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ENGENHEIRO COELHO - SP
2017
SEMINÁRIO ADVENTISTA LATINO AMERICANO DE TEOLOGIA
CAMPUS ENGENHEIRO COELHO
MESTRADO EM TEOLOGIA BÍBLICA
Engenheiro Coelho - SP
2017
JOSIMAR COUTINHO LISBOA
Engenheiro Coelho - SP
2017
YAHWEH COMO O SENHOR QUE CURA O SEU POVO EM ÊXODO 15:26
Dissertação
Por
COMISSÃO DE APROVAÇÃO:
___________________________ ___________________________
Dr. Vanderlei Dorneles Dr. Reinaldo Wenceslau Siqueira
Diretor de Pós-graduação em Teologia Orientador
Dedico este trabalho a todos aqueles que
procuram conhecer cada vez mais a
vontade de Deus para sua vida em
relação à guarda dos Mandamentos, e
que com sinceridade procuram colocar
em prática esses ensinamentos.
AGRADECIMENTOS
The present work proposed an in-depth study of Exodus 15:26, where Yahweh
presented himself to the Israelites as one who would deliver them from the diseases
of the Egyptians, if they were obedient to his commandments. The problem
addressed in the study had to do precisely with the question of the relationship
between keeping the commandments and Yahweh as the healer of the people. What
kind of theology of the Pentateuch is present in this passage? For that, a synchronic
method was used, where several biblical passages within the Pentateuch that deal
with the same subject were analyzed. The present study also covered a
bibliographical survey of authors that dealt with the subject; a study of the historical
context of the Israelite Exodus; as well as a study of the main words of Exodus 15:26
in the Hebrew text.
1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 12
1.1 Problemática da pesquisa ................................................................................... 12
1.2 Objetivos ............................................................................................................. 13
1.2.1 Objetivo Geral .................................................................................................. 13
1.2.2 Objetivos Específicos ....................................................................................... 13
1.3 Justificativa .......................................................................................................... 13
1.4 Metodologia ......................................................................................................... 14
2 REVISÃO DE LITERATURA .................................................................................. 15
2.1 As implicações das orientações dadas por Deus aos Israelitas em Êxodo 15:26
.................................................................................................................................. 15
2.2 As orientações de Deus em Êxodo 15:26 e Sua aliança com os israelitas ......... 21
2.3 Conclusão parcial ................................................................................................ 23
3 CONTEXTO HISTÓRICO....................................................................................... 26
3.1 O Autor e a data do Êxodo .................................................................................. 26
3.2 Do Egito para as águas amargas de Mara .......................................................... 29
3.3 A Promessa feita aos pais ................................................................................... 34
3.4 As enfermidades dos egípcios ............................................................................ 37
3.4.1 As enfermidades mais comuns no Egito Antigo ............................................... 37
3.4.2 As enfermidades do Egito durante as pragas do êxodo ................................... 40
3.5 Conclusão parcial ................................................................................................ 43
4 EXEGESE DO TEXTO ........................................................................................... 45
4.1 Delimitação da Perícope ..................................................................................... 45
4.2 Tradução do versículo em estudo ....................................................................... 46
4.3 Análise léxica e sintática das principais palavras dentro de Êxodo 15:26 ........... 47
ָׁ ( ִאʼim šāmōwa‘ tišma‘) e a raiz ( ָׁש ַמעšāmaʽ) ............ 47
4.3.1 A expressão ם־ש ֙מ ַֹוע ִת ְׁש ַַ֜מע
4.4 Análise das principais palavras dentro de outros livros do Pentateuco ............... 51
ָׁ ( ִאʼim šāmōwa‘ tišma‘) e a raiz ( ָׁש ַמעšāmaʽ) dentro do
4.4.1 A expressão ם־ש ֙מ ַֹוע ִת ְׁש ַַ֜מע
Pentateuco ................................................................................................................ 51
4.4.2 A palavra ( ַהיָׁ ָׁ ָׁ֤שרhayyāšār) dentro do livro do Pentateuco ................................ 54
1 INTRODUÇÃO
1.2 Objetivos
1.3 Justificativa
1.4 Metodologia
respectivas raízes.
A exegese do texto bíblico aqui desenvolvida seguiu o modelo hermenêutico
sugerido por Fee e Stuart (1997), onde os mesmos apontam que narrativas bíblicas
do Antigo Testamento possuem um enredo, uma trama e personagens cujo
propósito é mostrar que Deus opera no meio de Seu povo e, ao mesmo tempo, Ele é
o personagem principal de todo o enredo.
15
2 REVISÃO DE LITERATURA
2.1 As implicações das orientações dadas por Deus aos Israelitas em Êxodo
15:26
Seu bem estar físico depende de sua obediência. Esse princípio era
válido não apenas na época dos hebreus, mas em todos os tempos.
O bem-estar físico da raça humana ainda depende em grande parte
da obediência à lei divina (DORNELES, 2011, p. 613).
A narrativa de Êxodo 15:26 faz parte do processo pelo qual o povo de Israel
tinha que passar. Um processo que envolveria esperança, restauração e cura. Um
processo de crescimento no deserto que não poderia ser realizado em uma única
geração (FOX, 1995). Se o povo fizesse o que era reto aos olhos de Deus, e
guardasse os Seus mandamentos, assim como Yahweh curou as águas de Mara,
poderia curar os males de um Israel doente, pois “Deus é a fonte última de toda a
cura” (SARNA, 1991, p. 85, tradução própria)2. No entanto, essa promessa não tinha
que ver com o povo nunca adquirir doenças ou serem curados de todas as suas
1
“The wilderness stories embody a key process for the Torah story [...] This process starts
immediately after liberation; indeed, it is its direct result. Further, the three “desert themes” prominent
in Chapters 15–18—“grumbling” against God and Moshe, hostile neighbors, and early self-
government—are appropriate to include before the meeting at Sinai, in that they demonstrate
dramatically the people’s need for reassurance, protection, group solidarity, and institutions (whereby
they can live harmoniously)”.
2
“God is the ultimate source of all healing. Just as He cured the waters at Marah, so will He heal the
ills of an obedient Israel”.
17
doenças, uma vez que tinham fé em Deus, mas que estavam livres de se
preocuparem com as pragas que caíram no Egito:
A promessa aqui não era que Yahweh nunca permitiria que aqueles
que colocam sua fé nele ficassem doentes. Era que os israelitas
estariam livres de se preocupar com as pragas. Deus afirmou que
não se zangaria com eles de tal maneira que os sujeitasse às
misérias que ele havia submetido aos egípcios, se eles fossem de
fato leais e obedientes. Sua promessa de servir como seu
médico/curador também não era uma promessa de que se alguém
entre eles ficava doente, ele imediatamente curaria essa pessoa. Em
vez disso, era uma afirmação de que deveriam se voltar para a cura
se eles se achassem aflitos como resultado do pecado (STUART,
2007, p. 366, tradução própria)3.
Além do mais, a promessa feita ao povo de Israel naquela ocasião parecia ter
um caráter condicional. Ou seja, se os israelitas cumprissem as orientações
descritas em Êxodo 15:26, receberiam a promessa; ao passo que, se não
cumprissem as condições, não receberiam a promessa (COLE, 1981, p. 125).
Segundo Bruce (2008, p. 230), as doenças dos egípcios não incomodariam os
israelitas enquanto eles continuassem obedientes a Deus. Além disso, a promessa é
repetida no relato de Deuteronômio 7:15, onde o versículo certifica que o Senhor
afastaria toda a enfermidade e não colocaria sobre os israelitas nenhuma das
doenças malignas dos egípcios que eles (os israelitas) bem conheciam. Bruce
também afirma que as doenças malignas do relato de Deuteronômio 7:15 estão
diretamente relacionadas com as pragas que caíram no Egito por ocasião do êxodo
israelita (ibid.).
O comentário de Êxodo de Cole parece ir um pouco mais além quando afirma
que, além das doenças enviadas aos egípcios estarem provavelmente ligada às
pragas em geral, as doenças estariam também ligadas a primeira praga:
3
“The promise here was not that Yahweh would never allow those who place their faith in him to get
sick. It was that the Israelites would be free from having to worry about the plagues. God averred that
he would not become angry at them in such a way as to subject them to the miseries he had subjected
the Egyptians to—if they were indeed loyal and obedient. His promise to serve as their doctor/healer
also was not a promise that if anyone among them ever got sick he would immediately heal that
person. It was instead an assertion that it was to him they must turn for healing if they found
themselves afflicted as a result of sin”.
18
4
“If they would henceforth render strict obedience to all his commandments, then he would “heal”
them as he had healed the water, would keep them free at once from physical and from moral evil,
from the diseases of Egypt, and the diseases of their own hearts. And there he proved them. From the
19
Sarna (1991) também entende que a falta de água potável no deserto era
uma prova de fé em Deus que os israelitas tiveram que passar. Porém, para o
mesmo autor, a questão das doenças dos egípcios não seriam necessariamente as
pragas que caíram no Egito, mas estavam relacionadas com as doenças endêmicas
que são relatadas em passagens do Pentateuco. Como por exemplo, o relato em
que o Senhor afastaria dos israelitas toda enfermidade e não colocaria neles
nenhuma das “doenças malignas dos egípcios” (Dt 7:15); mencionando ainda as
“úlceras do Egito” (Dt 28:27) e as “moléstias do Egito” (Dt 28:60). Ademais, as
doenças só recairiam sobre os israelitas se eles fossem desobedientes às
orientações dadas por Deus, porque “Deus é a fonte última de toda cura. Assim
como Ele curou as águas em Mara, do mesmo modo Ele vai curar os males de um
Israel obediente” (ibid., p. 84, tradução própria)5.
Segundo Swaggart (2004), os israelitas receberam certas doenças que
pertenciam aos egípcios como conseqüência direta da adoração de seus ídolos,
desobedecendo às orientações de Deus. A frase que aparece no relato do Êxodo
“... nenhuma enfermidade virá sobre ti, das que enviei sobre os egípcios” (Êx 15:26),
revela “o fato de que o Senhor está no comando de todas as coisas” (ibid., p. 264,
tradução própria)6. Ademais, como o ser humano foi criado perfeito, sem nenhuma
doença, após a sua queda no Jardim do Éden permitiu a entrada do pecado no
mundo e com o pecado também veio a doença. Tudo isso porque o ser humano não
cumpriu um decreto do Senhor (ibid.).
Já para Hayford e McGuire (1997), a possibilidade de cura relatada em Êxodo
15:26 tinha que ver com uma cura física para Israel. Segundo esses autores, o verbo
hebraico rapha’ quando aparece na forma do particípio, “aquele que cura”, é a
palavra hebraica que pode ser traduzida como médico. Portanto, a principal ideia da
passagem está relacionada com uma cura física. Além disso, o conceito de “cura
divina”, utilizando-se a palavra rapha’, aparece em outros locais da Bíblia. O primeiro
exemplo encontra-se em Gênesis, onde é dito que “orando Abraão, sarou Deus
moment of their quitting Egypt to that of their entering Canaan, God was ever “proving” his people—
trying them, that is—exercising their faith, and patience and obedience and power of self-denial, in
order to fit them for the position which they were to occupy in Canaan”.
5
“God is the ultimate source of all healing. Just as He cured the waters at Marah, so will He heal the
ills of an obedient Israel”.
6
“The phrase, ‘I will put none of these diseases upon you, which I have brought upon the Egyptians,’
proclaims the fact that the Lord is in charge of all things.”
20
Abimeleque, sua mulher e suas servas, de sorte que elas pudessem ter filhos” (Gn
20:17).
Segundo Walvoord (1996, p. 153), quando o povo de Israel viu que a água
que encontraram no deserto de Sur não servia para ser bebida, ficaram
desanimados e murmuraram contra Moisés, “dizendo: Que havemos de beber?” (Êx
15:24). Depois que Moisés “clamou” ao Senhor, Deus misericordiosamente
respondeu à sua oração e transformou a água amarga em água potável, através de
uma árvore que lhe foi mostrada (Êx 15:25). Então, Deus instituiu um princípio
simples para o seu povo: a obediência traz bênção e a desobediência traz
julgamento. Ademais, as doenças mencionadas na passagem de Êxodo 15:26,
podem referir-se a pragas, ou o que é mais provável, úlceras (Dt 28:27), que eram
comuns na região do delta no Egito.
Conforme afirma Clarke, durante o episódio de Êxodo 15:26 o que Deus
pronunciou foi um “estatuto de ordenança” que constava de pelo menos três
elementos:
Para Jamieson et al. (2003, p. 75), a ocasião dos israelitas terem se deparado
com as águas amargas em Mara foi o cenário de mais um milagre de Deus.
7
“This statute and ordinance implied the three following particulars: 1. That they should acknowledge
Jehovah for their God, and thus avoid all idolatry. 2. That they should receive his word and testimony
as a Divine revelation, binding on their hearts and lives, and thus be saved from profligacy of every
kind, and from acknowledging the maxims or adopting the customs of the neighbouring nations. 3.
That they should continue to do so, and adorn their profession with a holy life. These things being
attended to, then the promise of God was, that they should have none of the diseases of the
Egyptians put on them; that they should be kept in a state of health of body and peace of mind; and if
at any time they should be afflicted, on application to God the evil should be removed, because he
was their healer or physician”.
21
Segundo esses autores, Mara atualmente é um lugar conhecido como Howarah, que
fica cerca de 48 km do local onde os israelitas saíram da costa oriental do Mar
Vermelho, distância esta compatível com uma viagem de três dias. Os árabes que
conhecem a região e hoje passam por lá, não dão dessa água para seus camelos
beberem. Nos tempos bíblicos, o que fez com que as águas de Mara se tornassem
“doces” não foi porque a árvore jogada por Moisés tinha propriedades especiais,
mas foi porque Deus realizou um milagre. Esse milagre foi essencial e oportuno para
preparar a mente do povo para receber as orientações sobre os mandamentos e
estatutos que se seguiram.
O deserto foi um período de provação para os israelitas. Com a provação que
passaram, através de sua murmuração e obediência, os israelitas também
aprenderam algo a mais sobre Deus. Conforme afirma Wiersbe (2006, p. 272):
águas amargas deveriam ser uma instituição ou lei pela qual Deus sempre guiaria e
governaria Seu povo. E uma direção, onde os israelitas sempre poderiam contar
com a ajuda de Deus em cada problema.
Já para Stuart (2007, p. 366), o episódio de Mara pode ser comparado com o
estabelecimento formal da aliança do Sinai, descrita em Êxodo 20. Pois, tanto em
uma ocasião (Sinai) quanto na outra (Mara), Deus havia dado uma lei destinada a
prover entendimento para o povo onde o princípio seria a lealdade e obediência;
lealdade no sentido de prestar muita atenção a vontade de Deus, e obediência em
prestar atenção a todos os seus mandamentos e decretos.
Propp (2008, p. 581), em seu comentário, faz uma comparação interessante
em relação ao acontecimento da purificação da água em Mara e a promessa de
banimento das doenças. Ele afirma que existe uma ligação entre a libertação dos
israelitas do Egito e os “presentes de Yahweh”. Ou seja, como a libertação do Egito,
a água potável no meio do deserto e a saúde, são os presentes de Yahweh para o
Seu povo e são “condições prévias” para a Aliança. Além disso, esse mesmo autor
argumenta que, por meio da escravidão, os egípcios colocaram dúvidas no povo de
Israel em relação ao Seu Deus. O episódio ocorrido em Mara pré-anuncia o Sinai,
pois é uma “aliança em miniatura, com um benefício (água), uma estipulação
(obediência), uma maldição implícita (doença) e uma bênção explícita (saúde)”;
(ibid., tradução própria)8.
Para Bailey (2007, p. 179), o fato ocorrido em Mara prefigura um tipo de
aliança também. Segundo afirma o autor, o evento tornou-se um “microcosmo” do
que ocorreu na “aliança mosaica”, pois teve como base a mesma forma dos antigos
tratados estabelecidos no antigo Oriente Médio, baseado na “obediência” e no
“julgamento”: Se o povo ouvisse com atenção, fizesse o que era reto aos olhos de
Deus, prestassem atenção aos comandos e decretos do Senhor, então, Ele não
traria sobre eles qualquer das doenças que trouxera aos egípcios. Tudo isso foi
resumido pela frase: “Eu Sou o Senhor, que te sara” (Êx 15:26).
O episódio ocorrido com os israelitas em Mara pode ser entendido como um
“link para o futuro”. Para um leitor de “primeira viagem”, que não está acostumado a
ler sobre a história do êxodo israelita, não irá perceber que cada sinal que aparece
no relato bíblico do êxodo, está ligado ao restante da história que ainda acontecerá
8
“Marah thus foreshadows Sinai [...] It is a covenant in miniature, with one benefit (water), one
stipulation (obedience), one implicit curse (disease) and one explicit blessing (health)”.
23
com Israel (JANZEN, 2000, p. 198). O fornecimento da água por Deus, a libertação
dos israelitas da sede, seguidos por uma proclamação da lei divina e uma exortação
de Deus para que os israelitas fossem obedientes a essa lei. Os termos utilizados
para a lei de Deus (estatutos, ordenanças e mandamentos) estão associados a uma
exortação condicional: Se você ouvir..., e fizer..., e der ouvidos..., e manter, a fim de
colocá-los à prova, então... Esta é precisamente a terminologia e estilo que
aparecem no livro de Deuteronômio, e em outros textos do Antigo Testamento, que
falam da lei dada a Israel no Monte Sinai (ibid.). Ademais, a manutenção dessa lei
ao longo do texto “irá diferenciar entre Israel e os egípcios, assim como a lei do Sinai
será uma marca distintiva de Israel dos outros povos por todo o tempo porvir. Parece
que temos aqui nada menos do que uma antecipação da aliança do Sinai” (ibid.,
tradução própria)9.
Para o Carson, além do relato bíblico de Mara fornecer uma transição
harmoniosa entre o Egito e o Êxodo, a passagem também tem que ver com a
questão da obediência e a aliança feita posteriormente no Sinai:
9
“Further, the keeping of this law in our text will differentiate between Israel and the Egyptians, just as
the law of Sinai will be Israel’s distinguishing mark from the other nations for all time to come. It
appears that we have here nothing less than an anticipation of the Sinai covenant”.
24
Testamento, apontando sempre para a lei dada aos israelitas no Monte Sinai.
Portanto, a repetição frequente do tema da obediência aos mandamentos ao longo
do livro do Êxodo parece ter uma grande conexão com a aliança de Yahweh com
Seu povo.
26
3 CONTEXTO HISTÓRICO
Em relação a datação, Durham (2002, p. xxvi) afirma que a data exata dos
eventos do Êxodo é de pouca relevância para a finalidade do livro, pois não afeta a
teologia do livro na sua forma atual. Segundo esse mesmo autor, as datas mais
aceitas são aquelas cujo faraó que oprimiu os hebreus foi Seti I, o faraó do êxodo
teria sido Ramsés II e o Faraó das primeiras invasões de Israel em Canaã seria
Merneptá. Ademais, existe uma discussão sobre a historicidade do livro de Êxodo
28
A cidade recebeu esse nome por causa de Ramessés II, que viveu
entre 1279-1213 a.C., um longo tempo após a data em geral aceita
para o Êxodo. É bem provável que a menção dessa cidade na Bíblia
tenha sido retroativa (talvez não fosse conhecida por esse nome
quando os israelitas moravam ali). Os escritores sagrados podem ter
se referido a ela mais tarde pelo nome de Ramessés, pois era assim
que seus leitores a conheciam (BEA, 2013, p. 86).
10
“The problematical question of the historicity of the narratives of the Book of Exodus has been much
discussed, particularly by commentators of the last fourth of the nineteenth century and the first
fourth of the twentieth century”.
29
Foi durante o governo dos reis da 18ª dinastia no século XV a.C., que o Egito
chegou ao seu auge político, unindo-se através de uma monarquia forte. Nessa
época desfrutavam de uma autoridade nacional por terem expulsado os hicsos e por
estenderem o império egípcio pela África e Ásia (DORNELES, 2011, p. 125). O povo
egípcio nunca havia estado tão seguro e poderoso como nesse período em que
30
viviam. Porém, pela primeira vez o Egito começou a viver uma situação singular: os
cidadãos que eram nativos foram dispensados de seus serviços rotineiros,
dispensados do exército e dispensados das obras públicas, sendo o seu lugar
“preenchido por escravos seguidos por meio de campanhas militares em países
estrangeiros” (ibid., p. 126).
Com o tempo, o povo hebreu que havia sido feito escravo foi se multiplicando
na terra do Egito e, como medida de segurança e para contrabalançar uma eminente
ameaça por parte do povo hebreu, o rei egípcio de então, que não conheceu a José
(Êx 1:8), promulgou três decretos contra os israelitas. Para Douglas (2006, p. 479), o
primeiro decreto tinha como objetivo sujeitar os hebreus a trabalhos forçados, sob o
comando de capatazes. Deste modo, além do Egito suprir a sua necessidade
imediata de mão de obra, era também uma forma de deixar os israelitas sob uma
observação mais específica. O segundo decreto teve como finalidade intensificar a
dura servidão, provavelmente com a intenção de diminuir o tempo ocioso dos
israelitas, diminuindo assim as oportunidades de se traçar planos contra o governo
egípcio. E, por fim, o terceiro decreto tinha como propósito diminuir a quantidade do
povo hebreu mediante a morte de todos os filhos que nasceriam do sexo masculino.
Fazendo assim, os egípcios acreditavam que estariam minimizando também aqueles
que no futuro seriam os possíveis líderes israelitas de uma revolta contra o Egito. Os
israelitas começaram a sofrer uma espécie de genocídio planejado, tendo inclusive
sua própria existência ameaçada:
(Gn 15:5) e que esses descendentes se tornariam uma grande nação, se tornando
uma bênção para aqueles que os abençoassem e uma maldição para aqueles que
os amaldiçoassem (Gn 12:1-3). No entanto, essa promessa começou a parecer
questionável quando os israelitas se tornaram escravos e à beira da extinção étnica,
tornando-se a escravidão de Israel uma questão que tinha que ver tanto com o
poder de Deus, quanto com sua fidelidade para com o seu povo ( ROSS; OSWALT,
2008, p. 269). Assim, o problema da escravidão não era somente dos israelitas, mas
aparentemente de seu próprio Deus Yahweh (ibid., p. 269).
Essa escravidão lembra o relato Bíblico de Gênesis, onde o texto afirma que
os descendentes de Abraão seriam peregrinos em terra estranha, reduzidos a
escravidão e afligidos por um período de 400 anos (Gn 15:13). Segundo
Brueggemann (1982, p. 148), os versículos de Gênesis 15:12-16 tratam
especificamente da história de Israel no que diz respeito à opressão no Egito e ao
Êxodo do Egito. Esse período de opressão e saída dos israelitas do Egito é narrado
em Êxodo como sendo uma data não arredondada de 430 anos: “Ora, o tempo que
os filhos de Israel habitaram no Egito foi de quatrocentos e trinta anos” (Gn 12:40).
Harmonizando-se com o com o pensamento citado acima, Dorneles (2011, p.
165) explica, através de um gráfico, que os 430 anos de peregrinação dos israelitas
se deram entre o chamado de Abraão aos 75 anos de idade e a saída dos hebreus
do Egito. Sendo que, destes 430 anos, 215 já haviam se passado em peregrinações
até o tempo em que Jacó chegou ao Egito. Ou seja, passaram-se 25 anos desde o
chamado de Abraão até o nascimento de Isaque, mais 60 anos até o nascimento de
Jacó, e mais 130 anos até a chegada ao Egito:
32
Figura 1 – Os 430 e os 400 anos de Gênesis 15:13, Êxodo 12:41 e Gálatas 3:17
Nascimento
Nascimento de Jacó Chegada ao Egito
de Isaque
25
60 anos 130 anos
anos 215 anos no Egito
25
400 anos de Gênesis 15:13
anos
deserto de Sur pelo nome de Etã, que ficava perto do local que ficou conhecido
como Mara (Nm 33:8). Este local é identificado como estando ao leste do moderno
canal de Suez e do lado ocidental da península do Sinai (DOUGLAS, 2006, p. 408).
Ao chegarem ao deserto de Sur, não encontraram água para beber, sendo
que já estavam caminhando há três dias. Contando que parte do grupo era
composto de mulheres, crianças e animais, mais de três dias sem encontrar água
“seria impossível, especialmente para as crianças e animais. A situação só piorou
com a decepção de encontrar água amarga (a palavra ‘Mara’ significa ‘amarga’ e
está relacionada ao termo ‘mirra’)” (WIERSBE, 2006, p. 271). Isso não quer dizer
que os israelitas estavam caminhando durante três dias sem água, porque
certamente ao saírem do Egito levaram um suprimento de água potável em seus
odres de couro, pois esse era o costume dos povos orientais da Antiguidade
(DORNELES, 2011, p. 612). O que estava acontecendo era que não estavam
encontrando fontes ou poços para reabastecerem sua água, sendo que uma
“marcha de três dias sem encontrar água era mais ou menos o limite que podia
suportar o gado” (DORNELES, 2011, p. 612).
Quando chegaram a um lugar que tinha água, encontraram somente águas
amargas. Embora as pessoas consigam beber água com gosto ruim quando estão
como muita sede, existe um limite ao qual não se consegue ir além. Como
consequência da falta de água o povo murmurou, “explicitamente contra Moisés, a
quem Deus apontara como seu líder, e assim, implicitamente, contra o próprio Deus”
(COLE, 1981, p. 124). Então, Deus coloca os israelitas à prova dizendo que se eles
fizessem o que fosse reto aos Seus olhos, dessem ouvido aos Seus mandamentos e
guardassem Seus estatutos, nenhuma enfermidade dos egípcios viria sobre eles,
porque Yahweh é aquele que sara (Êx 15:26).
34
Israel é chamado por Deus para um pacto. Um pacto onde Israel deveria “ser”
porque o Senhor “é”. Além disso, esse pacto já havia sido antecipado pela aliança
feita com os pais e, por ocasião da libertação do Egito, a aliança estava prestes a
ser uma realidade na vida do povo de Israel (DURHAM, 2002, p. 79).
12
“ אני יהוהis above all a confession of authority, the authority of the real and effective Presence of
Yahweh who rescues, sustains, calls, and, on the basis of all that, expects a positive response from
humankind. As such, the formula is a basic element in the theological rhetoric connected with the
special name “Yahweh,” which is a confession in and of itself”.
35
Este livramento não poderia ser alcançado por meios pacíficos, mas
exigiria demonstração de força da parte de Deus. Anúncios de juízos
vindouros foram feitos previamente (Êx 3:20; 4:23). É verdade que
não tinham sido chamados assim, embora Deus tivesse prometido a
Abraão que julgaria a nação a qual serviria (Gn 15:14). As pragas
prestes a serem derramadas sobre o faraó e seu povo não eram
apenas ‘maravilhas’ ou ‘sinais’ no sentido comum, mas também
punições infligidas por um Juiz divino sobre uma nação orgulhosa e
cruel (ibid.).
São três as principais fontes que foram utilizadas em estudos para se verificar
quais foram as doenças que assolaram o Antigo Egito. Uma fonte de pesquisa direta
são as múmias e os esqueletos dos próprios faraós encontrados, outra são as
representações artísticas que retratam não só a vida cotidiana, crenças, mas
também as doenças que assolavam os egípcios; e por ultimo, os tratados médicos
que falam de alguns males, das causas e da sua cura (EGITOMANIA, 2001a, p.
1574). Porém, uma coisa que deve ser levada em conta é o fato de que dentre as
doenças que existiam no Antigo Egito, as mais recorrentes estavam sempre
relacionadas com o meio em que os egípcios viviam:
muito mais antigo, cerca de 2500 a.C., atribuído ao “pai da medicina egípcia”
Imhotep (SULLIVAN, 1995, p. 141). Esse papiro, publicado por Georg em 1875,
possui 110 páginas em formato de rolo que descrevem de forma sistematizada,
prescrições clínicas de doenças da “cabeça, olhos, sistema circulatório, estômago e
outros; além de detalhar a prática da avaliação clínica e caracterização das
doenças” (BAPTISTA et al., 2003, p. 54). Das 110 páginas do papiro original, nove
eram destinadas ao tratamento das doenças oculares, uma coisa que não causa
surpresa a alguém que esteja familiarizado com o Egito atual, mesmo passado um
espaço de tempo tão grande em relação ao período das Dinastias dos Faraós
(BRYAN, 1930, p. 94).
Além do papiro de Ebers,como ficou conhecido, um segundo importante
papiro médico foi encontrado e nomeado como papiro cirúrgico Edwin Smith, datado
da 17ª dinastia egípcia. O papiro recebeu esse nome porque apresentava 48 casos
cirúrgicos, principalmente casos traumáticos e, além disso, apresentava o que pode
ser considerado o primeiro relato da circulação sanguínea da História (SULLIVAN,
1995, p. 141).
Dois eram os principais vilões agentes das enfermidades oculares no antigo
Egito: a areia do deserto e as águas contaminadas do Nilo:
gorduras do que a dos egípcios de classe baixa, o que viria a refletir em uma
incipiente obesidade” (EGITOMANIA, 2001a, p. 1574).
Um estudo das múmias foi o suficiente para confirmar a hipótese da
obesidade da classe nobre egípcia, além de outras enfermidades como cáries, artrite
e até mesmo a presença de alguns tumores:
Portanto, uma rápida análise dos relatos dos três principais materiais
utilizados como fontes de pesquisa (múmias, representações artísticas e papiros
médicos) apontam para o fato das enfermidades recorrentes entre os egípcios na
Antiguidade estarem ligadas diretamente às práticas diárias dos egípcios e como se
relacionavam com o meio ambiente em que viviam.
Eis que a mão do SENHOR será sobre o teu rebanho, que está no
campo, sobre os cavalos, sobre os jumentos, sobre os camelos,
sobre o gado e sobre as ovelhas, com pestilência gravíssima. E o
SENHOR fará distinção entre os rebanhos de Israel e o rebanho do
Egito, para que nada morra de tudo o que pertence aos filhos de
Israel [...] E o SENHOR o fez no dia seguinte, e todo o rebanho dos
egípcios morreu; porém, do rebanho dos israelitas, não morreu nem
um. (Êx 9:3-4, 6, ARA).
possas curar, desde a planta do pé até ao alto da cabeça”, pois a doença havia
afetado principalmente as pernas e os pés dos egípcios, não conseguindo com isso
“ficar em pé” ou permanecer na presença de Moisés.
Até então, durante todas as pragas anteriores, os magos haviam conseguido
permanecer na presença do Faraó, mas por ocasião das úlceras não mais
conseguiram resistir:
Segundo Clarke (1999c), essa doença que acometeu os egípcios por ocasião
da sexta praga, não era uma doença tida por imediatamente mortal, mas era uma
doença que poderia afetar bastante a superfície do corpo humano. Foi uma espécie
de úlcera purulenta que ardia e arrebentava em várias partes do corpo,
principalmente nas regiões glandulares como axilas, pescoço e virilhas, causando
dor, inflamação e febre. Além disso, afirma que o que aconteceu naquela ocasião
com os egípcios parece ter sido uma doença rara, talvez nunca antes conhecida em
nenhum pais de então, sendo chamada distintivamente de “ulceras do Egito” em
Deuteronômio 28:27.
O Deus dos israelitas poderia ter agido de maneira diferente com os egípcios
e com o próprio faraó, destruindo-os imediatamente ao invés de lhes dar uma
chance a mais de arrependimento durante cada praga. Porém, isso ocorreu pelo
menos por duas razões, conforme afirma o comentário abaixo:
Mesmo que o relato do Êxodo tenha passado por diversas críticas no final do
século XIX em relação à sua fonte, o ponto de vista conservador que aponta Moisés
como sendo o autor do Êxodo e do Pentateuco é assumido neste estudo. Pois, além
do relato bíblico apresentar uma continuação histórica na sequência de seus cinco
primeiros livros, o livro de Êxodo tem uma grande ligação com o todo resto do
Pentateuco, sugerindo um único autor. Além disso, existe a tradição judaica que
sugere que Moisés foi o escritor do livro do Êxodo (DORNELES, 2011, p. 521).
Vários detalhes contidos no próprio relato de Êxodo como palavras egípcias,
costumes e descrições de guerra que aconteceram no período, sugerem também
que tais relatos foram realizados por alguém que, como Moisés, foi instruído em toda
ciência dos egípcios (At 7:22). Ademais, existem partes do texto bíblico que afirmam
que Moisés mantinha os registros das guerras atualizados diariamente (Êx 17:14;
24:4,7; 20:21-23:33; Nm 33:2). Essa autoria é também confirmada pelo próprio
Cristo, se for levada em conta a afirmação feita por Ele e descrita no evangelho de
Marcos, onde Jesus cita Êxodo 3:6 referindo sua fonte como sendo o “Livro de
Moisés” (Mc 12:26).
Em relação a datação dos eventos relacionados com o versículo em estudo,
foram identificadas duas principais interpretações: a primeira que coloca os eventos
do êxodo israelita no século XV a.C., durante a 18ª dinastia egípcia; e a segunda
que assume uma datação posterior, no século XIII a.C. durante a 19ª dinastia;
Contudo, o presente estudo argumentou que a datação no século XV a.C. pode ser
adotada quando se leva em conta o contexto histórico, o contexto arqueológico e o
relato bíblico contido em 1Reis 6:1, que identifica o início da construção do templo
no quarto ano do reinado de Salomão, acontecendo 480 anos após a saída dos
israelitas do Egito. Isso tudo conduz a datação do êxodo israelita em cerca de 1440
a.C.; sendo que a datação judaica para o 4º ano do reinado de Salomão ocorreu
entre a primavera do ano de 967 a.C. até o término em outubro de 966 a.C.
Nesse período da 18ª dinastia egípcia, o estudo identificou ainda que existia
uma grande necessidade de mão de obra para realização de várias construções no
Egito e que os israelitas haviam se tornado uma nação estrangeira fortalecida e
numerosa, sendo reduzidos à escravidão na intenção de impedir que os futuros
44
líderes israelitas se revoltassem contra o Egito, tomando o seu poder. Esse fato está
em sincronismo com o relato bíblico contido no livro de Gênesis 15:13, onde Yahweh
revela a Abraão que sua descendência seria reduzida à escravidão e afligida por
cerca de 400 anos.
A libertação do cativeiro egípcio não foi uma conquista fácil, pois Israel teve
que sofrer debaixo de três severos decretos por parte do Faraó vigente. No entanto,
foi nesse período de escravidão e opressão que Deus ouviu os clamores dos filhos
de Israel, se apresentando a Moisés com o nome de Yahweh e afirmando ser o
Deus de Abraão, Isaac e Jacó. Nesse contexto, Deus confirma o pacto que havia
feito com os pais hebreus, revelando-se de maneira mais completa a Moisés do que
havia se revelado aos patriarcas, pois iria livrar os israelitas por meio de maravilhas,
de sinais e através das pragas que cairiam sobre os egípcios, caracterizando o juízo
divino sobre aquela nação orgulhosa e cruel.
Em relação às pragas e as doenças dos egípcios, após analisar pesquisas
relacionadas às três principais fontes disponíveis para a identificação das doenças
que existiam no Egito Antigo, entendeu-se que as doenças dos egípcios estavam
diretamente ligadas ao seu padrão de vida, ao tipo de trabalho que realizavam e às
ações do meio ambiente às quais estavam expostos no dia-a-dia. Porém, as
doenças que assolaram os egípcios no período das pragas foram reconhecidas
como sobrenaturais, em sua predição, sua intensidade e seus efeitos únicos na
saúde dos egípcios, de seus animais e de suas plantações. Além disso, Yahweh
poderia ter destruído de uma vez por todas o faraó vigente na época por sua
teimosia, mas as pragas do Egito visavam um propósito maior: fazer com que o
faraó reconhecesse o poder do Deus dos israelitas e que Ele era o único Deus
verdadeiro e, além disso, fazer com que o nome de Yahweh fosse conhecido e
proclamado entre as outras nações.
45
4 EXEGESE DO TEXTO
Existem eruditos que entendem que a perícope deve ser delimitada do verso
22 ao 27. É o caso de Dunnam e Ogilvie, entendendo que o livro de Êxodo
apresenta por várias vezes “uma balança de modos de vida prevalecentes, de
celebrar a reclamar e condenar Moisés” (DUNNAM; OGILVIE, 1987, p. 169, tradução
própria)13, onde a narrativa dos fatos entre os hebreus passa “do triunfo ao
problema, do problema ao teste e do teste ao ensino” (ibid., p. 172, tradução
própria)14. Ou seja, do triunfo no Mar Vermelho ao problema da falta de água, do
problema da falta de água ao teste das águas amargas, do teste das águas amargas
ao ensino que Yahweh é aquele que cura.
Outra literatura que concorda com a delimitação do verso 22 a 27 é o
Comentário Bíblico Adventista que, em sua apresentação do esboço do livro de
Êxodo, delimita esses versos como sendo uma parte menor dentro de um contexto
maior, na trajetória do povo de Israel quando saiu do Egito até chegar ao Sinai:
Para Cole (1981, p. 123), a perícope em estudo também foi delimitada entre
os versos 22 a 27, pois apesar de não existir uma precisão em relação aos locais
exatos das paradas dos israelitas pelo deserto, a posição dos poços e oásis naquela
região não mudou muito desde os tempos de Moisés até agora, deixando em Êx
13
“Again there is a seesaw of prevailing moods, from celebrating to complaining and condemning
Moses.”
14
“But there is more insight to be gained from the Hebrews. They went from triumph to trouble, from
trouble to testing, and from testing to teaching.”
46
15
“(15:22–27): The first of the wilderness narratives is linked to what has gone before via the theme of
water. Fresh from their rescue from death at the sea, the Israelites look for water in the desert and find
the discovery of unpotable water intolerable. […] Strangely, the theme of undrinkable water recalls the
beginning of the plague sequence in Egypt (7:20–21)”.
47
הוה
ָׁ ְׁי ֲא ִנִ֥י ִ ִּ֛כי ָׁע ָ֔ליָך א־א ִ ָ֣שים
ָׁ ֹּ ל ְׁב ִמ ְׁצ ַ ֙ר ֙יִם ר־ש ְׁמ ִתי
ָׁ֤ ַ ֲאש
não
Yahweh Eu sou porque sobre ti no Egito que coloquei
colocarei
ר ְֹּׁפ ַֽאָך׃
o Teu
curador
(Êx 15:26, BHS, p. 112).
4.3 Análise léxica e sintática das principais palavras dentro de Êxodo 15:26
Existem vários casos no relato bíblico em que o verbo possui o sentido básico
de “ouvir”, como por exemplo, Números 12:2, onde é dito que o Senhor “ouviu” a
murmuração de Miriã e Arão contra Moisés. Outro exemplo é visto na passagem em
que Moisés lembra aos Israelitas que eles “ouviram” a voz de Deus, mas não viram
aparência nenhuma (Dt 4:12). Na viração do dia, Adão é Eva “ouviram” a voz do
Senhor e se esconderam de Sua presença (Gn 3:8).
O sentido de “ouvir” como obedecer também aparece em vários versículos
bíblicos. Como exemplo, em Provérbios, onde está escrito que “o caminho do
insensato aos seus próprios olhos parece reto, mas o sábio ‘dá ouvidos’ aos
conselhos” (Pv 12:15). Em Neemias o verbo šāmaʽ aparece ligado a palavra ִמ ְׁצוָׁ ה
(mitsvāh) mandamento, com o sentido de obedecer: “[...] e endureceram a sua
cerviz, e não ‘deram ouvidos’ aos teus mandamentos” (Ne 9:16). Outra passagem
que aparece o verbo šāmaʽ com sentido de obedecer encontra-se em Jeremias:
A palavra traduzida em Êxodo 15:26 como o adjetivo “reto” vem da raiz yāšār
e pode ser encontrada pelo menos com três sentidos diferentes: o sentido literal, o
sentido ético e o sentido idiomático, quando precede o substantivo “olhos” (HARRIS
et al., 1998, p. 685). O sentido literal é o de “endireitar o caminho” ou “ir reto pelo
caminho”. Esse sentido é apresentado no relato bíblico de 1Samuel 6:12, onde é
mostrado que os filisteus haviam devolvido a arca do Senhor dos israelitas, e esta
estava sendo transportada em cima de um carro puxado por duas vacas. O texto diz
que as vacas foram “reto” (ir na direção certa) e sem errar o “caminho sobre a
estrada para Bete-Semes, por uma rodovia, ou seja, a estrada direta de Ecrom a
Bete-Semes” (DORNELES, 2012, p. 507). Além do exemplo citado acima, o termo
yāšār também aparece em seu sentido literal no segundo livro de Crônicas, onde é
dito que Ezequiel construiu um aqueduto para “canalizar” as águas “para o ocidente
da cidade de Davi” (2Cr 32:30). Nesse versículo, yāšār, traduzido geralmente por
“canalizar”, tem o sentido de “fazer correr em linha reta” (HARRIS et al., 1998, p.
684).
Um exemplo do sentido ético do verbo yāšār pode ser visto no provérbio “A
justiça do íntegro endireita o seu caminho, mas pela sua impiedade cai o perverso”
(Pv 11:5). Nesse versículo o verbo yāšār é traduzido como endireitar, dando um
sentido de retidão ao estilo de vida dos íntegros e apontando essa característica
como uma qualidade (HARRIS et al., 1998, p. 684). Esse mesmo conceito de retidão
pode ser observado em Eclesiastes 7:29: “Eis o que tão somente achei: que Deus
fez o homem reto, mas ele se meteu em muitas astúcias”.
Porém, um dos sentidos mais interessantes de yāšār é o sentido idiomático
quando o mesmo precede o substantivo “olhos”. Nesse caso, a expressão tem o
sentido de parecer justo aos olhos de alguém, tendo a “aprovação desse alguém
mediante a guarda dos seus mandamentos” (HARRIS et al., 1998, p. 685). Esse
mesmo sentido é encontrado em Deuteronômio 6:17,18 (ARA):
que é reto e bom aos olhos do SENHOR, para que bem te suceda, e
entres, e possuas a boa terra a qual o SENHOR, sob juramento,
prometeu dar a teus pais.
acostumado a ler sobre a história do êxodo israelita, não irá perceber que cada sinal
que aparece no relato bíblico do êxodo está ligado ao restante da história que ainda
acontecerá com Israel (JANZEN, 2000, p. 198). O fornecimento da água por Deus, a
libertação dos israelitas da sede, seguidos por uma proclamação da lei divina e uma
exortação de Deus para que os israelitas fossem obedientes a essa lei. Os termos
utilizados para a lei de Deus (estatutos, ordenanças e mandamentos) estão
associados a uma exortação condicional: Se você ouvir [...], e fizer [...], e der
ouvidos [...], e manter, a fim de colocá-los à prova, então [...] Esta é precisamente a
terminologia e estilo que aparecem no livro de Deuteronômio, em outros textos do
Pentateuco e no restante do Antigo Testamento que falam da lei dada a Israel no
Monte Sinai (JANZEN, 2000, p. 198). Ademais, a relação do povo com essa lei ao
longo do texto “irá diferenciar entre Israel e os egípcios, assim como a lei do Sinai
será uma marca distintiva de Israel dos outros povos por todo o tempo porvir. Parece
que temos aqui nada menos do que uma antecipação da aliança do Sinai” (JANZEN,
2000, p. 198, tradução própria)16.
Conforme afirma Durham (2002, p. 262), o texto que aparece a expressão ’im
šāmōwa‘ tišmə‘ū contida em êxodo 19:5 encontra-se no contexto da aliança de Deus
com seu povo, onde Yahweh espera deles uma resposta afirmativa após ele mesmo
já ter feito a sua parte no acordo. Deste modo, uma resposta afirmativa do povo faria
com que eles deixassem de ser somente os filhos de Israel, descendentes de Jacó,
passando a ser os “filhos de Israel”, uma comunidade de fé que transcenderia a
descendência biológica.
A obediência plena do povo de Israel faria com que eles se tornassem uma
nação propriedade de Deus. Neste sentido, a consequência do “ouvir” a voz de Deus
seria visto mais tarde em quatro aspectos: primeiro Israel seria um exemplo de fé
para as outras nações que, ao se depararem com suas crenças, seriam
impressionados a conhecer o Deus de Israel; segundo, Israel proclamaria essas
verdades e convidaria os outros povos a aceitá-Lo pela fé; terceiro, Israel
intercederia pelo resto do mundo através de suas ofertas; e quarto, Israel
preservaria a palavra de Deus falada através dos escritos bíblicos (STUART, 2007,
p. 422). Em conformidade com essa ideia, Dorneles (2011, p. 637) afirma que o
ouvir diligentemente a voz de Deus descrito em Êxodo 19:5 tem que ver com a
questão da obediência a Yahweh, onde “somente nos termos da obediência Deus
poderia consentir ser o Deus deles ou tê-los como Seu povo escolhido”. Além disso,
a consciência da incapacidade dos israelitas em guardar as leis de Deus daria a eles
uma nova oportunidade de buscá-Lo e confiar nEle:
17
“Complete absence of poverty is squarely contradicted by v. 11, which avers that ‘there will always
be poor people in the land.’ The tension between the two statements is indicative of the gulf that exists
between the ideal and actual, what could be the case were God’s purposes carried out and what
inevitably occurs when they are not. This is the import of v. 5, which plainly states that full compliance
with covenant requirements was the precondition to Israel’s prosperity in the land. When this was
achieved, not only would Israel be blessed but, in line with the ancient patriarchal promises, they
would be the means of blessing the whole world and having dominion over the nations”.
54
18
“In the matters addressed here, the continued existence of the covenant community itself is at
stake. “Of all potential crimes in ancient Israel, the one described in this chapter was the most
dangerous in terms of its broader ramifications: to attempt deliberately to undermine allegiance to God
was the worst form of subversive activity, in that it eroded the constitutional basis of the potential
nation, Israel.”
55
soubesse quem era o culpado, deveria ser “eliminada por completo” do meio do
povo após ser oferecida a oferta segundo as orientações de Deus. Deste modo, o
povo estaria fazendo o que era “reto aos olhos do SENHOR” (Dt 21:9). Ademais,
contaminar a terra com sangue inocente profanava a aliança que Yahweh havia feito
com seu povo, pois o desejo de Deus era que os israelitas tivessem prazer em viver
na terra que ele daria:
Deus desejava que seu povo tivesse prazer em viver em sua terra, e
o segredo desse prazer era a obediência à vontade de Deus. O crime
e a injustiça profanavam a terra, e Deus não queria ver sua terra
desonrada. As nações ímpias de Canaã contaminaram a terra a tal
ponto que esta "vomitou os seus moradores" (Lv 18:24-30). Exceto
por Israel, não há nenhuma outra nação no mundo que se encontre
numa relação de aliança com Deus. Porém, o Senhor exige que
todas as nações prestem contas de seus pecados (Am 1:3 - 2:3). Um
dia Deus julgará as nações com justiça (Jl 3:9-16) e ninguém
escapará (WIERSBE, 2006, p. 564).
bem-estar físico dos israelitas dependeria de sua obediência a Deus. Além disso, em
Deuteronômio 15:5 o verbo šāmaʽ se encontra dentro do contexto da aliança de
Yahweh com os israelitas e o cumprimento dessa aliança por parte do povo daria
condições a Israel de ser abençoado e ser um canal de bênçãos para os outros
povos também. Neste sentido, as consequências dos israelitas ouvirem a voz de
Deus seriam vistas mais tarde em quatro aspectos distintos: Israel se tornaria um
exemplo de fé para as outras nações; Israel convidaria os outros povos a aceitarem
o seu Deus pela fé; Israel intercederia pelo resto do mundo através de suas ofertas e
Israel preservaria a palavra de Deus através dos escritos sagrados.
Quanto a expressão hayyāšār bə‘ênê Yahweh, constatou-se que existem três
possíveis sentidos onde ela é utilizada dentro dos livros do Pentateuco: o sentido
literal, o sentido ético e o sentido idiomático. O verbo yāšār contido na expressão em
Êxodo 15:26 parece abrigar o sentido idiomático da palavra, pois apresenta um
convite de Yahweh para que seu povo volte novamente a andar no caminho reto,
isto é, guardar seus mandamentos e ser abençoado. Além do mais, essas
estipulações de bênçãos tinham que ver com a aliança que Yahweh queria
reestabelecer com os israelitas. A expressão hayyāšār bə‘ênê Yahweh aparece em
Deuteronômio 21:9 ligada ao contexto de “eliminar por completo” a culpa de um
pecado que ainda não havia sido perdoado no meio do povo. Para que isso
acontecesse era preciso seguir as orientações de Yahweh; se assim o fizessem, o
povo estaria fazendo o que era “reto aos olhos do SENHOR” (Dt 21:9).
Concluiu-se parcialmente sobre a expressão ’im šāmōwa‘ tišmə‘ū que,
quando encontrada dentro dos livros do Pentateuco, o seu contexto é o da aliança
de Deus com seu povo. Assim, Yahweh esperava uma resposta positiva dos
israelitas para que eles pudessem ser abençoados e diferenciados dos povos
egípcios de onde anteriormente haviam sido libertados da escravidão.
Contatou-se também que a terminologia encontrada em Êxodo 15:26
(estatutos, ordenanças e mandamentos) encontra-se associada a uma exortação
condicional que se repete nos livros do Pentateuco, referindo-se em última instância
à lei dada por Deus no Monte Sinai. Assim como a manutenção dessa orientação no
meio do povo israelita iria diferenciá-los dos egípcios, a lei dada no Sinai
diferenciaria o povo de Israel dos outros povos.
Por fim, observou-se ainda que existia uma bênção tripla caracterizada como
teologia deuteronômica, onde se os israelitas fossem obedientes às orientações de
57
mandamentos fossem guardados não pelas recompensas, mas porque esse era o
correto a se fazer (CHRISTENSEN, 2002a, p. 165).
Concordando com o pensamento acima, Dorneles (2011, p. 1071) afirma que
a palavra ֵעָ֣קבtraduzida por “se” em Deuteronômio 7:12 significa “consequência”,
podendo ser traduzida como “por causa de”. Ademais, “a tradução nesse caso não
seria ‘se’, mas ‘como consequência de’, apontando para as recompensas por
considerar os preceitos do Senhor” (ibid.).
Segundo Hall, a obediência dos israelitas teria como resultado o desejo de
Deus abençoar o povo. Desta forma, as bênçãos seriam possibilidades futuras para
uma nação obediente (HALL, 2000, p. 157).
Para Dorneles (2011, p. 1071), dentre as bênçãos provenientes da aliança,
quando Deuteronômio 7:13 falava sobre “abençoar” e “fazer multiplicar” o povo,
estava confirmando as promessas feitas ao patriarca Abrão descritas no livro de
Gênesis: “Então, conduziu-o até fora e disse: Olha para os céus e conta as estrelas,
se é que o podes. E lhe disse: Será assim a tua posteridade” (Gn 15:5). Além disso,
outra bênção relacionada encontrava-se no fato de que o povo de Israel deveria se
tornar um exemplo tanto de saúde física, mental e moral, diferindo-se dos egípcios:
causa das bênçãos, mas porque esse era o correto a se fazer. Além do mais, a
obediência não tornava Deus obrigado a abençoar o povo, pois ele já estava
disposto a fazê-lo mesmo antes que o povo obedecesse. Deus derramaria as
bênçãos da sua aliança por causa da sua fidelidade e por causa do seu amor
demonstrado àqueles que seriam obedientes. A bênção aos obedientes estava
relacionada a Yahweh ser a fonte tanto de saúde física, mental e moral do povo,
curando-os das enfermidades relacionadas a uma vida afastada das orientações de
Deus. Neste sentido, a liberdade das doenças ou um possível estado de saúde era
entendido como uma bênção proveniente da aliança de Deus, sendo Yahweh o
curador de seu povo.
De igual maneira, as maldições também alcançariam aqueles que não
quisessem obedecer. Dentre as doenças descritas nas maldições, encontram-se
úlceras e tumores do Egito compatíveis com aquelas que caíram sobre os egípcios
durante a sexta praga, como um castigo de Deus antes do êxodo israelita.
64
6 CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
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