teresa Aragão, que o encena no Grupo Opinião. Em 1967 escreve
Meia Volta Vou Ver, que é dirigido por Armando Costa.
1968 é um ano intenso de atividades: atua em A Saída, Onde Fica a Saída?,
de Antônio Carlos Fontoura, Armando Costa e Ferreira Gullar, com direção
de João das Neves; escreve Dura Lex Sed Lex No Cabelo Só Gumex, que é
dirigido por Gianni Ratto; ganha o primeiro lugar no Concurso de
Dramaturgia do SNT por Papa Highirte, que é imediatamente censurada;
redige também o artigo Um Pouco de Pessedismo Não Faz Mal a Ninguém,
em que conclama os artistas e intelectuais de teatro a relevar divergências
estéticas e se unir contra o inimigo político. Desliga-se, com Paulo Pontes,
do Opinião e funda, com outros autores cariocas, o Teatro do Autor, que,
sem ser um grupo formal, subsiste até 1973, com certa independência em
relação a grupos de produção.
No período de maior repressão política, Vianinha se afasta do teatro
popular e começa a escrever peças em que o protagonista de classe média -
um jornalista, como em A Longa Noite de Cristal, ou um publicitário,
como em Corpo a Corpo - se vê encurralado pela situação social. Ao ser
encenada pelo diretor Celso Nunes, em 1970, A Longa Noite de Cristal
recebe o Prêmio Molière. O monólogo Corpo a Corpo é dirigido por
Antunes Filho (que dirige também Em Família, dois anos depois), com o
ator Gracindo Júnior, em 1971.
Produz teleteatro e adaptações de peças para a TV, como Medéia, Noites
Brancas, A Dama das Camélias (com Gilberto Braga), Mirandolina e Ano
Novo, Vida Nova. Em 1973, escreve o seriado para a TV A Grande
Família, com Armando Costa. Aos 38 anos, Oduvaldo Vianna Filho morre
sem ver encenadas suas duas obras-primas censuradas. Papa Highirte,
escrita em 1968, só é montada onze anos depois. A peça humaniza um
herói negativo, um ditador, abordando-o, no fim da vida, exilado, e com
esperanças de voltar ao poder. As últimas páginas de Rasga Coração são
ditadas no leito de morte. A peça, que, como Papa Highirte, ganha o
primeiro prêmio no concurso do SNT, e é imediatamente censurada,
trabalha com uma multiplicidade de planos, que alternam tempos, espaços
e personagens distintos, para falar da psicologia e das relações familiares
de três gerações, de Getúlio ao Golpe Militar. Em 1984, Aderbal Freire-
Filho encena Mão na Luva, apaixonado relato de amor, escrito em 1966, só
descoberto anos após sua morte. Parceiro e amigo de Oduvaldo Vianna
Filho, Paulo Pontes escreve sobre a importância do pensamento e da ação
de Vianinha para a década de 60: "... toda a vastíssima produção cultural
saída desse período particularmente feliz da cultura brasileira, quando a
melhor energia criadora do país se unia aos interesses sociais mais
legítimos do povo, recebeu, de alguma forma, o sopro da inteligência
criadora de Oduvaldo Vianna Filho. Eram dezenas de peças, peças curtas,
filmes, espetáculos de rua, shows, debates e conferências nascidos da
perspectiva de que o intelectual do país subdesenvolvido tem que refletir e
criar sobre as condições reais da existência do povo. E, sem dúvida, Vianna
foi o grande arquiteto dessa perspectiva, em sua geração, pensando e
criando, discutindo e organizando, prevendo e estimulando".
Referências