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Lê o texto.

_ À s VEZES, em sonho triste,


_ Aos meus desejos existe
Longinquamente um país
_
Onde ser feliz consiste
_ Apenas em ser feliz.
5
Vive-se como se nasce
_ Sem o querer nem saber
_ Nessa ilusã o de viver
_ O tempo morre e renasce
_ Sem que o sintamos correr.
1
0
O sentir e o desejar
Sã o banidos dessa terra
_ O amor nã o é amor
_ Nesse país por onde erra
_ Meu longínquo divagar.
_
1 Nem se sonha nem se vive
5 É uma infâ ncia sem fim.
_ Parece que se revive
_ Tã o suave é viver assim
_ Nesse impossível jardim.
_
2
21-11-1909
0

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Fernando Pessoa, Poesia do eu, edição de Richard Zenith, Lisboa, Assírio & Alvim, 2014, p. 37.

1. Explicita os conceitos de consciência e de inconsciência presentes no texto.

2. Explica em que sentido o sujeito poético pode afirmar que, nessa terra sonhada, «O amor
nã o é amor» (verso 13).

3. Identifica, transcrevendo-a, a metá fora referente ao espaço sonhado.


A
Lê o texto.

O avô e o neto
_ Ao ver o neto a brincar,
_ Diz o avô , entristecido,
«Ah, quem me dera voltar
_
A estar assim entretido!
_
Quem me dera o tempo quando
Castelos assim fazia,
5
E que os deixava ficando
_ À s vezes p’ra o outro dia;
_
E toda a tristeza minha
_
Era, ao acordar p’ra vê-lo,
Ver que a criada já tinha
_ Arrumado o meu castelo.»
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Mas o neto nã o o ouve
_ Porque está preocupado
_ Com um engano que houve
No portã o para o soldado.

_ E, enquanto o avô cisma, e triste


_ Lembra a infâ ncia que lá vai,
Já mais uma casa existe
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Ou mais um castelo cai;
_ E o neto, olhando afinal
E vendo o avô a chorar,
Diz, «Caiu, mas nã o faz mal:
_
Torna-se já a arranjar.»
_ [1924?]
_

20

_
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Fernando Pessoa, Poesia do eu, edição de Richard Zenith, Lisboa, Assírio & Alvim, 2014, pp. 165 e 166.

1. Distingue as duas tristezas do avô referidas no poema.

2. Explicita a conceçã o de infâ ncia presente no texto.

3. Justifica o choro do avô – presente na ú ltima estrofe.


1- O sujeito poético sonha com um espaço inexistente onde a inconsciência reina,
onde nã o há consciência da morte ou do amor e os problemas que acarreta. Trata-se
de um espaço que vive num tempo mítico caracterizado pela inconsciência em que
vivem as crianças.
2- Esta afirmaçã o prende-se com a questã o da inconsciência infantil. O amor que se sente
é um amor descompli-cado, como o que uma criança sente pelos pais
3- «impossível jardim», no último verso do poema.

1- A primeira dor do avô radica no facto de já nã o se conseguir entreter como o


neto – primeira estrofe; esta primeira tristeza dá depois origem a uma segunda,
mais profunda, que radica no facto de o avô se consciencializar da
impossibilidade de regressar ao passado.

2- A infâ ncia é o tempo da despreocupaçã o, da inocência, da inconsciência: o


menino, vendo o avô chorar, «lê» essa
situaçã o meramente como o desgosto do avô por «um castelo» (v. 20) ter caído.

3- Este choro deriva da consciência da morte que se aproxima, da consciência de


nã o poder nunca mais ser menino.

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