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O vazio e a não-dualidade

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Flavio Shunya 18 de janeiro de


2015

O VAZIO E A NÃO-
DUALIDADE
O Ser/Não-ser, Vazio/Não-dualidade
Nas religiões, na Ciência e nas Filosofias.
Compilado e organizado por: Flávio Capllonch Cardoso/Karma Tenpa Dhargye

NAS RELIGIÕES
HINDUISMO:
ISHA UPANISHAD
1) – BRAHMAN – A UNIDADE : Unidade de Deus e o Mundo [versos 4-5] O senhor e o
mundo, ainda quando parecem distintos, não diferem na realidade um do outro, eles são
um só Brahma.

O ÚNICO IMÓVEL

Brahma é a única realidade estável e eterna. É Uno porque não há nada mais, dado que
toda existência e não-existência se trata dele. É estável e imóvel, porque movimento
implica mudança no espaço e mudança no tempo, e Ele, ao estar além do espaço e do
tempo, é imutável. Possui eternamente em si tudo o que é, foi ou sempre será e,
portanto Ele não aumenta nem diminui. Esta além da causalidade e da relatividade e,
portanto, em Seu ser não há mudança de relações.

MAIS VELOZ QUE A MENTE

O mundo é um movimento cíclico (samsara) da existência divina no espaço e no tempo.


Sua lei e, em um sentido, seu objeto é a progressão; existe pelo movimento e se
dissolverá por cessação de movimento. Mas a base deste movimento não é material; é a
energia da consciência ativa a qual, por seu movimento e multiplicação em diferentes
princípios [diferentes em aparência, iguais em essência], cria oposições de unidade e

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multiplicidade, divisões de tempo e espaço, relações e agrupamentos de circunstância e
causalidade. Todas essas coisas são reais na consciência, porém, somente simbólicas do
ser, como se o imaginado por uma mente criadora fosse verdadeira representação de sí
mesma, sem constituir-se em absolutamente real em comparação com ela mesma, ou
real com um gênero diferente de realidade. Porém a consciência mental não é o poder
que cria o universo. Trata-se de algo infinitamente mais potente, veloz e livre de
restrições que a mente. É a pura e onipotente auto-sapiência do Absoluto isenta de
ataduras de qualquer lei da relatividade. As leis da relatividade, sustentadas pelos
deuses, são suas criações temporárias. Sua aparente eternidade é somente duração,
incomensurável para nós, do mundo que eles governam. São leis que regulam o
movimento e a mudança, não leis que liguem o senhor ao movimento. Os deuses,
portanto, são descritos como correndo em seu deslocamento. Mas o senhor está livre e
não lhe afeta seu próprio movimento. A criação não é fazer, porém chegar-a-ser em
termos e formas de existência consciente. No vir-a-ser, cada indivíduo é Brahma
diversamente representado e entrando em diversas relações com Aquele no rol da
consciência divina; no Ser, cada indivíduo é todo Brahma. Brahma, como o Absoluto ou o
Universal, tem o poder de colocar-se atrás de Sí Mesmo narelatividade. (multiplicidade)
(…) O indivíduo pode até se considerar como eternamente diferente do Uno, ou se
quiser, eternamente uno com Ele, porém ainda diferente, ou pode, em sua consciência,
voltar inteiramente à pura Identidade. Porém nunca pode considerar-se como
independente de certo gênero de Unidade, pois tal parecer corresponderia a uma
verdade inconcebível no universo ou além dele. (…) Essa coexistência, difícil de conceber
para o intelecto lógico, pode experimentar-se mediante a identificação da consciência
com Brahma. Inclusive ao afirmar a Unidade, devemos recordar que Brahma está além
de nossas diferenciações mentais e se trata de um fato que não condiz com o
pensamento que discrimina, senão com o Ser que é Absoluto, Infinito, e que escapa a
nossa discriminação. Nossa consciência é representativa e simbólica; não pode conceber
a coisa-em-si-mesma, o Absoluto, a não ser por negação, em uma espécie de Vazio,
esvaziando de tudo quanto pareça conter o Universo, e tudo o que está aqui no
espaço/tempo e além do espaço/tempo. A idéia de uma meta final no movimento da
Natureza mesma é ilusória. Pois Brahma é Absoluto e Infinito. Nada, dentro das
aparências do universo, pode ser inteiramente Brahma enquanto consciência relativa;
tudo é somente uma representação simbólica do Incognoscível.

Todas as coisas já se realizaram em Brahma .

(…) A visão humana ou egoísta é a de um mundo de inumeráveis criaturas separadas,


cada uma auto-existente e diferente das demais, cada uma procurando lograr o máximo
proveito possível dos demais e do mundo, porém a visão divina, o modo como “Deus vê”
o mundo, é Ele mesmo, como Ser único, que vive inumeráveis existências que são Ele
mesmo.(…) O ser individual tem de mudar a visão humana e egoísta pela divina,
suprema e universal, e viver nessa realização. É necessário, portanto, ter o conhecimento
da unidade, na equação, EU SOU ELE (So ham), e nesse conhecimento estender a
existência consciente de si de modo tal que abarque toda a multiplicidade. Este é o ideal
duplo ou sintético do Isha Upanishad; abarcar simultaneamente Vidya e Avidya, o Um e os
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Muitos; existir no mundo, porém mudar os termos da morte pelos termos da
imortalidade; ter a liberdade e a paz do Não-Nascimento simultaneamente com a
atividade do Nascimento. (versos 9-14) “Isha Upanishad“ – Ed. Kier – Sri Aurobindo

TAOISMO:

TAO TE KING

(1) O Tao que pode ser pronunciado não é o Tao eterno.

O nome que pode ser proferido não é o Nome eterno.

Ao princípio do Céu e da Terra chamo NÃO-SER.

A mãe dos seres individuais chamo SER

DIRIGIR-SE para o Não-Ser leva


à contemplação da maravilhosa Essência;

dirigir-se para o Ser leva à contemplação das limitações espaciais.

Pela origem, AMBOS SÃO UMA COISA SÓ, Diferindo apenas no nome.

Em sua Unidade, esse Um é mistério.

O mistério dos mistérios é o portal por onde entram as maravilhas.

Pode se designar com o nome de “não-ser” ao mundo da essência e com o nome de


“ser”, ao mundo dos fenômenos. O “não-ser” é então, o princípio do Céu e da Terra; o
“Ser”, a origem de todos os Entes. Por isso, concentrando-nos sobre o “não-ser”,
contemplamos os segredos da essência e, concentrando-nos sobre o “ser”,
contemplamos a aparência externa, espacial, das coisas. Não se deve, no entanto,
pensar que se trata de um mundo duplo, de um aquém e de um além. Ao contrário, a
diferença reside apenas no nome. O nome de um é “ser”; o outro é “não-ser”. Mas,
apesar da diferença dos nomes, trata-se de um único e mesmo fato: o obscuro segredo
de cuja profundeza brotam todos os milagres1. Quando o intelecto se defronta com o
Vazio ele chega ao seu limite. Daí em diante a linguagem lógica, os conceitos,
julgamentos de valor, não poderão mais ser usados. Para exprimir o inexprimível
teremos de recorrer então às parábolas, contradições, e aos paradoxos. O Vazio, porém,
não é somente o limite do pensamento humano, é também a porta para o
transcendental.
[1] – TAO – TE KING – Lao-Tzu – Trad. Richard Wilhelm [pag. 135]

BUDISMO

MAHA-PRAJNA-PARAMITA

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A MAIS ALTA E PERFEITA SABEDORIA

Assim, eu ouvi. Certa vez, o Abençoado, juntamente com vários dos maiores
Bodhysattvas e um grande número de bhikhus, se encontravam em Rajagriha, no monte
Gridhrakuta. O Abençoado estava absorvido no samadhi e o nobre Avalokitesvara
meditava sobre o profundo Prajna-Paramita. O venerável Sariputra, influenciado pelo
Abençoado, absorvido no samadhi, perguntou ao nobre Bodhysattva Avalokitesvara: – Se
um homem ou uma mulher quisesse estudar o Prajna-Paramita, como podia fazê-lo? O
nobre Avalokitesvara respondeu: – Deve o homem ou a mulher primeiramente se livrar
de todas as suas idéias egocêntricas. Deverá refletir: “Personalidade? O que é
personalidade? Será uma entidade permanente ou será feita de substâncias
impermanentes que desaparecem?”. A personalidade é composta dos cinco agregados
do apego: A forma, a sensação, a percepção, as formações mentais e a consciência, que
são, por natureza, desprovidas de natureza própria. A forma é vazia de qualquer
substância própria e o vazio não é diferente da forma; na realidade, a forma é o vazio. A
sensação é vazia de substância própria, o vazio não é diferente da sensação, nem a
sensação é diferente do vazio; na realidade, a sensação é o vazio A percepção também é
vazia de substância própria, o vazio não é diferente da percepção, nem a percepção é
diferente do vazio; na verdade, a percepção é o vazio. As formações mentais também
são vazias de substância própria, o vazio não é diferente das formações mentais, nem
formações mentais são diferente do vazio; na verdade, as formações mentais são vazias.
A consciência também é vazia de substância própria, o vazio não é diferente da
consciência, nem a consciência é diferente do vazio; portanto na verdade, a consciência é
vazia. Assim sendo, Sariputra, todas as coisas que têm a natureza do vazio não têm nem
princípio nem fim. Eles não são culpados, nem sem culpa; eles não são perfeitos nem
imperfeitos. No vazio não há forma, nem sensação, nem percepção, nem consciência. Na
realidade não há olhos, nem ouvidos, nem nariz, nem língua, nem sensibilidade do
contato, nem mente. Não há visão, audição, olfato, gustação, tato, nem processos
mentais, nem objetos desses processos mentais, nem conhecimento, (consciência) nem
ignorância. Não há destruição dos objetos ou cessação do conhecimento, nem cessação
da ignorância. [não há substância própria] Na Realidade [Absoluto] não existem as
Quatro Nobres Verdades: não há Dor, nem causa da Dor, nem cessação da Dor, nem
Nobre Caminho que leva à cessação da Dor. Não há decadência ou morte, nem
destruição da noção de decadência e morte. Não há o conhecimento do Nirvana, não há
obtenção do Nirvana, nem não-obtenção do Nirvana. Porque não há obtenção do
Nirvana? Porque o Nirvana é o domínio do “não-pensar”. Se o ego ou a personalidade
fosse uma entidade permanente, não se poderia alcançar o Nirvana. Somente porque a
personalidade é constituída de elementos impermanentes que se desintegram, essa
personalidade pode alcançar o Nirvana. Enquanto o homem estiver à procura da mais
alta e perfeita Sabedoria, ele estará ainda habitando o domínio da consciência objetiva.
No mais profundo Samadhi, tendo transcendido a consciência objetiva, ele também
ultrapassa a discriminação e o conhecimento; transcendendo as garras do medo, “ele” já
estará se deliciando no Nirvana. A perfeita compreensão e a paciente aceitação disso é a
mais alta e perfeita Sabedoria – Prajna-Paramita. Todos os Budhas do passado, presente
e futuro, tendo alcançado o mais alto Samadhi, se encontram na realização da Suprema
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Sabedoria. Assim sendo, Sariputra, todos deveriam procurar a auto-realização da
Suprema Sabedoria – Prajna-Paramita, da Verdade Transcendental, que realiza o fim de
todos os sofrimentos, a Verdade que é eternamente verdadeira. Ó Prajna-Paramita!
Verdade Transcendental que se estende ao agitado oceano da vida e morte, leva contigo
em segurança todos os teus seguidores para a outra margem, para a Iluminação. Ouçam
o mantra, o Grande Misterioso Mantra: “Vá, vá em segurança à outra margem, ó Prajna-
Paramita! Que assim seja!” Tadyata Om Gate, Gate, Parasamgate, Bodhi, SOha

Segundo Nagarjuna, o vazio (sânsc. shunya) é a ausência de uma essência [própria], de


uma existência inerente (sânsc. svabhava). A ausência de uma essência não significa que
os fenômenos não existam, e sim que eles são destituídos de “existência própria”, de
uma “natureza própria”, e que eles “existem” apenas em dependência de causas, partes e
condições (originação dependente ou pratitya samutpada). O nirvana (incondicionado) e
o samsara (condicionado) seriam igualmente vazios. O surgimento interdependente dos
fenômenos é a vacuidade e vice-versa. É como olhar os dois lados de uma mesma
moeda. O vazio de existência por si mesmo [existência inerente] significa que o mundo
que alucinamos, cheio de objetos e pessoas independentes e permanentes, não existe.
Isso não quer dizer, porém, que nada existe e que podemos ficar histéricos ou explodir
de energia nervosa. Essa é, normalmente, a reação exagerada que temos quando nossa
mente toca pela primeira vez o espaço absoluto, mas ainda não compreende ou não
aceita essa realidade. O que existe são coisas, pessoas e objetos surgidos
interdependentemente, transformando-se e funcionando momento após momento
segundo a lei do karma. A lei do karma não é uma coisa mística, mas uma análise precisa
da transmutação da energia e dos fenômenos, que parece ter alguma semelhança com
as leis de conservação da energia da física moderna.
(T.Y.S. Lama Gangchen, Ngelso)

Pelo enfoque da Escola da Visão do Caminho do Meio, a Escola Madhyamaka, não há


qualquer apego a qualquer conceito sobre a natureza absoluta, essencial. Em nenhuma
experiência dos agregados há algo verdadeiramente real. Se examinarmos a natureza
básica da realidade, não encontraremos nada que constitua a sua essência, mas isto não
implica num mero nada. A falta de uma realidade palpável, não obstante, permite a
expressão contínua de todos os tipos de experiências. Ao investigarmos a Natureza
Última, descobrimos que não há qualquer característica fundamental, realidade
essencial, palpável, ou qualquer realidade verdadeira, absoluta, o que significa que todas
as coisas são “vazias”. No entanto, a Vacuidade não é distinguível da aparência dos
fenômenos que experimentamos. Os fenômenos não são separáveis da Natureza
Fundamental e, assim, nossa experiência básica do mundo é, na verdade, tão somente a
“Vacuidade Fundamental”, ou a falta de Realidade Última de todas as coisas [Formas da
vacuidade]. Desta forma, a “Verdade Relativa” (sobre o modo como as aparências e
experiências funcionam) e a “Verdade Absoluta” (sobre a natureza fundamentalmente
vazia e sem realidade constatável nas coisas) são inseparáveis, não são duas coisas
diferentes, mas um todo integrado. [Os fenômenos são o vazio, e o vazio são os
fenômenos. O vazio e as formas se interpenetram] Este é o ponto de vista básico da
Escola Madhyamaka conforme explicado pelo Sábio Nagarjuna e é a descrição do
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verdadeiro ponto de vista de um Iluminado sobre a Realidade. Há várias maneiras de se
alcançar este ponto de vista: atingindo-o por estágios, entendendo-o todo de uma só vez,
reconhecendo-o por meio de metáforas, etc. Meramente descrevi aqui, em termos
gerais, qual é a natureza deste ponto de vista. […]

Segundo a perspectiva da Madhymaka, a verdade do sofrimento, a verdade da fonte do


sofrimento, bem como dos atos de comer, de dormir e de praticar quaisquer atividades
corriqueiras mundanas, são todos igualmente desprovidos de qualquer realidade
intrínseca. Ocorrem através de surgimentos condicionados sem possuírem qualquer
Realidade Fundamental, seja lá qual for. Somente em assim sendo o caso, pode o mundo
tal qual o experimentamos surgir, já que se existisse alguma Realidade Fundamental
relativa a este mundo, ou, se a Vacuidade fosse algo completamente diferente da nossa
experiência usual, não haveria nenhuma maneira pela qual qualquer experiência
pudesse ter ocorrido inicialmente. A Vacuidade Fundamental não é isolada de nossa
experiência corriqueira, nem é em hipótese alguma divorciada das Quatro Nobres
Verdades e do Caminho da Libertação do Sofrimento. Agora, todas estas formas de
surgimento condicionado, conforme demonstramos por meio das Quatro Perícias da
Madhyamaka – O Pequeno Diamante, etc. – não possuem nenhuma Realidade Absoluta.
Não obstante, surgem como se verdadeiramente lá estivessem, exatamente como o
elefante, em nosso sonho, parece realmente lá estar. Mas, se examinarmos as condições
do mundo, se examinarmos de que forma aparecem, se examinarmos como produzem
fruição, e procurarmos pela Qualidade Essencial, constataremos que, de qualquer um
destes pontos de vista, as coisas não possuem nenhuma realidade intrínseca – tudo
ocorre devido a determinadas causas e condições. Este ponto de vista é desenvolvido em
maiores detalhes por Nagarjuna no Prajna Nama Mula Madhyamaka Karika. Da mesma
forma como uma pessoa trancada em uma prisão não tem nenhum jeito de escapar
exceto se abrir a porta, também nós, que caímos sob os domínios do sofrimento, não
temos como nos livrar exceto através da compreensão, através do reconhecimento da
Natureza Fundamental da Realidade: a Vacuidade. O reconhecimento da Natureza
Fundamental da Realidade é por vezes chamado de “Os Três Fatores Libertadores”, quais
sejam:

(1) – Que nenhuma fonte real pode jamais ser descoberta;

(2) –Que as condições resultantes não tem nenhuma natureza verdadeira intrínseca; e,

(3) – O reconhecimento da qualidade essencial vazia de todas as aparências.

Pela apreensão da verdade destes três fatores, podemos alcançar a compreensão e


podemos nos libertar do samsara. Esta visão suprema da Vacuidade une, invisivelmente,
a Verdade Relativa e a Verdade Absoluta. Quer dizer, a Vacuidade apontada pela Escola
Madhyamaka não é uma nulidade em branco, não é uma mera ausência de qualidades,
muito embora, em uma análise final, ela seja indescritível. A Vacuidade é uma
potencialidade total na medida em que dá vazão a todos os surgimentos e a todas as
aparências que ocorrem aos seres sensoriais. É a visão integrada dos níveis
convencional e último que precisa ser obtida a fim de se alcançar a Realização. Este
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campo supremo de Visão Interior, o Dharmadhatu, ou Espaço Básico de todos os
Dharmas, é freqüentemente apontado como sendo a Mãe de Todos os Budhas e
Bodhisatvas, pois exatamente como uma mãe dá nascimento às crianças, igualmente a
Visão Interior da Natureza Fundamental produz todos os seres iluminados do passado,
do presente e do futuro. A Natureza Fundamental da Vacuidade e Aparência Integrais é
similar, muito parecida, como o interior de um espaço vazio e, embora tenhamos
tentado descrevê-la nos ensinamentos precedentes, é basicamente indescritível no que
toca a impossibilidade de predicados (ou de construções conceituais) serem a ela
aplicados: transcende a todas as afirmações lógicas. Se permanecermos na consciência
meditativa com respeito a esta Sabedoria Não-Discriminativa, além de qualquer possível
concepção e, saindo de nossa meditação, reconhecermos todos os dharmas como sendo
ilusões, sonhos, ou reflexões, os quais aparecem, mas não possuem nenhuma realidade
fundamental, desenvolveremos confiança na Visão Reta, a Natureza Integral das Duas
Verdades. Tal é a grande ferramenta do conhecimento transcendente, a Perfeição da
Sabedoria, o Prajna-Paramita.

“A Porta Aberta para a Vacuidade” – Kenchen Thrangu Rinpoche – Ed. Bodigaya M. Eckhart cita Sto. Agostinho:

“A alma tem uma porta celestial para penetrar na natureza divina, onde algumas coisas
são reduzidas ao vazio”. Evidentemente temos de esperar que a porta celestial se abra
ante as nossas repetidas batidas ou incessantes pancadas, quando se é “ignorante no
saber”, “insensível no amor”, “escuro na luz”. Tudo vem dessa experiência fundamental, e
somente quando ela é compreendida é que penetramos no reino do vazio onde a
divindade mantém nossas mentes discriminatórias inteiramente “reduzidas ao vazio”. 2
Para entrar em contato com essa “fonte” e saber o que ela é, (para ver minha própria
face antes mesmo que eu tenha nascido), tenho de mergulhar no “Grande Vazio do Tao
Absoluto”.3

[2,3] – Mística Cristã e Budista – Suzuki O que pensam os cristãos de “o divino núcleo de
absoluta quietude” ou de “o simples núcleo que é o deserto tranqüilo em que não se
insinuam quaisquer distinções”? M. Eckart está de perfeito acordo com a doutrina
budista do Shunyata, [VAZIO], quando sustenta a idéia da divindade como “puro nada”,
[ein bloss niht]. 4 Realmente, o que foi criado não tem realidade; “Todas as criaturas são
puro vazio”, todas as coisas foram feitas por ele e, sem ele, nada do que foi feito, se fez.
[João, 1,3] O imperador Wu era um bom estudante da filosofia budista e desejava que o
primeiro princípio fosse elucidado por Bodhidarma o grande mestre vindo da Índia. O
primeiro princípio consiste na identidade do Ser e do Não-ser, além da qual os filósofos
não podem ir. O imperador imaginou se esse bloqueio não poderia, de algum modo, ser
rompido por Bodhidarma. Daí sua pergunta. Bodhidarma sabia que qualquer resposta
que desse seria decepcionante. Então respondeu as questões; “Que é a Realidade? Que é
a Divindade?” “A vasta Vacuidade, sem nada Santo dentro dela”. [4,5] – Mística Cristã e
Budista- Suzuki Uma passagem do “Prajnaparamita-Hridaya-Sutra” bastante impregnada
da idéia de “Shunyata”. “Assim ó Shariputra, todas as coisas têm o caráter do vazio”. À
pergunta “como pode o inivíduo estar sempre com Budha?”. Obteve a seguinte resposta

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de um mestre Zen: “Não tenhais perturbações na mente. Sede perfeitamente sereno
com relação ao mundo objetivo. Permanecer assim todo o tempo, num vazio absoluto e
calmo, é o caminho para a união com Budha7”.
[6,7] – Introdução ao Zen Budismo – Suzuki

PRODUZIR O VAZIO

No Taoísmo o trabalho integral para consumar a essência e a vida se encontra incluído


na expressão “PRODUZIR O VAZIO”. Encontrar o elixir espiritual, para passar da morte à
vida. Em que consiste este elixir espiritual? Significa: Permanecer sempre sem finalidade.
O segredo profundo do “banho”, que é o mais profundo do nosso ensinamento, é
limitado desse modo ao trabalho de fazer VAZIO O CORAÇÃO. Com isso se tranqüiliza o
coração. O que aqui revelei com palavras é fruto de muito trabalho. Vamos esclarecer a
tríplice concentração budista sobre o VAZIO, ilusão, e centro. Das três contemplações
vem como primeira o VAZIO. Se observarmos todas as coisas como vazias, logo segue a
ilusão. Embora se saiba que são vazias, não as destruímos mas continuamos nossos
afazeres no meio do vazio. Porém se as coisas não são destruídas por nós, tampouco
damos valor a elas: isto é a contemplação do centro. Enquanto se pratica a
contemplação do vazio, sabemos que não é possível destruir as inúmeras coisas, e, no
entanto não as tomamos em consideração. Desta maneira coincidem as três
contemplações. Porém finalmente a força repousa na contemplação do VAZIO. Portanto
quando praticamos a contemplação do VAZIO, o vazio esta seguramente vazio, porém
também a ilusão é vazia e o centro é vazio. É necessária uma grande força para praticar a
contemplação da ilusão, porém também o vazio é ilusão e o centro é também ilusão. No
caminho do centro criamos imagens do vazio, porém não a denominamos vazias, mas de
centrais. Praticamos também a contemplação da ilusão, porém não a chamamos de
central. E quanto ao que concerne ao centro, não há necessidade de falar mais8.
[8]- O SEGREDO DA FLOR DE OURO – C. G. Jung e R. Wilhelm

A VACUIDADE TRANSCENDE AS DUALIDADES

“Nirvana” é outra denominação de Vacuidade. A expressão vacuidade, pode ser mal


interpretada, por diversos motivos. 1 : A lebre e o coelho não têm chifres, a tartaruga
não tem pelos. Isso é uma forma de vacuidade. O “Shunyata” budista não significa
ausência 2 : Um fogo estava aceso até agora e já não está. Eis uma nova forma de
vacuidade. O “Shunyata” budista não significa extinção. 3 : A parede cerca o
aposento: deste lado há uma mesa e do outro não há coisa alguma, o espaço está
desocupado. O “Shunyata” budista não significa lacuna. Ausência, extinção, e não
ocupação, não constituem a concepção budista de vacuidade. A vacuidade não está no
plano da relatividade. É a Vacuidade Absoluta, que transcende todas as formas de
relação mútua, de sujeito e objeto, de nascimento e morte, de Deus e do mundo, de
alguma coisa e nada, de sim e não, de afirmação e negação. Na Vacuidade não existe
tempo, nem espaço, nem tornar-se, nem não ser. Ela é o que faz todas as coisas
possíveis; é o zero pleno de infinitas possibilidades, é o vácuo de conteúdo inesgotável.9

[9] – MÍSTICA CRISTÃ E BUDISTA – Suzuki


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Céu e terra tem a mesma raiz. Tudo é Um. A forma visível das coisas não é diferente do
vazio, que é sua natureza essencial. Um “satori” fraco é aquele em que o mundo do
vazio é ainda visto como diferente do mundo da forma. Sua mútua interpenetração
ainda não foi percebida. A mente é a verdadeira natureza das coisas. Buda é Mente. A
Mente não está no interior, nem no exterior, nem entre os dois. Não é o Ser ou o Não-
Ser, o nada ou o não-nada. Portanto é chamada a Mente sem morada. A Mente
transcende todas as formas, mas é inseparável delas. Qual é a substância desse Buda
ou Natureza-Dharma? No Budismo se chama “Shunya” (Vazio). Ora, o “Shunya” não é
apenas o esvaziamento. É aquilo que esta vivendo, dinâmico, carente de volume, não
fixo, para além da individualidade ou personalidade. A Matriz de todo o fenômeno.

Temos aqui o princípio fundamental, a Doutrina, ou a Filosofia Budista. Com a


experiência da iluminação, que é a fonte de toda doutrina budista, percebemos o mundo
de “shunyata”. Este mundo não fixo, carente de conteúdo, para além da realidade ou da
personalidade [existe fora do domínio da imaginação]. De acordo com isso, a verdadeira
substância das coisas, isto é, sua Natureza-Budha ou “Dharma”, é inconcebível e
inescrutável. Uma vez que tudo que é imaginável compartilha da forma e da cor, seja o
que for que se imagine ser a Natureza-Buda deverá necessariamente ser irreal. A mente
do ego, e a Mente Cósmica são dois lados da mesma Realidade. Quando se compreende
a verdadeira natureza do Universo sabe-se que não existe realidade nem objetiva nem
subjetiva. Nesse mesmo instante estruturas “kármicas” que carregariam você ao mais
profundo dos infernos são apagadas. Esta verdadeira natureza é a raiz e substância de
todo ser sensível. O homem custa a se convencer que sua própria mente é a Grandiosa
Integridade compreendida por Budha, por isso se apega as formas superficiais e olha
para a verdade fora de sua mente, lutando para ser um Budha, através de práticas
ascéticas. O que busca e não encontra ainda, está amarrado por suas ilusões dos dois
mundos: um da perfeição que esta além, de paz sem luta, de alegria sem fim; outro o
mundo do cotidiano do sofrimento e do mal, sem sentido, com o qual vale muito pouco
a pena se relacionar. Secretamente ele deseja o primeiro, mesmo porque abertamente
despreza o último. Entretanto, hesita em mergulhar no fecundo Vazio, no abismo de sua
própria Natureza-Original, porque, na sua mais profunda inconsciência, receia
abandonar seu mundo familiar de dualismo pelo mundo desconhecido da Unidade, de
cuja realidade ainda duvida. Neste mundo há incontáveis objetos e cada um é,
respectivamente, o mundo inteiro. Quando alguém chega a compreender esse fato,
percebe que cada objeto, cada ser vivo é o todo, mesmo que ele próprio não
compreenda.

Se compreendermos o corpo de Budha, Não existe mais nada. Fonte original, Nossa
própria natureza É o puro e verdadeiro Budha.

Esse verso do Sutra Shodoka, “O canto do Satori imediato”, de Yoka Daïshi, significa que,
se compreendemos a realidade, se obtivermos a realização completa, nosso corpo torna-
se Budha. Tornar-se Budha significa receber e apreender a vida Cósmica. Temos de
compreender que nosso corpo e o Cosmos não estão separados; eles formam uma
unidade. A essência do sutra do Hannya Shingyo (Prajna Paramita) é:
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Os fenômenos não são diferentes do vazio, o vazio não é diferente dos fenômenos

10 . (A essência e os fenômenos se interpenetram)

[10] – SHODOKA – “O CANTO DO IMEDIATO SATORI” de Yoka Daïshi – Tradução e


comentários de Taïsen Deshimaru.

ZERO = INFINITO

O “Prajna” não é alcançado quando alguém atinge o mais profundo centro interno do
“próprio” ser. Não consiste na “permanência” em um ponto místico secreto do “próprio”
ser, mas permanência em parte alguma em particular, no ser ou fora dele. Não consiste
na auto-realização como afirmação do “próprio” ser limitado, ou no gozo da “própria”
essência espiritual interna, mas ao contrário é isenta da necessidade de auto-afirmação
e auto-realização de qualquer espécie. Numa palavra, Prajna não é auto-realização, mas
realização pura e simples além do sujeito e do objeto. Evidentemente, numa realização
desse tipo a “Vacuidade” já não mais se opõe à “Plenitude”, porque Vacuidade e Plenitude
são UM. O Zero é igual ao Infinito. Onde existe “alguma coisa”, um objeto definido ou
limitado, não é possível existir a “Plenitude”. Mais uma vez, a “Vacuidade” de todas as
formas limitadas é a plenitude do “UM”: entretanto, o UM jamais deve ser encarado
como uma forma isolada. Para evitar essa tentação, os mestres Zen sempre se referem a
Vacuidade11 .
[11] – Trechos do Livro THE ZEN DOCTRINE OF NO MIND – Daisetz Teitaro Suzuki

NA CIÊNCIA MODERNA

BUDISMO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA,

O Novo veículo de Sabedoria

Todas os fenômenos dos mundos externo e interno, com exceção do espaço natural e da
vacuidade, existem na impermanência. Das maiores cadeias de montanhas, estrelas e
galáxias à corrente interna de energia de vida dos seres humanos com suas emoções e
pensamentos sempre em mutação, tudo está continuamente se desintegrando
momento a momento e se transformando em outra manifestação de vida e de energia
elemental. A dança cósmica da criação, transformação e destruição, nos níveis grosseiro,
sutil e muito sutil, segue o ritmo cósmico fundamental e a melodia do carma, da
vacuidade e do surgimento interdependente dos fenômenos. Em minha opinião, os
yogues tântricos antigos e modernos, os mahasiddhas, santos, filósofos tibetanos
(gueshes) e outros Seres Sagrados que pesquisam o mundo interior e os físicos do
século XX, que investigam o mundo externo, independentemente uns dos outros,
descobriram a verdade da vacuidade e da interdependência dos fenômenos. É claro, que
da perspectiva budista, tudo isso é criado pela mente. Acreditamos que a investigação
científica interna da mente sutil e da energia, realizada por muitas gerações de yogues,
santos e grandes meditadores, é muito mais profunda e poderosa que a investigação
científica do nível grosseiro, realizada por nossa geração atual. Entretanto, ambos
parecem estar tocando a mesma realidade a partir de ângulos diferentes e em
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diferentes níveis, Os cientistas estão tocando a vacuidade e o surgimento
interdependente dos fenômenos do ponto de vista objetivo, no nível grosseiro,
baseados nos objetos manifestos e no que pode ser registrado pelas máquinas e
conceitualmente formulado pela matemática. Os mahasiddhas e grandes meditadores
tocam a vacuidade diretamente, subjetivamente e sem conceitos, nos níveis sutil e muito
sutil, baseados em sua experiência pessoal da dissolução de seus elementos, ventos e
consciência, resultado de terem aprendido a cuidar de seus canais, ventos e gotas.
Ambos estão tocando a vacuidade e o surgimento interdependente dos fenômenos
utilizando as estruturas de suas próprias metodologias científicas. Os yogues budistas
afirmam o seguinte:

Os fenômenos físicos e mentais são vazios de existência em si mesmos, pois


todos os fenômenos são projeções de nossa mente nos níveis grosseiro, sutil e
muito sutil, e o criador supremo do universo fenomênico é nossa mente muito sutil
de clara luz.
Todos os fenômenos se manifestam interdependentemente e funcionam
devido ao karma (a lei de causa e efeito). Podemos examinar níveis diferentes de
surgimento interdependente dos fenômenos, desde o mais grosseiro (as coisas
dependem de suas partes, causas e condições) até a interdependência no nível
muito sutil, quando percebemos que nosso “rotular” mental dos fenômenos é o
verdadeiro ato de criação que os traz à realidade.
O macrocosmo é um reflexo do microcosmo e vice-versa.

Conforme posso entender, as idéias defendidas pelos cientistas são as seguintes:

Nenhum fenômeno do mundo material existe de forma concreta substancial


ou independente como normalmente aparentam. Verificando o interior dos
átomos, não encontramos nada além de espaço e energia em movimento.
Todos os fenômenos materiais estão se desintegrando e se transformando
momento a momento, no nível sutil, de acordo com uma precisa lei de
conservação da energia, segundo a qual, a energia nunca pode ser perdida no
universo e, assim, se transforma continuamente em novas formas.
Todos os fenômenos do macrocosmo e do microcosmo são uma grande rede
interdependente, O macrocosmo reflete-se no microcosmo tal como os campos
eletromagnéticos de nossos corpos.
Alguns pesquisadores da física quântica afirmam que o universo material não pode
ser entendido sem uma referência à consciência humana e que, de alguma forma,
a mente está ajudando a criar os fenômenos materiais.

Em minha opinião, a visão dos yogues budistas está muito próxima da visão dos físicos
de hoje. Talvez suas explicações sejam exatamente as mesmas, ou talvez, muito pouco
diferentes. Mesmo não podendo ter certeza sobre isso, não há como negar que os
físicos de hoje podem virtualmente concordar com a visão budista da realidade. Por isso,
muitos cientistas estão começando a se interessar por aspectos específicos do budismo
tibetano, e também por outras tradições espirituais antigas, como o hinduísmo e o

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taoísmo. Os cientistas estão iniciando um diálogo com os yogues budistas porque o
budismo pesquisou por completo a relação mente-matéria, os níveis sutil e muito sutil
de consciência e os cinco elementos. Se os cientistas tivessem acesso a esse nível sutil
subjetivo e objetivo da realidade, não precisariam comunicar-se com os Lamas. Isso não
significa que os cientistas precisam tornar-se budistas. Os Lamas modernos como eu
desejam apenas oferecer a essência da prática e da filosofia Prajnaparamita, Pramana,
Abhidharmakosha, do Tantra e outros métodos aos cientistas, para que eles os utilizem
como lhes parecer mais adequado. Sua Santidade o Dalai Lama está pedindo à geração
atual de Lamas que mostrem a qualidade da investigação budista ao mundo. Hoje em
dia, quase tudo já foi examinado e pesquisado. As únicas coisas interessantes que ainda
não foram pesquisadas por completo são as mensagens das antigas culturas de
sabedoria, como o budismo tibetano. Precisamos fazer uma ponte entre a maravilhosa
pesquisa dos cientistas modernos e a maravilhosa investigação dos lamas, yogues e
mahasiddhas. Eu gostaria de organizar uma série de conferências sobre isso e publicar
os resultados para poder apresentar com clareza as boas novas dos cientistas e yogues
ao mundo. Não é necessário que os cientistas entendam tudo sobre o budismo ou que
os budistas entendam tudo sobre a ciência. Precisamos apenas explorar conjuntamente
as áreas de interesse comum e fazer uma ponte, iniciar o diálogo e a comunicação. Essa
troca é muito importante pois, no próximo século, todos nós estaremos ligados à ciência
ou à tecnologia, mas ainda estaremos procurando respostas profundas para o “sentido
da vida e da realidade”. Se você está interessado em pesquisar o solo comum entre o
budismo e a ciência, por favor, considere as seguintes citações de uma seleção dos mais
influentes cientistas do mundo interno e externo dos últimos dois mil e quinhentos anos
como ponto de partida para sua reflexão. Por favor, não se sinta desencorajado ou
impaciente ao ler suas palavras. É natural que os cientistas, em seu trabalho de
investigação da realidade, usem seus termos científicos próprios para explicar suas
descobertas. Mesmo não conhecendo o significado de algumas destas palavras, é
possível ter algum sentimento sobre as verdades que eles estão tentando revelar.
Precisamos sentir e entender que essas duas correntes de visão e resultados
experimentais possuem ambas a capacidade de desvelar algo da natureza fundamental
do universo. Embora os cientistas do mundo interno e externo se expressem de formas
diferentes, sinto que existe certamente uma relação entre suas visões de mundo e, se
fosse possível sintetizá-las, isso seria de grande benefício para a sociedade, tanto em
termos do desenvolvimento da ciência e da tecnologia, quanto para o desenvolvimento
da paz interior e da paz no mundo.

A VACUIDADE

O bodisatva Avalokitesvara disse no Sutra da Essência da Perfeição da Sabedoria, há dois


mil e quinhentos anos:

“Forma é Vacuidade, Vacuidade é Forma Vacuidade não é outra coisa que forma. Forma
também não é outra coisa que vacuidade”. “Assim, os sentimentos, a discriminação e
os fatores composicionais são vazios. Portanto… na vacuidade não há corpo existente
por si mesmo, sentimento existente por si mesmo, consciência existente por si mesma.
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Não há forma existente por si mesma, som existente por si mesmo, cheiro existente
por si mesmo, gosto existente por si mesmo, objetos táteis existentes por si mesmos,
fenômenos mentais existentes por si mesmos”.

Tchandrakirti, um famoso mahasiddha indiano do século IV, filósofo e cientista interno,


disse em seu comentário das quatrocentas estrofes de Aryadeva: “Que as coisas existam
por si mesmas significa que as coisas não são dependentes de outros fatores para sua
existência. Mas porque as coisas realmente dependem de outros fatores, não pode haver
existência por si mesma”. Robert Oppenheimer, o físico que desenvolveu a bomba de
hidrogênio para os americanos durante a Segunda Guerra Mundial, afirmou: “Se
perguntarmos, por exemplo, se a posição do elétron permanece a mesma, devemos
responder que não; se perguntarmos se a posição do elétron muda com o tempo, devemos
responder que não; se perguntarmos se ele está em movimento, devemos responder que não.
Buda deu as mesmas respostas quando interrogado sobre as condições do ‘eu’ do homem
após a morte. Mas essas não são respostas familiares à tradição científica do século XVII ou
XVIII”. Thomas Stapp disse em seu relatório para a comissão de energia atômica dos
Estados Unidos: “Com certeza não existe um mundo físico substancial” Heisenberg
comentou a descoberta da mecânica quântica com as seguintes palavras: “Foi como se
nos tirassem o chão. Não havia mais nenhuma fundação firme sobre a qual se pudesse
construir algo”. Niels Bohr, o pai da mecânica quântica ganhador do Prêmio Nobel,
afirmou: “A mecânica quântica impõe a necessidade de uma renúncia definitiva às idéias
clássicas de causalidade, assim como uma revisão radical de nossa atitude em relação ao
problema da realidade física”.

A INTERDEPENDÊNCIA

Na ciência interna budista, temos a imagem de uma rede feita de jóias cobrindo o
telhado do palácio de Indra, na qual cada jóia reflete a rede e o palácio inteiros. Lama
Tsong Khapa, um famoso budista tibetano, cientista interno e filósofo do século XIV,
fundador da escola Guelupa, afirmou: “A Rainha das Razões, a Interdependência dos
Fenômenos, mostra que “todas as coisas carecem de existência por si mesmas, pois
sãofenômenos dependentemente relacionados”. E em seu texto Os Três Principais Aspectos
do Caminho, ele diz: “Quem enxergar a relação causa-efeito completamente não ilusória de
todos os fenômenos do samsara e do Nirvana e destruir todas as percepções dualistas
enganosas entrará no caminho que satisfaz os conquistadores”. Pantchen Tchoekyi
Gyaltsen, um famoso budista tibetano do século XVI, cientista interno e detentor da
linhagem de Lama Tsong Khapa, afirmou em seu texto Lama Tchoepa: “Não há
contradição, mas sim harmonia, entre a ausência de um único átomo existente por si mesmo
no samsara e no Nirvana e a relação dependente não ilusória entre causa e efeito.” Niels
Bohr, o físico dinamarquês do século XIX ganhador do Prêmio Nobel, afirmou: “As
partículas materiais isoladas são abstrações, sendo suas propriedades definíveis e
observáveis apenas por meio da interação com outros sistemas”. Thomas Stapp, um famoso
físico americano do século XX, afirmou em um relatório patrocinado pela Comissão
Norte-​Americana de Energia Atômica: “O mundo físico não é uma estrutura construída a
partir de entidades não analisáveis existentes independentes umas das outras, mas sim uma
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rede ele relações entre elementos cujos significados surgem totalmente a partir de suas
relações com o todo”. e “Uma partícula elementar não é uma entidade não-analisável que
existe independente de outras, mas sim um conjunto de relações que se estendem a outras
coisas”.

A RELAÇÃO ENTRE O MACROCOSMO E O MICROCOSMO


O Tantra de Kalachakra diz: “Assim como é no mundo externo, também é no mundo
interno”. Segundo Bohm, um famoso físico do século XX: “As partes são vistas como
estando em conexão imediata, na qual suas relações dinâmicas dependem irredutivelmente
do estado do sistemacomo um todo e do todo do universo. Somos, portanto, levados à nova
noção de uma totalidade sem quebras, que nega a ideia clássica da possibilidade de se
analisar o mundo em partes separadas e existentes independentemente umas das outras”.

A MENTE ESTÁ CRIANDO A REALIDADE MATERIAL


Uma das conclusões da física quântica éa de que os fenômenos são trazidos à
existência pelo nosso ato mental que os rotula ou os nomeia, por exemplo, “gato vivo
ou gato morto”. Segundo essa teoria, talvez os fenômenos não existam senão como
qualificações mentais. Isso éo mesmo que os sábios budistas vêm dizendo há séculos.
Estas são as palavras de Saraha, um mahasiddha indiano do século X: “Apenas a mente é
a semente de todas as realidades, de onde se originamso samsara e o Nirvana”. Segundo
James Jeans, um grande físico americano do século XX: “O curso do conhecimento está se
movendo em direção a uma realidade não mecânica. O universo começa a se parecer mais
como um grande pensamento do que com uma grande máquina”. Fritzof Capra, um físico
americano do século XX, afirmou: “A abordagem ‘bootstrap’ abre a possibilidade inédita de
sermos forçados a incluir explicitamente o estudo da consciência humana nas futuras teorias
da matéria.” E Evan Walker, um físico americano do século XX, disse: “A consciência pode
ser associada a todos os processos da mecânica quântica”. Wolfgang Pauli, um físico
ganhador do Prêmio Nobel: “A partir de um centro interno, a psique parece mover-se para
fora no sentido de uma extroversão no interior do mundo físico”. Eugene Wigner, um físico
americano do século XX: “Não foi possível formular as leis da mecânica quântica de uma
forma completamente consistente sem referir-se à consciência”.
NGELSO – AUTOCURA III – T.Y.S. Lama Gangchen Tulku Rimpoche

“Toda a neurofisiologia, escreveu o Prof. P. Chauchard, repousa sobre a atividade psico-


química do sistema nervoso. A atividade nervosa é uma verdadeira sociologia neurônica
de onde emerge o indivíduo superior”. Os fenômenos da consciência são não somente
ligados a transformações eletrônicas, mas não se limitam somente a intervenção de
neurônios específicos. Assim escreve o Prof. Pierre Rylant: “Não é possível, como
mostrou claramente Sherrington, limitar a consciência a intervenção de neurônios
específicos”. Uma certa forma de consciência se acha intimamente ligada a energia
formando a essência de toda materialidade. É de se supor que os caracteres de
surgimento e de renovação onde se encontram marcados os mais altos estados de

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consciência espiritual estão em relação íntima com o processo de criação constante que
se persegue nas profundezas do mundo atômico. Assim se exprime P. Jordan: “A cada
instante, há qualquer coisa de totalmente nova no interior de cada átomo”.
“Le Zen” – de Robert Linssen – Ed. Marabout Université

Matthieu Ricard: – Quando fala da ‘vacuidade’ dos fenômenos, o budismo diz que estes
‘aparecem’, mas não refletem absolutamente a existência de entidades fixas. A física
moderna nos diz que um elétron, por exemplo, pode ser considerado uma partícula ou
uma onda, duas noções completamente incompatíveis, segundo o senso comum. Certos
fenômenos de interferência causados por elétrons só podem ser explicados supondo-se
que um elétron passe no mesmo instante por dois buracos diferentes. Segundo o
budismo, os átomos não podem ser considerados como entidades fixas, existentes sob
um modo único e determinado; por conseguinte, como o mundo da manifestação
grosseira, que supostamente é composto dessas partículas, teria uma realidade fixa?
Tudo isso contribui para destruir nossa noção de solidez das aparências. É nesse sentido
que o budismo afirma que a natureza última dos fenômenos é vacuidade, e que essa
vacuidade traz em si um potencial infinito de manifestações. […]. Fala-se de partículas
que ‘não tem partes’, que não podem ser subdivididas. Ou seja, o componente último da
matéria. Consideremos agora uma dessas partículas indivisíveis, concebida como uma
entidade autônoma. Como poderia ela se associar com outras partículas para constituir
a matéria? Se essas partículas se tocarem, o oeste de uma partícula, por exemplo, tocará
o leste da outra. Mas se têm direções, elas podem ser novamente divididas e então
perdem seu caráter ‘indivisível’. Se não tem nem lados nem direções, então se
assemelham a um ponto matemático – sem dimensão, espessura ou substância. Se
tentarmos juntar duas partículas sem dimensão, ou elas não se tocam e não podem se
juntar, ou entram em contato e, ao fazerem isso, se confundem. Assim, uma montanha
de partículas indivisíveis poderia se fundir em uma só dessas partículas! A conclusão,
portanto, é que não podem existir partículas indivisíveis, descontínuas, dotadas de uma
existência intrínseca, que seriam os constituintes da matéria. Além disso, se um átomo
possui uma massa, uma dimensão, uma carga etc., será ele idêntico ao conjunto de seus
atributos? Existe fora de seus atributos? O átomo não é idêntico a sua massa nem a sua
dimensão. Tampouco é outra coisa além de sua massa e de sua dimensão. O átomo,
portanto, tem um conjunto de características, mas ”não é” nenhuma delas. O átomo,
portanto, não passa de um conceito, uma etiqueta que não abarca uma entidade
existente de modo independente e absoluto. Tem uma existência apenas convencional,
relativa. […] Ao demonstrar que não podem existir partículas indivisíveis, o budismo não
pretende dar conta de fenômenos físicos, no sentido no qual a ciência os entende hoje:
ele procura quebrar o conceito intelectual da solidez do mundo fenomenal. Pois é esse
conceito que faz apegar-nos ao ‘eu’ e aos fenômenos; portanto, é esse conceito a causa
da dualidade entre o eu e o outro, existência e não-existência, apego e repulsa etc., é a
causa de todos os nossos tormentos. De qualquer modo, nesse particular o budismo vai
ao encontro, intelectualmente falando, de certas visões da física contemporânea e sua
contribuição deveria ser incluída na história das idéias. Eu gostaria de citar, por exemplo,
um dos grandes físicos de nossa época, Henri Margenau, professor da Universidade de
Yale, que escreve: “No fim do século XIX, sustentava-se que todas as interações
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implicavam objetos materiais. Hoje em dia, em geral já não se considera isso uma
verdade. Prefere-se pensar que se trata da interação de campos de energia ou de outras
forças que são, basicamente, não-materiais”. E Heisenberg dizia: “Os átomos não são
coisas”. Para Bertrand Russel: “A idéia de que existe ali uma bolinha, uma massinha
sólida que seria o elétron, é uma intrusão ilegítima do senso comum, derivada da noção
do tato”, e ele acrescenta: “A matéria é uma fórmula cômoda para descrever o que
sobrevêm no lugar onde, na verdade, a matéria não está, portanto, no lugar onde não há
nada”. Por outro lado, Sir James Jeans, em suas Rede’s lectures (Conferencias de rede)
chegava a dizer que “O universo começa a parecer mais um grande pensamento do que
uma grande máquina”. […] “O Monge e o Filósofo” – Jean-François Revel (Filósofo) e
Matthieu Ricard (Monge)

BUDISMO E CIÊNCIA MODERNA.


“A vida e a consciência existem ao nível das partículas intranucleares”. – Dr. D. Lawden

É interessante notar que o progresso da ciência moderna, especialmente da física e da


psicologia, trazem a luz certas similitudes entre os ensinamentos da ciência e do
Budismo. A rapidez da evolução recente das ciências obriga os pesquisadores a se
descartar cada vez mais dos valores antigos. Esta atitude encontra indiretamente a do
Ch’an e do Zen, definida por um eminente cientista francês, G. Cahen: “A
despersonalização do julgamento científico é considerado como uma condição
essencial de sua validade. Em toda medida o físico deve lutar contra a precariedade
duma constatação que seria muito individual. Ele deve sempre que possível eliminar
sua equação pessoal. Face ao fato, ele se torna invisível, passivo, impessoal,
inexistente”. Nessa mesma obra G. Cahen conclui por um lado pela identidade da
essência entre o intelecto e o universo, e por outro lado a existência de um “vazio” como
realidade fundamental do universo, o que nos lembra o Sunyata Budista. Ele declara: “O
exame dos fenômenos em face ao conteúdo imediato de nossas percepções, apresenta
dois caracteres que colocaremos em evidência. Por um lado, esse processo revela uma
identidade de essência entre o intelecto e o universo. Por outro lado esse conteúdo se
esvazia progressivamente de sua substância aparente: a matéria tendendo ela mesma
a não ser mais que uma forma vazia,[Como é dito no Maha-Prajna-Paramita Sutra: “A
forma é vazia de qualquer substância própria e o vazio não é diferente da forma; na
realidade, a forma é o vazio”] um campo de ação das propriedades estruturais de
nossa mente, quer dizer qualquer coisa de imaterial”. Exprimiremos assim da maneira
mais extrema a tendência última da ciência: “redução da realidade ao vazio”. “Esse vazio,
esse Não-Ser, esse “Nada”, é o Ser mais completo possível, pois ele contém
potencialmente o universo”. Podem-se estabelecer outros paralelismos entre os
ensinamentos do Budismo e da ciência moderna. Queremos mostrar aqui que o satori,
esta experiência fundamental do Ch’an e do Zen, está em estreita ligação com uma
interfusão universal na qual participam todos os átomos do corpo humano em relação
com o universo inteiro e reciprocamente. Tudo se sustenta, nada é separado no
universo, desde a densa matéria física até os últimos confins do universo não manifesto.
As oposições entre o mundo fenomenal e o mundo noúmenal, entre matéria e mente,
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entre o que é regido pela lei de causa e efeito e o que está fora de toda a causalidade,
entre o temporal e o atemporal, devem desaparecer. Elas existem somente em nosso
intelecto. Na Antigüidade, tanto no Oriente como no Ocidente, não se estabeleciam
distinções entre o pensamento filosófico e o científico. Para o Budismo Mahayana,
mente e matéria, o Nirvana e o Samsara são faces opostas, mas complementares de uma
só e mesma realidade. Para Heráclito, Demócrito, Pitágoras, Platão, e Aristóteles, os
fenômenos naturais, a vida, o homem formam um todo homogêneo, inseparável. A
recusa de considerar a unidade do físico e do psíquico e as ligações existentes entre a
microfísica e a metafísica provém principalmente de uma tendência que foi delineada no
séc. XVI, quando a ciência se tornou experimental e se liberou de toda obediência
religiosa, libertação que permitiu à ciência e a técnica conseguirem os progressos
extraordinários que atualmente assistimos, ao mesmo tempo perplexos e inquietos. Nós
observamos um movimento durante o qual, desde o séc. XIX, os sábios foram obrigados
a consagrarem-se a trabalhos cada vez mais específicos e tornaram-se especialistas em
razão da extensão e da variedade dos fenômenos estudados. Eles recusaram de saída
qualquer ingerência da metafísica na ciência e tomaram atitudes parciais e sectárias do
cientificismo e do materialismo estrito, representados principalmente por Taine e Le
Dautec. Veremos em seguida que esse movimento atravessa uma fase inversa. Os sábios
mais e mais numerosos adotam em nossos dias uma atitude absolutamente oposta. Eles
crêem superar as deformações inerentes aos especialistas cujos conhecimentos,
separados por compartimentos estanques, chegaram, voltados sobre eles mesmos, a
verdadeiros impasses. Os sábios compreendem hoje que todas as ciências são solidárias
e que as descobertas aparentemente as mais afastadas se fecundam mutuamente em
uma espécie de simbiose contínua. Eles se dedicam de novo e de maneira definitiva ao
estudo da unidade fundamental dos fenômenos. Eles se empenham em realizar uma
síntese e uma coordenação das inumeráveis descobertas realizadas cada novo ano no
mundo inteiro. É assim que vemos reunidos no mesmo congresso astrônomos, físicos,
químicos, especialistas em anatomia do cérebro, cibernéticos, biólogos, médicos. Sem
esta cooperação e esses confrontos contínuos, sem tais êxitos o envio dos cosmonautas
a Lua teria sido impossível. As sínteses novas que se formam de um encontro mais
numeroso entre todos os especialistas de todos os setores nos forçam a repensar certas
posições tradicionais do pensamento. Nesta nova tendência vemos reaparecer com
uma força particular as instituições dos antigos sábios do Oriente, impregnados de
unidade e universalidade. Em um memorável estudo intitulado “Microfísica e Metafísica”,
Mathilde Niel escreveu: “Os progressos conquistados nos domínios muito variados da
física, biologia, astronomia, psicologia conduzem a repensar certos problemas
colocados a muito tempo pela espiritualidade e principalmente pela espiritualidade
Oriental. As novas descobertas sobre o mundo atômico e as partículas elementares
obrigaram os pesquisadores a renovar inteiramente sua visão do universo e seu modo
de pensar. A razão em si mesma que acreditávamos imutável tem sido desmantelada, e
Gaston Bachelard saúda a chegada de um novo espírito científico. Mas essas
descobertas tendem a transformar igualmente nosso senso metafísico, ou se somos
espiritualistas, nosso modo de experimentar o divino, é preciso atentar que após a
revolução racional sucede uma revolução espiritual”.

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O ponto de partida da revolução espiritual encontra-se nas revelações recentes sobre a
natureza estranha do infinitamente pequeno. As descobertas relativas aos constituintes
últimos da matéria são cada dia mais fascinantes. A importância do papel do
infinitamente pequeno em todos os fenômenos não somente físicos mais igualmente
bioquímicos, biológicos, neurofisiológicos, e psicológicos se revela cada dia mais
importante. Cada vez mais, a natureza energética, não causal, atemporal e talvez não-
condicionada do infinitamente pequeno nos conduz ao limiar de mundos físicos e
espirituais. Além da antiga mecânica quântica, os sábios, como Robert Tournaire,
elaboraram uma mecânica sub-quântica. Nessa reside igualmente uma das revoluções
metafísicas e espirituais mais fundamentais dos tempos modernos. Esta posição de
equilíbrio e síntese entre o materialismo ultrapassado e o espiritualismo se encontra,
nos parece, definida nas tendências modernas do Zen. Os progressos da biologia e da
neurofisiologia psicológica são efeitos de descobertas do infinitamente pequeno. A
evolução das espécies, as mutações, correspondem a mudanças de ordem molecular
nos genes. O gene é uma molécula complexa de ácido desoxiribonucleico [DNA] que
transmite a hereditariedade desde a concepção. Os genes são reunidos em
cromossomos. Cada célula humana contém 48 cromossomos ou 24 pares. E.
Schrödinger escreveu: “Grupamentos incrivelmente pequenos de átomos, pequenos demais
para se conformarem às leis estatísticas exatas, jogam uma regra dominante nos eventos
muito bem ordenados que se produzem no interior de um organismo vivo”. Na obra “A Física
e o segredo da vida orgânica” o físico alemão P. Jordan nos mostra como alguns fótons
de luz projetados sobre a retina de um olho habituado a escuridão são suficientes para
criar uma sensação luminosa, portanto “um processo de consciência no interior do cérebro
humano”. Jordan acrescenta que “os fenômenos de ordem de grandeza atômica
correspondem, do ponto de vista físico, ao movimento tão fino e tão tênue dos pensamentos e
das sensações”. Os trabalhos do Dr. Roger Godel “A experiência liberadora, Vida e
Renovação” e os do Prof. Pierre Rylant, da Universidade de Bruxelas, colocaram em
evidência a importância dos fenômenos eletrônicos e elétricos em todas as
manifestações da consciência. “Toda a neurofisiologia, escreveu o Prof. P. Chauchard,
repousa sobre a atividade psico-química do sistema nervoso. A atividade nervosa é
uma verdadeira sociologia neurônica de onde emerge o indivíduo superior”. Os
fenômenos da consciência são não somente ligados a transformações eletrônicas, e não
se limitam somente à intervenção de neurônios específicos.

Assim escreve o Prof. Pierre Rylant: “Não é possível, como mostrou claramente
Sherrington, limitar a consciência a intervenção de neurônios específicos”. Uma certa
forma de consciência se acha intimamente ligada a energia formando a essência de toda
materialidade. É de se supor que os caracteres de surgimento e de renovação onde se
encontram marcados os mais altos estados de consciência espiritual estão em relação
íntima com o processo de criação constante que se busca nas profundezas do mundo
atômico.

Assim se exprime P. Jordan: “A cada instante, há qualquer coisa de totalmente nova no


interior de cada átomo”. Nos níveis mais profundos da vida espiritual, há precisamente
alguma coisa integralmente nova e desconhecida, de instante a instante. É em outros
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termos e em outro nível, o que exprime igualmente M. Niel: “Se nosso sentimento de
liberdade provém, como parece provar a nova psicanálise, da consciência que não
impede uma energia de ordem cósmica, então a indeterminação quântica e nosso
sentimento de liberdade, embora diferentes um do outro, podem ter uma causa
semelhante”. Esta causa semelhante é evidentemente, para os mestres Zen, a Mente
Cósmica. Esta realidade se manifesta sob a forma de um campo para o qual muitos
sábios tentam estabelecer uma fórmula, porém qualquer que seja ela escapa a toda
tentativa de formulação. A noção de “Campo Unificado” preocupava particularmente A.
Einstein, e Heisenberg. Na França J. Charon procurava a fórmula de um campo unificado
capaz de explicar em uma só equação os campos nucleares, eletromagnéticos, e
gravitacionais. Os fenômenos nucleares, eletromagnéticos, e gravitacionais são regidos
por uma realidade idêntica na qual estão suspensas as manifestações do universo
inteiro. Esta realidade foi designada pelo astrônomo inglês Fred Hoyle como um “Campo
de Criação”. A noção de campo permite ultrapassar a antiga dualidade de mente e
matéria. Tal é igualmente a opinião de Emile Bréhier que declara que “O Campo seria a
Realidade Universal que ultrapassa a distinção da matéria e do espírito”. Podemos
deixar a conclusão aos cuidados de M. Niel que escreveu: “É curioso ver que a noção de
campo, considerado como realidade universal, une certas intuições do pensamento oriental,
principalmente a da Mente Cósmica, do Zen-Budismo ou da Consciência Cósmica de Tagore”.
“É, pois a ação desse campo sobre as partículas elementares que parece determinar as
combinações infinitas, as criações de estruturas novas, limítrofes ao que chamamos de
matéria, de vida, de consciência. “Mas uma vez surgida a consciência individual, o
Campo Universal agirá então por seu intermédio. Ela será pois criadora, porque tem a
mesma natureza que o Campo fundamental da criação”.

CAMPO DE CRIAÇÃO E SATORI


Em sua essência mais profunda, o Universo se resolve em um Campo Unificado de
Criação Pura. O Ser puro dos filósofos, o Deus dos místicos não seriam, pois
diferentes. Quando estabelecemos em nossa mente uma visão panorâmica dos
progressos recentes da maioria das ciências, uma realidade emerge sobre qualquer
outra: a do campo unificado de criação onde se alimentam todas as manifestações do
universo visível e invisível. Esta realidade ocupa um lugar de prioridade cuja evidência se
afirma dia a dia. Assim se exprime Schrödinger: “Não existe senão uma só coisa, a
pluralidade aparente é uma série de aspectos diferentes desta coisa única”. A
complexidade da arquitetura celular que caracteriza o corpo humano manifesta uma
admirável flexibilidade e uma receptividade perfeita dos ritmos mais profundos e mais
sutis da natureza. O homem pode ser particularmente receptivo ao ritmo cósmico no
qual se recria constantemente o universo porque sua essência e a do universo se
confundem em um campo de criação idêntico. O satori do Zen ou do Ch’an é a experiência
viva do Campo unificado da criação pura tomando consciência de si mesmo por ele
mesmo, em nós. Mas trata-se de uma comodidade de linguagem que parece fazer ainda
algumas concessões ao dualismo. Na realidade, a experiência do satori esta além da
dualidade do experimentador e da experiência. Ela não é mais uma objetivação
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semelhante a outras experiências familiares. Krishnamurti, o Ch’an e o Zen, insistem
particularmente sobre esse ponto. Quer estejamos lá ou não, o Campo unificado de
criação pura é a realidade fundamental do universo e de nós mesmos fora de qualquer
distinção de objeto e de sujeito. Por esta razão, a experiência viva do Campo unificado da
criação exige de nossa parte uma abertura mental e uma transparência interior totais.

CO-EXTENSIVIDADE UNIVERSAL DO ÁTOMO E SATORI


Acabamos de examinar sumariamente as ligações que possam existir entre o Campo
unificado da criação pura e a experiência do Satori. Propomo-nos agora examinar o
comportamento do universo e dos átomos que nos constituem, a um nível mais
aproximado do mundo fenomenal: onde perseguimos a extraordinária e constante
interfusão atômica por intermédio dos aspectos ondulatórios da energia. Sabemos que a
essência profunda da materialidade é fluida, movente, em contínua mudança. Não
podemos comparar o universo a um edifício arquitetonicamente “sólido”. O tempo, o
espaço, a solidez estão ausentes nas “bases últimas do mundo”. Como exprime
freqüentemente Lao-tzu, “A flexibilidade e a espontaneidade são as leis da Vida”.
Temos mostrado repetidamente que esta flexibilidade e esta espontaneidade
manifestam-se principalmente na forma de um processo fundamental: o processo das
relações. Definimos em detalhe as leis e as modalidades em uma outra obra que
resumiremos aqui. Nas zonas últimas da materialidade, ao nível intra-nuclear, assistimos
às inter-permutações prodigiosas. Os corpúsculos situados no interior dos núcleos
atômicos não têm nenhuma individualidade. Após haver enunciado esse fato,
enunciamos um principio: “No intra-átomo, o fato das relações é mais importante que a
individualidade dos elementos interligados”. Podemos fazer a mesma constatação em
biologia, onde a vida é essencialmente função da habilidade celular, da flexibilidade, da
rapidez e da fluidez das trocas. Os progressos da genética moderna colocaram em
evidência a importância da noção de interação entre os genes de um indivíduo e os
fatores do meio. O meio e a hereditariedade são fatores em contínua interação das
quais depende todo comportamento do indivíduo. Os genes reagem entre eles, o meio
reage sobre os genes e os genes por si mesmos mudam e operam por seu turno sobre
um meio transformado. Isso, sobretudo no domínio atômico, assim uma vez mais
descobriremos um novo aspecto do fato fundamental das relações regendo o universo
em todos os níveis. Evocamos precedentemente a intensidade das relações ou das
trocas no interior de um sistema atômico entre o elétron planetário e o núcleo de um
lado, do mesmo modo que no interior mesmo do núcleo, por outro lado.

Vamos examinar um fato bem mais significativo ainda. “Não existe no universo nenhum
ser, nenhum objeto, alguma coisa, algum átomo independente”. Assim se exprime T.
Chardin: “Quanto mais, pelos meios de um poder sempre aumentado, penetramos
profundamente na matéria, mais as interligações de suas partes nos confundem. Cada
elemento do cosmos esta positivamente tecido de todos os outros, mais acima dele
mesmo, pelo misterioso fenômeno da composição que o faz subsistente, num conjunto
organizado, e mais abaixo, pela influência sofrida das unidades de ordem superior que
o englobam e o dominam para sua própria finalidade. Impossível cortar-se essa rede,
isolar uma peça, sem que essa não se desfie e se desmanche por todos os lados. A
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perder de vista, a nossa volta, o universo se mantém por seu conjunto… e não há
senão uma maneira realmente possível de o considerar, é tomando-o como um bloco
inteiro”.

A física moderna nos ensina, com efeito, que independentemente do seu aspecto
corpuscular claramente definido e localizado, cada corpúsculo atômico comporta um
aspecto oposto complementar: o aspecto ondulatório. A ação de um elétron, por seu
aspecto ondulatório, se estende ao universo inteiro. Existe uma presença potencial do
aspecto ondulatório de cada corpúsculo atômico que nos constituem, que se estende
até os últimos confins do universo [em expansão ou não]. E reciprocamente, cada átomo
das nebulosas situadas nos abismos insondáveis de milhares de anos luz, está presente
em cada um de nós, em cada objeto, em cada grão de areia de nosso planeta. Lá se
encontra trabalhando a constante, mas invisível interpenetração mútua de todos os
constituintes do universo. Tudo se comporta como se o cosmos inteiro não fosse mais
que um bloco imenso perfeitamente homogêneo. Tudo está em tudo, verdadeiramente,
com uma intensidade, uma continuidade, uma profundidade tais que a imaginação é
impotente para conceber a mais fraca parte desta interfusão universal. Repetindo – não
diremos nunca suficientemente – afim de que cada um se impregne profundamente:
Tudo está em tudo; o universo inteiro está em nós e reciprocamente. Parece a primeira
vista uma linguagem muito paradoxal vinda de um visionário ou poeta. Nada é,
entretanto mais conforme à verdade ao mesmo tempo física e metafísica.

Assim escreveu T. Chardin: “O raio de ação próprio a cada elemento cósmico deve ser
prolongado por direito até os limites últimos do mundo. Pois que o átomo é
naturalmente co-extensivo a todo espaço no qual ele se situa, e já que este espaço
universal é o único que conhecemos, somos forçados a admitir que é esta imensidão
que representa o domínio de ação comum a todos os átomos. Cada um deles tem por
volume, o volume do universo inteiro. O átomo não é mais o mundo microscópico e
fechado que imaginávamos… Ele é o centro infinitesimal do mundo”.

Compreendemos enfim que um fragmento de matéria qualquer não é somente


constituído pela soma dos átomos que a compõe. Há infinitamente mais que uma
simples soma de elementos justapostos. Mas esta perspectiva nova é tão diferente
daquela que aprendemos, e também daquela que nos oferecem os sentidos, que
admitimo-la com espanto e dificuldade. Existe uma força de ligação que une cada
fragmento de matéria, todos os átomos, o universo inteiro e reciprocamente. A energia
inclusa nesta força de ligação é considerável e faz parte integrante da matéria de cada
objeto, de todas as coisas, de cada ser. Teilhard Chardin escreveu a esse propósito: “Os
centros inumeráveis que partilham em comum um dado volume de matéria não são,
portanto independentes. Alguma coisa une uns aos outros, e os faz solidários. Longe de
se comportar como um receptáculo inerte, o espaço que permeia essa multidão age
sobre ela à maneira de um meio ativo de direção e de transmissão no seio do qual
apluralidade se organiza. Simplesmente adicionados ou justapostos, os átomos não
fazem ainda a matéria. Uma misteriosa unidade os engloba e os cimenta de uma
maneira que nossa mente se choca, mas é finalmente forçada a aceitar”.
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Compreendemos no presente como é ridículo considerar um ser vivo, uma coisa ou um
objeto quaisquer sob o angulo de um isolamento ou de uma independência quaisquer
que seja. Nada é independente, isolado. Tudo se interpenetra. Pretender o isolamento
de um objeto, tal como um corta-papéis metálico, porque os sentidos da visão e do tato
lhe conferem contornos definidos e exatos é, de fato uma infantilidade que é importante
denunciar. A ação dos átomos deste corta-papéis se estende a totalidade dos mundos
inter-estelares. Ela enche o universo inteiro até milhares de anos luz com sua presença
potencial. E reciprocamente, qualquer coisa de cada um dos átomos situados nos
últimos confins das galáxias se acham no âmago desse corta-papéis aparentemente
isolado. É muito provável que, se essa qualquer coisa de proveniência longínqua não está
presente, uma modificação notável na organização coletiva dos átomos e das moléculas
intervirá e dará um aspecto ao nosso corta-papéis absolutamente irreconhecível.
Milhares de liames invisíveis, mas intensamente ativos unem entre si todas as partes
aparentemente separadas do universo. Isso ilustra de maneira impressionante, não
somente o fato fundamental das relações, mas também a da interfusão universal. Esta
interfusão universal é o fato fundamental de cada segundo que se escoa, enquanto que,
simultaneamente, a um nível mais profundo, o campo unificado da criação pura regenera
as últimas profundezas do universo. É interessante notar que o que acabamos de dizer
forma a base dos ensinamentos do Avatamsaka Sutra o qual o Kegon, muito próximo ao
Zen, nos tem dado desenvolvimentos profundos. O fato da interfusão
[interdependência] está ai. Quer pensemos nisso ou não, quer saibamos ou não, a ação
do aspecto ondulatório de todos os átomos que nos constituem está presente no
universo inteiro. E reciprocamente. Deste ponto de vista, o Satori não será outra coisa do
que uma tomada de consciência desta interdependência, embora a um nível mais
profundo, o campo unificado da criação pura se revela em nós e por nós. A condição da
experiência viva da interfusão cósmica poderá ser enunciada como segue: é
indispensável deixar esta interfusão “ser o que ela é” sem que intervenhamos por um
ato de vontade ou escolha. [caso essa intervenção fosse possível!]. Não devemos querer
“interfundir”. A Interfusão É. Não devemos querer nos recriar segundo o ritmo do campo
unificado da criação pura. Ele se recria por si mesmo. Não devemos proceder à uma
representação mental qualquer da interfusão ou da ubiqüidade do campo unificado da
criação pura. Eles são autógenos, absolutos, onipresentes. Os despertos nos ensinam
que a “suprema benção” nos é dada quando o que resta de nós se torna permeável,
vulnerável, disponível ao ritmo da criação do campo unificado da criação pura, e a
interfusão cósmica. Assim é dito no Tao: “Deixemos o império do Real ser sua própria lei em
nós”. A experiência do Satori ou a “liberação” de um Krishnamurti não é, pois nenhuma
projeção imaginativa, especulações, dos “a priori”, nem dos estados de auto-hipnose
resultando de uma meditação sobre um determinado tema. O satori será realizado no
instante em que deixamos o campo unificado da criação retomar o lugar que ele ocupa
desde a eternidade. Para isto, todas as nossas interpretações, nossas imagens as mais
sutis relativas a esse campo devem previamente desaparecer após terem sido evocadas.
O mesmo para a interfusão. Esta não será experimentada senão a partir do momento
onde qualquer traço de sua representação mental de interfusão for banida de nosso
mente. Tratamos desse assunto porque ele é interessante para os homens de certa

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cultura, quando de uma primeira aproximação. Mas para a aproximação última, dizem
paradoxalmente os mestres Zen e do Ch’an, tudo isso deve ser ultrapassado e esquecido.
No seu discurso a seu discípulo Thot, Hermmes Trimegisto disse que “o infinito se move
em sua estabilidade”. Este enunciado paradoxal parece ser bastante verídico. O homem é
uma imagem estampada desse processo universal de interfusão, de interações no
âmago de uma estabilidade aparente tanto quanto provisória. Qual significado teriam
um fígado, ou um rim sem o conjunto do organismo para o equilíbrio do qual eles
contribuem? Somente a interligação, a interação e a organização do conjunto dão, tanto
ao indivíduo global como aos órgãos particulares, sua plena significação. Do mesmo
modo que uma pedra é exteriormente estável, tomada em bloco e de maneira
superficial, malgrado sua estabilidade exterior, tudo se movimenta intensamente em
profundidade, do mesmo modo a totalidade universal se move intensamente ao longo
de sua aparente estabilidade exterior. Do mesmo modo que o homem parece à primeira
vista uma individualidade imutável cuja aparente continuidade, e a vida mesma, são
baseadas na interfusão rápida e complexa da circulação sangüínea, alimentando os
órgãos separados, mas interdependentes. Igualmente a totalidade universal vive ao
ritmo de uma interfusão prodigiosa entre os elementos aparentemente separados que a
constituem. Segundo uma antiga imagem indiana, a interfusão infinitamente complexa e
sutil é o “respirar” da realidade universal. O ritmo de renovação do campo unificado da
criação será a fonte de vida subjacente a esse “respirar” fundamental. Tudo que foi dito
se aplica ao universo “exterior” ou mundo manifestado, de modo que nosso pensamento
pode concebê-lo e compreende-lo nos limites do tempo e do espaço. Os mestres do
Ch’an e do Zen vão muito mais em profundidade, em direção ao que alguns filósofos
chamam de “noumeno” ou mundo não manifestado. A exposição que acabamos de fazer
serve de aproximação intermediária entre essas duas faces opostas e complementares
do Real.

OS KOANS E O “MONDO”

Os koans são enunciados de pensamentos paradoxais empregados pelos mestres Zen


para dar um choque psicológico em seus discípulos. São também questões que não
podem ser resolvidas pelo pensamento e criam um grande estado de tensão intelectual
que pode ser seguido por uma experiência interior [satori]. O “mondo” é apresentado
mais comumente sob forma de perguntas e respostas com o mesmo fim. Os dois forçam
o discípulo a realização do silêncio mental e projetam uma espécie de obstáculo em suas
agitações. Graças a esse silêncio, os níveis mais profundos da consciência podem se
manifestar. Eis aqui um exemplo de koan seguido de nossos comentários.

1 – No início as montanhas são as montanhas.

2 – No meio as montanhas não são mais as montanhas.

3 – No final, as montanhas são novamente as montanhas.

A primeira vista, esses enunciados parecem uma mistificação. Na verdade eles estão
cheios de ensinamentos. A interpretação correta desse texto permite dar uma visão
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panorâmica das etapas que conduzem ao satori segundo o Ch’an e o Zen. Ao longo da
fase anterior a qualquer procura não colocamos nada em dúvida, não refletimos sobre
os grandes problemas da existência. Deixamos os outros pensarem por nós. Quando
vemos, dizemos muito simplesmente: “Essas montanhas são montanhas”. Os contornos
exteriores representam aos nossos olhos a única realidade. Os rochedos não são mais
que rochedos, a terra é a terra. Quando começamos a despertar para a busca interior,
descobrimos que as imagens que nos dão nossos sentidos ao contato com o mundo
exterior não correspondem à realidade. Vemos que nada é imóvel. Tudo se move, tudo
se transforma. Em lugar dos rochedos, da terra e das montanhas, descobrimos a ação
duma energia prodigiosamente ativa animando partículas estranhas que se movem com
a velocidade da luz. Conhecemos, seja por intuição, seja por pesquisa científica, a vida
secreta e a natureza profunda de toda matéria. Os aspectos superficiais e sua
multiplicidade de nuanças são secundários diante de uma essência comum de natureza
energética formando sua realidade profunda. Quando olhamos as montanhas, ao longo
dessa fase, elas não são mais, para nós, as mesmas montanhas de antes. Elas parecem
miragens desprovidas de qualquer consistência real. No início de nossas buscas, temos
tendência a nos orientar para uma atitude de oposição extrema à nossa primeira
atitude. Sofremos a tal ponto a magia encantadora da realidade profunda das coisas,
que esta luz interior mascara aos nossos olhos sua aparência de superfície. A matéria se
tornou para nós o véu, a ilusão [maya] e dizemos: “as montanhas não são mais as
montanhas”. Chegaremos a discernir um dia que não existe nenhuma cisão entre o
mundo material tal como o vemos superficialmente e a pura essência da Mente Cósmica
em profundidade. Essas distinções resultam de uma falta de penetração e da faculdade
de síntese de nossa mente. Tudo é a Mente Cósmica. Nem um grão de areia esta fora
desta Totalidade Una. Deste instante em diante, quando nosso olhar pousa de novo
sobre as montanhas, dizemos como no início: “as montanhas são as montanhas”. Mas
situamos sua aparência material no lugar justo que elas ocupam em um conjunto
infinitamente mais vasto e profundo. As montanhas não são mais absolutamente uma
ilusão. A noção de ilusão ou de maya provém de um vício de funcionamento em nossa
mente. É essa última que nos dá, dos seres, das coisas e de nós mesmos noções
ilusórias. Quando o Desperto diz: “as montanhas são as montanhas” essas palavras
exprimem um estado de visão panorâmica englobando as aparências de superfície e a
realidade profunda. Seus olhos lhes dão uma imagem do mundo exterior condicionada
por sua escala de observação física enquanto que, simultaneamente, a Mente Cósmica
se revela como sendo a única realidade das montanhas ao nível das profundidades
últimas. Quando de nosso contato com o Prof. D. T. Suzuki, o eminente especialista do
Zen nos apresentou o seguinte koan: “Quando eu entendo, eu vejo; e quando eu vejo,
entendo”, o que parece menos paradoxal. Por isso, devemos compreender que na
experiência do satori nossa percepção das coisas não é distinta, mas global, mas isso não
diminui nada a capacidade que temos de perceber claramente a singularidade das
coisas em um certo nível. Quando capto o som de um sino longínquo, duas
possibilidades se apresentam na minha maneira de reagir. Ou bem estou distraído, sem
nenhuma profundeza de percepção e a experiência é banal. Ela se limita a simples
audição de um som que não tem nenhum dom de me emocionar ou de me revelar o que

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quer que seja. Fico fechado em mim mesmo. O sino e o som são fenômenos
completamente estranhos que não me interessam. Ou bem eu estou “desperto”, nesse
caso, todas as provocações do meio, quer sejam visuais, auditivas, olfativas, táteis, me
revelam a unidade e a interdependência dos seres e das coisas. Quando entendo o som
de um sino longínquo, sou eu em certo sentido – pela Mente Cósmica – a essência
energética desse sino. Sou as moléculas do ar que ele faz vibrar, sou a onda sonora que
se propaga no espaço. Sou a essência mesma do espaço. Estando atento à natureza
profunda de todas as coisas, todo evento exterior, todo movimento me permite vibrar
em perfeita identidade de essência comum por uma ressonância secreta renovando-se
de instante em instante. Num certo sentido tudo que vejo, eu percebo através desta
realidade mais profunda. Não se trata de uma auto-sugestão, nem duma criação mental
qualquer. Ao contrário. Tudo que escuto, compreendo através desta identidade
insondável. Ela acaba por ocupar a meu ver um lugar de tal modo preponderante que é
ela que forma a nota dominante de todas as percepções distintas. Ao final desse
processo eu posso dizer efetivamente: “Quando entendo, eu vejo; quando eu vejo,
entendo”.
Extratos do livro de Robert Linssen – “LE ZEN” – Ed . marabout université Tradução: Flávio Capllonch Cardoso

A visão da matéria que emerge do estudo dos átomos e dos núcleos mostra-nos que
essa matéria, em sua maior parte, acha-se concentrada em minúsculas gotas separadas
por distâncias consideráveis. No vasto espaço existente entre as gotas nucleares
compactas e intensamente ferventes movem-se os elétrons. Estes constituem apenas
uma reduzidíssima fração da massa total, embora confiram a matéria seu aspecto sólido
e forneçam os vínculos necessários a construção das estruturas moleculares. Eles se
acham ainda envolvidos nas reações químicas, sendo também responsáveis pelas
propriedades químicas da matéria. As reações nucleares, por outro lado, geralmente não
se verificam de modo natural nessa forma de matéria, em virtude do fato de que as
energias disponíveis não são suficientemente elevadas para perturbar o equilíbrio
nuclear. Essa forma de matéria, entretanto, com sua grande variedade de formas e
texturas e sua complexa arquitetura molecular, só consegue existir sob condições muito
especiais, quando a temperatura não é muito elevada, de modo que as partículas não se
agitem em demasia. Quando a energia térmica aumenta cerca de cem vezes mais, como
sucede na maioria das estrelas, todas as

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