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cadernos do

• os cadernos do ceas são uma publicação bimestral do centro de estudos e ação social
- ceas —, que apresenta, comenta e analisa a realidade brasileira, e acompanha a luta
dos brasileiros por direitos humanos, liberdades democráticas e melhores condições
de vida, tendo em vista a ampla participação das classes populares n2 construção de
uma sociedade independente, livre e justa.
• o ceas é uma entidade constituída por um grupo de jesuítas e por outras pessoas de
diferentes pontos de vista, que defendem os objetivos acima. N ° 106 NOVEMBRO/DEZEMBRO 1986

• as matérias não assinadas são de responsabilidade conjunta do ceas.


• os cadernos saem bimestralmente e as assinaturas são feitas para os seis números do
ano.
equipe editorial e de redação:
ana Cecília s. bastos, ana portela, Cláudio pcrani (responsável), cliana rolembcrg, elsa Editorial
SOUZI kraychete (coordenadora), gabnel kraychele sobrinho, josé antònio pecchia, josé 5
crisóstomo de souza, joviniano soares de carvalho neto, manuel andrés mato, maria lúcia Muda Bahia, Muda Brasil. Mudar para onde?
simôes, milton moura (redator), nelson oliveira. Luís Sérgio Pires Guimarães,
colaboradores: Ney Rodrigues Inocêncio e
álvaro I. pantoja leite, antònio isao yamamoto, beatriz, costa, césar galvan, domingos Sebastiana Rodrigues de Brito
cúnico, emiliano josé, gjanpaolo salvini, guaraci a. alves de souza. herbert de souza,
homero de oliveira costa, inaiá m. m. de carvalho, iraci picanço, ivo polctto, jether A propósito do Trabalhador Agrícola Volante no Brasil 11
ramalho, josé sérgio gabríelli de azevedo, josé de souza martins. mariano brentan, nelson
navarro, raimundo pereira, romeu dale, sònia correa, ubirajara rebouças, vitor athayde. A partir dos dados censitários de 1980, o artigo faz uma carac-
divulgação: terização do trabalhador rural volante no Brasil. Primeiro, con-
sidera as condições em que se desenvolvem as forças produtivas
elita santos pinheiro no setor rural e situa o trabalhador volante no espaço das rela-
administração: ções sociais de produção, para compreender o significado de
pedro caldana sua presença no universo da produção agrícola. Em seguida,
arte gráfica: analisa informações sobre a distribuição desta mão-de-obra no
nildão campo brasileiro, as formas de contratação e seus padrões
salariais.
registro da censura n. 1.079, p. 209/73
registro da revista n. 139-b,n. 1 Gabriel Kraychete
issn (internacional standard serial number) 002513 - 002276
Região Metropolitana de Salvador: os deserdados do crescimento 22
correspondência, colaborações e assinaturas devem ser enviadas a: 0 artigo ressalta os efeitos do processo de industrialização so-
cadernos do ceas, rua aristides novis, 101 (federação) bre a Região Metropolitana de Salvador em suas duas vertentes
40 210 salvador - bahia - fone: 247-1232
básicas: dinamização do espaço social urbano e aprofundamen-
to dos contrastes sociais. Munido de dados económicos, o Au-
preço anual da assinatura Qzm j 2 n 00 tor evidencia as contradições produzidas na trajetória histórica
camponeses, estudantes, operários . CzS 100 00 de implantação do setor dinâmico industrial na região. Acom-
e*terior-,- • USS 20 panha as mudanças na estrutura ocupacional, aponta seus
reflexos na condição de vida dos trabalhadores e a recorrente
números avulsos e atrasados C z | 3 0 qq luta pela sobrevivência e, porfim,registra um contraste maior:
o significativo número de excluídos dos benefícios sociais e
C Esubscrição
N T R O DEde apoio
ESTUDOS E AÇÂO S O C I A L - C z $ ^Jj
S A L V A D O R - BAHIA económicos da metrópole.
r.
Cadernos do CEAS n. 106 ^ , )V> 1
concedidos via SUDENE. Em 1981, o pelo crescimento do PIB baiano a taxas
investimento por cada emprego gerado superiores às do PIB nacional e nordes-
no Pólo Petroquímico de Camaçari tino no período 1970/80. Se no passado
chega a 204 mil dólares. A magnitude havia lugar para a pobreza urbana ser
desse valor pode ser dimensionada entendida como algo residual ou transi-
quando comparada com a média da rela- tório, que seria superada pela economia
ção investimento/emprego na indústria urbana-industrial, hoje a questão se
incentivada no Nordeste, que era de 34 configura de forma diferente. Da mesma
mil dólares. forma, o agravamento das condições de
vida da maioria da população e o cresci-
Hoje, o problema de Salvador e de sua mento das tensões sociais não podem
região metropolitana não é mais o da ser entendidos como um simples subpro-
estagnação económica. A indústria loca- duto de um período de crise a ser supe-
bzada na Bahia concentra-se basicamente rado pela retomada do crescimento
na RMS e foi a principal responsável económico.

AS MUDANÇAS NA E S T R U T U R A O C U P A C I O N A L

Com pouco mais de 300.000 habitantes médio da população total na região. No


em 1940, a RMS possui hoje uma popu- mesmo período, a população rural tem
lação que ultrapassa os 2 milhões de ha- um incremento de apenas 0,72%. Em
bitantes. Seguindo a tendência da acumu- 1980, 96% da população da RMS estava
lação de capital, verifica-se a partir da concentrada no espaço urbano.
REGIÃO METROPOLITANA década de 50 uma abrupta inversão das
taxas de crescimento espacial dessa popu-
lação. No período 1940/50, a taxa média Entre 1960 e 1980, é evidente a urbani-
DE SALVADOR: anual de crescimento da população rural
era de 7,3%, bem superior à taxa de
crescimento de 2,8% da população urba-
na. Na década seguinte, a taxa de cresci-
zação das atividades económicas da popu-
lação residente em todos os municípios
da RMS. A população residente em Cama-
çari empregada no setor primário1 cai de
OS DESERDADOS DO mento médio anual da população urbana
foi de 5,28%, superando o crescimento
59,7%, em 1960, para 10,5%, em 1980,
e em Candeias diminui de 42% para 7,6%.

CRESCIMENTO POPULAÇÃO TOTAL, URBANA E RURAL E TAXA DE URBANIZAÇÃO


RMS - 1940-80
Ano População População População Taxa de
Gabriel Kraychete
Total Urbana Rural Urbanização
1940 330.812 303.336 27.476 91,7
1950 458.681 402.984 55.597 87,9
O objetivo desse texto é apresentar alguns mico, apontavam as deficiências do setor 1960 734.076 674.350 59.726 91,9
dados de natureza económica e social industrial baiano como uma das principais 1970 1.147.821 1.077.208 70.613 93,8
sobre a Região Metropolitana de Salvador características negativas da sua economia. 1980 1.766.582 1.696.318 70.264 96,0
— RMS, que refletem tanto as transforma- FONTE: IBGE -CPE
ções ocorridas na região como as condi- Entre 1950 e 1980, há um aprofunda-
ções de vida de seus moradores. mento da divisão social do trabalho no I
1 O setor primário engloba a agricultura, pe-
espaço regional baiano, em particular na cuária e atividades extrativas. O setor secundá-
Análises realizadas no passado, diante das área que hoje corresponde à RMS. Modifi- rio corresponde às atividades industriais. O
contradições entre as riquezas naturais da ca-se a estrutura do emprego. A região se setor terciário reúne o comércio, transporte,
terra e a persistência de seu atraso econô- industrializa, favorecida pelos incentivos administração pública, turismo, atividades
financeiras, prestação de serviços, etc.
22 Cadernos do CEAS n. 106 Cadernos do CEAS n. 106 23
No mesmo período, a População Econo- para apenas 2%. Em termos absolutos,
micamente Ativa — PEA no setor secun- isso significou um decréscimo da PEA, no aos períodos de crise económica, com contingente de subempregados.
dário aumenta em todos os municípios. setor, de 25.426 pessoas para 11.315, profundas implicações para a questão do
Em Camaçari, esse percentual aumenta de refletindo a destruição das áreas agrícolas desemprego. De outro lado, deve-se A queda da atividade económica a partir
6,8% para 52,0%; em Candeias, de 26,2% na RMS e a ocupação especulativa dos observar que o desenvolvimento das ati- de 1981 vai se refietir sobretudo na
para 50,8%; e em Salvador, de 16,4% para vazios existentes. vidades modernas não diminuiu a impor- indústria de transformação e na constru-
28,3%. Quanto à PEA empregada no setor tância do setor terciário, que juntamente ção civil. Assim, em 1984, a PEA no setor
terciário, à exceção de Salvador, também A absorção de mão-de-obra pelo setor com a expansão das atividades organiza- secundário diminui para 24%. Nesse
existe um incremento em todos os muni- terciário mantém um nítido predomínio, das em bases capitalistas, como o comér- mesmo ano, a PEA ligada ao setor ter-
cípios, embora em proporção bem menor mesmo tendo a sua participação reduzida cio, turismo e serviços financeiros, pode ciário aumenta para 74,1% 2 .
que no setor secundário. de 72,8% da PEA, em 1960, para 67,8%, esconder a manutenção de um grande
em 1980. Deve-se ressaltar, entretanto,
Considerando os dados para o conjunto que, no âmbito do terciário, a mão-de- PESSOAS OCUPADAS POR SETOR DE ATIVIDADE
da RMS, a PEA era em 1960 constituída obra ocupada na prestação de serviços RMS - 1978-1981-1984
por 234.054 pessoas, sendo que 16,4% tem um incremento superior a 75% entre
destas situavam-se no setor secundário. 1970 e 1980 na RMS. Em outras palavras,
houve uma acentuada expansão da mão- 1978 1981 1984
Em 1980, para uma PEA de 600.742 de-obra numa atividade onde predomi- Setor de
pessoas, esse percentual aumenta para nam as ocupações de caráter instável, de Atividade Abs. Abs. Abs.
30,2%. No mesmo período, a PEA ligada baixa renda e sem acesso aos benefícios % % %
às atividades primárias declina de 10,8% sociais ou trabalhistas. TOTAL 537.895 100,0 645.628 100,0 763.025 100,0
9.346 1,7 9.470 1,4 14.568 1,9
PARTICIPAÇÃO PERCENTUAL DA POPULAÇÃO ECONOMICAMENTE Indústria de transformação . . . . 79.440 14,7 90.083 14,0 89.235 11,7
ATIVA POR SETOR DE ATIVIDADE Indústria da construção 72.440 13,5 66.737 10,3 73.496 9,6
MUNICÍPIOS DA RMS % Outras atividades industriais . . . 18.736 3,5 21.087 3,3 18.923 2,4
78.181 14,0 92.018 14,3 li^8Q5_- 14,4
Seto r Municípios 143.228' 26,6 158.599 24,5 194.519 25,5
Serviços auxiliares da atividade 4,1
de — —
26.940 4,1 30.639
Ativi Cama- Can- Ita- Lauro Sal- S. Feo. Simões Vera Transporte e comunicações . . . 30.523 5,6 34.382 5,3 41.596 5,5
: Ano cari deias pari de va- do Filho Cruz RMS 55.626 10,4 67.571 10,5 82.574 10,2
ca Freitas dor Conde Filho Administração pública 33.443 6,2 53.160 2,3 63.792 8,4
1960 59,7 42,0 52,8 5,8 56,6 - 10,8 Outras atividades 16.932 3,1 25.581 4,0 43.878 5,7
Primá- 1970 30,3 14,3 29,1 28,4 1,5 37,2 12,8 41,3 4,1 Fonte: FIBGE - PNAD 1978-1981-1984
rio 1980 10,5 7,7 16,9 2,0 0,8 27,9 8,3 31,4 2,6 1 Inclui serviços auxiliares da atividade económica.
1984 - - 1,9
1960 6,8 26,2 9,7 16,4 23,2 - 16,4
Secun- 1970 39,2 44,7 32,3 24,8 24,6 36,0 57,1 18,4 26,1
dário 1980 52,0 50,8 24,5 40,0 28,3 39,3 55,8 27,9 30,2
O D E S A M P A R O DOS T R A B A L H A D O R E S
1984 - - 24,0
1960 33,5 31,8 37,5 77,8 20,8 - 72.81 Um fato revelador da deterioração das em todos os setores de atividade. Na cons-
Ter- 1970 30,5 41,6 38,5 46,8 73,9 26,8 30,1 40,3 69,8 condições de trabalho é o aumento do trução civil, por exemplo, o número de
ciário 1980 37,5 41,5 58,6 58,0 70,9 32,8 35.9 40,7 67,8 número de pessoas excluídas dos benefí- trabalhadores que não possui carteira de
1984 - 74 i cios sociais e trabalhistas. Deve-se desta- trabalho assinada aumenta de 14%, em
car que esse fato, ao contrário do que se 1978, para 32,2%, em 1984; na indústria
Fonte: FIBGE. Censo Demográfico 1960-1970-1980. possa imaginar, não é característico de transformação, esse índice aumenta
PNAD - 1984
apenas de um período de crise, mas tem
se manifestado como algo mais permanen- 2 Para o ano de 1980. os dados são do Censo
Esses dados refletem o impacto de uma tarização crescente das condições de te. Assim, 23,7% do total das pessoas Demográfico. Para o ano de 1984. os dados
referem-se â Pesquisa Nacional por Amostra
rápida transformação nas formas de reprodução da força de trabalho. Esse ocupadas na RMS não possuíam carteira de Domicílios-PNAD. A queda da PEA no
acumulação e as mudanças nas relações fato torna a população empregada mais de trabalho assinada em 1978, sendo que setor industrial e o seu incremento no terciário
de trabalho daí resultantes, com a mone- vulnerável às oscilações do salário real e esse número aumenta para 26,8%, em pode ser percebida ao se comparar os dados de
1981 e 32,7%, em 1984. Esse fato ocorre 1978 e 1984, ambos na PNAD.
2-1 Cadernos do CEAS n. 106 Cadernos do CEAS n. 106 25
de 5,7% para 10,3%. Depois do setor agrí- setor. É interessante observar que, em PESSOAS OCUPADAS POR SETOR DE ATIVIDADE
cola, o setor de prestação de serviços é o 1984, mais da metade das pessoas empre- QUE NÃO CONTRIBUEM PARA O INSTITUTO DA PREVIDÊNCIA
que possui, em 1984, o maior contingente gadas no setor público não possuía car- RMS
de trabalhadores sem carteira de trabalho, teira de trabalho assinada.
ou seja, 63,5% das pessoas ocupadas no
Não Contribuintes
Setor de 1978 1981 1984
EMPREGADOS NO TRABALHO PRINCIPAL QUE NÃO POSSUEM CARTEIRA Atividade
DE TRABALHO ASSINADA SEGUNDO O RAMO DE ATD/IDADE TOTAL 23,5 28,0 33,2
RMS - 1978-1981-1984 69,9 78,7 74,1
Indústria de transformação 6,5 8,5 11,7
Indústria da Construção 16,5 25,6 33,6
Setor de Não Possuem Carteira de Trabalho Outras atividades industriais 0,5 1,6 3,0
Atividade Assinada (%) Comércio de mercadorias 26,8 33,4 36,1
Prestação de serviços 50,3' 60,3 65,0
1978 1981 1984 Serviço auxiliar da atividade
económica —
18,2 13,0
TOTAL 23,7 26,8 32,7 Transporte e Comunicação 6,3 6,1 13,1
Agrícola 58,6 73,5 83,8 Social 6,6 11,0 13,8
Indústria de transformação 5,7 7,7 10,3 Administração Pública 6,7 9,0 9,2
Indústria de construção 14,0 17,7 '32,2 Outras atividades 11,1 11,7 32,5
Outras atividades industriais 2,5 3,7 3,5
Comércio de mercadorias 16,1 20,0 19,6 Fonte: PNAD
Prestação de serviços 49,7* 60,3 63,5 1 Inclui Serviços A uxiliares da A tividade Económica
Serviços auxiliares da atividade Esses dados também revelam o grande do seguro-desemprego na forma em que
económica —
13,6 18,7 contingente de trabalhadores excluídos foi recentemente implantado.
Transporte e comunicação 14,8 7,0 9,7
20,2 24,2 27,8
Administração pública 44,2 41,8 51,0
Outras atividades 4,2 6,6 13,0
O IMPACTO I N D U S T R I A L :
Fonte: PNAD I N T E G R A Ç Ã O E EXCLUSÃO
(*)Inclui serviços auxiliares da atividade económica.
Cresce, também, o número de trabalhado- contribuíam para a Previdência Social au- A implantação de um setor industrial tam para 24% e 38,2% respectivamente.
res desprovidos de qualquer benefício da menta de 16,5%em 1978 para33,6%em dinâmico vai repercutir na divisão econô- No mesmo período, o emprego na indús-
previdência social, principalmente entre 1984. No comércio de mercadorias, esse mico-social do espaço da RMS. A indús- tria de transformação em Salvador decli-
as pessoas mais pobres. Em 1981, entre índice aumenta de 26,8% para 36,1%. tria, na Bahia, concentra-se basicamente na de 67,8% para 44%, e o VTI, de 46,5%
as pessoas que recebiam mais de 1 até 2 Nesse mesmo ano, 65% das pessoas na RMS, responsável em 1980 por 80% para 16,5% em relação ao conjunto da
SM, 20% não contribuíam para o Institu- ocupadas no setor de prestação de ser- do total do valor de transformação indus- RMS.
to da Previdência Social. Em 1984, esse viços não contribuíam para a Previdência trial-VTP no Estado. Na década de 70,
percentual aumenta para 31,6%. Na cons- Social. entretanto, ocorrem importantes modifi- No município de Salvador, vão se concen-
trução civil, o número de pessoas que não cações espaciais no âmbito da RMS resul- trar as pequenas ê médias: empresas. Dos
tantes da implantação do Pólo Petroquí- 882 estabelecimentos industriais registra-
mico de Camaçari. Em 1970, por exem- dos pêlo censo industrial de 1980, 37,7%
plo, a indústria de transformação em eram de produtos alimentares, absorven-
Camaçari absorvia 5,3% do total do do 23,1% do pessoal ocupado pela indús-
pessoal ocupado na indústria na RMS, tria no município e responsável por
sendo responsável por apenas 5,5% do 30,5% no VTI.
VTI. Em 1980, esses percentuais aumen-
Nos anos 70, o crescimento do emprego
Valor da Transformação Industrial - valor da
na indústria de transformação, no âmbito
produção subtraído d o valor das matérias do RMS, é bastante expressivo e vai ter o
primas utilizadas. seu ritmo de crescimento influenciado de
26 Cadernos do CEAS n. 106 Cadernos do CEAS n. 106 27
forma significativa pela implantação da no deslocamento de funções da mão-de- dutividade do trabalho apresentam-se peração económica, não significa cria-
Petroquímica. Esse crescimento, entretan- obra empregada, ocupando o lugar de como uma característica mais permanen- ção de empregos com a mesma nature-
to, deve ser relativizado quando contras- trabalhadores demitidos e operando um te que a crise apenas potencia. Nestes za e proporção anterior.
tado com o peso assumido pelo setor na maior número de equipamentos, resul- termos, o crescente aumento da produ-
estrutura produtiva. Em 1980, o VTI_da tando num aumento de intensidade e na tividade revela-se como um obstáculo à
indústria química e petroquímica locali- elevação da produtividade do trabalho. criação de novos postos de trabalho. Agregue-se a esses dados a alta participa-
zada^ em Camaçari é superior ãõ VTI de Isto significa que a recuperação da ativi- ção do trabalhador por conta própria em
todos" òs~B8T estabelecimentos - indus- dade económica não recriará o número Recolocando alguns dados, temos que: relação ao total da população ocupada em
triais existentes em Salvador. Deve-se de empregos na mesma proporção exis- todos os setores, mas principalmente no
assinãTãFque entre 1975 e 1980, período tente anteriormente. Em outras palavras, — entre 1960 e 1980, há uma crescente setor de prestação de serviços. Em 1984,
que incorpora a implantação do comple- a retomada do nível de emprego não urbanização das atividades económicas a conta própria representava um contin-
xo petroquímico, o VTI cresceu YJ2% na acompanhará o crescimento da produção. da população residente na RMS; gente de 158.870 trabalhadores, corres-
RMS. No mesmo período, õ emprego na pondendo a 21,2% da população ocupa-
indústria de transformação cresceu 46%. Entretanto, é importante reter que, se — o crescimento do produto do setor in- da, sendo que 43% do total desse segmen-
nos momentos de crise tende a aumentar dustrial é devido principalmente ao to de trabalhadores recebiam no máximo
Ainda no que se refere ao emprego no a produtividade em relação aos períodos crescimento da produtividade e não à 1 salário mínimo. Considerc-se ainda que,
setor industrial, deve-se observar que a considerados "normais", mesmo antes do criação de novos postos de trabalho; em 1984, 1/3 do PEA na RMS, ou
crise económica não significa apenas uma recente período de crise já vinha se veri- 275.705 pessoas, recebem até 1 salário
queda das atividades produtivas, mas, ao ficando um acentuado aumento de pro- — o desenvolvimento dos setores dinâmi- mínimo ou menos, ou seja, está total-
mesmo tempo, um maior impulso nas dutividade sem que esse aumento fosse cos da economia não se contrapõe ao mente excluída de qualquer benefício do
transformações do processo de produção. repassado aos trabalhadores. Entre 1975 e desenvolvimento do terciário, que em crescimento económico.
As empresas introduzem modificações na 1980, a relação entre o valor do produto 1984 absorvia 74,1% da PEA. Esse
organização do trabalho, reorientam a e o pessoal ocupado na indústria de trans- setor, ao lado de incorporar novas e Em termos de perspectiva, trata-se de
utilização de máquinas e equipamentos, formação cresceu 96% na RMS. Entretan- modernas funções, esconde o cresci- saber se esse grande contingente de ex-
modificam o processo tecnológico e acen- to, a participação dos salários do pessoal mento do subemprego; cluídos representa um passado que será
tuam as técnicas de racionalização e con- ligado à produção no VTI diminuiu de superado pelo desenvolvimento do pro-
trole da mão-de-obra. Isto também se 12,2%, em 1970, para 10,4%, em 1975, — se a retração da atividade económica cesso de acumulação ou se é a presença
revela nas mudanças das condições de e 9,8% em 1980. no período de crise significou a de um futuro a ser recriado em escala
trabalho, no remanejamento de pessoal, queima de postos de trabalho e recu- ampliada.

PARTICIPAÇÃO DOS SALÁRIOS DO PESSOAL LIGADO À PRODUÇÃO NO


VALOR DA TRANSFORMAÇÃO INDUSTRIAL (%) A DISTRIBUIÇÃO DA R E N D A NA RMS:
RMS E MUNICÍPIOS INDUSTRIAIS - 1970-1975-1980 O A U M E N T O DAS D I S P A R I D A D E S

Ano Camaçari Candeias S. Francisco


Conde
do Simões Filho Salvador RMS Para o ano de 1980, a repartição da ren-
da, entre as pessoas de 10 anos ou mais, r l s\
1970 24,2 17,7 3,6 19,8 15,5 12,2 em todos os municípios de RMS, caracte-
1975 10,0 12,8 5,1 14,4 12,0 10,4 riza-se pelo peso acentuado dos estratos
1980 10,0 11,8 3,2 8,3 9,8 inferiores de renda — até 2 salários míni- / "V \ KMUIAOC

Fonte: FIBGE. Censo Industrial


15,9 mos (SM). Em Camaçari, mais de 64% da
população com rendimentos ganhavam j/cáírõo""1 /" ;l v( \t /
)
até 2 SM e aproximadamente 1/3 rece- 1 \
biam no máximo até 1 SM. No outro
É interessante observar que mesmo nos
demais municípios industriais fora da área
do Complexo Petroquímico de Camaçari
O que importa reter desses dados é que a
natureza excludente do regime de acumu- extremo, apenas 0,7% da população com
rendimentos recebiam mais de 20 SM.
fv-> /
- COPEC, os indicadores apontam para a lação que integra o espaço regional baiano Estes índices praticamente se repetem l L4UMOOt tMITAS O

mesma direção. Em Simões Filho, a rela- ao setor dinâmico do capitalismo não é para os demais municípios industriais.
ção valor da produção/pessoal ocupado algo ocasional ou típico de um período / t

aumenta em 21% entre 1975 e 1980.


Nesse período, a participação dos salários
do pessoal ligado à produção em relação
recessivo, mas que refle te seus traços
mais estruturais. Esses dados indicam
também que as transformações no pro-
Em Salvador, do total d? 612.739 pessoas
com rendimentos, 56,4% recebiam, em >°
ao VTI diminui de 14,4% para 8,25%. cesso de trabalho que conduzem a uma 1980, no máximo até 2 SM, e apenas
maior racionalização e aumento da pro- 2,4% ganhavam mais de 20 SM. REGIÃO METROPOLITANA, SALVADOR.
2K Cadernos do CEAS n. 106 Cadernos do CEAS n. 106 2')
PESSOAS COM MAIS DE 10 ANOS QUE AUFERIRAM RENDIMENTOS A despeito do aumento do número de transformação na estrutura de repartição
pessoas que recebem até 1/2 salário - da renda, com uma diminuição do núme-
RMS - 1980 que passa de 11,8%, em 1978, para 13,3%, ro de pessoas situadas nos extratos in-
em 1984 - deve-se observar que os dados, feriores de renda, principalmente entre
FAIXA DE RENDA MENSAL em seu conjunto, apontam para uma 1978e 1981.
MAIS DE MAIS DE MAIS DE MAIS DE MAIS DE MAIS DE MM DE-
111 5 • 10 10 • 20
li
MUNK IHOS DA TOTAL ATÉ 1/2 2a5 20 CLARAÇÃO
RMS ABS. * * * * PESSOAS DE 10 ANOS OU MAIS QUE AUFERIRAM RENDIMENTOS
% %
1/2 %

Cama(an 27.421 100.0 M MJ» 31.4 23.8 6.8 2.4 V ? li SEGUNDO A FAIXA DE RENDA MENSAL
Cinde u i
lupuiu
I7J34
J.MJ
100.0
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ISJ
19,1
2J.Í 29.J
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24.(1
15.6
6.4
4.0
1.5
1,3
0 3
1.0
i .u
P1 0b
RMS - 1978-1981-1984
Latwo de KICIIU 11.184 100.0 12.5 3.'.' 2 1 ,V 3.8 1.4
Salvadoi 612 739 1011.(1 11.2 tss
20.5 MJ 25.8 9JL J.o
M
2.4
0.9
1 II
S F n n c a c o do Conde 4 989 111(1.(1 20.0 J0.D 25.2 16.0 4.4 1.5 <l.4 i .v
Simõci 1 il>ti> 12.773
4.170
Klll.ll 7.5
17.5
21.7 36.3
.'6.6
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16.9
4.6 ()(2 1c
2.3
Faixa de Renda 1978 1981 1984
u
IIKI.O
VtiaGul n.i, 1.S 0,1 1.2
694.55 J H.J 25,3 M 4.5 2.2
njt i u
RMS MXI.U

honieUBGE Censo Dtmopáflco


25
' ~~ (SM) Abs. % Abs. % Abs. %
Para o conjunto da região, em 1984, das SM correspondiam a apenas 2,8% do total TOTAL 623.256 100,0 747.818 100,0 874.207 100,0
874.207 pessoas com 10 anos ou mais das pessoas com rendimentos. Observa-se Até 1/2 73.934 11,8 95.802 12,8 115.880 13,3
que auferiam rendimentos, 31,6% ganha- que, em relação à mão-de-obra feminina, Mais de 1/2 a 1 142.295 22,8 129.191 17,3 159.825 18,3
ram no máximo até 1 SM e mais da meta- 48,6% recebiam até 1 SM; 69,5%, até 2 Mais de 1 a 2 171.069 27,4 186.593 25,0 190.342 21,8
de (53,4%) recebiam até 2 SM. No outro SM; e apenas 0,7% recebiam mais de 20 Mais de 2 a 5 138.898 22,3 203.522 27,3 236.071 27,0
extremo, as pessoas com mais de 20 SM. Mais de 5 a 10 58.346 9,2 75.478 10,0 92.123 10,5
38.933 6,2 55.565 7,4 78.036 8,9
Sem declaração 1.781 0,3 1.667 0,2 1.990 0,2
PESSOAS DE 10 ANOS OU MAIS SEGUNDO A FAIXA Fonte: FIBGE - PNAD 1978-1981-1984
DE RENDA MENSAL
RMS - 1984
Deve-se assinalar, entretanto, que a dimi- do que o rendimento das pessoas que
Faixa de Renda Total Homens Mulheres nuição relativa do número de pessoas si- recebiam entre mais de 1 até 2 SM. Em
Mensal (SM) tuadas nos estratos inferiores de renda 1981, esse número passa a ser 30,7 vezes
não significa necessariamente uma redis- maior. Em outras palavras, acentuou-se,
TOTAL 1.527.789 718.456 809.333 tribuição, entendida como um aumento no período o desequilíbrio na repartição
da participação relativa, no total da ren- da renda, com as pessoas mais pobres
•o, o Até 1/2 . . . . 1 15.880 29.165 86.715 da, das camadas mais pobres. A natureza apropriando uma parcela menor de renda.
Mais de 1/2 a 1 159.825 68.523 91.302 das transformações na repartição da renda
il,»'
Mais de 1 a 2 190.342 113.429 76.913 pode ser melhor entendida quando com- Considerando a repartição da renda da
i Mais de 2 a 5 236.071 168.009 68.062 paramos o valor do rendimento médio população ocupada segundo o ramo de
V Mais de 5 a 10. . 92.123 65.175 26.948 das pessoas que recebem mais de 10 SM atividade, percebe-se também o peso das
Mais de 10 a 20 53.288 40.140 13.088 com o valor do rendimento médio das faixas inferiores de renda. No ramo de
Mais de 20 . . 24.748 22.240 2.508 pessoas situadas nos estratos inferiores prestação de serviços, que absorve um
Sem rendimento . 653.582 210.657 442.925 de renda. Assim, por exemplo, em maior número em relação ao total das
Sem declaração. 1.990 1.118 872 1978, o rendimento médio das pessoas pessoas ocupadas, 85% recebiam até 2
Fonte: FIBGE. PNAD 1984 com mais de 10 SM era 13,2 vezes maior SM no ano de 1984.
Deve-se assinalar que esses dados se refe- não pode ser devidamente equacionada,
rem à repartição pessoal da renda resul- se não forem levadas em conta a repar-
tante de inquéritos domiciliares, que não tição funcional da renda e a divisão da
refletem, portanto, a apropriação pela propriedade*.
população de todo o valor novo criado.
Os lucros retidos pelas empresas, por
exemplo, não são computados na chama- MIC LIO LI, Jorge e SILVA, Sergio: "Redis-
da remia pessoal disponível. Em outrastiibiiição: um problema de salários e lucros",
palavras, a distribuição pessoal da renda Ensaios
in Desenvolvimento capitalista do Brasil. n° 2
sobre a crise. São Paulo, Ed. Brasiliense'.
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Cadernos do CEAS n. 106
PESSOAS OCUPADAS POR FALXA DE RENDA MENSAIS DE TODOS OS vidades mercantis, ou então a um aumen- A reprodução desse grande contingente
TRABALHOS SEGUNDO O RAMO DE ATIVIDADE to do tempo de trabalho na expectativa de deserdados revela que o processo de
RMS - 1984 de aumentar seus rendimentos monetá- acumulação vem sendo determinado por
rios. E sintomático que, no setor de pres- outros caminhos que não o da ampliação
Pessoas Ocupadas (%) tação de serviços, o número de pessoas do mercado interno, via redistribuição da
Ramos Faixa de Renda (SM) que trabalham mais de 48 horas por se- renda. Nestes termos, a redistribuição da
mana tenha aumentado de 29,3%, em renda dispensa justificativas económicas e
Ativi- Até +de + de + de + de Mais Sem de- Total 1981, para 38,2%, em 1984. deve ser vista como um fim em si mesmo 5
dade W Vi a 1 1 a 2 2 a 5 5al0 de 10 claração
TOTAL 763.025 13,1 19,6 20,6 27,1 10,1 9,3 0,2 100,0 A S CONDIÇÕES D E MORADIA
Agrícola . . 14.568 21,3 19,8 35,3 10,7 4,6 6,8 1,5 100,0
Ind. de trans-
formação . . 89.235 2,3 13,6 16,5 28,8 19,3 19,5 —
100,0 Na medida em que os gastos com alimen-
Ind. de Cons- tos representam mais de 78% do orçamen-
ção 73.496 2,1 16,3 31,5 39,3 4,7 6,0 0,1 100,0 to das famílias situadas na faixa de renda
Outras ativ. de até 2 SM 6 , e como tanto a necessidade
industriais . 18.923 0,5 10,1 8,8 25,4 24,6 30,6 100,0 de alimentação como de moradia não
Com. de mer- podem ser substituídas, é evidente que
cadorias. . . 109.805 12,6 20,2 23,3 28,9 8,7 5,8 0,5 100,0 isso vai condicionar as formas de acesso
Prest. de à habitação da maior parte da população
Serviços. . . 194.519 37,0 31,4 16,7 11,5 2,6 0,8 —
100,0 da RMS. Em outras palavras, a natureza
Serv. auxs. da urbanização e as condições de moradia
da atividade refletem o nível de renda da população,
económica . 30.639 1,8 19,1 18,4 26,8 13,4 20,3 100,0 determinada pela forma de produção e
Transp.e distribuição da riqueza. Dentro desse
Com 41.596 1,0 7,6 18,3 53,6 13,9 5,6 100,0 quadro, o constante surgimento e ex-
Social . . . . 82.574 4,7 19,7 24,3 28,0 12,3 10,6 0,4 100,0 pansão das invasões resulta como um
Adm. subproduto "normal".
pública . . . 63.792 0,8 8,1 20,8 37,8 17,1 15,3 0,1 100,0
Outras Do ponto de vista económico, a indústria
atividades. . 43.878 6,1 15,2 17,7 32,3 12,9 15,4 0,4 100,0 da construção civil tem desempenhado
Fonte: FIBGE. PNAD 1984 um importante papel, absorvendo mão-
1 Inclui pessoas sem rendimento. de-obra e contribuindo para a sustenta-
ção do nível da atividade económica.
Entretanto, do ponto de vista da maioria
Essa reprodução das disparidades na apro- balho, recolocando os termos de atendi- da população, o "setor" habitacional tem
priação da renda ocorre num contexto mento das suas necessidades básicas. Ao um outro significado. Dada a instabilida-
bastante diferente do que existia no mesmo tempo em que a maior parte dos de das condições de trabalho, o local de
início dos anos 60. Hoje, o problema da bens e serviços necessários à reprodução moradia passa a adquirir uma importância
RMS não é mais o da estagnação econó- da força de trabalho transforma-se em bastante acentuada, configurando um
mica ou ausência de industrialização. mercadoria, exigindo um maior volume espaço a partir do qual seus habitantes
Essa distribuição da renda extremamente de recursos monetários, verifica-se a organizam a própria sobrevivência (tra-
perversa do ponto de vista da maioria da reprodução de um nível de renda extre- balho, troca de bens e serviços, relações INVASÃO DO MAROTINHO, SALVADOR
população é realimentada por uma dinâ- mamente insuficiente para atender as ne- sócio-culturais, etc), embora, muitas
mica de crescimento excludente, que cessidades mínimas da maioria dessa vezes, o terreno tenha sido simplesmente de trabalho. Em cada rua surgem "bode-
renova os mecanismos de empobrecimen- força de trabalho. ocupado e o barraco levantado precaria- gas", oficinas, vendas de refeições e me-
to mas onde, ao mesmo tempo, não há mente. O próprio espaço de moradia rendas, etc.
lugar para os pobres. Desprovida das formas tradicionais de configura-se também como um espaço
auto-subsistência, a situação de penúria Apesar de toda a sua miséria, o barraco
A inserção da região no espaço da acumu- da maior parte das famílias conduz a representa, para os moradores, um fator
lação ampliada do capital repercute nas um engajamento crescente e precoce de 5 Kssa questão e' discutida por M1GLIOLI c
SILVA.op. cit.
fundamental de estabilidade material e
condições de reprodução da força de tra- seus membros, inclusive crianças, nas ati- 6 Cf. Pesquisa de orçamento familiar, Ceplab/ psicológica. De certa forma, ele cria a
Seplantec. 1974. condição básica de poder sobreviver sem
32 Cadernos do CEAS n. 106 33
Cadernos do CEAS n. 106
dimentos, o controle monopolista da ter- Por trás dos números está a vida dos habi-
uma renda regular. Vem daí também sua que, se houve um aumento de número ra e a reduzida participação do poder pú- tantes da cidade. Entretanto, os proble-
grande importância a nível psicológico: de domicílios que têm abastecimento blico nas condições de reprodução da for- mas não afetam a todos da mesma forma, ,
a "casa própria" não só reduz o sentimen- d'água - 87% em 1984 - , o número de ça de trabalho condicionam as formas de mas têm um significado diferente para as
to de insegurança individual, mas é um domicílios ligados à rede de esgoto é de acesso à moradia da maior parte da popu- diferentes classes sociais.
dos poucos pontos fixos de identidade apenas 13,6%. Dessa forma, a água "flu- lação, fazendo com que a distribuição
individual7. tua" sobre os esgotos que correm por espacial da habitação acompanhe a condi- Do lado do movimento popular, é visível
entre as casas. 1 ção social da população. o crescimento da parcela da população or-
É dentro desse quadro que se pode en- ganizada nas associações e grupos de mo-
tender o fato de que, em 1984, 68% das Se no processo de autoconstrução sobres- Entretanto, a localização da moradia tam- radores, movimentos de igreja, sindicatos
pessoas com rendimentos até 2 SM pos- saem práticas de auxílio mútuo e podem bém tende a seguir a trilha da divisão téc- ou partidos políticos. Entretanto, a gran-
suíam "casa própria". As evidências reproduzir experiências de solidariedade, nico-econômica do espaço. A localização de maioria desenvolve a sua resistência
indicam que a construção de um grande a contrapartida é um desgaste crescente afastada das áreas industriais, a conforma- cotidiana em outros espaços, de forma
número dessas casas é realizada pelos e um esgotamento precoce da saúde do ção de áreas especializadas ou bairros resi- individual ou através de prática de auxílio
próprios moradores, com a ajuda de trabalhador, que a habitação — permanen- denciais das faixas superiores de renda, mútuo - que a própria luta pela sobrevi-
amigos e parentes. Ou seja, o elevado temente inacabada — é incapaz de repor. por exemplo, funcionam como fatores de vência cotidiana impõe - contrastando
percentual de ,"casa própria" entre a atração para as atividades de baixa renda, com a impiedosa exclusão a que está sub-
população de baixa renda expressa a A partir da década de 70, verifica-se a dina- como a prestação de serviços, influindo metida.
forma pelo qual ela satisfaz a própria mização de outra forma de acesso à mora- também na busca de alternativas de mo-
necessidade de moradia a um nível con- dia: o loteamento popular, incorporado radia para as populações de baixa renda, Se o problema de Salvador e de sua região '•"
dizente com a sua capacidade aquisitiva. pelo capital privado e sem os recursos de estabelecendo-se uma tensa relação entre metropolitana não é mais o da estagnação
A auto-construção aparece como uma SFH. O acesso à casa própria, pela aqui- espaço de moradia e de trabalho. Essa económica, nem por isso melhoraram as
alternativa na medida em que arcar com sição de um pequeno lote em loteamentos situação corresponde à expansão de anti- condições de existência da maioria de
os custos da moradia alugada pode resul- (clandestinos ou não) situado em áreas gas invasões, localizadas nas chamadas seus habitantes. Estes permanecem sub-
tar na não satisfação de outras necessida- de expansão do tecido urbano ainda não áreas nobres da cidade, com seus morado- metidos a novos mecanismos de empobre-
des básicas. muito valorizado à época da implantação res enfrentando a cotidiana ameaça de re- cimento e exclusão, que atuam e se entre-
do empreendimento e pela posterior cons- moção por parte do poder público muni- laçam tanto nos espaços de trabalho
O processo de autoconstrução não se trução do imóvel pelo próprio trabalha- cipal e das empresas imobiliárias. como de moradia.
restringe à habitação, mas se estende à dor e sua família tende a se transformar, a
produção do próprio espaço da chamada partir da década de 70, numa alternativa De outro lado, se a casa própria tende a É evidente que do ponto de vista da maio-
periferia urbana. Os moradores dos habitacional de relativa importância para fixar o trabalhador num bairro, a dinâmi- ria da população as mudanças requeridas
bairros populares, além de construírem a a força de trabalho urbana em Salvador.' ca do processo de acumulação tem resul- não passam pelo aprofundamento da tra-
própria casa, abrem fossas, caminhos de tado numa crescente rotatividade de jetória económica e social até aqui segui-
acesso, limpam córregos, etc. Isto signifi- Os loteamentos implantados entre 1970 e mão-de-obra. Dados da RAIS' 1 para o da, e nem há mais lugar para seus efeitos
ca que uma parcela de área de ocupação 1980 nos municípios de Salvador e Lauro conjunto da Região Metropolitana de Sal- ilusionistas.
urbana é produzida artesanalmente duran- de Freitas representam uma oferta de vador revelam que, para um total de
te domingos e feriados, por trabalhadores 17.000 lotes. Computando-se os lotea- 366.249 pessoas que estavam empregadas Mudar também não significa a repetição
não remunerados que utilizam as horas de mentos clandestinos, esse número pode em dezembro de 1979, ocorreram, ao lon- de programas de aparência social, mas que
"descanso" para produzir a cidade* A\ ser bem maior. O período de crescimento go desse ano, 230.287 admissões e 187.144 só se justificam pela perpetuação da misé-
precariedade do material usado, a existên- dos loteamentos populares coincide com demissões. Além da instabilidade e insegu- ria e através dos quais o Estado também
cia de um grande número de pessoas que a expansão capitalista na região, apare- rança para o trabalhador esse fato certa- busca legitimar-se e obter dividendos po-
se espremem em pequenos cómodos e a cendo como uma solução encontrada pelo mente repercute na relação entre o local líticos. Nestes termos, qual é mesmo o
ausência de saneamento condicionam a capital para a inclusão da classe trabalha- de residência e de trabalho, constituindo- sentido das propostas de mudança presen-
qualidade da habitação no que se refere à dora no circuito imobiliário, haja visto o se para o trabalhador num fator de difi- tes em certos discursos políticos nesse
salubridade, iluminação, espaço, etc, con- insignificante papel do sistema financeiro culdade adicional. tempo de eleições?
figurando um ambiente favorável à proli- da habitação como opção de acesso à mo-
feração das doenças8. Deve-se observar radia pela população de baixa renda. 10
1 Cf. EVERS, Tilman: Movimentos de bairro Além da existência de um grande contin-
eEstado na América Latina, Cadernos do CEAS gente populacional auferindo baixos ren-
n.° 75, p. 8-24.
Cf MATTEDI, M. Raquel Mattoso: As inva- BORGES, Angela M. : Expansão Capitalista e
sões em Salvador: uma alternativa habitacional, Habitação Popular em Salvador. UFBa., tese de
tese de Mestrado, UFBa., e MAR1CATO, Er- mestrado, 1982, p.194. 1 1 RAIS: Relação Anual de Informações Sociais,
mínia: Autoconstrução: a arquitetura possível publicada pelo Ministério do Trabalho.
São Paulo, Alfa-Ômega, 1979. 10ldem, p. 196-197.
Cadernos do CEAS n. 106 35
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