Você está na página 1de 40

2

FICHA TÉCNICA

Mídia e Violência
O que Mudou em uma década
Relatório preliminar de análise de jornais impressos

Coordenação:
Silvia Ramos e Anabela Paiva

Coordenação de Pesquisadores, Amostra e Bancos


de Dados
Pablo Nunes

Pesquisa – Análise de textos


Daniella Vianna
Kryssia Ettel
Joan Royo Gual
Úrsula Dalcolmo

Gerência Administrativa
Ana Paula Andrade

Apoio
Open Society Foundations – OSF
Fundação Ford

Centro de Estudos de Segurança e Cidadania - CESeC


Universidade Candido Mendes

Rio de Janeiro, Maio de 2017


3

SUMÁRIO

4 Mídia e Violência: O que mudou em uma década?

7 A cobertura da violência urbana em números

11 A geografia da violência na mídia


13 Que “local” das cidades é muito coberto?

15 Foco Central: As estrelas do noticiário


16 Forças de Segurança
19 Atos Violentos
20 Judiciário, Ministério Público, Legislação
21 Questões da Sociedade Civil
21 Questões de Trânsito
22 Drogas
22 Fenômeno da Violência
22 Políticas de Segurança Pública ou Setor Público
23 Sistema Penitenciário e Sistema Socioeducativo
23 Estatísticas e Pesquisa

25 Questões Jornalísticas
26 Fontes: dependentes de B.O.
28 Atores Sociais
29 Qualidade dos textos
30 Atributos, indícios de qualidade
33 Imagens da violência: edição evita exposição
34 Além do fato: as questões sociais relacionadas à violência
35 Títulos: o que quer, o que pode essa língua?
36 Palavras: o que não mudou em uma década
MÍDIA &
VIOLÊNCIA
O que mudou em uma década?

Que assuntos são mais cobertos e setembro de 2015 em três jornais do


diariamente nos jornais impressos so- Rio de Janeiro (O Globo, Extra, O Dia),
bre violência urbana e que temas são três jornais de São Paulo (Estado de S.
tratados com menor interesse ou são Paulo, Folha de S. Paulo e Agora São
esquecidos? Os jornais do Rio de Ja- Paulo) e um jornal do Ceará (O Povo).
neiro cobrem notícias sobre São Paulo As matérias foram selecionadas
na mesma proporção em que os jornais através da técnica estatística de elabo-
paulistas abordam fatos ocorridos no ração de amostras denominada sema-
RJ? As notícias mais frequentes são so- na composta, que consiste em sorteio
bre os crimes ou sobre a polícia? Como aleatório de dias, respeitando a ordem
criminosos e vítimas são identificados? dos dias da semana. Em nossa amostra,
Os veículos ouvem opiniões divergen- foram sorteados 35 dias (representan-
tes? Quais são as fontes mais frequen- do uma semana de sete dias de cada
tes? Falam sobre racismo, orientação um dos cinco meses observados). Nos
sexual, violência contra a mulher, es- 35 dias sorteados, todas as matérias
tupros e suicídios? Que palavras são sobre violência urbana publicadas nos
mais encontradas nas matérias? sete jornais foram selecionadas (clipa-
As respostas a essas e outras das) e analisadas2.
perguntas estão neste relatório, que É importante ressaltar que a
apresenta os resultados da análise da pesquisa se baseou nas edições i m -
cobertura de sete jornais impressos so- pressas dos veículos, disponíveis em
bre violência, crime, segurança públi- versão digital para os assinantes. Em-
ca, drogas e violência no trânsito
1
. As bora vários desses jornais publiquem
notícias foram publicadas entre maio
2 Cabe ressaltar que não usamos buscas por assuntos ou
qualquer método eletrônico para encontrar os textos que seriam
analisados. Nossos pesquisadores leram inteiramente todas as
1 Chamaremos esse conjunto de temas de “violência
seções pertinentes dos jornais analisados e só então separaram
urbana”. para classificação as matérias pertencentes à pesquisa.
mais notícias, muitas vezes em tama- de perguntas sobre os textos, cujas 5
nhos maiores, nos seus websites, o respostas não dependem da interpre-
monitoramento desse conteúdo envol- tação do entrevistador. As perguntas
veria outros recursos e dificultaria a têm respostas objetivas e os classifi-
comparação entre eles, em razão das cadores são treinados para escolhe-las
atualizações feitas ao longo do dia. a partir de critérios definidos e usados
Preferimos, portanto, optar pela aná- por todos 4.
lise das notícias recebidas em casa pe- É claro que acontecimentos
los assinantes ou vendidas nas bancas, marcantes do período acabam influen-
entendendo que elas constituem uma ciando a cobertura dos jornais e v a -
depuração do noticiário divulgado nos lorizando temas que nem sempre têm
sites. presença importante no noticiário so-
Cada uma das 1.778 notícias que bre violência urbana. Um exemplo des-
analisamos foi avaliada a partir de um se fenômeno foi o caso da menina Isa-
questionário contendo 45 perguntas e bella Nardoni. A morte da criança, em
mais de 350 alternativas de respostas. 3
março de 2008, motivou uma abundân-
Essa “anatomia da notícia” produz, po- cia de reportagens sobre o tema da vio-
tencialmente, um tipo de análise que lência familiar, assunto habitualmente
não é evidente na leitura diária dos raro nos jornais. Na nossa análise, ba-
periódicos, mesmo entre jornalistas seada em jornais de 2015, o assassina-
experientes. Sendo a amostra r e p r e - to de um médico na Lagoa Rodrigo de
sentativa da cobertura, os resultados Freitas, no Rio, em maio, impulsionou
indicam com precisão tendências s o - o debate público sobre a proposta de
bre escolhas de assuntos, uso de fon- emenda constitucional prevendo a re-
tes, tipos de recursos mais frequentes dução da maioridade penal, examinada
e qualidade jornalística da produção pela Câmara dos Deputados.
diária de cada jornal analisado. Os re- Esse tipo de metodologia, por-
sultados não se baseiam nas matérias tanto, não pretende medir “recepção”
mais marcantes, nos furos ou nas no- ou “impacto” das notícias. Por isso,
tícias que causaram mais impacto, mas optamos por não classificar matérias
no conjunto da produção dos veículos, como “positivas”, “negativas” ou “neu-
com indicações estatísticas rigorosas. tras”. Por exemplo, como classificar as
É importante observar que o notícias “Bope mata dois suspeitos em
instrumento de pesquisa que u t i l i z a - ação no Morro dos Macacos”, ou “Ha-
mos assegura grau razoável de impar- ddad vai entregar praça para viciados
cialidade e baixa subjetividade dos da cracolândia”? Obviamente, a c h a -
pesquisadores. Esse método, denomi- mada pode produzir uma avaliação po-
nado “análise de conteúdo” tem como sitiva da polícia e do prefeito para al-
um dos seus princípios a formulação guns leitores e negativa para outros. É

4 Veja o Manual de Classificação nos Anexos ao fim desse


3 Veja o questionário completo ao fim do relatório relatório.
6 difícil, portanto, medir o impacto que 2015, e a pesquisa realizada pelo CE-
publicações jornalísticas podem ter no SeC em 2004, com a mesma metodo-
leitor ou na sociedade, especialmente l o g 6i .a A comparação dos resultados
na cobertura de crime e polícia. foi feita com base apenas nos cinco
A análise de conteúdo é também jornais estudados na etapa atual que
um método diferente da “análise de já tinham sido analisados na primeira
discurso”, usada com frequência nas pesquisa: O Globo, O Dia, Folha de S.
ciências sociais. Em resumo, a análise Paulo, O Estado de S. Paulo e Agora
de discurso procura articular o linguís- São Paulo7. Também foram controla-
tico com o social e o histórico, toman- dos os assuntos, pois na pesquisa de
do a linguagem como expressão mate- 2004 não analisamos matérias sobre
rial de valores e ideologia . 5
drogas e violência no trânsito, como
Optamos pela análise de conte- fizemos em 2015.
údo por várias razões, mas a principal Dessa forma, pudemos compa-
delas é que o resultado da pesquisa rar com relativa precisão o comporta-
permite conhecer características e s - mento de textos sobre os dez assuntos
truturantes da cobertura e ao mesmo comuns às duas pesquisas: polícia, cri-
tempo resulta em dados que enrique- me, Judiciário, questões da sociedade
cem o diálogo com os produtores das civil, políticas de segurança, fenôme-
notícias. A metodologia do projeto Mí- nos da violência, sistema p e n i t e n c i -
dia e Violência inclui entrevistas e en- ário, estatísticas, perfis e segurança
contros com jornalistas e editores para privada. Vamos, agora, aos resultados
discutir os processos de produção do que encontramos ao analisar as publi-
noticiário os resultados da análise. cações de 2015. Em cada capítulo, se-
Ao longo de todo o relatório, o rão apresentados os dados comparati-
leitor encontrará uma comparação en- vos.
tre os resultados da pesquisa atual,
baseada nas matérias publicadas em

6 Os principais relatórios e produtos da linha de pesquisa Mídia


e violência desenvolvida pelo CESeC encontram-se em http://
www.ucamcesec.com.br/projeto/midia-e-violencia-monitora-
5 Há outras abordagens de análise de mídia que se tornaram mento-piloto/. Em2007 publicamos o livro Mídia e violência:
importantes. Entre as mais interessantes, além das mencionadas Novas tendências na cobertura de criminalidade e segurança no
acima, estão o newsmaking em que o analista fica dentro da Brasil. Rio de Janeiro: IUPERJ, 2007: http://www.ucamcesec.com.
redação e procura desvendar mecanismos, lógicas e operaçõesbr/livro/midia-e-violencia-novas-tendencias-na-cobertura-de-
que resultam na produção da notícia. O newsmaking tenta criminalidade-e-seguranca-no-brasil/
entender as rotinas produtivas dos meios. Esta metodologia
permite observar mudanças adotadas pelas redações em épocas 7 A pesquisa de 2004 analisou 2.514 textos dos seguintes jornais
de crise, contrariando a ideia de um processo automático da O Globo, O Dia,Jornal do Brasil; Folha de S. Paulo, Estado de
produção noticiosa. Uma discussão detalhada encontra-se no S. Paulo e Agora São Paulo; O Estado de Minas, Hoje em Dia e
texto Violência, crime e mídia, de Silvia Ramos, no livro Crime, Diário da Tarde. A pesquisa de 2015 analisou 1.778 matérias de
polícia e Justiça no Brasil, 2014, organizado por Renato Lima e O Globo, O Dia, Extra; Folha de S. Paulo, O Estado de S.Paulo,
outros. Agora São Paulo; e O Povo (do Ceará).
A COBERTURA DA
VIOLÊNCIA URBANA EM
NÚMEROS

Tabela 1 - Veículos analisados e proporção de matérias

Os jornais do Rio são os que bana mais completa do que diários que
mais publicam textos sobre violência publicam menos textos, mais a b ra n -
urbana. O Dia encabeça a lista, com gentes. Veremos as distinções de tipos
372 matérias, seguido pelo Extra (298) de publicações quando tratarmos das
e o Agora São Paulo (263). Com 244 características jornalísticas das maté-
textos, o cearense O Povo aparece em rias. A quantidade de textos é, de toda
posição intermediária. O Globo publi- forma, um indicador relevante da im-
cou 224 notícias no período; os dois portância que cada veículo dá ao tema.
jornais de SP aparecem com produção É significativo, portanto, que a
mais reduzida: O Estado de S. Paulo, soma dos textos publicados pelos três
com 201 matérias no período examina- jornais do Rio de Janeiro corresponde
do, e a Folha de S. Paulo, com 182. a 894 matérias, enquanto a dos três di-
Olhar isoladamente os núme- ários de São Paulo é 655. A diferença é
ros de notícias pode levar a avaliações de 26,7% e indica que os jornais cario-
equivocadas sobre a produtividade cas efetivamente se dedicam mais ao
dos veículos. Alguns jornais publicam tema da violência urbana.
muitas notas pequenas (“colunões”), o
que aumenta o número geral de maté-
rias, mas não necessariamente implica
em uma cobertura sobre violência ur-
8

DEZ ANOS DEPOIS


Cobertura de violência
urbana se reduziu

Tabela 2 - Comparação do número de matérias - 2004 e 2015

Impressiona notar a redução do desde 2010 tem versão apenas digital;


noticiário sobre violência em relação e do Diário da Tarde, periódico de Belo
à pesquisa anterior. Quando compara- Horizonte que circulou por 77 anos,
mos o número de matérias na amostra até ser extinto em 2007.
de 2015 com a de 2004, ambas criadas Um objetivo da atual pesquisa
de maneira idêntica, identificamos um é identificar fatores específicos para
resultado surpreendente: a diminuição a redução da cobertura jornalística de
de mais de um terço (35,1%) na quan- violência urbana. A diminuição do nú-
tidade de textos publicados. mero de textos seria parte de uma ten-
Todos os jornais diminuíram a dência ampla, que afeta todas as áreas
quantidade de textos. Mas em alguns a dos jornais? Ou impactou mais a publi-
variação foi mais expressiva, como no cação de notícias sobre violência? Va-
caso dO Globo. mos abaixo explorar essas hipóteses.
O encolhimento dos jornais im- Nos debruçamos sobre o caso
pressos é uma realidade mundial, cau- específico dO Globo, que na amostra
sada por fatores como a concorrência de 2015 produziu um número de tex-
da internet e a queda das receitas pu- tos sobre violência 54% menor do que
blicitárias. No caso da presente p e s - em 2004. Fizemos um estudo a p r ox i -
quisa, a crise do setor fez com que al- mativo da redução das matérias dO
guns dos veículos estudados em 2004 Globo, baseado no número de páginas
deixassem de ter edições impressas. dos cadernos Rio, País, Opinião e Mun-
Esse foi o caso do Jornal do Brasil, que
9
do no período das duas p e s q u i8.s a s diram em estados do Nordeste e Nor-
Encontramos uma redução média de te do Brasil. Como veremos a seguir,
4,6 páginas, ou 19%. Esta redução foi a cobertura do jornais fluminenses RJ
mais acentuada em País (32,7%) e Rio e paulistas não acompanhou a impor-
(24,1%); as páginas de opinião aumen- tância desse fenômeno no Nordeste e
taram na proporção de 61,5%9. Norte. 1011

Tudo indica que a redução no Mas não são apenas as taxas de


caso dO Globo não foi específica ou homicídios que impactam os fenômenos
exclusiva da área de violência urbana, da violência urbana. Os crimes contra
embora tenha sido pronunciada em o patrimônio, especialmente algumas
matérias da editoria Rio. Não é possí- modalidades, aumentaram na região
vel estabelecer explicações para todos Sudeste. Além disso, houve histórias
os jornais, mas é provável que a dimi- importantes ligadas à violência urba-
nuição das páginas impressas tenha na no período entre as duas análises.
ocorrido em outros veículos. No Rio de Janeiro, a implantação das
E quanto à hipótese de que a re- UPPs começou em dezembro de 2008,
dução da cobertura corresponde à di- o que provocou redução da violência
minuição das ocorrências violentas no contra a vida, mas não necessariamen-
País e nos estados de RJ e SP? Ve-
Tabela 3 - Homicídios no Brasil, São Pauloa e Rio de Janeiro
jamos. Para compararmos indica-
dores de violência no Brasil, no RJ
e em SP nos dois períodos, temos
de comparar os dados do Mapa da
Violência, que agrega homicídios
registrados pelo Sistema de Saú-
de, de 2004; e os dados do Anu-
ário Brasileiro de Segurança Pública, te provocou redução de notícias, pois
que passou a circular a partir de 2007. as UPPs foram foco intenso de atenção
Efetivamente, as taxas de homi- dos meios. Em 2015, já se percebia o
cídios no Rio de Janeiro e São Paulo início da deterioração do período po-
caíram acentuadamente em uma d é - sitivo dos indicadores de segurança,
cada. No Rio a taxa era 49,2 por 100 cujo melhor momento ocorreu de 2010
mil habitantes em 2004 e passou para a 2013. Em São Paulo, a explosão de
26,4 por 100 mil em 2015. Em São Pau- crimes de maio de 2006
12
explicitou o
lo, foi de 28,6 para 9,8. A taxa do Bra-
10 Dados do Mapa da Violência de 2010.
sil manteve-se muito alta (27 por 100
11 Dados do Anuário Estatístico do Fórum Brasileiro de Segu-
mil) porque mortes intencionais explo- rança Pública de 2016.

12 No dia 12 de maio daquele ano, uma série de rebeliões em


74 penitenciárias paulistas foi seguida de ataques a policiais,
8 Usamos a técnica de semana composta sorteando sete dias agentes penitenciários, viaturas policiais e delegacias, atribuída
respeitando segunda a domingo no período estudado. ao Primeiro Comando da Capital (PCC). Em resposta aos ataques,
grupos de extermínio e agentes policiais realizaram execuções
9 A seção de Opinião também inclui as cartas de lei- em vários pontos do estado. Ao todo, 59 agentes públicos e 505
tores civis morreram nos ataques.
10
crescente poderio de facções armadas
e grupos de extermínio no estado. Há,
portanto, fenômenos novos e i m p o r-
tantes de violência urbana ao longo
da década, que não coincidem neces-
sariamente com um panorama de re-
dução linear da violência, a despeito
da queda dos homicídios na região
Sudeste do Brasil nesses dez anos.
A GEOGRAFIA DA
VIOLÊNCIA NA MÍDIA

Nos anos 1980, um debate foi dificilmente podemos acusar os j o r -


estabelecido entre cientistas sociais, nais de exagerar ao publicar uma pe-
políticos e profissionais de imprensa. quena parte do cotidiano violento em
O governador do Rio de Janeiro, Leo- que vivemos14. O CESeC acredita que
nel Brizola (1983-1986 e 1991-1994), importante não é criticar a proeminên-
reiteradas vezes associou o crescimen- cia dada ao tema, e sim acompanhar
to da violência urbana no estado à mí- a qualidade da cobertura. Diminuir o
dia, tanto no sentido de que os meios número e o destaque das notícias para
exageravam o fenômeno, como por o tema da violência poderia reduzir o
considerar que “a violência e a crimi- necessário debate sobre as políticas
nalidade veiculadas pela televisão in- de segurança pública.
fluem na formação das crianças e no Para compreender as dinâmicas
sistema educacional”13. de prioridade espacial das notícias, ve-
Efetivamente, há quem defenda rificamos os focos geográficos das ma-
que a mídia exagera quando se trata da térias publicadas. E efetivamente en-
violência no Brasil e especialmente no contramos, ainda, uma forte atenção
Rio. Nós já defendemos no livro Mídia dos jornais de SP pelos fatos aconteci-
e Violência (2007) que “exagerada é a dos no RJ. Quando se considera o total
violência brasileira”, com seus 58 mil da cobertura dos sete jornais analisa-
homicídios e 45 mil estupros por ano. dos, percebe-se que 43% das notícias
Com um milhão de carros roubados em têm foco no Rio, e só 19,6% em São
dois anos, 584 mil presos (sendo 40% Paulo. Os jornais do Rio dedicam seus
ainda sem julgamento) e nove mortos esforços principalmente ao noticiário
pelas polícias brasileiras todos os dias, local: ao todo, 60% das matérias em O

14 Dados do Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública


13 Discurso de Leonel Brizola no seminário Mídia e Violência de 2016 (dados de 2015) apresentados na página do CESeC:
Urbana, em julho de 1993 (Silvia Ramos, Faperj, 1994). www.ucamcesec.com.br
12 Tabela 4 - Local do assunto principal da matéria

Globo abordam fatos ocorridos no Es- do total) e São Paulo ( 5,7%).


tado; o mesmo acontece em 69% de O Na comparação com os resulta-
Dia e em 86% do Extra. Em contrapar- dos de 2004, vemos que o foco no Rio
tida, esses veículos dão pouca atenção de Janeiro já foi ainda mais intenso.
aos fatos ocorridos em São Paulo: só Houve redução da proporção de ma-
4,2% das matérias do Globo, 2,7% do térias sobre o Rio na mídia dos dois
Extra e 9,6% de O Dia tratam da vio- estados. Em 2004, encontramos 57,8%
lência urbana na maior cidade do país. de matérias sobre o Rio e 28,8% sobre
Os jornais paulistas, e s p e c i a l - São Paulo.
mente O Estado de S. Paulo e a Folha Chama atenção o fato de que os
de S. Paulo, seguem uma linha edito- jornais estudados não apresentam um
rial diferente. Notícias do Rio de Ja- número significativo de notícias sobre
neiro são bastante numerosas entre o Norte e o Nordeste, regiões que nos
suas matérias: 23,8% em O Estado e últimos dez anos experimentaram uma
14,8% na Folha. O Agora SP mantém explosão da taxa de homicídios e ou-
um “padrão carioca”, cobrindo muito a tros fenômenos, como a presença de
própria praça (69,8%) e relativamente facções. A redução dos corpos de jor-
pouco o Rio (9,5%). O jornal O Povo, nalistas, que tem sido observada, por
do Ceará, também prioriza o n o t i c i - ser parcialmente culpada por isso: jor-
ário sobre o estado nordestino, que nais paulistas e cariocas tem fechado
abrange 55,1% dos seus textos sobre sucursais em todo o país, e o Nordeste
violência urbana. Na amostra, o diário e o Norte não são exceção.
dedicou uma produção semelhante aos Dois pontos, ainda, merecem
fatos ocorridos no Rio de Janeiro (7,7% destaque na análise de foco geográfi-
co das notícias. O primeiro diz respei- 13
Que “local” das
to às matérias que abrangem o país ou
mais de um estado. Verificamos que cidades é muito
alguns periódicos cobrem assuntos
coberto?
nacionais ou com mais de um estado
com maior frequência. É caso de veí- As favelas e a
culos de expressão nacional, como O
Globo (17,6% do total das matérias do
violência, dilemas
jornal analisadas) e Folha (18,1%), e de sempre
regional, como O Povo (15,4%). O jor-
nal Estado de S. Paulo, apesar de estar Outra questão analisada pela
associado a uma agência cujo conteú- pesquisa foi a descrição do local da
do é republicado por jornais de todo notícia como uma favela. Em caso po-
o Brasil, apresenta um percentual de sitivo, perguntamos se a favela tinha
matérias nacionais e regionais menor Unidade de Polícia Pacificadora (UPP).
do que os três. Os resultados são expressivos sobre
O segundo destaque é valoriza- o panorama no Rio de Janeiro. Do to-
ção de notícias sobre violências ocor- tal geral de apenas 14% de matérias
ridas fora do Brasil. No período da que se referiam a favelas, nos jornais
pesquisa foram publicadas 169 maté- fluminenses essa proporção aumen-
rias sobre violência em outros países, ta para 27% no Extra, 20% em O Dia e
a maioria sobre distúrbios, rebeliões e 16% em O Globo. Ou seja, verificamos
mobilizações da sociedade em cidades que quase um terço das matérias pro-
norte-americanas em reação a violên- duzidas pelo Extra referiam-se a algum
cias policiais contra jovens negros. De fato ou assunto relacionado às favelas.
novo, foram os jornais formadores de Não foi possível verificar, no
opinião os que mais apresentaram es- caso dos jornais de São Paulo e do Ce-
sas notícias: O Globo com 10,6%; Folha ará, se o fato ocorria numa favela ou
com 18,7%; e Estado, com 22,3%.
15
não, por desconhecimento em detalhe
sobre o território e também devido a
diferenças culturais (nem toda metró-
pole utiliza a categoria favela, como se
faz no Rio de Janeiro). Isso contribuiu
para que as frequências de notícias

Tabela 5 - O fato ocorreu em favelas?

15 NFPI significa Não Foi Possível Identificar.


14
sobre favelas nesses jornais sejam ex- longo da última década, tem presença
pressivamente menores. muito reduzida no noticiário. E que o
Chama atenção o Agora SP, que controle dos subúrbios do Rio de Ja-
a despeito de ser um jornal de venda neiro por forças milicianas, não tem
em banca, voltado ao público de ren- cobertura cotidiana.
da menor, só dedicou 3,8% de matérias Segundo dados do ISP, entre
a fatos sobre favelas, seguindo a ten- 2008 e 2015, os homicídios ocorridos
dência da imprensa paulista, que apre- na Baixada correspondiam a 31,8% do
senta uma cobertura sobre as favelas estado, em média; já as matérias so-
reduzida em relação à carioca. bre esse território identificadas na
Entre todas as matérias relacio- pesquisa
nadas a favelas (245 textos), em 149 Esse é um permanente dilema da
casos, ou 61%, a notícia referia-se a cobertura – como veremos nas entre-
uma favela com Unidade de Polícia Pa- vistas com administradores de páginas
cificadora (UPP). A predominância se de internet dedicadas a mídias comu-
justifica por duas razões: a centralida- nitárias – que também não se “resol-
de da Política de Pacificação no contex- veu” no mundo das mídias locais.
to de segurança pública fluminense, e
na mídia em particular; e o fato de que Tabela 6 - Número de matérias por regiões do estado do

metrópole. A profusão de notícias re-


lacionadas à criminalidade nas favelas
pode contribuir para estigmatizar es-
ses bairros como “locais de violência”.
Mas parece mais benéfico, no s e n t i -
do de motivar políticas e ações públi-
cas e da sociedade, do que o silêncio.
Vale lembrar que a Baixada Fluminen-
se, campeã em taxa de homicídios ao
FOCO CENTRAL
As estrelas do noticiário

Figura 1 - Foco central: qual é o principal tema discutido pela matéria (%)

Uma das teorias mais importantes rios ou reformistas, procuram os veículos


dos estudos de mídia é a do “agenda set-
mais afinados com suas visões.
ting ”, ou “agendamento”. Em resumo, essa Mas os meios de comunicação i n -
escola teórica considera que a mídia não in- fluenciam o agendamento – ou seja, o pro-
fluencia necessariamente a opinião pública tagonismo – de determinados assuntos no
em relação ao conteúdo ou às “posições” debate e nas políticas públicas. Ao optar
que os veículos adotam ao publicar notí- por cobrir muito um tema (ou esquecer ou-
cias porque, na verdade, leitores de jornais tros), os veículos de mídia estão influen-
conservadores ou progressistas, reacioná- ciando leitores e autoridades a considerar
16 determinados assuntos importantes. da cobertura sensacionalista e fotos
Por isso a mensuração do “foco apelativas: “espreme e sai sangue”
16
.
central” das matérias é muito r e l e - Quando investigamos o foco
vante na análise de conteúdo. Ela predominante das notícias nos j o r -
demonstra quais são os assuntos do- nais de 2015, não nos surpreende que
minantes nas pautas dos veículos. crime e polícia representem mais de
No caso da violência urbana, 50% da cobertura. Mas talvez surpre-
durante muito tempo as “páginas poli- enda o leitor saber que não é o ato
ciais” – também chamadas de páginas criminal, e sim a atuação das polícias,
de crime e posteriormente de c i d a - o tema predominante das n o t í c i a s .
de, cotidiano, metrópole etc. – eram
dominadas por notícias sobre crimes

Tabela 7 - Qual é o principal tema discutido pela matéria

pontuais (assassinatos, brigas, crimes


Forças de
sexuais) e sobre bandidos famosos. O
jornalista e escritor Fernando M o l i - Segurança
ca, em um texto de 2007, lembra que
nos anos 1950 e 60 a cobertura de se- As polícias (classificadas como
gurança era marcada pelos feitos de Forças de Segurança, pois incluem Po-
personagens notórios do mundo do lícia Militar, Polícia Civil, Polícia Fede-
crime, como “Cara-de-Cavalo”, “Minei- ral, Polícia Rodoviária Federal, Guarda
rinho” e “Bandido da Luz Vermelha”, Municipal e Forças Armadas e Força
ou de casos envolvendo integrantes da Nacional) são as estrelas do n o t i c i á -
elite, pessoas “que tinham s o b re n o - rio. Representam mais de um terço de
mes”, como Aída Cury, Dana de Teffé, todas as matérias sobre violência, se-
Leopoldo Heitor ou o tenente Bandei- gurança, crime, drogas e violência no
ra. Alguns casos rendiam semanas ou
meses de noticiário. Nessa época di- 16 Um a expressão correspondente nas descrições sobre no-
ticiário de crime na imprensa norte-americana é “if it bleeds, it
zia-se de muitos periódicos, por causa leads”.
trânsito, ou seja, 34,1%. Em alguns ve- roubos de veículos e roubos de caixas 17
ículos elas ultrapassam 40% das notí- eletrônicos, e obviamente em parte do
cias publicadas, como é o caso do Extra tráfico de drogas), pouquíssimo esfor-
(45,1%), de O Dia (40,4%) e do Ago- ço de inteligência tem sido realizado
ra (40,1%). Ou seja, entre os jornais neste campo no Brasil. O noticiário é
mais dependentes de venda em banca. uma evidência que confirma essa per-
Como se vê na tabela abaixo, a cepção. As Polícias Militares, respon-
PM é o foco das notícias sobre forças sáveis pela repressão e prevenção do
crime junto à popula-
Tabela 8 - Forças de Segurança ção e especialmente
nas áreas populares,
são predominantes,
seguidas pelas Polícias
Civis estaduais.
Ao pesquisarmos
os temas principais
dentro das matérias
cujo foco central são
de segurança em 43% dos casos, che- as polícias, verificamos que as “ações
gando a 52% na Folha de S. Paulo e policiais” – prisões, apreensões, ope-
50% no Extra. A PF é a força principal rações – são a maioria dessas m até -
em apenas 6% das matérias, chegando rias (66%), chegando a mais de 70%
a 10% na Folha e 13% nO Povo. Impor- no Povo e Agora. As notícias de crimes
tante lembrar que essas matérias não (ou denúncias de crimes) cometidos
incluem notícias sobre “corrupção”, pelas polícias estão no segundo lugar,
isto é, crimes de colarinho branco, mas com apenas 13%. A Folha de S.
mas apenas crimes comuns, isto é, cri- Paulo é um ponto fora da média dos
minalidade urbana. A alta frequência impressos, pois 35% de sua c o b e r t u -
da Polícia Militar no noticiário e baixa ra sobre polícia diz respeito a crimes
da Polícia Federal é um indicativo do cometidos por essas forças. Em t e r-
quanto a atuação das forças – e, em ceiro lugar, vêm as notícias de crimes
consequência, da imprensa –, no cam- cometidos contra as polícias (7,2%).
po da criminalidade se dá mais no âm- A maioria das notícias de crimes
bito local do que no regional e fede- cometidos pelas forças de segurança
r a17l . refere-se a homicídios onde policiais
A despeito do enorme peso das são suspeitos de assassinar alguém (45
facções criminais na violência u r b a - das 79 notícias sobre crimes cometidos
na, da presença de crime organizado pelas polícias são sobre mortes p ro -
(por exemplo, em roubos de cargas, vocadas pelos agentes, ou seja, 57%).
Chama a atenção o fato de que apenas
17 Vale ressaltar que os crimes de colarinho branco, campo de
forte atuação da PF, não são objeto desse estudo 11 notícias dizem respeito à corrupção
20 cional. Descobrimos que de 43 notícias anteriores.
com foco em “crime” de origem inter- Como mencionamos antes, é
nacional, 13,9% informavam a cor/raça importante lembrar que nesse p e r í o -
do agressor e 4,6%, da vítima. Nas no- do dois fatos estimularam a cobertura
tícias sobre crime no Brasil, apenas desse tema pelos impressos. O primei-
0,7% mencionavam a raça do agressor ro foi a tentativa de votação, na Câ-
e 0,5%, a da vítima. Também são mais mara de Deputados, à época presidi-
frequentes nas notícias sobre fatos no da por Eduardo Cunha (PMDB-RJ), de
exterior expressões como “jovem ne- emenda dedicada à redução de idade
gro”, “adolescente negro”, “adolescen- de imputabilidade criminal. O segundo
te branco” ou “racismo”. Essas p a l a - foi o assassinato de um médico na La-
vras aparecem em 8,3% das matérias goa Rodrigo de Freitas, um dos bairros
sobre crime com foco internacional e mais ricos – e seguros – da Zona Sul
em apenas 0,5% dos textos nacionais. do Rio de Janeiro, possivelmente por
A comparação mostra que ainda impe- um ou dois adolescentes. Verificamos
ra um silêncio quase sepulcral sobre o que em 32,5% a maioridade penal foi o
viés racial de criminosos e vítimas de tema dentro do foco.
crimes – quando a violência é “brasi- Ainda mais numerosas foram
leira”. Voltaremos a esse assunto. as notícias com foco em decisões de
juízes, julgamentos ou habeas corpus
Judiciário, (35,5%). Condenação, absolvição e li-
Ministério Público, bertação de presos respondem por
11,3% das notícias dentro desse grupo.
Legislação A seguir aparecem outros assuntos em
proporções reduzidas, como pedidos
Uma surpresa da nova edição da do Ministério Público (12 matérias),
pesquisa Mídia e Violência foi o gran- audiências de custódia (4), Defensoria
de número de notícias sobre ações do (3), tornozeleiras eletrônicas (2), etc.
Judiciário, do Ministério Público, De- Em suma, o destaque para a Jus-
fensorias ou do Legislativo. Ao todo, tiça e o Legislativo na cobertura de
foram 248 matérias, ou 13,9% no con- violência urbana é uma bem vinda mu-
junto dos textos analisados – o tercei- dança a ser mencionada, em contraste
ro lugar entre as categorias de foco à escassez de notícias sobre esse tema
central estudadas. O destaque é para nos periódicos há dez anos. A d i s -
os jornais formadores de opinião, cussão sobre essas instituições, seus
onde essas notícias aparecem em se- mecanismos e instrumentos é f u n d a -
gundo lugar, na frente dos atos violen- mental para acompanharmos como a
tos, como é o caso do Estado (19,8%), sociedade lida com crimes e delitos.
Globo (18,5%) e FSP (16,5%). Como ve-
remos à frente, uma grande mudança
em relação ao observado em pesquisas
21
Questões da Questões de
Sociedade Civil Trânsito

Outra surpresa é a aparição do Esta é a primeira vez que o tema


item Questões da Sociedade Civil em da violência no trânsito é incorporado
quarto lugar, com 110 matérias, c o r- aos estudos do CESeC sobre violência
respondendo a 6,2% do noticiário. urbana e mídia. Nossa intenção é veri-
Neste quesito, O Globo (13,4%) e O ficar se esta agenda, que ganhou mais
Povo (6,9%) ficaram acima da média proeminência nos últimos anos no Bra-
geral, demonstrando um interesse es- sil, foi incorporada às pautas dos jor-
pecial pelas reações da sociedade aos nais. Segundo o Mapa da Violência de
fenômenos de violência. Por outro 2016, baseado nos dados do SUS, hou-
lado, Extra (3,1%) e Agora São Paulo ve 43 mil mortes no trânsito no Brasil
(3,4%) publicaram matérias relaciona- no ano de 2014.
das a questões da sociedade civil em Verificamos que os sete jornais
proporção expressivamente menor que estudados publicaram 85 notícias, que
a média. representam apenas 4,8% de tudo que
Um terço das matérias d e s - os jornais produzem sobre o assunto.
se foco referem-se a protestos sobre O Povo ultrapassa a média, com 6,5% e
violência e corrupção policial (30%). Folha e Estado também se colocam li-
Outros temas são movimentos sociais geiramente acima da média, com 5,5%
(28,2%), protestos em geral contra a e 5,4%.
violência (28,2%) e mobilizações con- A maioria absoluta das n o t í -
tra o racismo (6,4%). Mas chama a cias desse foco foi sobre acidentes
atenção que quase um terço das maté- (75,3%), mas houve outros temas tra-
rias dentro desse foco (32 notícias em tados, como legislação, estatísticas e
110) referem-se a protestos ocorridos políticas de trânsito (22,4%). Nós es-
no exterior, frequentemente por casos perávamos que a produção fosse mais
ligados à violência policial. A presen- expressiva. Principalmente porque o
ça do movimento Black Lives Matter noticiário combinou casos de mortes
e rebeliões em várias cidades do EUA em estradas e cidades com discussões
suscitaram matérias dos nossos perió- e polêmicas sobre como regular o trân-
dicos associando violência policial nos sito para torná-lo menos violento.
EUA à luta de jovens negros contra o
racismo. Nesse período houve m a n i -
festações contra a morte de um jovem
em Charleston, na Carolina do Sul, e
sobre morte de jovem morto em Fergu-
son, no Missouri, um ano antes.
22 Tanto os veículos do grupo Info-
Drogas Globo, como os da Folha e Estado de
S. Paulo se manifestaram favoráveis a
Os jornais produziram 79 maté- uma revisão da legislação no sentido
rias sobre drogas (4,4%). Vale ressaltar de tratar do problema das drogas me-
que essa categoria não inclui notícias nos como casos de crime e polícia e
sobre apreensão de drogas e violência mais como problemas da área de saú-
relacionada ao tráfico, que foram in- de. Em nossa pesquisa, 45,6% das ma-
cluídos nos focos Forças de Seguran- térias sobre drogas mencionava algu-
ça e Ato Criminoso. Nosso interesse, ma experiência internacional.
nesta rodada de 2015, foi verificar o
quanto a imprensa tem participado do Fenômeno da
debate sobre a revisão da legislação Violência
sobre drogas, motivado pela p e rc e p -
ção, em círculos cada vez mais amplos, Uma pequena parcela de 4,4%
da ineficácia da política de guerra às das matérias foi classificada dentro
drogas. Será que esses temas, que desse foco. São notícias sobre causas,
vem sendo tratados em blogs, páginas soluções ou consequências dos fe n ô -
de redes sociais e sites jornalísticos, menos da violência urbana. Essas ma-
estariam presentes na cobertura dos térias podem se basear em um caso es-
jornais diários? A despeito da presen- pecífico, mas precisam apresentar uma
ça reduzida de notícias sobre o foco, abordagem mais abstrata do tema.
quando comparada aos outros temas, Muitas vezes estão nos cadernos de
a mudança parece ser sensível em re- opinião, onde um especialista ou arti-
lação ao passado – ainda que não te- culista do jornal desenvolve teorias ou
nhamos dados numéricos para com- explicações para a violência, enquanto
provar, pois essa questão não estava fenômeno. Entre as 78 matérias classi-
na análise anterior. ficadas nesse foco, O Globo tem forte
O destaque fica com a Folha de destaque, com 8,8%; em seguida, vem
S. Paulo, reservou 10,4% da cobertu- a Folha de S. Paulo, com 7,1%. Efetiva-
ra de violência urbana para matérias mente, 34 das 78 matérias sobre fenô-
sobre drogas. O Estado deu 7,4% e O meno da violência eram artigos assina-
Globo, 5,6%. A maioria das notícias dos, editoriais ou notas de colunas.
desse foco foi sobre políticas de dro-
gas (54,4%) seguido de notícias sobre Políticas de
tráfico (11,4%) e depois por pesquisas
(10,1%). Importante observar que ao
Segurança Pública
longo dos últimos anos alguns jornais ou setor público
têm tomado posição, em editoriais, so-
bre o tema da legalização das drogas. Ao classificar reportagens e ar-
tigos por este foco, a pesquisa p r e -
tende identificar textos dedicados a ma, Manaus e Maranhão, no início de 23
questões relacionadas à elaboração, 2017. Uma justificativa para a cobertu-
modificação e a qualidade de políticas ra limitada é o fato de que no período
de segurança pública. Ao todo, 78 ma- não houve rebeliões ou crises intensas
térias, que representaram 4,4% do to- em unidades prisionais; como a maior
tal de matérias clipadas, foram identi- parte da cobertura é factual, a escas-
ficadas. O jornal O Povo mostrou maior sez de notícias foi o resultado.
interesse neste debate, já que reser- Mesmo os diários formadores
vou 7,7% da sua produção sobre vio- de opinião parecem funcionar desta
lência urbana para essa análise estru- forma ciclotímica, pautando i n t e n s a -
tural. O resultado é condizente com a mente assuntos relacionados a a c o n -
história do veículo – vale lembrar que tecimentos chocantes e depois deixan-
O Povo mantém uma coluna dedicada à do-os de lado, como se tivessem sido
segurança pública. O carioca O Globo “resolvidos”. Alguns jornais, entretan-
também investiu mais no tema, dedi- to, discutiram com mais frequência
cando 7,4% das suas matérias ao foco; esse tema importante e tão esquecido:
na Folha de S. Paulo, o índice foi de O Povo foi o que publicou mais sobre
6,6%. o sistema penitenciário e socioeduca-
tivo: os dois assuntos somaram 7,3%
de sua cobertura; a Folha de S. Paulo
Sistema
dedicou a ele 5,5% das suas matérias.
Penitenciário
e sistema Estatísticas e
socioeducativo Pesquisa

Em um país com uma população Um total de 30 matérias teve


carcerária de mais de 622 mil pessoas, como foco central pesquisas produzi-
a quarta do mundo, e com um sistema das por diversas fontes: sociedade ci-
penitenciário e socioeducativo precá- vil organizada, autarquias, fundações
rio e conturbado, apenas 67 matérias e órgãos do poder executivo, IBGE. É
foram publicadas nos sete jornais so- pouco e representa apenas 1,7% do
bre prisões ou sobre unidades para conjunto. Como veremos, ao tratar de
adolescentes. As matérias re p re s e n - qualificação das matérias, isto não sig-
tam apenas 3,8% de tudo que foi pu- nifica que um número tão reduzido de
blicado. publicações utilize fontes estatísticas
Esse resultado surpreende, e s - ou estudos. Significa apenas que e s -
pecialmente quando o colocamos em tudos e pesquisas raramente se desta-
contraste com a enxurrada de notícias cam no noticiário como o assunto prin-
sobre prisões e sistema penitenciário cipal.
após os massacres ocorridos em Rorai-
QUESTÕES
JORNALÍSTICAS

tura mais equilibrada e contextualizada como vem se dando esse processo de


Segundo o depoimento de j o r - qualificação que incluímos na nossa
n a l i s t ,a durante
18
s muito tempo a edi- pesquisa questões sobre o fazer j o r -
toria de crime era a menos valorizada nalístico, como fontes, atores men-
das redações. Nela, trabalhavam jorna- cionados, tipo de matéria e atributos
listas especializados, mas com menos dos textos. Neste sentido, os resulta-
acesso a cursos e formação; a fonte dos dessa parte da pesquisa podem,
policial era onipresente; o noticiário, potencialmente, ser comparados a le-
predominantemente factual, ocupa- vantamentos sobre quaisquer outros
va-se basicamente de relatar o crime temas publicados nos jornais impres-
de ontem. Isso mudou. Desde os anos sos (Economia, Internacional, Política,
1990, quando o agravamento da crise Meio Ambiente etc.). Os resultados a
de segurança levou o tema a tornar-se seguir permitem aferir o investimento
uma preocupação de toda a sociedade de recursos humanos e materiais e o
brasileira, a cobertura de violência ur- cuidado envolvido na produção de no-
bana começou lentamente a tornar-se tícias sobre crime, segurança pública,
mais parecida com a de outros temas drogas e violência no trânsito.
relacionados às cidades, como saúde e
educação. Aumentou muito o número
de reportagens investigativas e c o n -
textualizadas, cresceram os artigos e
análises, os dados ganharam mais des-
taque.
É justamente para investigar

18 Para ler os depoimentos, consulte o livro “Mídia e violência:


Novas tendências na cobertura de segurança e criminalidade”,
disponível em http://www.ucamcesec.com.br/
26 mais ouvida foi a p o l í c19i a(25,1%).
Fontes:
Como inferimos que na maioria esma-
dependentes gadora das notícias sem fonte a origem
da informação era a polícia, na prática
de B.O.
isto quer dizer que mais de 50% das
matérias foram baseadas apenas em
“Dependentes de B.O.” foi o tí- relatos ou documentos policiais.
tulo do capítulo do livro Mídia e Vio- Em segundo lugar, aparecem os
lência, publicado há dez anos, ao tra- integrantes do Poder Executivo (repre-
tar das fontes jornalísticas presentes sentantes de secretarias estaduais e
nas matérias. Na época, mostramos municipais, etc.) citados em 9,8% dos
que o jornalismo de segurança pública textos; vítimas, familiares e amigos
era extremamente dependente das in- das vítimas foram fontes principais das
formações policiais. Uma situação que notícias em 8%.
pouco se alterou.
Nesta rodada da pesquisa, a
fonte mais ouvida foi NFPI – ou Não
Foi Possível Identificar. Isto é, em
26,4% das matérias analisadas a fonte
não estava declarada – quase sempre,
em razão do texto ser muito curto;
apenas uma nota. A segunda fonte

Tabela 14 - Fontes das matérias – Comparação 2004 e 2015

19 O dado inclui as várias corporações policiais.


27

DEZ ANOS DEPOIS


Ainda dependentes da
polícia

Quando comparamos 2004 com O Povo. Por fim, chama a atenção a au-
2015, verificamos que matérias cuja fon- sência completa de especialistas como
te principal eram a Polícia Militar, Polí- fontes no Extra. Em compensação, esse
cia Civil e outras forças correspondiam a veículo ouviu vítimas, amigos e familia-
31,4% e passaram a ser 23,3%, uma redu- res em 11% dos textos, enquanto O Povo
ção de 8,1%. A redução se torna menos só o fez em 2,8%.
expressiva se somamos esses textos aos Além das 26,7% de matérias sem
textos cujas fontes não são identificadas fonte, verificamos que 33,1% apresentam
(NFPI). Em 2004, esse conjunto equivalia uma fonte; 17,9%, duas; e 22,3%, mais
a 58,3% de todos os textos publicados. de duas fontes. Ao mesmo tempo, des-
Considerando esse total, a redução é cobrimos que apenas 266 matérias entre
muito pequena depois de uma década 20
. as 1.778 analisadas apresentavam opini-
Essas proporções se alteram para ões divergentes, isto é, somente 15%. Os
cada jornal, mas não ao ponto de mudar dados chamam a atenção, por mostrar
as fontes predominantes. No entanto, al- que a imprensa não vem conseguindo se-
gumas chamam a atenção e parecem in- guir recomendações do bom jornalismo,
dicar opções editoriais dos veículos. No como a apresentação de mais de um pon-
Agora São Paulo, 38,9% dos textos não to de vista, na grande maioria das suas
tem fontes identificadas. Como veremos, matérias sobre violência urbana.
o Agora publica diariamente diversas no- Além disso, a comparação sobre o
tas – os chamados “colunões” – nos quais percentual de matérias com mais de uma
falta espaço para declarar explicitamen- fonte mostrou algum esforço de qualifi-
te a fonte. O jornal com a menor propor- cação do noticiário, mas ainda pouco sa-
ção de NFPI foi O Globo, com 14,8%. tisfatório: em 2004, apenas 34,7% apre-
Em alguns veículos, a fonte poli- sentavam mais de uma fonte; em 2015,
cial superou ligeiramente as fontes não esse total chegou a 42,2%.
identificadas. É o caso dO Globo, com A comparação sobre a presença
15,3% das matérias atribuídas a forças de de opiniões divergentes nos textos mos-
segurança, e dO Povo, com 28,7% (contra tra que essa recomendação j o r n a l í st i -
27,1% de NFPI). ca continua a ser mais exceção do que
O Extra, Agora SP e O Dia, jornais regra: matérias que mostravam “os dois
de venda em banca, buscaram fontes do lados” das questões totalizavam 11% em
Executivo muito menos do que O Globo, 2004 e passaram a 16% em 2015. O Esta-
Folha de S. Paulo, Estado de S. Paulo e do de S. Paulo e O Globo foram os que se
destacaram nesse quesito.
20 Na tabela comparativa das principais fontes em 2004 e 2015
nem todas as fontes têm equivalência nas duas pesquisas pois
alteramos ligeiramente a identificação de alguns atores sociais.
32

DEZ ANOS DEPOIS


O quanto a imprensa
investe na cobertura

Tabela 19 - Comparação de aspectos da qualificação das matérias - 2004 e 2015

Se, como destacamos, i l u s t r a - Chamadas na primeira página


ções, chamadas, gráficos e boxes são ocorriam em apenas 7% dos casos em
usados para valorizar as matérias, o 2004; agora ocorrem em 18,1%, o que
grande número de textos sem q u a l - mostra valorização do tema da violên-
quer desses atributos confirma o fato cia urbana e segurança pública
de que a cobertura ainda é dominada Os dados confirmam a i m p re s -
por textos factuais e pouco contextua- são geral de que as publicações sobre
lizados. violência urbana melhoraram de quali-
Comparamos, por exemplo, a dade, ainda que possam estar longe de
presença de dados e estatísticas nos constituir um acervo que se caracteri-
textos de 2004 e 2015. Houve eviden- za pela complexidade e abrangência.
te melhora, ainda que informações nu-
méricas continuem escassas. Passaram
de 4,9% a 8,4%.
As fotos ou ilustrações, que es-
tavam presentes em 35,9% das maté-
rias, agora aparecem em mais da me-
tade (54,4%). Um aumento que pode
estar relacionado à diminuição dos co-
lunões.
dáveres mutilados na capa. A rejeição 33
Imagens da a esse tipo de imagem chegou a moti-
violência: edição var o Ministério Público a entrar com
uma ação, em 2009, que resultou na
evita exposição proibição dos três principais jornais do
Pará – Diário do Pará, O Liberal e Ama-
Diferentemente da internet, os zônia – de publicar imagens de aciden-
veículos impressos enfrentam l i m i - tes e vítimas de crimes.
tações de espaço, mais sérias ainda Nos jornais analisados, é raro
com a redução de páginas verificadas encontrar fotos de cadáveres. Quando
nos jornais. Ao lado da presença forte publicadas, em geral mostram o corpo
dos colunões, isso explica que apenas de longe ou coberto. Não são exibidos
40,8% das matérias publicadas tinham ferimentos ou mutilações. Uma exce-
fotografias. ção são os casos de agressão física,
O levantamento mostrou clara- como espancamentos. Nessas notícias,
mente que a publicação de fotos nos é comum a publicação de fotos das ví-
jornais analisados segue procedimen- timas exibindo as marcas no corpo.
tos para evitar explorar a violência pe- Os jornais chamados populares
las imagens. Olhando as fotografias, – e principalmente os “jornais popula-
é possível inferir que a maior parte res de qualidade”, segundo expressão
da imprensa superou a era do sensa- usada por alguns pesquisadores
22
para
Tabela 20 - Fotografias nos textos

cionalismo agressivo e declarado tão caracterizar diários como O Dia, E x-


comum na cobertura de crime até os tra, Agora São Paulo – e os novos jor-
anos 1980. Um ícone do jornalismo po- nais “locais” do interior parecem ter
pular, famoso pelo uso de imagens grá- adotado o recurso de manchetes irre-
ficas de cadáveres e feridos, o Notícias verentes, chamativas e em alguns ca-
Populares, de São Paulo, fechou em sos engajadas e surpreendentes, mas
2001; e O Povo, do Rio de Janeiro, que sem uso de fotos aberrantes. O mesmo
tinha a mesma proposta, reformulou acontece mesmo em tablóides ainda
sua linha editorial em 2006. Em entre- mais populares, como o Meia Hora e O
vista na época da mudança editorial, o Expresso.
editor do jornal carioca disse que “os
leitores estão saturados desse tipo de 22 Veja por exemplo, artigo de Laura Seligman publicado em
SBPJor/Sociedade Brasileira de Pesquisa em Jornalismo, em
cobertura”, referindo-se a fotos de ca- 2009.
34
Vale destacar que a internet tem do pesquisador que analisa as m até -
se encarregado de compensar com fol- rias. Mas o resultado da verificação
ga a restrição da imprensa às imagens em 1.778 textos é muito expressivo do
violentas: em páginas de redes sociais, verdadeiro deserto de c o n t e x t u a l i z a -
blogs e mesmo veículos jornalísticos, ção que acompanha as notícias. Vale
é fácil encontrar fotos e vídeos pertur- ressaltar que nesta questão era permi-
badores em sua violência. tido marcar mais de uma opção.
Por fim, é importante ressaltar O quadro geral é muito consis-
o uso de recursos de proteção da iden- tente com tudo que verificamos até
tidade de entrevistados, indicando ob- aqui: praticamente, a ausência de
servância à estatutos de proteção da discussões sobre diversidade sexual,
criança e do adolescente e percepção violência doméstica e de raça e e t-
da responsabilidade do jornalista em nia. Entre os apenas 3,8% dos textos
relação à segurança do entrevistado. em que as fatores como cor e raça es-
tavam citados ou mesmo analisados,
Além do fato: as como já vimos, a maioria referia-se
a notícias internacionais, que na sua
questões sociais
origem já receberam esse enquadre,
relacionadas à como as mortes de jovens negros pela
polícia, que motivaram tensão racial,
violência manifestações e manchetes explícitas
sobre o problema da violência e seu
No questionário utilizado para viés racial nos EUA.
a pesquisa, incluímos questões adicio- O debate mais presente é sobre
nais – junto com análises de atributos causas e consequências para a violên-
jornalísticos apresentadas acima – cia – tentativas de investigar e analisar
para tentar aferir a proporção em que o contexto em que se dão os crimes
os textos apresentavam algum tipo de e atos violentos. Estes aparecem com
discussão ou ao menos citavam ques- presença um pouco mais alta (8,6%) e
tões sociais ” relacionadas ao do fato. mais nos jornais formadores de opinião
É verdade que essa pergunta pode ge- (quase 20% nO Globo), o que também
rar interpretação um tanto subjetiva é consistente com a frequência maior

Tabela 21 - Discussões e questões nos textos


nesses jornais de matérias de opinião, por vezes comenta o texto, a p re s e n - 35
boxes e colunas assinadas. tando-o sob um enquadre que valoriza
Estatísticas e dados estão pre- determinados aspectos do fato ou aná-
sentes em 9,1% das matérias e esse é lise. Por isso fizemos um levantamento
um dado relevante para analisarmos especial de expressões mais frequen-
mudanças nos últimos anos, como ve- tes nas manchetes dos 1.778 textos
remos a seguir. analisados.
Por fim, as citações sobre L e - Nosso interesse foi verificar que
gislação são relativamente expressivas palavras são usadas agora para comu-
(14,8%) e sem dúvida resultantes da nicar sobre violência urbana na década
nova visibilidade para os temas de Jus- atual.
tiça nas pautas de crimes e segurança Os títulos de matérias sobre
pública. O tema chega a ser presente violência urbana em 2015 são uma
em quase 20% dos textos nos jornais espécie de reino de Thanatos. As no-
formadores de opinião. tícias de mortes, homicídios e assas-
sinatos são as mais frequentemente ci-
Títulos: o que quer, tadas nos títulos e estão em primeiro
lugar, com 329 menções. Se somamos
o que pode essa
esses termos às 20 notícias que falam
língua? de “chacinas” e aos 74 usos de “mata”
e “matado” (“Mãe mata filha de nove
A produção dos títulos é uma anos”; “Adolescente confessa ter atro-
etapa importante da edição do texto pelado e matado jovem”) chegamos a
jornalístico. Elaborado para chamar a 423 menções.
atenção do leitor, o título sintetiza e Outro assunto extremamente

Tabela 22 – Frequência de palavras usadas nos títulos


36 frequente nos títulos é a polícia (188).
Somado ao uso direto da sigla PM (129)
e suas ações (prisão, apreensão, inves-
tigação, operação e UPP), alcançamos
634 chamadas.
Quando se referem aos crimino-
sos e agressores, os jornais analisados
incorporaram preferencialmente nas
manchetes a expressão suspeito (70) e
bem menos bandido (23). Não encon-
tramos nenhum “vagabundo”.
As armas de fogo comparecem
com tiros, tiroteios, fuzis, confrontos,
arma e balas, que somam 167 usos.
Finalmente, verificamos um
número alto de títulos com palavras
como medo, horror, pânico, assusta –
ao todo, 86. Somados à palavra violên-
cia e ataque, chegamos a 150 desta-
ques que retratam o temor e a tensão
na segurança pública.
leitores e pelas redes sociais. Casos 37
Palavras: o que não
que se tornaram dignos de impressão
mudou em uma por fatores variados: pelo local em que
ocorreram, pelas circunstâncias, pelo
década
enredo social, econômico ou afetivo.
Mas, na imensa maioria das vezes, his-
Quando trabalhamos com um tórias cuja notícia provavelmente não
programa de análise de textos – o sof- produzem repercussões ou efeitos em
tware IRaMuTeQ – para analisar as pa- políticas públicas ou alteram a vida
lavras frequentes nos títulos da maté- ou a compreensão dos leitores. Quase
rias de 2004 e 2015, vemos como as sempre histórias sem acompanhamen-
manchetes mudaram pouco. De fato, to no dia seguinte.
o fenômeno das mortes por causas ex- A escolha por publicar muito
ternas (que inclui mortes por acidentes sobre histórias que resultaram em vio-
e suicídios) e, muito especialmente, o lência letal intencional nos parece, de
da violência letal intencional (o fenô- todo modo, mais positiva do que omi-
meno criminal do homicídio) no Brasil, tir esses dramas ou priorizar os crimes
tornou-se ao longo das últimas déca- contra o patrimônio. Em confrontos
das um problema “brasileiro”. Estacio- com policiais em áreas de periferia,
namos no patamar altíssimo de 25 a 30 por exemplo, a imprensa, impulsiona-
homicídios por 100 mil habitantes há da pelo debate nas redes sociais, tem
quase duas décadas, com as atuais 60 sido essencial para amplificar o ques-
mil mortes notificadas por ano, apro- tionamento sobre políticas de seguran-
ximadamente. As respostas brasileiras ça e demandar dos responsáveis uma
a esta tragédia têm sido ineficientes reflexão sobre a conduta das forças de
e descoordenadas. O fenômeno é re- segurança. Possivelmente, quando a
sultante de dinâmicas distintas, porém sociedade estiver pronta para deslan-
complementares (cultura de resolução char campanhas e política para reduzir
violenta de conflitos, crime organiza- o fenômeno, os jornais que mais publi-
do, violência policial institucionaliza- cam sobre o assunto serão potencial-
da, grupos de extermínio, pistolagem, mente os mais interessados.
etc.). O país tarda em criar campanhas
de mobilização e combina-las a ações
de prevenção e repressão, como f i -
zemos com temas complexos como a
Aids.
Enquanto isso os jornais i m -
primem minúscula parte dos dramas
e tragédias de milhares de famílias,
escolhendo publicar alguns dos casos
que lhes chegam pela polícia, pelos
38

Figura 2 - Nuvem de palavras usadas nos títulos em 2004


39

Figura 3 - Nuvem de palavras usadas nos títulos em 2015

Você também pode gostar