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20 de Dezembro de 2021

Parcelamento irregular do solo urbano: quais os responsáveis


pela regularização?

RESUMO. A Constituição Federal de 1988 traz como princípio


fundamental a dignidade da pessoa humana. A vida com dignidade é o
objetivo principal a ser alcançado pelos brasileiros e seus governantes e
está diretamente ligada à qualidade de vida. Não há vida digna se não há
qualidade de vida. Em que pese o conceito de qualidade de vida ser relativo
à vários fatores, sabemos que um mínimo deve ser estabelecido para que se
possa falar em qualidade de vida. Uma interpretação sistemática nos leva e
crer que há um “mínimo existencial” estampado no corpo constitucional
estabelecendo direitos essenciais para a digna qualidade de vida. Trata-se
do artigo 6º da Carta Constitucional. Dentre estes direitos está o à moradia.
Mas não é o direito a uma moradia qualquer, deve ser uma moradia digna.
É justamente esta moradia digna que não está ao alcance de todos. O
parcelamento do solo urbano, pressuposto para moradia urbana, por vezes
é feito de modo irregular e/ou clandestino, gerando verdadeiros “guetos”
marginalizados, sem as infraestruturas e equipamentos públicos mínimos.
Estas áreas são oferecidas a valores menores para a parcela da população
com menos recursos que, sem alternativas, aceita construir suas
residências, mesmo sabendo da ilegalidade e da precariedade do local. Este
trabalho visa apresentar alguns dos problemas relacionados ao
parcelamento irregular do solo urbano, assim como apontar os
responsáveis pela regularização destes parcelamentos.

Palavras-chaves: direito ambiental, bairro irregular, parcelamento do


solo urbano, parcelamento irregular, parcelamento clandestino,
regularização imobiliária, imóveis, compra e venda.
1. PARCELAMENTO DO SOLO CLANDESTINO E
PARCELAMENTO DO SOLO IRREGULAR

A Lei Federal nº 6.766/79 estabelece exigências mínimas quanto à


execução de qualquer parcelamento do solo para fins urbanos, dentre as
quais se destacam a aprovação pela Prefeitura (art. 12); a efetivação do
registro especial (art. 18); a elaboração de contrato padrão contendo
cláusulas e condições protetivas (arts. 25-36); estar a gleba situada fora das
áreas de risco ou de proteção ambiental (art. 3º, parágrafo único), e em
zona urbana ou de expansão urbana, sendo imperiosa a prévia audiência do
INCRA, quando houver a alteração de uso do solo rural para fins urbanos
(arts. 3º, caput, e 53); e, por fim, a execução de obras de infraestrutura
(arts 2º, § 5º, e 18, V).

As limitações de ordem pública relativas ao uso e ocupação do solo, o


arruamento, salubridade, segurança, funcionalidade e estética da cidade,
destinam-se a propiciar um meio ambiente urbano equilibrado bem como
uma melhor qualidade de vida a todos os habitantes.O conceito de
habitante agrega não só aquele que é domiciliado ou residente na cidade,
mas a qualquer indivíduo que esteja naquele território (FIORILLO e
RODRGUES, 96) de forma que tais preceitos atendem à coletividade como
um todo, pois preservam os recursos naturais destinados ao conforto da
população, disciplinam a utilização dos espaços habitáveis e consagram os
critérios de desenvolvimento do Município.

Quando o parcelamento é executado sem a observância das exigências


legais poderá ser considerado clandestino ou irregular. O parcelamento
denominado clandestino é aquele que o Poder Público competente não tem
conhecimento de sua existência, ou aquele que, embora levado ao poder
público para aprovação, esta aprovação não existe, ou seja, há o
indeferimento do pedido ou a inexistência de solicitação de aprovação. Já o
parcelamento irregular é aquele que há o conhecimento e/ou aprovação do
projeto de loteamento, todavia a execução do parcelamento está em
desconformidade com o ato de aprovação ou com a legislação vigente.

Tanto a clandestinidade como a irregularidade do parcelamento geram


sérios problemas aos seus habitantes, à população em geral e ao meio
ambiente. Num primeiro momento, e mais visíveis, estão os problemas
derivados da falta das infraestruturas obrigatórias como água tratada,
eletricidade, captação de águas fluviais, iluminação pública, tratamento de
esgoto e pavimentação. Tal situação de irregularidade gera danos e riscos
dentre os quais podemos citar as vias públicas com inclinação inadequada
(dificultando a trafegabilidade); assoreamento de cursos de água e
nascentes; ocupação de áreas não edificáveis (área verde e área
institucional), criando riscos à saúde humana, além de outros fatores que
têm demonstrado, na prática diária, a periculosidade desse tipo
irregularidade.

Além dos problemas supracitados ainda existem outros, menos visíveis,


mas tão perversos como aqueles, como a irregularidade documental. A
clandestinidade e, em certos casos, a irregularidade, impossibilita a
promoção de matrícula junto ao cartório de registro de imóveis, fato que
leva à uma aparente inexistência jurídica do “lote”. A clandestinidade ou a
irregularidade, por exemplo, impossibilita a aquisição dos imóveis através
de financiamentos bancários ou programas públicos, gera uma
impossibilidade de inventariar tais “lotes”, limita os direitos sobre o imóvel
e gera uma insegurança permanente dos proprietários.

2. MEIO AMBIENTE NATURAL E MEIO AMBIENTE ARTIFICIAL

O conceito de meio ambiente passa por aspectos determinados pela


Constituição Federal. Este conceito engloba tanto o meio ambiente natural
como o meio ambiente artificial (assim com o meio ambiente do trabalho, o
meio ambiente genético e o meio ambiente cultural). O meio ambiente
natural é o “constituído por todos elementos responsáveis pelo equilíbrio
entre os seres vivos e o meio em que vivem: solo, água, ar atmosférico, flora
e fauna”. (REBELLO FILHO E BERNARDO, 1998). Já o meio ambiente
artificial, que engloba e, por vezes, se confunde com o meio ambiente
urbano, é aquele construído pelo homem, consubstanciado no conjunto de
edificações, espaço urbano fechado e dos equipamentos públicos, espaço
urbano aberto (FIORILLO E RODRIGUES, 1995).

Este meio ambiente está diretamente relacionado ao conceito de cidade (o


vocábulo “urbano”, do latim urbs, urbis, significa cidade) que está
diretamente ligado ao conceito de território e relaciona-se com a dinâmica
das cidades e ao conteúdo dos loteamentos. Por esse motivo recebe
tratamento constitucional não apenas no art. 225, mas também no art. 182
da Constituição Federal. Os nossos tribunais atribuem este conceito
abrangente ao meio ambiente e exercem a tutela do meio ambiente artificial
sempre que provocados. O Superior Tribunal Federal já se manifestou no
sentido de que “a atividade econômica, considerada a disciplina
constitucional que a rege, está subordinada, dentre outros princípios gerais,
àquele que privilegia a "defesa do meio ambiente" (CF, art. 170, VI), que
traduz conceito amplo e abrangente das noções de meio ambiente natural,
de meio ambiente cultural, de meio ambiente artificial (espaço urbano) e de
meio ambiente laboral (BRASIL, 2014).

Desta forma um loteamento clandestino ou irregular poderá gerar danos


ambientais ao meio ambiente natural, quando atingidas componentes
naturais como a água, o solo ou a flora, mas poderá gerar também danos
ambientais ao meio ambiente artificial/urbano, quando, por exemplo,
atingidas as construções (ou falta delas), a mobilidade urbana ou quando
verificada a inexistência de equipamentos públicos tantos os considerados
urbanos (abastecimento de água, serviços de esgotos, energia elétrica,
coletas de águas pluviais, art. 5º, parágrafo único da Lei nº 6.766/79)
quanto os considerados comunitários (educação, cultura, saúde, lazer e
similares, art. 4º, § 2º, da Lei nº 6.766/79,).

3. DANOS AO MEIO AMBIENTE NATURAL - ÁREAS DE


PRESERVAÇÃO PERMANENTE - APP

Os danos ao meio ambiente natural, como dito, são aqueles que atingem os
elementos naturais do conceito de meio ambiente (fauna, flora, água, solo,
ar). Dentre os danos verificados em loteamentos irregulares ou
clandestinos estão aqueles que incidem em área de preservação
permanente. Segundo o artigo 2º, II do Código Florestal área de
preservação permanente é a “área protegida, coberta ou não por vegetação
nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a
paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo
gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das
populações humanas”. Já o artigo 4º[1] vai determinar quais são as Áreas
de Preservação Permanente sendo que, segundo o próprio artigo, estas
áreas devem ser observadas tanto na zuna urbana quanto na zona rural do
município.
As APPs que sofrem maior incidência de danos são as previstas no inciso I
do artigo 4º da supracitada lei, ou seja, as faixas marginais de qualquer
curso d’água natural perene e intermitente, excluídos os efêmeros, desde a
borda da calha do leito regular, assim como as previstas no inciso IV do
mesmo artigo: as áreas no entorno das nascentes e dos olhos d’água
perenes, qualquer que seja sua situação topográfica, no raio mínimo de 50
(cinquenta) metros.

4. DANOS AO MEIO AMBIENTE ARTIFICIAL

Como já visto o meio ambiente artificial é aquele encontrado,


principalmente, nas cidades. Quando não há a observância das normas
pertinentes ao parcelamento do solo, ignorando-se os parâmetros mínimos
determinados, de modo geral, pela Lei 6.766/79, pelos Planos Diretores e
pela legislação ambiental, há uma ocupação desordenada do solo que gera
uma urbanização precária resultando, por exemplo, em vias extremamente
estreitas que dificultam a circulação, falta de saneamento básico
adequando, ausência de áreas institucionais, o que importa em falta de
escolas, postos de saúde, áreas verdes e praças. Esta ocupação predatória
do solo gera dano ao meio ambiente artificial atraindo a responsabilidade
civil por dano ambiental.

Grande parte desses danos ao meio ambiente artificial surge da


irregularidade jurídica do loteamento. Esta irregularidade pode se dar
junto ao cartório de registro de imóvel ou junto ao município, porém ambas
possibilitam uma ocupação irregular do solo, uma vez que ambas dificultam
a eficaz fiscalização tanto por parte do poder público como por parte da
própria sociedade. Os danos ao meio ambiente artificial/urbano são danos
quase invisíveis à grande parte da sociedade todavia são tão, e em alguns
casos, mais maléficos que os danos causados ao meio ambiente natural.

5. RESPONSABILIDADE PELA REGULARIZAÇÃO DO


LOTEAMENTO IRREGULAR OU CLANDESTINO - EMPRESA
LOTEADORA E SÓCIOS – DANO AMBIENTAL

A responsabilidade de regularizar um loteamento irregular ou clandestino


poderá advir da própria Lei Federal do Parcelamento do Solo (art. 38 e
seguintes) ou também poderá resultar da ocorrência de dano ambiental
(seja ao meio ambiente natural, seja ao meio ambiente artificial).
Trataremos aqui da responsabilidade por dano ambiental, por ser mais
eficiente. Na ocorrência de um dano ambiental materializado em um
loteamento irregular ou clandestino, deverá o loteador ser equiparado a
poluidor (direto ou indireto a depender do caso concreto), o que faz incidir
ao caso a responsabilidade civil ambiental, objetiva, solidária e afeta ao
risco integral, entre a pessoa jurídica (empresa loteadora), seus sócios.

Quanto à responsabilidade solidária por danos ambientais o Superior


Tribunal de Justiça, no REsp. 650728 SC 2003/0221786-0, que teve como
relator o Ministro Herman Benjamin, entendeu que se equipara ao poluidor
quem não faz quando deveria fazer, quem deixa fazer, quem não se importa
que façam, quem financia para que façam, e quem se beneficia quando
outros fazem (BRASIL, 2003). Desta forma, os sócios da empresa, mesmo
que não causem o dano ambiental (parcelamento irregular ou clandestino)
diretamente, poderão ser responsabilizados solidariamente com a empresa,
uma vez que contribuíram indiretamente para que o dano ocorresse.

Importante frisar que a responsabilidade dos sócios da pessoa jurídica


loteadora não advém, de modo geral, de possível desconsideração da pessoa
jurídica, mas sim da responsabilidade civil ambiental que é solidária entre
empresa e os sócios. A responsabilidade ambiental é objetiva e solidária a
todos os agentes que obtiveram proveito da atividade que resultou no dano
ambiental, devido à aplicação da teoria do risco integral ao
poluidor/pagador prevista pela legislação ambiental, art. 14, § 1º, da Lei n.
6.938/81 e § 3º do art. 225 da Constituição Federal.

Desta forma a responsabilidade principal pela regularização de um


loteamento irregular ou clandestino é do loteador, que poderá ser pessoa
física ou pessoa jurídica. No caso de pessoa jurídica a responsabilidade
recai, também, sobre todos aqueles que concorreram de alguma forma,
direta ou indiretamente, para a ocorrência do loteamento irregular ou
clandestino, aí incluídos os sócios da empresa que promoveu o loteamento,
tudo por força da equiparação dos responsáveis pelo loteamento irregular
ou clandestino a poluidor, momento em que será aplicada a
responsabilidade civil ambiental que, por sua vez, é objetiva, solidária e
afeta ao risco integral.
6. RESPONSABILIDADE PELA REGULARIZAÇÃO DO
LOTEAMENTO IRREGULAR OU CLANDESTINO - PODER
PÚBLICO

Sempre que o loteamento clandestino ou irregular for promovido pelo


poder público será ele responsável pela regularização nos termos da
responsabilidade civil ambiental ou nos termos da Lei Federal 6.766/79.
Todavia, caso não seja o poder público o executor do loteamento irregular
ou clandestino, ainda sim, poderá ser ele o responsável a regularizar o
loteamento. Esta responsabilidade também advém da responsabilidade por
dano ambiental (meio ambiente artificial) e da Lei Federal 6.766/79.

O município (poder público) tem a tarefa de fiscalizar todas as suas áreas


para detectar, coibir e determinar a correção de parcelamentos clandestinos
e irregulares. No exercício desse controle urbanístico o município detém
atribuições de executar diretamente as medidas administrativas de sua
competência relativas ao parcelamento do solo podendo, para tal, solicitar
auxílio policial, deflagrar ação fiscalizatória no âmbito de seu poder de
polícia, identificar os loteamentos clandestinos/irregulares e adotar as
providências necessárias à adequada estruturação do espaço urbano e à sua
regularização.

Decorrente destas atribuições o município tem o dever (e não a faculdade)


de garantir a regularidade no uso, no parcelamento e na ocupação do solo
urbano, visando assegurar o respeito aos padrões urbanísticos e o bem-
estar da população. Também tem o município o dever de preservação,
proteção e recuperação do meio ambiente urbano (art. 225, CF/88). Uma
vez que o município não cumpra com estes deveres será responsável
solidário à obrigação de regularizar os loteamentos clandestinos ou
irregulares. Na mesma linha de pensamento FREITAS explica que:

O Executivo promove a tutela da ordem urbanística na medida em que


aplica corretamente a respectiva legislação e fiscaliza seu cumprimento
pelos administrados. Mas pode ocorrer negligência nessa conduta,
gerando danos à coletividade, quando deixa de exercer seu poder de
polícia, na contenção das irregularidades. (…) Esse controle se faz
exercendo o poder de polícia, que é o poder-dever de aplicar multas,
expedir notificações, executar administrativamente embargos, interdições
e demolições, as chamadas medidas de polícia repressiva, que derivam de
sua atividade de fiscalização obrigatória, portanto de natureza vinculada.
Para obras não licenciadas (clandestinas) compete-lhe o embargo das
edificações e sua demolição sem procedimento formal, mediante ordem
sumária precedida de simples constatação por auto de infração. A falta de
comando, de fiscalização, de exercício do poder de polícia pelas
autoridades e agentes municipais sobre o processo de urbanização
predatória e irracional irradia efeitos pela comunidade, razão pela qual
eventual inércia pode gerar tanto a responsabilização do Município em
ação civil pública (por omissão) quanto do agente ou servidor público
omisso, ora por improbidade administrativa (Lei 8.429/92, art. 11, II) e
crime de prevaricação ou, conforme o caso, em se tratando de
loteamentos clandestinos, por crime tipificado no artigo 50 da Lei
6.766/79, na forma de delito comissivo por omissão penalmente
relevantes (FREITAS, 2009, p. 421-422).

Assim, cabe ao município fiscalizar e controlar a execução do loteamento


exercendo a plenitude do seu poder de polícia para impedir a irregularidade
ou clandestinidade dos mesmos. Quando o loteamento clandestino ou
irregular vier a ser concretizado através da inciativa privada, o poder
público será responsável por dar início ao processo de regularização,
notificando o loteador (art. 38 da Lei 6766/69) para que regularize o
loteamento. Caso o loteador não regularize caberá ao poder público a
regularização. Assim podemos dizer que a responsabilidade do poder
público pela regularização dos loteamentos irregulares ou clandestinos em
seu território, nos casos em que ele não foi o executor do parcelamento, é
solidária porém de aplicação subsidiária, devendo primeiro ser responsável
aquele que diretamente levou a cabo a execução irregular do loteamento e,
somente se o executor não tiver meios para regularizar o loteamento, será
chamado o poder público para assumir a responsabilidade pela
regularização podendo, posteriormente e caso assim entenda, cobrar os
gastos com a regularização do verdadeiro responsável. Esta obrigação do
poder público em dar início ao processo de regularização e, caso seja
necessário, de ele mesmo regularizar o loteamento é reflexo do poder-dever
de condicionar o parcelamento do solo à proteção ambiental e às normas
urbanísticas.
O Superior Tribunal de Justiça, em acórdão no REsp: 1113789 SP, de lavra
do então Ministro relator, Castro Meira, aponta que (BRASIL, 2009) “o art.
40 da Lei 6.766/79, ao estabelecer que o município "poderá regularizar
loteamento ou desmembramento não autorizado ou executado sem
observância das determinações do ato administrativo de licença", fixa, na
verdade, um poder-dever, ou seja, um atuar vinculado da municipalidade.

O Ministro continua em seu voto e explica de forma clara o poder-dever do


município em regularizar o loteamento:

“Consoante dispõe o art. 30, VIII, da Constituição da República, compete


ao município "promover, no que couber, adequado ordenamento territorial,
mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação
do solo urbano". 3. Para evitar lesão aos padrões de desenvolvimento
urbano, o Município não pode eximir-se do dever de regularizar
loteamentos irregulares, se os loteadores e responsáveis, devidamente
notificados, deixam de proceder com as obras e melhoramentos indicados
pelo ente público. 4. O fato de o município ter multado os loteadores e
embargado as obras realizadas no loteamento em nada muda o panorama,
devendo proceder, ele próprio e às expensas do loteador, nos termos da
responsabilidade que lhe é atribuída pelo art. 40 da Lei 6.766/79, à
regularização do loteamento executado sem observância das determinações
do ato administrativo de licença. 5. No caso, se o município de São Paulo,
mesmo após a aplicação da multa e o embargo da obra, não avocou para si a
responsabilidade pela regularização do loteamento às expensas do loteador,
e dessa omissão resultou um dano ambiental, deve ser responsabilizado,
conjuntamente com o loteador, pelos prejuízos dai advindos, podendo
acioná-lo regressivamente” (BRASIL, 2009, REsp: 1113789 SP).

Incontestável o fato de que o município tem a obrigação de regularizar os


loteamentos irregulares ou clandestinos existentes em seu território, seja
quando promovidos por ele, seja quando promovido por terceiros, mas sem
a fiscalização adequada. No entanto os municípios se furtam a esta
responsabilidade, deixando para o poder judiciário a tarefa de fazer com
que a lei seja cumprida, pois a ninguém é dado o seu descumprimento.
Deste modo o poder judiciário[3] vem dando enorme contribuição à
equilibrada ocupação do solo urbano quando obriga os gestores público
municipais a regularizarem os parcelamentos do solo irregulares ou
clandestinos existentes dentro do perímetro urbano, não configurando,
como pretendem alguns procuradores municipais, ingerência do poder
judiciário na administração pública. Tanto a doutrina como jurisprudência
são unânimes em reafirmar o entendimento segundo o qual a regularização
de loteamento clandestino ou irregular pelo município é atividade
vinculada, não constituindo, pois, ingerência descabida do Judiciário na
Administração Pública.

7. CONCLUSÃO

A preferência da esmagadora maioria dos cidadãos por residir nas cidades


afeta e afetará cada vez mais a correta e sustentável ocupação do solo
urbano, gerando um desiquilíbrio do meio ambiente artificial. A demanda
crescente não possibilita um acompanhamento da oferta destes espaços o
que gera uma ocupação apressada e muitas vezes irregular do solo urbano,
culminando nos chamados loteamento irregulares ou clandestinos. Esta
ocupação irregular leva aos mais diversos problemas como a falta de
equipamentos públicos, não observância dos padrões legais, irregularidade
documental e registral. A par destes danos ao meio ambiente artificial
temos ainda os danos ao meio ambiente natural quando, por exemplo, não
há tratamento de esgoto, disponibilidade de água tratada, canalização das
águas pluviais, intervenções em APPs, assoreamento de rios e nascentes.
Apesar destes problemas que afligem milhares de pessoas em todo o Brasil
os responsáveis relutam em regularizar os loteamentos. Tanto o poder
público como as empresas que executam os parcelamentos do solo urbano
por vezes não observam os preceitos legais de ocupação do solo e proteção
ambiental.

Desta feita os direitos fundamentais a uma moradia digna e a um meio


ambiente (natural e urbano) ecologicamente equilibrado, de se viver numa
cidade viável urbanisticamente e socialmente, previstos tanto na
Constituição Federal como na legislação infraconstitucional, ficam
esquecidos e este esquecimento gera danos dos mais diversos. É justamente
estes danos (ambientais) que determinam a responsabilidade civil
ambiental dos poluidores (responsáveis pela execução ou fiscalização do
parcelamento do solo) restando aos lesados a busca de uma tutela
jurisdicional efetiva na proteção do direito fundamental a uma moradia
digna e ao meio ambiente equilibrado, direitos estes previstos na
Constituição Federal de 1988.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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BRASIL: Lei no 6.766, de 19 de dezembro de 1979. Dispõe sobre o


Parcelamento do Solo Urbano e dá outras Providências.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L6766.htm.
Acesso em: 26 de novembro de 2018.

BRASIL: Lei 6.938 de 31 de agosto de 1981. Dispõe sobre a política


nacional do meio ambiente, seus fins e mecanismos de
formulação e aplicação, e da outras providências. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L6938.htm. Acesso em: 13 de
novembro de 2018.

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https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/8637993/recurso-especial-
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REBELLO FILHO, Wanderley, BERNARDO, Christianne. Guia prático


de direito ambiental. Rio de Janeiro: Lumen,1998.

[1] Art. 4o Considera-se Área de Preservação Permanente, em zonas rurais


ou urbanas, para os efeitos desta Lei: I - as faixas marginais de qualquer
curso d’água natural, desde a borda da calha do leito regular, em largura
mínima de: I - as faixas marginais de qualquer curso d’água natural perene
e intermitente, excluídos os efêmeros, desde a borda da calha do leito
regular, em largura mínima de: a) 30 (trinta) metros, para os cursos d’água
de menos de 10 (dez) metros de largura; b) 50 (cinquenta) metros, para os
cursos d’água que tenham de 10 (dez) a 50 (cinquenta) metros de largura;
c) 100 (cem) metros, para os cursos d’água que tenham de 50 (cinquenta) a
200 (duzentos) metros de largura; d) 200 (duzentos) metros, para os
cursos d’água que tenham de 200 (duzentos) a 600 (seiscentos) metros de
largura; e) 500 (quinhentos) metros, para os cursos d’água que tenham
largura superior a 600 (seiscentos) metros; II - as áreas no entorno dos
lagos e lagoas naturais, em faixa com largura mínima de: a) 100 (cem)
metros, em zonas rurais, exceto para o corpo d’água com até 20 (vinte)
hectares de superfície, cuja faixa marginal será de 50 (cinquenta) metros;
b) 30 (trinta) metros, em zonas urbanas; III - as áreas no entorno dos
reservatórios d’água artificiais, na faixa definida na licença ambiental do
empreendimento, observado o disposto nos §§ 1o e 2o; III - as áreas no
entorno dos reservatórios d’água artificiais, decorrentes de barramento ou
represamento de cursos d’água naturais, na faixa definida na licença
ambiental do empreendimento; IV - as áreas no entorno das nascentes e
dos olhos d’água, qualquer que seja a sua situação topográfica, no raio
mínimo de 50 (cinquenta) metros; IV – as áreas no entorno das nascentes e
dos olhos d’água perenes, qualquer que seja sua situação topográfica, no
raio mínimo de 50 (cinquenta) metros; IV - as áreas no entorno das
nascentes e dos olhos d’água perenes, qualquer que seja sua situação
topográfica, no raio mínimo de 50 (cinquenta) metros;

[2] Art. 8o A intervenção ou a supressão de vegetação nativa em Área de


Preservação Permanente somente ocorrerá nas hipóteses de utilidade
pública, de interesse social ou de baixo impacto ambiental previstas nesta
Lei. § 1o A supressão de vegetação nativa protetora de nascentes, dunas e
restingas somente poderá ser autorizada em caso de utilidade pública.

[3] Resp 448216/SP, Rel. Ministro LUIZ FUX, 1ª Turma Do STJ. DJ


17/11/2003 P. 204; Resp 432531/SP, Rel. Ministro Franciulli Netto,
Segunda Turma, Julgado Em 18/11/2004, DJ 25/04/2005 P. 265; Resp
191507/SP, Rel. Ministro João Otávio De Noronha, Segunda Turma,
Julgado Em 01/03/2005, DJ 13/06/2005 P. 21; Resp 447433/SP, Rel.
Ministra Denise Arruda, Primeira Turma, Julgado Em
01/06/2006,DJ22/06/2006p.178; Resp 252.512/SP, Rel. Ministra Eliana
Calmon, 2ª Turma Do STJ. DJ 29/10/2001 P. 194.

Disponível em: https://carloslobo.jusbrasil.com.br/artigos/677756467/parcelamento-irregular-do-solo-


urbano-quais-os-responsaveis-pela-regularizacao

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