Eu não tinha este rosto de hoje, assim calmo, assim triste, assim magro, nem estes
olhos tão vazios, nem o lábio amargo.
Vivo para ajeitar as mulheres. Prepara-las para ocasiões. São jantares, casamentos, formaturas. Vivo para ajudar a esconder os defeitos. Enquanto todo mundo vê a roupa por fora, eu a vejo por dentro, nos seus avessos. Um tecido só é bonito de verdade à medida que possui um avesso que o sustenta. A beleza externa só tem sentido porque há um alicerce no contraponto. Interessante, mas as pessoas são semelhantes aos tecidos. Se não há uma trama que o sustenta, não há beleza que possa sobreviver aos desmandos do mundo. Aprendi desde de muito cedo que o sonho é mais que a realidade. No sonho, o cruel se desfaz com a mudança de foco. É simples. É só deixar de pensar. Se a paixão não convém é só trocar a cara. Fácil de resolver. A imaginação permite retoques, mudanças constantes. Eu não tinha estas mãos sem força, tão paradas e frias e mortas; eu não tinha este coração que nem se mostra. Faço vir a chuva para dormir logo. Invoco o sol para o meu mergulho e imagino a neve para amenizar o calor. Acendo lareiras nas noites frias. Na angústia, adio a decisão, na agonia antecipo o fim. Minha máquina é minha realidade. É de lá que parto para os meus sonhos. O que materialmente corto, ajunto e costuro, de alguma forma repercute dentro de mim. Eu toco constantemente os bastidores da vida. E é a partir desses avessos que construo pontes que me levam para outros mundos.