Violência doméstica contra a mulher Artigo de Pesquisa

Original Research
Artículo de Investigación

ENFRENTAMENTO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A

MULHER A PARTIR DA INTERDISCIPLINARIDADE E
INTERSETORIALIDADE
FACING DOMESTIC VIOLENCE AGAINST WOMEN UNDER INTERDISCIPLINARY
AND INTERSECTORIAL ACTION

ENFRENTAMIENTO DE LA VIOLENCIA DOMÉSTICA CONTRA LA MUJER A

PARTIR DE LA INTERDICIPLINARIDAD E INTERSECTORIALIDAD
Nadirlene Pereira GomesI
Normélia Maria Freire DinizII
Cláudio Claudino da Silva FilhoIII
Jéssyca Nathielly Barbosa SantosIII

RESUMO: Por seu caráter multifacetado, a violência doméstica requer a integração de conhecimentos e serviços.
Pesquisa bibliográfica objetivando analisar a importância da interdisciplinaridade e intersetorialidade para o enfrentamento
da violência doméstica contra a mulher. Realizou-se pesquisa com base nos descritores: violência doméstica, violência
contra a mulher, assistência integral à saúde e formação de recursos humanos, por meio das bases Scientific Eletronic
Library Online, Literatura Latino-americana e do Caribe em Ciências da Saúde, Banco de Teses da Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior, além de materiais publicados entre 1976 e 2008. Os dados foram
organizados em categorias: Interdisciplinaridade: um caminho para o enfrentamento da violência; Intersetorialidade e o
enfrentamento da violência doméstica. Por sua magnitude, o enfrentamento da violência doméstica não pode mais
limitar-se a ações isoladas, pautadas na linearidade, que por si sós não dão conta da complexidade do fenômeno.
Palavras-Chave: Violência doméstica; violência contra a mulher; assistência integral à saúde; formação de recurso humano.

ABSTRACT
ABSTRACT:: For its multifaceted character, domestic violence requires integration of both knowledge and services.
Bibliographic review aimed at the importance of intersectoral and interdisciplinary approaches to fighting domestic
violence against women. The research has used the following key terms: domestic violence, violence against women, full
health care, and training of human resources, on the basis of SCIELO, LILACS, Bank of Thesis of CAPES. In addition, it has
been used a selection of material collected from local libraries, published between 1976 to 2008. The data were
organized into the following categories: Interdisciplinarity: a way to face violence; Intersectoral action and fighting domestic
violence. For its magnitude, fighting domestic violence can no longer be limited to isolated and linear actions, unable to
account for the complexity of the phenomenon.
Keywords: Domestic violence; violence against women; comprehensive health care; human resources formation.

RESUMEN: Por su carácter multifacetado, la violencia doméstica requiere la integración de conocimientos y servicios.
Revisión bibliográfica que tiene como objetivo reflexionar sobre la importancia de la interdisciplinaridad y la intersectorialidad
para el enfrentamiento de la violencia doméstica contra la mujer. Fue realizada pesquisa con base en los siguientes descriptores:
violencia doméstica, violencia contra la mujer, asistencia integral a la salud y formación de recursos humanos, en las bases
Scientific Eletronic Library Online, Literatura Latino-americana e do Caribe en Ciencias de la Salud, Banco de Teses de la
Coordinación de Perfeccionamiento de Personal de Enseñanza Superior-Brasil, y aun por medio de trabajos encontrados en
las bibliotecas de la ciudad publicados entre 1976 y 2008. Los datos fueran organizados en categorías: Interdisciplinaridad:
un camino para el enfrentamiento de la violencia; Intersectorialidad y el enfrentamiento de la violencia doméstica. Por su
gran dimensión, la violencia doméstica no puede más ser enfrentada solamente por acciones aisladas, pautadas en la
linealidad, pues estas no son suficientes para dar cuenta de la complexidad del fenómeno.
Palabras Clave: Violencia doméstica; violencia contra la mujer; asistencia integral a la salud; formación de recurso humano.

INTRODUÇÃO
A violência doméstica se incorpora como objeto de estar, a segurança da comunidade e os direitos humanos,
saúde pública revelando-se, nacional e internacional- não respeitando fronteira de classe social, raça/etnia, re-
mente, uma problemática que implica perdas para o bem- ligião, gênero, idade e grau de escolaridade1.

I
Mestra. Profª. Assistente da Universidade Federal do Vale do São Francisco, Doutoranda pela Escola de Enfermagem da Universidade Federal da
Bahia (UFBA), Integrante do Grupo de Pesquisa: violência, saúde e qualidade de vida e do Grupo de Estudos sobre Saúde da Mulher da Mulher
(GEM). Salvador, Brasil. E-mail: nadirlene.gomes@univasf.edu.br.
II
Doutora. Profª. Adjunta da Escola de Enfermagem da Universidade Federal da Bahia. Líder do Grupo de Pesquisa: violência, saúde e qualidade
de vida e Pesquisadora do Grupo de Estudos sobre Saúde da Mulher da Mulher (GEM). Salvador, Brasil.
III
Graduando em enfermagem pela Universidade Federal do Vale do São Francisco. Petrolina, Pernambuco, Brasil.

p.14 • Rev. enferm. UERJ, Rio de Janeiro, 2009 jan/mar; 17(1):14-7. Recebido em: 07.04.2008 - Aprovado em: 03.12.2008
Artigo de Pesquisa
Original Research
Artículo de Investigación
O interesse do setor de saúde em investigar o
fenômeno da violência doméstica contra a mulher se
deve aos altos índices dessa ocorrência e ao conse-
qüente comprometimento da produtividade econômi-
ca do país, no que se refere aos custos com o sistema
de saúde, a polícia, o poder judiciário, os órgãos de
apoio à mulher, o absenteísmo da mulher no trabalho2.
Também é de suma importância investigar o assunto
por conta das repercussões desse fenômeno na vida
das mulheres e de seus familiares.
Por conta de seu caráter multifacetado, a violên-
cia doméstica contra a mulher é um problema social,
político, econômico e de saúde, daí requerer a
integração de conhecimentos e serviços. Nessa pers-
pectiva, o objetivo do estudo consiste em analisar a
importância da interdisciplinaridade e intersetorialidade
para o enfrentamento da violência doméstica contra a
mulher.
MARCO REFERENCIAL
Os serviços e profissionais de saúde ocupam um
lugar estratégico na identificação da violência domés-
tica, bem como na assistência à vítima e seu encami-
nhamento a serviços especializados, antes que inci-
dentes mais graves aconteçam1-3. Entretanto, os funci-
onários ainda não estão preparados para investigar a
violência e prestar assistência apropriada à mulher4.
Isso mostra o reflexo do paradigma positivista na for-
mação dos profissionais. Nesse sentido, as ações em
saúde se fundamentam no doente e na cura5,6.
As práticas fundamentadas em um olhar que
contempla meramente a observação de sinais e sinto-
mas de quadros clínicos dificultam a identificação da
violência, uma vez que os profissionais não se apode-
raram de instrumentos que lhes permitam identificar
os aspectos clínicos e a história de violência.
O despreparo dos serviços de saúde também pode
ser percebido na forma inapropriada com que o profis-
sional age, muitas vezes culpabilizando a mulher ou
não dando importância a sua fala7. Isso repercute de
forma negativa nas práticas assistenciais8.
METODOLOGIA
Este estudo, de caráter exploratório, é uma pes-
quisa bibliográfica realizada nas bases de dados
SCIELO (Scientific Electronic Library Online),
LILACS (Literatura Latino-Americana e do Caribe
em Ciências da Saúde), Banco de Teses da CAPES,
além de materiais encontrados nas bibliotecas locais
publicados entre 1976 e 2008.
A busca por estudos foi norteada pelos seguintes
descritores: violência doméstica, violência contra a mu-
lher, assistência integral à saúde e formação de recursos
Gomes NP, Diniz NMF, Silva Filho CC, Santos JNB
humanos. Após a leitura dos resumos que guiaram a
seleção dos estudos, foi realizada a leitura dos textos
na íntegra, seguindo-se os fichamentos dos mesmos.
Foi aplicada a análise de conteúdo temático aos
itens de significação dos textos, tendo emergido duas
categorias, a saber: interdisciplinaridade, um caminho
para o enfrentamento da violência; e intersetorialidade
e o enfrentamento da violência doméstica.
A análise dos dados teve por base textos sobre a
temática violência doméstica, voltados para a cons-
trução de uma crítica da visão de mundo presa ao
paradigma positivista tradicional e a ênfase na impor-
tância da abordagem interdisciplinar e da atitude
intersetorial no enfrentamento da violência domésti-
ca contra a mulher.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
As categorias emergentes da análise dos textos são
descritas a seguir.
Interdisciplinaridade: um caminho para o
enfrentamento da violência
A visão positivista configurava-se como caminho
para o conhecimento verdadeiro e definitivo da reali-
dade. Este paradigma surge a partir do século XIX e
se ancora no processo de industrialização, que exigia
a formação de especialistas para atender às necessida-
des de produção. Nota-se, a partir de então, um
enfoque funcionalista na saúde, com excessiva valori-
zação da disciplinaridade, ou seja, da divisão do co-
nhecimento em ciências particulares, isolando as dis-
ciplinas e fragmentando o saber5.
Assim, garantindo os interesses do capitalismo,
a escola se responsabilizou pela formação de especia-
listas capazes de dar conta das partes9. Essa fragmenta-
ção do conhecimento torna mais distante o processo
de percepção do outro como ser integral10.
Entretanto, a contribuição de cada disciplina
cientifica é parcial, oferecendo uma compreensão li-
mitada acerca da complexidade dos fenômenos no
mundo, o que pode ser superado com a integração dos
conhecimentos de diversas disciplinas a fim de gerar
um saber novo, que não é do domínio de uma discipli-
na específica, e que possibilite interpretar questões
complexas e multifacetadas11. Assim, o diálogo entre
as disciplinas deverá evoluir para disciplinas produto-
ras de um saber comum até que estas desapareçam.
O enfoque em uma só disciplina e a justaposição
de disciplinas que desconsideram a significação huma-
na desencadeia a fragmentação e a institucionalização
do conhecimento nas academias e a excessiva especia-
lização técnica, além de dificultar melhorias no atendi-
mento a problemas tão relevantes e freqüentes, a exem-
plo da violência12, 13.
Rev. enferm. UERJ, Rio de Janeiro, 2009 jan/mar; 17(1):14-7. • p.15
Violência doméstica contra a mulher
Essa visão por parte das instituições de ensino
tem origem na inexistência de aspectos relativos à vi-
olência doméstica nos currículos e programas dos cur-
sos, seja na área da saúde, jurídica ou policial.
Na década de 70, começam a surgir críticas a
essa formação e se propõe uma transição para um novo
paradigma, baseado em um saber interdisciplinar e em
um fazer intersetorial, que incorpore o princípio da
responsabilidade social e possibilite, a partir da
problematização da realidade, o desenvolvimento da
capacidade crítico-reflexiva, a articulação entre a te-
oria e a prática, e, conseqüentemente, a formação de
profissionais capazes de identificar e contribuir para
melhorar a situação de saúde da população14, 15.
O novo modelo de formação dos profissionais
aponta para o desenvolvimento de currículos integra-
dos comprometidos com a realidade, a fim de superar
a visão disciplinar no sentido de responder à comple-
xidade dos problemas de saúde15.
Nessa perspectiva, a interdisciplinaridade refle-
te a consciência dos limites e das potencialidades de
cada disciplina, propondo-se a possibilitar um fazer
interativo e não a anular a especificidade de cada dis-
ciplina5.
É preciso que as universidades e outras institui-
ções educativas reorientem os eixos adotados em seus
currículos, que desconsideram as necessidades mostra-
das nas práticas, e valorizem seu saber superior a outras
formas de organizar o conhecimento. Trata-se da cons-
trução de uma nova relação com o saber, com capaci-
dade de se escutar e interagir com outros espaços soci-
ais a partir de estratégias que incentivem e capacitem
os profissionais a intervir nos problemas de saúde que
afetam a maior parte da população a partir da principal
e mais rica fonte de saberes, a comunidade16.
A inserção dos profissionais na realidade
socioeconômica é de fundamental importância no pro-
cesso de sensibilização e formação destes, uma vez que
qualquer interação, seja com o outro ou com o con-
texto social, representa um espaço de questionamentos
e de aprendizado.
Intersetorialidade e o Enfrentamento da
Violência Doméstica
A fragmentação nos serviços de atenção à mu-
lher em situação de violência, bem como o acesso e a
limitada capacidade de tomar resoluções constituem
aspectos institucionais que dificultam o processo de
liberação das mulheres da situação de violência do-
méstica.
Por falta de articulação entre os serviços, as mu-
lheres re-vivem as cenas de violência, tornando-se mais
e mais frágeis, uma vez que há um processo repetitivo: é
nesse espaço que elas repetem à exaustão os casos de
violência sofrida nos diversos espaços institucionais16.
p.16 • Rev. enferm. UERJ, Rio de Janeiro, 2009 jan/mar; 17(1):14-7.
Artigo de Pesquisa
Original Research
Artículo de Investigación
A ausência de uma rede de suporte formada por
instituições de referência para o encaminhamento das
mulheres e dos homens constitui uma das dificulda-
des para a intervenção dos profissionais em situações
de violência doméstica17.
Fazem-se necessárias ações intersetoriais e
interdisciplinares que propiciem o trabalho
colaborativo e, dessa forma, a promoção de uma assis-
tência menos passiva 13 . Nessa perspectiva, o
enfrentamento da violência exige a articulação efeti-
va entre diferentes setores: saúde, segurança pública,
justiça e trabalho, assim como requer o envolvimento
da sociedade civil organizada em redes integradas de
atendimento18.
Com relação a isso, a Lei Maria da Penha prevê
ações articuladas com apoio da União, dos Estados,
do Distrito Federal, dos Municípios, de espaços não-
governamentais; a integração entre o poder Judiciá-
rio, o Ministério Público e o da Defensoria Pública e
as áreas de segurança pública, assistência social, saú-
de, educação, trabalho e habitação; a promoção de
estudos e pesquisas sobre violência doméstica e fami-
liar contra a mulher; e o destaque dado ao assunto
nos currículos escolares de todos os níveis de ensino19.
Nesse sentido, para responder à complexidade
das questões coletivas e necessidades de saúde, quer
seja para seu entendimento ou intervenção, a
interdisciplinaridade e a problematização são elemen-
tos essenciais11,14.
Soma-se ainda a isso a importância de uma refle-
xão crítica sobre o Sistema Único de Saúde (SUS) e a
formação/atuação do profissional no sentido de melhor
prepará-los para a interdisciplinaridade necessária ao
enfrentamento das necessidades do dia-a-dia8. Para isso,
demandam-se práticas e estratégias bem determinadas
envolvendo os profissionais, os gestores e a sociedade20.
Nesse contexto interdisciplinar e intersetorial,
um trabalho cooperativo tem como principal ganho o
processo de construção de vínculos mais sólidos entre
a universidade, a comunidade e os serviços públicos,
haja vista que contribui para o desenvolvimento de
aprendizagens plurais16.
CONCLUSÕES
O estudo mostrou que a assistência prestada à
mulher em situação de violência não compreende o
individuo nos aspectos biopsicossociais, o que demons-
tra que a assistência é fragmentada.
Por sua magnitude, o enfrentamento da violên-
cia doméstica não pode mais se limitar a ações isola-
das, pautadas na linearidade, que por si sós não dão
conta da complexidade do fenômeno.
É preciso repensar o papel da universidade e dos
serviços na abordagem da violência doméstica, a fim
Recebido em: 07.04.2008 - Aprovado em: 03.12.2008
Artigo de Pesquisa
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de possibilitar espaços de práticas nos quais alunos,
professores, profissionais e usuários dos serviços pos-
sam desenvolver a capacidade de percepção do
individuo na sua integralidade.
Espera-se que o estudo leve à reflexão sobre a
complexidade do fenômeno da violência doméstica,
além de apontar elementos que direcionem as ações
possíveis de serem desenvolvidas nos serviços de aten-
ção à mulher em situação de violência.
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