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Antonio Farjani
Agosto 2007
J.R.R. Tolkien1
A herança de Descartes
Quem, sabendo quão diversos autômatos, ou máquinas móveis, a indústria dos homens
pode produzir, sem aplicar nisso senão pouquíssimas peças, em comparação à grande
quantidade de ossos, músculos, nervos, artérias, veias e todas as outras partes
existentes no corpo de cada animal, considerará esse corpo uma máquina que, tendo
sido feita pelas mãos de Deus, é incomparavelmente mais bem organizada e capaz de
movimentos mais admiráveis do que qualquer uma das que possam ser criadas pelos
homens.
Esses pressupostos, além de influenciar o senso comum, aparecem nas mais variadas
matérias publicadas por nossos veículos de comunicação, algumas vezes de forma
explícita, e outras de modo subliminar. Ao ler cuidadosamente cada parágrafo desse tipo
de matéria, constataremos que meros postulados são enunciados como verdades
científicas inquestionáveis. O artigo da revista Veja, intitulado Quando o Cérebro é o
Médico... e o Monstro,2 de Anna Paula Buchalla e Paula Neiva, nos servirá de exemplo
de como os pressupostos do mecanicismo cartesiano entremeiam as matérias veiculadas
pela mídia, sem que o leitor ou espectador se dê conta do fato. Já na epígrafe da
reportagem lemos:
Em seguida, o artigo narra o caso de uma mulher de 39 anos que descobre a origem
emocional de seu hipotiroidismo ao submeter-se à psicoterapia:
“Depois de seis meses de sessões, tudo começou a ficar mais claro: ‘Eu me
sentia constantemente agredida nos relacionamentos pessoais. Eu entregava
muito mais do que recebia, e essa troca desigual não me fazia bem. Era
assim no meu casamento, nas minhas amizades e na minha família’.
Desvendados os mecanismos psíquicos que a levavam a comportar-se dessa
maneira, Lívia resolveu parar com os medicamentos. Hoje, sua tireoide vai
muito bem e sua cabeça idem. O hipotireoidismo era, como se costuma
dizer, de fundo emocional”.
2
Descartes descreveu o universo como um perfeito mecanismo de moção vertical que
funciona deterministicamente, nos moldes de uma máquina. Para ele, a natureza se
comporta de acordo com leis mecânicas, atrelada a leis matemáticas exatas, de modo
que todos os elementos e fenômenos do mundo material poderiam ser explicados em
função da organização e do movimento de suas partes. Descartes também viu os corpos
dos animais como máquinas, comparando-os a um “relógio composto de rodas e
molas”, e afirmou: “Não reconheço qualquer diferença entre as máquinas feitas por
artífices e os vários corpos que só a Natureza é capaz de criar”. Sobre o corpo humano,
por sua vez, escreveu: “Considero o corpo humano uma máquina (...) Meu pensamento
(...) compara um homem doente e um relógio mal fabricado com a ideia de um homem
saudável e um relógio bem feito”.
Mas havia uma diferença entre o homem e os demais animais. Enquanto os primeiros,
juntamente com as plantas, se resumiam a simples máquinas, o corpo humano era
habitado por uma alma racional, a ele ligada pela glândula pineal, situada no centro do
cérebro. De fato, ninguém poderia desejar um conceito mais rigorosamente científico do
que esse. Estas ideias explicam, por exemplo, a estranha associação que o senso comum
estabelece entre conceitos tão diferentes quanto o de “mente” ou “cabeça”. Costumamos
dizer que uma pessoa inteligente é “um crânio”, ou tem “uma cabeça incrível”. Pensar
sabiamente é “usar a cabeça”. As pessoas bem humoradas têm “uma cabeça boa”, e as
flexíveis “uma cabeça aberta”. Um indivíduo sofredor possui uma “cabeça
atormentada”. Aos cientistas, chamamos de “grandes cérebros”, e procuramos um
psicólogo para “cuidar da nossa cabeça”. Quando perdemos o controle sobre nossas
emoções, dizemos que “perdemos a cabeça”, enquanto os loucos não passam de pobres
“doentes da cabeça”.
Em princípio, este tipo de associações parece inofensivo: afinal, a mente seria produto
do cérebro, que fica dentro da cabeça... No entanto, por mais naturais que tais
expressões possam parecer às pessoas que as usam, elas consistem no resultado de um
profundo e continuado condicionamento mental que nos influencia desde o século XVII,
quando Descartes publicou o seu Discurso sobre o Método (1637). Ficamos tão
3
acostumados a essas equações estabelecidas no cotidiano, que igualam conceitos tão
distintos como psiquismo, mente, pensamento, consciência, emoções, cérebro, cabeça,
que perdemos a capacidade de nos admirar de sua arbitrariedade e de suas estranhas
implicações. Assim, ao afirmar que a “cabeça” da paciente vai bem, o artigo pretende
dizer, no peculiar código cartesiano, que a mente que habita o corpo daquela mulher
voltara a operar de maneira saudável, como um relógio mecânico reparado após uma
revisão. Afinal, a sede de nossas emoções está no cérebro, e o próprio nome do artigo
(Quando o Cérebro é o Médico e o Monstro) reflete essa ideia. Logo na linha seguinte
ao título, a epígrafe (“O impacto das emoções e dos transtornos psíquicos sobre a saúde
orgânica é muito maior do que se supunha”) já enuncia que cérebro = mente = emoções
= psique ≠ corpo. Para continuar nossa leitura, teremos de aceitar a legitimidade desta
duvidosa equação.
Termos como emoções ou emocionais são usados 15 vezes, ditando que tudo aquilo que
pertence ao psiquismo deverá se referir invariavelmente ao emocional. As autoras ainda
nos advertem que “o número de pessoas que sucumbem fisicamente às suas próprias
emoções é enorme”. Todavia, aquilo que é psicológico não pertence necessariamente ao
âmbito emocional: essas palavras não são sinônimas. A psicanálise diferencia as
emoções dos afetos inconscientes, e divide as somatizações em categorias como
conversão histérica, conversões pré-genitais e as doenças psicossomáticas
propriamente ditas.4 A conversão histérica se refere a transtornos psicológicos pré-
conscientes ou inconscientes relativos ao processo edípico, entendendo-se este último
como a fase estruturante da personalidade: as conversões pré-genitais, por sua vez,
remetem a aspectos mais primitivos do psiquismo, anteriores ao processo edípico. Os
sintomas da conversão histérica não se devem a doenças orgânicas propriamente ditas, e
sim a distúrbios difíceis de se diagnosticar em um exame clínico, como alterações
motoras ou da percepção sem lesão aparente. As conversões pré-genitais se expressam
em afecções não muito graves mas diagnosticáveis como a asma, as alergias, gastrites e
úlceras estomacais, ou em quadros como a gagueira e os tiques nervosos.
Nada parece despertar tanto fascínio nos autores de textos sobre a mente quanto o
cérebro, que, incluindo-se suas derivações como cerebral ou cerebrais, é citado em 22
generosas ocasiões, fora o título da reportagem. Quando uma revista da mídia aberta
publica uma matéria sobre o cérebro, seu título não fugirá a lugares-comuns como: “A
Fascinante Máquina Cerebral”, ou “A Ciência Desvenda os Mecanismos da Mente”. O
pensamento, por sua vez, fica reduzido a uma seqüência de processos neuronais nos
mesmos moldes da seqüência causal que rege o universo, conforme a teoria cartesiana.
A noção do cérebro como uma engrenagem deriva da noção cartesiana do corpo como
uma máquina. Fiéis aos princípios mecanicistas que norteiam seus argumentos, as
autoras declaram, em tom solene (grifos nossos):
Ainda que indiretamente, o texto nos faz acreditar que um dia a ciência decifrará os
mais profundos códigos do cérebro, órgão que, a despeito de sua complexidade, não
passa de um computador superpotente porém finito, e eliminará todas as dúvidas ainda
existentes sobre sua mecânica, iluminando-a com a mítica certeza cartesiana.
5
O Cérebro-Máquina. Para os mecanicistas, o fato de alguns
processos cerebrais poderem ser descritos mecanicisticamente nos
permite reduzir o cérebro a uma máquina. Imagens obtidas no
site Peroratio - origem e direitos não identificados.
6
A divisão cartesiana entre mente e corpo
Note-se ainda o papel central que o termo “causa” ocupa nesta frase. Neste artigo, a
psicossomática resume-se à busca das “causas psicológicas” de certas doenças, onde o
mecanismo pressuposto é o de que, a partir do dogma cartesiano da divisão entre psiquê
e soma, a mente produziria efeitos no corpo, resultando no ganho ou na perda da saúde.
Mas qual seria o embasamento desse conceito?
“Posso duvidar de tudo, até de meu corpo, mas não posso duvidar que
penso. Não posso duvidar da existência de minha mente pensante, mas
posso duvidar do corpo. Obviamente, mente e corpo têm de ser diferentes”.
O próprio termo psicossomática (do grego psiché, “alma”, e soma, “corpo”) se baseia
nesse pressuposto cartesiano. A noção de que algumas doenças possam ser
psicossomáticas parte do princípio de que mente e corpo pertencem a realidades
diferentes, e que a área da mente exerce uma ação sobre a área corporal. Da mesma
maneira, o emprego de termos como correlação, interação ou influência de uma
categoria de fenômenos sobre a outra implicam uma aceitação prévia da concepção
dualística do homem. Será este pressuposto científico? Nem tanto.
O princípio dualista que postula a separação entre mente e corpo, e justifica inclusive a
existência de uma ciência assim chamada psicossomática, traz em si mesmo um grande
problema. Em primeiro lugar, tratando-se de duas realidades separadas, fica difícil
explicar como uma mente imaterial poderia interagir com a realidade material dela
destacada. Parece muito mais fantástico - e, por que não, metafísico - acreditar-se nessa
possibilidade do que encarar mente e corpo como duas faces de uma única realidade, e a
razão que nos permite fazer esta afirmação pode ser mais simples do que aparenta. Amit
Goswami, físico teórico nuclear e membro da University of Oregon Institute for
Theoretical Physics desde 1968, escreveu:
7
“Desde o dia em que René Descartes dividiu a realidade em dois reinos
separados - mente e matéria - numerosas pessoas têm-se esforçado para
racionalizar a potência causal da mente consciente dentro do dualismo
cartesiano. A ciência, contudo, oferece razões irresistíveis para que se ponha
em dúvida que essa filosofia dualista seja sustentável: para que haja
interação entre os mundos da mente e da matéria, terá de haver intercâmbio
de energia. Ora, sabemos que no mundo material a energia permanece
constante. Certamente, portanto, só há uma realidade. Aí é que surge o
problema: se a única realidade é a realidade material, a consciência não
poderia existir, exceto como um epifenômeno anômalo”.6
Em outras palavras o dualismo cartesiano, ao separar mente e corpo, transgride uma das
consagradas leis da física newtoniana, a lei da conservação da energia e do momentum
(produto da massa pela velocidade de um objeto), embora isso não pareça perturbar os
mecanicistas estudiosos da psicossomática. Tampouco interessa à formidável ciência
materialista, cantada em prosa e verso na reportagem ora em discussão, discutir tais
minúcias.
Fiéis a suas crenças, as autoras sempre procuram conferir um verniz de rigor científico a
seu texto. Assim, embora parta do princípio pretensamente revolucionário de que a
mente, em alguns casos, possa influenciar o corpo, o que atestaria a validade científica
da psicossomática, o artigo nos adverte, como que sugerindo uma certa imparcialidade:
9
3) Ao se identificar um mecanismo físico que tenha desencadeado uma
doença, deve-se desconsiderar a possibilidade de haver qualquer processo
mental concorrente.
As duas primeiras assertivas não possuem embasamento científico algum, uma vez que
partem de simples conjecturas. Por mais surpreendente que possa parecer a princípio, a
dualidade mente-corpo proposta por Descartes, adotada como dogma religioso pela
ciência materialista nos últimos quatro séculos, consiste em mera especulação
filosófica, sem comprovação experimental, tanto que, como já observamos, essa
dualidade fere um dos pilares da física que é a lei da conservação da energia.
Embora os representantes da ciência ortodoxa prefiram olvidar esse fato como filhos
que se envergonham da origem de seus pais, seus princípios básicos não passam de
postulados metafísicos, ou seja, suposições sobre a natureza do ser, e não conclusões
apoiadas em experimentos. Ideias consagradas de Descartes como: o princípio da
certeza científica; a dualidade mente-corpo, e a existência de uma “substância da alma”
em oposição a uma “substância física”; a ideia de que os animais consistem em simples
máquinas, enquanto que no homem teria sido instalada uma alma; a sede da alma na
glândula pineal; a máxima de que existimos na medida em que pensamos (o famoso
adágio “penso, logo existo”), a redução do universo a uma máquina e dos processos
fisiológicos a engrenagens derivam de especulações metafísicas sem qualquer
sustentação científica. Até a crença aparententemente mais inquestionável dentre as
demais, a de que quaisquer fenômenos observáveis possam ser reduzidos a séries
sucessivas de causas e efeitos, fracassa totalmente quando aplicada à física pós-
newtoniana.
Não deixa de ser irônico que a concepção do universo como uma máquina fosse
questionada de modo mais contundente no início do século XX não por místicos, gurus
ou militantes do Hare Krishna batendo pandeiros, mas pelos próprios físicos. A
contestação da visão cartesiana do mundo pode ser sintetizada no que o físico,
astrônomo e matemático inglês James H. Jeans (1877-1946), escreveria em 1930:
10
A ideia de que nenhum processo mental participe das doenças consideradas orgânicas
tampouco se apoia em experimentos: apenas supõe-se que não haja processos mentais
envolvidos porque estes não puderam ser detectados, conclusão coerente com o
princípio de não se discutir aquilo que não possa ser visto. Sequer se considera a
possibilidade de que esse resultado se deva a limitações na concepção do experimento
ou do instrumental utilizado para a medição. Mas pode-se entender o entusiasmo com
que a medicina mecanicista – sem se falar nos laboratórios farmacêuticos - abraça essa
ideia, pelo que podemos observar no terceiro pressuposto identificado há pouco, que
comentaremos em seguida.
“Devemos ser claros que, no caso dos átomos, a linguagem pode ser usada
apenas como na poesia. O poeta, igualmente, não está nem de perto
preocupado em descrever fatos quanto em criar imagens e estabelecer
conexões mentais”.10
11
físico francês e filósofo da ciência conhecido por seu trabalho sobre a natureza da
realidade, faria uma afirmação diametralmente oposta a essa filosofia no ano seguinte:
Como a física sempre foi considerada a mais objetiva das ciências pelos materialistas,
pode ser divertido pensar que, conforme a filosofia defendida pelas autoras, um físico
conceituado defenda o famigerado “fundamentalismo psicológico” ao proferir uma frase
que poderia ser qualificada como “a mãe de todas as baboseiras”. Afinal, se o artigo
execra a possibilidade de que o corpo possa ser sempre e incondicionalmente
influenciado pela mente, o que diria da afirmação de que não somente nossos corpos,
mas todos os objetos do universo estariam sujeitos a ela?
Átomo de lítio segundo o modelo de Bohr: a representação das partículas subatômicas como
pequenos blocos sólidos girando em torno de um núcleo, nos moldes do sistema solar, tem apenas
fins ilustrativos. Não se trata de uma tentativa de retratar a “verdadeira” aparência física do
átomo, que não passa de um conjunto de funções de onda. Figura extraída do Human
Thermodynamics.
Essa assertiva de d’Espagnat, em vez de ser novidade, apenas retrata uma constatação
obtida por experimentos realizados com as partículas subatômicas desde o início do
século XX, quando surgiu a teoria quântica. Tampouco constitui uma questão em aberto
ou ponto de discussão no meio científico, e sim uma verdade tão inquestionável quanto
difícil de se aceitar pelos próprios cientistas que a descobriram. Antes de d’Espagnat, o
físico Eugene Wigner (1902-1995) já escrevera:
“Como um homem que tem devotado sua vida inteira à mais sóbria ciência,
o estudo da matéria, posso lhes dizer como resultado de minha pesquisa
sobre os átomos o seguinte: Não existe matéria como tal. Toda matéria se
origina e existe somente por virtude de uma força que induz a partícula de
12
um átomo a vibrar e mantém esse sistema solar do átomo reunido. Nós
temos de supor que por trás dessa força exista uma mente consciente e
inteligente. Essa mente é a matriz de toda matéria.13
Quem duvidar das afirmações acima, no entanto, pode encontrar consolo no fato de que
Albert Einstein, um dos grandes corresponsáveis pelo surgimento da Nova Física na
aurora do século XX, reagiu do mesmo modo diante dos paradoxos do mundo
subatômico. Recusando-se a aceitar as conseqüências da nova teoria, ele preferiu
acreditar que as equações da física quântica permitiriam descrever apenas o
comportamento das partículas subatômicas, não se aplicando à experiência cotidiana.
Apesar de toda sua genialidade, Einstein não resistiu às mesmas armadilhas a que todos
nós sucumbimos em nosso dia-a-dia, onde os objetos macroscópicos não parecem se
comportar à maneira bizarra das partículas subatômicas. Devido a uma ilusão sensorial,
somos facilmente levados a acreditar que a matéria macroscópica difere de algum modo
das partículas microscópicas, já que seu comportamento convencional pode ser descrito
pelas leis newtonianas.
Por mais estranho que possa soar aos defensores da isenção científica na busca da
verdade e na compreensão dos fenômenos da natureza, a hipótese de que os princípios
da física quântica só se apliquem ao mundo subatômico, como uma realidade destacada
do mundo macroscópico, não decorre de experiências de laboratório ou de formulações
racionais, e sim do instinto de autopreservação de uma instituição, a escola clássica
mecanicista. Nunca houve um experimento científico que indicasse em seu resultado
que a matéria microscópica e a macroscópica pertencessem a duas realidades separadas,
embora dessa conclusão dependa a sobrevivência da ciência clássica como paradigma
para explicar o mundo material em sua totalidade. As implicações das descobertas
proporcionadas pela física quântica pareceram tão absurdas que assustaram até mesmo
os seus fundadores, como demonstram estas palavras de Werner Heisenberg:
“Recordo as discussões com Bohr que se estendiam por horas a fio, até altas
horas da noite, e terminavam quase em desespero; e, quando no fim da
discussão, eu saía sozinho para um passeio no parque vizinho, repetia para
mim, uma e outra vez, a pergunta: Será a natureza tão absurda quanto parece
nesses experimentos atômicos?”15
13
Niels Bohr, por sua vez, vaticinou que “quem não se sentiu chocado com a Teoria
Quântica, não pode tê-la compreendido”,16 enquanto Erwin Schrödinger fez uma queixa
amargurada: “Não a aprecio, e lamento ter estado ligado a ela”. 17 Como se pode
constatar, a nova física incomodou não somente a uns poucos, mas a todo o meio
científico, que acabou por dividir-se em duas facções: a daqueles que enfrentaram essa
nova realidade e se propuseram a compreendê-la, e a dos que, por medo, preconceito,
vaidade ou mesmo incompetência, apegaram-se às velhas teorias. Dentro do espírito da
reportagem aqui comentada, dir-se-ia que as posições hoje assumidas pelo meio
científico podem ser divididas em duas classes: as posições advindas de experimentos
físicos, e as assumidas por necessidades emocionais. Nesse assunto, o fisico norte-
americano David Bohm, por exemplo, não deixou dúvidas sobre sua escolha:
Um dos grandes desafios trazidos pela física quântica foi a constatação do papel
fundamental do observador para a existência da matéria e para o desencadeamento dos
fenômenos. Uma das conseqüências filosóficas dessa descoberta pode ser traduzida pela
pergunta: se a matéria necessita ser observada para adquirir uma forma, e o cérebro é
um objeto material, como poderia este órgão gerar e abrigar a consciência? Em outras
palavras, como uma porção de matéria poderia gerar o colapso de onda necessário para
que sua própria substância se manifeste? E mais: se todos os objetos e fenômenos
físicos não passam de percepções e interpretações de uma realidade fugaz, o que seria o
cérebro? Não se pode fugir à hipótese de que o cérebro não passe de mais uma
14
interpretação de um observador a ele transcendente, mas esta questão crucial, a de quem
é esse observador que desencadeia o colapso de onda de modo a dar contornos ao
universo, não caberá à atual discussão.
Uma indicação de que esse dia nunca vai chegar é o fato de que as estranhas
constatações sobre a matéria e a realidade trazidas pela física quântica não se devem a
quaisquer limitações dos experimentos nem da aparelhagem neles utilizada, mas à
natureza essencial do mundo subatômico. A única solução para essa classe de impasses,
que de tempos em tempos encontramos na busca da verdade, reside numa mudança de
paradigma na maneira de abordar tais fenômenos, ao invés de tentar adaptá-los a leis
que se aplicam apenas a estados particulares da realidade conhecida.
Do mesmo modo, não se pode definir o que seja efetivamente um átomo ou uma
partícula subatômica dentro do modelo cartesiano, considerando-se a existência
concreta das partículas, sua exata localização no tempo e no espaço, seu momentum (o
produto da massa pela velocidade), sua aparência e a descrição de seu comportamento
baseadas nas hoje saudosas relações de causa e efeito descritas pela mecânica clássica.
O velho modelo do átomo contendo um núcleo em torno do qual giram os elétrons,
como admitiram desde sempre seus próprios idealizadores Bohr e Rutherford, não
passam de uma interpretação ou ilustração de um objeto que sequer possui forma
definida. A noção dos elétrons como partículas materiais rígidas girando e
entrechocando-se não é mais que uma projeção fantasiosa da visão newtoniana dos
macro-objetos para o mundo subatômico.
15
Uma ironia do destino levou o status quo científico a assumir, guardadas as devidas
diferenças, um papel histórico semelhante ao da Igreja, de tentar impedir a humanidade
de efetuar um salto qualitativo no conhecimento para não ter de renunciar a seus
próprios dogmas. Assim como a Igreja um dia negou o fato do Sol ocupar o centro do
sistema solar, obrigando Galileu a retratar-se diante da corte inquisidora, hoje a ciência
ortodoxa se apega a conceitos arcaicos que sequer explicam a fusão nuclear ocorrida no
centro das estrelas. Como assinalou Gribbin – e esta é mais do que uma simples
metáfora -, “entre outros aspectos, a mecânica quântica explica-nos porque brilha o sol,
enquanto a mecânica clássica afirma que ele não pode brilhar”, uma forma delicada de
dizer que a física newtoniana e os sacerdotes da religião mecanicista, que se jactam de
ter uma explicação para cada fenômeno observável, sequer explicam o amanhecer que
contemplamos ao despertar.20
Três décadas após o experimento EPR, John Bell formulou um teorema baseado nesse
experimento que demonstrou que a concepção cartesiana da realidade, por consistir em
partes separadas e submetidas a conexões locais, é incompatível com as previsões
estatísticas da mecânica quântica.23 No campo da física, o teorema demonstra que que a
hipótese das variáveis ocultas não pode descartar a natureza estatística da física
subatômica. Filosoficamente, implica que, de acordo com as evidências fornecidas pela
mecânica quântica, o universo não é localmente determinístico, e portanto nem um
pouco previsível ou parecido com o jogo de bilhar cósmico imaginado por Laplace.24
Segundo o princípio do determinismo causal, todos os eventos podem ser previstos com
exatidão se conhecermos as condições iniciais dos objetos envolvidos, ou seja, sua
posição no espaço, a massa, a direção e a velocidade com que se deslocam.
Em uma entrevista concedida por ocasião do Gold Medal Award Ceremony do Centro
National para Pesquisa Científica da França (CNRS) em dezembro de 2005, Aspect
afirmou:
16
“A principal dificuldade em se popularizar a física quântica é a de que nós
de fato não sabemos como ilustrá-la em nosso mundo. Nesse sentido ela é
realmente anti-intuitiva”.
Portanto, a abordagem da realidade empregada pelas autoras em seu artigo, longe de ser
atual ou revolucionária, só reflete a dificuldade dos meios científicos conservadores, da
mídia leiga e do senso comum em abrir mão de conceitos ultrapassados há cerca de um
século. Por trás dessa atitude há um laivo de hipocrisia: embora os princípios da física
quântica sejam hoje largamente utilizados no ramo da tecnologia, desde em
supercomputadores até os aparelhos de uso doméstico, persiste a resistência a admitir
suas implicações filosóficas e suas conseqüências na nossa visão de mundo, de nós
mesmos, e de nosso cotidiano. Mais uma vez em obediência à regra de Wittgenstein, de
não se falar sobre aquilo que não se possa explicar, esses conceitos têm sido largamente
utilizados, jamais discutidos. Assim, hoje em dia, nosso entendimento da realidade e
nosso senso comum, tanto quanto a mais moderna tecnologia do século XXI, ainda se
apóiam em fundamentos oriundos da filosofia do século XVII e da física do século
XVIII.
Por falar na filosofia do século XVII, lembremos que, sob o enfoque mecanicista, a
noção de cura fica circunscrita à busca de uma maneira de interromper a cadeia causal
verificada no processo da doença. Por essa mesma razão, no caso das terapias cognitivo-
comportamentais, “o que importa, para seus seguidores, é ensinar o paciente a evitar a
cadeia de reações emocionais que leva o corpo a responder com sintomas físicos”
(grifo nosso).
17
No caso das doenças infecciosas, todos os remédios e vacinas desenvolvidos têm como
único objetivo sustar o mecanismo da infecção interrompendo sua cadeia causal. Como
já se sabe, esse tipo de intervenção só funciona até o vírus ou bactéria sofrer uma
mutação, produzindo uma cepa resistente ao medicamento, e exigindo novas pesquisas e
mais bilhões de dólares na busca de um novo antídoto. Devido a essa alta capacidade de
adaptação dos vírus e bactérias, a medicina mecanicista tem sido incapaz de descobrir
uma cura para doenças triviais como o resfriado ou a herpes, enquanto assistimos ao
retorno de doenças antes consideradas controladas como a malária e a tuberculose, e ao
surgimento de formas mais agressivas de germes comuns como o staphylococcus
aureus.27 Mas não serão as multinacionais farmacêuticas a lamentar esse fato: o
princípio reducionista de que as doenças não passam de processos físicos decorrentes de
algum defeito na “máquina” corporal tornam a produção química de remédios bastante
lucrativa.
Pode-se ainda apontar uma notável ironia na abordagem mecanicista do tratamento das
doenças infecciosas: o procedimento de se tentar erradicar um microrganismo atacando-
o com um antibiótico colide com os princípios do darwinismo, um dos baluartes mais
intocáveis do status quo científico atual. De acordo com as leis da evolução, os
antibióticos não farão mais que aperfeiçoar, por meio da seleção natural, esses mesmos
organismos, tornando-os cada vez mais resistentes e difíceis de ser eliminados.
A filosofia materialista nasceu com Demócrito, há cerca de dois mil e quinhentos anos.
No século XVII, quando Descartes lançou as bases do materialismo moderno apoiado
na ideia de objetividade de Aristóteles, os objetos fisicos foram considerados
independentes e separados da mente. No século seguinte, Isaac Newton consolidou o
materialismo com o princípio do determinismo causal, no qual se baseia o senso comum
de nossa época. Aos princípios cartesianos devemos igualmente a conclusão de que, se
encontrarmos um vírus ou bactéria responsáveis por uma seqüência de causas e efeitos
corporais que levem a uma determinada doença, poderemos excluir a mente como
participante desse processo. Considerados como entidades separadas, mente e corpo
tornam-se elementos mutuamente excludentes, levando-nos a uma conclusão
tipicamente cartesiana: OU uma doença tem origem psíquica, OU orgânica.
19
O "Eu Interior", apagado em laboratório?
Certa vez eu, Chuang Tzu, sonhei que era uma borboleta, agitando-me de lá para cá,
em todos os sentidos e intenções uma borboleta. Estava consciente apenas de minha
alegria como borboleta, sem saber que era Chuang. Quando acordei, lá estava eu,
verdadeiramente eu mesmo de novo. Agora não sei se eu era um homem sonhando ser
uma borboleta, ou se agora sou uma borboleta sonhando ser um homem.
Dentro do artigo aqui comentado, ainda existe uma questão digna de nota que parece ter
representado uma espécie de apoteose para as autoras, a prova definitiva da supremacia
do materialismo sobre a metafísica que consta do parágrafo abaixo (grifos nossos):
Percebe-se nestas linhas um certo ufanismo em se decretar, num espaço menor do que
uma página, o fim da “metafísica” e o triunfo do realismo materialista por obra e graça
dos deuses da ciência moderna. Segundo as autoras, “as emoções e as sensações são
fenômenos físicos, que ocorrem em lugares específicos do cérebro. Para desilusão dos
metafísicos, a ligação mente-corpo não é etérea, mas quase palpável”.30
20
epifenomenalismo, princípio já mencionado neste ensaio como um dos pilares da
ciência materialista. Segundo essa visão os estados mentais não passam de
epifenômenos (efeitos secundários ou subprodutos) dos diferentes estados da matéria. O
epifenomenalismo nega que a mente exerça influência sobre o corpo ou qualquer objeto
físico, ao contrário dos estados mentais que seriam sempre causados por processos
físicos. Assim, a falsa impressão de uma postura aberta para novas ideias que o artigo
pode dar aos leitores por admitir, ainda que com muitas ressalvas, que alguns estados
mentais possam influenciar o corpo, advém de uma postura mais flexível adotada pelo
texto que pode ser atribuída a um simpático “epifenomenalismo light”, que em nenhum
momento transcende o modelo dualista, nem abre mão da primazia da matéria sobre a
mente ao reduzir as emoções a reações bioquímicas. Essa relativa flexibilidade não se
deve a um insight nem representa uma mudança de paradigma por parte dos dualistas
quanto à inter-relação mente-corpo, e sim a uma concessão calculada, uma decisão
estratégica do tipo “vergar-se para não quebrar”, já que vinha ficando cada vez mais
difícil sustentar a total separação entre mente e corpo proposta por Descartes no estudo
das doenças psicossomáticas.31
Por outro lado, talvez o próprio Dr. Crick, ganhador do Prêmio Nobel e codescobridor
da dupla hélice do DNA, pudesse ser incluído no rol desses metafísicos esconjurados
pelas autoras: atônito perante a complexidade da vida terrestre, ele defendeu várias
vezes por escrito a opinião de que os problemas advindos da crença na origem da vida
como produto do acaso eram tão grandes que deveríamos considerar a ideia de que
alienígenas tenham enviado uma nave à Terra para semeá-la com esporos e assim iniciar
o processo. Crick divulgou essa ideia pela primeira vez em 1973, junto com o químico
Leslie Orgel, no artigo Panspermia Dirigida, publicado pela revista especializada
Icarus. Na década seguinte, reiterou a ideia em seu livro Life Itself e, em 1992, fez o
mesmo em uma entrevista para a Scientific American.
Dentre outras reações, Crick recebeu a crítica de que sua especulação sobre panspermia
“enquadra-se perfeitamente ao conceito de design inteligente”,32 teoria que, grosso
modo, propõe que a evolução consista em mais do que um produto do mero acaso. A
menor possibilidade de que o processo evolutivo sofra a influência de uma espécie de
ordem ou padrão subjetivo traz de volta o fantasma da religião ao mundo científico. Por
isso, a teoria do design inteligente tem recebido a pecha de “neocriacionista” por parte
dos darwinistas mais arraigados, o maior insulto por eles aplicado para se referir a
alguém que ouse enxergar no processo da evolução algo mais do que uma sequência de
processos aleatórios. Portanto, embora não se possa afirmar com certeza se as
experiências do Dr. Crick incomodariam de fato alguns metafísicos, suas ideias, por
outro lado, deverão decepcionar alguns de seus mais ardorosos fãs materialistas, sejam
eles cientistas sérios ou redatores de revistas populares de fim de semana.33
James Watson, seu parceiro na descoberta da estrutura do DNA e com quem dividiu o
prêmio Nobel, também merece menção por ideias como a publicada na revista do
Sunday Times, edição de 14/10/07, sobre “a inteligência inferior dos negros em relação
à dos brancos” como explicação pelo atraso do continente africano. Sua manifestação
provocou fortes reações na comunidade científica e lhe acarretou o cancelamento de
palestras no Museu de Ciência de Londres e na Universidade de Edimburgo, assim
como sua demissão do Cold Spring Harbor Laboratory de Nova York. Em 2000, ele já
havia causado comoção numa universidade da Califórnia, quando estabeleceu uma
relação entre a cor da pele e o impulso sexual. Sua contribuição ao folclore científico
inclui a opinião em favor do aborto no caso do feto ser portador de um suposto “gene da
21
homossexualidade”. Mesmo nos abstendo de julgar a seriedade das afirmações de
Watson para não perder o foco deste ensaio, podemos constatar que o “mundo
científico” aclamado pela reportagem não forma um corpo tão coeso quanto se
imagina.34
22
As palavras pessoa e personalidade vêm do latim persona, nome das máscaras usadas
no teatro, e que ocultam a verdadeira face de seu portador. O objetivo da iniciação nas
religiões de mistérios, tanto quanto da meditação budista ou das reflexões taoístas,
consiste em superar nossa parte profana, esse “eu” ilusório com o qual nos
identificamos, para atingir uma iluminação que exige antes de tudo a renúncia à
individualidade. Assim, provavelmente os metafísicos, longe de sentir-se desiludidos,
deverão saudar o Dr. Crick pelo brilhante experimento que ratifica em laboratório uma
das proposições mais antigas e básicas da espiritualidade universal.
Embora os meios de comunicação de massa não costumem veicular este tipo de notícia,
sabe-se que mesmo no meio científico a abordagem mecanicista do cérebro está longe
de constituir unanimidade. Desde as primeiras décadas do século XX, diversos estudos
têm mostrado que, ao contrário do que se apregoa nos meios mais ortodoxos, as
memórias estão dispersas pelo cérebro, em vez de confinadas a uma localização
específica. Em uma série de experiências efetuadas na década de 1920, o psicólogo
behaviorista Karl Lashley (1890–1958), conhecido por suas significativas contribuições
ao estudo do aprendizado e da memória, descobriu que, independentemente de que
porção do cérebro de um rato fosse removida, era impossivel erradicar a memória de
como eram realizadas atividades complexas que tinham sido aprendidas pelo animal
antes da cirurgia. A impossibilidade de se determinar um local biológico de
armazenamento da memória (ou engram, como ele o chamou) indicava que as
informações não estariam localizadas em uma parte do cérebro, mas amplamente
distribuídas pelo córtex.39
Nos anos 1960, o neurocirurgião Karl Pribram propôs que as memórias não seriam
codificadas nem nos neurônios, nem em pequenos grupos destes, mas em padrões de
impulsos nervosos de tipo cruzado em todo o cérebro, assim como a interferência da luz
laser atravessa toda a área de um pedaço de filme contendo uma imagem holográfica. O
fato do cérebro funcionar como um holograma é a única maneira de explicar esse
padrão de armazenamento de informação. O mesmo conceito pode ser aplicado na
genética, o que nos levaria a trocar a busca por genes especializados em cada
característica física ou psicológica isolada pelo entendimento de que essas
características se definem na inter-relação entre os genes, e de como o padrão
holográfico otimizaria o armazenamento da informação genética em tão pouco espaço.
Aplicado à informática, esse mesmo conceito proporcionaria uma revolução na
tecnologia de armazenamento de dados.40
23
A obstinação da ciência cartesiana em buscar explicação para todos os fenômenos
descrevendo-os como sequências lineares de eventos, desencadeadas por objetos
isolados, trafega na contramão do que tem sido constatado nas mais diversas disciplinas,
o fato de que a interação entre as partes predomina sobre a função individual dos
objetos.
Cabe aqui ressaltar que o tipo de ciência descrito acima não costuma ser divulgado pelas
revistas de comunicação de massa: a chamada mídia aberta demonstra uma notável
predileção pelas abordagens lineares dos fenômenos em detrimento das abordagens
totalizantes da realidade. Apesar da imensa variedade da produção científica atual,
somente se publica esse mesmo ramerrão mecanicista, impregnado de um horror à
subjetividade diretamente proporcional à paixão pela certeza científica. Na área da
medicina, divulgam-se principalmente novas técnicas cirúrgicas e novos compostos
químicos destinados a suprimir sintomas ou quebrar a cadeia causal descoberta em
alguma doença, de preferência uma doença que esteja na moda. Costuma-se também
divulgar a criação de novos diagnósticos de validade duvidosa que ajudem a vender
mais remédios, como as síndromes do pânico, do déficit de atenção ou a das pernas
inquietas.
24
Igualmente comuns são as matérias alarmistas mencionando guerras imaginárias contra
vírus ou bactérias: segundo estas, vivemos uma cruzada contra quaisquer seres que se
atrevam a contestar nossa superioridade sobre as demais formas de vida da Terra,
mesmo aquelas que a habitam desde muito antes de nossa chegada e que permanecerão
depois da nossa extinção. Esses microrganismos são considerados “inimigos” da
humanidade, que devem ser combatidos num confronto mortal, mostrando que nosso
senso comum, mesmo amparado em modernos conceitos científicos, parece não ter
evoluído um passo além do maniqueísmo que infectou nossa cultura desde os últimos
dezessete séculos.48
25
A Ciência como paradigma da verdade - a idealização do conhecimento científico
Martin Ryder49
“Um vasto estudo da incidência de fraude científica nos Estados Unidos foi
recentemente publicado com resultados alarmantes: as fraudes são mais
comuns do que pensamos. Cientistas desfrutam de grande credibilidade em
seus pronunciamentos públicos - como aquecimento global, clonagem e
evidências de novos mundos extraterrestres. Mas esse estudo sugere que tal
confiança não é merecida” (...)
Quase nove por cento dos 2.012 cientistas de 605 instituições pesquisadas
pelo Escritório de Integridade Científica (ORI, na sigla em inglês), uma
agência de monitoramento de pesquisas científicas nos EUA, disseram ter
testemunhado algum tipo de fraude ou conduta inadequada nos últimos três
anos. A agência estima que todo ano ocorram três incidentes de fraude para
cada 100 pesquisadores” (...)
Outro texto publicado pelo NYT, Pesquisas Científicas Podem Enganar, de Gina
Colata, pode ser igualmente ilustrativo quanto à confiabilidade das pesquisas científicas.
Se muitas fraudes são cometidas por causa da vaidade pessoal, pode-se apenas imaginar
quantas mais ocorrerão em função de interesses econômicos de grandes corporações.
Mas nada parece perturbar os crentes desta importante religião do terceiro milênio: em
todo o texto, as autoras jamais fogem a uma crença inabalável na Ciência, e passam-na
adiante em mensagens nem tão subliminares, como no parágrafo abaixo (grifos nossos):
26
“Foi somente a partir da década de 70, no entanto, que a aproximação entre
a medicina e a psicologia se estreitou,51 e a área psicossomática começou a
ganhar reconhecimento científico. O ‘fundamentalismo psicológico’
denunciado por Susan Sontag atrasou o progresso de um campo da medicina
que só agora reclama sua posição no mundo científico”.
É notável como um pequeno parágrafo pode transbordar axiomas dos quais o leitor não
tem a menor chance de escapar. O primeiro deles é o de que a verdade se constitui numa
prerrogativa da ciência, e por extensão, dos cientistas. A área da psicossomática
somente se reveste de seriedade quando ganha “reconhecimento científico”, e uma
“posição no mundo científico”. O “fundamentalismo psicológico”, por sua vez,
semelhante à Al Qaeda para o pensamento formal e mecanicista, fez todo o possível
para prejudicar a busca da verdade absoluta, aqui resumida à utópica certeza cartesiana.
Existe em nossa cultura o preconceito de que uma área do conhecimento só deve ser
reconhecida se acatar os preceitos básicos da ciência tradicional, e a psicologia não
escapa a esse dogma. O artigo acusa o “fundamentalismo psicológico”, praticado por
psicólogos ainda não domesticados, de atrasar o progresso da nossa nobre medicina na
busca pela verdade absoluta, apesar do livro-denúncia escrito por uma crítica de arte e
ativista norte-americana ter nos legado uma conclusão inequívoca sobre a verdadeira
origem das enfermidades. Mas isso ainda não é tudo. Esse poderoso parágrafo também
outorga um status bastante elevado à medicina como a instituição detentora da verdade
definitiva nas questões referentes à saúde, uma espécie de franquia da Ciência como um
todo, fato que nos obriga a nela acreditar cegamente. A própria psicossomática reduz-se
a “um campo da medicina”. 53 Faz-nos crer igualmente que os médicos e pesquisadores
formam um bloco uniforme, compartilhando as mesmas ideias e interesses, o que é uma
falácia, como podemos observar no exemplo abaixo.
Num artigo publicado em 2007 no The New York Times,54 os doutores Gilbert Welch,
Lisa Schwartz e Steven Woloshin denunciam os vícios do sistema de saúde norte-
americano:
27
Essa epidemia é uma ameaça à saúde e tem duas fontes distintas. Uma delas
é a ‘medicalização’ da vida cotidiana. A maioria de nós passa por sensações
físicas ou psicológicas desagradáveis que, no passado, eram consideradas
como parte da vida. No entanto, hoje tais sensações são consideradas, cada
vez mais, como sintomas de doenças. Eventos como insônia, tristeza,
inquietação das pernas e diminuição do apetite sexual, hoje, se transformam
em diagnósticos: distúrbio do sono, depressão, síndrome de pernas inquietas
e disfunção sexual (...)
Igualmente instrutiva pode ser a leitura do artigo Sense About Science – Making Sense
of Testing, assinado por vários médicos britânicos de renome, do qual transcrevemos o
trecho que se segue:
28
Pode-se depreender dos dois trabalhos acima mencionados o quanto os médicos estão
longe de formar o bloco único e concordante que artigos como a reportagem ora em
análise pretendem fazer crer. Tamanha idealização da medicina, colocada em um altar
incensado pelas autoras, quase nos faz esquecer do quanto ela hoje se encontra
comprometida com ideologias, interesses políticos e financeiros, e submetida aos
interesses dos governos e das grandes corporações. Cada vez mais, a função da
medicina parece concentrar-se no papel de perseguir as doenças criadas, modificadas ou
potencializadas pela própria civilização, e nos fazer sentir doentes mesmo que à custa de
revisões para baixo de índices de normalidade para vender mais medicamentos. O artigo
de Welch, Schwartz e Woloshin ainda acrescenta:
29
poderia ocorrer na vida de qualquer pessoa. As mulheres são convencidas a manter seus
genitais “protegidos” de suas próprias impurezas usando absorventes íntimos não
apenas durante a menstruação, mas todos os dias do mês.
As crianças, comumente usadas como isca pelas agências de publicidade para vender
medicamentos, inseticidas e produtos de limpeza, são as grandes protagonistas nos
anúncios de xaropes, pastilhas, pomadas e curativos autoaderentes. Enquanto antigos
remédios amargos cedem lugar a poções cada vez mais saborosas, os adesivos vêm
decorados com desenhos coloridos para encantar crianças e adolescentes. Oferecem-se
diversos produtos de ação antibacteriana, como sabonetes que “protegem” uma criança
do contato diário com objetos prosaicos como a terra, a água, plantas, insetos ou mesmo
o cachorro da família, subitamente convertido em uma potencial besta assassina. A
eficácia prometida chega a impressionantes detalhes como o de fornecer estatísticas
exatas da eliminação dos microrganismos. “Nosso produto remove 97% das bactérias”,
diz a legenda, e, como o comercial não informa quais tipos de bactérias são eliminados,
resta-nos rezar para que os 3% restantes não sejam justamente aqueles que oferecem
algum risco real a nossa saúde. As bactérias necessárias a nossa saúde, por sua vez,
acabam sepultadas nessa vala comum.
Um mínimo arranhão deve ser imediatamente desinfetado por uma mãe vigilante que
acorre com um antisséptico e uma bandagem em punho. Um pequeno acidente com
sangramento, que antigamente se enfrentava lavando a ferida com sabão em uma
torneira, hoje leva uma criança ao pronto-socorro onde lhe serão ministrados
antibióticos e injeções antitetânicas. Tomar chuva pode acarretar uma pneumonia,
embora talvez não ofereça tanto perigo quanto uma vacina contra a gripe. Uma dor de
garganta comum demanda o uso de pastilhas com antibióticos, uma leve pancada requer
anti-inflamatórios e um mau jeito nas costas exige pomadas, emplastros e analgésicos,
para não mencionar as assustadoras substâncias corticoides acessíveis em qualquer
farmácia de bairro.
30
enquanto milhões de pessoas morrem de esquistossomose são as mesmas que produzem
antibióticos que ao tratar um órgão danificam outros, e cujo uso indiscriminado nos
legou as superbactérias que aterrorizam os hospitais. 56 Sua falta de ética inclui testes de
novos medicamentos em populações pobres de países do terceiro mundo, a instituição
de lobbies e pressões para acelerar a liberação de novos remédios para consumo
público, tornando os usuários cobaias na descoberta de efeitos colaterais devido ao uso
prolongado.
O principal objetivo dos laboratórios em nada difere dos resultados buscados por
qualquer empresa, o de gerar mais e mais lucros com a criação de compostos químicos
que amenizem os sintomas de males desencadeados por fatores que poderiam ser
minimizados ou evitados sem a necessidade de intervenções medicamentosas. Em vez
da cura, busca-se transformar as moléstias fatais em doenças crônicas, que exigiriam o
31
consumo vitalício de drogas, levando a uma eterna dependência química do paciente.
Muitas doenças “físicas” advêm de estilos de vida inadequados, do vício do fumo,
alcoolismo ou uso de drogas, problemas ou conflitos familiares, alienação e subversão
dos valores,59 automedicação e uso indiscriminado de remédios, esteroides e
suplementos vitamínicos,60 destruição sistemática de ecossistemas, poluição sonora, do
ar e das águas, a violência, o trânsito e a deterioração da qualidade de vida nos grandes
centros urbanos, o excesso de horas ou condições insalubres de trabalho, falhas na
prevenção de acidentes, obesidade, sedentarismo ou excesso de exercícios físicos.
32
Um novo paradigma
3) Positivo: a etapa definitiva. Não se busca mais o porquê das coisas, mas
sim o como. O conhecimento se baseia nas observações e nas experiências e
se expressa com o recurso da matemática. Busca-se o conhecimento das leis
da natureza para conseguir o seu domínio técnico. Nega-se que a filosofia
possa dar informação sobre o mundo, tarefa essa que cabe exclusivamente à
Ciência.62
Lembremos que este tipo de progressão linear e gradual descrita acima, em que Comte
enfeixa o desenvolvimento da humanidade, harmoniza-se à noção clássica de que os
objetos e fenômenos do universo partem sempre do mais simples para o mais complexo,
onde partículas compõem átomos, átomos produzem moléculas e estas últimas dão
origem às células e consequentemente aos organismos, e que essa progressão é gradual
e sem saltos evolutivos, é chamada de causalidade ascendente pela física moderna.
Quando a física quântica detectou fenômenos devidos a uma causalidade descendente,
onde alguns processos se iniciam a partir de estados complexos, o fato provocou o
espanto dos próprios cientistas que a descobriram.
33
alguns setores da ciência e a mídia nos dias de hoje. Fritjof Capra sintetiza-o muito bem
em um único parágrafo:
Os pressupostos cartesianos têm sido questionados, em seus aspectos mais básicos, até
em áreas mais subjetivas do conhecimento. Na psicanálise, Jacques Lacan contrapôs ao
“penso, logo existo” seu famoso enunciado: “Penso onde não sou, logo sou onde não
penso”. Lacan sustenta que, ao invés de pensar, somos “pensados” por um registro da
ordem do simbólico que é o lugar do código fundamental da linguagem, uma estrutura
regulada sem a qual não haveria cultura, à qual o autor chama de “grande Outro”. Esse
Outro refere-se a um discurso universal, de tudo o que foi dito ou pensado, anterior ao
sujeito e a ele determinante. O “eu” que habita dentro de nós segundo a doutrina
cartesiana aqui deixa de ser uma entidade isolada e torna-se um campo, uma função
subjetiva e transpessoal, onde o sujeito, em vez de pensar, é pensado pela estrutura
simbólica, consistindo em mero produto da cultura. Mas uma abordagem desse tipo
pode soar um tanto excêntrica para quem crê que as emoções se resumam a simples
processos bioquímicos, que nosso “eu interior” se confine numa parte do cérebro, e
nossa “consciência” ou “individualidade” consista no “dom de saber que você é você e
o outro é o outro”.
34
da própria realidade, como demonstra o princípio da incerteza de Heisenberg na física
quântica. Os prejuízos advindos do reducionismo cartesiano são expostos sucintamente
por Capra, a quem deixaremos a tarefa de encerrar este ensaio:
35
1
“He who breaks a thing to find out what it is, has left the path of wisdom” - The Lord of the Rings, Book II, The Council of
Elrond. Frase de Gandalf, o mago.
2
Edição 1962, 28 de junho de 2006 – Editora Abril.
3
Freud and Man's Soul, - Knopf, 1983, cap. X.
4
Existem outros conceitos como o de doenças histeriformes (juntamente com a neurose de angústia e as organoneuroses)
de Fenichel, as patoneuroses de Ferenczi, etc., que não interessariam a um estudo não psicanalítico.
5
Mesmo assim, os psicólogos continuam sendo considerados uma espécie de casta inferior em relação aos médicos nos
hospitais psiquiátricos. Desde a segunda metade do século XX, com o aperfeiçoamento das drogas psicoativas, a
subjetividade perdeu espaço para as intervenções medicamentosas como conduta básica no tratamentos dos pacientes.
6
The Self-Aware Unierse, cap.I.
7
Tractatus Logico-Philosophicus, 1921 – “For an answer which cannot be expressed, the question too cannot be expressed.
The riddle does not exist. If a question can be put at all, then it can also be answered” (proposição 6.5). “Whereof one
cannot speak, thereof one must be silent” (proposição 7).
8
A Philosophical Essay on Probabilities - New York : J. Wiley; London : Chapman & Hall (1902), cap. II, p.4. Citado por
Milic Capek, The Philosophical Impact of Contemporary Physics (1961), p.121 (163 e 395).
9
The Misterious Universe, Macmillan, New York, 1930. Citada por Fritjof Capra em O Ponto de Mutação – Cultrix, 1982,
cap. II-3. Publicação original, The Turning Point, 1982. Vide também o domínio Today in Science History.
10
Em seu primeiro encontro com Werner Heisenberg, em 1920, em resposta a questões sobre a natureza da linguagem.
Relatado em Discussions about Language (1933), citado em Defense Implications of International Indeterminacy (1972)
por Robert J. Pranger, p.11, e Theorizing Modernism: Essays in Critical Theory (1993) por Steve Giles, p.28.
11
The Quantum Theory and Reality: Scientific American, 1979, p.158.
12
Symmetries and Reflections - Scientific Essays: MIT Press, Cambridge, Massachusets, 1970, p.172.
13
Das Wesen der Materie (A Natureza da Matéria), 1944 (do Archiv zur Geschichte der Max-Planck-Gesellschaft, Abt. Va,
Rep.11 Planck, n.1797).
14
Vide também O Princípio da Correspondência de Bohr.
15
Physics and Philosophy: The Revolution in Modern Science (1958). Lectures delivered at University of St. Andrews,
Scotland, winter 1955-56.
16
Apud Karen Michelle Barad, Meeting the Universe Halfway (2007), p.254, citando em rodapé The Philosophical Writings
of Niels Bohr (1998).
17
Apud John Gribbin, In Search of Schrödinger's Cat, na epígrafe do livro - ISBN 0-552-12555-5.
18
On the Intuitive Understanding of Nonlocality as Implied by Quantum Theory - Foundations of Physics, vol. V, 1975).
19
Solving the quantum mysteries.
20
Op. Cit. Essa observação de Gribbin refere-se ao quantum tunneling (efeito túnel), que ocorre no interior do Sol e das
estrelas. Prótons mantidos a uma certa distância entre si pela repulsão de suas cargas positivas ainda assim se fundem por
causa do efeito túnel, sem o qual a fusão nuclear, que mantém o centro do Sol aquecido e faz sua superfície brilhar, não
poderia ocorrer. O problema dos cientistas conservadores é que a física newtoniana não pode explicar esse fenômeno, e não
há a menor esperança de que possa fazê-lo um dia. Entretanto, o pragmatismo positivista lhes permite fabricar usinas e
bombas nucleares - que respectivamente produzem energia elétrica e matam pessoas - sem jamais discutir o porquê dos
átomos se comportarem da maneira que o fazem nesses processos.
21
Em termos simples, a não-localidade refere-se à propriedade das partículas de se influenciar e comunicar mutuamente
mesmo que estejam separadas por grandes distâncias ou afastando-se entre si a uma velocidade maior que a da luz (como
ocorre no experimento de Alain Aspect). Segundo a física tradicional, essa influência só será possível se os objetos
estiverem próximos e a velocidades inferiores à da luz, que é a velocidade limite para a transmissao de sinais.
22
Apud Capra, Op.Cit, cap. II-3, p.72.
23
Ibid., cap. II-3, p.67.
24
Vide epígrafe do item Causa e efeito – O mecanicismo.
25
Introdução do livro Speakable and Unspeakable in Quantum Mechanics, 2nd edition, de John Stewart Bell. Cambridge
University Press. 2004. p. xxix.
26
Op.Cit., cap. II.
27
Uma nova cepa do staphylococcus aureus se propagava mais rápido do que se pensava nos Estados Unidos e poderia
causar mais mortes que a aids, indicou um estudo dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) publicado pela
revista Journal of the Medical Association, em outubro de 2007.
28
Acrescente-se aqui a possibilidade de se contratar um psicólogo para cuidar da “cabeça” da criança, como coadjuvante do
tratamento químico ministrado pelo médico, que cuida apenas do “corpo” de seu paciente.
29
Ibid., cap.2:3.
30
Hoje se sabe também que o fascículo uncinado, conjunto de fibras do cérebro que une as circunvolunções do lobo frontal
à região anterior do lobo temporal, é uma via para nossas memórias pessoais, servindo como canal por onde estas são
transmitidas. Uma lesão nesse local pode suprimir a noção de identidade e a memória pessoal do sujeito. Portanto, não nos
encontramos totalmente a salvo de um dia ler que nosso “eu interior”, além de poder ser apagado facilmente por um impulso
elétrico, reside num simples feixe de fibras cerebrais. Ficaria faltando apenas a comprovação científica de que nossa alma
habita a glândula pineal.
31
Note-se também a arrogância da ciência ortodoxa tal como ela se apresenta neste caso. Depois de negar por quase quatro
séculos qualquer ligação entre a mente e o corpo, os dualistas se viram obrigados a reconhecer que essa interação existe,
pelo menos em alguns casos. Claro que, ao aceitar essa realidade, apegaram-se à suposta identidade entre mente e cérebro
para manter a origem das doenças em última análise dentro do corpo. Embora tenham sido eles os “vencidos”, visto que
tiveram de ceder em sua posição radical de que essas duas realidades jamais poderiam se tocar, os dualistas, últimos a
aceitar a disciplina da psicossomática, já chegam arrogando-se o direito de decidir quando, como e porque essas “exceções”
acontecem. Essa tradicional insolência, que consegue até transformar uma derrota em uma vitória, é a mesma que autoriza
as autoras a desqualificar como “baboseira” aquilo que a medicina mecanicista se recuse a aceitar.
32
Intelligent design tied to creationism in Dover trial - Bill Toland, para o Pittsburgh Post-Gazette, 28 de setembro de
2005.
33
Não custa registrar, como curiosidade, que Descartes menciona Deus 34 vezes em seu Discurso do Método. Isaac
Newton, por sua vez, além de físico, matemático e astrônomo, era filósofo, alquimista e teólogo, e foi definido por seus
biógrafos como um homem extremamente religioso e um profundo estudioso da Bíblia. Newton acreditava que a Terra
tivesse os 6000 anos de idade sugeridos pela Bíblia, e que a mecânica celeste era governada em parte pela gravitação
universal e em parte por Deus. Embora essas características não diminuam o valor desses extraordinários pensadores, elas
servem para ilustrar como o “mundo científico” pode não ter raízes tão céticas quanto alguns gostariam de crer.
34
O cientista político Charles Murray, co-autor com o psicólogo Richard J. Herrnstein do polêmico livro The Bell Curve,
que afirma a superioridade intelectual dos brancos em relação aos negros, é um dos poucos a defender algumas das posições
de Watson. Na posição oposta, Stephen Jay Gould (1941-2002), paleontólogo, biólogo evolucionário e historiador da
ciência, questionou a validade dos métodos de medida da inteligência, como os testes de Q.I., em seu livro The Mismeasure
of Man (1981).
35
The Medical News: August 7, 2009.
36
Writings of July 1918, citado in A Life of Erwin Schrödinger (1994), por Walter Moore - ISBN 0521437679.
37
Segundo Annie Besant, o kama-manas designa a mente inferior de desejos, que funciona em e por meio do cérebro
humano, e corresponde à consciência cerebral e à inteligência racional. “Este se enlaça ao Kama, a natureza passional, de
modo que as paixões e emoções se convertem em uma parte da Mente, tal como a define a psicologia moderna” (Death, and
After?, 1906, cap.I).
38
The Key to Theosophy, p.196.
39
Não só as memórias, mas até mesmo as funções motoras parecem apresentar essa característica. Veja-se o exemplo da
canadense Dominique X que, mesmo tendo o lado direito do cérebro removido, tem recuperado gradualmente o controle
sobre seu braço esquerdo. Em 2010, os casos da menina britânica Cameron Mott e o da americana Michelle Mack , de 37
anos, obrigaram os médicos a rever seus conceitos. Nascida com metade do cérebro, Michelle fala normalmente.
40
Um exemplo das possibilidades da tecnologia holográfica é o HVD (Holographic Versatile Disc), disco ótico que deverá
suceder o blu-ray, com capacidade de 3.9 terabytes , equivalente a 100 DVDs, e pode ser lido à velocidade de 1 Gbps.
41
Essay on Life & Ideas of David Bohm. No campo da psicologia Keith Floyd, do Virginia Intermont College, defende que
toda a realidade concreta consiste apenas numa ilusão holográfica em seu texto Of Time and the Mind.
42
“Isolated material particles are abstractions, their properties being definable and observable only through their interaction
with other systems” - Atomic Physics and the Description of Nature - Wiley, New York, 1934.
43
Citado por Daniel Garber: Science and Certainty in Descartes – Michael Hooker (org.), Descartes, John Hopkins
University Express, Baltimore, 1978.
44
S-Matrix Interpretation of Quantum Theory, Physical Review D, 15 de março de 1971.
45
Op. Cit. – Cultrix, 1982, cap. II-3, p.86.
46
On the Intuitive Understanding of Nonlocality as Implied by Quantum Theory - Foundations of Physics, vol. V, 1975).
47
Steps to an Ecology of Mind, Ballantine, New York, 1972, p.17.
48
O maniqueísmo floresceu na pérsia no século III de nossa era, influenciou o cristianismo e subsiste até os dias de hoje nos
meios mais inesperados. A introdução de um programa intitulado “Understanding Viruses”, do Discovery Channel, anuncia:
“Os vírus são elementos à margem da vida. Não podemos sentir o seu gosto, seu cheiro, nem vê-los... mas estão lá: no ar, na
água, em todas as coisas vivas. São as menores dentre todas as formas de vida na Terra: entretanto, conhecem meios de
penetrar em nossos corpos, seqüestrar nossas células, e sobrepujar nossas defesas imunológicas”, etc. O discurso paranoide,
aliado a um fundo musical algo sombrio, e o enfoque da realidade como de um confronto mortal entre o homem e os germes
pouco diferem da luta entre o Bem e o Mal anunciada no livro do Apocalipse, que há dois milênios apavora gerações. Assim
como o diabo tenta capturar nossas almas, os vírus nos espreitam à espera de uma oportunidade de destroçar nossos corpos.
Enquanto a salvação da alma depende das instituições religiosas, a salvação do corpo repousa nas abnegadas mãos dos
laboratórios químicos.
49
Encyclopedia of Science Technology and Ethics - 3rd ed. Detroit: MacMillan Reference Books, 200.
50
Artigo em português aqui. As suspeitas não pairam apenas sobre cientistas de segundo escalão, pois nem mesmo Einstein
e Darwin escaparam da acusação de plágio.
51
Tradução: a psicologia foi se submetendo à medicina convencional, aderindo ao comportamentalismo mecanicista e
tornando-se mais simpática aos grandes laboratórios.
52
Melhor retirar a Física da lista das ciências objetivas, pois a astrofísica e a física subatômica vêm contrariando os
princípios da bem comportada e previsível física newtoniana. Na física subatômica, o elétron não possui propriedades
objetivas independentes do observador, e não há uma nítida divisão entre matéria e mente, ou entre o observado e o
observador.
53
A Wikipedia em português diz que “Atualmente a psicossomática tem se desenvolvido segundo uma ótica
multidisciplinar promovendo a interação de vários profissionais de saúde, dentre eles, médicos, fisioterapeutas e psicólogos.
A versão em inglês também inclui a psicologia como uma das disciplinas aplicadas à psicossomática.
54
What’s Making us Sick is an Epidemic of Diagnoses, jan.2, 2007 (O que está nos tornando doentes é uma epidemia de
diagnósticos – tradução aqui e aqui).
55
Um dos últimos golpes que os laboratórios tentaram aplicar foi o da revisão para baixo dos níveis saudáveis da pressão
arterial, que passou para 11x7. Desse modo, os milhões de pessoas com a pressão em 12x8 passaria a precisar de remédios.
Nem os médicos levaram a sério essa proposta, que parece fadada ao esquecimento.
56
Segundo estudo realizado pelo Instituto Latino Americano de Sepse (ILAS), a septcemia atingiu 400 mil pacientes e
causou a morte de 230 mil pessoas em 2004,. "Isso representa uma mortalidade cerca de 12 vezes maior do que o número de
mortes provocadas por infarto", declarou Nelson Akamine, diretor do ILAS e integrante do comitê de sepse da Associação
de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB).
57
Jornalismo Científico, Lobby e Poder, em Parcerias Estratégicas, uma publicação trimestral do Centro de Estudos
Estratégicos do Ministério da Ciência e Tecnologia, no 13 - dezembro de 2001, p.175, ISSN 1413-9375.
58
Ibid., p.176.
59
Por exemplo, considerar a estética acima da saúde, ou priorizar gastos com bens ou atividades que deem status social,
muitas vezes em detrimento da qualidade de vida.
60
Bueno relata que “Estudo realizado pelo Centro Brasileiro de Informações sobre Medicamentos, do Conselho Federal do
Comércio e pelo Projeto de Colaboração do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), com a Universidade de
Brasília, mostrou que 84% dos anúncios relativos a medicamentos não trazem as mínimas informações necessárias para um
prescrição adequada pelos médicos. Revelou, por exemplo, que ‘a maioria das propagandas não citava informações que
podem restringir a indicação do remédio, como contra-indicações (73%), reações adversas (70%), precauções (74%) e
advertências (84%). Além disso, apenas 58% dos anúncios informavam para quais problemas o produto é indicado e mais
da metade desses fornecia indicações diferentes das aprovadas pelo Ministério da Saúde. Nove sugeriam o uso de
medicamento para finalidades que não foram aprovadas pelo órgão’.” (Ibid., p.179).
61
Philosophical Foundations of Neuroscience – Blackwhell Publishing, 2003, p.374.
62
Extraído da Wikipedia, versão em espanhol.
63
Lembre-se ainda que nessa época se acreditava que o universo se resumia à Via Láctea. Somente a partir de 1925 Edwin
Hubble anunciaria que a Via Láctea era apenas uma entre incontáveis galáxias, mudando para sempre nossa visão do
universo.
64
Op. Cit. – Cultrix, 1982, cap. II-3, p.53.
65
Philosophical Foundations of Neuroscience – Blackwhell Publishing, 2003, p.372-376.