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O DESENVOLVIMENTO DOS MODELOS DESENVOLVIMENTISTAS NO

BRASIL (1964-1973)
Edilson Amaral Nabarro Junior1
DISCIPLINA: Ditaduras do Cone-Sul e suas Políticas Econômicas

INTRODUÇÃO
O presente artigo tem como objetivo analisar a construção dos diferentes
modelos desenvolvimentistas expressos através dos planos econômicos dos
governos brasileiros do período de 1930 a 1964. Para tal empreendimento é
preciso considerar os contextos em que os respectivos planos foram
elaborados, seus objetivos – aqueles pretendidos e os não alcançados - bem
como seus impactos na sociedade brasileira.
O PROJETO DESENVOLVIMENTISTA ANTES DE 1964
Para discorrer uma análise do projeto desenvolvimentista no Brasil,
primeiramente é necessário que seja conceituada a própria noção de
desenvolvimentismo. Pedro Cezar Dutra Fonseca, ao analisar diversos teóricos
do desenvolvimentismo, aponta para a convergência de determinados
argumentos que pressupõem essa linha de pensamento, são eles:
(a) a existência de um projeto deliberado ou estratégia tendo como
objeto a Nação e seu futuro. Essa pode ser associada, com certa
licenciosidade, a projeto nacional, desde que não se entenda, por isso,
repulsa ao capital estrangeiro nem rompimento com a ordem
internacional, mas simplesmente a Nação como epicentro e
destinatária do projeto; (b) a intervenção consciente e determinada do
Estado com o propósito de viabilizar o projeto, o que supõe atores
aptos e capazes para executá-lo no aparelho do Estado, com respaldo
social e político de segmentos e classes no conjunto da sociedade; (c)
a industrialização, como caminho para acelerar o crescimento
econômico, a produtividade e a difusão do progresso técnico, inclusive
para o setor primário. (FONSECA, 2003)

Ademais, Ricardo Bielschowsky indica que no Brasil houveram dois ciclos


ideológicos desenvolvimentistas, o primeiro pode ser compreendido entre os
anos de 1930 à 1964 e o segundo vai de 1964 até 1980 (BIELSCHOWSKY,
2010). Portanto, tendo o respectivo marco temporal em vista, o projeto
desenvolvimentista brasileiro ganhou novos traços com a ascensão de Getúlio
Vargas ao Governo Federal após a Revolução de 30 e também impulsionado
pela quebra da Bolsa de Valores de Nova Iorque no ano anterior. Segundo
Fonseca (2004, p.226) o desenvolvimentismo proposto e exercido por Vargas
fora singular pois inovara ao concatenar três elementos do “núcleo duro”
(defesa da industrialização, do intervencionismo pró-crescimento e do
nacionalismo) com um novo elemento: o positivismo. É na inserção dos ideais
1
Mestrando no Programa de Pós-graduação em História - UFRGS
positivistas que o projeto desenvolvimentista incluiu a ideia de evolução e
progresso como fim último da ação estatal. Em relação à industrialização
Carrara e Fonseca lembram que:
[...] entre 1930 a 1937, foram criados os seguintes órgãos ligados a um
projeto de desenvolvimento industrial: Ministério do Trabalho, Indústria
e Comércio, em 1930; o Departamento Nacional do Trabalho, em 1931;
o Conselho Federal do Comércio Exterior, em 1934; o Plano Geral de
Viação Nacional e a Comissão de Similares, em 1934; e o Conselho
Técnico de Economia e Finanças, em 1937, todos eles com a função
de pensar a organização e o desenvolvimento da indústria nacional.

Com isso, podemos compreender o projeto desenvolvimentista, neste


primeiro momento, tanto como ideologia, como também um conjunto de
diretrizes econômicas e institucionais que tiveram como finalidade promover o
desenvolvimento estrutural e planejar a economia do país.
Além da quebra da Bolsa de Nova Iorque em 1929 outro evento de
magnitude global, influenciou a política econômica do Brasil. Após a Segunda
Guerra Mundial a economia brasileira viu-se em uma severa crise cambial,
advinda da alta do preço das exportações realizadas e também sofria com a
alta da inflação (FONTAINE, 2020 p.499). Com isso, era imperioso achar
soluções que pudessem reestruturar e reanimar a economia brasileira.
O governo de Eurico Gaspar Dutra de início apresentou algumas medidas
consideradas liberais como, por exemplo, a redução de gastos públicos, a
remessa de lucros ao estrangeiro e a desregulamentação e diminuição do
Estado em questões associadas ao planejamento econômico. Entretanto os
déficits na balança comercial e o descontentamento da imprensa e do
Parlamento levaram o presidente Dutra a uma mudança de posicionamento
(SARETTA, 2000 p.116). É neste contexto que nasce o Plano SALTE, que
tinha como foco principal a resolução de problemas encontrados nas áreas da
Saúde, Alimentação, Transporte e Energia. Sobre o Plano SALTE, Octavio
Ianni discorre:
O Plano SALTE circunscrevia a quatro setores econômicos e sociais:
saúde, alimentação, transporte e energia. E previa investimentos para
os anos de 1949-1953. Os recursos para esses investimentos deveriam
provir do orçamento federal, das dotações estipuladas na Constituição
e de empréstimos internos e externos. Entretanto, como instrumento de
ação governamental, o Plano era descoordenado e divorciado da
realidade. Esta, também, são as razões por que a maioria de seus
objetivos não pôde ser realizada (IANNI,1996 p. 91).

O Plano SALTE só fora aprovado pelo Congresso Nacional no último ano de


governo Dutra, mas que, por sua vez, foi marcado por uma série de medidas
que desfavoreciam sindicatos e trabalhadores, estes últimos afetados
principalmente pelo arrocho salarial, tendo seus salários sistematicamente
congelados. No primeiro ano do segundo governo de Getúlio Vargas (1951-
1954), o presidente envia uma mensagem ao Congresso Nacional com
proposta orçamentária para o ano de 1952, elevando substancialmente o
encargo imposto pelo Plano SALTE ao país, além de utilizar a oportunidade
para criticar o governo anterior por não ter conseguido cumprir com as metas
do plano (ABREU, 2010).
Ainda que o Plano SALTE tenha se prolongado por mais quatro anos após o
período inicial de vigência, o ano de 1951 foi marcado pela busca de novas
alternativas para política econômica brasileira. Umas dessas novas alternativas
foi a criação de uma Comissão Mista Brasil-Estados Unidos (CMBEU), que
visava a cooperação técnica, contribuição econômica e apoio militar entre os
dois países, tendo como pano de fundo a Guerra Fria e a Guerra da Coréia,
que à época se desenrolava. Além também de incentivo ao empresariado
nacional e americano à investir no Brasil. No mesmo ano de 1951, o então
ministro da Fazenda, Horácio Lafer, apresenta a Vargas o Plano Nacional de
Reaparelhamento Econômico (PNRE), que contaria com recursos do Banco
Mundial, gerando o Fundo de Reaparelhamento econômico, que seriam
controlados por um novo banco estatal, o Banco Nacional do Desenvolvimento
(BNDE). Sobre o PNRE, Alzira Abreu afirma que “a implementação do Plano
Lafer encontrou assim sérios obstáculos durante o governo Vargas. Todavia,
muitos de seus projetos foram retomados durante o governo Kubitschek, que
os integrou no Plano de Metas (ABREU, 2010)” .
É justamente no governo de Juscelino Kubistchek que o planejamento
econômico do Brasil foi elevado a outro patamar. O Plano de Metas de JK, com
o lema 50 anos em 5, tinha objetivos audaciosos e ambições pertinentes para
superar o subdesenvolvimento do Brasil. As principais metas eram substituição
de importações com base no fomento à industrialização de base e a
reformulação das condições de dependência do país com o capitalismo
mundial (IANNI,1996 p.150). Outras importantíssimas contribuições do governo
JK foram a construção de Brasília, a vinda da indústria automobilística e a
criação da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE).
Sobre a SUDENE é importante destacar o papel que teve um dos mais
importantes economistas do Brasil, o paraibano Celso Furtado. Furtado era
membro de uma instituição precursora do desenvolvimentismo no Brasil e na
América Latina, a Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL), e
após deixar a comissão foi responsável pela secretaria executiva, bem como o
planejamento estratégico da SUDENE. O Plano de Metas de JK se mostrou um
dos mais eficientes projetos desenvolvimentistas para a industrialização do
país.
Já o meteórico governo de seis meses de Jânio Quadros foi marcado por
uma série de medidas impopulares, incomuns e, de certa forma, bastante
imprudentes. Sobre o governo de Quadros, Thomas Skidmore ressalta que:
Nos seis primeiros meses de presidência, Quadros endossara um
programa anti-inflacionário ortodoxo e inflexível, mas posteriormente foi
traído pela estratégia “desenvolvimentista”. Esta mudança nas decisões
de política econômica era, entretanto, pouco evidente para o público
por volta de agosto e começava apenas a se tornar aparente aos
políticos. Era em outras áreas que a política de Quadros provocava
debates mais acalorados (SKIDMORE, 1982, p.242)
Essas outras áreas a que Skidmore se refere, diz respeito à postura moralista
e conservadora de Quadros, que chegou a proibir lança-perfumes nos bailes de
carnaval, proibia mulheres de vestir biquínis e impediu de forma definitiva a
rinha de galos no país. Mas também a postura inflexível desagradou grande
parte dos militares com sua política externa independente ao retomar as ações
diplomáticas com a União Soviética. Plano sequência à renúncia de Jânio
Quadros o Brasil entra em crise político-institucional. Sobre a crise,
Bielschowsky afirma que:
Durante a crise eram discutidos essencialmente três temas: o que fazer
para sustentar a continuidade do processo de crescimento no Brasil;
qual seria a exata participação do capital estrangeiro; e de que forma a
industrialização poderia reverter a miséria urbana que estava se
formando (BIELSCHOWSLY, 2010)

PLANO DE METAS E O MODELO DESENVOLVIMENTISTA DE JOÃO


GOULART
Após o longo imbróglio até a posse constitucional de João Goulart na
Presidência, era preciso que o governo adotasse novas medidas econômicas
que estabilizassem a economia brasileira recém saída de uma crise. Para
Jorge Ferreira e Ângela de Castro Gomes, naquela altura “a situação
econômica e financeira do país era de absoluto descontrole. O Brasil chegou
ao final de 1962 com déficit na balança de pagamentos de 360 milhões de
dólares, quando no ano anterior tinha sido de 14 milhões (FERREIRA e
GOMES, 2014). Assim, o governo de Jango tinha menos tempo (muito menos
até do que o esperado) que seus antecessores para, de mesmo modo, elaborar
um projeto que visasse o aumento do PIB e a diminuição da inflação em um
curto prazo. Surgiu então o Plano Trienal de Desenvolvimento Econômico e
Social (1963-1965).
Aqui novamente é destacada a importância da figura do economista Celso
Furtado, à época ministro extraordinário do Planejamento. Elaborado em
conjunto com San Tiago Dantas, ministro da Fazenda, e no ensejo que o Plano
de Metas de JK deixou, o documento oficial do Plano Trienal trazia oito
objetivos básicos, são eles:
1. Assegurar uma taxa de crescimento nacional compatível com as expectativas
de melhoria de condições de vida.
2. Reduzir progressivamente a pressão inflacionária.
3. Criar condições para que os frutos do desenvolvimento se distribuam de
maneira cada vez mais ampla pela população, cujos salários reais deverão
crescer com taxa pelo menos idêntica à do aumento da produtividade do
conjunto da economia
4. Intensificar substancialmente a ação do Governo no campo educacional, da
pesquisa científica e tecnológica, e da saúde pública, a fim de assegurar uma
rápida melhoria do homem como fator de desenvolvimento e de permitir o
acesso de uma parte crescente da população aos frutos do progresso cultural
5. Orientar adequadamente o levantamento dos recursos naturais e a localização
da atividade econômica, visando a desenvolver as distintas áreas do país e a
reduzir as disparidades regionais de níveis de vida, · sem com isso aumentar o
custo social do desenvolvimento.
6. Eliminar progressivamente: os entraves de ordem institucional, responsáveis
pelo desgaste de fatores de produção e pela lenta assimilação de novas
técnicas, em determinados setores produtivos
7. Encaminhar soluções visando a refinanciar adequadamente a dívida externa,
acumulada principalmente no último decênio, a qual, não sendo propriamente
grande, pesa desmesuradamente: no balanço de pagamentos por ser quase
toda a curto e médios prazos
8. Assegurar ao Governo uma crescente unidade de comando dentro de sua
própria esfera de ação, submetendo as distintas agências que o compõem às
diretrizes de um plano que vise à consecução simultânea dos objetivos
anteriormente indicados. (PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 1962)

Além dos objetivos ambiciosos, o Plano Trienal tinha como sustentáculo para
seu sucesso as chamadas Reformas de Base. Essas reformas objetivavam a
transformação em áreas essenciais para o desenvolvimento econômico
brasileiro: as reformas administrativa, bancária, fiscal e agrária. E também
haviam outras reformas importantes para o campo social: as reformas
universitária, eleitoral e constitucional. Assim que anunciadas, as reformas do
Plano Trienal foram atacadas à direita e à esquerda e o plano que se mostrava
ousado fora abandonado em meados de 1963. Mas mesmo assim Jango
seguiu com algumas diretrizes alternativas ao plano. Uma dessas alternativas
tratava sobre a Lei de Remessa de Lucros, a qual estabelecia um limite
máximo de 10% de lucros que as empresas estrangeiras poderiam devolver a
seus países de origem. Fato esse que desagradou não só diversas empresas
estrangeiras como o próprio governo dos Estados Unidos, culminando assim,
na deterioração das relações entre o governo Jango e o governo americano. As
retaliações estrangeiras a Jango se materializam na corte de créditos ao Brasil,
entraves na negociação da dívida externa e, por fim, no apoio do governo
americano ao golpe que depôs João Goulart em 1964.
CONCLUSÃO
Conclui-se que o projeto desenvolvimentista no Brasil, desde suas primeiras
formulações nos anos 1930, teve papel central nas políticas econômicas dos
governos subsequentes. Ainda que em cada governo o projeto tenha ganho
diferentes nuances, o desenvolvimento econômico e social do Brasil, bem
como o incentivo à industrialização, têm se constituídos como ponto comum na
elaboração de medidas que visem superar o subdesenvolvimento do país.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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