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A REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL É MEDIDA

RECOMENDÁVEL PARA A DIMINUIÇÃO DA VIOLÊNCIA?


Roberto da Freiria Estevão
Procurador de Justiça - Ministério Público do Estado de São Paulo, Mestre em Direito e Professor de
Direito Processual Penal.

RESUMO
A discussão sobre a mais adequada idade para a pessoa adquirir a responsabilidade
penal no Brasil sempre volta à pauta após fatos que movimentam a opinião pública e que
envolvem menores de 18 anos. Neste trabalho abordamos os argumentos mais lembrados
pelos defensores da redução da maioridade penal e aqueles apresentados pelos que são contra
essa redução. A questão que se coloca é: a simples redução da idade para a imputabilidade
penal, atualmente fixada em 18 anos, é a melhor solução no combate à criminalidade, em
especial nos grandes centros urbanos? No desenvolvimento do artigo fazemos um estudo a
respeito tratamento dispensado ao menor infrator ao longo da história do Brasil, bem como
sobre o critério para a determinação da imputabilidade penal entre nós, acentuando-se que a
inimputabilidade não pode ser confundida com impunidade. Analisamos o tema à luz do
direito comparado e apresentamos alguns dados empíricos decorrentes de levantamentos
estatísticos feitos no Brasil, envolvendo crimes cometidos por menores de 18 anos, os
motivos para essas práticas infracionais, as diferentes medidas sócio-educativas previstas na
atual legislação aplicável e os resultados verificados quando aplicadas. Também abordamos
interessante experiência adotada no Estado do Rio Grande do Sul, a denominada “justiça
instantânea”, que levou à redução da reincidência. Refletimos ainda sobre relevante questão: o
menor, que tem a capacidade para alguns atos da vida e para entender o caráter criminoso de
sua conduta, possui o necessário desenvolvimento e maturidade para determinar-se diante de
um fato ilícito? Basta compreender a ilicitude da conduta para ser tido como imputável penal?
Sustentamos que não. Concluímos que a questão da criminalidade, inclusive aquela que
envolve menores de 18 anos, não se resolve com propostas que mais parecem soluções
mágicas, como se isso fosse possível na complexa realidade brasileira. Antes, necessário se
faz a implementação de uma séria política de segurança pública ampla, integrada, ágil e
intersetorial, a qual se incorpore todo o aparelhamento estatal. O simples tratamento mais
rígido ou a mera redução da maioridade penal não são instrumentos capazes de alterar nossa
realidade sócio-cultural.

Palavras-chave
Responsabilidade penal. Redução da maioridade penal. Inimputabilidade penal. Violência.
Criminalidade.

INTRODUÇÃO

A discussão sobre a redução da menoridade penal no Brasil sempre volta à pauta após
crimes que movimentam a opinião pública, nos quais menores de 18 anos se envolvem.
Em datas mais recentes tem-se dois fatos marcantes: o primeiro, em novembro de
2003, refere-se às condutas cometidas em Embu-Guaçu/SP por R. A. A. C., conhecido como
“Champinha”, que, aos dezesseis anos de idade, juntamente com outros comparsas matou a
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tiros e facadas os estudantes Liana Friedenbach e Felipe Caffé, depois de estuprar e permitir
que outros estuprassem a jovem; o segundo, ocorrido no início de fevereiro de 2007, trata-se
da brutal morte de João Hélio Fernandes Vieites, um menino de 6 anos que foi arrastado por 7
(sete) km, aproximadamente, pelo veículo que, após o violento roubo, era conduzido pelos
seu praticantes, fatos pelos quais foram acusados alguns maiores, como Carlos Eduardo
Toledo Lima, de 23 anos, e Diego Nascimento da Silva, de 18 anos, bem como o menor E., de
16 anos.
No direito pátrio, como todos sabem, os menores de 18 anos são penalmente
inimputáveis e ficam sujeitos às normas da legislação especial, conforme a dicção do artigo
228 da Constituição Federal. Com a mesma disposição tem-se o artigo 27 do Código Penal.
Alguns propõem a redução dessa idade para 16 anos e outros até para 14 anos. Há,
inclusive, projetos de lei tramitando pelo Congresso Nacional que consubstanciam tais
propostas. Será esse um caminho indicado para o arrefecimento da violência no Brasil ou a
proposta diminuição da idade para a inimputabilidade penal não passa de mais uma falácia?
O professor da disciplina “Direito da Criança e do Adolescente” na Escola Superior da
Magistratura/RS, João Batista Costa Saraiva, Juiz de Direito da Vara da Infância e Juventude
naquele Estado da federação, lembra que, em regra, no debate sobre o tema existem duas
posições antagônicas: a dos seguidores da doutrina do direito penal máximo e a dos adeptos
do abolicionismo penal. A primeira defende a necessidade de aplicação de mais elevadas
penas privativas de liberdades e maior rigor nas condenações por práticas delitivas; a segunda
sustenta que o direito penal está falido e que o problema da insegurança decorre mais de
fatores sociais, em face do que defende que a tutela de bens e direitos não deve ser efetivada
no campo penal, mas sim por outro ramo do direito (2003, p. 70).
Os argumentos mais lembrados pelos defensores da redução da maioridade penal são
os seguintes:
a) cada vez mais adultos se servem de adolescentes nas ações criminosas, o que
impossibilita a efetiva e eficaz ação da polícia e da justiça;
b) quanto à capacidade para a responsabilidade penal, o jovem pode votar aos 16 anos
e hoje tem acesso a muitas informações, o que propicia o seu precoce amadurecimento e, pois,
condições para responder penalmente por suas condutas;
c) é muito elevado o número de adolescentes que cometem crimes graves, o que
indica a necessidade de mudança no tratamento legal a eles dispensado, que deve ser o
previsto no Código Penal.
Já outras vozes se colocam contra as propostas de redução e argumentam que:
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a) entre nós a Constituição Federal impede a redução da maioridade penal em face do


disposto no artigo 228, c. c. o artigo 60, § 4°, IV (cláusula pétrea);
b) a redução da maioridade para 16 anos não reduzirá a criminalidade violenta;
c) é dever do Estado e da Sociedade proteger as crianças e os adolescentes, e não
puni-los com maior severidade;
d) já não há vagas suficientes no sistema penitenciário. Com eventual redução da
maioridade penal esse quadro ficará ainda mais caótico;
e) prender adolescente é colocá-lo na “universidade do crime”.
A questão que se põe é: a simples redução da idade para a imputabilidade penal,
atualmente fixada em 18 anos, é a melhor solução no combate à criminalidade e à violência,
em especial nos grandes centros urbanos?

O menor infrator na história do Brasil


As primeiras medidas educativas ou de política pública para a infância brasileira foram
a criação de algumas casas para abrigar crianças e adolescentes. Assim tivemos: as “Casas de
Roda” (Bahia - 1726), a “Casa dos Enjeitados” (Rio de Janeiro - 1738), e a “Casa dos
Expostos” (Recife - 1789).
Conforme RIZZINI (2000), nas “Casas de Roda” havia uma espécie de roda giratória
com parte dela no lado externo do imóvel e parte no lado interno. A criança era deixada na
parte que ficava do lado externo, sem que se pudesse identificar quem a abandonava, e então a
roda era girada, trazendo-a para o lado interno onde era recolhida pelos que trabalhavam na
Casa. Nessa “roda” não eram deixadas apenas crianças pobres, mas também aquelas oriundas
de famílias ricas que precisavam esconder os nascidos fora do casamento.
A respeito da idade sabe-se que durante a vigência das Ordenações Filipinas até 1830
a imputabilidade penal iniciava-se aos sete anos. Ao menor não se aplicava a pena de morte -
que à época existia e sua reprimenda era reduzida (SARAIVA, 2003, p. 23).
Em seguida, nosso primeiro Código Penal, de 1830, adotou dois critérios: fixou a
idade de 14 anos para a plena imputabilidade penal (art. 10, § 1°), e adotou um sistema
biopsicológico para a punição dos menores de 14 anos (art. 13).
O Código Penal Republicano de 1890 previa em seu artigo 27, § 1º, que irresponsável
penalmente seria o menor com idade até 09 anos. O maior de 09 anos e menor de 14 anos só
não responderia penalmente se tivesse atuado sem discernimento (art. 27, § 2° e art. 30). A
partir de 14 anos dava-se a maioridade penal.
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E, hodiernamente, como já observado neste trabalho, a maioridade penal é atingida aos


18 anos de idade, nos termos do disposto no artigo 228 da Constituição Federal e 27 do
Código Penal.
Quando se discute o tema em análise um dos problemas que se verifica é a confusão
que se faz entre inimputabilidade e impunidade.

2. Inimputabilidade sim, impunidade não.


Muitos confundem inimputabilidade penal com impunidade por crimes cometidos. Por
isso é bom lembrar que a inimputabilidade, excludente da responsabilidade penal, jamais
significa impunidade, e nem irresponsabilidade pessoal ou social.
Em boa parte, o clamor social em relação ao menor de 18 anos que comete crimes
surge da equivocada noção de que ele não responde por seus atos. Até por isto aparecem
soluções totalmente desvirtuadas da idéia de direito e de justiça, como os grupos de
extermínio que matam menores em nome de uma alegada defesa da sociedade sob a bandeira
de que “bandido bom é bandido morto”. Infelizmente, se esquecem das tristes experiências
vivenciadas entre nós durante as décadas ditatoriais.
O fato de o adolescente não responder por seus atos delituosos de acordo com o
Código Penal, nem perante a Justiça Criminal, não o torna impunível e nem o faz
irresponsável. Antes, conforme o sistema adotado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente,
os menores entre 12 e 18 são sujeitos de direitos e de responsabilidades e, por isso, quando
cometem infrações, medidas sócio-educativas podem ser impostas, inclusive a privação de
liberdade - com o nome de “internação” sem atividades externas.
Ou seja, ao contrário da máxima sempre ouvida de que “para menor não dá nada”, o
ECA. prevê medidas e até mesmo reconhece a possibilidade de privação provisória de
liberdade do infrator não sentenciado (art. 108), para o que se exige o preenchimento de
menos requisitos do que os previstos no artigo 312 do Código de Processo Penal, aplicáveis
aos delinqüentes maiores de 18 anos, para o maior ser preso provisoriamente ou assim
mantido durante o trâmite da ação penal.
E não se pode deixar de registrar o outro lado da questão: conforme uma pesquisa feita
pelo “Instituto Latino-Americano das Nações Unidas para Prevenção e Tratamento do
Delinqüente” - ILANUD -, aproximadamente 10% do total de crimes são cometidos por
pessoas que contam menos de 18 anos de idade; todavia, mais de 40% das vítimas de
homicídios são menores (fonte: http://releitura.wordpress.com/tag/opiniao).
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3. Critérios para a fixação da imputabilidade penal


O Código Penal de 1984 - parte geral ainda em vigor - adotou o critério biológico e
considerou os menores de 18 anos penalmente inimputáveis.
Conforme o sistema penal pátrio são considerados inimputáveis aqueles que, ao
mesmo tempo da ação ou da omissão: a) mostram-se inteiramente incapazes de entender o
caráter ilícito do fato (capacidade de entendimento); b) ou de se determinar de acordo com
esse entendimento (capacidade de querer). Esses parâmetros levaram à determinação da idade
de 18 anos.
O professor Julio Fabbrini Mirabete observa a respeito da imputabilidade:

De acordo com a teoria da imputabilidade moral (livre-arbítrio), o homem é


um se inteligente e livre, podendo escolher entre o bem e o mal, entre o certo
e o errado, e por isso a ele se pode atribuir a responsabilidade pelos atos
ilícitos que praticou. Essa atribuição é chamada de imputação, de onde
provém o termo imputabilidade, elemento (ou pressuposto) da culpabilidade.
Inimputabilidade é, assim, a aptidão pra ser culpável. [...] Há
imputabilidade quando o sujeito é capaz de compreender a ilicitude de sua
conduta e de agir de acordo com esse entendimento. Só é reprovável a
conduta se o sujeito tem certo grau de capacidade psíquica que lhe permita
compreender a antijuricidade do fato e também a de adequar essa conduta a
sua consciência. Quem não tem essa capacidade de entendimento e de
determinação é inimputável, eliminando-se a culpabilidade (MIRABETE,
2003, p. 217 - negritos nossos).

Em face destas idéias que estão em consonância com o Código Penal


brasileiro, indaga-se: quais as condições que permitem verificar se um indivíduo tem essa
“aptidão para ser culpável”? Que critério é mais adequado para aferir essa aptidão? Como
saber se alguém possui a capacidade de discernimento entre o certo e o errado? É possível
medir sua capacidade para comportar-se conforme o seu entendimento entre o certo e o
errado?

3.1 O problema do discernimento


É muito comum ouvir-se aqui e ali que, na atualidade, os menores têm mais
discernimento, pois recebem uma enorme quantidade de informações e, assim, chegam mais
cedo à maturidade. A premissa é verdadeira, mas a conclusão não o é. Todos, hoje, têm muito
maior acesso a informações do que ocorria no passado. Porém, nem todas as informações
concorrem para a boa formação e amadurecimento; pelo contrário, muitas delas são mais
próprias para a deformação.
A premissa que colocam é desnecessária. É pensamento comum que qualquer infante
sabe distinguir entre o certo e o errado e, normalmente, tem a capacidade de entender o
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caráter criminoso de algumas condutas. A criança de pouca idade sabe que é errado matar,
ferir ou subtrair algum bem de outrem.
Se for esse o critério a ser adotado para a determinação da idade da maioridade penal
tem-se que muito sério ficaria o quadro, pois não é demais lembrar que no antigo Catecismo
Romano a idade da razão era atingida aos 7 (sete) anos, e a partir desse marco a criança
poderia inclusive cometer um pecado tido como “mortal” (Catecismo da Igreja Católica,
2000, n° 1.307, p. 361). Ou seja, se bastasse o discernimento poder-se-ia sustentar que a
criança com sete anos de 7 seria possível imputar a prática de um crime, processá-la e julgá-la
consoante as disposições do Código Penal e Código de Processo Penal.
Ocorre que, consoante já se anotou neste trabalho, só é possível falar-se na
imputabilidade quando a pessoa tem capacidade de compreender a ilicitude de sua
conduta e de agir de acordo com esse entendimento. Logo, a conduta só poderá ser tida
como reprovável se o seu autor possuir “certo grau de capacidade psíquica que lhe permita
compreender a antijuricidade do fato e também a de adequar essa conduta a sua consciência.
Quem não tem essa capacidade de entendimento e de determinação é inimputável,
eliminando-se a culpabilidade”, nas palavras do professor Julio Fabbrini Mirabete (2003, p.
217).
Será que é possível afirmar com a necessária segurança que o adolescente tem
maturidade suficiente para não somente entender o caráter ilícito de sua conduta, mas em
especial de determinar-se de acordo com esse entendimento? Sustentamos que não e, assim,
não se pode equipará-lo ao criminoso adulto, que já possui as capacidades de entendimento e
de determinação.
Assim, muito mais adequado é que o adolescente infrator seja trabalhado com
eficiência para beneficiá-lo com os processos pedagógicos indicados no ECA e, assim,
modificar-se em suas condutas.
Como bem assevera Saraiva (2007), a experiência dos Juizados da Infância e da
Juventude no Rio Grande do Sul comprovam que, quando são observadas com seriedade as
medidas previstas no ECA e aplicadas com responsabilidade, “diversos adolescentes,
internados por infrações gravíssimas, como homicídio e latrocínio, têm logrado efetiva
recuperação, após um período de internação”. Nota-se ainda, que, observada a
progressividade no cumprimento das medidas sócio-educativas, os menores infratores “têm
passado da privação total de liberdade à semi-liberdade e à liberdade assistida. Muitos passam
algum tempo prestando serviços à comunidade, numa forma de demonstrar a si próprios e à
sociedade que são capazes de atos construtivos e reparadores”.
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4. “Mapa mundi” da maioridade penal

Como são punidos os praticantes de crimes em outros países? Quando o ser humano é
considerado penalmente responsável?
A maioridade penal aos 18 anos predomina na maioria dos países. Todavia, há Estados
que reduziram essa idade, conforme observa Júlio Fabbrini Mirabete:
Esse mesmo limite de idade (18 anos) para a imputabilidade penal é
consagrado na maioria dos países (Áustria, Dinamarca, Finlândia, França,
Colômbia, México, Peru, Uruguai, Equador, Tailândia, Noruega, Holanda,
Cuba, Venezuela, etc). Entretanto, em alguns países podem ser considerados
imputáveis jovens de menor idade, como 17 anos (Grécia, Nova Zelândia,
Federação Malásia); 16 anos (Argentina, Birmânia, Filipinas, Espanha,
Bélgica, Israel); 15 anos (Índia, Honduras, Egito, Síria, Paraguai, Iraque,
Guatemala, Líbano); 14 anos (Alemanha, Haiti); 10 anos (Inglaterra)”
(MIRABETE, 2003, p. 216 - negritos nossos)

Tem-se ainda: 11 anos (Turquia e alguns estados do México), 10 anos (Ucrânia e


Nepal), 9 anos (Etiópia), 8 anos (Escócia, Quênia e Indonésia), 7 anos (Paquistão,
Bangladesh, África do Sul, Nigéria, Sudão, Tanzânia).
Na Suécia qualquer pessoa pode responder por conduta criminosa a partir dos 15 anos
de idade. Todavia, muito raramente um menor de 18 anos é preso, e quando a privação de
liberdade faz-se necessária o cumprimento ocorre em instituições especiais destinadas a
adolescentes.
Nos Estados Unidos da América a idade para a maioridade penal varia de Estado para
Estado. Na maioria deles não há idade fixa e o juiz decide de acordo em cada caso concreto se
o jovem será julgado como adulto. Mas em alguns, como Califórnia, Arkansas e Wyoming, a
idade de imputabilidade penal está fixada em 21 anos.
Na Inglaterra, a partir dos 10 anos, o juiz decide a pena de acordo considerando a
gravidade do crime e o acusado pode ser julgado e condenado como adulto, mas cumpre pena
tão-somente em instituições especiais.
A idade mínima para punição entre os franceses é 13 anos, mas só entre 16 a 18 anos o
infrator pode ser preso, em instituições especiais. Não há limite para as penas; todavia, são
menores do que as cominadas aos adultos.
Na Polônia, quando se trata de crimes de mais elevada gravidade, como homicídio ou
estupro, dos 16 aos 18 anos o juiz decide se o praticante do delito será julgado como adulto ou
como menor não imputável.
Como se observa desses dados, em alguns países a legislação é mais rígida em relação
aos menores de 18 anos que cometem crimes. Nos EUA, por exemplo, há mais de 200 mil
adolescentes presos por terem sido julgados e condenados como adultos. Também na
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Inglaterra a lei é mais dura, porém há movimentos populares pleiteando seja suavizado o
tratamento legal aos menores praticantes de condutas criminosas.
E, para uma melhor análise do problema, em face das propostas de diminuição da
maioridade penal no Brasil, convém lembrar na Espanha e ha Alemanha houve a redução
dessa idade para 16; porém, constatada a ineficácia da medida, alguns anos depois nos dois
países a imputabilidade penal retornou aos 18 anos. Na Alemanha, atualmente, a legislação é
até mais branda, pois se o autor do crime contar entre 18 e 21 anos de idade o juiz pode
decidir pela aplicação do código juvenil, mais leve, ou pelo julgamento consoante a legislação
aplicada aos adultos.
No Brasil, entre 12 e 18 anos, o autor de delitos fixa sujeito a medidas sócio-
educativas e pode, inclusive, sofrer restrição de sua liberdade em instituições próprias para
adolescentes (correspondente ao regime fechado dos adultos) por tempo máximo de 3 anos.
Em seguida, o juiz pode determinar sua colocação numa instituição de semi-liberdade
(correspondente ao regime semi-aberto dos adultos) por mais 3 anos.

5. Estatísticas a respeito de crimes praticados por menores de 18 anos no


Brasil
Conforme o registro de Cláudio Augusto Vieira da Silva (CONANDA, 2001, p. 14),
dos crimes praticados no Brasil tão-somente 10% são cometidos por adolescentes infratores, e
do total de crimes que cometem 90% são contra o patrimônio.
Na interessante obra “Desconstruindo o mito da impunidade: um ensaio de direito
(penal) juvenil” (2002, p. 35), o Magistrado gaúcho João Batista Costa Saraiva observa ainda
que os delitos graves como homicídios, latrocínios e estupros constituem 19% das condutas
criminosas dos adolescentes infratores, ou seja, menos de 2% dos delitos, considerando-se
que só 10% de todos os crimes são cometidos por adolescentes.
O mais comum ato infracional praticado por menores de 18 anos relaciona-se ao
patrimônio. Homicídios, latrocínios e estupros ocorrem, porém, como visto no parágrafo
anterior, em porcentual bem pequeno dentro do quadro da criminalidade juvenil. Até por isso,
os meios de comunicação colocam como manchetes os crimes com violência cometidos por
adolescente (SARAIVA, ibidem, p. 37).
Os dados do “Instituto Latino-Americano das Nações Unidas para Prevenção e
Tratamento de Delinqüente” - ILANUD - não diferem muito dos acima vistos:
Estudos já feitos pelo Ilanud (Instituto Latino Americano das Nações Unidas
para prevenção do delito e tratamento do delinqüente) mostraram que os
crimes graves atribuídos a adolescentes no Brasil não ultrapassam 10% do
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total de infrações. A grande maioria (mais de 70%) dos atos infracionais é


contra o patrimônio, demonstrando que os casos de adolescentes infratores
considerados de alta periculosidade e autores de homicídios são minoritários
e o ECA já prevê tratamento específico para eles (ALVES, 2007).

De fato, na pesquisa realizada pelo referido instituto entre junho de 2000 e abril de
2001 com 2.100 adolescentes acusados da prática de ato infracional na Capital de São Paulo,
apenas 1,4% eram acusados da prática de homicídio. Os índices oficiais da Coordenadoria de
Análise e Planejamento da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo – CAP – revelam
que no período de janeiro a outubro de 2003 os menores de 18 anos foram autores de apenas
0,97% dos homicídios dolosos em todo o Estado de São Paulo. (Fonte:
http://www.risolidaria.org.br/estatis/view_grafico.jsp?id=200406080001).
Esses dados estatísticos mostram que é equivocada a idéia da redução da idade penal
como estratégia para reduzir a criminalidade violenta, pois são cometidos por menores
infratores menos de 2% de delitos que têm essa natureza e seriam atingidos por eventual
alteração no artigo 228 da Constituição Federal e artigo 27 do Código Penal. Uma reflexão
não apaixonada e mais racional das pesquisas atrás anotadas leva à conclusão de que 98% dos
crimes de mais elevada gravidade são cometidos por pessoas que contam mais de 18 anos de
idade e que recebem o tratamento previsto no Código Penal e Leis Penais Especiais.

6. Motivos para as práticas infracionais.


Por que os menores inimputáveis praticam infrações?
A esse respeito foi realizada interessante pesquisa no Estado de Santa Catarina,
abordada por Henriqueta Scharf Vieira (1999, p. 48). São vários os motivos, dentre os quais a
influência de amigos, o uso de substâncias entorpecentes, a evasão escolar e a pobreza:
Verifica--se que a influência de amigos, o uso de drogas e a pobreza são as
razões principais para a prática delituosa e se equilibram em termos
numéricos [...] As respostas demonstram a fragilidade do adolescente à
influência de terceiros e a íntima relação do ato infracional com o uso de
drogas. No Brasil, além das causas mencionadas, outra grande causa da
delinqüência juvenil é a falta de instrução e a evasão escolar, uma vez que
sem estar estudando, o adolescente acaba ocioso e mais propenso a praticar
atos infracionais.

Mário Volpi (1999, pp. 56-57) confirma o último dado ao asseverar que a grande
maioria dos adolescentes pesquisados - 96,6% - não concluiu o ensino fundamental. A
porcentagem de analfabetos é de 15,4% e dos 4.245 adolescentes sujeitos dessa pesquisa,
2.498 - 61,2%, portanto - não freqüentavam a escola por ocasião da prática do ato infracional.
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Assim pode-se sintetizar os motivos em: influência de amigos, uso de entorpecentes,


pobreza, falta de instrução educacional e evasão escolar.
Esse é um dado de relevância para se discutir a questão da criminalidade dos que
contam menos de 18 anos. Sabendo-se a respeito dos motivos das práticas de infrações por
menores, o melhor caminho para redução dos índices dessa criminalidade é enfrentá-los e não,
simplesmente, reduzir a maioridade penal.

7. Penas X medidas sócio-educativas aplicáveis aos menores

O Estatuto da Criança e do Adolescente - Lei federal n° 8.089, de 13 de julho de 1990


- considera criança “a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre
doze e dezoito anos de idade” (artigo 2°, “caput”).
Esse estatuto prevê a aplicação de medidas de proteção, destinadas a crianças e
adolescentes que tenham direitos reconhecidos ameaçados ou violados, bem como à criança
infratora, ou seja, aquela que com idade inferior a 12 anos e que comete conduta prevista
como crime ou contravenção penal. São elencadas no artigo 101.
As medidas sócio-educativas são aplicáveis aos adolescentes infratores, vale dizer,
aqueles que estão na faixa dos 12 aos 18 anos e que cometem crimes ou contravenções penais.
O artigo 112 as elenca. Observa-se, pois, que por meio dessas medidas os adolescentes são
punidos penalmente, num sistema que bem pode ser tido como “Direito Penal Juvenil”. Nesse
sentido:
Não se pode ignorar que o Estatuto da Criança e do Adolescente instituiu no
país um sistema que pode ser definido como de Direito Penal Juvenil.
Estabelece um mecanismo de sancionamento, de caráter pedagógico em sua
concepção e conteúdo, mas evidentemente retributivo em sua forma,
articulado sob o fundamento do garantismo penal de todos os princípios
norteadores do sistema penal enquanto instrumento de cidadania, fundado
nos princípios do Direito Penal Mínimo (SARAIVA, 2002, p. 45).

Na aplicação dessas medidas sócio-educativas o juiz considera as características da


infração penal cometida pelo adolescente, as circunstâncias familiares, bem como a
disponibilidade de programas específicos para ser ele atendido, visando à reeducação e à
ressocialização. Também é considerado o denominado princípio da imediatidade, vale dizer, a
aplicação da medida logo após a prática do ato (VOLPI, 1999, p. 42).
Consoante o sistema adotado no ECA as medidas sócio-educativas não devem ser
aplicadas isoladamente, sem que se considere as circunstâncias sociais, políticas e econômicas
em que está envolvido o menor infrator. Ademais, é necessário que o Estado tenha políticas
públicas voltadas às crianças e adolescentes, pois limitar-se à aplicação das medidas previstas
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contraria a finalidade de reeducação e ressocialização, além do caráter retributivo que lhe são
inerentes.
O artigo 112 do ECA prevê as seguintes medidas: advertência, obrigação de reparar o
dano, prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, inserção em regime de semi-
liberdade, internação em estabelecimento educacional e qualquer uma das previstas no artigo
101, I a VI.
Quanto à reparação do dano, medida altamente pedagógica, nota-se que raramente é
aplicada. Henriqueta Sharf Vieira, a esse respeito, anota quanto à pesquisa realizada em Santa
Catarina:
A medida sócio-educativa de obrigação de reparar o dano, embora
simples, de fácil aplicação e bastante pedagógica, não foi muito usada
nas Comarcas pesquisadas. [...] Tal fato reflete, talvez, um certo
esquecimento por parte de Promotores de Justiça e Juízes da Infância
e Juventude dos benefícios desta, ressalvada, é claro, a possibilidade
do adolescente em compensar o prejuízo causado (VIEIRA, 1999, p.
59).

A prestação de serviços à comunidade “consiste na realização de tarefas gratuitas de


interesse geral, por período não excedente a 6 (seis) meses, junto a entidades assistenciais,
hospitais, escolas e outros estabelecimentos congêneres, bem como em programas
comunitários ou governamentais” (artigo 117 do ECA). É a medida mais aplicada nas Varas
da Infância e Juventude, pois possibilita aos adolescentes a reeducação sem a necessidade da
infrutífera privação de liberdade.
Outra medida prevista é a liberdade assistida que tem “o fim de acompanhar, auxiliar e
orientar o adolescente” (artigo 118 do ECA). Tem como objetivo a (re) integração familiar e
comunitária. É executada com o apoio de assistentes sociais e técnicos especializados
(VOLPI, 2002, p. 24). Deve-se observar que a liberdade assistida não atinge suas finalidades
sem a existência de programas específicos voltados ao necessário acompanhamento, auxílio e
orientação ao adolescente.
A semiliberdade “pode ser determinada desde o início ou como forma de transição
para o meio aberto, possibilitada a realização de atividades externas, independentemente de
autorização judicial”, consoante dispõe o artigo 120 do ECA.
Quando aplicada, o adolescente não sofre a total restrição à liberdade de locomoção,
pois ele trabalha e estuda durante o dia e recolhe-se em entidade específica durante a noite.
Pode ser a forma inicial de sanção ao adolescente, aplicada pelo juiz depois de apurada a
prática infracional, ou pode ser concedida como benefício de alteração de regime, de
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internação para a semiliberdade, como a progressão do regime fechado para o semi-aberto


prevista no artigo 33 do Código Penal aos praticantes de crimes maiores de 18 anos.
O problema mais sério em relação a essa medida de semiliberdade é a omissão do
poder público em construir unidades especiais para abrigar os adolescentes no período
noturno e para aplicar as medidas pedagógicas durante o dia (VOLPI, 2002, p. 26).
A internação consiste na privação de liberdade do adolescente infrator e fica “sujeita
aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em
desenvolvimento”, consoante prevê o artigo 121 do ECA.
O tempo mínimo de internação é de 6 (seis) meses e máximo, de 3 (três) anos (artigo
citado, §§ 2° e 3°), após o qual “o adolescente deverá ser liberado, colocado em regime de
semiliberdade ou de liberdade assistida”, conforme a dicção do § 4° do mesmo artigo.
Esse dado, relativo ao tempo de internação, é relevante para a discussão da
necessidade da redução da maioridade penal. Conforme dispõe o artigo 112 da Lei das
Execuções Penais (Lei n° 7.210/84) o criminoso adulto cumpre a pena progressivamente e
pode ser transferido para o regime de menor rigidez depois de descontar 1/6 da reprimenda.
Um simples raciocínio leva ao seguinte resultado: para um criminoso adulto cumprir 3
(três) anos no regime fechado, ao qual corresponde a medida de internação, sua pena de
reclusão não pode ser inferior a 18 (dezoito) anos.
Ora, muito raramente o maior de 18 anos, praticante de um delito, recebe pena nesse
quantum. A título de exemplo pode-se citar o praticante de roubo com emprego de arma de
fogo, pois em regra sua pena é aplicada em 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses de reclusão.
Também pode ser lembrada a pena ao maior que pratica estupro com violência presumida,
que pode ter como vítima mulher com até de 14 anos, delito que os Tribunais pátrios vêem
entendendo como não hediondo. A pena, em regra, é fixada em 6 (seis) anos de reclusão.
Nesses dois exemplos, em tese é possível a determinação do regime inicial semi-aberto para o
cumprimento da privação de liberdade (regime que corresponde à semiliberdade aplicável aos
adolescentes infratores), e mesmo que na condenação seja fixado o regime inicial fechado,
depois de cumprir menos de um ano da reclusão no primeiro exemplo e um ano no segundo, o
sentenciado já preencherá o requisito objetivo/temporal para ser progredido ao regime de
semiliberdade.
Vale dizer, comparando-se os dois sistemas de punição constata-se que, concreta e
efetivamente, o menor infrator é mais severamente apenado do que o maior praticante
da mesma espécie de crime, que geralmente é condenado à pena inferior a 18 anos de
reclusão e, pois, poderá ficar detido no regime fechado menos de 3 (três) anos - 1/6 da pena
13

conforme o artigo 112 da LEP, enquanto o menor poderá cumprir até 3 (três) anos de medida
de internação - a que corresponde o regime fechado.
Ou seja, é falaciosa a argumentação fundada na alegada impunidade do menor infrator
que, na prática, fica em regime fechado (internação) por tempo superior aquele a que se
submete o maior que comete a mesma espécie de crime.
E, quanto à idade máxima para o menor cumprir a medida de internação, recentemente
o Supremo Tribunal Federal entendeu que o prazo máximo é de 3 (três) anos e que é possível
sua transferência para o regime de semiliberdade, que pode perdurar até a liberação
compulsória aos 21 anos. Para conferir:

Medida Sócio-Educativa de Liberdade e Maioridade. A Turma denegou


habeas corpus em que se pretendia a extinção de medida sócio-educativa
de semiliberdade imposta ao paciente, sob a alegação de que, abstraída
a internação, cuja duração tem como limite os 21 anos de idade, a
medida sócio-educativa de liberdade não poderia ir além da maioridade
penal — 18 anos, sob pena de afronta ao princípio da reserva legal
estrita. Entendeu-se que, em razão de o Estatuto da Criança e do
Adolescente - ECA não cominar abstratamente limite máximo de
duração da medida sócio-educativa de semiliberdade (art. 120, § 2º) —
com exceção do disposto no art. 121, § 3º e no art. 122, § 1º, quanto ao
prazo máximo de internação —, independentemente de o adolescente
atingir a maioridade civil, a medida de semiliberdade, assim como se dá
no caso da internação, tem como limite temporal a data em que o
adolescente completa 21 anos (art. 121, § 5º). Asseverou-se, no ponto,
que, no caso de imposição de medida de internação, atingido o período
máximo de 3 anos (art. 121, § 3º), o adolescente poderá ser transferido
para o regime de semiliberdade, que pode perdurar até a liberação
compulsória aos 21 anos. Considerou-se que a projeção da medida
sócio-educativa de semiliberdade para além dos 18 anos decorre da
remissão às disposições legais atinentes à internação. Ressaltou-se,
ademais, não existir no ECA norma expressa no sentido da extinção da
medida sócio-educativa de semiliberdade quando adolescente completa
18 anos. Salientou-se, por fim, que a aplicação dessa medida para além
dos 18 anos decorre de texto normativo expresso, tendo em conta,
principalmente, o fato de o legislador, no que se refere às medidas sócio-
educativas (ECA, artigos 112 a 121), ter disciplinado de forma idêntica
apenas as restritivas de liberdade (semiliberdade e internação). (STF,
Segunda Turma, HC 90.248/RJ, relator o eminente Ministro Eros Grau,
j. em 13.3.2007 - Informativo 459 do STF - março de 2007).

Medida Sócio-Educativa e Advento da Maioridade. A Turma, por


maioria, indeferiu habeas corpus em que se pleiteava a extinção da
medida sócio-educativa de semiliberdade aplicada ao paciente que,
durante seu cumprimento, atingira a maioridade penal. No caso, o
paciente fora condenado ao cumprimento de internação por ofensa aos
artigos 12 e 14 da Lei 6.368/76 e ao art. 16 da Lei 10.826/2003 e
progredira para a semiliberdade, regime no qual completara 18 anos.
Alegava-se, na espécie, que o paciente não estaria mais sujeito às
normas do Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA, por ter
atingido a maioridade penal. Sustentava-se, com base no art. 121, § 5º,
do ECA (“§ 5º - A liberação será compulsória aos 21 (vinte e um) anos
14

de idade.”), que não poderia ser imposta medida sócio-educativa aos


maiores de 18 anos, salvo na hipótese de prosseguimento da internação.
Inicialmente, ressaltou-se que a incidência do ECA dependerá da idade
do agente no momento do fato e que o princípio da legalidade estrita
não se aplica às medidas sócio-educativas, por não serem, tecnicamente,
penas. Aduziu-se, também, que a medida de semiliberdade não
comporta prazo determinado, aplicando-se, no que couber, as
disposições relativas à internação, e que não poderá ter duração
superior a 3 anos, implicando liberação compulsória quando o sócio-
educando atingir a idade de 21 anos. Nesse sentido, asseverou-se que o
ECA possui objetivos, estrutura e sistemática distintos do Código Penal
e visa preservar a dignidade do menor infrator, protegendo-o dos
rigores das sanções de natureza penal, e promover a sua reinserção no
convívio social. Assim, em observância ao que prevê o art. 121 do ECA,
bem como aos princípios da brevidade, excepcionalidade e respeito à
condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, que regem o instituto
da internação, entendeu-se correta a manutenção do paciente no regime
de semiliberdade, ainda que já tenha completado 18 anos. Vencido o
Min. Marco Aurélio que deferia o writ por vislumbrar no art. 121, § 5º
do ECA dispositivo consentâneo com Código Civil vigente à época em
que editado o ECA, vindo a referência aos 21 anos de idade ser re-
vogada com o advento do novo Código Civil, que reduziu a maioridade
civil. (STF., Primeira Turma, HC 90.129/RJ, relator o eminente
Ministro Ricardo Lewandowski, j. em 10.4.2007. STF - informativo 462
- abril de 2007).

No mesmo sentido, também do STF: HC 91.276 e HC 91.490, ambos julgados em 05


de junho de 2007 pela Segunda Turma.
Como se vê, é falsa a idéia de que o menor infrator fica na impunidade.
Também não pode ser aceito o argumento de que a redução da maioridade penal é
necessária uma vez que tem se tornado comum os criminosos maiores se servirem de menores
para as práticas delitivas.
Ora, é entendimento quase unânime entre os penalistas, os filósofos, os psicólogos e os
sociólogos que a pena privativa de liberdade está falida, não (res) socializa e nem exerce
função pedagógica. Essa constatação não ocorre apenas no Brasil. Como bem lembrou o
Desembargador do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Dr. Amilton Bueno de
Carvalho, em palestra ministrada no Congresso Nacional “Arautos do Direito” (Marília -
agosto de 2007), na Suécia, os presídios têm boa estrutura e o grau de reincidência é de 70%;
na Inglaterra, é de 69%, e no presídio Bangu I, o índice é de 70%. “Os que pretendem cometer
um crime, não vão deixar de fazê-lo com medo da pena” (CARVALHO, 2007).
Esse quadro leva à constatação de que os defensores da redução da menoridade penal
tencionam estender aos menores utilizados por maiores em práticas criminosas o mesmo
sistema que não o atinge (ao maior mandante).
15

Outro dado de interesse refere-se ao tempo de prestação jurisdicional, ou seja, a


resposta da justiça à coletividade em face do crime cometido. Não raras vezes, enquanto o co-
autor adolescente foi privado de sua liberdade, julgado e sentenciado, já em cumprimento da
medida imposta pelo Juízo da Infância e da Juventude, em relação ao maior praticante do
mesmo crime o processo sequer foi concluído e, por excesso de prazo, não é incomum esse
maior estar em liberdade.
A título de exemplo pode-se anotar gravíssimo crime do qual resultou a morte de João
Hélio Fernandes Vieites, no Rio de Janeiro: o menor E. foi julgado e condenado em 22 de
março de 2007 (cerca de um mês e meio após os fatos) pela Justiça da Infância e Juventude.
E, decorridos muitos meses, ainda não se tem notícia de condenações dos maiores co-autores.
Como se verifica na prática, a resposta da Justiça a coletividade nos casos de crimes
cometidos por menores tem sido muito mais rápida e eficaz. E, se a certeza da pena é tida
como um dos fatores de prevenção, pode-se dizer que essa certeza está mais presente em
relação aos menores do que aos maiores de 18 anos.

8. A “Justiça Instantânea” em Porto Alegre


Quando se reflete a respeito da eficácia e eficiência nas ações do poder público em
relação às infrações cometidas por menores não se pode deixar de lembrar o projeto
desenvolvido pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, denominado “Justiça
Instantânea”, que foi criada pela resolução nº 171/96-CM. Trata-se de um centro de
atendimento que iniciou suas atividades em 08 de maio de 1996, no qual a Polícia, o
Ministério Público, a Defensoria e o Judiciário atuam de forma integrada, no mesmo imóvel,
possibilitando a decisão quase que imediata nos casos de flagrância levados pela polícia civil
ou militar. Em relação às apurações que se iniciam por notitia criminis, ainda que sem a
mesma excelência, observa-se bom nível de eficácia.
Esse modelo está em conformidade com a dicção do artigo 88, inciso V, do Estatuto
da Criança e do Adolescentes: uma das diretrizes da política de atendimento ao adolescente
infrator é “a integração operacional de órgãos do Judiciário, Ministério Público, Defensoria,
Segurança Pública e Assistência Social, preferencialmente em um mesmo local, para efeito de
agilização do atendimento inicial a adolescente a quem se atribua autoria de um ato
infracional” (grifos nossos).

O Juiz da Infância e da Juventude do Rio Grande do Sul, José Antônio Daltoé Cezar
(2007), noticia que no caso de flagrante delito o adolescente é encaminhado à Delegacia que,
constatando a prática do crime, imediatamente comunica os pais ou os responsáveis pelo
infrator e os chama para lá comparecerem. Assim, acompanharão todos os atos do
procedimento até o seu final. Em seguida o menor é encaminhado ao Ministério Público que,
16

após ouvi-lo, o encaminha à Justiça Instantânea. O representante do Parquet propõe a


remissão - com ou sem aplicação de medida sócio-educativa - ou oferece a representação que
pode incluir o pleito de internação provisória. A audiência se realiza desde logo, na presença
do defensor. O menor é ouvido e se o Órgão do Ministério Público fez a proposta de
remissão, ela pode ser homologada, se aceita, com a imediata aplicação da medida sócio-
educativa indicada. Ademais, o Juiz pode desde logo. Se houve a representação da Promotoria
de Justiça com o pleito de internação provisória, esse é julgado e em seguida o processo é
distribuído a uma das Varas da Infância e da Juventude de Porto Alegre. Ao Magistrado
também é possível desde logo conceder a remissão e aplicar a medida cabível, declarando
extinto o processo de conhecimento, nos termos da previsão contida no artigo 186, § 1°, do
ECA.

Ainda no mesmo artigo “Projeto Justiça Instantânea”, conforme anota o Juiz


articulista, nos casos de flagrante, em regra, toda a investigação precedente ao processo, a
instrução e a aplicação de medida sócio-educativa se fazem de forma imediata - excepcionada
a situação em que há internação provisória ou expectativa de privação de liberdade, em que o
contraditório se efetiva de outra forma -, “quase que 100% dos casos são resolvidos no
mesmo dia ou, não sendo isso possível, em um prazo não superior a 48horas”. E, na
grande maioria dos atos infracionais os procedimentos são iniciados e terminam na Justiça
Instantânea, noticiando-se que “no ano de 2003 foram 78,80%” (negritamos).

Conforme assegura o Juiz da Infância e Juventude no Rio Grande do Sul, João Batista
Costa Saraiva (2007), no artigo “A idade e as razões: não ao rebaixamento da imputabilidade
penal”, o resultado desse modelo, em Porto Alegre, é a redução da reincidência e também a
mudança no perfil dos menores infratores, constatando-se que muitos adolescentes da classe
média são levados a juízo, o que raramente se verificava antes da implantação da “Justiça
Instantânea”. Esse dado enfatiza outro aspecto muito positivo para qualquer área da justiça:
com esse modelo em comento não se pode dizer que a justiça só existe para os pobres.

9. A falência do sistema penitenciário como argumento


Como já observado anteriormente, neste trabalho, agentes do direito, sociólogos,
assistentes sociais, psicólogos, psiquiatras e filósofos, quase que a uma só voz sustentam que
a pena privativa de liberdade está falida, pois não recupera, nem ressocializa e também não se
presta à prevenção. De fato, quem comete um crime não reflete, naquele momento, a respeito
da pena prevista no Código Penal ou na Lei Penal Especial.
Sobre a situação penitenciária brasileira merece transcrição o posicionamento do
eminente Ministro José Celso de Mello Filho, do Supremo Tribunal Federal:
17

A organização penitenciária brasileira é um instrumento de degradante


ofensa às pessoas sentenciadas. O condenado é exposto a penas que não
estão no Código Penal, geradas pela promiscuidade e pela violência. O
sistema penitenciário subverte as funções da pena. Assim, dexa de
cumprir sua meta básica, que é a de ressocialização (MELLO FILHO,
1997).

Não obstante as propostas para a redução da maioridade penal contem com forte apoio
popular, há outra séria preocupação se qualquer delas foi acolhida: se os presídios são tidos
como faculdades do crime, colocar neles os adolescentes infratores, em companhia de adultos,
redundaria na rápida integração desses menores nos grupos de organizações criminosas. E
convém lembrar que os dois grupos que atualmente mais amedrontam o Rio de Janeiro e São
Paulo (“Comando Vermelho” e “PCC”) nasceram justamente dentro dos nossos presídios.
A isso se acrescente o significativo déficit de vagas no sistema penitenciário pátrio. É
de todos conhecida a realidade que mostra a existência de milhares de mandados de prisão
para serem executados, mas não há muito esforço nesse cumprimento, inclusive por falta de
vagas nos presídios. Diante desse quadro, sem que o Estado tenha condições de efetivar
prisões de maiores delinqüentes, com que autoridade poderia reduzir a maioridade penal,
sabendo-se que essa medida não concorreria para a redução da criminalidade violenta?
É insensato sustentar a falência do nosso sistema prisional e nele querer inserir os
menores de 18 anos. Se isso ocorresse, dentro de alguns anos, qual seria a situação brasileira
em relação à criminalidade? Que resultados a sociedade colheria do envolvimento e
convivência dos menores de 18 anos com integrantes dos grupos organizados que se formam
dentro dos estabelecimentos penitenciários?
A propósito, para resgatar um importante pedaço da história do direito no Brasil, não é
demais registrar que em sua obra “Direito Penal da Emoção” (1992), Maria Auxiliadora
Minahin lembra que é necessário defender a conquista da inimputabilidade dos menores de 18
anos e ao fazê-lo cita o Ex-Ministro do Supremo Tribunal Federal, Bento Faria que, ao
comentar o artigo 30 do Código Penal de 1890, que fixava a inimputabilidade dos jovens até
14 anos, relata várias decisões dos tribunais, determinando a soltura de menores recolhidos
em prisões de adultos por falta de instituições adequadas. Essa observação leva à indagação:
depois de aproximadamente 117 anos, tempo em que houve inquestionáveis conquistas
humanitárias no Brasil, é razoável o retrocesso que significaria a redução da maioridade
penal?

CONCLUSÃO
18

A maioria da população brasileira, talvez sem mais aprofundada reflexão e muito mais
em decorrência dos clamores veiculados nos meios de comunicação, nas pesquisas tem se
manifestado a favor da redução da maioridade penal. Fazem-no porque induzidos na crença
de que esta medida poderia devolver a paz social que todos desejam e seria a mágica solução
para o gravíssimo problema da segurança pública no Brasil. Essas premissas constituem grave
equívoco, como esperamos ter contribuído para entendê-lo.
A questão, nos debates, sempre fica centrada na redução da maioridade penal e no
aumento do prazo de internação dos menores infratores. Todavia, há um outro ponto
importante a ser debatido: é o da recuperação de menores infratores, essa sim, uma medida
que concorrerá para a redução da criminalidade e violência, além da coragem para admitir que
a miséria e a falta de educação são as maiores razões das condutas ilícitas dos adolescentes.
Assim, em vez de redução da maioridade penal impõe-se a adoção de uma séria
política de segurança pública, que se mostre ágil, integrada e suficientemente ampla, na qual
devem ser incorporados todos os aparelhos do Estado e de suas instituições, sendo
indispensável o envolvimento dos vários setores da sociedade: empresários, organizações não
governamentais, igrejas, associações, etc.
A idéia da redução da maioridade penal é “saída” muito fácil para os legisladores e
administradores públicos. A sociedade cobra e o legislativo atua, popularescamente,
aprovando a medida “desejada”. Assim, as vozes que clamavam voltam ao silêncio como se o
grave problema da criminalidade violenta estivesse resolvida.
Se adotada, inquestionavelmente o problema continuará presente, em face de suas
causas que não são combatidas com seriedade. Em conseqüência, num futuro breve poderá
surgir outra proposta de redução da idade para a imputabilidade penal, quem sabe a 12 (doze)
anos, e mais adiante para 10 (dez). Quem sabe não chegará o dia em que alguns justifiquem a
punição de nascituros, especialmente se pobres suas genitoras.
Nos momentos de crises decorrentes de acontecimentos que marcam mais
profundamente a coletividade exige-se o exercício de maior ponderação, até porque já se sabe
entre nós que medidas paliativas não são eficazes, o que se confirma com a denominada Lei
dos Crimes Hediondos, que não reduziu suas práticas.
Não podemos concordar com “soluções mágicas” que não concorrem para o
enfrentamento de problemas, como o da criminalidade violenta. A proposta de redução da
maioridade penal se enquadra nesse rol de medidas que de nada valem para a sociedade.
Mais razoável é exigir que o Poder Público cumpra com as obrigações impostas no
Estatuto da Criança e do Adolescente, o que propiciará recuperação de menores infratores. E,
para crimes de extremada violência, como os dois lembrados no início deste trabalho, quem
19

sabe uma alteração na lei ordinária (ECA) para possibilitar o aumento do tempo máximo de
internação, independentemente de atingida a maioridade penal.

REFERÊNCIAS

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Especiais n. 44, edição: 19 de março a 17 de abril de 2007. Disponível em
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20

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