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SEMINÁRIO ADVENTISTA LATINO AMERICANO DE TEOLOGIA

CAMPUS ENGENHEIRO COELHO


MESTRADO EM TEOLOGIA BÍBLICA

YAHWEH COMO O SENHOR QUE CURA O SEU POVO EM ÊXODO 15:26

JOSIMAR COUTINHO LISBOA

ENGENHEIRO COELHO - SP
2017
SEMINÁRIO ADVENTISTA LATINO AMERICANO DE TEOLOGIA
CAMPUS ENGENHEIRO COELHO
MESTRADO EM TEOLOGIA BÍBLICA

YAHWEH COMO O SENHOR QUE CURA O SEU POVO EM ÊXODO 15:26

Josimar Coutinho Lisboa

Engenheiro Coelho - SP
2017
JOSIMAR COUTINHO LISBOA

YAHWEH COMO O SENHOR QUE CURA O SEU POVO EM ÊXODO 15:26

Apresentado em cumprimento parcial aos


requisitos do Mestrado em Teologia
Bíblica, do Seminário Adventista Latino
Americano de Teologia, sob a orientação
do prof. Dr. Reinaldo Wenceslau Siqueira.

Engenheiro Coelho - SP
2017
YAHWEH COMO O SENHOR QUE CURA O SEU POVO EM ÊXODO 15:26

Dissertação

Apresentado em cumprimento parcial


aos requisitos do Mestrado em Teologia Bíblica,
do Seminário Latino Americano de Teologia
Campus Engenheiro Coelho

Por

Josimar Coutinho Lisboa

COMISSÃO DE APROVAÇÃO:

___________________________ ___________________________
Dr. Vanderlei Dorneles Dr. Reinaldo Wenceslau Siqueira
Diretor de Pós-graduação em Teologia Orientador
Dedico este trabalho a todos aqueles que
procuram conhecer cada vez mais a
vontade de Deus para sua vida em
relação à guarda dos Mandamentos, e
que com sinceridade procuram colocar
em prática esses ensinamentos.
AGRADECIMENTOS

 Ao Deus Yahweh, que me dá inspiração e forças a cada dia para continuar


não só com os estudos, mas também a buscar o caminho da minha salvação;
 Ao Centro Universitário Adventista de São Paulo por contar com um corpo
discente totalmente preparado para formar não só profissionais para este
mundo, mas para o porvir;
 Ao orientador deste trabalho Pr. Dr. Reinaldo W. Siqueira, que mesmo com
tantas responsabilidades sempre me atendeu, demonstrando sabedoria e
bom-humor em todos os momentos que precisei;
 A minha esposa Renata Monsef Lisboa, por ter demonstrado paciência, me
apoiando, incentivando e esperando, enquanto estive envolvido com esta
pesquisa;
 Aos meus filhos Marcos Paulo e Maria Luíza pelos quais de alguma forma
tenho tentado ser um bom exemplo;
 Aos meus pais José e Magali, que sempre me apoiaram em todos os
aspectos de minha vida;
 Aos meus irmãos Jonivan e Jonas, por sempre torcerem pelo meu sucesso;
 Ao meu sogro Jeovah e minha sogra Lázara, por apoiarem minha família
quando eu não podia estar presente;
 Ao amigo e irmão em Cristo Júlio César Ribeiro, por ser um exemplo de
perseverança e preocupação com o próximo. “Remember”.
Embora invisível a olhos humanos, Deus
era o líder dos israelitas, seu poderoso
Restaurador. Foi Ele quem pôs no lenho
as propriedades que tornaram doces as
águas. Dessa maneira desejava Ele
mostrar-lhes que pelo Seu poder era
capaz de curar os males do coração
humano.
Ellen G. White
RESUMO

O presente trabalho propôs um estudo mais aprofundado sobre a passagem de


Êxodo 15:26, onde Yahweh se apresentou aos israelitas como aquele que poderia
livrá-los das doenças dos egípcios, se esses fossem obedientes aos seus
mandamentos. O problema abordado no estudo teve que ver justamente com a
questão da relação entre a guarda dos mandamentos com o fato de Yahweh ser
apontado no texto como o agente curador do povo, e, qual a teologia encontrada no
Pentateuco que está envolvida na passagem. Para tanto, utilizou-se um método
sincrônico, onde várias passagens bíblicas do Pentateuco que falam sobre o mesmo
assunto foram analisadas; passando também por uma revisão bibliográfica e estudo
do contexto histórico onde está inserido o êxodo israelita, além de um estudo das
principais palavras de Êxodo 15:26 no texto em hebraico.

Palavras-chave: YHWH; Cura; Êxodo; Mandamentos de Deus; Aliança.


ABSTRACT

The present work proposed an in-depth study of Exodus 15:26, where Yahweh
presented himself to the Israelites as one who would deliver them from the diseases
of the Egyptians, if they were obedient to his commandments. The problem
addressed in the study had to do precisely with the question of the relationship
between keeping the commandments and Yahweh as the healer of the people. What
kind of theology of the Pentateuch is present in this passage? For that, a synchronic
method was used, where several biblical passages within the Pentateuch that deal
with the same subject were analyzed. The present study also covered a
bibliographical survey of authors that dealt with the subject; a study of the historical
context of the Israelite Exodus; as well as a study of the main words of Exodus 15:26
in the Hebrew text.

Key words: YHWH; Healing; Exodus; Commandments of God; Covenant.


SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 12
1.1 Problemática da pesquisa ................................................................................... 12
1.2 Objetivos ............................................................................................................. 13
1.2.1 Objetivo Geral .................................................................................................. 13
1.2.2 Objetivos Específicos ....................................................................................... 13
1.3 Justificativa .......................................................................................................... 13
1.4 Metodologia ......................................................................................................... 14
2 REVISÃO DE LITERATURA .................................................................................. 15
2.1 As implicações das orientações dadas por Deus aos Israelitas em Êxodo 15:26
.................................................................................................................................. 15
2.2 As orientações de Deus em Êxodo 15:26 e Sua aliança com os israelitas ......... 21
2.3 Conclusão parcial ................................................................................................ 23
3 CONTEXTO HISTÓRICO....................................................................................... 26
3.1 O Autor e a data do Êxodo .................................................................................. 26
3.2 Do Egito para as águas amargas de Mara .......................................................... 29
3.3 A Promessa feita aos pais ................................................................................... 34
3.4 As enfermidades dos egípcios ............................................................................ 37
3.4.1 As enfermidades mais comuns no Egito Antigo ............................................... 37
3.4.2 As enfermidades do Egito durante as pragas do êxodo ................................... 40
3.5 Conclusão parcial ................................................................................................ 43
4 EXEGESE DO TEXTO ........................................................................................... 45
4.1 Delimitação da Perícope ..................................................................................... 45
4.2 Tradução do versículo em estudo ....................................................................... 46
4.3 Análise léxica e sintática das principais palavras dentro de Êxodo 15:26 ........... 47
ָׁ ‫( ִא‬ʼim šāmōwa‘ tišma‘) e a raiz ‫( ָׁש ַמע‬šāmaʽ) ............ 47
4.3.1 A expressão ‫ם־ש ֙מ ַֹוע ִת ְׁש ַַ֜מע‬

4.3.2 A palavra ‫( ַהיָׁ ָׁ ָׁ֤שר‬hayyāšār) e sua raiz ............................................................... 49

4.3.3 A palavra ‫( ַ ַֽה ֲאזַ נְׁ ָׁת‬ha’ăzantā) e sua raiz............................................................. 50

4.4 Análise das principais palavras dentro de outros livros do Pentateuco ............... 51
ָׁ ‫( ִא‬ʼim šāmōwa‘ tišma‘) e a raiz ‫( ָׁש ַמע‬šāmaʽ) dentro do
4.4.1 A expressão ‫ם־ש ֙מ ַֹוע ִת ְׁש ַַ֜מע‬
Pentateuco ................................................................................................................ 51
4.4.2 A palavra ‫( ַהיָׁ ָׁ ָׁ֤שר‬hayyāšār) dentro do livro do Pentateuco ................................ 54

4.4.3 Conclusão parcial ............................................................................................. 55


5 ALIANÇA, OBEDIÊNCIA E BÊNÇÃOS, ENTRE ELAS A CURA ........................... 58
5.1 A oferta incondicional de Yahweh para seu povo em Êxodo 19:1-5 ................... 58
5.2 A obediência e as bênçãos em Deuteronômio 7:12-15 ....................................... 59
5.3 A desobediência e as maldições em Deuteronômio 28 ....................................... 61
5.4 Conclusão parcial ................................................................................................ 62
6 CONCLUSÃO......................................................................................................... 64
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 67
12

1 INTRODUÇÃO

Em sua peregrinação pelo deserto, antes de chegarem ao Sinai e três dias


após terem passado a seco pelo mar Vermelho, os filhos de Israel caminharam por
muito tempo sem terem achado água para beber e, no final, chegaram a um lugar
chamado Mara, local onde encontraram águas, porém, essas águas eram amargas.
Em consequência de não encontrarem água para beber o povo murmurou,
“explicitamente contra Moisés, a quem Deus apontara como seu líder, e assim,
implicitamente, contra o próprio Deus” (COLE, 1981, p. 124). Nesse contexto, Deus
instruiu Moisés a como curar as águas para elas se tornarem doces. E então, o texto
menciona que Deus coloca o povo à prova dizendo que se eles dessem ouvido aos
Seus mandamentos e guardassem Seus estatutos, nenhuma enfermidade dos
egípcios viria sobre eles, porque Yahweh é aquele que cura (Êx 15:26).
No texto de Êxodo 15:26 parece haver uma ligação entre os israelitas
guardarem os mandamentos de Deus com o não adquirir as doenças dos egípcios.
No entanto, o texto não deixa claro quais são essas doenças e nem qual é a ligação
existente entre o guardar os mandamentos e o fato de Yahweh ser aquele que iria
curar o povo.

1.1 Problemática da pesquisa

O presente trabalho busca responder às seguintes questões: Qual o


significado do texto de Êxodo 15:26 e a ligação entre a guarda dos mandamentos,
com o fato do Senhor ser apontado no texto como aquele que cura? Que substrato
temático e teológico fundamenta esse tipo de ligação, segundo o contexto da
perícope desse texto, de sua inserção no relato de Êxodo e da teologia do
Pentateuco como um todo?
13

1.2 Objetivos

1.2.1 Objetivo Geral

Analisar exegeticamente o texto de Êxodo 15:26 e o seu contexto, a fim de


encontrar quais são as ligações textuais, temáticas e teológicas que esclareçam as
questões levantadas nas perguntas da problemática da pesquisa.

1.2.2 Objetivos Específicos

a) Analisar exegeticamente o texto de Êxodo 15:26, o significado das


principais palavras no texto original, e seu contexto dentro do livro do
Êxodo e dentro do Pentateuco;
b) Descobrir quais as enfermidades mais frequentes que os egípcios tinham
durante o período do Êxodo;
c) Analisar o contexto do texto em estudo dentro do relato do Êxodo e da
teologia do Pentateuco como um todo;
d) Analisar as ligações textuais, temáticas e teológicas entre a guarda dos
Mandamentos de Deus com o fato de Yahweh ser apresentado como
aquele que cura, em Êxodo 15:26.

1.3 Justificativa

O presente trabalho se justifica pelo fato de que a exegese do texto proposto


para o estudo, através de sua analise textual, temática e teológica, trará maior
clareza aos elementos do texto dentro da passagem de Êxodo 15:26 e seu contexto
no livro do Êxodo.
Além disso, a proposta também se justifica pelo fato de que a comunidade
cristã pode ser beneficiada com os resultados alcançados pelo estudo.
14

1.4 Metodologia

A presente pesquisa aborda o texto na sua forma final e dentro do seu


contexto canônico. Pesquisa sincrônica, analisando outros versículos que falam
sobre o assunto e os temas presentes no texto, em busca do seu sentido para a
época do êxodo e suas implicações na vida dos cristãos da atualidade.
Para a revisão bibliográfica, procurou-se analisar diferentes comentários
bíblicos sobre o livro de Êxodo tanto em língua portuguesa como inglesa. Um
enfoque importante foi dado ao contexto histórico da passagem de Êxodo 15:26,
analisando sua data, autoria, informações sobre costumes e doenças da época que
possam iluminar o texto e contribuir para as possíveis respostas às perguntas
levantadas nessa pesquisa.
A seguir, foi realizada uma exegese do versículo em discussão, com uma
análise mais detalhada das principais palavras e expressões que aparecem na
perícope em estudo, dentro do seu contexto léxico e sintático, especialmente as
palavras ‫( ִת ְׁש ַַ֜מע‬tišma‘), ‫( ָׁש ֙מ ַֹוע‬šāmōwa‘), ‫( ַהיָׁ ָׁ ָׁ֤שר‬hayāšār), ‫( ַ ַֽה ֲאזַ נְׁ ָׁת‬ha’ăzantā) e suas

respectivas raízes.
A exegese do texto bíblico aqui desenvolvida seguiu o modelo hermenêutico
sugerido por Fee e Stuart (1997), onde os mesmos apontam que narrativas bíblicas
do Antigo Testamento possuem um enredo, uma trama e personagens cujo
propósito é mostrar que Deus opera no meio de Seu povo e, ao mesmo tempo, Ele é
o personagem principal de todo o enredo.
15

2 REVISÃO DE LITERATURA

Em sua análise do Êxodo 15:26 o foco dos comentaristas geralmente engloba


as implicações das orientações dadas por Deus aos israelitas em Êxodo 15:26,
como também a relação existente entre as orientações de Deus em Êxodo 15:26 e a
aliança com os israelitas estabelecida por Yahweh.

2.1 As implicações das orientações dadas por Deus aos Israelitas em Êxodo
15:26

O livro de Êxodo apresenta a narrativa da intervenção divina em favor da


nação de Israel para libertá-los da escravidão do Egito. Era plano de Deus para
Israel que eles seguissem humildemente o Senhor por onde quer que Ele os
conduzisse. O propósito de Deus era tão grandioso que nem a “repetida infidelidade
do povo escolhido e a oposição da maior nação da Terra puderam frustrar o plano
de Deus para Israel” (DORNELES, 2011, p. 523). Nesse contexto, Dorneles afirma
que o povo de Israel deveria ser obediente aos seus mandamentos para continuar
tendo saúde. Esse princípio foi válido para os israelitas no deserto e ainda é válido
para o ser humano em todos os tempos:

Seu bem estar físico depende de sua obediência. Esse princípio era
válido não apenas na época dos hebreus, mas em todos os tempos.
O bem-estar físico da raça humana ainda depende em grande parte
da obediência à lei divina (DORNELES, 2011, p. 613).

O milagre de Mara estava relacionado com uma promessa de Deus: a


obediência aos mandamentos e estatutos traria cura física e moral. Ademais, testes
semelhantes a esse foram colocados sobre o povo de Israel em outras ocasiões,
como em Meribá (Êx 17:1-7); no Sinai (Êx 20:20) e em Taberá (Nm 11:3,13; 13:26-
33). Assim, os testes tinham por finalidade não humilhar o povo, mas testá-los para
saber onde estava o seu coração (KAISER, 1990, p. 399).
Na narrativa do capítulo 15 de Êxodo podem ser observadas sequencias de
acontecimentos que se contrastam: as águas amargas de Mara em contraste com a
16

água doce proveniente da orientação do Senhor; os “resmungos” do povo em


contraste com o amor de Deus providente para eles; a proteção e cura prometida
pelo Senhor em contraste com as aflições e doenças que rondavam os egípcios; a
vida desordenada de acordo com seus próprios caprichos em contraste com o
padrão de vida ordenado por Yahweh (DURHAM, 2002, p. 214). Além disso, Deus
usava cada ocasião no deserto, onde os israelitas se queixavam, para testá-los e
ensiná-los sobre como poderiam confiar nele (em Deus) o suficiente para poderem
obedecer e desfrutarem dos benefícios que lhe eram oferecidos (STUART, 2007,
p.364).
Everett Fox, em seu comentário do Êxodo, afirma que todas as histórias dos
israelitas no deserto fazem parte de um processo chave para a história do
Pentateuco (Torah), processo esse que se iniciou logo após a libertação do Egito:

As histórias do deserto incorporam um processo chave para a


história da Torah [...] Este processo inicia-se imediatamente após a
libertação; na verdade, é o resultado direto. Além disso, os três
"temas do deserto" proeminente nos capítulos 15-18- "resmungando"
contra Deus e Moisés, vizinhos hostis no início do autogoverno, são
apropriados para incluir antes da reunião do Sinai, na medida em que
demonstram dramaticamente a necessidade do povo para a
confiança restabelecida, proteção, solidariedade de grupo, e
instituições (através do qual eles podem viver em harmonia) (FOX,
1995, tradução própria)1.

A narrativa de Êxodo 15:26 faz parte do processo pelo qual o povo de Israel
tinha que passar. Um processo que envolveria esperança, restauração e cura. Um
processo de crescimento no deserto que não poderia ser realizado em uma única
geração (FOX, 1995). Se o povo fizesse o que era reto aos olhos de Deus, e
guardasse os Seus mandamentos, assim como Yahweh curou as águas de Mara,
poderia curar os males de um Israel doente, pois “Deus é a fonte última de toda a
cura” (SARNA, 1991, p. 85, tradução própria)2. No entanto, essa promessa não tinha
que ver com o povo nunca adquirir doenças ou serem curados de todas as suas

1
“The wilderness stories embody a key process for the Torah story [...] This process starts
immediately after liberation; indeed, it is its direct result. Further, the three “desert themes” prominent
in Chapters 15–18—“grumbling” against God and Moshe, hostile neighbors, and early self-
government—are appropriate to include before the meeting at Sinai, in that they demonstrate
dramatically the people’s need for reassurance, protection, group solidarity, and institutions (whereby
they can live harmoniously)”.
2
“God is the ultimate source of all healing. Just as He cured the waters at Marah, so will He heal the
ills of an obedient Israel”.
17

doenças, uma vez que tinham fé em Deus, mas que estavam livres de se
preocuparem com as pragas que caíram no Egito:

A promessa aqui não era que Yahweh nunca permitiria que aqueles
que colocam sua fé nele ficassem doentes. Era que os israelitas
estariam livres de se preocupar com as pragas. Deus afirmou que
não se zangaria com eles de tal maneira que os sujeitasse às
misérias que ele havia submetido aos egípcios, se eles fossem de
fato leais e obedientes. Sua promessa de servir como seu
médico/curador também não era uma promessa de que se alguém
entre eles ficava doente, ele imediatamente curaria essa pessoa. Em
vez disso, era uma afirmação de que deveriam se voltar para a cura
se eles se achassem aflitos como resultado do pecado (STUART,
2007, p. 366, tradução própria)3.

Além do mais, a promessa feita ao povo de Israel naquela ocasião parecia ter
um caráter condicional. Ou seja, se os israelitas cumprissem as orientações
descritas em Êxodo 15:26, receberiam a promessa; ao passo que, se não
cumprissem as condições, não receberiam a promessa (COLE, 1981, p. 125).
Segundo Bruce (2008, p. 230), as doenças dos egípcios não incomodariam os
israelitas enquanto eles continuassem obedientes a Deus. Além disso, a promessa é
repetida no relato de Deuteronômio 7:15, onde o versículo certifica que o Senhor
afastaria toda a enfermidade e não colocaria sobre os israelitas nenhuma das
doenças malignas dos egípcios que eles (os israelitas) bem conheciam. Bruce
também afirma que as doenças malignas do relato de Deuteronômio 7:15 estão
diretamente relacionadas com as pragas que caíram no Egito por ocasião do êxodo
israelita (ibid.).
O comentário de Êxodo de Cole parece ir um pouco mais além quando afirma
que, além das doenças enviadas aos egípcios estarem provavelmente ligada às
pragas em geral, as doenças estariam também ligadas a primeira praga:

Presumivelmente as enfermidades enviadas sobre os egípcios se


referem em primeiro lugar às pragas em geral, mas em particular à
transformação da água em sangue, que impediu os egípcios de

3
“The promise here was not that Yahweh would never allow those who place their faith in him to get
sick. It was that the Israelites would be free from having to worry about the plagues. God averred that
he would not become angry at them in such a way as to subject them to the miseries he had subjected
the Egyptians to—if they were indeed loyal and obedient. His promise to serve as their doctor/healer
also was not a promise that if anyone among them ever got sick he would immediately heal that
person. It was instead an assertion that it was to him they must turn for healing if they found
themselves afflicted as a result of sin”.
18

bebê-la. Israel descobrirá que da água suprida por Deus sempre se


pode beber: Ele é YHWH que os sara (COLE, 1981, p. 125).

Além disso, algumas dessas enfermidades egípcias são mencionadas no


texto bíblico como úlcera do Egito, tumores, sarna, prurido e úlceras malignas nos
joelhos e nas pernas (Dt 28:27,35). Elas sempre afligiram os egípcios
rigorosamente, principalmente “as doenças de pele e oculares. Durante a longa
permanência no Egito, os hebreus se familiarizaram com essas doenças”
(DORNELES, 2011, p. 613). Ademais, o Deus Yahweh apresentando-se aos
israelitas como aquele que sara estaria ligado também ao fato dele mesmo ser
aquele que perdoa, devendo também o povo de Deus ser conhecidos como
perdoadores (COURSON, 2005, p. 281).
Segundo Durham (2002, p. 214), na confissão de Deus para os israelitas, Ele
se identificava como Aquele que traria a cura para o meio deles. Essa confissão
estava atrelada ao fato de que Deus tinha um propósito maior por de trás dessa
declaração: Ser o provedor a todas as necessidades de um povo escolhido para fins
especiais. Para Ashby (1997, p. 71), esses a quem Deus havia escolhido para serem
Seus representantes às outras nações, apresentam um padrão de comportamento
“repetitivo” que se arrasta muitas vezes pela história de Israel no deserto:
Necessidade de água, necessidade de alimento, murmuração contra Moisés, falta
de confiança em Deus, intercessão de Moisés, resposta e perdão de Deus.
Já Spence-Jones, em seu comentário de Êxodo, afirma que a prova que
aconteceu em Mara, assim como todas as outras provas que os israelitas passaram
no deserto desde que saíram do Egito, tinham o propósito de preparar o povo para a
posição que ocupariam em Canaã:

Se eles passassem a prestar estrita obediência a todos os Seus


mandamentos, em seguida, ele iria "curá-los" como tinha curado a
água, iria mantê-los livres de uma vez do mal físico e do moral, das
doenças do Egito, e das doenças de seus próprios corações. E ali os
provou. A partir do momento de sua desistência do Egito para sua
entrada em Canaã, Deus estava sempre a "provar" o seu povo,
experimentando-o, isto é, exercendo a sua fé, paciência e obediência
no poder da autonegação, a fim de prepará-los para a posição que
eles estavam para ocupar em Canaã (SPENCE-JONES, 2004, p. 18,
tradução própria)4.

4
“If they would henceforth render strict obedience to all his commandments, then he would “heal”
them as he had healed the water, would keep them free at once from physical and from moral evil,
from the diseases of Egypt, and the diseases of their own hearts. And there he proved them. From the
19

Sarna (1991) também entende que a falta de água potável no deserto era
uma prova de fé em Deus que os israelitas tiveram que passar. Porém, para o
mesmo autor, a questão das doenças dos egípcios não seriam necessariamente as
pragas que caíram no Egito, mas estavam relacionadas com as doenças endêmicas
que são relatadas em passagens do Pentateuco. Como por exemplo, o relato em
que o Senhor afastaria dos israelitas toda enfermidade e não colocaria neles
nenhuma das “doenças malignas dos egípcios” (Dt 7:15); mencionando ainda as
“úlceras do Egito” (Dt 28:27) e as “moléstias do Egito” (Dt 28:60). Ademais, as
doenças só recairiam sobre os israelitas se eles fossem desobedientes às
orientações dadas por Deus, porque “Deus é a fonte última de toda cura. Assim
como Ele curou as águas em Mara, do mesmo modo Ele vai curar os males de um
Israel obediente” (ibid., p. 84, tradução própria)5.
Segundo Swaggart (2004), os israelitas receberam certas doenças que
pertenciam aos egípcios como conseqüência direta da adoração de seus ídolos,
desobedecendo às orientações de Deus. A frase que aparece no relato do Êxodo
“... nenhuma enfermidade virá sobre ti, das que enviei sobre os egípcios” (Êx 15:26),
revela “o fato de que o Senhor está no comando de todas as coisas” (ibid., p. 264,
tradução própria)6. Ademais, como o ser humano foi criado perfeito, sem nenhuma
doença, após a sua queda no Jardim do Éden permitiu a entrada do pecado no
mundo e com o pecado também veio a doença. Tudo isso porque o ser humano não
cumpriu um decreto do Senhor (ibid.).
Já para Hayford e McGuire (1997), a possibilidade de cura relatada em Êxodo
15:26 tinha que ver com uma cura física para Israel. Segundo esses autores, o verbo
hebraico rapha’ quando aparece na forma do particípio, “aquele que cura”, é a
palavra hebraica que pode ser traduzida como médico. Portanto, a principal ideia da
passagem está relacionada com uma cura física. Além disso, o conceito de “cura
divina”, utilizando-se a palavra rapha’, aparece em outros locais da Bíblia. O primeiro
exemplo encontra-se em Gênesis, onde é dito que “orando Abraão, sarou Deus

moment of their quitting Egypt to that of their entering Canaan, God was ever “proving” his people—
trying them, that is—exercising their faith, and patience and obedience and power of self-denial, in
order to fit them for the position which they were to occupy in Canaan”.
5
“God is the ultimate source of all healing. Just as He cured the waters at Marah, so will He heal the
ills of an obedient Israel”.
6
“The phrase, ‘I will put none of these diseases upon you, which I have brought upon the Egyptians,’
proclaims the fact that the Lord is in charge of all things.”
20

Abimeleque, sua mulher e suas servas, de sorte que elas pudessem ter filhos” (Gn
20:17).
Segundo Walvoord (1996, p. 153), quando o povo de Israel viu que a água
que encontraram no deserto de Sur não servia para ser bebida, ficaram
desanimados e murmuraram contra Moisés, “dizendo: Que havemos de beber?” (Êx
15:24). Depois que Moisés “clamou” ao Senhor, Deus misericordiosamente
respondeu à sua oração e transformou a água amarga em água potável, através de
uma árvore que lhe foi mostrada (Êx 15:25). Então, Deus instituiu um princípio
simples para o seu povo: a obediência traz bênção e a desobediência traz
julgamento. Ademais, as doenças mencionadas na passagem de Êxodo 15:26,
podem referir-se a pragas, ou o que é mais provável, úlceras (Dt 28:27), que eram
comuns na região do delta no Egito.
Conforme afirma Clarke, durante o episódio de Êxodo 15:26 o que Deus
pronunciou foi um “estatuto de ordenança” que constava de pelo menos três
elementos:

Este estatuto de ordenança implicava os três seguintes elementos: 1.


Que deveriam reconhecer o Senhor como Seu Deus, e assim, evitar
toda idolatria. 2. Que deveriam receber a Sua palavra e testemunho
como uma revelação divina, vinculando-os aos seus corações e
vidas, e assim, serem salvos de desregramentos de todos os tipos, e
de reconhecer as máximas ou adotar os costumes das nações
vizinhas. 3. Que eles deveriam continuar a fazê-lo, e adornar seu
trabalho com uma vida santa. Sendo essas coisas atendidas, a
promessa de Deus era que nenhuma das doenças dos egípcios
deveria ser colocada sobre eles; Eles deveriam ser mantidos em um
estado de saúde do corpo e paz de espírito; e se em algum momento
eles deveriam ser atingidos, com o seu pedido a Deus o mal deveria
ser removido, porque Ele era o seu curandeiro ou médico (CLARKE,
1999d, tradução própria)7.

Para Jamieson et al. (2003, p. 75), a ocasião dos israelitas terem se deparado
com as águas amargas em Mara foi o cenário de mais um milagre de Deus.

7
“This statute and ordinance implied the three following particulars: 1. That they should acknowledge
Jehovah for their God, and thus avoid all idolatry. 2. That they should receive his word and testimony
as a Divine revelation, binding on their hearts and lives, and thus be saved from profligacy of every
kind, and from acknowledging the maxims or adopting the customs of the neighbouring nations. 3.
That they should continue to do so, and adorn their profession with a holy life. These things being
attended to, then the promise of God was, that they should have none of the diseases of the
Egyptians put on them; that they should be kept in a state of health of body and peace of mind; and if
at any time they should be afflicted, on application to God the evil should be removed, because he
was their healer or physician”.
21

Segundo esses autores, Mara atualmente é um lugar conhecido como Howarah, que
fica cerca de 48 km do local onde os israelitas saíram da costa oriental do Mar
Vermelho, distância esta compatível com uma viagem de três dias. Os árabes que
conhecem a região e hoje passam por lá, não dão dessa água para seus camelos
beberem. Nos tempos bíblicos, o que fez com que as águas de Mara se tornassem
“doces” não foi porque a árvore jogada por Moisés tinha propriedades especiais,
mas foi porque Deus realizou um milagre. Esse milagre foi essencial e oportuno para
preparar a mente do povo para receber as orientações sobre os mandamentos e
estatutos que se seguiram.
O deserto foi um período de provação para os israelitas. Com a provação que
passaram, através de sua murmuração e obediência, os israelitas também
aprenderam algo a mais sobre Deus. Conforme afirma Wiersbe (2006, p. 272):

A ênfase é sobre a confiança em Deus e a obediência a ele, sabendo


que a vontade de Deus jamais nos conduzirá a um lugar em que sua
graça não possa nos guardar. Quando passamos por provações,
nossa murmuração é uma demonstração de incredulidade, mas
nossa obediência é uma demonstração de fé. Com essa experiência
difícil, os israelitas não aprenderam apenas alguma coisa sobre si
mesmos, mas também algo sobre seu Deus - que ele é "Jeová
Rapha", "o S e n h o r, que te sara" (Êx 15:26).

2.2 As orientações de Deus em Êxodo 15:26 e Sua aliança com os israelitas

Segundo Carson (1994), um tema que aparece frequentemente no livro de


Êxodo é a obediência aos mandamentos e decretos do Senhor em conexão com a
aliança feita no Sinal. Além disso, segundo esse mesmo autor, Deus testava as
pessoas a fim de determinar a sua obediência. Fretheim (1991, p. 174) afirma que
dentro do contexto das águas amargas de Mara em Êxodo 15, o fato dos israelitas
não poderem beber a água estava diretamente relacionado com a primeira praga,
onde os desobedientes a vontade de Deus não conseguiram beber água também
(Êxodo 7:24; 15:23).
Para Keil e Delitzsch (2002, p. 359), Yahweh havia realizado duas coisas com
os israelitas no deserto de Mara: primeiro Ele havia colocado uma ordenança e uma
direção; segundo Ele os provou. Assim, as orientações de Deus para a cura das
22

águas amargas deveriam ser uma instituição ou lei pela qual Deus sempre guiaria e
governaria Seu povo. E uma direção, onde os israelitas sempre poderiam contar
com a ajuda de Deus em cada problema.
Já para Stuart (2007, p. 366), o episódio de Mara pode ser comparado com o
estabelecimento formal da aliança do Sinai, descrita em Êxodo 20. Pois, tanto em
uma ocasião (Sinai) quanto na outra (Mara), Deus havia dado uma lei destinada a
prover entendimento para o povo onde o princípio seria a lealdade e obediência;
lealdade no sentido de prestar muita atenção a vontade de Deus, e obediência em
prestar atenção a todos os seus mandamentos e decretos.
Propp (2008, p. 581), em seu comentário, faz uma comparação interessante
em relação ao acontecimento da purificação da água em Mara e a promessa de
banimento das doenças. Ele afirma que existe uma ligação entre a libertação dos
israelitas do Egito e os “presentes de Yahweh”. Ou seja, como a libertação do Egito,
a água potável no meio do deserto e a saúde, são os presentes de Yahweh para o
Seu povo e são “condições prévias” para a Aliança. Além disso, esse mesmo autor
argumenta que, por meio da escravidão, os egípcios colocaram dúvidas no povo de
Israel em relação ao Seu Deus. O episódio ocorrido em Mara pré-anuncia o Sinai,
pois é uma “aliança em miniatura, com um benefício (água), uma estipulação
(obediência), uma maldição implícita (doença) e uma bênção explícita (saúde)”;
(ibid., tradução própria)8.
Para Bailey (2007, p. 179), o fato ocorrido em Mara prefigura um tipo de
aliança também. Segundo afirma o autor, o evento tornou-se um “microcosmo” do
que ocorreu na “aliança mosaica”, pois teve como base a mesma forma dos antigos
tratados estabelecidos no antigo Oriente Médio, baseado na “obediência” e no
“julgamento”: Se o povo ouvisse com atenção, fizesse o que era reto aos olhos de
Deus, prestassem atenção aos comandos e decretos do Senhor, então, Ele não
traria sobre eles qualquer das doenças que trouxera aos egípcios. Tudo isso foi
resumido pela frase: “Eu Sou o Senhor, que te sara” (Êx 15:26).
O episódio ocorrido com os israelitas em Mara pode ser entendido como um
“link para o futuro”. Para um leitor de “primeira viagem”, que não está acostumado a
ler sobre a história do êxodo israelita, não irá perceber que cada sinal que aparece
no relato bíblico do êxodo, está ligado ao restante da história que ainda acontecerá

8
“Marah thus foreshadows Sinai [...] It is a covenant in miniature, with one benefit (water), one
stipulation (obedience), one implicit curse (disease) and one explicit blessing (health)”.
23

com Israel (JANZEN, 2000, p. 198). O fornecimento da água por Deus, a libertação
dos israelitas da sede, seguidos por uma proclamação da lei divina e uma exortação
de Deus para que os israelitas fossem obedientes a essa lei. Os termos utilizados
para a lei de Deus (estatutos, ordenanças e mandamentos) estão associados a uma
exortação condicional: Se você ouvir..., e fizer..., e der ouvidos..., e manter, a fim de
colocá-los à prova, então... Esta é precisamente a terminologia e estilo que
aparecem no livro de Deuteronômio, e em outros textos do Antigo Testamento, que
falam da lei dada a Israel no Monte Sinai (ibid.). Ademais, a manutenção dessa lei
ao longo do texto “irá diferenciar entre Israel e os egípcios, assim como a lei do Sinai
será uma marca distintiva de Israel dos outros povos por todo o tempo porvir. Parece
que temos aqui nada menos do que uma antecipação da aliança do Sinai” (ibid.,
tradução própria)9.
Para o Carson, além do relato bíblico de Mara fornecer uma transição
harmoniosa entre o Egito e o Êxodo, a passagem também tem que ver com a
questão da obediência e a aliança feita posteriormente no Sinai:

O breve relato de Moisés transformando águas amargas em doce


fornece uma transição harmoniosa entre a situação que enfrentou os
israelitas no Egito e o Êxodo. O incidente ilustra a mudança que
Israel tinha experimentado entre a vida "amarga" no Egito e na
liberdade recém-descoberta e agora apreciada. A passagem também
destaca os benefícios que pertencem a Israel, se permanecesse fieis
a Deus. A obediência aos mandamentos e preceitos de Deus é um
tema que se repete com frequência no resto do Êxodo.
Especialmente em conexão com a aliança feita no Sinai. Uma
questão relacionada é como Deus testou o povo com o objetivo de
investigar a extensão de sua obediência (CARSON et al., 2009, p.
132).

2.3 Conclusão parcial

Em sua análise do texto de Êxodo 15:26, os comentaristas aqui analisados


enfatizam que Deus queria conduzir os israelitas para que os mesmos mantivessem
uma atitude de humildade perante Deus. Desta forma, eles deveriam ser obedientes

9
“Further, the keeping of this law in our text will differentiate between Israel and the Egyptians, just as
the law of Sinai will be Israel’s distinguishing mark from the other nations for all time to come. It
appears that we have here nothing less than an anticipation of the Sinai covenant”.
24

aos Seus mandamentos. A obediência aos mandamentos revelou que os israelitas


teriam saúde se obedecessem a Deus. Pois, uma vida desordenada de acordo com
os próprios caprichos entrava em contraste com o padrão de vida orientado por
Yahweh. Além do mais, todas as histórias narradas na Bíblia referentes a passagem
dos israelitas pelo deserto fizeram parte de um processo chave na vida do povo,
processo o qual os israelitas tinham de passar. O “processo” do deserto envolveu
esperança, restauração e cura. A intenção de Yahweh foi fazer com que Seu povo
crescesse novamente nesses três pontos. Portanto, o mesmo não se realizaria em
uma única geração.
Em relação à promessa de livrar o povo das enfermidades dos egípcios,
alguns dos autores referenciados parecem ligar esse fato às doenças malignas
citadas em Deuteronômio 7:15; 28:27 e 60, relacionando também as doenças com
as pragas que caíram no Egito por ocasião do êxodo israelita, relatadas nos
capítulos Êxodo 7 a 11. Já outros autores entendem que as doenças dos egípcios
eram doenças endêmicas que faziam parte do cotidiano egípcio da época e que os
israelitas passaram a conhecer durante os anos de permanência no Egito.
A declaração de Yahweh de proporcionar cura para os israelitas tinha também
um propósito maior: Ser o provedor de todas as necessidades para povo, pois Deus
os havia escolhido para fins especiais. Portanto, o episódio que aconteceu em Mara,
assim como todas as outras provas que o povo de Israel teve que passar no deserto,
estava de acordo com o propósito dos israelitas estarem preparados para ocuparem
a terra de Canaã. Nesse contexto de Mara, Deus é apresentado como a fonte última
de cura e, assim como Ele curou as águas amargas, poderia curar os males de um
Israel obediente, pois a obediência traria bênçãos, ao passo que, a desobediência
traria o juízo.
Em relação as orientações de Deus em Êxodo 15:26 e a aliança, conclui-se
parcialmente que o episódio de Mara é um tipo de prévia do que aconteceria
posteriormente no Sinai, sendo comparado a uma “aliança em miniatura” onde
existia um benefício (água), uma estipulação (obediência), uma maldição (doença) e
uma bênção condicional (saúde). Dessa forma, nesse episódio Yahweh já estava
deixando um link para o que aconteceria num futuro próximo com o povo de Israel.
Além disso, vários termos utilizados na sentença proferida por Deus aos israelitas
em Mara estavam associados a uma exortação condicional: se ouvir, e fizer, e der
ouvidos, então. A mesma terminologia aparece em vários outros livros do Antigo
25

Testamento, apontando sempre para a lei dada aos israelitas no Monte Sinai.
Portanto, a repetição frequente do tema da obediência aos mandamentos ao longo
do livro do Êxodo parece ter uma grande conexão com a aliança de Yahweh com
Seu povo.
26

3 CONTEXTO HISTÓRICO

3.1 O Autor e a data do Êxodo

O texto atual do livro de Êxodo tem sido comumente considerado como


resultante de várias fontes oriundas de diferentes períodos da história do antigo
Israel. Essas fontes foram catalogadas pelos críticos recebendo letras referentes à
sua fonte: “Os hipotéticos documentos recebem o símbolo de ‘J’ (passagens onde
ocorre o nome YHWH), ‘E’ (Elohim), ‘D’ (redatores deuteronômicos), ‘P’ (escola
sacerdotal) e ‘R’ (vários redatores)” (DOUGLAS, 2006, p. 480). Concordando com
essa linha de pensamento, Fretheim (1991, p. 5) afirma que o livro de Êxodo é uma
colcha de retalhos contendo tradições de vários períodos de Israel onde a narrativa
do livro foi retrabalhada ao longo dos séculos, tendo como fontes identificadas às
grandes revisões das fontes J e E.
Existe ainda a versão dada pelos críticos que “preferem que não se fale de
‘documentos’ escritos, mas de grandes conjuntos de tradição oral que, no entanto,
em sua forma final acabam por ter quase a fixidez de documentos escritos” (COLE,
1981, p. 13). Segundo Cole (1981), esses eruditos lidavam com unidades ainda
menores e se preocupavam em descobrir a situação real em que provavelmente
surgiram tais unidades.
Entretanto, o presente estudo assume como pressuposto a possibilidade de
origem Mosaica do livro de Êxodo, e com Dorneles (2011, p. 521) afirma que a
autoria do livro de Êxodo tem uma grande ligação com o resto do Pentateuco
porque, além de ser uma continuação do livro de Gênesis, desempenha um papel
muito importante não só na identificação do livro de Êxodo como também na autoria
dos outros quatro livros do Pentateuco. Ademais, não existe nenhuma menção no
Pentateuco que negue a autoria de Moisés. Ao contrário, existem várias passagens
nesses livros relatando Moisés como sendo o autor dos registros de batalhas da
época, indicando inclusive que Moisés costumava fazer esses registros diariamente:

Moisés devia registrar a batalha contra os amalequitas ‘num livro’ (Êx


17:14). Isso, em comparação com Números 33:2, indica que Moisés
tinha um diário. Êxodo 24:4 afirma que ele mesmo anotou as
27

orientações contidas em Êxodo 20:21 a 23:33, o ‘livro da aliança’ (Êx


24:7). E, de acordo com Êxodo 34:27, ele foi quem escreveu a
revelação registrada nos v. 11-26. A evidência preservada no próprio
livro de Êxodo, portanto, indica Moisés como o autor de relatos
históricos e de outros registros contidos nele (DORNELES, 2011, p.
521).

Confirmando a proposta da autoria Mosaica, Stuart (2007, p. 27) afirma que


Moisés tinha quase trinta e nove anos de idade quando escreveu o livro de Êxodo,
fazendo isso durante o período de tempo entre a saída dos israelitas do Monte Sinai
até a sua morte. Além disso, o autor ainda coloca a possibilidade de que a primeira
audiência para quem Moisés escreveu foi a segunda geração pós-êxodo, ou seja, a
geração que tinha crescido no deserto durante os dias descritos no livro de Números
(ibid.).
Além disso, o livro de Êxodo utiliza-se de várias palavras egípcias e contêm
vários detalhes dos costumes do povo egípcio, o que sugere que “o autor foi
educado no Egito e estava familiarizado com essa nação e sua cultura”
(DORNELES, 2011, p. 521). Lucas confirma no livro de Atos que Moisés havia sido
educado “em toda a ciência dos egípcios e era poderoso em palavras e obras” (At
7:22). Somando-se a essas evidências, a prova mais incisiva da autoria de Moisés
encontra-se em Marcos 12:26, quando Jesus cita Êxodo 3:6:

Contudo, a prova mais contundente da autoria de Moisés se encontra


no Novo Testamento. Em Marcos 12:26, Cristo cita Êxodo 3:6 e se
refere à sua fonte como ‘o livro de Moisés’ [...]. Essas três
considerações (o testemunho direto do próprio livro, a evidência
indireta de que o autor foi educado no Egito e o testemunho de
Cristo) garantem a exatidão da tradição judaica de que Moisés
escreveu o livro de Êxodo (DORNELES, 2011, p. 521).

Em relação a datação, Durham (2002, p. xxvi) afirma que a data exata dos
eventos do Êxodo é de pouca relevância para a finalidade do livro, pois não afeta a
teologia do livro na sua forma atual. Segundo esse mesmo autor, as datas mais
aceitas são aquelas cujo faraó que oprimiu os hebreus foi Seti I, o faraó do êxodo
teria sido Ramsés II e o Faraó das primeiras invasões de Israel em Canaã seria
Merneptá. Ademais, existe uma discussão sobre a historicidade do livro de Êxodo
28

por parte de “comentaristas do último quarto do século XIX e do primeiro quarto do


século XX” (DURHAM, 2002, p. xxv, tradução própria)10.
Aqueles que defendem uma data para o Êxodo no século XIII a.C.
argumentam que as cidades armazéns chamadas de Piton e Ramessés que os
israelitas construíram para o Faraó, sugerem “Ramessés II (1290-1224 A.C.) como o
Faraó em questão. Sua nova capital estava situada na região do delta do Nilo,
próximo ao provável local da terra de Gósen” (COLE, 1981, p. 41). Assim, seria ele
mesmo ou o seu pai, Seti I (1303-1290 a.C.), o Faraó regente na época e que teria
sido responsável pela opressão dos israelitas (COLE, 1981, p. 41). Além do mais, no
tempo do Faraó Merneptá (1224-1214 a.C.), Israel parecia que já estava em Canaã,
embora ainda aparentemente considerado como um povo nômade (COLE, 1981, p.
41).
Entretanto, a Bíblia de Estudo Arqueológica (BEA) afirma que a data dos
acontecimentos narrados no livro de Êxodo, bem como a sua escrita, aconteceram
simultaneamente e provavelmente entre os anos de 1440-1400 a.C. (BEA, 2013, p.
84). Do mesmo modo, a cidade ter sido chamada de Ramessés foi um evento tardio,
pois no tempo da escravidão israelita a cidade era conhecida por outro nome:

A cidade recebeu esse nome por causa de Ramessés II, que viveu
entre 1279-1213 a.C., um longo tempo após a data em geral aceita
para o Êxodo. É bem provável que a menção dessa cidade na Bíblia
tenha sido retroativa (talvez não fosse conhecida por esse nome
quando os israelitas moravam ali). Os escritores sagrados podem ter
se referido a ela mais tarde pelo nome de Ramessés, pois era assim
que seus leitores a conheciam (BEA, 2013, p. 86).

Levando-se em conta as duas classes principais de interpretações para se


chegar à data do êxodo: a que data o êxodo no século 15 a.C., durante a 18ª
dinastia; e a que data o êxodo no século 13 a.C., durante a 19ª dinastia, existem
vários argumentos tanto a favor quanto contra essas datas. A última data
mencionada acima, por exemplo, “coloca Josué dois séculos antes de Moisés e
contradiz tanto o registro bíblico que está fora de questão para qualquer um que
esteja buscando construir uma cronologia consistente com os dados bíblicos”
(DORNELES, 2011, p. 169). Já a data do século 15 a. C. pode ser adotada quando

10
“The problematical question of the historicity of the narratives of the Book of Exodus has been much
discussed, particularly by commentators of the last fourth of the nineteenth century and the first
fourth of the twentieth century”.
29

se tem como base o contexto histórico e arqueológico, além da narrativa bíblica


(DORNELES, 2011, p. 170).
A narrativa bíblica afirma que no 480º ano após a saída dos israelitas do Egito
Salomão estava no seu 4º ano de reinado, sendo essa data identificada como o mês
de zive e como o ano em que Salomão “começou a edificar a Casa do SENHOR”
(1Re 6:1). A data judaica do início do 4º ano de Salomão pode ser aceita como o
outono de 967 a.C. até o seu término no outono de 966 a.C. Com isso, o começo da
construção do templo no mês de zive (aproximadamente maio) haveria “ocorrido na
primavera do ano 966 a.C. Então, zive do 1º ano em que os israelitas deixaram o
Egito, foi 479 anos antes de 966, que é o ano 1445 a.C.” (DORNELES, 2011, p.
171).
Concordando com uma datação próxima da explicação acima, Ross e Oswalt
(2008, p. 265) afirmam que a arqueologia coloca a possibilidade do livro do Êxodo
ter sido escrito no período do deserto entre cerca de 1445 e 1405 a.C, baseando-se
no sistema de datação de cerâmicas pertencentes a cidades cananitas destruídas
cerca de 1400 a.C.
Portanto, a confirmação de que o livro de Êxodo foi escrito por Moisés e que
sua escrita data de cerca de 1440 a.C., ou seja, uma datação próxima aos
acontecimentos com o povo de Deus no deserto, atesta pelo menos para duas
coisas: primeiro que Moisés foi aquele que viveu no Egito e foi aquele que guiou o
povo para fora da escravidão no deserto, dando a ele uma grande autoridade em
narrar os fatos, sendo ele mesmo testemunha ocular desses acontecimentos;
segundo, que o relato bíblico de Êxodo forma uma narrativa confiável de como
realmente Yahweh guiou o Seu povo, através de Moisés, pelo deserto.

3.2 Do Egito para as águas amargas de Mara

Foi durante o governo dos reis da 18ª dinastia no século XV a.C., que o Egito
chegou ao seu auge político, unindo-se através de uma monarquia forte. Nessa
época desfrutavam de uma autoridade nacional por terem expulsado os hicsos e por
estenderem o império egípcio pela África e Ásia (DORNELES, 2011, p. 125). O povo
egípcio nunca havia estado tão seguro e poderoso como nesse período em que
30

viviam. Porém, pela primeira vez o Egito começou a viver uma situação singular: os
cidadãos que eram nativos foram dispensados de seus serviços rotineiros,
dispensados do exército e dispensados das obras públicas, sendo o seu lugar
“preenchido por escravos seguidos por meio de campanhas militares em países
estrangeiros” (ibid., p. 126).
Com o tempo, o povo hebreu que havia sido feito escravo foi se multiplicando
na terra do Egito e, como medida de segurança e para contrabalançar uma eminente
ameaça por parte do povo hebreu, o rei egípcio de então, que não conheceu a José
(Êx 1:8), promulgou três decretos contra os israelitas. Para Douglas (2006, p. 479), o
primeiro decreto tinha como objetivo sujeitar os hebreus a trabalhos forçados, sob o
comando de capatazes. Deste modo, além do Egito suprir a sua necessidade
imediata de mão de obra, era também uma forma de deixar os israelitas sob uma
observação mais específica. O segundo decreto teve como finalidade intensificar a
dura servidão, provavelmente com a intenção de diminuir o tempo ocioso dos
israelitas, diminuindo assim as oportunidades de se traçar planos contra o governo
egípcio. E, por fim, o terceiro decreto tinha como propósito diminuir a quantidade do
povo hebreu mediante a morte de todos os filhos que nasceriam do sexo masculino.
Fazendo assim, os egípcios acreditavam que estariam minimizando também aqueles
que no futuro seriam os possíveis líderes israelitas de uma revolta contra o Egito. Os
israelitas começaram a sofrer uma espécie de genocídio planejado, tendo inclusive
sua própria existência ameaçada:

Os israelitas estavam sofrendo opressão e um genocídio planejado.


Eles estavam em uma condição desesperada que, no final, só
poderia ser resolvido por um poder vindo de fora. Não só sua
condição atual era intolerável por causa da escravidão, sua própria
existência estava ameaçada por causa da intenção do faraó de
destruir os bebês do sexo masculino através dos quais a nação teria
sido perpetuada (ROSS; OSWALT, 2008, p. 269, tradução própria)11.

Além da escravidão se tornar um problema para os israelitas aparentemente


poderia ser percebida também como um problema para Deus, pois Deus mesmo
havia prometido a Abraão que ele teria uma descendência como as estrelas do céu
11
“The Israelites were suffering oppression and a planned genocide. They were in a desperate
condition that, in the end, could only be solved by a power outside themselves. Not only was their
present condition intolerable because of slavery, their very existence was threatened because of the
pharaoh’s intent to destroy the male infants through whom the nation would have been perpetuated”.
31

(Gn 15:5) e que esses descendentes se tornariam uma grande nação, se tornando
uma bênção para aqueles que os abençoassem e uma maldição para aqueles que
os amaldiçoassem (Gn 12:1-3). No entanto, essa promessa começou a parecer
questionável quando os israelitas se tornaram escravos e à beira da extinção étnica,
tornando-se a escravidão de Israel uma questão que tinha que ver tanto com o
poder de Deus, quanto com sua fidelidade para com o seu povo ( ROSS; OSWALT,
2008, p. 269). Assim, o problema da escravidão não era somente dos israelitas, mas
aparentemente de seu próprio Deus Yahweh (ibid., p. 269).
Essa escravidão lembra o relato Bíblico de Gênesis, onde o texto afirma que
os descendentes de Abraão seriam peregrinos em terra estranha, reduzidos a
escravidão e afligidos por um período de 400 anos (Gn 15:13). Segundo
Brueggemann (1982, p. 148), os versículos de Gênesis 15:12-16 tratam
especificamente da história de Israel no que diz respeito à opressão no Egito e ao
Êxodo do Egito. Esse período de opressão e saída dos israelitas do Egito é narrado
em Êxodo como sendo uma data não arredondada de 430 anos: “Ora, o tempo que
os filhos de Israel habitaram no Egito foi de quatrocentos e trinta anos” (Gn 12:40).
Harmonizando-se com o com o pensamento citado acima, Dorneles (2011, p.
165) explica, através de um gráfico, que os 430 anos de peregrinação dos israelitas
se deram entre o chamado de Abraão aos 75 anos de idade e a saída dos hebreus
do Egito. Sendo que, destes 430 anos, 215 já haviam se passado em peregrinações
até o tempo em que Jacó chegou ao Egito. Ou seja, passaram-se 25 anos desde o
chamado de Abraão até o nascimento de Isaque, mais 60 anos até o nascimento de
Jacó, e mais 130 anos até a chegada ao Egito:
32

Figura 1 – Os 430 e os 400 anos de Gênesis 15:13, Êxodo 12:41 e Gálatas 3:17

Aliança com Abraão Promulgação da Lei


quando ele tinha 75 anos Ano do êxodo
(ver Gn 11:29-12:4) (ver Nm 33:3-15)

Nascimento
Nascimento de Jacó Chegada ao Egito
de Isaque
25
60 anos 130 anos
anos 215 anos no Egito

215 anos na Palestina

25
400 anos de Gênesis 15:13
anos

430 anos de Êxodo 12:41 e Gálatas 3:17

Fonte: Dorneles (2011, p. 165)

Durante o período de escravidão no Egito, os israelitas clamavam por um


libertador. Como resposta ao pedido de ajuda, Deus socorreu os israelitas através
de um hebreu que recebeu o nome de Moisés por ter sido retirado das águas pela
princesa, filha do Faraó (Êx 2:10). Depois de adulto e de ter fugido do Egito por ter
matado um egípcio e ter morado durante quarenta anos no deserto de Midiã, o
Senhor chama a Moisés para que definitivamente liderasse a saída dos israelitas de
seu cativeiro no Egito. Como primeiro ato de porta-voz de Deus, Moisés deveria
“ordenar categoricamente a Faraó; ‘Israel é meu filho, meu primogênito [...] Deixa ir
meu filho’ (Êx 4:22-23)” (KAISER, 2007, p. 106). Quando finalmente os israelitas são
libertados do Egito, Moisés guia o povo pelo deserto onde, em três meses, atinge o
monte Sinai, ficando acampados aproximadamente durante um ano naquele local
(SCHULTZ, 2009, p. 73).
Assim que os Israelitas passaram pelo Mar Vermelho e celebraram a vitória
sobre o exército de Faraó, caminharam durante três dias até chegar ao deserto de
Sur. Esse deserto fica na península do Sinai e foi “na parte meridional do deserto
que Israel marchou, em direção ao sudeste, ao longo das margens do Mar
Vermelho” (DORNELES, 2011, p. 611). No entanto, Cole (1981, p. 124) afirma que
não se pode dizer que os israelitas, com o passar do tempo, sabiam a localização
exata desses lugares por onde passaram em sua peregrinação do deserto, podendo
hoje a rota estar sujeita a especulação. Porém, o relato Bíblico também chama o
33

deserto de Sur pelo nome de Etã, que ficava perto do local que ficou conhecido
como Mara (Nm 33:8). Este local é identificado como estando ao leste do moderno
canal de Suez e do lado ocidental da península do Sinai (DOUGLAS, 2006, p. 408).
Ao chegarem ao deserto de Sur, não encontraram água para beber, sendo
que já estavam caminhando há três dias. Contando que parte do grupo era
composto de mulheres, crianças e animais, mais de três dias sem encontrar água
“seria impossível, especialmente para as crianças e animais. A situação só piorou
com a decepção de encontrar água amarga (a palavra ‘Mara’ significa ‘amarga’ e
está relacionada ao termo ‘mirra’)” (WIERSBE, 2006, p. 271). Isso não quer dizer
que os israelitas estavam caminhando durante três dias sem água, porque
certamente ao saírem do Egito levaram um suprimento de água potável em seus
odres de couro, pois esse era o costume dos povos orientais da Antiguidade
(DORNELES, 2011, p. 612). O que estava acontecendo era que não estavam
encontrando fontes ou poços para reabastecerem sua água, sendo que uma
“marcha de três dias sem encontrar água era mais ou menos o limite que podia
suportar o gado” (DORNELES, 2011, p. 612).
Quando chegaram a um lugar que tinha água, encontraram somente águas
amargas. Embora as pessoas consigam beber água com gosto ruim quando estão
como muita sede, existe um limite ao qual não se consegue ir além. Como
consequência da falta de água o povo murmurou, “explicitamente contra Moisés, a
quem Deus apontara como seu líder, e assim, implicitamente, contra o próprio Deus”
(COLE, 1981, p. 124). Então, Deus coloca os israelitas à prova dizendo que se eles
fizessem o que fosse reto aos Seus olhos, dessem ouvido aos Seus mandamentos e
guardassem Seus estatutos, nenhuma enfermidade dos egípcios viria sobre eles,
porque Yahweh é aquele que sara (Êx 15:26).
34

3.3 A Promessa feita aos pais

A liberdade dos israelitas do cativeiro egípcio não foi conquistada facilmente.


Na verdade, conforme o relato do texto bíblico descrito no final do capítulo cinco do
livro de Êxodo, após Moisés pedir para deixar o povo ir “caminho de três dias ao
deserto” para oferecerem sacrifícios a Yahweh, Faraó, não somente não permitiu
que o povo de Israel saísse do Egito, mas ordenou aos seus capatazes que
aumentassem os trabalhados dos escravos “ociosos” (Êx 5:1-3, 6-8). Como resposta
a esse episódio de opressão egípcia e a oração feita por Moisés em Êxodo 5:22-23,
Yahweh se apresenta como o Deus de Abraão, de Isaac e de Jacó, fazendo Moisés
olhar para o passado e ver que o Senhor os havia mantido até ali, que tinha ouvido
os seus gemidos e iria ajudá-los (MCGEE, 1991, p. 54).
Segundo Medina (2005, p. 109), na estrutura do início do capítulo 6 de Êxodo
existe uma fórmula de abertura descrita pela expressão “Eu sou o SENHOR”,
seguida de uma narrativa que vai até o verso cinco, e posteriormente nos versos 6 a
9 aparece um discurso preditivo da parte de Deus, onde o mesmo anuncia o que
ainda iria acontecer aos israelitas. Essa expressão (“Eu sou o SENHOR”) deve ser
entendida como uma confissão da autoridade real de Yahweh que salva e espera
uma resposta da humanidade. Conforme afirma o comentário abaixo:

‫ אני יהוה‬é acima de tudo uma confissão da autoridade, a autoridade


da presença real e eficaz do Senhor que salva, sustenta, chama e,
com base em tudo isso, espera uma resposta positiva da
humanidade. Como tal, a fórmula é um elemento básico na retórica
teológica conectado com o nome especial "Yahweh", que é uma
confissão de si mesmo (DURHAM, 2002, p. 75, tradução própria)12.

Israel é chamado por Deus para um pacto. Um pacto onde Israel deveria “ser”
porque o Senhor “é”. Além disso, esse pacto já havia sido antecipado pela aliança
feita com os pais e, por ocasião da libertação do Egito, a aliança estava prestes a
ser uma realidade na vida do povo de Israel (DURHAM, 2002, p. 79).

12
“‫ אני יהוה‬is above all a confession of authority, the authority of the real and effective Presence of
Yahweh who rescues, sustains, calls, and, on the basis of all that, expects a positive response from
humankind. As such, the formula is a basic element in the theological rhetoric connected with the
special name “Yahweh,” which is a confession in and of itself”.
35

O fato de Deus se revelar a Moisés como aquele que apareceu no passado a


Abraão, Isaac e Jacó, ainda que eles não O conhecessem como Yahweh, significa
que Deus ainda tinha uma parte de seu caráter a ser revelado, ao adotar a
descendência dos pais hebreus como propriedade Sua, retirando-os do cativeiro
egípcio e levando-os para a Terra Prometida (MCGEE, 1991, p. 56). Para os
hebreus, um nome tinha características específicas que revelavam, em muitos
casos, o que havia acontecido na circunstância em que o nome fora dado. Um
exemplo bíblico desse fato encontra-se quando Raquel teve seu ultimo filho e, por
seu nascimento ter sido penoso, sua mãe antes de morrer chamou-lhe Ben-oni, que
significa “filho da minha dor”; porém, o seu pai Jacó chamou-lhe Benjamim, que
significa “filho da mão direita”, que trazia uma conotação de felicidade e
prosperidade, pois ansiava um futuro mais glorioso para seu filho recém-nascido
(DORNENES, 2011, p. 436). Assim também, o Senhor se apresentou a Moisés com
o nome Yahweh porque por esse nome haveria de trazer libertação para o Seu
povo. Conforme afirma Dorneles (2011, p. 555):

Deus estava para Se revelar de forma mais completa, libertando Seu


povo com ‘mão poderosa’ (Êx 6:1), de fato considerando-os como
Seu povo (v. 7), estabelecendo Sua aliança com eles e dando-lhes a
terra de Canaã (v. 4). Por isso, no v. 3, Deus Se refere ao novo
significado que a libertação traria ao Seu nome (ver v. 1-7).

Na mesma linha de raciocínio do comentário acima, Clarke (1999a) afirma


que o Deus cujo nome se chama Yahweh possuía poder para fazer todo o bem que
desejasse a Seu povo e faria um pacto com eles, cumprindo as promessas que
havia feito aos pais hebreus que não puderam ser cumpridas anteriormente. Mas,
que agora, se cumpririam com Moisés levando sua posteridade para fora da
escravidão e estabelecendo-os na terra prometida. Além do mais, os pais hebreus
conheciam o Senhor pelo nome Yahweh, mas nem o Seu poder e significância eram
conhecidos pelos seus descendentes antes da libertação do Egito (CLARKE,
1999a). Seria como o exemplo de um homem que ostentasse um cargo de rei,
prefeito ou policial, antes de poder cumprir quaisquer de suas funções. Todos estes
foram conhecidos por terem seus respectivos nomes, mas o exercício do seu poder
mostrou o que já estava implícito em ser rei, prefeito ou policial (CLARKE, 1999a).
Uma analogia útil que aparece na Mesopotâmia, e que é lembrada por
Walton, é a da adoção. Segundo esse autor, em Êxodo 6:7 quando o Senhor diz que
36

tomaria os israelitas como Seu povo, o sentido é o mesmo de o Senhor adotá-los.


Para Walton, a função de adoção tem pelo menos três propósitos: primeiro, fornecer
uma forma segura de cuidar dos órfãos, crianças abandonadas ou crianças de
famílias em perigo; segundo, proporcionar um novo lar para as crianças órfãs; e
terceiro, fornecer um herdeiro para o indivíduo que está adotando o órfão. Portanto,
como analogia, a prática da adoção dos israelitas por Deus cumpre, pelo menos,
dois desses propósitos, podendo ser usado para um melhor entendimento de como
era o relacionamento de Yahweh com o antigo Israel (WALTON, 2009, p. 185).
O Senhor havia dito a Moisés que o clamor dos israelitas oprimidos havia
chegado até Ele (Êx 3:9) e que se lembrava da aliança que havia feito no passado,
dando a certeza “que os sustentaria na aflição e logo os libertaria” (DORNELES,
2011, p. 556). Porém, essa libertação não poderia acontecer de forma pacífica,
sendo necessária uma ação sobrenatural e punitiva da parte de Yahweh através de
pragas que cairiam no Egito:

Este livramento não poderia ser alcançado por meios pacíficos, mas
exigiria demonstração de força da parte de Deus. Anúncios de juízos
vindouros foram feitos previamente (Êx 3:20; 4:23). É verdade que
não tinham sido chamados assim, embora Deus tivesse prometido a
Abraão que julgaria a nação a qual serviria (Gn 15:14). As pragas
prestes a serem derramadas sobre o faraó e seu povo não eram
apenas ‘maravilhas’ ou ‘sinais’ no sentido comum, mas também
punições infligidas por um Juiz divino sobre uma nação orgulhosa e
cruel (ibid.).

Neste sentido, o que Yahweh havia afirmado a Moisés, quando prometeu


livrar os israelitas do cativeiro egípcio, tinha que ver com o cumprimento da
promessa que Ele havia feito ao povo desde os tempos de Abraão. Além disso, o
Egito receberia as consequências decorrentes do juízo divino sobre seu povo
através das pragas que cairiam antes da partida dos israelitas daquela terra
estranha.
37

3.4 As enfermidades dos egípcios

3.4.1 As enfermidades mais comuns no Egito Antigo

Dentre as ciências que se desenvolveram no Egito antigo, pode ser


destacada a medicina No tempo do faraó Djoser, do Antigo Império egípcio, viveu
um arquiteto, administrador e escritor que foi conhecido como Imhotep. Tamanho foi
o seu talento e destaque em sua época que além de ser feito ministro de faraó, os
egípcios, posteriormente, o adoraram e fizeram dele um deus da medicina
(FERREIRA, 1992, p. 41).
Os médicos no antigo Egito conheciam bem a anatomia humana,
provavelmente por causa do processo de mumificação, tratavam doenças
relacionadas aos olhos, a cabeça e aos órgãos internos. Além do mais:

Os médicos egípcios foram, na Antiguidade, frequentemente


convidados para atender clientes em países estrangeiros, tal o
prestígio que alcançaram. Eram bons cirurgiões, chegando a realizar
operações de catarata, bem como trepanações do crânio, cirurgias
delicadas mesmo atualmente. Alguns deles tratavam dos dentes,
sabendo colocar obturações a ouro em seus clientes. Os trabalhos
realizados pelos médicos tinham caráter prático, resultando de
observações repetidas de sintomas que permitiam diagnosticar as
doenças com certa precisão (ibid., p. 42).

São três as principais fontes que foram utilizadas em estudos para se verificar
quais foram as doenças que assolaram o Antigo Egito. Uma fonte de pesquisa direta
são as múmias e os esqueletos dos próprios faraós encontrados, outra são as
representações artísticas que retratam não só a vida cotidiana, crenças, mas
também as doenças que assolavam os egípcios; e por ultimo, os tratados médicos
que falam de alguns males, das causas e da sua cura (EGITOMANIA, 2001a, p.
1574). Porém, uma coisa que deve ser levada em conta é o fato de que dentre as
doenças que existiam no Antigo Egito, as mais recorrentes estavam sempre
relacionadas com o meio em que os egípcios viviam:

Dentre as doenças adquiridas, as mais frequentes eram as que se


relacionavam com o meio em que viviam. O Nilo era uma fonte
38

contínua de microorganismos nocivos, que podiam infiltrar-se no


corpo humano pela ingestão da água ou do contato com ela. Dentre
as outras doenças podem ser citadas a esquistossomose, provocada
por vermes que entravam pela planta dos pés e que ocasionavam
transtornos urinários. A inalação do pó de carvão do lume doméstico
podia ser a causa de doenças respiratórias, como a antracose.
Também a poeira do deserto provocava doenças pulmonares e
dificuldades respiratórias. A dieta dos egípcios era a causa do
desgaste dos dentes, devido à areia existente nos alimentos. Outras
doenças que afetavam os habitantes do Egito eram a gota e a lepra
(EGITOMANIA, 2001a, p. 1574).

Conforme ainda afirma o livro Egitomania (ibid., p. 1575), na maioria das


vezes as doenças encontradas entre os antigos egípcios estavam ligadas
diretamente às condições diárias de seu trabalho, onde muitas vezes ficavam
expostos ao calor intenso e a ficar muito tempo de pé, provocando-lhes má
circulação sanguínea nos membros inferiores e outras doenças relacionadas.
Outra doença que já existia desde aquela época no Egito era a dor de
cabeça. Papiros médicos encontrados traz em receitas contra enxaqueca que “no
país do Nilo tinham causas muito específicas: as elevadas temperaturas que os
egípcios deviam suportar [...] juntamente com a poeira do deserto” (ibid., p. 1574).
Evidências arqueológicas comprovaram que no tempo do faraó Djoser (2667
a.C. a 2648 a.C.), existia uma espécie de hierarquia no sistema de cuidados
médicos bem estabelecida, onde havia o supervisor dos médicos, o chefe dos
médicos, o mais velho dos médicos e, finalmente, o inspetor dos médicos.
Entretanto, não havia nenhuma distinção entre os médicos cirurgiões, sendo
referidos muitas vezes como um grupo de sacerdotes da deusa Sekhmet
(SULLIVAN, 1995, p. 141-142).
Sullivan afirma que as antigas evidências das organizações médicas no Egito
são observadas tanto do ponto de vista literário, como do ponto de vista
arqueológico. Do ponto de vista literário cita como exemplo o geógrafo e historiador
grego Hecateu de Mileto, que viveu no século VI a.C., escrevendo, dentre outras
coisas, sobre a existência de médicos no Egito Antigo. Ademais, existem relatos de
práticas médicas tanto no Antigo Testamento, nos relatos dos Hititas, bem como nos
arquivos da Babilônia e dos Assírios. Do ponto de vista arqueológico, no ano de
1862 foi descoberto o primeiro papiro médico pelo egiptólogo Georg Moritz Ebers
(1837-1898), o qual levou seu sobrenome e foi datado de 1600 a.C. Porém, mais
tarde chegou-se a conclusão que aquele papiro seria uma cópia de um documento
39

muito mais antigo, cerca de 2500 a.C., atribuído ao “pai da medicina egípcia”
Imhotep (SULLIVAN, 1995, p. 141). Esse papiro, publicado por Georg em 1875,
possui 110 páginas em formato de rolo que descrevem de forma sistematizada,
prescrições clínicas de doenças da “cabeça, olhos, sistema circulatório, estômago e
outros; além de detalhar a prática da avaliação clínica e caracterização das
doenças” (BAPTISTA et al., 2003, p. 54). Das 110 páginas do papiro original, nove
eram destinadas ao tratamento das doenças oculares, uma coisa que não causa
surpresa a alguém que esteja familiarizado com o Egito atual, mesmo passado um
espaço de tempo tão grande em relação ao período das Dinastias dos Faraós
(BRYAN, 1930, p. 94).
Além do papiro de Ebers,como ficou conhecido, um segundo importante
papiro médico foi encontrado e nomeado como papiro cirúrgico Edwin Smith, datado
da 17ª dinastia egípcia. O papiro recebeu esse nome porque apresentava 48 casos
cirúrgicos, principalmente casos traumáticos e, além disso, apresentava o que pode
ser considerado o primeiro relato da circulação sanguínea da História (SULLIVAN,
1995, p. 141).
Dois eram os principais vilões agentes das enfermidades oculares no antigo
Egito: a areia do deserto e as águas contaminadas do Nilo:

A areia do deserto e as bactérias presentes na água contaminada


provocavam doenças oculares, como a conjuntivite. Em alguns
casos, a conjuntivite granulosa, denominada tracoma e também
conjuntivite egípcia, podia provocar cegueira. Pelas muitas
representações de cegos, deduz-se que o tracoma era muito
frequente no Egito. A maioria dos harpistas eram cegos, o que não
os impediu de se destacarem como músicos (EGITOMANIA, 2001a,
p. 1575).

Em relação às representações artísticas do Egito Antigo, verificou-se que em


muitas estátuas onde aparecem funcionários importantes da corte são
representados com sinais de obesidade. O corpo desses homens de status social
muito elevado era geralmente apresentado com “excesso de gordura na região
abdominal e peito muito desenvolvido” (EGITOMANIA, 2001a, p. 1574). Ao contrário
da opinião de alguns pesquisadores, que viram nessas representações artísticas
uma indicação de importância para o personagem, as evidências mostram que os
altos funcionários daquela época “desfrutavam de uma dieta muito mais rica em
40

gorduras do que a dos egípcios de classe baixa, o que viria a refletir em uma
incipiente obesidade” (EGITOMANIA, 2001a, p. 1574).
Um estudo das múmias foi o suficiente para confirmar a hipótese da
obesidade da classe nobre egípcia, além de outras enfermidades como cáries, artrite
e até mesmo a presença de alguns tumores:

O estudo das múmias permitiu conhecer que os egípcios, sobretudo


a classe alta, sofriam de arteriosclerose, devido à sua dieta rica em
gordura. Entre essa classe também era comum a cárie, pois usavam
mel como adoçante, produto que só os ricos podiam consumir. O
mesmo se pode dizer da artrite; alguns faraós, como Ramsés II,
sofriam dela. Foi detectado que houve casos de varíola, bem como
alguns tumores. Um quadro clínico interessante é apresentado pela
figura de Akhenaton. A acumulação de gordura nos músculos, bacia,
peito e traços andróginos, além de pernas compridas, fez pensar que
padecia da síndrome de Marfan (EGITOMANIA, 2001a, p. 1576).

Portanto, uma rápida análise dos relatos dos três principais materiais
utilizados como fontes de pesquisa (múmias, representações artísticas e papiros
médicos) apontam para o fato das enfermidades recorrentes entre os egípcios na
Antiguidade estarem ligadas diretamente às práticas diárias dos egípcios e como se
relacionavam com o meio ambiente em que viviam.

3.4.2 As enfermidades do Egito durante as pragas do êxodo

Além das enfermidades que já faziam parte do cotidiano egípcio no período


do êxodo israelita, os egípcios passaram por pragas que aconteceram de maneira
intensa e num curto período de tempo. Além disso, essas pragas espalharam
doenças e danificaram seriamente a agricultura do país. (Egitomania, 2001b, p.
1876)
Algumas dessas pragas afetaram diretamente a saúde dos egípcios através
de doenças. Porém, ao sofrerem com tais pragas os próprios egípcios e seus magos
reconheceram que o “dedo de Deus” estava sobre eles, atribuindo as pragas ao
poder de Deus e sendo impossível competir com o sobrenatural (DORNELES, 2011,
p. 566). Além disso, o relato bíblico aponta para uma das pragas em que
especificamente a doença acometeu somente os animais dos egípcios:
41

Eis que a mão do SENHOR será sobre o teu rebanho, que está no
campo, sobre os cavalos, sobre os jumentos, sobre os camelos,
sobre o gado e sobre as ovelhas, com pestilência gravíssima. E o
SENHOR fará distinção entre os rebanhos de Israel e o rebanho do
Egito, para que nada morra de tudo o que pertence aos filhos de
Israel [...] E o SENHOR o fez no dia seguinte, e todo o rebanho dos
egípcios morreu; porém, do rebanho dos israelitas, não morreu nem
um. (Êx 9:3-4, 6, ARA).

As epidemias ente os animais aconteciam frequentemente no Antigo Egito,


porém, o que chamou a atenção nessa praga foi o caráter miraculoso confirmado
pela combinação de alguns fatores: o aviso prévio do que iria acontecer, o
surgimento da praga no dia determinado, a severidade das doenças e o fato dos
animais dos israelitas não terem sido afetados (DORNELES, 2011, p. 570).
Adam Clarke, em seu comentário, afirma que a doença que ocorreu nos
animais egípcios era compatível com uma peste, sendo muito contagiosa entre o
gado. Essa doença tem sintomas próprios, onde os animais apresentaram muita
secreção nos olhos, dificuldade de respiração, palpitações no coração, hálito quente
e língua brilhante. Todos esses sintomas apontam que os animais estão sendo
acometidos por algum tipo de inflamação (CLARKE, 1999b). Esse mesmo autor
também afirma que quando o texto bíblico de Êxodo 9:5 relata que o SENHOR havia
designado um tempo certo, ou seja, um dia após anunciar que a praga iria cair nos
animais dos egípcios, Deus demonstrou sua presciência e poder, pois não queria
que, nem os israelitas e nem os egípcios, confundissem a mortalidade que ocorreria
a seguir com um acidente, mas que tivessem a certeza que o fato veio como o
cumprimento de um propósito predeterminado pela justiça divina (ibid.). Além do
mais, vários daqueles animais eram adorados pelos egípcios como deuses, sendo
aquela uma oportunidade para que entendessem o erro de sua idolatria nacional
porque os animais que eram idolatrados não mais poderiam ser cultuados, pois
haviam sido mortos juntamente como os outros animais que eram tidos por comuns
durante a praga enviada pelo Deus dos israelitas (ibid.).
Outro fato importante relatado no texto bíblico de Êxodo 9:10-11, foram
algumas doenças que ocorreram diretamente no corpo dos egípcios. Segundo
Durham (2002, p. 122), os tumores e úlceras relatados na sexta praga podem ser
comparados com as úlceras malignas relatadas em Deuteronômio 28:35: “O
SENHOR te ferirá com úlceras malignas nos joelhos e nas pernas, das quais não te
42

possas curar, desde a planta do pé até ao alto da cabeça”, pois a doença havia
afetado principalmente as pernas e os pés dos egípcios, não conseguindo com isso
“ficar em pé” ou permanecer na presença de Moisés.
Até então, durante todas as pragas anteriores, os magos haviam conseguido
permanecer na presença do Faraó, mas por ocasião das úlceras não mais
conseguiram resistir:

Parece que até aqui os magos estiveram presentes quando os


milagres eram realizados, embora tivessem falhado algumas vezes
em produzir sua contrafação. Nesta ocasião, a praga caiu sobre eles
com tamanha severidade que não podiam continuar com o rei. Em
vez disso, fugiram para suas casas, em busca de proteção e
tratamento (DORNELES, 2011, p. 571).

Segundo Clarke (1999c), essa doença que acometeu os egípcios por ocasião
da sexta praga, não era uma doença tida por imediatamente mortal, mas era uma
doença que poderia afetar bastante a superfície do corpo humano. Foi uma espécie
de úlcera purulenta que ardia e arrebentava em várias partes do corpo,
principalmente nas regiões glandulares como axilas, pescoço e virilhas, causando
dor, inflamação e febre. Além disso, afirma que o que aconteceu naquela ocasião
com os egípcios parece ter sido uma doença rara, talvez nunca antes conhecida em
nenhum pais de então, sendo chamada distintivamente de “ulceras do Egito” em
Deuteronômio 28:27.
O Deus dos israelitas poderia ter agido de maneira diferente com os egípcios
e com o próprio faraó, destruindo-os imediatamente ao invés de lhes dar uma
chance a mais de arrependimento durante cada praga. Porém, isso ocorreu pelo
menos por duas razões, conforme afirma o comentário abaixo:

Deus continua explicando a razão de ainda não ter destruído o faraó,


cuja teimosia há muito requeria tal castigo. A razão apresentada é
dupla: (1) que o faraó reconhecesse o poder do Deus verdadeiro e
fosse impelido a louvar a Yahweh; (2) que o nome de Deus fosse
declarado em toda a Terra. Isso se cumpriu, e o faraó foi forçado a
admitir não somente o poder superior de Deus, mas também Sua
justiça (DORNELES, 2011, p. 571, grifo nosso).
43

3.5 Conclusão parcial

Mesmo que o relato do Êxodo tenha passado por diversas críticas no final do
século XIX em relação à sua fonte, o ponto de vista conservador que aponta Moisés
como sendo o autor do Êxodo e do Pentateuco é assumido neste estudo. Pois, além
do relato bíblico apresentar uma continuação histórica na sequência de seus cinco
primeiros livros, o livro de Êxodo tem uma grande ligação com o todo resto do
Pentateuco, sugerindo um único autor. Além disso, existe a tradição judaica que
sugere que Moisés foi o escritor do livro do Êxodo (DORNELES, 2011, p. 521).
Vários detalhes contidos no próprio relato de Êxodo como palavras egípcias,
costumes e descrições de guerra que aconteceram no período, sugerem também
que tais relatos foram realizados por alguém que, como Moisés, foi instruído em toda
ciência dos egípcios (At 7:22). Ademais, existem partes do texto bíblico que afirmam
que Moisés mantinha os registros das guerras atualizados diariamente (Êx 17:14;
24:4,7; 20:21-23:33; Nm 33:2). Essa autoria é também confirmada pelo próprio
Cristo, se for levada em conta a afirmação feita por Ele e descrita no evangelho de
Marcos, onde Jesus cita Êxodo 3:6 referindo sua fonte como sendo o “Livro de
Moisés” (Mc 12:26).
Em relação a datação dos eventos relacionados com o versículo em estudo,
foram identificadas duas principais interpretações: a primeira que coloca os eventos
do êxodo israelita no século XV a.C., durante a 18ª dinastia egípcia; e a segunda
que assume uma datação posterior, no século XIII a.C. durante a 19ª dinastia;
Contudo, o presente estudo argumentou que a datação no século XV a.C. pode ser
adotada quando se leva em conta o contexto histórico, o contexto arqueológico e o
relato bíblico contido em 1Reis 6:1, que identifica o início da construção do templo
no quarto ano do reinado de Salomão, acontecendo 480 anos após a saída dos
israelitas do Egito. Isso tudo conduz a datação do êxodo israelita em cerca de 1440
a.C.; sendo que a datação judaica para o 4º ano do reinado de Salomão ocorreu
entre a primavera do ano de 967 a.C. até o término em outubro de 966 a.C.
Nesse período da 18ª dinastia egípcia, o estudo identificou ainda que existia
uma grande necessidade de mão de obra para realização de várias construções no
Egito e que os israelitas haviam se tornado uma nação estrangeira fortalecida e
numerosa, sendo reduzidos à escravidão na intenção de impedir que os futuros
44

líderes israelitas se revoltassem contra o Egito, tomando o seu poder. Esse fato está
em sincronismo com o relato bíblico contido no livro de Gênesis 15:13, onde Yahweh
revela a Abraão que sua descendência seria reduzida à escravidão e afligida por
cerca de 400 anos.
A libertação do cativeiro egípcio não foi uma conquista fácil, pois Israel teve
que sofrer debaixo de três severos decretos por parte do Faraó vigente. No entanto,
foi nesse período de escravidão e opressão que Deus ouviu os clamores dos filhos
de Israel, se apresentando a Moisés com o nome de Yahweh e afirmando ser o
Deus de Abraão, Isaac e Jacó. Nesse contexto, Deus confirma o pacto que havia
feito com os pais hebreus, revelando-se de maneira mais completa a Moisés do que
havia se revelado aos patriarcas, pois iria livrar os israelitas por meio de maravilhas,
de sinais e através das pragas que cairiam sobre os egípcios, caracterizando o juízo
divino sobre aquela nação orgulhosa e cruel.
Em relação às pragas e as doenças dos egípcios, após analisar pesquisas
relacionadas às três principais fontes disponíveis para a identificação das doenças
que existiam no Egito Antigo, entendeu-se que as doenças dos egípcios estavam
diretamente ligadas ao seu padrão de vida, ao tipo de trabalho que realizavam e às
ações do meio ambiente às quais estavam expostos no dia-a-dia. Porém, as
doenças que assolaram os egípcios no período das pragas foram reconhecidas
como sobrenaturais, em sua predição, sua intensidade e seus efeitos únicos na
saúde dos egípcios, de seus animais e de suas plantações. Além disso, Yahweh
poderia ter destruído de uma vez por todas o faraó vigente na época por sua
teimosia, mas as pragas do Egito visavam um propósito maior: fazer com que o
faraó reconhecesse o poder do Deus dos israelitas e que Ele era o único Deus
verdadeiro e, além disso, fazer com que o nome de Yahweh fosse conhecido e
proclamado entre as outras nações.
45

4 EXEGESE DO TEXTO

4.1 Delimitação da Perícope

Existem eruditos que entendem que a perícope deve ser delimitada do verso
22 ao 27. É o caso de Dunnam e Ogilvie, entendendo que o livro de Êxodo
apresenta por várias vezes “uma balança de modos de vida prevalecentes, de
celebrar a reclamar e condenar Moisés” (DUNNAM; OGILVIE, 1987, p. 169, tradução
própria)13, onde a narrativa dos fatos entre os hebreus passa “do triunfo ao
problema, do problema ao teste e do teste ao ensino” (ibid., p. 172, tradução
própria)14. Ou seja, do triunfo no Mar Vermelho ao problema da falta de água, do
problema da falta de água ao teste das águas amargas, do teste das águas amargas
ao ensino que Yahweh é aquele que cura.
Outra literatura que concorda com a delimitação do verso 22 a 27 é o
Comentário Bíblico Adventista que, em sua apresentação do esboço do livro de
Êxodo, delimita esses versos como sendo uma parte menor dentro de um contexto
maior, na trajetória do povo de Israel quando saiu do Egito até chegar ao Sinai:

Do Egito ao Sinai, 13:17-19:2.


1. Passagem pelo Mar Vermelho, 13:17-14:31.
2. O cântico de Moisés, 15:1-21.
2. Mara e Elim, 15:22-27.
3. Codornizes e maná no deserto de Sim, 16:1-36.
4. Massá e Meribá, 17:1-7.
5. A vitória sobre Amaleque e Refidim, 17:8-16.
6. A visita de Jetro, 18:1-27.
7. Chegada ao Sinai, 19:1, 2. (DORNELES, 2011, p. 524).

Para Cole (1981, p. 123), a perícope em estudo também foi delimitada entre
os versos 22 a 27, pois apesar de não existir uma precisão em relação aos locais
exatos das paradas dos israelitas pelo deserto, a posição dos poços e oásis naquela
região não mudou muito desde os tempos de Moisés até agora, deixando em Êx

13
“Again there is a seesaw of prevailing moods, from celebrating to complaining and condemning
Moses.”
14
“But there is more insight to be gained from the Hebrews. They went from triumph to trouble, from
trouble to testing, and from testing to teaching.”
46

15:22-27 um registro claro e bem definido do acontecimento das águas amargas de


Mara.
De acordo com Fox (1995), a perícope dos versos 22 a 27 está ligada as
narrativas do deserto que tem que ver com questões relacionadas a água:

(15: 22-27): A primeira das narrativas do deserto está ligada ao que


aconteceu antes através do tema da água. Frescos de seu resgate
da morte no mar, os israelitas buscam água no deserto e acham a
descoberta da insuportável água intolerável. [...] Curiosamente, o
tema da água imutável lembra o início da seqüência das pragas no
Egito (7: 20-21); (tradução própria)15.

Deste modo, fica evidente que quando se delimita a perícope do capítulo 15


de Êxodo do verso 22 ao 27, entende-se que esse trecho trata de assuntos
relacionados a peregrinação de Israel no deserto, ressaltando a experiência amarga
de Mara, que serviu para mostrar aos israelitas que Yahweh os queria provar e
chamar-lhes a atenção para o único Deus que poderia curá-los antes que pudessem
chegar a Canaã terrestre.

4.2 Tradução do versículo em estudo

Para uma melhor compreensão do texto estudado, encontra-se abaixo o


conteúdo conforme aparece na Bíblia Hebraica Stuttgartensia (BHS), juntamente
com uma possível tradução própria, interlinear, do autor do presente trabalho,
seguida de uma proposta final de tradução:

‫וְׁ ַהיָׁ ָׁ ָׁ֤שר‬ ‫ֹלהיָך‬


ֶ֗ ‫ֱא‬ ‫הוָ֣ה‬
ָׁ ְׁ‫י‬ ‫ְׁל ָ֣קֹול‬ ‫ִת ְׁש ַַ֜מע‬ ‫ם־ש ֙מ ַֹוע‬
ָׁ ‫ִא‬ ֩‫וַ יֹּאמר‬
de se
e o reto Teu Deus a voz ouvires E disse
Yahweh certamente

‫ל־ה ַ ַֽמ ֲח ָ֞ ָׁלה‬


ַ ‫ָׁ ַֽכ‬ ‫ל־ח ָׁ ָּ֑קיו‬
ֻ ‫ָׁכ‬ ‫וְׁ ָׁש ַמ ְׁר ָׁת‬ ‫ֹותיו‬
ָָׁ֔ ‫ְׁל ִמ ְׁצ‬ ‫וְׁ ַ ַֽה ֲאזַ נְׁ ָׁ֙ת‬ ‫ַת ֲע ָ֔שה‬ ‫ְׁב ֵעינָׁ ֙יו‬

15
“(15:22–27): The first of the wilderness narratives is linked to what has gone before via the theme of
water. Fresh from their rescue from death at the sea, the Israelites look for water in the desert and find
the discovery of unpotable water intolerable. […] Strangely, the theme of undrinkable water recalls the
beginning of the plague sequence in Egypt (7:20–21)”.
47

toda todos Seus e aos Seus e deres aos Seus


fizeres
doença estatutos guardares Mandamentos ouvido olhos

‫הוה‬
ָׁ ְׁ‫י‬ ‫ֲא ִנִ֥י‬ ‫ִ ִּ֛כי‬ ‫ָׁע ָ֔ליָך‬ ‫א־א ִ ָ֣שים‬
ָׁ ֹּ ‫ל‬ ‫ְׁב ִמ ְׁצ ַ ֙ר ֙יִם‬ ‫ר־ש ְׁמ ִתי‬
ָׁ֤ ַ ‫ֲאש‬
não
Yahweh Eu sou porque sobre ti no Egito que coloquei
colocarei
‫ר ְֹּׁפ ַֽאָך׃‬
o Teu
curador
(Êx 15:26, BHS, p. 112).

“E disse: Se certamente ouvires a voz de Yahweh, Teu Deus, e o reto aos


Seus olhos fizeres, e deres ouvido aos Seus mandamentos e guardares todos Seus
estatutos, toda doença que coloquei no Egito, não colocarei sobre ti, porque Eu sou
Yahweh, o Teu curador.” (Êx 15:26, tradução própria).

4.3 Análise léxica e sintática das principais palavras dentro de Êxodo 15:26

ָׁ ‫( ִא‬ʼim šāmōwa‘ tišma‘) e a raiz ‫( ָׁש ַמע‬šāmaʽ)


4.3.1 A expressão ‫ם־ש ֙מ ַֹוע ִת ְׁש ַַ֜מע‬

Conforme analise da palavra tišma‘ em Davidson (2011, p. 781), verifica-se


que a mesma é um verbo na voz ativa, de grau causativo (hifil), que se encontra na
segunda pessoa do singular do futuro (imperfeito), podendo ser traduzido por
“ouvires”. No entanto, no texto estudado, o verbo aparece precedido por outro verbo
(šāmōwa‘), que possui a mesma raiz šāmaʽ, mais agora aparecendo como um verbo
infinitivo absoluto de grau simples e voz ativa (qal). Com isso, o verbo “ouvir” é
reforçado, mostrando intensidade e sendo “geralmente traduzido por um advérbio”
(MENDES, 1981, p 147). Ademais, os dois verbos sendo precedidos pela conjunção
“ʼim”, podem ser traduzidos por “se certamente ouvires”, indicando além de um
reforço da intensidade verbal, uma condição (“se”) a ser alcançada.
O verbo šāmaʽ aparece no texto da Bíblia Hebraica “1050 vezes no qal, nifal,
piel (duas vezes) e hifil” (HARRIS et al., 1998, p. 1586). O verbo pode ser traduzido
basicamente por “ouvir”, podendo também ter vários outros sentidos:
48

shâmaʽ possui o sentido básico de "ouvir". Isso passa a ter várias


conotações, geralmente envolvendo uma ação concreta de ouvir ou
escutar: 1) "escutar", "prestar atenção"; 2) "obedecer" (acompanhado
de palavras tal como "mandamento", etc.); 3) "atender oração",
"ouvir"; 4) "entender"; e 5) "ouvir criticamente", "examinar (em
tribunal)". Os graus derivados possuem significados devidamente
alterados (ibid.).

Existem vários casos no relato bíblico em que o verbo possui o sentido básico
de “ouvir”, como por exemplo, Números 12:2, onde é dito que o Senhor “ouviu” a
murmuração de Miriã e Arão contra Moisés. Outro exemplo é visto na passagem em
que Moisés lembra aos Israelitas que eles “ouviram” a voz de Deus, mas não viram
aparência nenhuma (Dt 4:12). Na viração do dia, Adão é Eva “ouviram” a voz do
Senhor e se esconderam de Sua presença (Gn 3:8).
O sentido de “ouvir” como obedecer também aparece em vários versículos
bíblicos. Como exemplo, em Provérbios, onde está escrito que “o caminho do
insensato aos seus próprios olhos parece reto, mas o sábio ‘dá ouvidos’ aos

conselhos” (Pv 12:15). Em Neemias o verbo šāmaʽ aparece ligado a palavra ‫ִמ ְׁצוָׁ ה‬
(mitsvāh) mandamento, com o sentido de obedecer: “[...] e endureceram a sua
cerviz, e não ‘deram ouvidos’ aos teus mandamentos” (Ne 9:16). Outra passagem
que aparece o verbo šāmaʽ com sentido de obedecer encontra-se em Jeremias:

À casa dos recabitas disse Jeremias: Assim diz o SENHOR dos


Exércitos o Deus de Israel: Pois que obedecestes ao mandamento
de Jonadabe, vosso pai, e guardastes todos os seus preceitos, e
tudo fizestes segundo vos ordenou (Jr 35:18, ARA, grifo nosso).

Deste modo, em Êxodo 15:26, o sentido de ouvir parece ser o de obedecer.


Se os Israelitas obedecessem aos mandamentos de Deus, Ele sararia o povo, não
deixando que nenhuma doença dos egípcios viesse sobre eles. Assim, o “seu bem
estar físico dependia de sua obediência” (DORNELES, 2011, p. 613).
49

4.3.2 A palavra ‫שר‬


ָׁ֤ ָׁ ָׁ‫( ַהי‬hayyāšār) e sua raiz

A palavra traduzida em Êxodo 15:26 como o adjetivo “reto” vem da raiz yāšār
e pode ser encontrada pelo menos com três sentidos diferentes: o sentido literal, o
sentido ético e o sentido idiomático, quando precede o substantivo “olhos” (HARRIS
et al., 1998, p. 685). O sentido literal é o de “endireitar o caminho” ou “ir reto pelo
caminho”. Esse sentido é apresentado no relato bíblico de 1Samuel 6:12, onde é
mostrado que os filisteus haviam devolvido a arca do Senhor dos israelitas, e esta
estava sendo transportada em cima de um carro puxado por duas vacas. O texto diz
que as vacas foram “reto” (ir na direção certa) e sem errar o “caminho sobre a
estrada para Bete-Semes, por uma rodovia, ou seja, a estrada direta de Ecrom a
Bete-Semes” (DORNELES, 2012, p. 507). Além do exemplo citado acima, o termo
yāšār também aparece em seu sentido literal no segundo livro de Crônicas, onde é
dito que Ezequiel construiu um aqueduto para “canalizar” as águas “para o ocidente
da cidade de Davi” (2Cr 32:30). Nesse versículo, yāšār, traduzido geralmente por
“canalizar”, tem o sentido de “fazer correr em linha reta” (HARRIS et al., 1998, p.
684).
Um exemplo do sentido ético do verbo yāšār pode ser visto no provérbio “A
justiça do íntegro endireita o seu caminho, mas pela sua impiedade cai o perverso”
(Pv 11:5). Nesse versículo o verbo yāšār é traduzido como endireitar, dando um
sentido de retidão ao estilo de vida dos íntegros e apontando essa característica
como uma qualidade (HARRIS et al., 1998, p. 684). Esse mesmo conceito de retidão
pode ser observado em Eclesiastes 7:29: “Eis o que tão somente achei: que Deus
fez o homem reto, mas ele se meteu em muitas astúcias”.
Porém, um dos sentidos mais interessantes de yāšār é o sentido idiomático
quando o mesmo precede o substantivo “olhos”. Nesse caso, a expressão tem o
sentido de parecer justo aos olhos de alguém, tendo a “aprovação desse alguém
mediante a guarda dos seus mandamentos” (HARRIS et al., 1998, p. 685). Esse
mesmo sentido é encontrado em Deuteronômio 6:17,18 (ARA):

Diligentemente, guardarás os mandamentos do SENHOR, teu Deus,


e os seus testemunhos, e os seus estatutos que te ordenou. Farás o
50

que é reto e bom aos olhos do SENHOR, para que bem te suceda, e
entres, e possuas a boa terra a qual o SENHOR, sob juramento,
prometeu dar a teus pais.

Segundo o Thompson (1982, p. 121), Deuteronômio 6:17,18 liga a questão da


retidão do povo em guardar os Mandamentos de Yahweh às estipulações da aliança
e, mais uma vez, “as bênçãos decorrentes da obediência são mencionadas;
prosperidades, posses da terra e expulsão de todos os inimigos (18b,19; cf. Êx
23:27-32)”.
Sendo assim, o termo yāšār em Êxodo 15:26 parece abrigar o sentido
idiomático da palavra, pois apresenta um convite feito por Yahweh para que Seu
povo venha novamente a ter uma vida reta, guardando os Seus Mandamentos e
sendo abençoados.

4.3.3 A palavra ‫( ַ ַֽה ֲאזַ נְׁ ָׁת‬ha’ăzantā) e sua raiz

A expressão ha’ăzantā deriva da raiz ha’ăza, que significa literalmente “ouvir”


ou “dar ouvidos”. Segundo Harris et al. (1998, p. 45), a maioria das passagens
bíblicas referentes a essa expressão tem que ver também com uma resposta do
ouvinte. Ou seja, quando a expressão “dar ouvidos” é utilizada, é porque espera-se
que exista uma resposta da parte que está ouvindo. Ademais, “ouvir”, “dar ouvidos”
ou “inclinar os ouvidos” tem o sentido de que aquele que está ouvindo é aquele que
está prestando bastante atenção.
Na Bíblia existem vários versículos no qual Deus utiliza-se dessa expressão
para advertir os israelitas desobedientes para que ouvissem e atendessem às
advertências divinas do juízo iminente (Os 5:1; Jr 13:15). Portanto, quando Yahweh
diz ao povo para dar ouvidos aos mandamentos, significa que Ele queria que o povo
prestasse bastante atenção aos mandamentos. Se obedecessem, teriam várias
bênçãos físicas, mas se desobedecessem, teriam várias aflições físicas (Dt 7:12-15;
28).
Além disso, o episódio ocorrido com os israelitas em Mara pode ser entendido
como um “link para o futuro”. Para um leitor de “primeira viagem”, que não está
51

acostumado a ler sobre a história do êxodo israelita, não irá perceber que cada sinal
que aparece no relato bíblico do êxodo está ligado ao restante da história que ainda
acontecerá com Israel (JANZEN, 2000, p. 198). O fornecimento da água por Deus, a
libertação dos israelitas da sede, seguidos por uma proclamação da lei divina e uma
exortação de Deus para que os israelitas fossem obedientes a essa lei. Os termos
utilizados para a lei de Deus (estatutos, ordenanças e mandamentos) estão
associados a uma exortação condicional: Se você ouvir [...], e fizer [...], e der
ouvidos [...], e manter, a fim de colocá-los à prova, então [...] Esta é precisamente a
terminologia e estilo que aparecem no livro de Deuteronômio, em outros textos do
Pentateuco e no restante do Antigo Testamento que falam da lei dada a Israel no
Monte Sinai (JANZEN, 2000, p. 198). Ademais, a relação do povo com essa lei ao
longo do texto “irá diferenciar entre Israel e os egípcios, assim como a lei do Sinai
será uma marca distintiva de Israel dos outros povos por todo o tempo porvir. Parece
que temos aqui nada menos do que uma antecipação da aliança do Sinai” (JANZEN,
2000, p. 198, tradução própria)16.

4.4 Análise das principais palavras dentro de outros livros do Pentateuco

ָׁ ‫( ִא‬ʼim šāmōwa‘ tišma‘) e a raiz ‫( ָׁש ַמע‬šāmaʽ)


4.4.1 A expressão ‫ם־ש ֙מ ַֹוע ִת ְׁש ַַ֜מע‬
dentro do Pentateuco

O verbo šāmaʽ, conjugado no infinitivo absoluto šāmōwa‘, aparece três vezes


dentro dos livros do Pentateuco além de Êxodo 15:26; sendo uma vez em Êxodo
19:5, outra em Deuteronômio 15:5 e depois em Deuteronômio 28:1. Em Êxodo 19:5,
o verbo no infinitivo está contido dentro da expressão ’im šāmōwa‘ tišmə‘ū, “se
diligentemente ouvirdes” (Êx 19:5, ARA), precedendo o mesmo verbo šāmaʽ, só que
no tempo futuro (imperfeito) na segunda pessoa do plural, ao passo que em
Deuteronômio 15:5 e 28:1, šāmōwa‘ precede o verbo šāmaʽ também no tempo
imperfeito na segunda pessoa do singular, sendo traduzido por “ouvires”.
16
“Further, the keeping of this law in our text will differentiate between Israel and the Egyptians, just
as the law of Sinai will be Israel’s distinguishing mark from the other nations for all time to come. It
appears that we have here nothing less than an anticipation of the Sinai covenant”.
52

Conforme afirma Durham (2002, p. 262), o texto que aparece a expressão ’im
šāmōwa‘ tišmə‘ū contida em êxodo 19:5 encontra-se no contexto da aliança de Deus
com seu povo, onde Yahweh espera deles uma resposta afirmativa após ele mesmo
já ter feito a sua parte no acordo. Deste modo, uma resposta afirmativa do povo faria
com que eles deixassem de ser somente os filhos de Israel, descendentes de Jacó,
passando a ser os “filhos de Israel”, uma comunidade de fé que transcenderia a
descendência biológica.
A obediência plena do povo de Israel faria com que eles se tornassem uma
nação propriedade de Deus. Neste sentido, a consequência do “ouvir” a voz de Deus
seria visto mais tarde em quatro aspectos: primeiro Israel seria um exemplo de fé
para as outras nações que, ao se depararem com suas crenças, seriam
impressionados a conhecer o Deus de Israel; segundo, Israel proclamaria essas
verdades e convidaria os outros povos a aceitá-Lo pela fé; terceiro, Israel
intercederia pelo resto do mundo através de suas ofertas; e quarto, Israel
preservaria a palavra de Deus falada através dos escritos bíblicos (STUART, 2007,
p. 422). Em conformidade com essa ideia, Dorneles (2011, p. 637) afirma que o
ouvir diligentemente a voz de Deus descrito em Êxodo 19:5 tem que ver com a
questão da obediência a Yahweh, onde “somente nos termos da obediência Deus
poderia consentir ser o Deus deles ou tê-los como Seu povo escolhido”. Além disso,
a consciência da incapacidade dos israelitas em guardar as leis de Deus daria a eles
uma nova oportunidade de buscá-Lo e confiar nEle:

Deus permitiu que os israelitas tentassem guardar a lei a fim de que


percebessem que não podiam fazer aquilo que erroneamente se
sentiam capazes de fazer. Eles deixariam de confiar em si mesmos e
em seus próprios esforços e passariam a confiar em Deus e no
cumprimento de Suas promessas (ibid., p. 638).

Em Deuteronômio 15:5, o verbo šāmaʽ também aparece ligado à obediência


dos israelitas a Deus, onde a “fidelidade no cumprimento da vontade revelada de
Deus traria Suas bênçãos sobre eles” (ibid., p. 1104). Ademais, o “ouvir a voz do
Senhor”, no sentido de obediência a lei, seria também uma tentativa de aliviar o
sofrimento dos pobres, pois se Israel obedecesse a lei de Deus, seria tão próspero
que várias outras nações se converteriam através dos empréstimos que
aconteceriam nos próximos anos (CHRISTENSEN, 2002a, p. 313).
53

Segundo Merrill (2001), o verbo šāmaʽ em Deuteronômio 15:5 se encontra no


contexto da aliança de Yahweh com os israelitas, onde o pleno cumprimento dos
requisitos dessa aliança daria condições a Israel de ser abençoado, sendo também
um canal de bênçãos para os outros povos:

A ausência completa de pobreza é claramente contraditória pelo v.


11, que afirma que "sempre haverá pessoas pobres na terra". A
tensão entre as duas declarações indica o abismo que existe entre o
ideal e o real, o que poderia ser o caso dos objetivos de Deus que
foram realizados e o que ocorre inevitavelmente quando não o são.
Esta é a importância do v. 5, que afirma claramente que o pleno
cumprimento dos requisitos da aliança era a condição prévia para a
prosperidade de Israel na terra. Quando isso foi alcançado, não só
Israel seria abençoado, mas, de acordo com as antigas promessas
patriarcais, eles seriam o meio de abençoar o mundo inteiro e ter
domínio sobre as nações (MERRILL, 2001, p. 244, tradução
própria)17.

A expressão ’im šāmōwa‘ tišmə‘ū em Deuteronômio 28:1 aparece ligada ao


contexto das bênçãos e maldições para o povo de Deus, onde Moisés “se sentiu
impelido a apresentar diante do povo de forma mais plena as alternativas da
obediência e desobediência” (DORNELES, 2011, p. 1157). Desta forma, o destino
eterno dos israelitas estaria em suas próprias mãos:

Com as primeiras palavras, “se atentamente ouvires”, ele advertia o


povo de que o destino eterno estava em suas próprias mãos. As
mãos de Deus ficam impedidas pela escolha humana; a alternativa é
recompensar ou retribuir o ser humano de acordo com sua conduta
(ibid.).

Conforme afirma Kalland (1992, p. 166), a expressão ’im šāmōwa‘ tišmə‘ū em


Deuteronômio 28:1 aparece dentro de um contexto de obediência, onde as bênçãos
de Deus para seu povo viriam como resultado dessa completa obediência por parte
dos israelitas a Yahweh. Ademais, se Israel obedecesse ao Senhor, a nação israelita
seria elevada acima de todas as nações do mundo: “O SENHOR te porá por cabeça
e não por cauda; e só estarás em cima e não debaixo, se obedeceres aos

17
“Complete absence of poverty is squarely contradicted by v. 11, which avers that ‘there will always
be poor people in the land.’ The tension between the two statements is indicative of the gulf that exists
between the ideal and actual, what could be the case were God’s purposes carried out and what
inevitably occurs when they are not. This is the import of v. 5, which plainly states that full compliance
with covenant requirements was the precondition to Israel’s prosperity in the land. When this was
achieved, not only would Israel be blessed but, in line with the ancient patriarchal promises, they
would be the means of blessing the whole world and having dominion over the nations”.
54

mandamentos do SENHOR, teu Deus, que hoje te ordeno, para os guardar e


cumprir” (Dt 28:13).
Comentando Deuteronômio 28:1, Christensen (2002b, p. 673) afirma que
existia uma bênção tripla que caracterizava a “essência da teologia deuteronômica”:
a benção da descendência, do gado e do produto da terra; onde a obtenção dessas
bênçãos por parte do povo de Deus estava atrelada a essa teologia que se
caracterizava basicamente em obedecer aos mandamentos de Yahweh e ser
abençoado ou desobedecer e ser amaldiçoado.

4.4.2 A palavra ‫שר‬


ָׁ֤ ָׁ ָׁ‫( ַהי‬hayyāšār) dentro do livro do Pentateuco

A palavra hayyāšār dentro da expressão hayyāšār bə‘ênê Yahweh, “reto aos


olhos de Yahweh”, aparece dentro do Pentateuco em Êxodo 15:26, em
Deuteronômio 12:25, 28; 13:19 e 21:9.
Em 12:25 e 28, o contexto utilizado aponta para uma promessa feita por
Yahweh a seu povo que incluía “tanto o bem-estar físico quanto o espiritual”
(DORNELES, 2011, p. 1094). Além disso, afirma-se que “a futura felicidade de Israel
como povo e como indivíduos dependia da cooperação com a revelada vontade de
Deus” (ibid.).
Em Deuteronômio 13:19, a fidelidade da aliança que Yahweh tinha feito com
os israelitas acarretaria a continuação da descendência desse povo, bem como a
sua proteção como a nação da aliança. Um dos maiores crimes religiosos
considerados na época, era justamente o de “tentar deliberadamente minar a
lealdade a Deus” na tentativa de corroer a base constitucional da nação israelita
(CHRISTENSEN, 2002, p. 280)18.
Segundo Dorneles (2011, p. 1128), a expressão hayyāšār bə‘ênê Yahweh em
Deuteronômio 21:9, aparece ligada ao fato de que a culpa pelo pecado de uma
pessoa morta, que houvesse sido achada naquele estado sem que ninguém

18
“In the matters addressed here, the continued existence of the covenant community itself is at
stake. “Of all potential crimes in ancient Israel, the one described in this chapter was the most
dangerous in terms of its broader ramifications: to attempt deliberately to undermine allegiance to God
was the worst form of subversive activity, in that it eroded the constitutional basis of the potential
nation, Israel.”
55

soubesse quem era o culpado, deveria ser “eliminada por completo” do meio do
povo após ser oferecida a oferta segundo as orientações de Deus. Deste modo, o
povo estaria fazendo o que era “reto aos olhos do SENHOR” (Dt 21:9). Ademais,
contaminar a terra com sangue inocente profanava a aliança que Yahweh havia feito
com seu povo, pois o desejo de Deus era que os israelitas tivessem prazer em viver
na terra que ele daria:

Deus desejava que seu povo tivesse prazer em viver em sua terra, e
o segredo desse prazer era a obediência à vontade de Deus. O crime
e a injustiça profanavam a terra, e Deus não queria ver sua terra
desonrada. As nações ímpias de Canaã contaminaram a terra a tal
ponto que esta "vomitou os seus moradores" (Lv 18:24-30). Exceto
por Israel, não há nenhuma outra nação no mundo que se encontre
numa relação de aliança com Deus. Porém, o Senhor exige que
todas as nações prestem contas de seus pecados (Am 1:3 - 2:3). Um
dia Deus julgará as nações com justiça (Jl 3:9-16) e ninguém
escapará (WIERSBE, 2006, p. 564).

4.4.3 Conclusão parcial

A perícope do texto de Êxodo 15, em análise, foi delimitada do verso 22 ao


verso 27 desse capítulo. Essa perícope apresenta como narrativa os fatos que
aconteceram com os israelitas desde o triunfo no Mar Vermelho até o problema que
tiveram posteriormente com a falta de água no deserto; depois, desde o problema
com a falta de água até as águas amargas em Mara e, posteriormente, das águas
amargas até o ensinamento que Yahweh queria passar para o povo. Além disso, os
versos 22 a 27 apresentam uma parte menor da trajetória do povo de Israel dentro
de um contexto maior (quando o povo saiu do Egito até chegar ao Sinai),
ressaltando a experiência amarga de Mara e mostrando aos israelitas que Yahweh
estava provando e chamando a atenção para ele como único Deus que poderia
curá-los antes que chegassem a terra de Canaã.
Em relação a análise das principais palavras dentro do verso objeto de
estudo, foi constatado que o verbo šāmaʽ, que é traduzido comumente por “ouvir”,
parece ter o sentido de “obedecer” em Êxodo 15:26, pois a obediência dos israelitas
aos mandamentos de Yahweh possibilitaria que Deus sarasse o povo, não
permitindo que nenhuma doença dos egípcios viesse sobre eles. Desta forma, o
56

bem-estar físico dos israelitas dependeria de sua obediência a Deus. Além disso, em
Deuteronômio 15:5 o verbo šāmaʽ se encontra dentro do contexto da aliança de
Yahweh com os israelitas e o cumprimento dessa aliança por parte do povo daria
condições a Israel de ser abençoado e ser um canal de bênçãos para os outros
povos também. Neste sentido, as consequências dos israelitas ouvirem a voz de
Deus seriam vistas mais tarde em quatro aspectos distintos: Israel se tornaria um
exemplo de fé para as outras nações; Israel convidaria os outros povos a aceitarem
o seu Deus pela fé; Israel intercederia pelo resto do mundo através de suas ofertas e
Israel preservaria a palavra de Deus através dos escritos sagrados.
Quanto a expressão hayyāšār bə‘ênê Yahweh, constatou-se que existem três
possíveis sentidos onde ela é utilizada dentro dos livros do Pentateuco: o sentido
literal, o sentido ético e o sentido idiomático. O verbo yāšār contido na expressão em
Êxodo 15:26 parece abrigar o sentido idiomático da palavra, pois apresenta um
convite de Yahweh para que seu povo volte novamente a andar no caminho reto,
isto é, guardar seus mandamentos e ser abençoado. Além do mais, essas
estipulações de bênçãos tinham que ver com a aliança que Yahweh queria
reestabelecer com os israelitas. A expressão hayyāšār bə‘ênê Yahweh aparece em
Deuteronômio 21:9 ligada ao contexto de “eliminar por completo” a culpa de um
pecado que ainda não havia sido perdoado no meio do povo. Para que isso
acontecesse era preciso seguir as orientações de Yahweh; se assim o fizessem, o
povo estaria fazendo o que era “reto aos olhos do SENHOR” (Dt 21:9).
Concluiu-se parcialmente sobre a expressão ’im šāmōwa‘ tišmə‘ū que,
quando encontrada dentro dos livros do Pentateuco, o seu contexto é o da aliança
de Deus com seu povo. Assim, Yahweh esperava uma resposta positiva dos
israelitas para que eles pudessem ser abençoados e diferenciados dos povos
egípcios de onde anteriormente haviam sido libertados da escravidão.
Contatou-se também que a terminologia encontrada em Êxodo 15:26
(estatutos, ordenanças e mandamentos) encontra-se associada a uma exortação
condicional que se repete nos livros do Pentateuco, referindo-se em última instância
à lei dada por Deus no Monte Sinai. Assim como a manutenção dessa orientação no
meio do povo israelita iria diferenciá-los dos egípcios, a lei dada no Sinai
diferenciaria o povo de Israel dos outros povos.
Por fim, observou-se ainda que existia uma bênção tripla caracterizada como
teologia deuteronômica, onde se os israelitas fossem obedientes às orientações de
57

Yahweh, seriam abençoados em sua descendência, seu gado e o seu produto da


terra. Ao contrário, se desobedecessem aos mandamentos de Yahweh seriam
amaldiçoados. Ou seja, a futura felicidade de Israel como nação dependia da
cooperação com a vontade que lhes havia sido revelada pelo próprio Deus.
58

5 ALIANÇA, OBEDIÊNCIA E BÊNÇÃOS, ENTRE ELAS A CURA

5.1 A oferta incondicional de Yahweh para seu povo em Êxodo 19:1-5

Três meses haviam se passado após os israelitas saírem do Egito até


chegarem ao deserto do Sinai: “No terceiro mês da saída dos filhos de Israel da terra
do Egito, no primeiro dia do mês, vieram ao deserto do Sinai” (Êx 19:1). Foi nesse
período da história dos israelitas que aconteceram alguns fatos que foram cruciais
para o processo de organização dos hebreus como o povo que teria uma relação
única com Yahweh; relação na qual nenhum outro povo daquela época jamais
entraria:

O processo de organização no Sinai incluiu a proclamação dos dez


mandamentos, a confirmação da aliança, a construção do
tabernáculo, a promulgação das leis cerimoniais e civis e a
declaração de vários procedimentos civis e militares. Efetuou-se uma
relação única entre o Senhor e os descendentes de Abraão na qual
nenhuma outra nação jamais entraria (DORNELES, 2011, p. 636).

Segundo Wiersbe (2006, p. 285), dentre as experiências passadas pelos


israelitas no deserto do Sinai, a maior experiência de todas foi que o povo teve um
encontro pessoal com Deus quando ouviram sua voz falando-lhes pessoalmente,
pois “quando Deus falou com seu povo, por sua graça, chamou-o para uma vida
muito especial”. Esse relato de Êxodo 19, descrevendo Moisés subindo ao monte
Sinai para se encontrar com Deus, apresenta uma narrativa de “uma grande seção
didática [...] que se estende daqui, passando por Levítico, até Números 10” (COLE,
1981, p. 139). Foi durante esse período, após serem libertos do cativeiro egípcio,
que Yahweh deu oportunidade aos israelitas para amadurecerem no seu
relacionamento com ele:

Do ponto de vista de Deus, o Egito foi uma fornalha de aflição para


Israel (Dt 4:20; 1 Rs 8:51; Jr 11:4), mas os hebreus muitas vezes
viam o Egito como um "ninho" em que, pelo menos, tinham comida,
abrigo e segurança (Êx 16:1-3; Nm 11:1 -9). Deus os livrou do Egito,
pois tinha algo melhor para desfrutarem e realizarem, mas isso
significava que teriam de "experimentar suas próprias asas" e de
59

sentir as dores do crescimento ao caminhar para a maturidade


(WIERSBE, 2006, p. 285).

Dentro desse contexto de libertação dos israelitas do Egito e encontro no


Sinai, Yahweh chamou Moisés para lhe propor uma aliança. Essa aliança teria um
caráter condicional, ou seja, apesar de ser oferecida por Deus incondicionalmente,
deveria haver uma resposta por parte do povo para que esse fosse abençoado:

Apenas a obediência traria bênção, assegurando a posição e os


privilégios a Israel [...] Inicialmente, tudo de que Israel precisaria para
sua libertação do Egito fora aceitar a salvação oferecida por Deus.
Agora aparece o conceito de que obediência, bem como fé, é
necessária. Não se trata de contradição: é uma explicação mais
detalhada da natureza da fé como uma resposta a Deus (COLE,
1981, p. 139).

Se Israel obedecesse e entrasse em aliança com Yahweh, seriam


considerados por Deus como sua propriedade: “... se diligentemente ouvirdes a
minha voz e guardardes a minha aliança, então, sereis a minha propriedade peculiar
dentre todos os povos” (Êx 19:5). Segundo Cole (1981, p. 139), ser propriedade
particular indicava ter tanto um valor especial como um relacionamento especial com
Deus. No entanto, apesar de querer que o povo guardasse sua aliança, Yahweh não
os obrigou a fazer isso, mas “bondosamente os convidou a fazer aquilo que seria
para o próprio benefício deles. O único caminho pelo qual se pode andar com Deus
é o da obediência” (DORNELES, 2011, p. 637).

5.2 A obediência e as bênçãos em Deuteronômio 7:12-15

Um dos perigos envolvidos relacionados ao conceito da aliança de Deus com


seu povo estava no fato dos israelitas quererem manipular a Deus para obtenção de
suas bênçãos. Segundo Christensen (2002a), essa forma de pensar e agir tenta
“simplificar” e “manipular” a aliança, como se a guarda dos mandamentos obrigasse
Yahweh abençoar seu povo. Na verdade, a obediência às estipulações da aliança
traz consigo as promessas de bênçãos, porém, Deus esperava que seus
60

mandamentos fossem guardados não pelas recompensas, mas porque esse era o
correto a se fazer (CHRISTENSEN, 2002a, p. 165).
Concordando com o pensamento acima, Dorneles (2011, p. 1071) afirma que
a palavra ‫ ֵעָ֣קב‬traduzida por “se” em Deuteronômio 7:12 significa “consequência”,

podendo ser traduzida como “por causa de”. Ademais, “a tradução nesse caso não
seria ‘se’, mas ‘como consequência de’, apontando para as recompensas por
considerar os preceitos do Senhor” (ibid.).
Segundo Hall, a obediência dos israelitas teria como resultado o desejo de
Deus abençoar o povo. Desta forma, as bênçãos seriam possibilidades futuras para
uma nação obediente (HALL, 2000, p. 157).
Para Dorneles (2011, p. 1071), dentre as bênçãos provenientes da aliança,
quando Deuteronômio 7:13 falava sobre “abençoar” e “fazer multiplicar” o povo,
estava confirmando as promessas feitas ao patriarca Abrão descritas no livro de
Gênesis: “Então, conduziu-o até fora e disse: Olha para os céus e conta as estrelas,
se é que o podes. E lhe disse: Será assim a tua posteridade” (Gn 15:5). Além disso,
outra bênção relacionada encontrava-se no fato de que o povo de Israel deveria se
tornar um exemplo tanto de saúde física, mental e moral, diferindo-se dos egípcios:

Nas escrituras, as piores enfermidades aparecem identificadas com o


Egito (Êx 15:26; Dt 28:27,35). Se os filhos de Israel houvessem
cooperado com os princípios do viver saudável dados por Deus,
‘teriam sido desconhecidas entre eles a fraqueza e a moléstia’ [...].
Eles teriam se tornado exemplos de saúde e resistência física, com
um expressivo aumento de força mental e moral (DORNELES, 2011,
p. 1072).

Os povos antigos do período do êxodo israelita não conheciam saneamento


básico estando, portanto, mais susceptíveis a doenças. Além disso, naquele tempo
as doenças eram interpretadas de duas formas: como as pragas descritas no relato
de Êxodo ou como doenças típicas encontradas no Egito (HALL, 2000, p. 157).
Ademais, a liberdade da doença ou um possível estado de saúde no meio do povo
antigo era entendido como uma bênção proveniente da aliança com Deus, ao passo
que a presença da enfermidade seria uma possível maldição ou julgamento divino
(ibid.).
61

Segundo Thompson, as doenças não seriam derramadas sobre aqueles que


eram obedientes a sua aliança, dando oportunidade aos israelitas de se
multiplicarem:

Deus derrama as bênçãos de Sua aliança, Sua fidelidade e Seu


amor, sobre aquele que são obedientes. Suas bênçãos se estendem
a tudo que pertence a tais pessoas, de modo que Israel se
multiplicará como povo, enquanto que suas colheitas e rebanhos
produzirão abundantemente. Doenças como as que afligiam os
egípcios seriam removidas do meio dos israelitas e transferidas para
seus inimigos (THOMPSON, 1982, p. 127).

5.3 A desobediência e as maldições em Deuteronômio 28

Conforme afirma (Christensen, 2002, p. 670), o início do capítulo 28, dos


versos 1 ao 19, pode ser dividido em cinco partes distintas, constando as bênçãos
pela obediência e as maldições pela desobediência:

A Seis bênçãos (em três pares) 28: 1-6


B Promete expandir as benções 28: 7-10
X Bênção tripla (fruto do ventre, gado, terra) 28:11
B' Promessas expandindo as bênçãos 28: 12-14
A' Seis maldições (em três pares) 28: 15-19

Numa segunda parte do capítulo 28, mais especificamente entre os versos 20


a 44, observa-se uma estrutura que pode ser comparada a um juramento de
fidelidade utilizado pelos antigos assírios, onde aparecem relacionadas calamidades
naturais, doenças e estragos provenientes da guerra:

A Desastre agrícola (seca e solo endurecido) 28: 20-24


B Aflições humanas (derrota, furúnculos, loucura, opressão) 28:25-29
X Desfazendo-se das bênçãos (em 28: 4, 8, 11) 28: 30-31
B' Aflições humanas (opressão, loucura, furúnculos, derrota) 28:32-
37
A' Desastre agrícola (pragas destruidoras de colheitas) 28: 38-44
(ibid., p. 679).

Segundo Kalland (1992, p. 171), assim como as bênçãos de Deus viriam


sobre o povo “alcançando” os obedientes aos mandamentos de Yahweh, assim
também as maldições, assumindo “uma forma pessoal”, alcançariam os
62

desobedientes a Deus. Dentre as maldições proferidas, Deuteronômio 28 menciona


que Yahweh feriria os desobedientes com “as úlceras do Egito, com tumores, com
sarna e com prurido” (Dt 28:27). Craigie (1976, p. 344) afirma que as úlceras do
Egito descritas no versículo 27 são as mesmas que afligiram os egípcios durante a
sexta praga antes do êxodo: “Ela se tornará em pó miúdo sobre toda a terra do Egito
e se tornará em tumores que se arrebentem em úlceras nos homens e nos animais,
por toda a terra do Egito” (Êx 9:9). Além de os tumores estarem relacionados com a
sexta praga que caiu também sobre os magos do Egito (Êx 9:11), estavam também
associados aos tumores contraídos pelos filisteus ao levarem a arca da aliança para
o templo de Dagom, como castigo divino por esse feito (1Sm 5: 6). Ademais,
segundo Kalland (1992, p. 173), esse tipo de doença e de ferida no corpo
impossibilitava um israelita de servir como sacerdote no templo israelita e
impossibilitava um animal de ser aceito como oferta pelo pecado (Lv 21:20; 22:22).

5.4 Conclusão parcial

Durante o período do êxodo até chegarem a terra de Canaã, os israelitas


tiveram a oportunidade de passar tanto por um processo de organização como povo
de Deus como por um processo de amadurecimento em seu relacionamento com
Yahweh. Esse processo incluiu, dentre outras coisas, a confirmação da aliança que
Deus havia feito com os pais israelitas no passado. Além disso, a aliança tinha tanto
um caráter incondicional como condicional. Incondicional no sentido de que os
israelitas não mereciam a graça que lhes estava sendo oferecida, pois não estava
baseada em qualquer mérito da parte deles, mas sim no amor que Yahweh lhes
tinha e pela fidelidade divina à promessa feita aos patriarcas (Dt 7:7-8). E,
condicional, porque Yahweh só poderia abençoá-los mediante a aceitação da
aliança e uma resposta de obediência por parte dos israelitas. Desta forma, o povo
iria se tornar uma propriedade particular do Senhor, tendo um valor especial e
entrando num relacionamento especial com seu Deus.
As bênçãos provenientes da obediência seriam consequências da escolha
dos israelitas e não a sua causa. Os israelitas não deveriam entrar na aliança por
63

causa das bênçãos, mas porque esse era o correto a se fazer. Além do mais, a
obediência não tornava Deus obrigado a abençoar o povo, pois ele já estava
disposto a fazê-lo mesmo antes que o povo obedecesse. Deus derramaria as
bênçãos da sua aliança por causa da sua fidelidade e por causa do seu amor
demonstrado àqueles que seriam obedientes. A bênção aos obedientes estava
relacionada a Yahweh ser a fonte tanto de saúde física, mental e moral do povo,
curando-os das enfermidades relacionadas a uma vida afastada das orientações de
Deus. Neste sentido, a liberdade das doenças ou um possível estado de saúde era
entendido como uma bênção proveniente da aliança de Deus, sendo Yahweh o
curador de seu povo.
De igual maneira, as maldições também alcançariam aqueles que não
quisessem obedecer. Dentre as doenças descritas nas maldições, encontram-se
úlceras e tumores do Egito compatíveis com aquelas que caíram sobre os egípcios
durante a sexta praga, como um castigo de Deus antes do êxodo israelita.
64

6 CONCLUSÃO

O presente estudo tentou buscar uma explicação mais clara sobre o


significado do texto de Êxodo 15:26 e a ligação entre a guarda dos mandamentos e
o fato de Yahweh ser apontado no texto como aquele que cura. Para tanto, no
primeiro capítulo, após uma revisão bibliográfica, concluiu-se que os autores
concordam com o fato de que a obediência aos mandamentos era o padrão de vida
colocado por Yahweh para os israelitas, sendo esse o padrão de vida que eles
deveriam alcançar antes de chegarem a Canaã terrestre. Esse processo envolveu
não só esperança, mas também a restauração e a cura do povo de Deus. Além do
mais, a maioria dos autores concordam que as enfermidades dos egípcios estavam
ligadas às doenças malignas citadas em Deuteronômio 7:15 e 28, contexto das
bênçãos e maldições sobre o povo.
O capítulo seguinte tratou do contexto histórico do livro de Êxodo, bem como
do contexto do versículo em estudo. Assumiu-se a autoria mosaica do livro do
Êxodo, como também que a data dos acontecimentos descritos no livro referem-se a
cerca de 1440 a.C. Yahweh, o Deus que tinha aparecido a Moisés e que era o Deus
dos patriarcas Abraão, Isaac e Jacó, por ocasião das pragas do Egito, trouxe juízo
sobre os egípcios e libertou os israelitas do cativeiro, cumprindo a promessa que
havia feito a Abraão (Gn 15:13-16).
Ainda dentro do contexto histórico, o estudo revelou que as doenças que
existiam no Egito Antigo estavam diretamente ligadas ao padrão de vida cotidiano
dos egípcios. No entanto, as doenças que assolaram os egípcios no período das
pragas do êxodo foram reconhecidas como uma fonte sobrenatural, tanto em sua
predição, sua intensidade e seus efeitos sobre a saúde dos egípcios.
O terceiro capítulo delimitou a perícope de Êxodo 15 entre os versos 22 a 27,
onde a narrativa apresentou a caminhada dos israelitas desde o triunfo no Mar
Vermelho até o problema das águas amargas em Mara. A análise léxica e sintática
das principais palavras e Expressões contidas em Êxodo 15:26 e dentro de outros
livros do Pentateuco, evidenciou a importância do verbo ouvir (šāmaʽ) com o sentido
de obedecer, aparecendo dentro do contexto da aliança em Deuteronômio 15:5,
onde Yahweh dava condições aos israelitas de serem abençoados e de serem
65

também um canal de bênçãos para as outras nações, mediante a obediência aos


seus mandamentos.
A análise da expressão hayyāšār bə‘ênê Yahweh apresentou um sentido
idiomático onde o verbo yāšār “andar no caminho reto” quer dizer “guardar os
mandamentos de Yahweh”. Ademais, constatou-se ainda que essa mesma
expressão encontrada em Deuteronômio 21:9 estava ligada a eliminar por completo
a culpa de um pecado, permitindo que o povo de Deus andasse novamente “reto
aos olhos de Yahweh”. (Êx 15:26).
A expressão “se atentamente ouvires” (’im šāmōwa‘ tišmə‘ū) encontrada tanto
em Êxodo 15:26 quanto dentro do Pentateuco, encontra-se no contexto da aliança
de Yahweh com seu povo. Yahweh esperava uma resposta positiva dos israelitas
para serem abençoados, contrastando-os com os egípcios. Ademais, se os israelitas
fossem obedientes, a bênção seria sobre a saúde de sua descendência, seu gado e
sua terra.
No capítulo seguinte, concluiu-se que o povo de Israel havia passado por um
processo de amadurecimento em seu relacionamento com Yahweh e que esse
amadurecimento passava pela confirmação da aliança que Deus havia feito com seu
povo no passado. A aliança tinha tanto um caráter incondicional, no que dizia
respeito à condição de pecado que se encontrava os israelitas no deserto, onde
mesmo assim Deus oferecia de graça a sua aliança; e condicional, pois os israelitas
só poderiam ser abençoados se obedecessem, aceitando a aliança que lhes estava
sendo oferecida.
Mediante os estudos e conclusões até aqui apresentados, propõe-se as
seguintes respostas às perguntas feitas anteriormente no capítulo introdutório, na
problemática desta pesquisa: 1) Qual o significado do texto de Êxodo 15:26 e a
ligação entre a guarda dos mandamentos, com o fato do Senhor ser apontado no
texto como aquele que cura? 2) Que substrato temático e teológico fundamenta esse
tipo de ligação, segundo o contexto da perícope desse texto, de sua inserção no
relato de Êxodo e da teologia do Pentateuco como um todo?
Antes da libertação do cativeiro egípcio, que durou 215 anos, pelo menos
duas gerações de israelitas haviam entrado em contato com a cultura egípcia, com
seu estilo de vida e adquirido suas doenças. Desta forma, depois de serem libertos,
a primeira coisa que Yahweh procurou fazer foi convidá-los novamente a entrarem
com Ele em Sua aliança.
66

Quando Yahweh propôs que ouvissem sua voz e guardassem seus


mandamentos para serem curados das doenças dos egípcios, estava pontuando
para os israelitas que teriam a disposição deles as bênçãos provenientes da aliança
descritas em Deuteronômio 7:12-15; 28:1-14, que seriam reconhecidas em sua
descendência, seu gado e sua terra. Além disso, o texto de Êxodo 15:26 liga
indiretamente as doenças dos egípcios ao fato deles terem sido desobedientes às
orientações de Yahweh por ocasião das pragas do Egito.
Quando Yahweh se ofereceu ao povo para ser seu curador, estava se
oferecendo para livrá-los não só do estilo de vida errado e desobediente dos
egípcios, mas para livrá-los das consequências dos seus pecados. As doenças dos
egípcios estavam diretamente ligadas ao seu padrão de vida e às pragas que havia
caído no Egito por ocasião do êxodo israelita. Além disso, os israelitas estavam
sendo preparados para entrarem na Canaã terrestre, terra onde seriam
reconhecidos como um povo abençoado por Deus e, através deles, os outros povos
desejariam conhecer esse Deus também. Desta forma, em Êxodo 15:26 observa-se
um Deus que não só pretendia curar as doenças físicas do seu povo, mas também
perdoar-lhes os pecados e prepará-los para serem um povo diferente dos demais.
67

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