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TEMAS DO DESENVOLVIMENTO

ECONÔMICO BRASILEIRO
E SUAS ARTICULAÇÕES COM O
MATO GROSSO DO SUL
Lisandra Pereira Lamoso
ORGANIZADORA
Conselho editorial
Ana Claudia Santano: Doutora e Mestre em Ciên- Ligia Maria Silva Melo de Casimiro: Mestre em Di-
cias Jurídicas e Políticas pela Universidad de Sala- reito do Estado pela PUC/SP. Professora da Faculda-
manca, Espanha. Pós-doutoranda em Direito Públi- de Paraíso – FAP, em Juazeiro do Norte-CE, de gra-
co Econômico pela PUC/PR. Professora de diversos duação e pós graduação. Professora substituta da
cursos de pós-graduação no Brasil e exterior. Universidade Regional do Cariri – URCA, professora
Emerson Gabardo: Professor de Direito Adminis- colaboradora do Instituto Romeu Felipe Bacellar
trativo da Universidade Federal do Paraná. Pro- desde 2006, em Curitiba/PR.
fessor de Direito Econômico da Pontifícia Univer- Luiz Fernando Casagrande Pereira: Doutor e
sidade Católica do Paraná. Pós-doutor em Direito Mestre em Direito pela UFPR. Coordenador da pós-
Público Comparado pela Fordham University. graduação em Direito Eleitoral da Universidade Po-
Fernando Gama de Miranda Netto: Doutor em Di- sitivo. Autor de livros e artigos de processo civil e
reito pela UGF/RJ. Professor Adjunto de Direito Pro- direito eleitoral.
cessual da Universidade Federal Fluminense e mem- Rafael Santos de Oliveira: Doutor em Direito pela
bro do corpo permanente do Programa de Mestrado UFSC. Mestre e Graduado em Direito pela UFSM.
e Doutorado em Sociologia e Direito (UFF). Professor na graduação e pós-graduação em Direi-
to da UFSM. Coordenador do Curso de Direito da
UFSM. Editor da Revista Direitos Emergentes na So-
ciedade Global e da Revista Eletrônica do Curso de
Direito da UFSM.

Temas de desenvolvimento econômico brasileiro e


T278 suas articulações com o Mato Grosso do Sul /
organização de Lisandra Pereira Lamoso – Curitiba: Ithala, 2016.
324p.; 22,5 cm

ISBN 978-85-5544-XXX-X

1. Desenvolvimento econômico – Brasil. 2. Mato Grosso do Sul


– Desenvolvimento econômico. I. Lamoso, Lisandra Pereira (org.).

CDD 330 (22.ed)


CDU 33

Editora Íthala Ltda. Capa: Duilio David Scrok


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Bairro São João
Revisão: Vera Lucia Barbosa
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Informamos que é de inteira responsabilidade da autora a emissão de conceitos publicados na


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prévia autorização da Editora Íthala. A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na Lei nº
9.610/98 e punido pelo art. 184 do Código Penal.
Lisandra Pereira Lamoso
ORGANIZADORA

TEMAS DO DESENVOLVIMENTO
ECONÔMICO BRASILEIRO
E SUAS ARTICULAÇÕES COM O
MATO GROSSO DO SUL

EDITORA ÍTHALA
CURITIBA – 2016
AUTORES

LISANDRA PEREIRA LAMOSO (ORGANIZADORA)


Licenciada e Bacharel em Geografia pela Unesp de Presidente Prudente
(1990), Mestre em Geografia pela mesma instituição (1994) e Doutora em
Geografia (Geografia Humana) pela Universidade de São Paulo (2001). É
Professora na Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), com
atuação nos cursos de Graduação em Geografia, bacharelado em Relações
Internacionais e no Programa de Pós-graduação em Geografia. Líder do
Grupo de Estudos Sócio-econômico-ambiental de Mato Grosso do Sul.
Realizou estágio de pós-doutoramento no Programa de Pós-graduação
do Instituto de Geociências da Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ) em 2009. Bolsista de Produtividade em Pesquisa II do CNPq.
E-mail: lisandralamoso@ufgd.edu.br

ALESSANDRA DOS SANTOS JULIO


Mestre em geografia pela mesma instituição. Doutoranda em Geografia
no Programa de Pós-graduação em Geografia da Universidade Federal
de Santa Catarina (UFSC). Estágio sanduíche na Université de Montré-
al (Montréal, Canadá) em 2015.
E-mail: alessandrajulio@yahoo.com

CAIO CÉZAR PEDROLLO MACHADO


Graduado em Direito pela Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul
(2011). Advogado, professor em cursos de nível técnico e conselheiro admi-
nistrativo da INTERI Empresa Júnior de Relações Internacionais da Uni-
versidade Federal da Grande Dourados (UFGD). Graduando em Relações
Internacionais e Especialista em Gestão Pública na mesma Universidade.
E-mail: caiopedrollo@ufgd.edu.br
CARLOS JOSÉ ESPÍNDOLA
Doutorado em Geografia (Geografia Humana) pela Universidade de
São Paulo (2002). Pós doutorado na Universidade Autônoma de Bar-
celona (2010). É professor na Universidade Federal de Santa Catarina,
onde atua na graduação e pós-graduação em Geografia. Bolsista de Pro-
dutividade em Pesquisa II do CNPq.
E-mail: cje@cfh.ufsc.br

CARLOS MARTINS JR.


Doutorado em História Social pela Universidade de São Paulo (USP),
pós doutorado pela mesma instituição. Atua nos Programas de Pós
Graduação em História da Universidade Federal da Grande Dourados
e em Estudos Fronteiriços da Universidade Federal de Mato Grosso do
Sul, onde é professor do quadro permanente.
E-mail: martinscjr@gmail.com

CRISTOVÃO HENRIQUE RIBEIRO DA SILVA


Graduado e Mestre em Geografia pela Universidade Federal de Mato
Grosso do Sul – Campus de Três Lagoas (UFMS). Doutorando em Geo-
grafia pela Universidade Federal da Grande Dourados – UFGD (2013).
Professor Auxiliar no curso de Geografia (UFMS/CPTL).
E-mail: cristovaohenrique@yahoo.com.br

DORES CRISTINA GRECHI


Doutorado em Economia do Desenvolvimento Regional pela Uni-
versidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS (2011). Docente na
Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS), nos cursos de
graduação e Pós-Graduação em Turismo, no mestrado em Desenvolvi-
mento Regional e Sistemas Produtivos e na especialização em Gestão
Pública, modalidade EAD.
E-mail: cgrechi@uol.com.br
ELIANA LAMBERTI
Doutora em Economia do Desenvolvimento pela Universidade Federal
do Rio Grande do Sul (UFRGS). Docente na Universidade Estadual de
Mato Grosso do Sul.
E-mail: eliana@uems.br

HERMES MOREIRA JR.


Doutor em Relações Internacionais pelo Programa de Pós-Graduação
“San Tiago Dantas” – UNESP/PUC/UNICAMP.Professor Adjunto do
Curso de Relações Internacionais da Universidade Federal da Grande
Dourados (UFGD). Foi Chefe do Escritório de Assuntos Internacionais
e Pró-Reitor de Assuntos Comunitários e Estudantis da UFGD, na ges-
tão 2011-2015.
E-mail: hermesmoreira@ufgd.edu.br

JOSÉ GILBERTO DE SOUZA


Doutorado em Geografia Humana (1999) pela FFLCH da Universidade
de São Paulo. Livre Docência (2008) pela Faculdade de Ciências Agrá-
rias e Veterinárias FCAV-UNESP Câmpus de Jaboticabal. Pós-Douto-
rado na Universidad de Salamanca (2010-2011). Professor Adjunto do
Departamento de Geografia e do Programa de Pós-Graduação em Geo-
grafia do Instituto de Geociências e Ciências Exatas (IGCE) – Unesp –
Câmpus Rio Claro. Bolsista de Produtividade em Pesquisa II do CNPq.
E-mail: jgilbert@rc.unesp.br

MÁRCIO AUGUSTO SCHERMA


Doutorado em Relações Internacionais pelo Programa “San Tiago Dan-
tas” (Unesp, Unicamp e PUC-SP). Professor adjunto do curso de Relações
Internacionais da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD).
E-mail: marcioscherma@gmail.com.
MÁRCIO ROGÉRIO SILVEIRA
Doutor em Geografia pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mes-
quita Filho (UNESP), Campus de Presidente Prudente/SP. Professor
Adjunto do Departamento de Geociências da Universidade Federal de
Santa Catarina (UFSC) e do Programas de Pós-Graduação em Geogra-
fia da mesma instituição. É líder do Grupo de Estudos em Desenvolvi-
mento Regional e Infraestruturas (GEDRI) Bolsista de Produtividade
em Pesquisa II do CNPq.
E-mail: marcio.gedri@gmail.com

THAYNÁ NOGUEIRA GOMES


Licenciada em Geografia pela Universidade Federal de Mato Grosso do
Sul – Campus de Três Lagoas (UFMS). Mestranda em Geografia pelo
Programa de Pós-Graduação em Geografia da mesma instituição.
E-mail: thayna_nog@hotmail.com

TITO CARLOS MACHADO DE OLIVEIRA


Doutorado em Geografia (Geografia Humana) pela FFLCH da Universi-
dade de São Paulo (1994). professor Titular (aposentado) da Universidade
Federal de Mato Grosso do Sul, atuando no Mestrado em Estudos Frontei-
riços (MEF/CPAN/UFMS) e no Mestrado em Geografia (CPTL/UFMS).
E-mail:tito.ufms@gmail.com

VITOR HÉLIO PEREIRA DE SOUZA


Mestre (2013) pelo Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universi-
dade Estadual Paulista UNESP/FCT, Campus de Presidente Prudente com
estágio de Mestrado Sanduíche na Universidad de Buenos Aires (UBA).
Doutorando (2014-2018) do Programa de Pós-Graduação em Geografia da
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) com estágio de Doutorado
Sanduíche na Universitat Autònoma de Barcelona (UAB).
E-mail: vitorgedri@hotmail.com
APRESENTAÇÃO

Um sentimento misto de missão cumprida e ansiedade marca a


apresentação desta coletânea, por nós intitulada de “Temas do desen-
volvimento econômico brasileiro e suas articulações com o Mato Gros-
so do Sul”. A missão cumprida é o segundo momento de comemoração
na trajetória do fazer pesquisa. O primeiro é quando temos o projeto
contemplado pelos órgãos de fomento. Entre início e fim, a trajetória é
árdua e poderia ser mais prazerosa se as dificuldades impostas ao mo-
delo vigente de desenvolvimento dos trabalhos de investigação e refle-
xão fossem diferentes, estivessem melhor pavimentados. Mas a trilha
longa e tortuosa serve, também, para valorizar os resultados obtidos.

A pesquisa que, ora, é apresentada teve início no ano de 2011,


contou com auxílio financeiro do CNPq (Chamada: Universal 14/2012
– Faixa C) e da Fundect por meio do Edital Chamada FUNDECT/CNPq
nº 06/2011, envolvendo 23 pesquisadores entre coordenadores, pós-gra-
duandos e os auxiliares de pesquisa, bolsistas de Iniciação Científica, de
Mestrado e de Doutorado. Além das atividades típicas dos procedimen-
tos metodológicos, a equipe interagiu com a comunidade externa por
meio de atividades de extensão, na forma de evento acadêmico (Semana
Acadêmica de Relações Internacionais e Encontro Científico, realizado
na Faculdade de Direito e Relações Internacionais da Universidade Fe-
deral da Grande Dourados), bancas de defesa de trabalhos de conclusão
de curso, monografias de bacharelado, mestrado e doutorado, além de
um workshop, com a participação de pesquisadores convidados.

Os resultados que ora divulgamos, na forma de livro, são apenas


uma parte do que acumulamos durante o período de três anos de in-
tensos trabalhos. Outras discussões já foram apresentadas em eventos
e publicadas em periódicos de Geografia, Relações Internacionais, Eco-
nomia e áreas afins.
Neste livro, organizamos a discussão de forma a iniciar com
questões de ordem macro, que contextualizam a condição do Mato
Grosso do Sul e sua inserção internacional. O texto que abre o volume
é de Carlos José Espíndola, que pesquisa, orienta (e milita) na temática
há mais de vinte anos. Apresenta o texto “A dinâmica geoeconômica
do agronegócio brasileiro de carnes e soja” repleto de informações e
dados estatísticos para problematizar as afirmações simplistas de que o
aumento das exportações do agronegócio brasileiro se deve à expansão
da demanda chinesa. Essa afirmação é questionada pela apresentação
que Espíndola faz do processo de desenvolvimento da agropecuária
brasileira, com esforços privados e públicos (agências de pesquisa, no-
tadamente a participação da Embrapa) que resultaram na “introdução
de inovações nos processos de melhoramento genético, alimentação,
sanidade, novos sistemas de criação, novos sistemas de abates, novos
produtos.” Pesquisadores do Mato Grosso do Sul podem aproveitar as
informações sobre as características do mercado de aves e suínos, que
constitui uma atividade expressiva do agronegócio regional, além do
complexo soja .

Carlos Espíndola e José Gilberto de Souza foram os pesquisado-


res convidados para o colóquio do grupo de pesquisa e permaneceram,
durante três dias, em intensos debates com membros da equipe e de-
mais interessados. É de Gilberto, o segundo texto, “Local-global: terri-
tório, finanças e acumulação na agricultura”, cujo início explora uma
discussão sobre a questão da escala na relação entre os espaços, local e
global, e discute a (um tanto polêmica) proposta de David Harvey que
distingue a lógica territorial e a lógica do capital. Souza defende que as
determinações territoriais progressivas do capital são, simultaneamen-
te, “determinações progressivas da acumulação e se processam media-
das pelo Estado”. Segue com suas reflexões e citações a Chesnais, para
desembocar na interrogação: “Capital produtivo e capital financeiro na
agricultura: unidade do local-global?”. Trata-se de um texto denso na
discussão teórico-metodológica que, à medida que apresenta os autores,
dialoga e também se contrapõe a eles.
Na sequência, temos outras duas discussões que também respon-
dem aos objetivos específicos do projeto: a preocupação com a integra-
ção regional e a conjuntura econômica nacional. A integração regional
é discutida por Márcio Rogério Silveira e Vitor Hélio Pereira de Souza,
que relacionam a Iniciativa de Integração Regional Sul-americana ao
tema da fluidez, no texto “A IIRSA/COSIPLAN e suas implicações na
fluidez do território brasileiro”, apresentando informações atualizadas
sobre o projeto de escala regional e, ao mesmo tempo, situando o Mato
Grosso do Sul no âmbito dos investimentos em infraestrutura incluídos
nas obras do COSIPLAN. É central a reflexão sobre as implicações dos
investimentos em áreas selecionadas e a secundarização das que apre-
sentam menor interesse ao capital corporativo, retomando a necessária
discussão sobre as assimetrias regionais.

A conjuntura nacional comparece com o recorte da política in-


dustrial no texto de Caio Cézar Pedrollo Machado e Hermes Moreira Jr.
que se envolvem em outro desafio no texto “Desenvolvimento econômi-
co no Brasil contemporâneo: política industrial e inserção internacional
nos governos FHC e Lula”. Compreender as diferenças e os continuís-
mos entre dois governos de oitos cada um, continua mobilizando o de-
bate intelectual, que é concluído, pelos autores, com a constatação de
que “apesar de diferenças entre os governos na tentativa de promover a
indústria nacional e um novo modelo de desenvolvimento, o país não
conseguiu, de maneira efetiva, transformar sua pauta exportadora”.

A política industrial continua como tema relevante para um esta-


do que é conhecido pelo seu agronegócio, no texto de Cristovão Henri-
que Ribeiro da Silva e Thayná Nogueira Gomes, “Apontamentos sobre
a política de incentivos fiscais e a industrialização de Mato Grosso do
Sul”. A ênfase na industrialização é coerente com a linha desenvolvida
no projeto, que confere à indústria um papel protagonista no processo
de desenvolvimento econômico, em claro viés desenvolvimentista. O
mérito do texto está, entre outros, na cartografia de quatro setores ex-
pressivos da economia estadual, os alimentícios carnes e laticínios, se-
tor têxtil e de biocombustível. Os mapas apresentam dados atualizados
originais, por municípios, que permitem perceber a expansão de unida-
des industriais em uma época de reprimarização da pauta exportadora
na escala nacional.
Márcio Rogério Silveira e Alessandra dos Santos Julio trazem a
experiência acumulada no grupo de pesquisa Gedri (Grupo de Estudos
sobre Desenvolvimento Regional e Infraestrutura) para discutir o sis-
tema ferroviário no texto “O sistema ferroviário para além do mercado
externo: proposições à realidade brasileira e sul-mato-grossense”. Há,
como manda a construção de bons argumentos, farto conjunto de in-
formações sobre o transporte ferroviário de carga, com detalhes para o
estado de Mato Grosso do Sul, desde a primeira concessão da Ferrovia
Novoeste até a presença da Rumo Logística (Cosan e América Latina
Logística), em um necessário debate sobre o atendimento das deman-
das corporativas e a da intervenção, cada vez mais necessária, do Estado
no setor.
Tito Carlos Machado de Oliveira e Carlos Martins Jr. fazem algo
inovador, no texto “Estabilidade e articulação dos municípios do Mato
Grosso do Sul – proposições para uma sugestão metodológica”, resul-
tado da junção de um geógrafo e um historiador. Para a construção da
síntese apresentada na Tabela 4, que apresenta classificações de estável,
inconstante e instável para o conjunto dos municípios do estado, mui-
ta reflexão foi acumulada e, certamente, instigará os pesquisadores de
geografia e história regional, a um novo olhar sobre a divisão político
administrativa estadual pois, a ideia dos autores foi propor uma meto-
dologia que compreendesse os municípios em sua estrutura interna (di-
nâmica administrativa, com destaque para os componentes socioespa-
ciais) e externa, com base na circulação de mercadorias nas dimensões
regional, nacional e internacional.
Márcio Augusto Scherma também se dedica ao Mato Grosso do
Sul, no capítulo “As relações comerciais recentes do estado de Mato
Grosso do Sul com o Paraguai”. A análise parte de reflexões sobre a po-
lítica externa do Governo Lula e detalha as características da economia
paraguaia, sua relação com a balança comercial brasileira, com especial
destaque para a relação de comércio do país com o Mato Grosso do
Sul. Scherma confirma com dados que “quanto mais avança o modelo
baseado na exportação de commodities, é proporcionalmente menor o
papel do Paraguai como comprador de produtos sul-mato-grossenses”,
embora considere a possibilidade de incremento do comércio com o
país vizinho.
Dores Cristina Grechi e Eliana Lamberti finalizam a coletânea
com a discussão sobre o “O ambiente institucional da economia para-
guaia”, com análise da proposta institucionalista de Douglas North, um
suporte pouco usual nas pesquisas de Geografia, o que, por si, justifica
atenta leitura. Com as lentes de seu referencial teórico, o texto detalha
as características do Paraguai, reflete sobre o seu significado para o pro-
cesso de integração regional e reafirma a necessidade de uma reforma
institucional que possa encaminhar o modelo para o desenvolvimento
industrial e afastar-se da triangulação e do forte protagonismo que ain-
da exercem as vantagens comparativas naturais.
Não é possível finalizar esta apresentação sem fraternos agradeci-
mentos aos amigos e demais profissionais que participaram desse pro-
cesso. Ao colega Charlei Aparecido Silva, pela valiosa ajuda com nossos
mapas, já o isentando da responsabilidade por nossas imperfeições. Foi
mesmo valiosa, sua participação como membro da equipe.
Ao Carlos Espíndola, por ter atendido pedido para participar do
colóquio do grupo de pesquisa, compartilhando conosco sua vasta ex-
periência e empolgação.
Gilberto , cuja colaboração está além de sua participação no coló-
quio e na contribuição escrita e extrapola para os diálogos que manteve
com os alunos da pós-graduação em Geografia da UFGD.
Registro, também, a parceria importante que tenho com Márcio
Rogério Silveira, desde o ano de 2003, com nossa atividade no Grupo de
Estudos em Desenvolvimento Regional e Infraestruturas (GEDRI), que
ele coordena e que tem sido berçário de alunos produtivos e comprome-
tidos com a discussão teórica e com o trabalho de campo. Estão nessa
coletânea apenas dois deles, Vitor Hélio e Alessandra Júlio , doutoran-
dos que acompanho desde seu início como orientandos de Iniciação
Científica do professor Márcio, ainda na Unesp de Ourinhos. Têm ori-
gem no Gedri, também outros três membros da equipe deste projeto, os
pesquisadores Nelson Fernandes Felipe Junior, Rodrigo Giraldi Cocco
e Altair Aparecido de Oliveira Filho.
Eliana Lamberti, economista, colega docente na Universidade Es-
tadual de Mato Grosso do Sul, sempre disposta a contribuir também é
parceira de longa data.
Agradeço, também, ao colega Tito Carlos, com quem aprendo
sobre Mato Grosso do Sul em cada encontro, desde nossa convivência
profissional na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul.
Da UFMS, Campus do Pantanal, a participação de Marco Au-
rélio Machado de Oliveira e Edgar Aparecido Costa, pelos inúmeros
e-mails que trocamos, pelos convites aceitos sempre apesar de muito
trabalho em pauta.
Para encerrar a lista, foi imprescindível contar com a colabora-
ção dos colegas docentes da Faculdade de Direito e Relações Interna-
cionais da UFGD, onde atuo também como docente no Bacharelado de
Relações Internacionais. São membros do projeto, companheiros dos
eventos e orientações, com os quais nutro relação de amizade e pro-
fundo respeito profissional, os professores Alfa Oumar Diallo, Mário
Sá, Hermes Moreira Junior, Tomaz Espósito Neto, Henrique Sartori de
Almeida Prado, Matheus de Carvalho Hernandes e João Urt, que parti-
ciparam da equipe inicial deste projeto e Márcio Augusto Scherma, que
ingressou posteriormente.
Os auxiliares de pesquisa, alguns com bolsas de Iniciação Cientí-
fica, outros, na categoria de orientandos de Pós-graduação ou Trabalho
de Conclusão de Curso, estão representados por Ucleber Gomes Costa,
Germano Kawey Ferracin Hamada, Rosana Keiko Dokko, Felipe Bastos
Maranexi, Gabriel Narciso Pareja, Gustavo Pinheiro da Silva Amorim,
Kaully Furiama Santos, Larissa Sangalli e Rafael Gonçalves Alexandre.
Finalizo com um obrigado muito especial aos dois “plantonistas”
do meu grupo de pesquisa, Fábio Lima e Cristóvão Henrique Ribeiro da
Silva. A eles, recorro nos momentos de apuro, para as tarefas operacio-
nais, burocráticas, cartográficas e logísticas.
Apresentações e agradecimentos feitos, à parte da “ansiedade”, fi-
cam por conta das discussões futuras. Críticas serão bem vindas e pelo
diálogo, espero que a obra possa estimular pesquisadores e interessados
em geral.
Lisandra Pereira Lamoso
SUMÁRIO

A DINÂMICA GEOECONÔMICA DO AGRONEGÓCIO


BRASILEIRO DE CARNES E SOJA........................................................ 19
Carlos José Espíndola

LOCAL-GLOBAL: TERRITÓRIO, FINANÇAS E


ACUMULAÇÃO NA AGRICULTURA ................................................. 55
José Gilberto de Souza

A IIRSA/COSIPLAN E SUAS IMPLICAÇÕES NA


FLUIDEZ DO TERRITÓRIO BRASILEIRO ......................................... 97
Márcio Rogério Silveira
Vitor Hélio Pereira de Souza

DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO NO BRASIL


CONTEMPORÂNEO: ........................................................................... 133
Caio Cézar Pedrollo Machado
Hermes Moreira Jr.

APONTAMENTOS SOBRE A POLÍTICA DE


INCENTIVOS FISCAIS E A INDUSTRIALIZAÇÃO
DE MATO GROSSO DO SUL................................................................ 159
Cristovão Henrique Ribeiro da Silva*
Thayná Nogueira Gomes**

A INTEGRAÇÃO FERROVIÁRIA NACIONAL E


O DESENVOLVIMENTO DOS MERCADOS INTERNO
E EXTERNO: .............................................................................................191
Márcio Rogério Silveira
Alessandra dos Santos Julio
ESTABILIDADE E ARTICULAÇÃO DOS MUNICÍPIOS
DO MATO GROSSO DO SUL: ............................................................. 233
Tito Carlos Machado de Oliveira
Carlos Martins Jr

AS RELAÇÕES COMERCIAIS RECENTES DO ESTADO


DE MATO GROSSO DO SUL COM O PARAGUAI .......................... 265
Márcio Augusto Scherma

O AMBIENTE INSTITUCIONAL DA ECONOMIA


PARAGUAIA ............................................................................................ 285
Dores Cristina Grechi
Eliana Lamberti
A DINÂMICA GEOECONÔMICA
DO AGRONEGÓCIO BRASILEIRO
DE CARNES E SOJA
Carlos José Espíndola1

1. INTRODUÇÃO
O agronegócio brasileiro desempenha um importante papel na
economia nacional e na internacional2. Gerou 37% do total de empregos
do Brasil, ocupou 30% das terras brasileiras, em 2014 participou do
Produto Interno Bruto Brasileiro (PIB) do país, com um valor bruto de
1 Professor do Departamento de Geociências e do Programa de pós-graduação em
Geografia da UFSC.
2 O processo modernizador da agricultura brasileira forjou o surgimento de vários
tipos de agronegócio. Assim sendo, o agronegócio é entendido “como a cadeia pro-
dutiva que envolve desde a fabricação de insumos, passando pela produção nos
estabelecimentos agropecuários, pela transformação e o seu consumo final. Essa
cadeia incorpora todos os serviços de apoio: da pesquisa e assistência técnica, do
processamento, transporte e comercialização, crédito, exportação, serviços portu-
ários, distribuidores, bolsas e o consumidor final” (CONTINI et al., 2006, p. 6).
Nessa perspectiva, incluem-se os tipos de agronegócio em escala que se dedicam à
produção de fibras, grãos e carnes e os pequenos, dedicados à produção de frutas,
olerícolas e produtos que exigem o primado da qualidade (GONÇALVES, 2004).
Partindo do pressuposto de que o conteúdo material da riqueza é composto pela
produção de mais-valia e o excedente gerado (quer seja capitalista ou não), faz-se
necessário romper com a leitura da reprodução simples do capital, lastreada na
sequência de produção de mercadorias (M) para transformar em dinheiro (D) e
permitir a obtenção de mais mercadoria (M’). Segundo Gonçalves (2005, p. 8), essa
reprodução M-D-M’ consiste no processo da situação da agricultura do final do
século XIX. No atual estágio de desenvolvimento capitalista, a lógica de reprodução
é lastreada na operação capitalista de aplicar dinheiro (D) na produção de merca-
dorias (M) com objetivo de obter mais dinheiro (D’). Soma-se, ainda a essa lógica,
o papel determinante do capital financeiro e o capital fictício (títulos, derivativos,
securitização, ações etc.). A respeito da diferença entre o capital financeiro e o capi-
tal fictício, ver Marx (1983).

UUU 19
produção de R$ 430 bilhões. Desse total, 66,5% referem-se a lavouras e
33,5%, à produção pecuária. Em 2014, o agronegócio gerou uma renda
de R$ 1,1 trilhão, o que representa 22,5% do PIB brasileiro. Nas expor-
tações, o agronegócio alcançou a cifra de US$ 96,7 bilhões e um saldo
na balança comercial de US$ 80,1 bilhões (BRASIL, 2015).
Fruto do intenso processo de modernização da agricultura bra-
sileira, iniciado pós 1960, o agronegócio brasileiro foi capaz de ampliar,
nos últimos 20 anos, a área plantada de grãos em 37% e aumentar a pro-
dução em 176%. Somente a produção de soja cresceu de 1,5 milhões de
toneladas, em 1970, para 86,3 milhões, em 2014. A elevada produção de
grãos de soja foi acompanhada pelo crescimento da produção de carnes
bovinas, que pulou de 1,8 milhões de toneladas, em 1970, para 10 mil-
hões, em 2014. Esse crescimento foi verificado também na produção
de carne suína e frango. No agronegócio de carne suína, a produção
passou de 0,7 milhões para 3,4 milhões de toneladas, e a produção de
frango cresceu de 200 mil para 12,75 milhões de toneladas, no mesmo
período (USDA, 2015).
Esse dinamismo foi capaz de atender às demandas internas e exter-
nas. O consumo interno per capita, de carne, cresceu de 30,4 kg/hab./ano,
em 1970, para 100 kg/hab./ano, em 2011. No mercado externo, os agro-
negócios de carnes e grãos transformaram o Brasil em um dos players do
mercado mundial de alimentos. Entre 2000 e 2014, enquanto as expor-
tações de carne suína cresceram de 162 mil toneladas, em 2000, para 556
mil, em 2014, as exportações de carne bovina cresceram de 356 mil ton-
eladas para 1,5 milhões, contra um aumento de 916 mil para 3,9 milhões
de toneladas de carne de frango. Já as exportações de soja cresceram de 28
milhões de toneladas, em 2001, para 48 milhões, em 2014. Assim sendo,
o Brasil detêm 33,38% do total das exportações mundiais de carne de
frango, 19,9%, de carne bovina, 40%, de soja em grãos, 8%, de farelo
de soja, 19%, de óleo de soja e 8,1%, de carne suína (USDA, 2015). Esses
produtos do agronegócio são considerados como commodities (brutas e/
ou processadas) que tiveram, conforme a bibliografia consultada (APEX,
2012; AEB, 2012), seu dinamismo exportador associado à elevação da de-

20 UUU Carlos José Espíndola


manda internacional (China) e a elevação dos preços. Sem negar por com-
pleto essas premissas, procurar-se-á, neste texto, identificar as múltiplas
determinações responsáveis pela dinâmica recente dos agronegócios de
carnes e soja no território brasileiro e a sua consolidação no mercado
internacional3. Dentre elas, destaca-se que, nos últimos anos, os difer-
entes tipos de agronegócio passaram por uma radical mudança técnica
com a introdução de inovações em processos e produtos a jusante e a
montante das cadeias produtivas4.
Para a elaboração deste artigo, optou-se pelo método ex-
ploratório-analítico. A abordagem exploratória adota a busca de infor-
mações a respeito de certo assunto e envolve o levantamento bibliográf-
ico e documental (GIL, 1994). Foram feitas análises de diferentes arti-
gos, livros e teses, entre outros, visando avaliar e situar a bibliografia em
relação à temática exposta. Operacionalmente, trabalhou-se com as fontes
primárias e secundárias de modo contextualizado. Buscou-se, ainda, in-
formações e dados em anuários estatísticos do Banco Central, relatórios
do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), infor-
mações do AGROSTAT, levantamentos estatísticos do Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE), estudos setoriais do Banco Nacional

3 As “múltiplas determinações” ampliam as possibilidades da análise, pois a realidade


é fruto da relação dialética entre os aspectos naturais e humanos. Essas relações são
estabelecidas em múltiplas escalas (mundial, nacional, regional e local), e permitem
compreender um determinado objeto de estudo num universo mais amplo. As “múl-
tiplas determinações” de Marx aproximam-se das combinações geográficas de Chol-
ley (1964), conforme demonstrou Mamigonian (1996). As combinações geográficas
“podem ser divididas em três grandes categorias: as que resultam, unicamente, da
convergência de fatores físicos; aquelas, já mais complexas, que são, a um tempo, de
ordem física e de ordem biológica; e as mais complicadas e, por isso mesmo, mais
interessantes, que resultam da interferência conjunta dos elementos físicos, dos ele-
mentos biológicos e dos elementos humanos” (CHOLLEY, 1964, p. 140).
4 O progresso técnico deve ser visto como certos tipos de conhecimento que tornam
possível produzir a partir de uma quantidade de recursos, um volume maior de
produtos ou um produto qualitativamente superior (ROSEMBERG, 2006). Não se
trata aqui de um determinismo tecnológico em que as forças tecnológicas são o
fator decisivo na geração das mudanças sociais e econômicas, mas de ressaltar que
“a base técnica da sociedade e do espaço constitui, hoje, um dado fundamental da
explicitação histórica, já que a técnica invadiu todos os aspectos da vida humana,
em todos os lugares” (SANTOS, 1996, p. 67).

A DINÂMICA GEOECONÔMICA DO AGRONEGÓCIO BRASILEIRO DE CARNES E SOJA UUU 21


de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), relatórios da Organi-
zação Mundial do Comércio e dados do Departamento de Agricultura dos
EUA (USDA), entre outras fontes5.
O presente texto está dividido em quatro partes, além dessa intro-
dução e da conclusão. Na primeira parte, discute-se a concentração e a
configuração territorial da produção dos agronegócios de carnes e soja.
Na segunda, demonstra-se o desempenho exportador desses negócios. Na
terceira, ressalta-se o papel da demanda chinesa por produtos dos agroneg-
ócios brasileiros de carnes e soja. Na última parte, identificam-se as prin-
cipais transformações técnicas produtivas implantadas nos agronegócios
de carnes e soja e os diferentes fatores responsáveis pelo seu dinamismo.

2. CONCENTRAÇÃO E CONFIGURAÇÃO TERRITORIAL DA


PRODUÇÃO DOS AGRONEGÓCIOS DE CARNES E SOJA
A produção mundial de carne suína cresceu, nos últimos anos,
26,4%, saindo dos 86,1 milhões de toneladas, em 2001, para 108,9 mi-
lhões, em 2014, com destaque para a China, que detém 50% do total
produzido, seguida pela União Europeia, com 20,6%, pelos EUA, com
9,9%, pelo Brasil, com 3,15% e pela Rússia, com 2,11%. Em termos de
padrão geográfico, verifica-se que, a partir de 1986, aumentou o grau de
concentração da produção. Nesse ano, a China, UE, EUA, Rússia, Japão
e Canadá detinham 77% da produção, enquanto que, em 2014, apenas
três países (China, EU e EUA) detinham 80,7% da produção mundial
(USDA, 2015)6.

5 Em função da necessidade de uma análise detalhada das mudanças que ocorrem


nas escalas regionais, nacionais e mundiais, nos agronegócios de carnes e soja,
usou-se e abusou-se dos dados estatísticos. “Os dados em séries históricas forne-
cem ‘movimento’ à análise e permitem estabelecer mudanças na dinâmica do pro-
cesso ao longo do tempo” (MEDEIROS; SAMPAIO, 2012). Nesse sentido, agradeço
imensamente a Roberto Cesar Costa Cunha (membro do GEOTDE), pela coleta de
dados e elaboração das tabelas e das figuras.
6 Desagregando-se os dados da União Europeia, verifica-se uma alteração no pa-
drão geográfico de concentração da produção. Assim, se em 1986, seis países deti-
nham 71,5% do total produzido, com destaque para Alemanha, Holanda, França,

22 UUU Carlos José Espíndola


A análise evolutiva do período entre 1990 e 2013 demonstra di-
nâmicas diferenciadas no crescimento da produção. Assim, enquanto a
produção brasileira cresceu 3,2 vezes, a produção chinesa cresceu 2,3, a
produção americana cresceu 1,5 e a da União Europeia apenas 1,4 vezes.
Essa tendência já vinha manifestando-se desde 1986, pois enquanto a
produção brasileira cresceu 4 vezes, a produção chinesa cresceu 3, con-
tra 1,8 da União Europeia e 1,6 dos EUA7. Em contrapartida, a produção
russa decaiu 2,8 vezes, seguida da japonesa, com uma queda em torno
de 1,2. O crescimento da produção brasileira está apoiado na melhoria
dos sistemas produtivos e na tecnologia envolvida na produção, no ma-
nejo e na melhoria nos padrões de abate do animal. Entre 1997 e 2014,
a produção brasileira de carne suína saiu da casa dos 1,5 milhões para
3,4 milhões de toneladas .
Territorialmente, a produção brasileira concentra-se no três esta-
dos do Sul do Brasil. Do total de cabeças abatidas, cerca de 37,1 milhões
estão concentradas na nessa região, que representou 65,3% da produção
nacional, sendo mais de 80% dessa produção oriunda do sistema de in-
tegração. Contudo, chama a atenção o crescimento da produção do es-
tado do Mato Grosso, que cresceu 2,6 vezes, contra 1,6 vezes do estado
de Goiás, entre 2004 e 2014 (ABIPECS, 2014)8.

Espanha, Dinamarca e Itália, em 2012 apenas a Alemanha, a Espanha e a França


detinham 50% de toda carne produzida (ESPÍNDOLA, 2014).
7 O baixo crescimento recente da União Europeia, entre 2011e 2013, está relacionado
aos altos custos de produção em virtude do aumento dos custos de alimentação,
das más condições climáticas (secas nos EUA e no Mar Morto) e da descoberta de
dioxina na alimentação dos animais na Alemanha. Ademais, as preocupações com
a rastreabilidade têm elevado os custos produtivos. Em 2011, a Europa aprovou no-
vas regulamentações para o bem-estar animal. Os custos adicionais estimados por
porca na França eram de aproximadamente US$ 840. No Reino Unido, que adotou
a medida em 1999, viu-se a redução de 40% em seu estoque de suínos (FOLHA DE
SÃO PAULO, 2012).
8 A partir de meados dos anos de 1980, várias empresas, como o grupo Perdigão
(BRF), Coopermutum, Carrol’s Food, Suinocoop, Coagro, Agroeliane (Seara), Ide-
al entre outras, passaram a direcionar recursos para o agronegócio suinícola e de
frango na região Centro-oeste brasileira. Essa dispersão fez-se por meio de investi-
mentos novos ou aquisições e fusões. Tais inversões foram ditadas pela combinação
de diferentes fatores, como economia de escala, economia nos custos transacionais

A DINÂMICA GEOECONÔMICA DO AGRONEGÓCIO BRASILEIRO DE CARNES E SOJA UUU 23


No agronegócio de carne de frango, a produção mundial, em
2014, foi de 87 milhões de toneladas, concentradas nos EUA, com
19,5%, na China, com 16%, no Brasil, com 14,9% e na União Europeia,
com 8,7%. Entre 2000 e 2014, a produção mundial dessa carne cresceu
50,5%. Contudo, o crescimento dos principais produtores foi diferen-
ciado. Enquanto a produção norte-americana cresceu 22,3%, a chinesa
cresceu 145%, contra 94% da produção brasileira.
Com uma produção de 12,3 milhões de toneladas de carne de
frango em 2013, a produção brasileira desse tipo de carne localizou-se
na região Centro-Sul, com destaque para os estados sulinos. Entretanto,
em 1972, enquanto São Paulo respondia por mais de 50% do abate de
frango no Brasil, o Rio Grande do Sul participava com 5,7% do total,
contra 4,9% de Santa Catarina e 2,9% do Paraná. Em 2013, São Pau-
lo participou com apenas 10,9%, e o Paraná subiu para 31,12%, contra
16,6% de Santa Catarina e 14,56% do Rio Grande do Sul9.
No agronegócio de carne bovina, com uma produção mundial
acima de 57 milhões de toneladas, a concentração ocorre em três gran-
des produtores: nos EUA, com 18,7%, no Brasil, com 16,6%, e na União

na obtenção da matéria-prima, proximidade das fontes de matéria-prima e do mer-


cado consumidor em potencial (ESPÍNDOLA, 2009).
9 Dados obtidos em Espíndola (2002) e Uba/Abeff (2013). Cabe ressaltar que a perda
de participação do estado de São Paulo, deriva, entre outros fatores, da resistência
na adoção do sistema de integração e os problemas referentes ao abastecimento de
milho. Ao contrário, os estados do Rio Grande do Sul e do Paraná apresentaram,
nas últimas décadas, uma elevação das suas participações em virtude da relativa
disponibilidade de grãos, facilidade de importações pela Argentina e implantação
do sistema de integração (CANEVER et al., 1997). Chama ainda a atenção, o cres-
cimento do número de animais abatidos em Goiás e no Mato Grosso. Em 2001, en-
quanto o Mato Grosso participava com 1,7% do abate nacional, Goiás representava
2,6%. Em 2012, Goiás subiu sua participação para 6,1%, enquanto o Mato Grosso
ampliou sua participação para 4,9% (AVISITE, 2012). O crescimento do número
de abates nesses estados, juntamente com Paraná e Rio Grande do Sul, decorreu
dos grandes investimentos realizados nos anos de 1980, 1990 e 2000, pelas grandes
empresas sediadas em Santa Catarina e os outros novos empreendimentos (ESPÍN-
DOLA, 2009).

24 UUU Carlos José Espíndola


Europeia, com 13,3% 10. Contudo, a exemplo dos demais agronegócios
de carnes (suíno e frango), tem-se verificado, nos últimos anos, uma
redução da participação da Argentina e da União Europeia e o aumento
significativo do Brasil e da China na produção mundial de carne bo-
vina. Entre 2000 e 2014, enquanto a produção brasileira cresceu de 6,5
milhões de toneladas para 9,6 milhões, a produção chinesa cresceu de
5,0 milhões de toneladas para 7,6 milhões, no mesmo período.
No tocante à distribuição geográfica do rebanho brasileiro, desta-
ca-se que, em 2000, o predomínio era dos estados do Centro-oeste, sen-
do que eles detinham um terço do rebanho nacional. Nessa região, os
estados do Mato Grosso do Sul e Goiás participavam, respectivamente,
com 13,57% e 10,51% do rebanho nacional. Em segundo lugar, ficavam
os estados do Sudeste, com destaque para Minas Gerais, com 12,04% do
rebanho total. Na Região Sul, o estado do Rio Grande do Sul apresenta-
va-se com uma participação em torno de 8,39%, enquanto Santa Cata-
rina ficava em torno de 1,88%, contra 6,02% do Paraná (ESPÍNDOLA,
2002). Contudo, demonstrou-se em outros estudos que, nos últimos
anos, a região Norte do Brasil apresentou um dos maiores crescimen-
tos. Sua participação aumentou de 4,2% em 1980, para 12,45% em 2000
(ESPÍNDOLA, 2002). Tal tendência manifestou-se nos anos seguintes11.
A cadeia produtiva de soja passou, nos últimos anos, por um
intenso crescimento, pois, entre 2000 e 2014, a produção mundial de
grãos cresceu 62,20%, a produção de farelo cresceu 62,0% e a produção
de óleo, 69,20%, conforme demonstrado na tabela 1. Na distribuição
geográfica referente à produção de grãos, os EUA detêm 31,50%, contra
30,80% do Brasil. Em contrapartida, a China detém 28,74% da produ-

10 O rebanho mundial, com mais de 1 trilhão de cabeças, concentra-se na Índia com


29,2%, seguido do Brasil com 20,2%, e na China com 10%. Em termos de cabe-
ças abatidas, a China lidera o ranking, com 18,9%, seguida do Brasil, com 17,1%
(USDA, 2014).
11 No estado de Rondônia, o rebanho cresceu de 6,6 milhões de cabeças, em 2001,
para 12,2 milhões, em 2012. Já o número de animais abatidos cresceu de 402 mil
cabeças, em 2000, para 1,9 milhões, em 2007 (FEFA-RO, 2008).

A DINÂMICA GEOECONÔMICA DO AGRONEGÓCIO BRASILEIRO DE CARNES E SOJA UUU 25


ção de farelo, contra 19,26% dos EUA e apenas 15,21% do Brasil. Na
produção de óleo, a China produz 27,44% da produção mundial.
TABELA 1. Produção de grãos, farelo e óleo de soja (em mil toneladas)

Produção
Grãos Farelo Óleo
Países
2000 2008 2014 2000 2008 2014 2000 2008 2014
Mundo 175.8409 211.884 284.045 116.010 151.959 188.386 26.813 35.905 44.604
USA 29.303 90.605 89.507 35.730 35.473 36.297 8.355 8.503 8.920
Brasil 13.934 75.300 87.500 17.725 24.700 28.670 4.333 6.120 7.100
China 5.800 15.080 12.200 15.050 32.475 54.154 3.240 7.325 12.246
Argentina 10.400 49.000 54.000 13.718 24.363 28.525 3.190 5.914 6.975
Fonte: USDA (2015).

Territorialmente, em decorrência da sua melhor adaptabilidade


à região Sul do país, os estados do Rio Grande do Sul, Paraná e Santa
Catarina eram responsáveis, em 1969, por 98% de toda a produção bra-
sileira de soja (CONAB, 2014)12. A partir do Sul do Brasil, sua cadeia
produtiva ganhou importância, ultrapassando os limites territoriais,
e passou a expandir-se aos estados de solo ácido do Centro-oeste, se-
guindo em direção ao Norte, conforme demonstram as figuras 1 e 213.

12 A melhor adaptabilidade no Sul do país decorreu de múltiplas determinações, por


exemplo, a semelhança do ecossistema do Sul do Brasil com o Sul dos Estados Uni-
dos, que favoreceu a transferência de tecnologias de produção e de cultivares, e o
aparecimento de um sistema de cooperativa (dinâmica e eficiente) que apoiou a
produção, industrialização e comercialização da soja. Ressalte-se ainda a facilidade
de mecanização total da cultura e a instalação de vários órgãos de pesquisa públicos
em esfera estadual e federal (DALL’AGNOL, 2008).
13 As características geográficas do Centro-norte do país contribuem para uma rá-
pida expansão. Segundo Dall'Agnol (2008) e Campos (2010), as principais forças
impulsionadoras da soja na região Centro-oeste derivam: (i) incentivos fiscais para
a abertura de novas áreas para a produção agrícola via incentivos do Programa de
Cooperação Nipo-brasileira para o Desenvolvimento do Cerrado (PRODECER);
(ii) o estabelecimento de firmas produtoras e processadoras de grãos e de carne
nas regiões Centro-oeste e Nordeste; (iii) baixo valor da terra, se comparados aos
preços então praticados na região Sul durante as décadas de 1970 e de 1980; (iv)
topografia muito favorável à mecanização combinada com as condições climáticas
com regime pluviométrico altamente propício ao cultivo de verão; (v) bom nível
econômico e tecnológico dos produtores oriundos do Sul do país que ocuparam a

26 UUU Carlos José Espíndola


O resultado final foi a expansão geográfica horizontal da área planta-
da no Brasil. Enquanto na safra 2003/2004, a área cultivada foi de 21,3
milhões de hectares, na safra 2013/2014 chegou a 30,1 milhões, o que
representa 53% da área cultivada de grãos. Com um crescimento anual
de 4,5%, o relatório Brasil (2013) prevê, para a safra 2023/2024, que a
área total da cultura de soja no Brasil aumentará 34,1%, chegando a 40,4
milhões de hectares em 2024.
FIGURA 1. Produção de soja no Brasil em 1980

Fonte: Conab (2015). Elaboração: Geotde.

Em termos gerais, a elevação da produção do agronegócio de car-


nes e de soja no mundo e no Brasil foram fundamentais para o atendi-
mento do crescente consumo mundial de proteínas. Entre 2002 e 2012,
enquanto o consumo de carnes na China cresceu de 43,5 kg/hab./ano,
para 52 kg/hab./ano, no Brasil cresceu de 79,5 kg/hab./ano, para 101,8
kg/hab./ano. Em contrapartida, o consumo per capita na União Euro-
peia estabilizou-se em 80,2 kg/hab./ano. No consumo de carne suína,
entre 2001 e 2014, o crescimento foi de 79%, contra 7,0% da carne bovi-

região; e (vi) o desenvolvimento de um bem-sucedido conjunto de tecnologias para


produção de soja nas áreas tropicais.

A DINÂMICA GEOECONÔMICA DO AGRONEGÓCIO BRASILEIRO DE CARNES E SOJA UUU 27


na, que cresceu de 52 mil para 56 mil toneladas (USDA, 2015)14. Quanto
ao consumo de carne de frango, verificou-se também um crescimento
no Brasil, sendo que entre 2000 e 2012, o consumo per capita cresceu de
29,9 kg/hab./ano, para 41,8 kg/hab./ano (UBA/ABEF, 2014).
FIGURA 2. Produção de soja no Brasil em 2014

Fonte: Conab (2015). Elaboração: Geotde.

No agronegócio de soja, o consumo aumentou 57% no mundo


entre 2003 e 2013, atingindo 269,7 milhões de toneladas. Cerca de 90%
do consumo é destinado ao esmagamento, em que 80% são para farelo
e 20% para óleo de soja. A China lidera o ranking, com mais de 79 mi-
lhões de toneladas de grãos consumidos em 2014, representando 29%
do consumo do mundo. Os Estados Unidos consumiram 48 milhões

14 Do ponto de vista per capita, os dados da Abipecs (2013) indicam que Hong Kong
consumiu, em 2011, cerca de 66,5 kg/per capita/ano, contra 54,1 Kg/per capita/ano
de Macau e 46,5 kg/per capita/ano de Belarus. Já a União Europeia apresentou um
consumo aparente de 40,2 kg/per capita/ano. Entre 1992-2012, o consumo aparente
de carne suína na UE manteve-se estável com a redução do consumo nos principais
países como a Dinamarca, que diminuiu o uso de 76,3 kg/hab./ano, em 1993, para
64,2 kg/hab./ano, em 2003. A tendência de queda do consumo per capita foi verifi-
cada igualmente na Espanha, que reduziu seu consumo aparente de 63,9 Kg/hab./
ano, em 2003, para 48 kg/hab./ano, em 2012. No Brasil, o consumo per capita de
carne suína passou de 7,05 kg/ano, em 1990, para 14, kg/ano, em 2012.

28 UUU Carlos José Espíndola


de toneladas, o que coloca o país em segundo lugar, com 18% no con-
sumo mundial de grãos de soja. O Brasil, com 40,1 milhões de tonela-
das, apresenta-se em terceiro lugar, com 14,9% do total. Na Argentina,
o consumo dobrou em quatorze anos, passando de 18,3 milhões, em
2000, para 38,6 milhões de toneladas, em 2014, o que representa 14,3%
do consumo geral. Esses quatro grandes consumidores de grãos de soja
no mundo equivalem a 76% do total geral (USDA, 2014).
Os aumentos do consumo dessas proteínas acirram a concorrên-
cia mundial entre os principais produtores. Dessa forma, qual é o de-
sempenho exportador dos principais players no agronegócio mundial
de carnes e soja?

3. O DESEMPENHO DOS AGRONEGÓCIOS BRASILEIROS


NOS MERCADOS MUNDIAIS DE CARNES E SOJA
No agronegócio de carne suína, as exportações mundiais cresce-
ram de 3,0 milhões de toneladas, em 2000, para 6,8 milhões, em 2014.
Isso é um crescimento de 2,2 vezes. Desse total exportado, destacam-se
os EUA, com uma participação de 32,9%, contra 32% da União Euro-
peia, 17,9%, de participação do Canadá e 8,1%, do Brasil. Em termos de
crescimento, enquanto as exportações dos EUA cresceram de 584 mil
para 2,42 milhões de toneladas (3,7 vezes), as exportações da União Eu-
ropeia cresceram apenas 1,6 vezes, contra 1,8 vezes de crescimento das
exportações canadenses (USDA, 2015)15.
Até 1977, o Brasil era um grande exportador de carne suína, ten-
do pulado de 2 mil toneladas, em 1970, para 12 mil, em 1977. De 1978
a 1987, as exportações foram interrompidas devido ao “aparecimento”
da peste suína. A recuperação das exportações ocorreu nos anos da dé-
cada de 1990, quando as exportações cresceram de 20 mil toneladas,

15 Estatísticas indicam que, entre 2009 e 2018, o comércio mundial crescerá a uma
taxa moderada de 1,8% ao ano e reduzir-se-ão as exportações do Canadá, as quais
ficarão em torno de 1 milhão de toneladas, bem como para a União Europeia, que
sofrerá perdas, ficando, aproximadamente, em 1,2 milhão de toneladas (FAPRI,
2009).

A DINÂMICA GEOECONÔMICA DO AGRONEGÓCIO BRASILEIRO DE CARNES E SOJA UUU 29


em 1990, para 120 mil, em 2000, o que representou um crescimento
da ordem de 600% (ESPÍNDOLA, 1999; 2002). Entre 2000 e 2014, as
exportações brasileiras cresceram 3,4 vezes, pulando da casa de 162 mil
toneladas, em 2000, para a de 556 mil, conforme se pode verificar nos
dados do gráfico 1. Entre 1986 e 2012, enquanto as exportações brasilei-
ras cresceram 121 vezes, as exportações dos EUA cresceram 69 vezes16.
As exportações brasileiras de carne suína estão concentradas na
Rússia e Hong Kong. Contudo, se até 2010 as vendas externas de carne
suína brasileira concentravam-se na Rússia, chegando a alcançar, em
2002, 79% de todas as vendas, a partir de 2006, outros mercados pas-
saram a ter maior participação. Dentre eles, destacam-se Hong Kong e
Ucrânia. O acirramento da concorrência em mercados tradicionais le-
vou o Brasil a buscar novos mercados para os seus produtos, bem como
a dedicar esforços na busca de mercados para carne industrializada, que
representa 2,1% do total exportado17. Assim, cresceu a participação das
exportações brasileiras de carne suína industrializada nos mercados de
Angola, Paraguai, Cingapura e Ucrânia, entre outros.
Territorialmente, os principais estados exportadores de carne
suína estão localizados na região Sul, com destaque para Santa Catarina
e Rio Grande do Sul, que representam 60% de toda a carne exportada

16 As projeções indicam que as exportações brasileiras de carne suína chegarão à casa


das 802 mil toneladas em 2023, tendo em média uma taxa de crescimento de 2,6%
ao ano no período de 2013/2023 (BRASIL, 2013).
17 Os mercados tradicionais são Japão, Rússia, México e China, que absorvem 53% da
carne suína comercializada no Mundo. Entre 2000-2014, enquanto as importações
mundiais cresceram 34,4%, as importações do México cresceram 196%, contra 67%
da Rússia e 40% do Japão. A dependência dos exportadores nesses mercados tradi-
cionais acirra a concorrência e promove a busca de novos mercados. Assim, a Dina-
marca e os EUA são concorrentes diretos nos mercados do Japão e da Coreia do Sul.
Entre 2000-2014, as importações da Coreia do Sul cresceram 2,6 vezes, passando de
184 mil toneladas em 2000, para 480 mil em 2014. As vendas dos EUA para o Japão
tiveram impacto direto das exportações da União Europeia. Quando as vendas para o
Japão aumentaram, a Dinamarca se viu obrigada a ofertar a carne no mercado euro-
peu, levando ao excesso de oferta e queda nos preços (WINDHORST, 2001). Atual-
mente, a União Europeia concentra suas vendas nos mercados da Rússia com 745 mil
toneladas, China 586 mil, Hong Kong com 380 mil e Japão com 230 mil. Esses quatro
mercados correspondem a 60,4% do total exportado em 2012 (USDA, 2013).

30 UUU Carlos José Espíndola


pelo Brasil. Contudo, analisando-se os dados, verifica-se uma nova di-
nâmica dos estados exportadores no comércio mundial. Entre 2000 e
2014, enquanto a exportação do estado de Santa Catarina cresceu de 74
mil para 182 mil toneladas, as exportações do Rio Grande do Sul cres-
ceram de 38 mil para 147 mil toneladas. Chama a atenção o fato de que,
em 2014, o estado de Goiás não participava das exportações de carne
suína, porém em 2014 passou a participar com 47 mil toneladas. Esse
crescimento foi também verificado em Minas Gerais, que aumentou
sua participação de 0,6 mil para 42 mil toneladas, no mesmo período
(AGROSTAT, 2015).
GRÁFICO 1. Evolução das exportações de carnes do Brasil 2000-2014
(mil/toneladas)

Fonte: USDA (2015). Elaboração: Geotde.

No agronegócio de carne de frango, as exportações mundiais


cresceram de 4,7 milhões de toneladas para 10, 4 milhões, entre 2000
e 2014. Nesse período, destacou-se o crescimento do Brasil, que passou
de 18,20% para 33,98%, enquanto nos EUA houve uma queda, de 46,7%
para 31,64%. As exportações brasileiras passaram de 870 mil toneladas,
em 2000, para 3,5 milhões, em 2014, conforme dados do gráfico 1.
Ao longo da inserção do Brasil no mercado mundial de carne de
frango, existiram três grandes momentos. O primeiro grande momen-

A DINÂMICA GEOECONÔMICA DO AGRONEGÓCIO BRASILEIRO DE CARNES E SOJA UUU 31


to (1975-1984) foi quando as exportações brasileiras, iniciadas em 1975,
com cerca de 3,5 mil toneladas (o que representava 0,49% de participação
no comércio mundial), passaram, em 1984, para 17,9% de participação.
O crescimento foi avassalador, pois em 1975, a Holanda detinha 28,46%
de participação, contra 12,8% dos EUA e 11,6% de participação da Fran-
ça. Já em 1984, os EUA mantinham-se na casa dos 13,7%, contra 20,8%
da França e 12,8% da Holanda18. O segundo grande momento ocorreu
após 1984, e caracterizou-se pela estabilização das exportações brasilei-
ras em torno de 12%. Essa estabilização derivou, segundo Rizzi (1993),
da combinação de dois fatores. O primeiro foi a retração relativa das
importações nos principais países capitalistas avançados, com o redu-
zido ritmo de crescimento da demanda em relação aos anos anteriores
a 1980. O segundo fator refere-se ao fato de que muitos países importa-
dores tornaram-se autossuficientes, sendo que dentre eles merecem des-
taque a ex-URSS e o Japão19. O terceiro grande momento ocorreu após
1990. Entre 1990 e 2000, as exportações cresceram de 299 mil toneladas
para 906 mil. Contudo, verifica-se que, entre 1990 e 1993, o crescimento
foi da ordem de 44,81%, contra 31,17% no período entre 1993 e 1996.
Portanto, as exportações de carne de frango foram prejudicadas pela
sobrevalorização cambial implantada com o Plano Real, provocando
uma queda nas exportações, em torno de 11%, no ano de 1995. A recu-
peração iniciada em 1996 tem como fatores desencadeadores a recupe-
ração de mercados na Ásia e Europa, a conquista de novos mercados,
a ampliação das exportações de cortes, a desvalorização cambial im-
plantada em 1999, e o surgimento da doença da “vaca louca” na Europa
(ESPÍNDOLA, 2002). Conforme dados do gráfico 1, apenas em 2006
ocorre uma queda das exportações de carne (África, Ásia e Europa), em

18 Durante esse período, o destino das exportações brasileiras concentrava-se nos pa-
íses do Oriente Médio, dos quais se destacam o Iraque com 31,4%, o Kuwait com
21,4% e a Arábia Saudita com 20,4 (RIZZI, 1993).
19 No Oriente Médio, principal mercado para os produtos brasileiros, demonstra-se
claramente o aumento da produção interna. O Iraque aumentou sua produção in-
terna de 70 mil toneladas em 1981, para 315 mil, em 1987. Já o Kuwait aumentou
sua produção de 11 mil toneladas em 1981, para 20 mil, em 1987 (RIZZI, 1993).

32 UUU Carlos José Espíndola


virtude da Influenza Aviária, a doença conhecida como “gripe aviária”,
o que reduziu a demanda mundial.
De um total de 3,5 milhões de toneladas exportadas em 2014, 53%
são de cortes de frango (2,1 milhões de toneladas), que se destinam à
Ásia (51%) e ao Oriente Médio (19%), com destaque para Arábia Saudita
e Japão, respectivamente. Já os frangos inteiros, 38% do total (1,3 mi-
lhões de toneladas), estão concentrados no mercado interno do Oriente
Médio (86% do total)20.
As exportações brasileiras originam-se dos três estados do Sul,
sendo que o Paraná detém 29,3% do total exportado, contra 24% de
Santa Catarina e 18% do Rio Grande do Sul. Contudo, nos últimos anos
é espetacular o crescimento das exportações de Minas Gerais, que cres-
ceram de 12 mil toneladas, em 2000, para 189 mil , em 2014. Um cres-
cimento da ordem de 15,7 vezes, contra um crescimento de 5,2 vezes do
Paraná e 3,5 vezes do Rio Grande do Sul. Esse crescimento foi também
verificado no Mato Grosso, que cresceu de 4,6 mil toneladas para 177
mil , e no Mato Grosso do Sul, que cresceu de 17 mil toneladas para 169
mil (AGROSTAT, 2015).
As exportações mundiais de carne bovina cresceram, entre 2000
e 2014, cerca de 59%, pulando da casa das 5,9 milhões de toneladas para
10,0 milhões. Em 2014, os maiores exportadores foram a Índia, com
20,8%, contra 19% de participação do Brasil e 18,5% de participação da
Austrália. Em termos de crescimento, enquanto as exportações india-
nas cresceram 6 vezes, as exportações brasileiras cresceram 3,9 vezes,
contra o crescimento de 1,4 vezes das exportações australianas. Pro-
duzindo carne de bubalino, a Índia consegue produzir carne barata e
atingir vários mercados. As suas exportações concentram-se no Sudeste
Asiático, Oriente Médio e Norte da África21.
20 As importações mundiais de carne de frango cresceram de 4,2 milhões de toneladas
para 8,8 milhões, entre 2000-2014, com destaque para o crescimento das impor-
tações iraquianas que subiu de 21 mil toneladas para 722 mil, no mesmo período
(USDA, 2015).
21 Os búfalos, após completarem seus ciclos de lactação, são abatidos e vendidos.
Dessa forma, seu custo fica competitivo. Na última década, a indústria láctea da

A DINÂMICA GEOECONÔMICA DO AGRONEGÓCIO BRASILEIRO DE CARNES E SOJA UUU 33


Conforme dados do gráfico 1, as exportações brasileiras aumen-
taram de 488 mil toneladas, em 2000, para 1,9 milhões, em 2014. Con-
tudo, entre 2007 e 2011, as exportações brasileiras reduziram-se 61%,
devido a fatores como a diminuição do consumo na Europa (em função
da crise), o aumento da produção dos EUA e o aumento da concentra-
ção nos mercados consumidores22.
Territorialmente, as exportações brasileiras originam-se no esta-
do de São Paulo, com 438 mil toneladas, contra 278 mil do estado do
Mato Grosso e 228 mil de Goiás. Contudo, analisando-se os dados do
Agrostat (2015), chamam a atenção os crescimentos desproporcionais,
nos estados, referentes às exportações de carne bovina. Assim, enquan-
to, entre 2000 e 2014, as exportações de Rondônia crescem 205 vezes,
pulando de 605 toneladas para 134 mil, Goiás cresceu 15 vezes e São
Paulo apenas 1,5 vezes.
Apesar de o Brasil ser um grande exportador no agronegócio de
carnes, suas exportações estão constantemente sujeitas a restrições de
ordem tarifária e não tarifária. Nas exportações de carne suína, países
como Japão e México não compram o produto brasileiro, por conta da
febre aftosa e do mal de Aujeszky. Já a União Europeia não reconhece
as áreas livres de doenças nos estados do Rio Grande do Sul e Paraná,
e a Ásia não compra em função das restrições fitossanitárias (ESPÍN-
DOLA, 2014). Nas exportações de carne de frango, enquanto a União
Europeia impõe diversas barreiras, a Rússia estabelece novas cotas de
importações e os EUA vendem o frango no mercado internacional abai-
Índia cresceu 4% ao ano em volume. O crescimento da cadeia produtiva de leite
estimulou a reconstrução do rebanho e garantiu a disponibilidade de gado para o
abate. Em 2011, existiam mais de 4 mil abatedouros reconhecidos na Índia e cerca
de 15 grandes empresas participantes nas exportações de carne de búfalo. Contudo,
85% do comércio de carnes da Índia era feito por meio de seis empresas e o maior
exportador (Allanasons) é responsável por 50% do comércio (BEEFPOINT, 2012).
22 Entre 2007 e 2012, o consumo de carne bovina na Europa reduziu em 12% (USDA,
2013). Do total exportado em 2011, 32% destinaram-se a atender a Rússia e 26%, Hong
Kong. Em 2014, do volume de 1,2 milhões de toneladas exportadas de carne in natura,
22,4% destinaram-se à Rússia, 18,3 % foram embarcadas para Hong Kong e 15,8% para
Venezuela. Já das carnes industrializadas, cerca 101 mil toneladas, 36,8% foram direcio-
nados para os EUA e 25,9% para o Reino Unido (AGROSTAT, 2015).

34 UUU Carlos José Espíndola


xo do preço estabelecido. Quanto à carne bovina, os problemas estão re-
lacionados à febre aftosa e às cotas de participação no mercado mundial
(CONTINI; TALAMINI, 2004).
No agronegócio de soja, verifica-se, conforme demonstrado na
tabela 2, que entre 2000 e 2014, enquanto o crescimento das exporta-
ções de grãos foi da ordem de 103%, a exportação de farelo foi de 68,9%,
contra 37,7% das exportações de óleo. A tabela 2 apresenta, ainda, ou-
tras análises. As exportações brasileiras concentram-se, sobretudo, nas
exportações de grãos, que tiveram um crescimento de 187%, contra
58,86% dos EUA. Em contrapartida, a Argentina consolidou-se nas ex-
portações de produtos de maior valor. As vendas externas de farelo de
soja, em 2014, alcançaram 27 milhões de toneladas, o que representa
44,6% do total (ESPÍNDOLA, CUNHA, 2015)23.
TABELA 2. Principais exportadores mundiais de soja 2000-2014 (mil ton.)

Grãos Farelo Óleo


Países
2000 2008 2014 2000 2008 2014 2000 2008 2014
Mundo 53.817 77.212 109.433 36.261 52.844 61.266 6.870 9.183 9.324
EUA 27.103 34.817 43.001 7.335 7.708 9.979 636 995 703
Brasil 15.469 29.987 44.500 10.673 13.109 13.780 1.533 1.909 1.400
Argentina 7.304 5.590 8.000 13.730 24.025 27.325 3.080 4.704 4.500
Fonte: USDA, 2015.

Do total exportado pelo Brasil, cerca de 75% (32 milhões de to-


neladas) de grãos de soja vão para a China. Na venda externa de óleo, a
China lidera, com 39% do total. A União Europeia é o segundo destino
em grãos, com 12% (5,1 milhões de toneladas), sendo a Espanha o maior
consumidor europeu do grão de soja brasileiro, com quase 2 milhões de
toneladas. Por seu turno, o farelo de soja nacional tem 60% (7,3 milhões

23 Cabe destacar que a Lei Kandir, institucionalizada em 1996, promovia incentivos


para que as empresas processadoras de soja instaladas no Brasil exportassem grãos.
Nesse sentido, desestimulou a indústria moageira (COSTA; BRUM, 2008). Isso
possibilitou, por um lado, o sucateamento da indústria processadora de soja, via
elevação da capacidade ociosa (MEDEIROS, 2009) e, por outro lado, produziu um
elevado estoque de capital fixo barato que foi adquirido pelos grandes grupos inter-
nacionais (Cargill, ADM e Dreyfus, entre outros).

A DINÂMICA GEOECONÔMICA DO AGRONEGÓCIO BRASILEIRO DE CARNES E SOJA UUU 35


de toneladas) da sua produção destinada à União Europeia, sendo que
a Holanda é o maior consumidor, com 4 milhões de toneladas, ou 54 %
das compras externas.
No mercado mundial, os diferentes estados produtores de soja
apresentam dinâmicas diversificadas de inserção na divisão interna-
cional do trabalho. O Mato Grosso é o maior exportador. Em 1996, as
vendas externas eram de 462 mil toneladas e representavam 12,6% do
total brasileiro; em 2013, chegaram a 28,7% do total das exportações,
e o volume passou de 12 milhões de toneladas, o que representa 52%
de sua produção. O Paraná, berço do plantio direto, é o terceiro maior
exportador, com 47,1% de sua produção, mas com perda de participa-
ção, pois, em 1996, representava 40,1% das exportações brasileiras e,
em 2013, apenas 17,5%. O Rio Grande do Sul, terceiro maior produtor,
exportou, em 2013, 18,3% da soja brasileira, o que corresponde a 62,4%
de sua produção. Os estados de Goiás, Bahia e Maranhão exportaram
36,4%, 57,6%, 81,2%, respectivamente, de suas produções de grãos de
soja (ESPÍNDOLA; CUNHA, 2015).
Pelo exposto, é significativa a participação do Brasil no mercado
internacional de proteínas animal e vegetal. Mas qual é o papel da Chi-
na nas demandas brasileiras?

4. O PAPEL DA CHINA NAS IMPORTAÇÕES DOS


AGRONEGÓCIOS DE CARNES E SOJA DO BRASIL
A partir de 1979, a China passou por profundas transformações,
resultantes das reformas implantadas. E o crescimento gigantesco da
China decorre dessas reformas, por exemplo, a criação de quatro Zonas
Econômicas Especiais (ZEEs), o que, segundo Zemin (1993, p. 151), “foi
um passo de grande importância na abertura para o exterior e cons-
tituiu uma experiência completamente nova no desenvolvimento da
economia socialista”. Na agricultura, suprimiu-se a comuna popular e
implantou-se o sistema de responsabilidade, que consiste em contratos
com as famílias de agricultores, cuja renda decorre do rendimento da

36 UUU Carlos José Espíndola


produção (ESPÍNDOLA, 2008). Os 800 milhões de camponeses obtive-
ram direitos de autonomia na exploração das terras e foi abolido o siste-
ma de compra estatal ou a obrigatoriedade dos fornecimentos de quotas
dos produtos, e os preços dos produtos agrícolas foram liberados24.
Os resultados foram espetaculares. O PIB do país, entre 1980 e
1989, atingiu uma taxa de crescimento de 10% em média. A participa-
ção do PIB chinês na economia mundial cresceu de 1,9%, em 1980, para
9,3%, em 2010. A taxa de urbanização, que estava em 18%, em 1979,
cresceu, em 2014, para 53%. As exportações chinesas, que entre 1980 e
1989 representavam apenas 1,4% das exportações mundiais, passaram,
em 2010, para 10,4%. Já as importações que participavam com 1,5%,
passaram para 9,7%, no mesmo período (ACIOLY et al., 2011).
Na agricultura, a produção de grãos cresceu 161%, entre 1978 e
2000. Com apenas 8% das terras cultiváveis no mundo, a China, em
2012, alimentou 19% da população mundial. As transformações ocor-
ridas forjaram o surgimento de vários agronegócios na estrutura pro-
dutiva, que atendem à demanda doméstica25. Entre 2000 e 2014, en-
quanto a produção de carne suína cresceu 43,5%, passando da casa das
39 milhões de toneladas produzidas, para 56 milhões de toneladas, a
produção de carne de frango cresceu 44,4%, passando de 9,3 milhões
de toneladas, para 13 milhões, conforme demonstrado na tabela 3. Na
produção de soja, verificam-se dinamismos diferenciados por segmen-
tos. Assim, enquanto na produção de grãos houve uma redução de 15
milhões de toneladas, produzidas em 2001, para 12 milhões, produzidas
24 Medeiros (1999) afirma que as reformas no campo assemelham-se com as da Nova
Política Econômica implementada por Lênin na Rússia, nos anos de 1920.
25 Muitos desses agronegócios são na maioria de empresas chinesas com capital do
Estado em sua composição acionária. Na cadeia produtiva de carne bovina desta-
ca-se a Jilin Changchun Haoyue Islamic Meat Industry e a Zhuo Chen Company.
No agronegócio de carnes de frango, ressalte-se a Shandong Liuhe Group, a Beijing
DQY Agriculture Techonoly Co., Ltd., a Dalian Hanwei Enterprise Group e a Cha-
roen Pokphand Group. Na cadeia produtiva de carne suína, os principais grupos
são WH-Group e a Xincheng Jiniuo. Cabe destacar ainda que as empresas chinesas
partiram recentemente para aquisição de várias empresas. No agronegócio da soja,
as maiores empresas são a Cargill, Archer Daniels Midland, a Bunge e a Louis Drey-
fus (CEBC/APEX, 2015).

A DINÂMICA GEOECONÔMICA DO AGRONEGÓCIO BRASILEIRO DE CARNES E SOJA UUU 37


em 2014, a produção de óleo cresceu de 3 milhões de toneladas para 12
milhões. Já a produção de farelo cresceu de 15 milhões de toneladas
para 54 milhões, no mesmo período (USDA, 2015).
TABELA 3. Produção e consumo dos agronegócios de carne da China
(em mil ton.)
2000 2002 2004 2006 2008 2010 2011 2012 2013 2014
Carne Produção 39,660 41,231 43,410 46,505 46,205 50,712 50,604 53,427 54,930 56,710
suína Consumo 39,581 41,015 43,010 46,014 46,691 50,799 51,108 53,802 55,406 57,169
Produção 5,131 5,219 5,604 5,767 6,132 6,531 6,475 6,623 6,730 6,890
Carne bovina
Consumo 5,100 5,214 5,566 5,692 6,080 6,520 6,449 6,680 7,052 7,297

Carne de Produção 9,269 9,558 9,998 10,350 11,840 12,550 13,200 13,700 13,350 13,080
frango Consumo 9,393 9,556 9,931 10,371 11,954 12,457 13,016 13,543 13,174 12,910

Fonte: USDA (2015).

Ainda que o mercado doméstico chinês seja essencialmente abas-


tecido pela sua produção, as importações do agronegócio de carnes vêm
crescendo. As importações de carne suína, por exemplo, cresceram de
65 mil toneladas, em 2000, para 761 mil, em 2014. As importações ori-
ginaram-se, sobretudo, dos EUA (32,9%), da Alemanha (19,12%) e da
Espanha (12,12%). Já as importações de carne bovina cresceram de 16
mil toneladas para 417 mil. A Austrália é responsável por 50% desse to-
tal, seguida pelo Uruguai com 21,5%. Em contrapartida, as importações
de carne de frango diminuíram de 588 mil toneladas para 260 mil, no
mesmo período (USDA, 2015).
A participação do Brasil nas exportações de proteínas para a Chi-
na é significativa. As exportações totais de carne para China cresceram
12 vezes em volume, passando da casa das 19 mil toneladas, em 2000,
para a de 247 mil, em 2012, conforme exposto no gráfico 2.
Analisando-se as cadeias específicas, verificam-se movimentos
diferenciados. A cadeia produtiva de carne suína aumentou as expor-
tações, que passaram de 90 toneladas, em 2000, para 1,2 mil, em 2013.
Já a exportação de carne de frango aumentou de 18 mil toneladas para
227 mil, no mesmo período. Na cadeia produtiva bovina, o crescimento

38 UUU Carlos José Espíndola


foi da ordem de 24 vezes. No período entre 2007 e 2012, a participação
do Brasil atingiu a casa dos 13%. Contudo, entre 2012 e 2013, as expor-
tações de carnes bovinas reduziram-se em virtude do embargo chinês
(CEBC/Apex, 2015). Nas exportações de carne de frango, apesar da que-
da das importações chinesas, o Brasil aumentou sua participação entre
2007 e 2012, de 21,2% para 63%. Em contrapartida, reduziu-se a parti-
cipação americana, que era 64,1%, para 22%. A estratégia americana foi
redirecionar seus produtos para Hong Kong26.
GRÁFICO 2. Evolução das exportações brasileiras de carnes com destino à China

Fonte: Agrostat (2015). Elaboração: Geotde.

As importações chinesas de soja tiveram um elevado crescimen-


to nos últimos 14 anos. Entre 2001 e 2014, as importações de grãos de
soja cresceram 5,3 vezes, pulando da casa dos 13 milhões de toneladas
para 70 milhões. As importações de óleo de soja cresceram de 355 mil
toneladas para 1,3 milhões. Em contrapartida, as importações de farelo
de soja decaíram de 100 mil toneladas para 20 mil, no mesmo período

26 Em 2012, os EUA suspenderam as importações de carne de frango processadas


da China. Como retaliação, a China impôs restrições às importações americanas,
acusando os EUA de ofertarem subsídios ilegais a seus produtores. Já em 2013, os
EUA obtiveram ganho de causa nas restrições (tarifas antidumping) impostas pela
China e suas exportações aumentaram, reduzindo, com isso, a participação brasi-
leira (CEBEC/APEX, 2015).

A DINÂMICA GEOECONÔMICA DO AGRONEGÓCIO BRASILEIRO DE CARNES E SOJA UUU 39


(USDA, 2015). Contudo, em função do crescimento do processamento
interno do grão, as importações de óleo, a partir de 2008, vêm apresen-
tando decréscimo.
As exportações brasileiras de soja para a China tiveram um cres-
cimento da ordem de 18,3 vezes, saindo da casa de 1,7 milhões de to-
neladas, em 2000, para 32,6 milhões, em 2014, conforme demonstrado
no gráfico 3. Em 2013, dos 59 milhões de toneladas de soja importada
pela China, 41% eram provenientes do Brasil e 44% dos EUA. Segundo
Cebec/Apex (2015), nos próximos anos o Brasil tornar-se-á o principal
exportador de soja para o mercado chinês em função da ampliação da
produção brasileira e exaustão do espaço agricultável americano, pois a
expansão da produção de soja requer redução da produção de milho27.
GRÁFICO 3. Evolução das exportações brasileiras de grãos de soja para China
(2000-2014)

Fonte: Agrostat (2015). Elaboração: Geotde.

Pelo exposto, pode-se afirmar que, apesar dos agronegócios do


Brasil estarem inseridos no mercado chinês de carnes, as importações

27 Entre 2003 e 2013, enquanto a área plantada de soja no Brasil passou de 21 para 29
milhões de hectares, nos EUA o crescimento foi de 29 para 30 milhões. Em termos
de produtividade, enquanto o Brasil cresceu de 2,5 mt/há, em 2003, para 3,11 mt/
há, em 2013, a produtividade americana cresceu de 2,56 mt/há para 2,66 mt/há,
respectivamente (CEBEC/APEX, 2015).

40 UUU Carlos José Espíndola


chinesas são relativamente baixas. Em relação à carne bovina, apenas
5,9% das exportações brasileiras destinam-se a esse mercado. Já as ex-
portações de frango para China representam apenas 6,3% do total ex-
portado pelo Brasil. Entretanto, nas exportações de soja o Brasil avança
e esse mercado representa 75% do total exportado. Dessa forma, a de-
manda chinesa quanto à elevação das exportações dos agronegócios de
carne precisa ser relativizada28, isso é, somente para o caso da soja pode
haver uma associação direta entre aumento das exportações brasileiras
e o aumento da demanda chinesa. Portanto, quais poderiam ser os ou-
tros fatores responsáveis pelo dinamismo exportador dos agronegócios
de carnes e soja?

5. TRANSFORMAÇÕES TÉCNICAS PRODUTIVAS IMPLANTADAS NOS


AGRONEGÓCIOS DE CARNES E SOJA
Os agronegócios de carnes e soja passaram, nos últimos 30 anos,
por profundas transformações técnicas a montante e a jusante dos seus
sistemas produtivos. A montante, destacam-se os avanços no campo de
melhoramento genético. Na cadeia produtiva de carne suína e bovina
foram implantadas as seguintes técnicas: a Inseminação Artificial (IA);
a Transferência de Embriões (TE); a micromanipulação e produção in
vitro de embriões; a clonagem; e a produção de animais e transgênicos.
Na bovinocultura e na suinocultura, essas técnicas foram im-
plantadas em quatro grandes fases. Tratou-se, a partir da importação
de raças europeias, de criar e desenvolver raças adaptadas às condições
edafoclimáticas brasileiras. Os programas de melhoramento genético
vieram acompanhados por um intenso programa de melhorias nutri-
cionais, como a utilização de ácidos orgânicos, enzimas, probióticos
e prebióticos, própolis e ômega 3 na dieta alimentar29. No manejo, as
28 Ainda que alguns exportadores de carne bovina e de frango acessem o mercado
chinês via Hong Kong, isso dificulta e não revela as reais importações chinesas (CE-
BEC/APEX-BRASIL, 2015).
29 No caso da bovinocultura, destaca-se o aumento das pastagens cultivadas que, ape-
sar da baixa taxa de recuperação e renovação, aumentaram de 30 milhões de hec-
tares, em 1970, para 105 milhões, em 1995, e o aumento dos animais engordados

A DINÂMICA GEOECONÔMICA DO AGRONEGÓCIO BRASILEIRO DE CARNES E SOJA UUU 41


inovações fizeram-se na separação do ciclo completo para o caso da
suinocultura e nas experiências do ciclo completo na bovinocultura30.
Na cadeia produtiva de carne de frango, os avanços estão direta-
mente associados aos processos de redução da mortalidade, conversão
alimentar, diminuição da idade de abate, peso médio e velocidade de
crescimento. Para tanto, foi necessário um intenso processo substituidor
de importações por parte de instituições públicas e empresas privadas,
mediante a internalização de programas de melhoramento genético no
Brasil, visando assim a redução da dependência externa. Destaca-se,
nesse caso, o Decreto nº 55.981, de 22/04/1965, que criou mecanismos
para o país deixar de importar o produto final (matrizes), com fracas
perspectivas para cópia e melhoramento, para importar avós (ESPÍN-
DOLA, 2012)31.
Entretanto, a abertura comercial do final dos anos de 1980, o Pla-
no Collor e o Plano Real desestimularam, por um lado, os investimentos
por parte das empresas privadas e do Estado e, por outro lado, abriram
o mercado para entrada das grandes multinacionais de genética, quer

em confinamento e por alimentação suplementar nos períodos de seca (misturas


minerais, feno em pé etc.).
30 O “sistema integrado”, iniciado na década de 1950 pela Associação Rural de Con-
córdia/SC e pela Sadia, consistia na seleção de produtores capazes de desenvolver
a produção de suínos assentados no ciclo completo (maternidade, criação e engor-
da). Nos anos de 1990, a suinocultura passou a especializar os produtores nessas
diferentes etapas (ESPÍNDOLA, 2002).
31 Os ovozeiros são empresas que passam a importar os pintos avós ou os ovos férteis.
A obtenção do pinto matriz é realizada por “intermédio do acasalamento de quatro
linhagens de avós que constituem o chamado pacote de avós, formado por: 100%
aves fêmeas da linha fêmea, 15% aves machos da linha fêmea, 16% aves fêmeas da
linha macho e 4% aves machos da linha macho. Dos acasalamentos, resultam pin-
tos matrizes, machos e fêmeas da linha fêmea, que são acasalados para obtenção da
matriz comercial. Os subprodutos são descartados para fins produtivos e vendidos
para a produção de carne” (MENDES, 1994 apud CANEVER et al, 1997 p. 80). Os
esforços do Grupo Perdigão, no início dos anos de 1980, com a aquisição de material
genético dos EUA, resultaram na criação do Chester. Esforços foram feitos, ainda, por
parte do governo federal que, em 1985, por meio do Ministério da Agricultura, ad-
quiriu a Granja Guanabara. Sob a administração da EMBRAPA, o material genético
da Granja Guanabara foi repassado ao Centro Nacional de Pesquisa em Suínos e Aves
(CNPSA), localizado na cidade de Concórdia/SC (ESPÍNDOLA, 2012).

42 UUU Carlos José Espíndola


via investimento direto, quer via aquisição de empresas nacionais de
genética bovina, como a Pecplan e a Lagoa da Serra. A Agroceres, por
sua vez, após associar-se à Ross Breeders International, passou a impor-
tar bisavós de aves, que posteriormente foram fornecidas para a Sadia,
Frangosul, Avipal e Pena Branca. A norte-americana Cobb-Vantress,
subsidiária da Tyson Foods, direcionou, em 2001, US$ 10 milhões para
a construção de aviários destinados à produção de bisavós no Brasil. Na
cadeia produtiva de carne suína, empresas como a belga Seghers, atuan-
do desde 1996, a concorrente Dalland, do grupo holandês Topigs e a DB
– DanBred, de origem dinamarquesa, encontraram a possibilidade de
expansão das atividades de IA no Brasil (ESPÍNDOLA, 2002).
As inovações ocorreram igualmente em relação às instalações,
pois, na produção de frango, o meio ambiente exerce influência sobre
os resultados zootécnicos do animal. Assim, para controlar as condi-
ções adversas do clima, a indústria avícola utiliza equipamentos de cli-
matização do aviário como ventiladores, umidificadores, aquecedores,
cortinas isolantes ou sistema de túnel32. O sistema de resfriamento adia-
bático evaporativo consiste em alterar o ponto de estado psicométrico
do ar, para maior umidade e menor temperatura, mediante o controle
do ar com a superfície umedecida ou líquida, ou com água aspergida ou
pulverizada. O sistema de túnel de ventilação tem a finalidade de remo-
ver o ar em toda a extensão do aviário. A utilização do sistema de túnel
de ventilação em aviários em Santa Catarina (Concórdia) reduziu de 2
a 5 pontos percentuais a mortalidade dos frangos33. Tanto na avicultura

32 Os convencionais são de tamanho variado, normalmente de 100 m de comprimen-


to por 12 m de largura, com capacidade de alojamento de 12 frangos por m². Todo
o sistema de alimentação e de tratamento é manual ou automático (campânulas de
gás, bebedouros do tipo nipple ou pendulares, ventiladores e nebulizadores manu-
ais). Os semi climatizados são de 125 m de comprimento por 12 m de largura e com
capacidade de alojar 14,5 aves por m². O sistema de alimentação é automático e a
climatização do ambiente é mais sofisticada. Os climatizados são acima de 125 m
de comprimento por 12,5 m de largura com capacidade para 17 a 20 aves por m².
A estrutura é de concreto e totalmente fechada por cortinas especiais que evitam a
absorção do calor.
33 Os aviários climatizados redefiniram os padrões dimensionais dos aviários de 100 m
de comprimento por 12 m de largura e de 50 m de comprimento por 10 m de largura,

A DINÂMICA GEOECONÔMICA DO AGRONEGÓCIO BRASILEIRO DE CARNES E SOJA UUU 43


como na suinocultura, os novos sistemas criatórios (granjas, sistemas
de granjas, núcleos especializados), juntamente com as novas tecnolo-
gias, possibilitaram um adensamento maior de animais por metro qua-
drado e, com isso, emergiu a necessidade da introdução de técnicas de
biosseguridade. Assim sendo, vários frigoríficos brasileiros passaram a
adotar práticas pré-abates e abates que minimizam o stress do animal.
As inovações ocorreram ainda com a instalação de equipamen-
tos automatizados para as áreas de abate, desossa, processamento, res-
friamento, congelamento e embutimento. Também foram introduzidos
processos de abate Halal para atender aos mercados islâmicos. As ino-
vações em processos vieram acompanhadas de inovações em produtos,
havendo a ampliação do seu mix (cortes especiais, novos embutidos,
cortes temperados, linhas de produtos industrializados etc.). Alguns
desses produtos seguem rigorosamente as especificações dos clientes
em cor, tamanho etc. (ESPÍNDOLA, 2002).
No agronegócio da soja, merece destaque o papel desempenhado
pela Embrapa. Em 1975, foi criado, em Londrina-PR, o Centro Nacional
de Pesquisa da Soja (CNPSO).que empenhou-se em desenvolver uma
tecnologia específica para produção do grão em regiões de latitude infe-
riores a 15ºs, e para o aumento da produtividade em áreas tradicionais
(CAMPOS, 2010). As duas primeiras cultivares para o Centro-oeste
apareceram em 1980 (BR 5 e Doko), e para o Nordeste foram lançadas
três cultivares, todas apresentando um período juvenil longo.
Essas cultivares possibilitaram a migração de sulistas e sua fixa-
ção em grandes estabelecimentos, totalmente mecanizados, com outra

para aviários de 125 m de comprimento por 12,5 m de largura e possibilitaram uma


maior densidade de aves por metro quadrado. Os aviários, que antes alojavam 12.800
aves, passam a alojar mais de 20 mil aves. Entretanto, o elevado custo na introdução
desses equipamentos tem reprimido alguns investimentos. Com isso, não se encontra
no Brasil um padrão de aviário climatizado. Existem regiões, como a Centro-oes-
te, por exemplo, onde já se verifica a utilização de aviários com túnel de ventilação,
nebulizadores de água e sistema de recirculação de água em painéis de evaporação.
Nas regiões Sul e Sudeste, a tendência é a de adaptações (melhorias contínuas) nos
aviários convencionais e semi-automatizados, que têm conseguido atender às neces-
sidades de conforto térmico das aves (ESPÍNDOLA, 2012).

44 UUU Carlos José Espíndola


racionalidade de produção, já que a soja foi utilizada por muitos como
cultura desbravadora, deixando no solo, após sua colheita, nutrientes
necessários para o cultivo de outras culturas. De 1981 a 1990, produ-
ziram-se 35 materiais genéticos. O Sul ainda ocupava o primeiro lugar
em desenvolvimento de cultivares, o Centro-oeste apareceu em segun-
do lugar, com treze cultivares, uma a menos que o Sul. Ainda nessa
década, não havia sido desenvolvida nenhuma para o Norte do Brasil.
No período de 1991 a 2000, quando o Mato Grosso passou a liderar a
produção de soja no Brasil, a Embrapa lançou 56 cultivares apropriadas
para o plantio em vários estados do Centro-oeste, seguida por 23 para o
Sul, 13 para os do Nordeste, 13 para os do Sudeste e seis para os estados
do Norte. Em 1992, foi lançada a cultivar Embrapa 20 (Doko RC), cuja
amplitude edafoclimática poderia atingir o Tocantins, Goiás, o Distrito
Federal, o Mato Grosso e a Bahia. Em 1998, apareceu a primeira culti-
var para o plantio no Pará (ESPÍNDOLA; CUNHA, 2015).
Tendo em vista essas inovações e a urgência de pesquisa pública
acompanhar as tendências de mercado, garantindo ao produtor um ma-
terial genético de boa qualidade, em 1997 a Embrapa/Soja, em parceria
com a Monsanto, iniciou pesquisas com a soja transgênica e, assim, pas-
sou a inserir em suas cultivares o gene tolerante ao herbicida glifosato.
Outro marco nas pesquisas da Embrapa ocorreu em 2010, com o lança-
mento da soja Cultivance, primeiro transgênico totalmente desenvolvi-
do no Brasil. A nova cultivar é tolerante a herbicidas e concorre com a
soja RR (Monsanto)34.
Em termos gerais, pode-se afirmar que os agronegócios de car-
nes e soja passaram por um intenso processo de modernização, com
a implantação de inovações em processos e produtos. Essas inovações
possibilitaram que os agronegócios de carnes e soja reduzissem cus-

34 Na safra 2014/2015, a soja transgênica deverá cobrir 93% da área total, representando
29 milhões de hectares, sendo 76,7% desse total destinados à tecnologia tolerante a
herbicidas (TH) e 16,5% à tecnologia resistente a insetos e tolerante a herbicidas (RI/
TH). A margem que sobra para soja convencional é para atender ao nicho de mer-
cado, principalmente europeu, pois esse paga caro para ter soja não geneticamente
modificada (ESPÍNDOLA; CUNHA, 2015).

A DINÂMICA GEOECONÔMICA DO AGRONEGÓCIO BRASILEIRO DE CARNES E SOJA UUU 45


tos produtivos e passassem a inserir-se competitivamente no mercado
mundial de alimentos35. No caso da soja, apesar do elevado crescimento
das exportações para China, faz-se necessário ressaltar que, internamen-
te, foi possível ampliar a produção de soja devida, sobretudo, à abertura
de novas áreas (cerrado brasileiro), às condições edafoclimáticas do cer-
rado, ao nível tecnológico dos produtores e ao bem sucedido papel da
Embrapa na constituição de novas cultivares.
Para Jank e Nakahodo (2006), os desempenhos das commodities
agropecuárias nas exportações devem estar também associados a outros
fatores, como: (1) às crises de aftosa e vaca louca na Europa e nos EUA;
(2) à redução da oferta mundial de carne de frango por parte da China e
dos EUA, em razão do crescimento de sua demanda interna; e (3) à con-
quista de novos nichos de mercados que ampliaram o market share de
algumas cadeias produtivas. Em relação aos preços internacionais como
determinantes do aumento das exportações, Jank (2013) afirma que en-
quanto as commodities energéticas tiveram seus preços reais acrescidos
em 1.000%, ao longo dos últimos 60 anos, os minerais tiveram aumen-
tos de 100%, contra uma redução dos preços das commodities agrícolas
em 25%. Ainda segundo o autor, a elevação dos preços das commodities
agrícolas (44% em média), na última década, deve ser vista como um
efeito recuperador dos preços.

6. CONCLUSÃO
Procurou-se demonstrar, neste texto, que o desempenho exporta-
dor dos agronegócios de carnes e soja não é apenas reflexo do aumento
das demandas oriundas da China, ou apenas do aumento dos preços das

35 Cabe destacar ainda que o intenso processo de modernização da agricultura bra-


sileira possibilitou um crescimento da Produtividade Total de Fatores (PTF). No
ano de 1975, na base 100, entre 1990 e 1999, a PTF cresceu de 142% para 184% e de
204% em 2000, para 307,2%, em 2011. A desagregação da PTF indica que, enquan-
to o índice do pessoal ocupado reduziu-se de 100 para 92,2, o índice capital cresceu
de 100 para 128,7 (28,7%), contra 2,9% do índice de utilização de terras. Esse cres-
cimento tem situado o Brasil entre os países com maior crescimento mundial da
agropecuária (GASQUES et al., 2012).

46 UUU Carlos José Espíndola


commodities internacionais. Outros fatores, tais como inovações tecno-
lógicas, capacidade produtiva, ampliação do mix de produtos, conquista
de novos mercados e recursos naturais disponíveis são determinantes.
Para tanto, buscou-se fazer um diagnóstico da configuração ter-
ritorial da produção dos agronegócios de carnes e soja no mundo e o
papel do Brasil. Verificou-se que, na produção mundial de carne suína,
a China detém 50% do total produzido, seguida da União Europeia,
com 20,6%, dos EUA, com 9,9%, do Brasil, com 3,15%, e da Rússia, com
2,11%. No agronegócio de carne de frango, a produção mundial está
concentrada nos EUA, com 19,5%, na China, com 16%, no Brasil, com
14,9%, e na União Europeia, com 8,7%. No agronegócio de carne bovi-
na, a concentração da produção ocorre em três grandes produtores: os
EUA, com 18,7%, seguido do Brasil, com 16,6%, da União Europeia com
12,5% e a China com 10,9%. Na produção de grãos de soja, os EUA de-
têm 31,50%, contra 30,80% do Brasil. Em contrapartida, a China detém
28,74% da produção de farelo, contra 19,26% dos EUA, e apenas 15,21%
do Brasil. Na produção de óleo, a China produz 27,44% da produção
mundial.
No desempenho exportador dos agronegócios de carnes e soja,
demonstrou-se que no agronegócio de carne suína os EUA participam
com 32,9%, contra 32% da União Europeia, 17,9% de participação do
Canadá e apenas 8,1% do Brasil. No agronegócio de carne de frango, o
Brasil é líder nas exportações mundiais, seguido dos EUA. Já no agro-
negócio de carne bovina, os maiores exportadores foram a Índia, com
20,8%, contra 19% de participação do Brasil e 18,5% de participação da
Austrália. No agronegócio de soja, as exportações brasileiras concen-
tram-se, sobretudo, nas exportações que grãos, e que cerca de 75% (32
milhões de toneladas) das exportações brasileiras de grãos de soja vai
para a China. Em relação às exportações para China, afirmou-se que
apenas 5,9% das exportações brasileiras de carne bovina destinam-se a
esse mercado, contra 6,3% do total exportado de carne de frango. Dian-
te dos dados analisados, é necessário relativizar o papel da demanda

A DINÂMICA GEOECONÔMICA DO AGRONEGÓCIO BRASILEIRO DE CARNES E SOJA UUU 47


chinesa nas importações do agronegócio de carnes. O papel da China é
muito relevante nas exportações brasileiras de soja.
Dessa forma, demonstrou-se que outros fatores foram fundamen-
tais para o aumento das exportações dos agronegócios de carne de soja
para o mercado chinês. Dentre eles, destacou-se a introdução de inova-
ções nos processos de melhoramento genético, alimentação, sanidade,
novos sistemas de criação, novos sistemas de abates, novos produtos,
entre outros. As múltiplas determinações ampliaram a capacidade pro-
dutiva das cadeias produtivas de carne e soja, reduzindo o custo e possi-
bilitando uma inserção competitiva no mercado mundial de proteínas.

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LOCAL-GLOBAL: TERRITÓRIO, FINANÇAS
E ACUMULAÇÃO NA AGRICULTURA 1

José Gilberto de Souza2

“Não fazer a distinção entre espaço e território é como não fazer a


diferença entre o mineral de ferro e uma ferramenta feita pelo ho-
mem. Entre os dois se intercalam numerosas etapas e numerosos
processos que fazem as culturas intervirem no sentido antropoló-
gico do termo” (Claude Raffestin).

O debate geográfico tem objetivado refletir sobre a relação entre


os espaços local e global. Nossa primeira indagação reside em saber se
a centralidade teórica dessas categorias geográficas não implica em fal-
sa questão, ou uma tergiversação acerca das principais determinações
territoriais decorrentes das lógicas de acumulação, que se processam na
base das relações sociais produtivas e na autonomização do capital, em
suas dinâmicas de autovalorização e autorreprodução (financeirização)
na atual fase do capital monopolista. Assim, neste texto, propomos uma
reflexão acerca dessas dimensões espaciais, considerando um elemento
central: o processo de acumulação na agricultura frente às lógicas do
capital produtivo e das finanças.
Por sua vez, cabe destacar duas abordagens teórico-metodológi-
cas que permeiam as análises sobre esse binômio (local/global). Elas
têm suas raízes nas interpretações espaciológicas de determinações e
subordinações entre essas dimensões espaciais, como se esses construc-
1 Trabalho realizado no âmbito dos projetos Capital monopolista e resistência so-
cial: o agrário e o agrícola em cidades médias brasileiras,aprovado pela Funda-
ção de Apoio à Pesquisa do Estado de São Paulo – FAPESP e Capital financeiro,
expropriação de terras e produção agrícola moderna (CAPES – COFECUB).
2 Professor do Departamento de Geografia – Instituto de Geociências e Ciências Exa-
tas – Unesp, Campus de Rio Claro. jgilbert@rc.unesp.br

UUU 55
tos teóricos as erigissem como pares dialéticos, quando normalmente
se encerram interpretações estáticas, funcionais e dicotômicas. Nessa
direção, em uma primeira abordagem, o local é absorvido, dissolvido,
ou simplesmente se configura em objeto de processos externos dados,
subsumido a determinações de exterioridade, de comando global. A se-
gunda remete-se ao localismo, como se suas particularidades e carac-
terísticas internas fossem capazes de consolidar as forças de “coesão e
resistência espacial” em uma perspectiva endógena, neutralizadora e/
ou reguladora da ação exterior. As duas abordagens buscam dar aos
espaços local e global uma dimensão de ser, de ente. Uma leitura que
faz com que essa categoria geográfica (espaço) ganhe vulto e forma de
sujeito social, substituindo as relações sociais que lhe dão concretude e
forma,o que exige demarcar que o espaço tem uma dimensão ontológi-
ca, como produto e expressão do ser, mas não pode assumir uma pers-
pectiva anímica, de ente, em substituição ao sujeito histórico e produtor
do espaço: o homem em suas relações sociais.
Dessa forma, a ontologia do espaço se processa no devir históri-
co do homem, em seu processo de produção/apropriação espacial. Essa
categoria geográfica tem sentido histórico pelo homem, na medida em
que estabelece constructos na sua relação com o mundo. A terra é o
mundo do homem, como afirmara Hartshorne (1939), na sua relação
com os outros homens. O que confere ao espaço uma segunda proprie-
dade, além de histórico, ele é relacional. A produção/construção social
dessa categoria se realiza na perspectiva do outro, do “não espaço” (SIL-
VA, 1996), o que confere um sentido de identidade/diferencialidade e,
no campo das relações sociais, consolidam-se processos de apropriação
diferenciados, construindo o território. Assim, o espaço não é uma di-
mensão idealista, abstrata, ao contrário, se expressa em materialidade,
dadas as determinações territoriais de classe (formas de produção e
apropriação). “O território é, assim, produto concreto da luta de clas-
ses, travada pela sociedade no processo de produção de sua existência”
(OLIVEIRA, 2008:5).

56 UUU José Gilberto de Souza


O conjunto de determinações territoriais é revelador de sua onti-
cidade, mas, como asseveramos, isto não atribui ao espaço o apanágio
de “ser”. Trata-se de uma perspectiva que inverte o sujeito: o que o ho-
mem produz e que se apresenta como materialidade geográfica de seu
devir (espaço) histórico é o próprio homem, o sujeito concreto da histó-
ria. Essa inversão, que denominamos de abordagem anímica do espaço,
mas não só dele, faz com que aquilo que é produto de relações apareça
como a própria relação social, aquilo que é resultado da processualidade
histórica humana, se configure em sujeito dessa historicidade.

“Infelizmente, em parte ponderável da literatura contemporânea,


o território, que deveria ser visto como ambiente politizado, em
conflito e em construção, é posto como reificado, ente mercadeja-
do e passivo, mero receptáculo, onde se inscrevem os deslocamen-
tos/movimentos. O que é fruto de relações sociais aparece como
relação entre objetos. Há uma coisificação e o território parece ter
poder de decisão e é transformado em sujeito coletivo” (BRAN-
DÃO, 2009:10).

A contribuição crítica de Brandão se refere à interpretação idea-


lista da produção sócioespacial que, em muitos casos, anuncia e/ou vis-
lumbra uma política (uníssona) de governança, quando seu constructo
se estabelece no conflito, nas relações de poder que engendram deter-
minações territoriais segundo a lógica, interesses e intencionalidades de
classe.
Cabe considerar ainda que a construção categorial de determi-
nações territoriais não se vincula à trajetória de desenvolvimento his-
tórico-linear, uma teleologia vulgar, como se apontasse para um deter-
minismo de formas e processos de sua constituição. As determinações
são o “estado” e o “movimento” das lógicas de apropriação espacial. O
“estado” representa uma situação dada dos elementos constitutivos do
território – normas, identidade, símbolos e relações de poder (SOUZA,
2009) – e o movimento se refere às forças efetivas em confronto, as inten-
cionalidades das classes sociais em um devir constante e contraditório.

LOCAL-GLOBAL: TERRITÓRIO, FINANÇAS E ACUMULAÇÃO NA AGRICULTURA UUU 57


As determinações territoriais são processualidades histórico-espaciais
reveladoras dos projetos sociais, econômicos e políticos dos sujeitos e
que colocam os elementos constitutivos do território em movimento,
em direção à hegemonia.
O movimento (práticas socioespaciais) é que consolida e altera os
estados das determinações territoriais. Significa dizer que o território
não é dado a priori, e sim que sua gênese e consolidação estão nas rela-
ções sociais que o sustentam, o que revela sua dimensão de classe, con-
figurando aqui, essencialmente, uma perspectiva classista de território.
Esse é o jogo específico das disputas espaciais do capital, elas
encerram dimensões que assumimos como terminologias territoriais
(local-global), mas que são objetivamente lutas sobre a apropriação e
exclusão espacial.
Tendo como referência o pensamento de Raffestin (1993:60), no
qual o território se forma a partir do espaço (...) O território é o espaço
político por excelência, o campo da ação dos trunfos é que compreende-
mos que o território é, sem sombra de dúvidas, a primeira maneira de
dar significado às relações de poder, ou seja, o território é um primeiro
campo, no seio do qual, o poder se articula. Ele não é o único campo,
por isso a importância das análises sobre as territorialidades, mas se
constitui em um meio persistente e recorrente de dar eficácia à signifi-
cação de poder (SOUZA, 2009).
Nesse processo, nas dimensões espaciais local e global se expres-
sam e se materializam as determinações territoriais, segundo as lógi-
cas e forças de poder. As formas de compreensão dessas determinações
se estabelecem a partir das escalas geográficas de análise, que se con-
substanciam em um recurso teórico e metodológico, e sempre exigem
a compreensão de que a centralidade são as relações sociais e não o es-
paço (escalar) em si.
“Selecionar analiticamente a escala mais conveniente dos proble-
mas observados faculta melhor diagnosticá-los e possibilita sugerir coa-
lizões de poder e decisões estratégicas sobre como enfrentá-los. O desa-

58 UUU José Gilberto de Souza


fio (simultaneamente) científico e político é, portanto, procurar definir
o que e com que meios cada escala pode revelar, mobilizar, contestar,
acionar, regular, comandar e controlar” (BRANDÃO, 2009:14).
A escala posiciona os sujeitos sociais (e o pesquisador) frente à
questão que está posta e permite a real construção dos recortes espaciais
necessários à resposta. Assim é preciso compreender que a escala é, ao
mesmo tempo, um recorte, uma representação e um discurso. Uma ex-
pressão espacial que demonstra e revela os níveis de entendimento.
Cartograficamente, por exemplo, podemos afirmar que na pe-
quena escala uma determinação territorial é ponto e na grande escala é
área, são níveis distintos de compreensão de uma mesma materialidade.
Ponto e área não são dimensões e/ou implantações cartográficas abstra-
tas. Ao contrário, elas dão o sentido específico do nível de conhecimen-
to das relações hegemônicas, ou centrais, para o entendimento do espa-
ço/território. Observa-se que nos níveis máximos de identificação das
relações e práticas socioespaciais contíguas se revelam os limites e nas
não contíguas, as redes, na medida em que nos distanciamos da cen-
tralidade, dos núcleos que emanam o poder, é possível determinar as
dimensões zonais/areolares e/ou os limites cartograficamente expres-
sos. Importante assinalar que ao se distanciarem desse núcleo provedor,
paulatinamente tendem a perder a “forma”, mesmo assim “exige-se”
que as “fronteiras/limites” sejam expressas, no rigor de representação,
por uma “linha tracejada”, como “medida” daquilo que já transparece
como fluidez das determinações no espaço/território.
Esse movimento é espacial (material), cartográfico e teórico-me-
todológico, mas é também o prenúncio de interposição escalar, revela-
dor do quanto o local, o regional e o global estão imbricados, em um
continuum, bem como suas determinações territoriais e, imediatamen-
te, revelam o sentido das apropriações, as formas classistas do território.
No capitalismo, esses níveis são expressos nas dinâmicas de controle da
produção, da circulação e do consumo e são mediadas pelas taxas de
acumulação.

LOCAL-GLOBAL: TERRITÓRIO, FINANÇAS E ACUMULAÇÃO NA AGRICULTURA UUU 59


1. O MÉTODO E AS LÓGICAS DE ACUMULAÇÃO
Neste item, nos propomos demonstrar, no plano teórico, a in-
dissociabilidade dos conceitos na lógica dos processos de acumulação.
Neste exercício procuramos, com nossas limitações, expressar que o
método marxista de apresentação das determinações territoriais pro-
gressivas do capital, nas escalas local e global, é a demonstração simul-
tânea das determinações progressivas da acumulação, da concentração
de terra, renda e capital, dada a característica patrimonialista que ele
encerra (CHESNAIS, 2005). A preocupação com o método se respalda
em uma análise preliminar do que se considera “nós” de entendimen-
to da relação entre a lógica territorial e a lógica do capital em David
Harvey (2004) e entre capital (industrial) produtivo e capital financei-
ro, no pensamento de François Chesnais (2005), e como se processa a
apropriação da mais valia e da renda da terra, como formas sociais de
reprodução do capital.
Inicialmente, é preciso reconhecer que nesse caminho existem
lógicas internas de funcionamento das instituições e seus movimentos
monolíticos e não monolíticos (dada a perspectiva lukacsiana de antie-
ticidade das instâncias sociais)3, como determinação progressiva de seu
fundamento nas relações de classe, na formação e apropriação do valor.
Especificamente, nos referimos ao Estado e, assim, o desenvolvimento
de seu fundamento nas determinações territoriais e suas formas de ma-
nifestação na lógica de acumulação.
Em um segundo momento, é preciso reconhecer as esferas da ne-
cessidade de realização dessa acumulação (dos capitais produtivos e fi-
nanceiros), que aparecem como distintas, mas existem em condiciona-
mento recíproco e que constituem a forma de movimento (social) do ca-
pital. Ainda que se produza autonomização funcional de cada elemento
e/ou fenômeno, esse movimento se estabelece no aumento da mais valia
e alteração da composição orgânica do capital (a relação entre trabalho
3 “No limite e no essencial, reafirmar a asserção marxiana, segundo a qual a história
é resultado exclusivo da ação dos homens e que, por isso, está ao alcance da huma-
nidade tomar a história em suas mãos”. (LESSA, 1994:63-64).

60 UUU José Gilberto de Souza


morto e trabalho vivo), esses processos presidem a acumulação e deter-
minam a produtividade do trabalho, mas não somente, eles ampliam
exponencialmente (na expectativa de lucro) a autovalorização do capital
na forma rentista, na forma de especulação, o que é sua essência fictícia.
Por último, é necessário destacar que nesses movimentos de ins-
tituições e de capitais se expressam a força totalizadora do capital que
abarca e subordina todas as relações sociais, como lógica do mercado (a
centralidade da mercadoria) e, nessa dimensão, quer transparecer que
sua autovalorização (a autovalorização do valor) se processa em si mes-
ma, como lógica assumida unicamente na esfera das finanças em seu
esteio patrimonial. O fetiche da mercadoria-dinheiro ao seu extremo,
sendo a especulação, a fraude e o engano as matrizes da prestidigitação
do trabalho em realização e em potência e, portanto, ele mesmo a for-
mação do “autovalor”, como seu espelho.
Nesse processo é que se define a apresentação do método, uma
vez que a forma de manifestação imediata exige o desenvolvimento de
suas contradições internas, desviando-se dos elementos aparentes, que
podem ser aqui associados a leituras idealistas e financistas, para rea-
firmar a dialética materialista, expondo, portanto, as relações sociais.
Deve a teoria apresentá-las a partir de conceitos e que, metodologica-
mente, expressam sua capacidade explicativa do real. Os conceitos são
momentos de um desenvolvimento categorial, mas não apenas, são
constructos teóricos sobre e do real.
Como explicou Marx, sobre a ordem em que se apresentam as
categorias e conceitos.

“(...) sua ordem é determinada pela relação que elas têm umas
com as outras na sociedade burguesa moderna, e que é justamen-
te o contrário de como elas aparecem naturalmente ou do que
corresponde à ordem do desenvolvimento histórico. Não se trata
da relação que as relações econômicas adotam historicamente em
sequência das várias formas de sociedade. Nem muito menos de

LOCAL-GLOBAL: TERRITÓRIO, FINANÇAS E ACUMULAÇÃO NA AGRICULTURA UUU 61


sua ordem na ideia, mas de sua articulação dentro da sociedade
burguesa moderna” (MARX, 1983, p. 78).

Assim, não se trata de uma dedução lógica de conceitos e cate-


gorias, os quais se pode aplicar a todo momento e espacialidade, como
se fossem “conceitos derivados de conceitos”. Antes, seus construc-
tos são materiais, historicamente construídos pela realidade material
e imaterial dos homens e, por isso mesmo, com seus nexos internos e
contraditórios.

2. A QUESTÃO DA LÓGICA TERRITORIAL E DA LÓGICA DO CAPITAL


David Harvey (2004), em O novo imperialismo,iniciou sua refle-
xão apontando duas esferas de realização dos processos de acumulação
que denominou de lógica do território e lógica do capital. O primeiro
reparo que fazemos, nesse processo, é a construção de dois pares dialé-
ticos entre os quais não se expressam movimento e contradição, dado
que em certos momentos, o autor mencionou que eles não se relacionam
e, nesse sentido, é importante analisar o conceito de território em Har-
vey e, da mesma forma, o de capital.
Como asseveramos, partimos do pressuposto de que território
não é uma dimensão físico-territorial, ainda que essa seja uma de suas
possibilidades, mas não é simplesmente uma concretude/área em que se
espraiam os processos de acumulação e se estabelece o desenvolvimen-
to capitalista. O território não revela, ao contrário, deve ser revelado no
conjunto de análises em que essa porção apropriada do espaço vai se
constituindo, na medida em que se elucidam mediações e hierarquias
das determinações que se assentam nessa ou naquela escala pela lógica
do poder.
O território não se consolida como lógica em si, mas se materia-
liza como forma específica no modo de produção capitalista, enquanto
sua gênese e os processos de acumulação se estabelecem mediados pelos
interesses de classe, portanto o território é para si. Ele é o próprio ca-
pital, enquanto jogo de forças e processos de acumulação que se apre-

62 UUU José Gilberto de Souza


sentam como hegemônicos. Ele é a negação do capital quando novas
formas de reprodução e práticas socioespaciais se constituem. Ele não é
dado a priori enquanto uso e forma, porque se expressa como realização
histórico-geográfica de classes sociais.
Significa dizer que o território tem uma expressão de classe, en-
quanto materialidade de processos hegemônicos, de práticas socioes-
paciais capitalistas ou não. O campo de atuação a que Harvey se refe-
riu é espacial (enquanto expansão geográfica), porque é campo de ação
do capital, segundo os instrumentos possíveis de serem realizados na
apropriação. Ao mesmo tempo, a lógica territorial em Harvey (2004)
aparece como “local-nacional” enquanto expressão material do capita-
lismo em sua esfera produtiva, que pode assumir dimensões escalares
regionais, nacionais, considerando a mediação do Estado como catego-
ria central. Isso fez com que o autor as tratasse como espaços de acu-
mulação centrados no capital produtivo, ou seja, para Harvey a lógica
territorial é uma dimensão material concreta de acumulação por espo-
liação, como forma de expansão capitalista, e que se assenta na atuação
do Estado-Nacional.
Para o autor, o controle territorial é essencial para um padrão de
acumulação que se impõe sobre a natureza e os processos de privatiza-
ção, cujas ações respondem pela expansão geográfica e, nesse processo,
o Estado resulta em “um arcabouço territorializado no interior do qual
agem os processos moleculares do capital”(HARVEY, 2004:79).
Com isso, o autor demarcou a necessidade dessa instância social
nos processos de reprodução capitalista e considerou que o desenvolvi-
mento do modo de produção deve ser entendido a partir das estratégias
que o Estado estabelece territorialmente. Quando tomamos essa ex-
pressão, a princípio, não temos divergência. No entanto, dessa assertiva
é que engendram-se divergências, quando fixou o autor a lógica territo-
rial ao Estado e não ao capital em geral.

LOCAL-GLOBAL: TERRITÓRIO, FINANÇAS E ACUMULAÇÃO NA AGRICULTURA UUU 63


O primeiro ponto a considerar é que o Estado moderno emerge
como uma instituição burguesa4, e que atua nas lógicas de reprodução
e de controle social capitalista (lógica territorial, como lógica do capital
produtivo) e que sua função, porque o “Estado é um território do capi-
tal”, se transforma na mesma proporção em que se alteram as lógicas e
formas de reprodução do modo burguês, e que a “lógica do capital” (fi-
nanceiro) também se encontra mediada pelo Estado, seja no âmbito das
dívidas públicas, dos fluxos cambiais, como nas regulações e desregula-
ções sobre o capital financeiro/patrimonialista. Nesse processo, não há
contradição entre essas duas dimensões e, nem mesmo, exterioridade
de atuação dessa instância social nessa ou naquela esfera de reprodução
capitalista.
O segundo ponto está relacionado à compreensão do autor de que
essas duas lógicas não têm, necessariamente, qualquer relação direta
uma com a outra, e que podem ser desenvolvidas de forma dissocia-
da. Indicou o autor que a política de um Estado-Nacional pode ser di-
recionada pelos interesses regionais a partir de processos moleculares
de acumulação, ou, ao contrário, a consolidação de espacialidades que
emergem em decorrência da pura lógica territorial. O autor exemplifi-
cou, essa última, a partir de estradas e sistemas de comunicação cons-
truídos para atividade administrativa, militar, ou proteção territorial,
mas que atuam no processo de acumulação territorial. Essa dualidade
não existe, nem do ponto de vista da atuação política do Estado-Nacio-
nal e muito menos das determinações territoriais apontadas como atua-
ções “específicas” dessas lógicas. O capitalismo utiliza as estruturas de
Estado na regulação, mas existem elementos de regulação supraestatais
e infraestatais e, nesses mecanismos, se processam as formas de acumu-
lação. Significa dizer que não haveria como conceber lógicas intrínsecas
e particulares do “Estado capitalista” que não estivessem mediadas pe-
los interesses de acumulação.

4 Esse ponto não deixamos de considerar, ainda que tal leitura possa ser rotulada de
“althusseriana”, embora não tenhamos uma compreensão monolítica das categorias
e instâncias sociais,o Estado moderno é uma “ordem burguesa”.

64 UUU José Gilberto de Souza


Afirmou Harvey que quando o controle territorial (que não pre-
cisa ser físico, e nesse ponto estamos de acordo) se apresenta como um
meio necessário de acumulação, a associação das lógicas (territorial e
do capital) não se dá aleatoriamente e sim sob o comando do capital. Se-
gundo o autor, nesse momento, o Estado usa seus poderes para direcio-
nar a dinâmica regional, a partir de sua capacidade de investimentos, de
suas estruturas administrativas, bem como a formulação e a imposição
(violência5) de normas legais. (HARVEY, 2004:92). Para o autor, a jus-
tificativa de separação dessas lógicas – que em nossa avaliação é única
e o que se tem como parâmetro é o papel do Estado-Nacional e suas
nuances como estrutura burguesa – é a de que na lógica da acumulação
o Estado não aparece. O ponto central é exatamente esse, as determi-
nações territoriais progressivas do capital, nas escalas local e global, são
simultaneamente as determinações progressivas da acumulação e se
processam mediadas pelo Estado , nas esferas da produção e da circu-
lação, mesmo no estágio mais desenvolvido da mercadoria-dinheiro, e
em todas as suas formas ulteriores de desenvolvimento, que podem ser
denominadas de capital financeiro, portador de juros ou patrimonialis-
ta, para sermos mais simples.
Apontaremos abaixo que nem mesmo ações específicas de mo-
nopólio do Estado, como a violência, por exemplo, têm a possibilidade
de isolamento, essa última, via indústria militar/via capital fictício. A
única consideração possível se refere às ações mediadas pelos processos
de disputa no aparelho de Estado, pelos movimentos sociais e populares
na perspectiva de consolidação de uma nova dimensão territorial, que
não tenha como centralidade a acumulação e a lógica da mercadoria.
Importante destacar que o debate proposto pelo autor está “fixa-
do” na perspectiva do imperialismo e busca delimitar um novo para-
digma de hard power (NYE, 2004), centrado em dinheiro, capacidade
produtiva e força militar. O nacional, como parâmetro conceitual, ga-
nha o corpo de Estado e o território sua base material-espacial. Nessa

5 “(...) com seu monopólio da violência e suas definições de legalidade, tem papel
crucial no apoio e na promoção desses processos” (HARVEY, 2004:121).

LOCAL-GLOBAL: TERRITÓRIO, FINANÇAS E ACUMULAÇÃO NA AGRICULTURA UUU 65


interpretação o território não é um constructo, está dado a priori no
conceito de Estado-Nacional e, evidentemente, a força e a expressão his-
tórica desse Estado, para Harvey, são os Estados Unidos da América
(EUA) e os demais Estados que subjuga.
A matriz do pensamento de Harvey (2004), ainda que se professe
luxemburguiano, está vinculada ao pensamento de Vladimir Illich Le-
nin (2007), particularmente em sua obra “O imperialismo, fase superior
do capitalismo”. Nesse trabalho e, em especial, no capítulo VI, em que
discutiu a repartição do mundo entre as grandes potências capitalistas,
Lenin utilizou o texto de Alexander Georg Supan, geógrafo austro-hún-
garo, intitulado “Desenvolvimento territorial das colônias europeias”,
para demonstrar as possessões dos países hegemônicos no mundo e o
controle de área e população na viragem do século XIX. Nesse proces-
so, Lenin, que já havia demonstrado, no capítulo anterior, as formas de
repartição ou as determinações territoriais dos grandes grupos indus-
triais e financeiros, em suas estratégias de concentração e monopólio,
recorreu a “precisão espacial” para demonstrar como os Estados-Na-
cionais se articulavam na internacionalização capitalista. Lenin, esta-
va sustentando sua análise nas mesmas premissas teóricas de Hobson
(1902), quando esse reuniu elementos críticos acerca da deterioração
do Estado-Nação inglês, frente ao que esse autor liberal denominava
de efeitos do imperialismo: a superprodução; a redução da concorrên-
cia; os custos sociais e econômicos que as ações de controle militar, nas
áreas de exploração estrangeiras, produziram à Inglaterra e, sobretudo,
a fragilização das condições sociais de reprodução daquela sociedade6.
Assim, na análise do texto de Lenin (2007) é necessário, em pri-
meiro lugar, separar dois movimentos que se consagraram. O primeiro
se referia às estratégias e interesses da burguesia inglesa em transformar
o regime colonial, como fator necessário ao desenvolvimento do capita-
lismo. Lenin apontou para esse esforço da burguesia inglesa:

6 Destaca-se que as considerações de Lenin (2007) sobre Hobson, em muito, têm


por objetivo demonstrar o quanto Kautsky assumiu uma posição reformista, mais
conservadora do que as posições do autor inglês.

66 UUU José Gilberto de Souza


“En la época de mayorflorecimiento de la libre competencia en In-
glaterra, en los años 1840-1860, los dirigentes políticos burgueses
de este país eranadversariosde la política colonial y consideraban
como útil e inevitable la emancipación de lascolonias y susepara-
ción completa de Inglaterra” (LENIN, 2007:59).

A demarcação histórico-teórica desse período é de extrema im-


portância, uma vez que o colonialismo se caracterizou por uma domi-
nação territorial entre metrópole e colônia e todos os processos diretos
de subordinação política, econômica, comercial e jurídica que ela encer-
rou. No colonialismo não existe uma relação interestatal, mas intraes-
tatal. Ao passo que o imperialismo, na forma clássica de interpretação,
constitui-se em uma relação de dominação entre Estados Nacionais, o
que o diferencia do colonialismo7. Exatamente por conta dessa interpre-
tação clássica é que Lenin elaborou esse capítulo. O autor reconheceu
que nas relações econômicas os processos de dominação e realização
do capital financeiro ainda se materializam em espaços coloniais, mas
sua forma em desenvolvimento e realização não requer ou depende des-
sa estrututra, ao contrário, seu desenvolvimento ulterior se estabelece
nas relações interestatais, ou seja, sobre os Estados independentes, mas,
nem mesmo isso é o cerne do imperialismo na leitura crítica marxista.

“Al lado de lasposesionescoloniales de las grandes potencias, he-


moscolocado lascolonias menos importantes de los Estados pe-
queños y que son, por decirloasí, el objeto inmediatodel “nuevo
reparto” de lascolonias, posible y probable. La mayor parte de
esospequeños Estados conservan sus coloniasúnicamentegracias
a que entre las grandes potencias existeninteresescontrapuestos,
rozamientos, etc., que dificultan el acuerdo para el reparto delbo-

7 O fato de sua análise estar restrita ao processo de mudança das relações hegemo-
nicamente colonialistas e, simultaneamente, serem apresentados os germes de uma
nova constituição do desenvolvimento do capitalismo (imperialismo) em sua di-
mensão financeira, Lenin, teve dificuldades em detalhar/separar os processos de
dominação colonialista dos processos de dominação econômicos, financeiros e po-
líticos de caráter imperialista.

LOCAL-GLOBAL: TERRITÓRIO, FINANÇAS E ACUMULAÇÃO NA AGRICULTURA UUU 67


tín. En cuanto a los Estados “semicoloniales”, nos dan el ejemplo
de las formas de transición que hallamos en todas las esferas de la
naturaleza y de la sociedad. El capital financiero es una fuerza-
tanconsiderable, por decirloasítan decisiva en todas las relaciones
económicas e internacionales, que es capaz de subordinar, y en
efecto subordina, incluso a los Estados que gozan de una indepen-
dencia política completa, como lo veremos más adelante. Pero,
naturalmente, para el capital financiero la subordinación más be-
neficiosa y más “cómoda” es aquella que traeaparejada consigo la
pérdida de la independencia política de los países y de los pueblos
sometidos. Los países semicolonialesson típicos, en este sentido,
como “caso intermedio”. Se comprende, pues, que la lucha por
esos países semidependienteshayatenido que exacerbarse particu-
larmente en la época del capital financiero, cuando el resto del
mundo se hallabaya repartido” (LENIN, 2007:61).

Nesse ponto é que se encerram nossas considerações acerca do


trabalho de Harvey (2004). A questão da dominação entre Estados é
secundária nas reflexões críticas sobre o imperialismo, pois o Estado
como fundamento de relações é uma representação burguesa das frag-
mentações socioespaciais que o capitalismo cria. Não obstante, o pró-
prio Lenin, ao situar a interpretação do imperialismo sobre a dimensão
espacial do Estado-Nacional, reconheceu que essa, ou qualquer outra
dimensão espacial, ou mesmo extraeconômica, têm pouca importância
a não ser quando se revertem em necessárias à lógica de acumulação.

“Los capitalistas repartenel mundo, no como consecuencia de su


particular perversidad, sino porque el grado de concentración
a que se ha llegadolesobliga a seguir este camino para obtener-
beneficios; y se loreparten “según el capital”; “según la fuerza”;
otroprocedimiento de reparto es imposible en el sistema de la
producción de mercancías y del capitalismo. La fuerzavaría a su
vez en consonancia con el desarrollo económico y político; para
comprenderlo que está aconteciendo, hay que saber cuálesson los

68 UUU José Gilberto de Souza


problemas que se solucionan con el cambio de lasfuerzas, pero
saber si dichoscambiosson “puramente” económicos o extraeco-
nómicos (por ejemplo, militares), es una cuestión secundaria que
no puedehacer variar en nada la concepción fundamental sobre
la época actualdel capitalismo” (LENIN, 2007:51).

Evidencia-se que a questão central do imperialismo não está nos


processos “espaciais” (entendidos aqui como relações entre nações) de
dominação, mas na lógica de constructo de dominação territorial me-
diada pelas finanças em seu caráter monopolístico. Por esse motivo, as
críticas luxemburguianas são tão precisas,quanto atuais. Para Luxem-
burg, a questão do nacional iniciou-se exatamente pelo entendimento de
que a experiência russa não poderia manter-se em si mesma. Tratava-se,
afirmava a economista polonesa, de um episódio, de um fenômeno da
história mundial, na trajetória do processo revolucionário dos proletá-
rios e camponeses frente ao capitalismo (LUXEMBURG, 1988). Muito
além de uma análise pontual sobre a organização do Estado socialista,
para ela, a questão nacional se vinculava ao processo revolucionário, na
medida em que se concentrava nesse discurso os entraves à revolução
socialista, ao internacionalismo proletário e ao combate à essencialida-
de do imperialismo, que para a autora, era entendido como um método
histórico de preservação do capitalismo.

“Hoje, tornou-se atual também na Rússia, já que o desenvolvi-


mento dos acontecimentos revolucionários coloca todas as classes
e todos os partidos políticos diante da necessidade de solucionar
a questão nacional do ponto de vista da política prática e de seus
objetivos diretos. (...)  A respeito da questão nacional como de
qualquer outra, a posição do partido operário deve diferenciar-se
claramente, por seu próprio método e pela concepção básica do
problema, das posições adotadas pelos partidos burgueses, inclu-
sive os mais radicais, e também das posições dos partidos pseu-
do-socialistas da pequena burguesia. A social-democracia, que
baseia toda sua política no método científico do materialismo his-

LOCAL-GLOBAL: TERRITÓRIO, FINANÇAS E ACUMULAÇÃO NA AGRICULTURA UUU 69


tórico e na luta de classes, não pode fazer uma exceção da questão
nacional. (...)Para dizer a verdade, o programa do partido russo
contém ainda outros dois postulados extremamente importantes
e que se referem ao mesmo problema. Trata-se do sétimo ponto,
que exige a supressão dos Estados e a completa igualdade de di-
reitos para todos os cidadãos sem diferença de sexo, religião, raça
ou nacionalidade, e do oitavo ponto, que proclama o postulado de
que a população da nação deve ter o direito de frequentar escolas
gratuitas e autônomas que ensinem o idioma nacional, a utilizar
sua língua nas assembleias, como também em todas as reparti-
ções estatais e públicas, conjuntamente com o idioma do Esta-
do. (...) Contudo, é evidente que os autores do programa conside-
raram insuficientes para solucionar a questão das nacionalidades
a igualdade de direitos, a autonomia local e provincial e o direito
ao idioma próprio, já que julgaram indispensável o acréscimo de
um parágrafo especial pelo qual cada nacionalidade devia ter
o “direito à autodeterminação”.

O que caracteriza principalmente esta formulação é a circuns-


tância de que não contém nada relacionado especificamente com
o socialismo ou com a política operária. “O direito das nações à
autodeterminação” parece à primeira vista uma paráfrase da ve-
lha palavra de ordem do nacionalismo burguês de todos os países
em todos os tempos: “o direito das nações à liberdade e à indepen-
dência”. [...]

O caráter demasiadamente geral do nono ponto do programa


social-democrata russo já nos indica que soluções desta nature-
za são estranhas à doutrina do socialismo marxista. “O direito
das nações” – que abarque todos os países e todos os tempos com
idêntica justiça – não é outra coisa senão um clichê, uma frase
metafísica, como seus análogos “direitos de homem” e “direitos
do cidadão”. O materialismo dialético – fundamento do socia-
lismo científico – eliminou definitivamente de seu vocabulário
estes axiomas “eternos”. (...) Além disso, o materialismo dialético

70 UUU José Gilberto de Souza


demonstrou claramente que os conteúdos reais dessas verdades,
fórmulas e direitos “eternos” são impostos em cada oportunidade
pelas relações materiais do meio ambiente social correspondente
e de sua época histórica” (LUXEMBURG, 1988).

Significa dizer que o pensamento crítico não pode ancorar suas


análises acerca do desenvolvimento do capitalismo e de suas estratégias
de reprodução e acumulação na esfera do Estado-Nacional, ou, aqui,
particularmente, no antiamericanismo. O que resulta em importância
na lógica de acumulação, não é efetivamente a mediação do Estado esta-
dunidense sobre as estratégias de controle territorial na zona do petró-
leo e nas outras esferas de apropriação dos recursos naturais, mas sim, o
conceito de accumulation by dispossession. Harvey (2004) elaborou esse
conceito em uma aproximação direta ao pensamento de Luxemburg,
como forma econômica do capitalismo, em seu processo de ampliação
da acumulação, quase derivando e, também, comparável ao da acumu-
lação primitiva, no que ele tem de destruição da natureza, de rapina,
pilhagem, ou como afirmou Lenin, das formas de obtenção de controle
dos recursos naturais e do mais valor do trabalho, aplicado em escala
internacional e mediada pelo capital financeiro.

“La particularidad fundamental del capitalismo moderno consis-


te en la dominación de lasasociaciones monopólicas de los gran-
des empresarios. Dichosmonopoliosadquieren la máxima solidez
cuandoreúnen en sus manos todas lasfuentes de materias pri-
mas, y yahemos visto con qué furor los grupos internacionales de
capitalistas dirigen sus esfuerzos a arrebatar al adversario toda
posibilidad de competencia, a acaparar, por ejemplo, lastierras
que contienen mineral de hierro, los yacimientos de petróleo, etc”
(LENIN, 2007:62).

Exatamente nessa esfera, David Harvey (2004) deteve seu discur-


so em O novo imperialismo, com o objetivo de demarcar as ações do
Estado, que não são outras, ou mais, que as ações do próprio capital nos
conflitos territoriais no Oriente Médio e, em seu texto, particularmente,

LOCAL-GLOBAL: TERRITÓRIO, FINANÇAS E ACUMULAÇÃO NA AGRICULTURA UUU 71


na guerra do Iraque, para manutenção e ampliação de sua hegemonia
de partilha entre os grupos monopolísticos, tal como exemplificara Le-
nin no início do século XIX.
Destaca-se ainda que, nem mesmo as práticas do militarismo que
são levadas a efeito no jogo de forças geopolítico contemporâneo (hard
power) pode ser tomado intrínseca e exclusivamente “como ação de Es-
tado”, seja pelo controle territorial, seja pelas formas de subordinação
das nações. O próprio militarismo, ou ação militar de Estado, desde a
consolidação da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN);
da condução da presidência dos EUA por Dwight D. Eisenhower (1953-
1961) e, marcadamente, sua “Mensagem especial ao Congresso sobre
a situação no OrienteMédio”, em 05 de janeiro de 1957, considerado
como Doutrina Eisenhower, se estabeleceu como uma atividade econô-
mica, uma indústria capitalista como qualquer outra, com a capacidade
latente de destruir e criar a necessidade de reconstrução (trade war),
com a particularidade de estar articulada umbilicalmente ao poder de
Estado.
Mampaey e Serfati definem a indústria militar como um sistema,
diante de sua lógica particular de reprodução, afirmando que essa abor-
dagem ultrapassa a análise setorial.

“(...) que não permite esclarecer o caráter totalmente singular da


produção de armas no que diz respeito ao seu destino (um único
cliente ou monopsônico), nem seu lugar na reprodução macroe-
conômica (o bem “armamento” não é nem um bem de produção
nem um bem de consumo), e ainda menos o entrelaçamento ro-
busto e orgânico entre os grupos industriais e as instituições esta-
tais” (MAMPAEY, SERFATI, 2015:223).

Descrevem os autores, nesse excelente artigo, os mesmos proces-


sos de reestruturação industrial na lógica das finanças, de concentração
(fusão e aquisição), de valorização bursátil e de perspectiva de realiza-
ção econômica pelo conceito de “conflito permanente”, que garante a
lógica especulativa do sistema de guerra.

72 UUU José Gilberto de Souza


Não se desconsidera, portanto, em nossa análise a importância
do Estado nesse processo de expansão territorial capitalista, na esfera
produtiva e financeira. Sustentamos que o próprio militarismo é em es-
sência um exemplo capital acerca da vinculação dessas esferas e, sobre-
tudo, como o Estado é um agente singular nessa valorização e autova-
lorização do capital vinculado à ação militar. As reflexões que o próprio
Harvey (2004) constrói na perspectiva crítica de demonstrar como essa
instância é fundamental nos processos de acumulação do capital e seu
papel regulador são evidentes. A questão é que a perspectiva dual entre
lógica territorial e lógica do capital separa essas dimensões dos proces-
sos de acumulação, como se a lógica territorial e suas determinações
fossem constructos independentes do movimento do capital financeiro,
descaracterizando a totalidade social do capital.
O próprio autor reconhece que o prisma do nacional é tênue
quando as intencionalidades e objetivos do capital se colocam como
imperativos nas relações do Estado, seja na perspectiva de uso de seus
instrumentos mais “duros” (hard power) nas relações interestatais, seja
de instrumentos de negociação e atração para campo de poder, denomi-
nados de soft power8, o fato é que tais mediações são apenas constructos
imanentes do capitalismo e de suas esferas de reprodução.
Para Harvey, nem mesmo os “interesses estadunidenses” enquan-
to lógica de preservação das condições econômicas internas de repro-
dução (desenvolvimento e crise econômica) foram suficientemente ca-
pazes de deter a insaciabilidade do capital financeiro, o que configura o
Estado-Nacional como uma metáfora, ou seja, trata-se eminentemente
do Estado capitalista, nos moldes de como analisou o próprio Marx
(1983).
A lógica financeira tem o Estado como instrumento do capital,
como segue a tradição crítica marxista, ainda que se reconheça os ele-
mentos de antieticidade imanentes em qualquer instância social, mas

8 “The ability to get what you want through attraction rather than coertion or pay-
ment. It arises from the attractivenes of as country's culture, political ideals, and
polices” (NYE, 2004:X).

LOCAL-GLOBAL: TERRITÓRIO, FINANÇAS E ACUMULAÇÃO NA AGRICULTURA UUU 73


não se configura como uma lógica em exterioridade às finanças, que o
autor chamou de lógica do capital. A primeira (territorial) não o seria ?
Nesse sentido, o capital, a que se referiu Harvey é efetivamen-
te finanças, mas que não opera de forma distinta, ou em separado das
formas produtivas de realização do capital, centradas na produção do
valor, do mais valor e da renda, mediadas, ou não, pelo Estado. O que
o autor propôsfoi separar a atuação do poder político na forma de acu-
mulação do processo produtivo, bem como sua natureza e capacida-
de constantes de realizar a acumulação primitiva – ou como a própria
Rosa Luxemburgjá apontava, sobre sua capacidade de reprodução sobre
relações nãocapitalistas – de criar formas de ampliação, ou acumulação
exponencial na esfera financeira9. A questão é: em que medida o Estado
não media essas duas formas de acumulação (produtiva e financeira),
cujas características mesmas se estabelecem sobre o trabalho e a renda
da terra?
O que está posto em Harvey é a lógica da expansão geográfica do
capitalismo que se concretiza em ajustes espaciais pela mediação do Es-
tado, na atuação geopolítica dos Estados Unidos da América, por exem-
plo. Observa-se que essa expansão geográfica, mediada pelo Estado, se
configura em um “arcabouço territorializado” pelo qual se realizam os
processos moleculares de acumulação, o que evidencia, pelo próprio
autor, a importância dessa instância social na reprodução ampliada do
capital. A questão do autor é o Estado estadunidense e as formas de rea-
lização da acumulação na periferia do capitalismo. Mas, em nossa aná-
lise, a centralidade não está nas instâncias superestruturais pelas quais
o capitalismo se realiza e sim, efetivamente, sob o jugo que se impõe às
classes proletárias e camponesas nos processos de apropriação do mais
valor e da renda da terra. Nesse ponto, demarcamos que a mediação dos
processos de acumulação não se realiza pelo capital apenas na lógica
espacial (físico territorial) centro-periferia, e sim na realização do mais
valor em todas as esferas das relações capitalistas, demonstrando na

9 O que veremos à frente é queChesnais estabeleceu sobre a questão política e a mun-


dialização financeiraesse mesmo pensamento dual.

74 UUU José Gilberto de Souza


perspectiva luxemburguiana que, quanto mais periférica, contradito-
riamente, quanto mais se distancia do cerne das relações formais capi-
talistas, mais se amplia a acumulação. Ela se realiza nos países centrais
e nos países nãocentrais, em todas as relações periféricas do capitalismo
em que o Estado tenha ou não capacidade de legitimar as formas de ex-
ploração, e se processa em transições econômicas (circulação do capital
é uma necessidade absoluta) produtivas e financeiras.
O trabalho de migrantes e dos cidadãos atingidos pelas grandes
crises econômicas nos países centrais é um dado concreto sobre as for-
mas de acumulação que se materializam nos subempregos, nos empre-
gos informais e nas relações econômicas de subconsumo e subdireitos,
como totalidade social do capital. A acumulação intensiva não se reali-
za no plano das relações entre os Estados-Nacionais e ou nos processos
de reprodução do capitalismo central e periférico, mas sim nas formas
de atuação do capital em suas centralidades e atuações periféricas orgâ-
nicas e técnicas sobre o trabalho e a terra10.
Reduzidas as dinâmicas de acumulação, tendência geral de queda
da taxa de lucro, os mecanismos de controle devem efetivamente res-
surgir como lógica territorial (produtiva) do capital, mediado ou não
pelo Estado, mas que em verdade são lógicas precisas do capitalismo
que se reconstroem nos limites de incorporação de lucro e renda, como
mecanismos de regulação.
Em nosso entendimento, a lógica territorial é um equivoco re-
corrente do materialismo histórico quando quer tratar das ações de do-
minação como lógica de Estado, quando em verdade se configura em
lógica de dominação do capital que transita agora com maior fluidez
como finança (lógica do capital). A matriz leninista das alianças de Es-
tados, em contraposição a lógica imperialista-capitalista, faz-se presen-

10 Um exemplo concreto é o que se denomina de feminilização do trabalho migrante


nos países centrais, em que as atividades e condições de exploração antes vincula-
das apenas ao trabalho da mulher passam a ser paradigma para todo e qualquer
trabalhador privado de direitos e que se posicionam “espacialmente” na periferia
das relações sociais de produção.

LOCAL-GLOBAL: TERRITÓRIO, FINANÇAS E ACUMULAÇÃO NA AGRICULTURA UUU 75


te no pensamento do autor como “esperança” (HARVEY, 2000) de re-
sistência ao império, quando o que se processa e, nesse ponto estamosde
acordo com Chesnais, é uma mundialização financeira, como forma de
controle social e produtivo. O capital ultrapassou a barreira da nação,
tornou-se internacional, mundializado, como considerou o autor fran-
cês e comanda as formas de acumulação em todos os espaços passíveis
de autovalorização. Não se desconsidera, com isso, a necessária análise
sobre o papel do Estado, mas ele não é mediador de uma lógica distinta
do capital, há um risco de tergiversar sobre a gênese do capital e sua
forma primeira de valor (trabalho e renda), na mesma perspectiva de
dar exterioridade ao capital financeiro, como apontou Chesnais, e que
passaremos a refletir.

3. CAPITAL PRODUTIVO E CAPITAL PORTADOR


DE JUROS: A MOEDA EM PÉ
Partimos do pressuposto de que o capital financeiro ou fictício é
espelho do capital produtivo e nele se sustenta sua lógica de reprodução.
O capital produtivo não se constitui como lastro do capital financeiro,
mas como base de especulação em sua potencialidade de realização. A
partir dessa abordagem, apontamos para as formas concretas que assu-
mem na agricultura, inclusive mediadas pelo Estado. A questão é que a
forma mercadoria-dinheiro ganha uma expressão autônoma de repro-
dução característica de um processo de trocas de moedas e papéis que,
em sua natureza própria, como aponta Marx, se configura em fetiche.
As relações sociais tomam a aparência de relações entre coisas, há uma
consideração extrema nesse processo quando o dinheiro toma a forma
de mercadoria e essa mediação resulta em uma aparência de relação
direta entre as coisas. O fato é que o fetichismo é algo imanente à pro-
dução de mercadorias, pois a produção se autonomiza em relação aos
homens (MARX, 1983).
O capital financeiro, tratado por Chesnais (2005) como capital
portador de juros, é apresentado em sua proeminência no seio do capi-
tal em geral e figura a primeira negatividade como parasita, por cons-

76 UUU José Gilberto de Souza


truir seus processos de autovalorização, em aparência, de forma externa
ao processo de produção. Não apenas o dinheiro na forma capital ganha
essa característica, mas também os proprietários do capital, o que o de-
fine como patrimonialista, que atuam como operadores do crédito e se
colocam como parasitas, ao estarem “externos” ao processo produtivo,
mas vinculados ao interesse rentista. Há ainda uma segunda negativi-
dade do capital portador de juros, sua capacidade de rebaixar as expec-
tativas de crescimento da economia (o que faz com que Chesnaisdesse,
ao capital financeiro, o apanágio de “mal maior”) e, nesse conjunto, o
assume como exterioridade, caracterizando-o como desenvolvimento
anômalo, ou disforme do processo de acumulação que se estrutura pri-
mariamente no excedente da produção.
Essa forma do capital que, Marx já sintetizara como D – D’, se
realiza por meio de instituições financeiras, bancárias e não bancá-
rias que fazem “dinheiro sem sair da esfera financeira” (CHESNAIS,
2005:35), a partir da introdução de capitais nas atividades produtivas
e não produtivas em níveis nacional e internacional. Uma produção de
“valor” em que o capital-mercadoria a realiza no âmbito da produção e
fora dela, na medida em que coordena todas as atividades econômicas –
desde as produtivas até a circulação e o consumo.
Consolida-se um regime de acumulação, mediado por práticas de
normatização e liberalização, operado em compras e vendas de títulos,
direitos, ações, entre outros ativos, visando a obtenção de juros e divi-
dendos, o que segundo o autor se efetiva em “um regime de acumulação
patrimonial” (CHESNAIS, 2005). Nesse ponto, o autor aproximou sua
compreensão daquela que apresentamos em Harvey, quando descreveu
nos capítulos 4 e 5 de O novo imperialismo, as ações do poder políti-
co e do capital, indicando que as crises de sobreacumulação, que já se
apresentavam nos anos 1980, passaram a ser espacializadas (mundiali-
zadas) sob a tônica do neoliberalismo, evidenciando as ações do Estado
no processo de desregulamentação, que deram fluidez ao capital e am-
pliaram sua capacidade de dominação.
Chesnais afirmou que o capital financeiro:

LOCAL-GLOBAL: TERRITÓRIO, FINANÇAS E ACUMULAÇÃO NA AGRICULTURA UUU 77


“não foi levado ao lugar que hoje ocupa por um movimento pró-
prio. Antes que ele desempenhasse um papel econômico e social
de primeiro plano, foi necessário que os Estados mais poderosos
decidissem liberar o movimento dos capitais e desregulamentar
e desbloquear seus sistemas financeiros” (CHESNAIS, 2005:35).

Para Harvey essa “mundialização” é resultado de estratégias im-


periais (de Estados) que se realizam na lógica de acumulação por espo-
liação e de lógicas específicas (moleculares) do capital. Mas, para Ches-
nais, o Estado, nessa interpretação, aparece como um agente externo
que “decide” liberar, quando em verdade sua atuação vem ao longo dos
anos assumindo características monolíticas, dado o elevado grau de sua
privatização (essência da acumulação por espoliação), de sua apropria-
ção enquanto esfera pública-social, transformando-se em esfera efetiva
do capital, sobretudo na Europa com a crise e destruição de l’Etatprovi-
dence. Nesse ponto, se aproximaram Chesnais (2005) e Harvey (2004),
na medida em que os autores particularizaram a política nas esferas
produtivas e financeiras do capital. Os movimentos anticíclicos desse
processo, que apareceram como desejo imanente do autor francês na
“revalorização conceitual” do capital produtivo/industrial – o “capital
bom” -, se realizam histórica e pontualmente sob as formas de resistên-
cia de governos trabalhistas que se impuseram de forma diferenciada,
notadamente na América Latina. O que Harvey denominou de “espaços
da esperança”, mas que seguiram suas trajetórias sem rupturas mais
concretas ao papel que lhes foi creditado no cenário internacional desde
o Consenso de Washington (SOUZA, 2009a, BRENT, 2015).
O intelectual francês, seguindo a essência da escola francesa da
regulação, não apenas retomou a máxima acerca do parasitismo do ca-
pital financeiro sobre o capitalismo e o homem em geral, mas também
recorreu a uma perspectiva reformista/regulacionista de que é possível
destruir o capital financeiro, dada sua insaciabilidade, mas também pe-
las condições que seu desenvolvimento impõe ao crescimento econômi-
co, defendendo assim, um capitalismo menos ruim, o capital produtivo.

78 UUU José Gilberto de Souza


Pode-se inferir que Chesnais atuou como um “esclarecedor” aos
capitalistas industriais sobre o papel “negativo” do capital financeiro,
sua condição parasitária e que seu movimento de reprodução aponta
para uma inflexão negativa das taxas de lucros e de crescimento eco-
nômico. O autor, ao explicitar que a “propensão do capital portador de
juros para demandar da economia ‘mais do que ela poder dar’ é uma
consequência de sua exterioridade à produção” (CHESNAIS, 2005:61),
quase defendeu um enfrentamento intracapitalista. No entanto, essa
perspectiva é pueril na medida em que o entrelaçamento de capitais e
capitalistas rentistas e capitalistas das esferas produtivas está enredado,
claramente, desde as análises de Lenin no início do século XX.
O capital produtivo e o capital financeiro atuam de forma im-
bricada, e mesmo que esse último possa circular de forma “externa” à
produção, é nela que ele se espelha, e atua no seio das relações como to-
talidade social constituída. O movimento de valorização, aparentemen-
te autônomo recorre sempre ao processo de elevação constante da pro-
dutividade do trabalho. Nesse processo, como capital de empréstimos,
na forma de crédito, punciona a mais-valia, mediada pelos mercados de
ações, moedas, títulos da dívida pública e todas as formas possíveis de
sua manifestação em juro (CHESNAIS, 2005).
Assim, o certo apelo “territorial” de Harvey (2004), enquanto Es-
tado-Nação, não pode garantir a ruptura das ações do capital financeiro
que são claramente mediadas pelo Estado estadunidense, mas não ape-
nas, e que fazem fundir as lógicas territorial e de finanças como lógicas
intrínsecas de acumulação.
Da mesma forma, a falsa dualidade e exterioridade do capital fi-
nanceiro e capital produtivo, em Chesnais (2005), aponta para rupturas
concretas, dada a existência de uma fragmentação teórico-política. O
autor dissertou como se fosse possível a busca da destruição das formas
de acumulação rentistas que se expressam na realização de um (por
meio do crédito, por exemplo), sem a crítica e superação dos processos
de acumulação do mais valor que se espelha (mesmo especulativamen-
te) em outro, como realização e potência. Nas duas situações se pro-

LOCAL-GLOBAL: TERRITÓRIO, FINANÇAS E ACUMULAÇÃO NA AGRICULTURA UUU 79


movem a subsunção do trabalho e a negação do homem como sujeito
histórico e as permanentes fetichização e transformação das relações
sociais em relações de coisas.
O fato é que mesmo na periferia, em que se consolidam os pro-
cessos de resistência às imposições estadunidenses, como expressão do
“império”, essas devem ser concebidas, muito mais como concorrências
intracapitalistas do que como processos de impedimento às lógicas de
dominação do capital. Considera-se ainda que a perspectiva do capital
como um processo de operação das finanças, em nossa análise, emerge
da dinâmica central do capital produtivo e seu tratamento em separado
promove uma prestidigitação do território e de sua função na repro-
dução ampliada na lógica das finanças. Há uma interposição, uma in-
termediação, uma indissociabilidade dos processos de acumulação das
esferas produtivas e das finanças, em que pese a fragilidade econômica
dessa última em sua capacidade de produzir e reproduzir-se em crises,
e fica sempre o apontamento do próprio autor de que não importa quem
são os devedores, ou quem será responsável por pagar, mas sim “saber se
os mercados permanecerão líquidos” (CHESNAIS, 2005:49).

4. CAPITAL PRODUTIVO E CAPITAL FINANCEIRO NA


AGRICULTURA: UNIDADE DO LOCAL-GLOBAL ?
Diante das exposições acerca da indissociabilidade dos capitais
produtivo e financeiro, neste item nos propomos a refletir sobre as for-
mas de articulação dessas esferas de produção e ampliação do valor.
Algumas de nossas reflexões já estiveram pautadas em dois artigos pu-
blicados (SOUZA, 2009a; 2013), quando apontamos para os elementos
críticos da geografia agrária sobre os avanços do capital monopolis-
ta no campo, sobre os processos de acumulação e a questão da apro-
priação das terras indígenas, e a economia política do agronegócio,
respectivamente.
As categorias centrais, em nossa análise, iniciam-se no cam-
po do capital produtivo e as atuações das grandes empresas em dois

80 UUU José Gilberto de Souza


processos de expansão, produção e de controle territorial que Oliveira
(2012) denominou de monopolização do território e territorialização do
monopólio:

“A territorialização do monopólio atua simultaneamente, no con-


trole da propriedade privada da terra, do processo produtivo no
campo e do processamento industrial da produção agropecuária.
Esse processo deriva da especificidade de dois setores: o sucroener-
gético e o de celulose e madeira plantada” (OLIVEIRA, 2012, p. 8).

“A monopolização do território é desenvolvida pelas empresas


de comercialização e/ou processamento industrial da produção
agropecuária, que sem produzir no campo, controlam através de
mecanismos de subordinação, camponeses e capitalistas produto-
res do campo. As empresas monopolistas atuam como players no
mercado futuro das bolsas de mercadorias do mundo, e, às vezes,
controlam a produção dos agrotóxicos e fertilizantes” (OLIVEI-
RA, 2012, p.10).

As duas dinâmicas de atuação monopolística da produção no


campo revelam-se como formas de acumulação e estão pautadas em
duas lógicas distintas e complementares: na exploração do trabalho
(mais-valia) e na retenção da renda da terra. Nesse último caso, apro-
priação e acumulação ganham evidência empírica na retenção da renda
nas formas absolutas, de monopólio e diferencial I e II.
Nesse caso, abrimos um parêntese para refletirmos sobre duas
posições que começam a ganhar interesse no debate geográfico. A pri-
meira se refere ao conceito de renda informacional, apontada por Dan-
tas (2008), em que se destaca a possibilidade de consolidação de mono-
pólio sobre a informação e extração de renda. O fato é que a produção
a que se refere o autor está assentada no trabalho e não em condições
específicas de propriedade como a terra e a renda como um tributo so-

LOCAL-GLOBAL: TERRITÓRIO, FINANÇAS E ACUMULAÇÃO NA AGRICULTURA UUU 81


cial total11, ou em elementos casuais em que o valor de uso ganha legiti-
mações idiossincrásicas, como afirmou Marx:

“cabe registrar que o preço das coisas que não têm por si nenhum
valor, ou seja, não são produto de trabalho, como terra, ou que
ao menos não podem ser reproduzidas mediante trabalho, como
antiguidades, obras de arte de determinados mestres etc., pode
ser determinado por combinações casuais. Para vender uma coi-
sa é preciso apenas que seja comercializável e alienável” (Marx,
1983:137).

As condições específicas de apropriação de um conhecimento se


remetem às condições de produção do valor (dada sua origem no traba-
lho) e não do preço. Na condição de valor se remete especificamente ao
trabalho e ao mais valor. A informação, que poderia ser um “atributo
ao preço”, na verdade, de maneira geral, se remete apenas a capacida-
de especulativa passível de ser vinculada ao bem, nesse caso a terra,
dando-lhe maior liquidez em decorrência de sua demanda no mercado.
Mas, o que representa essa velocidade à liquidez? Ela não está em ima-
nência na informação, mas no trabalho em potência e na possibilidade
de renda futura da terra, em uso ou em mercado, por sua dimensão de
propriedade privada, que não é um atributo da informação e não lhe
engendra capacidade de renda, mas apenas maior liquidez/especulação
em sua realização.
Outra posição seria a ideia de que a incorporação de insumos,
atributos produtivos da terra, poderia ser geradora de uma nova ren-
da (diferencial). A renda diferencial I vincula-se aos atributos naturais

11 Em nossa análise há um problema que precisa ser apontado na interpretação de


Dantas (2008) e ele não é exclusivo da questão renda/monopólio e trabalho como
empreendeu o autor. Carece aqui o necessário debate sobre o conteúdo do trabalho
e sua centralidade no capitalismo. A evolução desse debate tem produzido uma
ampla gama de significados o que torna imprescindível que se considere, nessa re-
flexão, a distinção entre o trabalho como categoria fundante do ser social e o traba-
lho abstrato (produtivo e improdutivo). Esse me parece o caminho mais adequado
para compreender as formas de apropriação do trabalho intelectual no capitalismo
contemporâneo.

82 UUU José Gilberto de Souza


da terra e a diferencial II se remete, como demonstraremos abaixo no
discurso de Lenin (2007), acerca dos terrenos berlinenses, às condições
locacionais, que derivam de trabalho social “que se vinculam” à terra.
A incorporação de atributos produtivos não representa uma nova renda
diferencial, mas alteração no preço, pelo valor trabalho incorporado à
propriedade fundiária. As empresas fundiárias que incorporam terras
ao mercado atuam no sentido de ampliar sua volatilidade, sua liquidez
e utilizam tanto as informações como os investimentos (trabalho e ca-
pital) em busca de uma realização específica: a renda da terra. Ampliam
os capitalistas fundiários um atributo particular da terra: a capacidade
especulativa, a simples expectativa de ganhos futuros.
Particularmente, a terra com investimentos amplia sua potencia-
lidade produtiva e, assim, sua renda em imanência, o que nos faz con-
siderar sua condição sui generis: patrimônio (reserva de valor), liquidez
(forma monetária) e renda potencial em uso ou em especulação, esses
processos lhe são intrínsecos. É necessário cuidado na mediação entre
a realidade e os “objetos-conceituais ideais” que sustentam as teorias.
(Fechamos o parêntese).
Assim, os processos de produção agrícola estão pautados pela ló-
gica da circulação e da composição do mercado mundial. Nesse ponto,
Chesnais fez uma precisa associação entre a produção e a insaciabilida-
de das finanças ao referir-se à sua necessária expansão espacial, sendo
esse um ponto chave de sua análise ao considerar, assim como Lenin,
sua intrínseca relação com a mundialização12 do capital, citando Marx,
quando considerou que a tendência de formação do mercado mundial
deriva diretamente da noção de capital.
Essa imanente necessidade de expansão espacial, também pre-
sente no capítulo V do texto de Lenin (2007), (A exportação de capital)
está associada não apenas à circulação das mercadorias, mas funda-

12 Oliveira (2009), ao analisar a trajetória econômico-financeira das grandes corpo-


rações do setor sucroenergético, em seus processos de abertura de capitais, fusão e
aquisição, tomou essas trajetórias como exemplos dos processos de mundialização
do capital.

LOCAL-GLOBAL: TERRITÓRIO, FINANÇAS E ACUMULAÇÃO NA AGRICULTURA UUU 83


mentalmente à circulação do dinheiro que se torna imperativa nos tem-
pos vigentes, dada a maximização de suas formas patrimonialistas de
atuação. O dinheiro que atua como meio de circulação, de pagamento e
de entesouramento, quando se realiza como crédito, tomando a forma
de portador de juros, permite não apenas a extração da mais valia, mas
ganha um valor de uso adicional e passa a ser capaz de gerar uma renda
específica aos proprietários desse capital (CHESNAIS, 2005).
Observa-se, assim, a direta relação da expansão da produção de
mercadorias agrícolas, suas estandardizações, o que as constitui em
commodities, e as formas do dinheiro-papel (mercados futuros e deriva-
tivos). A expansão das commodities se materializa na produção de valor
e de mais valor e, nesse primeiro momento, se consolida uma forma
específica de acumulação, que ganha ampliação na alteração da com-
posição orgânica do capital. Nesse caso, nos referimos basicamente ao
capital produtivo, a perspectiva concorrencial que se reduz gradativa-
mente e as formas de monopolização do território e territorialização do
monopólio pelo controle da terra e da produção e das transformações
técnicas produtivas que ampliam a mais valia relativa, pois puncionam
a produtividade do trabalho e a capacidade de exploração produtiva da
terra (renda diferencial I e II). Nessa esfera, do capital produtivo, mais-
valia e renda da terra são materializadas no processo físico de circula-
ção das mercadorias e compõem o núcleo central das determinações
territoriais produzidas no campo pelo capital e que se desenvolve, em
muito, articulado ao capital financeiro, considerando a ampliação das
relações intersetoriais, característico do capital monopolista:
a. a homogeneização da paisagem, ou redução da diversidade
produtiva – expressa-se, evidentemente, sob a lógica das áreas
ocupadas por monoculturas e sua posição homogênea e ex-
tensiva promovendo a substituição da matriz produtiva regio-
nal/local. Trata-se da eliminação das culturas regionais/tradi-
cionais e alimentares, sobretudo porque são paulatinamente
substituídas por culturas denominadas de flexgroups, dada sua
demanda no mercado mundial e a capacidade de conversão

84 UUU José Gilberto de Souza


produtiva/processamento em alimentos e energia. No Brasil,
claramente, estamos nos referindo a produtos como a soja,
cana-de-açúcar, embora reconheçamos que este processo de
produção de valor se materialize em todos os produtos direcio-
nados ao mercado externo e interno em grande escala (SOU-
ZA, 2009a). A espacialização desta homogeneidade se expressa
pelo volume e valor da produção de agropecuária, que se apre-
senta em expansão contínua (SOUZA, 2008; SOUZA, CABE-
RO DIEGUES, 2011);
b. a homogeneização do território – deriva das relações sociais
produtivas, as relações de poder que se impõem de duas for-
mas: a primeira como trabalho assalariado, e a segunda nas
estratégias mercantis de subsunção da terra de camponeses
(na esfera de produção nãocapitalista) e proprietários rurais,
no seio de suas lógicas de acumulação, na forma de produção
de mercadorias. Não se desconsidera a existência das lutas de
resistência social que camponeses estabelecem ao avanço das
estratégias monopolísticas, nem mesmo aqui se vincula uma
tese de proletarização e internalização produtiva destes sujei-
tos sociais, a análise recai sobre a dimensão territorial, como
relação de poder imposta a estes sujeitos sociais, muitos em
resistência (OLIVEIRA, 2012; SOUZA, 2008; ESQUINAZI,
SOUZA, 2013);
c. a reconfiguração do espaço de circulação e consumo– a par-
tir de um enorme conjunto de infraestruturas, muitas vezes
forjada pelas esferas públicas (municipal, estadual e federal),
consolidando complexos de logística. (CASTILLO, 2007; BRA-
GA, CASTILLO, 2013) e de novas espacialidades urbanas com
funcionalidades específicas à reprodução do capital;
d. a concentração fundiária e do capital – que se materializa: a)
pelos sistemas de aquisição, ampliando o mercado de terras
rurais, mas principalmente no caso brasileiro, pelas formas de
grilagem de terras públicas, pela expropriação, materializada

LOCAL-GLOBAL: TERRITÓRIO, FINANÇAS E ACUMULAÇÃO NA AGRICULTURA UUU 85


nos conflitos no campo, nas terras de camponeses, quilombo-
las e indígenas (OLIVEIRA, 2012, SOUZA, 2013) e, b) pelos
processos de controle da posse e acesso a terra. Cabe consi-
derar que se os indicadores de propriedade da terra fundiária
no Brasil se colocam em níveis de concentração extremamente
elevados, os patamares de controle e acesso ampliam a lógi-
ca de exclusão socioprodutiva, compondo mecanismos diver-
sos de controle fundiário (BORRAS JR.; FRANCO; WANG,
2013;BRENT, 2015) e c) pelas lógicas de fusão monopolística
territorial, que se realiza pela associação e concentração de
empresas em suas estratégias monopolísticas (OLIVEIRA,
2012; BELLENTANI, 2014).
e. os financiamentos privados e públicos e o antivalor – o crédito
público e a expansão creditícia privada reúnem importância
significativa na lógica da produção de commodities. (BOR-
GES; COSTA, 2011). No caso dos recursos públicos, o Estado
brasileiro retroalimenta a base de investimentos que se realiza
nas seguintes etapas do processo produtivo: custeio, investi-
mentos de bens de produção e comercialização. Destaca-se que
são sobre esses mesmos patamares que atuam as empresas de
crédito privado, com ou sem intermediação de agentes ban-
cários e ou monetária, nesse último caso a produção/produto
se consolida na própria moeda, como meio de pagamento. O
antivalor se expressa, segundo Oliveira (1988), pela origem dos
recursos, de caráter público, que se inserem na lógica da pro-
dução sem ser essa sua origem e finalidade, as antimercadorias
produzidas pelos “fundos públicos funcionam como um ersatz
do capital, ao compor-se”como tributo social que passa a ser
incorporado na esfera econômica da reprodução do capital,
como resultado da tendência da queda da taxa de lucros.

“O fundo público, em resumo, é o antivalor, menos no sentido de


que o sistema não mais produz valor, e mais no sentido de que
os pressupostos da reprodução do valor contêm, em si mesmos,

86 UUU José Gilberto de Souza


os elementos mais fundamentais de sua negação. Afinal, o que
se vislumbra com a ‘emergência’ do antivalor é a capacidade de
passar-se a outra fase em que a produção do valor, ou de seu subs-
tituto, a produção do excedente social, toma novas formas. E es-
sas novas formas, para relembrar a asserção clássica, aparecem
não como desvios do sistema capitalista, mas como necessidade
de sua lógica interna de expansão” (OLIVEIRA, 1988:19).

f. preço da terra e renda da terra – essas últimas determinações


territoriais sintetizam monetariamente o processo de deman-
da por terras a serem integradas ao processo produtivo de
commodities e as alterações específicas na sua capacidade pro-
dutiva. A terra, nesse caso, apresenta um crescimento expo-
nencial de preços dada sua integração aos mercados fundiários
(NASCIMENTO; SOUZA; GEBARA, 2012)principalmente
sob as formas de sua aquisição como apontadas anteriormente
(item d). Lenin faz referência a esse processo de incorporação
e alteração de preços:

“Una de lasoperaciones particularmente lucrativas del capital fi-


nanciero es también la especulación con terrenos en lasafueras de
las grandes ciudades que crecenrápidamente. El monopolio de los
bancos se funde en este caso con el monopolio de la renta delsuelo
y con el monopolio de lasvías de comunicación, pues el aumento
de los precios de los terrenos, la posibilidad de venderlosventajo-
samente por partes, etc., dependen principalmente de los buenos-
medios de comunicación con el centro de la ciudad, y dichasvías
de comunicación se hallan en manos de grandes compañías, li-
gadas, por el sistema de la participación y por la distribución de
los puestosdirectivos, con esosmismos bancos” (LENIN, 2007:37).

A articulação dos sistemas financeiros à questão da terra se de-


monstra no excerto acima, mas deve-se retomar aqui as formas de apro-
priação da renda da terra e que já foram expostas. Para Marx,“apro-
priar-se da renda é a forma econômica em que se realiza a propriedade

LOCAL-GLOBAL: TERRITÓRIO, FINANÇAS E ACUMULAÇÃO NA AGRICULTURA UUU 87


fundiária, e a renda supõe propriedade fundiária” (MARX, 1983, p.
227).
Dessa forma, quando:

“o capitalista se apropria da terra, ele o faz com o intuito do lucro,


direto ou indireto. Ou a terra serve para explorar o trabalho de
quem não tem terra; ou serve para ser vendida por alto preço a
quem dela precisa para trabalhar e não tem. Por isso, nem sempre
a apropriação da terra pelo capital se deve à vontade do capitalis-
ta de se dedicar à agricultura. O monopólio de classe sobre a terra
assegura ao capitalista o direto de cobrar da sociedade inteira um
tributo pelo uso da terra” (MARTINS, 1990:60-61).

Considerando, portanto, a diferenciação nas formas de proprie-


dade da terra, dos camponeses e capitalistas latifundiários, Oliveira
afirmou que o:

“processo de relações nãocapitalista de produção como recurso


para garantir a sua própria expansão, tem-se dado, no caso bra-
sileiro, inicialmente pela intensificação das relações comerciais,
que tem, através da circulação da mercadoria de origem agrícola
toda a renda diferencial para este setor, onde graça toda a sorte
de representantes do capital comercial, também conhecidos como
intermediários, atravessadores, atacadista, etc. Mas o processo
não se restringe aí. O Estado se incumbe de mediar esse processo
e acelerá-lo. Agindo pois através do crédito bancário (oficial), cria
os limites de dependência do produtor. (...) No final do processo,
drena através de juros cobrados pelos empréstimos a outra parte
da renda da terra, mesmo no caso de não ser proprietário dela.
A outra parte é extraída pelos componentes do capital comercial,
que tem atuado no sentido de impor preços abaixo do valor ao
produtor” (OLIVEIRA, 1981:09-10).

Esses processos definem, portanto, as formas de retenção da ren-


da da terra, que se amplificam na medida em que adquirem maior com-

88 UUU José Gilberto de Souza


plexidade nas relações mercantis e bancárias e de serviços no sistema
produtivo. Na produção da soja, essas relações econômicas de retenção
se estabelecem, por exemplo, nas seguintes atividades: na classificação
de produtos, que em decorrência de sujeira, coloração e danos apre-
sentados nas sementes, podem sofrer reduções de seus preços entre 7
a 10%; nas atividades de secagem de sementes (grãos de soja), que no
pós-colheita apresentam um teor de umidade próximo de 23%, sofrem
redução de 1% do preço para cada 1% de umidade, até 18% de umidade,
e 1,5% de redução do preço quando o teor for superior a esse patamar,
considerando que a semente para estocagem e comercialização neces-
sita estar com 14% de umidade (SOUZA, BORGES, TEIXERA, 2010).
Nessa atividade econômica, a média de redução de preços é de 8 a 10%.
Considerando, ainda, as ações do capital comercial que atuam na venda
e financiamento de sementes, fertilizantes e defensivos, pode-se inferir
que são ainda retidos percentuais de 6 a 11%, do preço da soja, na for-
ma monetária ou em produto, configurando todas essas atividades e,
simultaneamente, as principais estratégias de apropriação da renda da
terra.
A questão central de todas essas lógicas e determinações territo-
riais é que elas se assentam nas relações econômicas estabelecidas com
os camponeses, os pequenos e médios agricultores, que se encontram
em maior vulnerabilidade socioeconômica e de infraestrutura produti-
va e de armazenamento.
Quais as implicações desses processos com o capital financeiro
em geral? Ocorre que as empresas que atuam nesse setor, com raras
exceções, são empresas de capital aberto e demonstram seus resultados
econômicos (estratégias de “governança” corporativa) como forma de
permitir a circulação de seus papéis, ações, e juntamente com outros
instrumentos (ativos) financeiros denominados de derivativos. Os re-
sultados econômicos produtivos ampliam sua capacidade de captar no
mercado os recursos de famílias, fundos e empresas na lógica de capi-
tal portador de juros. Todas essas são determinações progressivas das
relações de classe e na formação e apropriação do valor. Mediadas pelo

LOCAL-GLOBAL: TERRITÓRIO, FINANÇAS E ACUMULAÇÃO NA AGRICULTURA UUU 89


Estado promovem o desenvolvimento dessas determinações territoriais
e suas formas de manifestação na lógica de acumulação. Reconhece-se,
portanto, as atividades como necessárias à realização dessa acumulação
e que aparecem como distintas (produtivo e financeiro), mas existem
em condicionamento recíproco e que constituem a forma de movimen-
to do capital, sobretudo na agricultura.
Como asseveramos, ainda que se produza autonomização fun-
cional de cada elemento, esse movimento se estabelece no aumento da
mais-valia e alteração da composição orgânica do capital, pois presidem
a acumulação e determinam a produtividade do trabalho, mas não so-
mente, eles ampliam exponencialmente a autovalorização do capital na
forma rentista, na forma de especulação, o que é sua essência fictícia.
Significa dizer que as estratégias de atuação na valorização dos capitais
dessas empresas se realizam mediadas pelos preços de commodities, pe-
las relações econômicas de mais valor e retenção da renda da terra, sem
os quais não podem apontar para seus resultados e possibilidades de
distribuição de dividendos.
A lógica financeira não se realiza em exterioridade, sobretudo
quando vinculada à agricultura e à terra. O dinheiro na formade mer-
cadoria, como capital portador de juros, realiza a prestidigitação do
trabalho realizado e de sua potencialidade de realização, assume a di-
mensão de fetiche, tal como a ideia de sua autovalorização, que se pro-
cessa na circulação de papéis patrimoniais (CHESNAIS, 2005). Outro
componente fundamental de sua valorização é sua estrutura orgânica,
uma vez que quanto maior a incorporação de trabalho morto, menor é
sua mobilidade e sua capacidade de transferência para outros setores da
economia; por sua vez, na agricultura, com exceção da terra, a mobili-
dade financeira se realiza com maior intensidade, associada aos ciclos
produtivos, e os derivativos representam esse nível de volatilidade ou
de liquidez, metamorfoses formais do capital, consubstanciando a ação
rentista (capital fictício) na agricultura o que reafirma nossa considera-
ção de que o capital portador de juros espelha as estruturas e as formas
de realização do capital produtivo.

90 UUU José Gilberto de Souza


Nesse último ponto, sobre a essência fictícia do capital, cabe con-
siderar principalmente o papel da terra. A terra rural tem sido caracte-
rizada como um ativo que é, ao mesmo tempo, de “capital” e líquido,
negociada em uma estrutura de mercado flexível e onde seu preço é
determinado em função das expectativas de que os vendedores e com-
pradores tenham ganhos futuros, com seu uso ou sua valorização (PI-
NHEIRO; REYDON, 1981; REYDON, 1992).
Dessa perspectiva emerge a compreensão de que a terra tem como
característica de formação de seus preços a mesma medida da formação
de preços de títulos financeiros, capitalização de rendimentos futuros
e, simultaneamente, a condição de ativo mercantil. Essa dinâmica de
composição de preços explicita que o mercado financeiro realiza a co-
mercialização de títulos em geral e os títulos patrimoniais (securities)
como a terra, e passa a homogeneizar os diferentes rendimentos desses
títulos (DELGADO, 2012).
Esse processo de composição de preço da terra (ativo) é que dá o
constructo do capital fictício, na medida em que a renda é passível de
circular e apontar essa rentabilidade nas transações do mercado imobi-
liário e em ganhos produtivos futuros. Assim, a formação do preço da
terra de forma singular aos outros ativos financeiros é apenas uma das
transformações que se operam no desenvolvimento capitalista (DELGA-
DO, 2012:50), um preço que se materializa em renda fundiária, uma
vez que ela é a expressão do direito de propriedade, um “capital” em
potência (fictício).
Nota-se, portanto, que as lógicas territoriais e do capital e o ca-
pital produtivo e financeiro, os quais discutimos ao longo do texto, se
interpõem e a compreensão de seus níveis de realização na esfera da
circulação ocorre como fetichização do valor. Essa lógica patrimonial
difusa dos instrumentos do capital financeiro (rentismo) parece erigir
o valor na circulação. O fato é que a propriedade fundiária e mobiliá-
ria, com todas as suas representações sociais, todas as suas mediações
econômicas e todas as suas históricas formas de dar concretude às re-
lações de poder, e, na atual conjuntura, cada vez mais financeirizadas,

LOCAL-GLOBAL: TERRITÓRIO, FINANÇAS E ACUMULAÇÃO NA AGRICULTURA UUU 91


estabelecem papel central no funcionamento do sistema capitalista e
na determinação de seus constructos territoriais. Local-global só têm
sentido ao geógrafo se forem capazes de explicitar as particularidades
dessas lógicas de acumulação, sem conduzir a elementos de exteriorida-
de e, no capitalismo, essa é a lógica efetiva de produção do espaço. As
determinações territoriais que se estabelecem nessa produção, são efeti-
vamente as formas de apropriação do espaço, a consolidação dos terri-
tórios do capital. Local, regional, global são escalas desses processos de
acumulação e revelam os possíveis níveis de entendimento. Produzida
localmente, a forma mercadoria constituiu o mercado mundial, como
afirmara Marx, o dinheiro na forma mercadoria amplia as formas de
acumulação, os níveis de circulação e a velocidade com que se proces-
sam globalmente, contraditoriamente, expressam os espaços de exclu-
são, de exploração do trabalho e de retenção (concentração) da renda.
Esses espaços podem até estar circunscritos ao Estado-Nacional, mas
isso pouco importa à emancipação dos trabalhadores e camponeses.

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LOCAL-GLOBAL: TERRITÓRIO, FINANÇAS E ACUMULAÇÃO NA AGRICULTURA UUU 95


A IIRSA/COSIPLAN E SUAS
IMPLICAÇÕES NA FLUIDEZ DO
TERRITÓRIO BRASILEIRO
Márcio Rogério Silveira
Vitor Hélio Pereira de Souza

1. INTRODUÇÃO
Na última década, o comércio exterior brasileiro cresceu a índices
significativos, impulsionado, principalmente, pela ampliação do comér-
cio extrarregional, resultante da elevação da demanda por commodities
do mercado chinês, mas também pelo comércio intrarregional, como
foi o caso do Mercado Comum do Sul (MERCOSUL).
Tal acréscimo dos fluxos comerciais intra e extrarregionais, por
sua vez, colocaram em foco a necessidade de retomar os projetos de
integração territorial (com foco nas infraestruturas), para expandir/
melhorar a conexão entre os países. Esse objetivo passou a ser perse-
guido a partir do ano 2000, com as obras delineadas na Iniciativa para
a Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana (IIRSA) e, por
conseguinte, no Conselho Sul-Americano de Infraestrutura e Planeja-
mento (COSIPLAN). A lógica é facilitar a integração intrarregional no/
do continente sul-americano, mas também possibilitar maior interação
espacial com mercados extrarregionais, orientando-se pelos princípios
do multilateralismo e tendendo a diversificar parceiros comerciais.
A pesquisa aborda as desigualdades regionais no que diz respeito
à distribuição territorial das obras (transnacionais1) de transportes da

1 O termo obras transnacionais utilizado nesse trabalho não remete a obras que estão
localizadas entre áreas fronteiriças. Assim como não se refere a obras financiadas

UUU 97
IIRSA/COSIPLAN no Brasil, mais especificamente para o período de
2000 a 2013. Para alcançar tais resultados, a metodologia foi pautada em
revisão bibliográfica, atrelada à análise de dados secundários e entrevis-
tas a diversos órgãos, como a Coordenadoria Geral de Planejamento da
“Secretaria de Política Nacional de Transportes”, no Brasil e, na Directo-
ra Nacional de Planificación de la Integración Territorial Internacional,-
na Argentina,além de entrevistas com diversos especialistas.
Para tornar mais eloquente a pesquisa, dividimos o capítulo em
três subtópicos:
1. “O crescimento do comércio exterior brasileiro no limiar do
século XXI”. Essa parte verifica como a estratégia de diversificar os par-
ceiros comerciais e, concomitantemente, aprofundar a integração re-
gional garantiu ao governo brasileiro elevado crescimento do comércio
exterior, tornando-se uma das importantes estratégias para o desenvol-
vimento nacional. Por outro lado, esse crescimento de fluxos comerciais
criou a necessidade da existência de maior oferta de infraestruturas de
transportes entre os territórios, visando garantir o escoamento de com-
modities agrícolas e minerais. Conjuntura que colocou a região Centro
-Oeste, composta pelos estados de Goiás (Distrito Federal), Mato Gros-
so e Mato Grosso do Sul, enquanto importante recorte espacial esco-
lhido pelo grande capital e, consecutivamente pelo governo brasileiro,
como área demandante de políticas públicas, que visam à ampliação da
fluidez territorial, a fim de contribuir com o processo de crescimento
econômico regional e nacional. Assim, a demanda por infraestruturas
é crescente nesse espaço, com a atuação da “logística de Estado” (pla-
nejamento, gestão e estratégias públicas com a finalidade de aumentar
a fluidez territorial e atrair investimentos) e da “logística corporativa”
(estratégia, gestão e planejamento de transportes e armazenamento rea-
lizados pelo capital privado).
2. “O Brasil, a IIRSA/COSIPLAN e a necessidade de incrementar
o comércio exterior”. Após debater a importância do aprofundamento
por mais de um país. As mesmas referem-se a obras incluídas nos portfólios da IIR-
SA/COSIPLAN, que visam favorecer interações espaciais em âmbito transnacional.

98 UUU ?ÀVˆœÊ,œ}jÀˆœÊ-ˆÛiˆÀ>ÊUÊ6ˆÌœÀÊjˆœÊ*iÀiˆÀ>Ê`iÊ-œÕâ>
dos movimentos integracionistas e dos diversos acordos de cooperação
econômica, enquanto tática utilizada pelos países para resguardar-se
dos efeitos do liberalismo econômico, focaremos na questão da integra-
ção territorial. Essa voltou a ser pensada no intuito de dar suporte, em
especial, às aspirações brasileiras de reduzir seus custos comerciais, a
fim de ampliar a participação dos produtos nacionais no mundo. Isso
posto, concebe-se um duplo movimento: a integração territorial e eco-
nômica na/da América do Sul, que facilita a circulação de mercado-
rias intrarregional, mas que, simultaneamente, possibilita a utilização
dessas infraestruturas para o comércio extrarregional, isto é, para mer-
cados localizados fora do bloco econômico. No caso brasileiro, essa é
uma estratégia interessante, pois possibilita integrar-se com os países
da região, mas também consolidar saídas para o mar do Pacífico, re-
duzindo os custos de exportação para o mercado asiático, em especial
para China.
3. “A necessidade de um planejamento integrado da fluidez terri-
torial para exportação no Brasil: articulando escalas”. Apontamos que
os planos dos Portfólios e das Agendas da IIRSA/COSIPLAN tomados
isoladamente são insuficientes para ampliar a fluidez territorial nacio-
nal. No entanto, o mesmo torna-se fundamental, uma vez que se apre-
senta enquanto uma política setorial complementar a outras agendas de
projetos nacionais, destinadas ao setor. Nesse sentido, propomos uma
agenda de pesquisa, objetivando a análise do conjunto de políticas seto-
riais de transportes, que de maneira complementar podem configurar
um novo contexto à fluidez territorial nacional.

2. EVOLUÇÃO DO COMÉRCIO EXTERIOR BRASILEIRO


NO LIMIAR DO SÉCULO XXI
Ao adentrar o século XXI, o comércio mundial alcançou seu clí-
max, com crescimento de 136% no período de 2000 a 2010 (AEB, 2012).
Esse aumento intensificou-se a partir do ano de 2003, com o governo do
presidenteLuiz Inácio Lula da Silva, devido à retomada do papel ativo
do Estado, por meio de uma política externa pautada na ampliação das

A IIRSA/COSIPLAN E SUAS IMPLICAÇÕES NA FLUIDEZ DO TERRITÓRIO BRASILEIRO UUU 99


relações comerciais com países latino-americanos, na diversificação de
parceiros comerciais visando à conquista de mercados pouco tradicio-
nais e na intensificação do comércio internacional Sul-Sul, que embora
com grande potencial estratégico, parecia uma meta difícil de ser con-
quistada. Como jáafirmavaJoyOgwuem 1982:

“Está claro que el esquema multilateral sur-sur será lento de ma-


terializar. Una relación trilateral entre Africa, Asia y América
Latina podría ser una gran idea, pero es casi inalcanzable. Ello
puede ser atribuido a las largas distancias existentes entre ellos,
lo que eleva demasiado el precio de los productos y su transporte”
(JOY OGWU, 1982, n.p).

De fato, trata-se de uma relação que ainda está se consolidan-


do, mas que, nas últimas décadas, com a evolução das inovações téc-
nicas, organizacionais, normativas e tributárias, aplicadas aos sistemas
de transportes, por meio das “Evoluções e Revoluções Logísticas” (SIL-
VEIRA, 2009),apresentou gradativa redução dos custos para circulação
de mercadorias e pessoas. Contudo, as despesas com os transportes se-
guem em destaque na mídia nacional enquanto importante componen-
te do custo Brasil, uma vez que o mesmo imbui um custo de produção
mais alto a toda a cadeia produtiva, ligada direta e indiretamente às
exportações brasileiras. Custo que, em conjunto com práticas desleais
de comércio exterior, como subsídios, dumping, antidumping, entre ou-
tros, tornam-se fator limitante ao desempenho das exportações nacio-
nais. Portanto, mesmo com o chamado custo Brasil (do qual o custo
Brasil de transportes é um dos componentes), o país é, em diversos se-
tores, altamente competitivo.
Por outro lado, a concomitante aproximação política e econômica
entre os países da região Sul-Sul influiu redefinindo o direcionamento
dos fluxos de comércio internacional. Resultando, consequentemente,
na ampliação de um espaço econômico de trocas, que até certo nível, é
contraditório às políticas globalizantes imperialistas. Ora, a ampliação
das relações comerciais e de cooperação sul-sul, a coalizão dos Brics

100 UUU ?ÀVˆœÊ,œ}jÀˆœÊ-ˆÛiˆÀ>ÊUÊ6ˆÌœÀÊjˆœÊ*iÀiˆÀ>Ê`iÊ-œÕâ>


(Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) e a institucionalização de
organizações internacionais de integraçãoregional, como foi o caso da
Unasul (União de Nações Sul-Americanas) e da Celac (Comunidade
dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos), contrapõem-se aos in-
teresses globais hegemônicos e, até certa medida, ampliam as disputas
geopolíticas.
Nesse sentido, constata-se o desejo de reduzir a dependência das
exportações brasileiras, principalmente em relação ao mercado estadu-
nidense (HURRELL, 2006), bem como a vulnerabilidade do país em
relação a crises de demandas externas advindas do centro do sistema
capitalista. Se porum lado, deve-se considerar também que o governo
percebe que a proporção atual do comércio com mercados tradicionais
do norte atingiram seu limite, apresentando acanhado potencial para
ampliação das relações comerciais, por outro lado os novos mercados
do Sul apresentam um grande potencial a ser explorado (LIMA, 2005).
Esse argumento sustenta-se ao considerarmos que os países
emergentes, principalmente os denominados pelo economista inglês
Jim O’Neill como BRIC2 (Brasil, Rússia, Índia e China), foram os que,
no período de 2000 a 2010, apresentaram crescimento acima da média
mundial, destacando-se os seguintes índices: Brasil 267%; Rússia 277%;
Índia 424%; China 534%. Por outro lado, os países desenvolvidos, embo-
ra também tenham crescido, revelaram índices inferiores à média mun-
dial: EUA, 63%; Japão, 61%; França, 58%; Reino Unido, 42%; e Canadá,
40% (AEB, 2012). Ademais, esses países conformam uma coalizão que:

“The fundamental goal is to tie down Gulliver in as many ways


as possible, however thin the individual institutional threads may
be. It is therefore not surprising that Brazil and India should be
the fourth and fifth most active complainants under the WTO dis-
pute settlement mechanism. Nor is it especially puzzling that Bra-
zil, China and India should wish to use international institutions

2 Na reunião de 2011, a África do Sul foi convidada a compor o grupo, momento em


que a sigla muda para BRICs (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul).

A IIRSA/COSIPLAN E SUAS IMPLICAÇÕES NA FLUIDEZ DO TERRITÓRIO BRASILEIRO UUU 101


to resist attempts by the US to promote new norms on the use of
force or the conditionality of sovereignty, or the right to use force
to promote regime change” (HURRELL, 2006, p. 11)3.

O Brasil, embora faça parte do BRIC, foi o país do grupo que


apresentou menor crescimento. Porém, inegavelmente, o país vem pro-
gredindo para se tornar um global trader, ampliando gradativamente
suas exportações mundiais, desempenho esse que resultou, no ano de
2011, na conquista de 1,33% do comércio mundial, saldo somente infe-
rior ao alcançado por ele mesmo no ano de 1950 (AEB, 2012).
Nesse sentido, estabelece-se um novo padrão das relações comer-
ciais em que o mercado asiático, que no ano de 2006, correspondia a
15,1% do comércio, evoluiu, no ano de 2013, para 32,1%, tornando-se o
principal destino das mercadorias (em sua maioria commodities) brasi-
leiras, seguido pela América Latina e Caribe, União Europeia, Estados
Unidos, África e Oriente Médio e, por fim, Europa Oriental4.

3 “O objetivo fundamental é amarrar Gulliver de tantas maneiras quanto possível,


ainda que finos possam ser os fios institucionais individuais. Portanto, não é sur-
preendente que o Brasil e a Índia sejam o quarto e quinto queixosos mais ativos no
âmbito do mecanismo de solução de controvérsias da OMC. Nem é especialmente
intrigante que Brasil, China e Índia queiram usar as instituições internacionais para
resistir às tentativas dos EUA em propor novas normas sobre o uso da força ou a
condicionalidade da soberania, ou o direito de usar a força para promover a mu-
dança de regimes”(HURREL, 2006, p. 11 – tradução nossa).
4 Para o ano de 2013, destacaram-se as seguintes pautas de exportações brasileiras
para os distintos mercados mundiais: Ásia, 44% de matérias-primas e intermedi-
ários, 28% de bens de capital, 22% de bens de consumo, 7% de combustíveis e lu-
brificantes; para UE, 49% de matérias-primas e intermediários, 30% de bens de
capital, 18% de bens de consumo, 4% de combustíveis e lubrificantes; para América
Latina e Caribe, 45% de matérias-primas e intermediários, 11% de bens de capital,
27% de bens de consumo, 17% de combustíveis e lubrificantes; para os EUA, 49%
de matérias-primas e intermediários, 26% de bens de capital, 8% de bens de con-
sumo, 17% de combustíveis e lubrificantes; para África, 23% de matérias-primas e
intermediários, 77% de combustíveis e lubrificantes; para o Oriente Médio, 24% de
matérias-primas e intermediários, 71% de combustíveis e lubrificantes, e aproxima-
damente 5% de bens de capital e bens de consumo; para Europa Oriental, 91% de
matérias-primas e intermediários, 8% de bens de capital, e para as demais regiões
do mundo, 46% de matérias-primas e intermediários, 21% de bens de capital, 17%
de bens de consumo, 16% de combustíveis e lubrificantes (MDIC, 2015).

102 UUU ?ÀVˆœÊ,œ}jÀˆœÊ-ˆÛiˆÀ>ÊUÊ6ˆÌœÀÊjˆœÊ*iÀiˆÀ>Ê`iÊ-œÕâ>


Nessa conjuntura, a crescente demanda global por alimentos e
a intensa modernização do setor agropecuário permitiu uma inser-
ção competitiva do país no mercado mundial. Haja vista que, para o
período de 2000 a 2013, o volume exportado de commodities cresceu
quase 230% e os preços externos 101%, corroborando para a elevação
em 468% dos saldos comerciais brasileiros, implicando em uma receita
decorrente das exportações do agronegócio de US$ 99,9 bilhões para o
ano de 2013 (ESPÍNDOLA, 2014).
É oportuno chamar atenção para o caso do comércio exterior
com o continente africano, esse ainda ocupa uma das últimas posições
entre os parceiros comerciais brasileiros, argumento utilizado muitas
vezes para afirmar o fracasso da tentativa brasileira de ampliar as re-
lações com a região. No entanto, deve-se destacar que, além do alar-
gamento da cooperação em diversos temas, como agricultura, saúde,
educação entre o Brasil e os países africanos, as relações comerciais
também ganharam impulso, uma vez que o comércio brasileiro com
esse continente evoluiu entre os anos 2000 e 2013 de US$ 1.347.098.183
para US$ 11.087.040.582, ou seja, um crescimento de, aproximadamen-
te, oito vezes. Caso similar ocorre com o comércio exterior realizado
com o Oriente Médio.
A interpretação correta dos dados seria que o comércio brasileiro,
com as diferentes regiões do mundo, cresceu substancialmente. Entre-
mentes, o comércio com mercados menos tradicionais, embora tenha
apresentado considerável aumento, não foi elevado o suficiente a fim
de superar o posto ocupado por mercados tradicionais às exportações
brasileiras.
Quando reduzimos a escala de análise para os principais países
importadores de produtos brasileiros, torna-se possível um maior en-
tendimento das relações comerciais do país, uma vez que se percebe que
esse crescimento para determinadas regiões (mercados), muitas vezes,
é preconizado por alguns países em particular. Deve-se destacar o caso
do mercado asiático, que teve na China o principal destino das mer-
cadorias brasileiras, provenientes de diversas unidades federativas do

A IIRSA/COSIPLAN E SUAS IMPLICAÇÕES NA FLUIDEZ DO TERRITÓRIO BRASILEIRO UUU 103


país, ainda que preconizadas pelos estados de Minas Gerais, Pará, Mato
Grosso, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Paraná, São Paulo, Goiás,
Bahia e Mato Grosso do Sul (tabela 01)5.
TABELA 01. Principais estados brasileiros exportadores para
a China no ano de 2013
Nº Descrição da UF US$ Kg Líquido
1 Minas Gerais 11.666.017.329 111.569.215.059
2 Pará 5.508.591.585 57.333.776.819
3 Mato Grosso 5.009.097.743 9.141.758.371
4 Rio Grande do Sul 4.550.981.715 7.262.713.347
5 Rio de Janeiro 4.144.317.220 6.124.406.267
6 Paraná 3.978.886.299 6.894.880.371
7 São Paulo 3.242.842.883 4.933.401.412
8 Goiás 1.946.184.522 3.106.109.798
9 Bahia 1.850.942.985 2.155.386.979
10 Mato Grosso do Sul 1.619.330.400 2.979.947.537
Fonte: MDIC, 2015.

À vista disso, registrou-se um crescimento das exportações bra-


sileiras, para o mercado chinês, muito proeminente. No ano de 1990, o
mesmo era destino de apenas 1,2% das exportações brasileiras e evoluiu
gradativamente, nos últimos anos, sua participação no comércio mun-
dial, em particular com o mercado brasileiro, do qualse tornou o princi-
pal parceiro comercial, respondendo por 19,01% das exportações para o
ano de 2013. Em contrapartida, os Estados Unidos que, no ano de 1990,
correspondiam a 24,2% das exportações, no ano de 2013, tiveram sua
participação nas exportações brasileiras reduzida para 10,18%.
No caso das relações com o mercado latino-americano, a gran-
de concentração do comércio ocorreu no âmbito do MERCOSUL, um
mercado em contínua expansão para as empresas exportadoras brasilei-
ras; vale frisar que no ano de 1989, o comércio com o bloco representava
5 Como pauta de produtos exportados para China no ano de 2013, destacaram-se:
soja, mesmo triturada; minérios de ferro e seus concentrados; óleos brutos de pe-
tróleo; celulose; açúcar de cana em bruto; couros e peles, depilados, exceto em bru-
to; catodos de cobre; óleo de soja em bruto; ferro-ligas; fumo em folhas e desperdí-
cios; demais produtos (MDIC, 2015).

104 UUU ?ÀVˆœÊ,œ}jÀˆœÊ-ˆÛiˆÀ>ÊUÊ6ˆÌœÀÊjˆœÊ*iÀiˆÀ>Ê`iÊ-œÕâ>


apenas 4% das exportações brasileiras, já nos anos seguintes as relações
comerciais seguiriam crescendo, alcançando seu ápice no ano de 1998,
com 17%. Dessa maneira, a partir desse mesmo ano, a participação do
bloco nas exportações apresentou um decréscimo que se acentuaria nos
anos marcados por crises externas, como a crise argentina, no ano de
2002, em que a participação do bloco chegou, aproximadamente, a 5%.
Após tal episódio, o comércio com o MERCOSUL voltou a recuperar
sua importância, tendo sua participação nas exportações brasileiras,
nos anos seguintes, variando entre 9% e 11%.
Ao analista pouco atento, tais dados podem influir numa avalia-
ção pessimista e equivocada em relação ao desempenho do comércio no
âmbito do bloco. Porém, é importante situar que, embora o MERCO-
SUL tenha reduzido sua participação nas exportações totais brasileiras,
isso não quer dizer que as exportações para o bloco não cresceram, mas
que a evolução do comércio intrarregional foi abaixo do crescimento
das exportações brasileiras destinadas ao restante do mundo.
Uma avaliação errônea parece ter sido a motivação das declara-
ções realizadas, em abril de 2010, pelo candidato à presidência do Par-
tido da Social Democracia Brasileira (PSDB), José Serra, que ocasionou
alvoroço na imprensa internacional ao defender que o país deveria des-
vincular-se da Argentina, Paraguai e Uruguai a fim de ampliar as rela-
ções com os EUA, sem a necessidade de “arrastar” seus sócios. Contudo,
devemos considerar que o crescimento do comércio brasileiro com ou-
tros mercados impõe uma tendência irrevogável de perda de importân-
cia do MERCOSUL no total exportado, porém essa supressão é relativa,
uma vez que o bloco mantém sua importância para determinados seto-
res nacionais, como o de manufaturados (ALMEIDA, 2011).
Esse bloco tem na Argentina o principal país importador, res-
ponsável por aproximadamente 8,1% das mercadorias,compostas em
sua maioria por produtos manufaturados, provenientes das empresas
brasileiras, ou seja, com valor agregado acima das tradicionais commo-
dities. Ademais, outros países que se tornaram importantes parceiros

A IIRSA/COSIPLAN E SUAS IMPLICAÇÕES NA FLUIDEZ DO TERRITÓRIO BRASILEIRO UUU 105


comerciais do Brasil foram: Países Baixos, Japão, Alemanha, Venezuela,
Coreia do Sul, Chile e Panamá (tabela 02).
TABELA 02. Principais países de destino das exportações brasileiras,
valor em US$ Milhões para o ano de 2013
Países Valor (US$ F.O.B) 2012/2013 (%) Participação (%)
China 46.026 11,64 19,01
Estados Unidos 24.862 -7,67 10,18
Argentina 19.615 8,99 8,10
Países Baixos 17.326 15,19 7,15
Japão 7.964 0,10 3,29
Alemanha 6.552 -9,97 2,71
Venezuela 4.850 -4,08 2,00
Coreia do Sul 4.720 4,86 1,95
Chile 4.484 -2,57 1,85
Panamá 4.230 - 1,83
Total 140.629 16,49 58,07
Total das exportações
242.178.649.273 -0,16 100
do Brasil
Fonte: MDIC, 2015.

A diversificação das relações comerciais possibilitou ao país


apaziguar os efeitos da crise internacional (subprimes) resultantes da
quebra do banco de investimentos Lehman Brothers,no ano de 2008,
nos Estados Unidos, considerando-seque no ano seguinte, o comércio
mundial apresentou queda de 22,6% em valor. Países importantes apre-
sentaram queda, comoo Japão, de 25,3%, a União Europeia, de 13,7% e
o Brasil, que teve uma queda mais amena, de 8% (OLIVEIRA, 2010), ou
seja, a famosa “marolinha” apregoada pelo presidente Luís Inácio Lula
da Silva.
Desse modo, no biênio de 2010 e 2011, o comércio exterior apre-
sentou recuperação acelerada, com oscilações para o biênio de 2012 e
2013, momento em que o crescimento desacelerou, mantendo índices
de apenas 2%. No caso brasileiro não foi diferente, após alcançar os me-

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lhores resultados no ano de 2011, com exportações recorde de US$ 256
bilhões, as mesmas declinaram para US$ 242,2 bilhões no ano de 20136.
A ampliação das cifras referentes ao comércio exterior, breve-
mente demonstrada, ainda que, em momentânea involução, implicou
em um incremento crescente de mercadorias provenientes de diferen-
tes regiões do território nacional com destino a mercados externos. Tal
movimento possibilitou que regiões do país pouco dinâmicas, econo-
micamente, conquistassem relevância na economia nacional, como foi
o caso da região Centro-Oeste do país, devido à enérgica inserção de
algumas de suas empresas7 no comércio exterior, impulsionadas pelo
crescimento do comércio com o mercado asiático, que concentrou
52,65% das exportações, das quais a China respondeu por 30,38% das
mesmas para o ano de 20138 (tabela 03).

6 Entre os dez principais produtos exportados pelo país, no ano de 2013, destacam-
se: minérios de ferro e seus concentrados; soja, mesmo triturada; óleos brutos de
petróleo; açúcar de cana, em bruto; plataformas de perfuração ou de exploração,
dragas, etc.; carne de frango congelada, fresca ou refrigerada incluindo miúdos;
farelo e resíduos da extração de óleo de soja; milho em grãos; automóveis de passa-
geiros; carne de bovino congelada, fresca ou refrigerada; celulose (MDIC, 2015).
7 Na região Centro-Oeste, apenas 10 empresas centralizaram 58,68% das exporta-
ções em valores, a saber: Bunge Alimentos S/A, 12,90%; ADM do Brasil LTDA,
9,11%; Louis Dreyfus Commodities Brasil S.A., 7,34%; Cargill Agrícola S/A, 6,65%;
JBS S/A, 6,51%; BRF – Brasil Foods S.A., 5,60%; Amaggi Exportação e Importa-
ção LTDA, 4,24%; Caramuru Alimentos S/A., 2,57%; Eldorado Brasil Celulose S/A,
2,10%; Mineração Maracá Indústria e Comércio S/A, 1,66% (MDIC, 2015).
8 Entre os dez principais produtos exportados pela região Centro-Oeste, no ano de
2013, destacavam-se:soja, mesmo triturada, exceto para semeadura (33,46%), mi-
lho em grão, exceto para semeadura (16,79%),bagaços e outros resíduos sólidos da
extração do óleo (9,73%); carnes desossadas de bovino, congeladas (7,22%); pasta
química de madeira de não conífera à soda ou sulfato, (3,67%); pedaços e miudezas,
comestíveis de galos/galinhas congelados (3%); outros açúcares de cana (2,63%);
algodão simplesmente debulhado, não cardado nem penteado (2,56%); carnes de
galos/galinhas, não cortadas em pedaço (1,83%); ouro em barras, fios e perfis de
seção maciça (1,70%), totalizando dez produtos que centralizavam 82,59% das ex-
portações provenientes da região (MDIC, 2015).

A IIRSA/COSIPLAN E SUAS IMPLICAÇÕES NA FLUIDEZ DO TERRITÓRIO BRASILEIRO UUU 107


TABELA 03. Destinos das mercadorias da região Centro-Oeste,
principais blocos e países, ano de 2013
Principais blocos de destino US$ %
Ásia (exclusive Oriente Médio) 14.940.831.134 52,65
União Europeia 5.563.135.711 19,60
Oriente Médio 2.009.112.843 7,08
África (exclusive Oriente Médio) 1.546.939.323 5,45
Demais blocos 3.016.983.928 10,63
Total 27.077.002.939 95,41
Principais países de destino US$ %
China 8.620.988.984 30,38
Países Baixos (Holanda) 2.696.369.083 9,5
Japão 1.167.097.253 4,11
Coreia do Sul 1.061.356.137 3,74
Hong Kong 923.402.044 3,25
Total 14.469.213.501 50,98
Total da área 28.377.754.175 100
Fonte: MDIC, 2015.

Esse intenso comércio dos estados da região Centro-Oeste com


o mercado asiático resultou na geração de um intenso fluxo de merca-
dorias no território nacional. Seu destino são os portos e deles para o
mercado asiático. Ao analisarmos isoladamente os principais modais
de transportes utilizados para a exportação, no caso do estado do Mato
Grosso do Sul, constata-se, referente ao valor das exportações, a supre-
macia do modal marítimo, ou seja, concentrou 88,2%, seguido pelo flu-
vial com 8,6%, pelo rodoviário com 2,4% e pelos demais modais com
menos de 1%. Já ao considerarmos as toneladas exportadas, o modal
marítimo ainda mantém a supremacia, com 61% das exportações. Con-
tudo, o modal fluvial (hidrovia Paraguai-Paraná), até então pouco re-
levante, passou a concentrar 37,4% dos fluxos, seguido pelo rodoviário
com 1,1%, o ferroviário e o aéreo com 0,2% cada um e, por fim, os de-
mais modais com cifras pouco representativas (tabela 04).

108 UUU ?ÀVˆœÊ,œ}jÀˆœÊ-ˆÛiˆÀ>ÊUÊ6ˆÌœÀÊjˆœÊ*iÀiˆÀ>Ê`iÊ-œÕâ>


TABELA 04. Principais modais de transportes utilizados para exportação de
mercadorias do Mato Grosso do Sul (a partir do último local de embarque), em 2013.
Valor Peso
Vias de Transporte
US$ Bilhões Part. % 1.000 Tons. Part. %
Marítima 4.634.043.089 88,2 8.270.816.913 61,0
Rodoviária 126.068.945 2,4 150.894.429 1,1
Fluvial 453.502.734 8,6 5.081.949.198 37,5
Ferroviária 2.610.963 0,0 32.136.768 0,2
Aéreo 38.548.121 0,7 25.506.480 0,2
Meios próprios 1.314.825 0,0 847.612 0,0
Postal 195.550 0,0 11 0,0
Linha de transmissão 0 0 0 0,0
Total 5.256.284.227 100 13.562.151.411 100
Fonte: ALICE Web/ MDIC, 2015.
Nota: nas exportações, trata-se do modal utilizado para o transporte da mercadoria a partir do último local de
embarque para o exterior.

Não é demais enfatizar que a região Centro-Oeste, composta por


estados que não possuem litoral, ao ampliar sua geração de fluxos para
exportações, utiliza-se das infraestruturas de transportes localizadas
em outras unidades federativas, canalizando em determinadas rotas
um intenso fluxo de passagem em outros estados. É o caso das cargas,
por rodovias direcionadas a SP-280, no estado de São Paulo, para aces-
sar o Porto de Santos/SP e das cargas canalizadas pela BR-277, no Para-
ná, para alcançar o Porto de Paranaguá/PR.
Essa particularidade da região corrobora para que exista uma
consonância de “interesses regionais” a respeito da necessidade dos in-
vestimentos em obras de transporte na região, em especial de projetos
de responsabilidade do governo federal, que objetivam a integração da
região à rede nacional e internacional de comunicação. Uma vez que a
fluidez territorial da região está condicionada às políticas públicas seto-
riais, que transcendem as fronteiras dos seus respectivos estados.
Para sustentar a política externa brasileira, pautada na ampliação
do comércio exterior, tornou-se necessário retomar os investimentos
em infraestruturas de transportes. Lógica compartilhada, principal-
mente, pelos estados enclaves, a fim de garantir o contínuo crescimento

A IIRSA/COSIPLAN E SUAS IMPLICAÇÕES NA FLUIDEZ DO TERRITÓRIO BRASILEIRO UUU 109


das exportações brasileiras, visto que ao reduzir os custos de transpor-
tes, armazenamento e logística “atinge-se um dos elementos que influi
na competitividade internacional” das exportações nacionais, anseios
que se procurou contemplar com a IIRSA/COSIPLAN.
Contudo, a garantia da competitividade e da ampliação das ex-
portações não é consequência somente da diminuição do custo Brasil
de transportes, de armazenamento e de logística (que têm como um dos
componentes a ampliação das infraestruturas). Há outros elementos
que influem na competitividade e no desempenho do comércio interna-
cional e que envolvem acordos de cooperação regional, custos de pro-
dução, subsídios, normas, tributos, estratégias competitivas (dumping e
antidumping), marketing, entre outros.

3. O BRASIL, A IIRSA/COSIPLAN E A NECESSIDADE


DE INCREMENTAR O COMÉRCIO EXTERIOR
No ano 2000, ocorreu a I Cúpula de países da América do Sul em
Brasília, evento impulsionado pelo, então, presidente Fernando Hen-
rique Cardoso, que contou com a presença dos mandatários do Brasil,
Argentina, Paraguai, Uruguai, Chile, Bolívia, Colômbia, Equador, Peru,
Venezuela, Guiana e Suriname, estabelecendo um espaço de diálogo
para buscar soluções conjuntas para temas como democracia, infraes-
trutura de integração, drogas e delitos conexos, relacionados ao tráfico
de armas e drogas (COUTO, 2010)9.
As evoluções das iniciativas integracionistas resultaram na con-
solidação da União de Nações Sul-Americanas (UNASUL), no ano de
2008. Essa, por sua vez, criou o Conselho Sul-Americano de Infraes-
trutura e Planejamento (COSIPLAN), que incorporou as atribuições
da IIRSA, ocasionando uma reorganização institucional da política de
integração territorial sul-americana.

9 Como pudemos verificar, a Guiana Francesa não está inclusa, pois não é um país,
mas sim, um departamento ultramarino francês; assim como as Ilhas Malvinas
(Falkland) e as Ilhas Geórgia do Sul e Sandwich do Sul não estão inclusas, pois são
territórios pertencentes ao Reino Unido.

110 UUU ?ÀVˆœÊ,œ}jÀˆœÊ-ˆÛiˆÀ>ÊUÊ6ˆÌœÀÊjˆœÊ*iÀiˆÀ>Ê`iÊ-œÕâ>


O Brasil, devido a sua dimensão continental, apresenta uma ex-
tensa fronteira com um total de 15.179 km compartilhados com dez
países sul-americanos, não possuindo fronteira somente com Chile e
Equador. Dessa maneira, o país expressa uma importante participação
dentre os projetos delimitados pela IIRSA/COSIPLAN, inclusos nos
Portfólios Gerais da iniciativa, na Agenda de Implementação Consen-
suada (AIC) e na Agenda de Projetos Prioritários de Integração (API).
Conforme dados do COSIPLAN, para o ano de 2013, o Portfólio
Geral foi ampliado de 531 projetos para 583, com investimentos previs-
tos de U$S 158,62 bilhões, dos quais o Brasil participava em 110 obras
(19%), que totalizaram U$S  79,75 bilhões de investimentos(50%). Do
total, 81 projetos eram exclusivamente nacionais, com investimentos
de U$S 70,576 bilhões. Cerca de 27 projetos eram binacionais, com in-
vestimentos de U$S 8.787 bilhões e apenas 2 projetos eram resultantes
de cooperação trinacional, com investimentos estimados em U$S 389,1
milhões.
Mesmo que sejam projetos visando à integração regional, perce-
be-se que, devido à inexistência de uma organização internacional de
integração regional financiadora, grande parcela das obras foi realizada
com investimentos nacionais. No entanto, apesar dos poucos projetos
financiados em conjunto pelos países, esse número representa um avan-
ço, pois implica em esforços entre os países para o estabelecimento de
arranjos jurídicos, visando facilitar o financiamento associado.
Essas obras apresentavam uma distribuição setorial, com enfoque
no setor de transporte, com 97 projetos e investimentos de U$S 47,63
bilhões, seguido pelo setor de energia, com 11 projetos e investimentos
de U$S 32,12 bilhões e somente 2 projetos de comunicação, com inves-
timentos ainda não mensurados. Desse total, para o ano de 2013, apenas
23 projetos haviam sido concluídos, com investimentos de U$S 6,96 bi-
lhões; 43 se encontravam em execução, com investimentos de U$S 53,02
bilhões e, em fase de perfil e pré-execução, contabilizavam-se 44 obras,
com investimentos de U$S 19.77 bilhões (tabela 05).

A IIRSA/COSIPLAN E SUAS IMPLICAÇÕES NA FLUIDEZ DO TERRITÓRIO BRASILEIRO UUU 111


TABELA 05. Participação do Brasil nos projetos referentes ao
Portfólio Geral do COSIPLAN para o ano de 2013
Projetos do Portfólio
Tipo de investimento Númerode projetos Investimentos em US$
Nacional 81 70.576.566.714
Binacional 27 8.786.749.356
Trinacional 2 389.100.000
Total 110 79.752.416.070
Projetos por setor Número de projetos Investimentos em US$
Transporte 97 47.635.271.856
Energia 11 32.117.144.214
Comunicação 2 n/d
Total 110 79.752.416.070
Situação dos projetos Númerode projetos Investimentos em US$
Perfil 19 4.748.971.000
Pré-execução 25 15.020.128.356
Execução 43 53.021.672.500
Concluído 23 6.961.644.214
Total 110 79.752.416.070
Fonte: COSIPLAN, 2013.

O COSIPLAN, para o ano de 2013, possuía 9 Eixos de Integração


e Desenvolvimento (EIDs), a saber: Andino, Sul, Amazônico, Escudo
Guianês, MERCOSUL-Chile, Capricórnio, Hidrovia Paraguai-Para-
ná, Interoceânico Central, Peru-Brasil-Bolívia (figura 01). O Brasil não
apresenta obras somente nos EIDs Andino e no do Sul. Ao estabelecer-
mos uma compartimentação da América do Sul em porção setentrional
e austral, podemos constatar que, na primeira, o país participou dos
EIDs Amazônico, Escudo Guianês e Peru-Brasil-Bolívia, com 50 obras.
Na porção austral, ocorre a convergência dos EIDsMercosul-Chile, In-
teroceânico Central, Hidrovia Paraguai-Paraná e Capricórnio,com 60
obras (tabela 06).
Como se pode notabilizar, a porção central da América do Sul,
em que está inserida a porção Centro-Oeste brasileira, foi abarcada por
dois importantes EIDs: o Interoceânico Central e a Hidrovia Paraguai
-Paraná, que concentraram 21 projetos referentes ao Portfólio Geral do

112 UUU ?ÀVˆœÊ,œ}jÀˆœÊ-ˆÛiˆÀ>ÊUÊ6ˆÌœÀÊjˆœÊ*iÀiˆÀ>Ê`iÊ-œÕâ>


COSIPLAN no território brasileiro, para o ano de 2013. Já na Agenda de
Projetos Prioritários de Integração (API)10 da iniciativa, que abarca obras
consideradas estratégicas para promover a integração regional nos EIDs
Interoceânico Central e a Hidrovia Paraguai-Paraná, destacavam-se im-
portantes conjuntos de obras como poderemos constatar a seguir.
FIGURA 01. COSIPLAN – eixos de integração e desenvolvimento para o ano de 2013.

10 Para o ano de 2013, seguindo a prática adotada pela iniciativa, foi selecionada, em
meio ao Portfólio Geral do COSIPLAN, uma lista com os principais projetos. Dessa
maneira, foi criada a Agenda de Projetos Prioritários de Integração (API), compos-
ta por 31 projetos classificados como “Projetos Estruturados”, ou seja, obras que
favorecem as redes de conectividade física, com alcance regional e com potencial
de fomentar sinergias e de solucionar as deficiências da infraestrutura existente e,
por conseguinte, 88 “Projetos Individuais”, aqueles que apresentam função com-
plementar aos projetos estruturados, geralmente de menor porte. Trata-se se um
pacote de obras que passou a funcionar enquanto vitrine da iniciativa, ganhando
destaque enquanto marketing governamental do projeto e tornando-se objeto de
grande parte das análises acadêmicas (SOUZA; SILVEIRA, 2014).

A IIRSA/COSIPLAN E SUAS IMPLICAÇÕES NA FLUIDEZ DO TERRITÓRIO BRASILEIRO UUU 113


TABELA 06. Participação Brasileira nos EIDs delimitados no Portfólio Geral
do COSIPLAN para o ano de 2013
Eixos Nº Projetos
1. Andino n/d
2. Sul n/d
3. Amazônico 33
4. Escudo Guianês 8
5. MERCOSUL-Chile 30
6. Capricórnio 9
7. Hidrovia Paraguai-Paraná 8
8. Interoceânico Central 13
9. Peru-Brasil-Bolívia 9
Total 110
Fonte: COSIPLAN, 2013.

O EID Interoceânico Central apresentou quatro grupos de tra-


balhos11, compostos por quatro projetos estruturados que abarcaram
7 projetos individuais, com investimentos estimados de US$ 460,2 mi-
lhões. Tais projetos objetivavam melhorar as conexões viárias, ferroviá-
rias e aeroviárias entre Brasil, Bolívia, Paraguai e Peru, apresentando a
Bolívia como área de articulação. Ademais, havia outros projetos que
visavam ampliar a capacidade do aeroporto de Viru Viru, em Santa
Cruz de la Sierra, na Bolívia, a melhora do Posto de Fronteira Rivarola-
Cañada Oruro entre Bolívia e Paraguai, além de consolidar o corredor
ferroviário bioceânico central da Bolívia (COSIPLAN, 2013).
Dessa lista de obras, o Brasil participou de dois projetos, um des-
tinado ao modal rodoviário e outro a um posto de fronteira, somando
ambos US$ 32 milhões. Sendo assim, foi realizada a adequação da área
de controle integrado entre Puerto Suárez e Corumbá no valor de US$

11 Para o ano de 2013,tinham sido definidos cinco grupos de trabalho, sendo que
quatro apresentavam projetos inclusos na API, a saber: G1 (Conexão entre Chi-
le-Bolívia-Paraguai-Brasil); G2 (Otimização do Corredor Corumbá-São Paulo-
Santos-Rio de Janeiro); G3 (Conexão entre Santa Cruz-Porto Suárez-Corumbá); e
G5 (Conexão do eixo ao Pacífico Ilo/Matarani-Desaguadero-La Paz/Arica-La Paz/
Iquique-Oruro-Cochabamba-Santa Cruz).

114 UUU ?ÀVˆœÊ,œ}jÀˆœÊ-ˆÛiˆÀ>ÊUÊ6ˆÌœÀÊjˆœÊ*iÀiˆÀ>Ê`iÊ-œÕâ>


2 milhões12 em conjunto com a Bolívia e o contorno viário da cidade
de Campo Grande/MS, projeto incluso no Programa de Aceleração do
Crescimento (PAC), no valor de US$ 30 milhões. Essas são importantes
obras que complementam outros projetos realizados em território boli-
viano, como a duplicação da rodovia de La Paz à Santa Cruz e da rodo-
via de Toledo-Pisiga, projetos inseridos no Plan Nacional de Desarollo
boliviano (COSIPLAN, 2013).
Já no caso do EID Hidrovia Paraguai-Paraná – recorte que abarca
a bacia dos rios Paraguai, Paraná, Uruguai e inclui as fronteiras do Bra-
sil, Bolívia, Paraguai, Argentina e Uruguai, além do rio Tietê, que nasce
no oeste do estado de São Paulo e desemboca na represa de Jupiá no
rio Paraná – foram definidos cinco grupos13que originaram quatro pro-
jetos estruturados, que agruparam 15 projetos individuais. O objetivo
foi melhorar a navegabilidade e complementar as conexões ferroviárias
entre Paraguai, Uruguai e Argentina, com obras que totalizam US$ 1,56
bilhões em investimentos (COSIPLAN, 2013).
O Brasil esteve inserido em três projetos que totalizam US$ 864
milhões em investimentos. O primeiro projeto é em conjunto com a
Bolívia e o Paraguai, com a intenção de melhorar a navegabilidade do
rio Paraguai entre Apa e Corumbá, no valor de US$ 39 milhões. Visava
ampliar a competitividade dos produtos regionais produzidos nas áreas
distantes dos portos marítimos, além da redução do tráfego de cami-
nhões, acidentes e da depreciação das rodovias. Já o projeto de melho-
ramento da navegabilidade do rio Tietê, no valor de US$ 800 milhões,
facilita o escoamento de soja e combustíveis produzidos no Brasil para
Argentina e também o trajeto do trigo argentino para o mercado brasi-
leiro, além de dar vazão a algumas cargas com origem no Paraguai,des-

12 O governo federal brasileiro prevê a construção de galpões de depósito de mer-


cadorias confiscadas à aquisição de uma empilhadeira, e a readequação do Posto
Esdras em Corumbá/MS.
13 Para o ano de 201,3 foram definidos cinco grupos de trabalho com projetos in-
clusos na API, como: G1 (Rio Paraguai, Asunción-Corumbá); G2 (Tietê-Paraná
[Itaipu]); G3 (Rios Paraguai-Paraná, Asunción-Delta do Paraná); G4 (Rio Paraná,
Itaipu- Confluencia), e G5 (Rio Uruguai).

A IIRSA/COSIPLAN E SUAS IMPLICAÇÕES NA FLUIDEZ DO TERRITÓRIO BRASILEIRO UUU 115


tinadas ao mercado consumidor de São Paulo e ao Portode Santos. E,
por fim, o melhoramento da navegabilidade do rio Alto Paraná (águas
acima do Salto del Guairá) no valor de US$ 25 milhões. Ambos os pro-
jetos, em algumas etapas das obras, contaram com financiamento do
PAC (COSIPLAN, 2013).
Deve-se considerar que essas áreas delimitadas pelos EIDs apre-
sentam dinâmicas econômicas que extrapolam o recorte territorial
adotado pelo projeto, havendo geralmente uma sobreposição dos eixos
da IIRSA/COSIPLAN (SOUZA; SILVEIRA, 2014). Tal prerrogativa ve-
rifica-se, sobretudo, nos casos dos EIDs Interoceânico Central e a Hi-
drovia Paraguai-Paraná, ondese constata a justaposição aos EIDs: An-
dino, Capricórnio, Peru-Brasil-Bolívia e MERCOSUL-Chile. Uma vez
que esses EIDs, que apresentam obras direcionadas à porção central do
continente, mais especificamente no caso brasileiro para região Centro
-Oeste, tendem a apresentar um desenho, subjugado a outros eixos que
abarcam a fachada litorânea brasileira.
Esse é o caso dos EIDs Interoceânico Central, Hidrovia Para-
guai-Paraná e Capricórnio, que estão sobrepostos ao EID MERCOSUL-
Chile. Uma vez que esse último engloba no Brasil os estados de Minas
Gerais, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, que não
só se tratam de grandes mercados consumidores, mas também de im-
portantes acessos às rotas para exportação intrarregional (destaque ao
MERCOSUL), mas, sobretudo, áreas de ingresso para mercados extrar-
regionais (com ênfase no mercado asiático), por se tratarem de estados
com uma importante rede portuária localizada no oceano Atlântico(ex-
ceto o estado de Minas Gerais).
Nesse ínterim, compreende-se por que o EID MERCOSUL-Chi-
le, que abarca uma região economicamente dinâmica, na qual existe
uma maior intensidade de fluxos entre os países, também tratar-se de
uma área que concentra obras e investimentos da IIRSA/COSIPLAN.
Vale lembrar que, ao analisar as obras destinadas ao Brasil no “Portfólio
Geral” da iniciativa para o ano de 2013, o mesmo concentrava o maior
número de obras, isto é, 30, sendo 21 de responsabilidade nacional e ou-

116 UUU ?ÀVˆœÊ,œ}jÀˆœÊ-ˆÛiˆÀ>ÊUÊ6ˆÌœÀÊjˆœÊ*iÀiˆÀ>Ê`iÊ-œÕâ>


tros 9 projetos binacionais com investimentos estimados em US$ 19,96
bilhões. O setor de transportes seguia sendo o responsável pelo maior
número de obras, um total de 23 com valor de US$ 13,75 bilhões, segui-
do pelo setor de energia com 6 obras e investimentos de 6,21 bilhões e,
por fim, o setor de comunicações – sempre preterido – com apenas 1
projeto, o qual ainda se encontrava em estudo, portanto não apresenta-
va o custo definido.
Tais projetos certamente são de irrefutável necessidade, pois com
a incessante busca por melhor fluidez, por meio de uma “logística cor-
porativa”otimizada, as empresas procuram uma nova lógica de organi-
zação dos seus fluxos no território. As empresas exigem do Estado uma
reorganização territorial das redes de comunicação e transporte (“lo-
gística de Estado”), a fim de sociabilizar os custos para otimização das
“condições gerais de produção” existentes, aspirando maiores vanta-
gens comparativas para as regiões em que as mesmas operam. Raciona-
lizar, otimizar e ampliar os sistemas de transportes e armazenamento,
com apoio da logística, para incorporar e seletivizar espaços, é o ponto
nevrálgico da recente reestruturação econômica mundial. Estamos fa-
lando da mobilidade geográfica do capital.
Como se constatou ao analisar os dados do Portfólio do COSI-
PLAN para América do Sul, grande parcela das obras foram destinadas
ao setor de transportes, principalmente ao modal rodoviário, que cana-
lizou grande percentual dos investimentos. Exceto na porção setentrio-
nal do continente, que apresenta um maior número de obras destinadas
à geração de energia hidroelétrica (SOUZA; SILVEIRA, 2014). Esse pa-
drão identificado para as obras distribuídas pelo continente ocorre, em
particular, ao analisarmos o caso brasileiro.
Ou seja, grande parcela dos investimentos foi destinada para a
recuperação das infraestruturas já existentes, como a ampliação da ca-
pacidade das rodovias atuais, tornando-se uma característica limitante
dos projetos. A IIRSA/COSIPLAN não consegue modificar efetivamen-
te a desequilibrada matriz de transportes regional, além do que deter-
minadas obras contribuem para reforçar a seletividade espacial do capi-

A IIRSA/COSIPLAN E SUAS IMPLICAÇÕES NA FLUIDEZ DO TERRITÓRIO BRASILEIRO UUU 117


tal. Mesmo que nas atualizações dos Portfólios Gerais do COSIPLAN,
para os anos consecutivos (2014 e 2015), tenham sido destinados maio-
res investimentos para os demais modais, contribuindo para a alteração
dessa orientação inicial dos projetos notabilizada.
Para compreender essa limitação, toma-se como exemplo o caso
da BR-101, rota inclusa na AIC e API da IIRSA/COSIPLAN, que obje-
tiva a ampliação e duplicação da rodovia entre os municípios de Palho-
ça/SC e Osório/RS. Trata-se de uma extensão de 337,5 km (249 km no
estado de Santa Catarina e 88,5 km do estado do Rio Grande do Sul)
em que ocorreram a restauração de pontes, construção de túneis, via-
dutos, passagens interiores e passarelas, a fim de reduzir tempo e custo
de viagem pelo trajeto, além de conquistar melhor segurança para a
rota. Obra importante que possibilitará a sobrevida dos intensos fluxos,
porém, caso não seja complementada com a melhoria do sistema por-
tuário e estabelecimento de modais alternativos, será novamente inefi-
ciente em médio prazo, pois continuará gradativamente a concentrar os
fluxos existentes, provenientes não só de Santa Catarina, mas também
de outras unidades federativas do país.
Para explicar melhor a argumentação desenvolvida até o momen-
to, devemos recordar que a expansão do capital corporativo no campo
influiu no alargamento da fronteira agrícola para a região Centro-Oeste
do país. Fator esse que – agrupado à tecnificação da agricultura, à não
realização da reforma agrária e ao avanço das monoculturas – originou
novas demandas por transportes. Essas cargas, devido à inexistência e/
ou baixa eficiência do sistema rodoviário, atreladas à reduzida quilome-
tragem de ferrovias disponíveis eà falta de investimentos nos modais
hidroviários, têm seu escoamento até os portos realizado, em grande
medida, pelo modal rodoviário.
As novas cargas originadas no interior (região Centro-Oeste) do
país com destino a mercados intrarregionais (sentido norte-sul) ou ex-
trarregionais (sentido oeste-leste), após percorrer uma longa distância
pelo modal rodoviário, ao atingir a porção litorânea do país, uma das
áreas com maior densidade urbana e econômica, são canalizadas prin-

118 UUU ?ÀVˆœÊ,œ}jÀˆœÊ-ˆÛiˆÀ>ÊUÊ6ˆÌœÀÊjˆœÊ*iÀiˆÀ>Ê`iÊ-œÕâ>


cipalmente pela rodovia BR-101, que cruza, de norte a sul, o país em sua
fachada litorânea, além de outras rodovias adjacentes.
Prontamente, os veículos de cargas com destino ao MERCOSUL
ou aos portos, em determinados trechos das rodovias que servem à re-
gião da fachada litorânea, passam a disputar espaço com os fluxos inter/
intraurbano, uma vez que em algumas cidades a urbanização avançou
no entorno das vias. E, por fim, ao alcançar as cidades portuárias, a
urbanização nos arredores dos portos, atrelada à sua baixa eficiência,
torna-se outro entrave, situação que aponta para a complexidade e ne-
cessidade de um planejamento integrado da fluidez territorial no país.

4. A NECESSIDADE DE UM PLANEJAMENTO INTEGRADO DA FLUIDEZ


TERRITORIAL PARA EXPORTAÇÃO: ARTICULANDO ESCALAS
A IIRSA/COSIPLAN, embora configure como um importante
esforço para garantir a fluidez territorial para as exportações, não é su-
ficiente, pois a solução parte do planejamento da rede de transportes
de forma integrada, isto é, os projetos definidos enquanto de interesse
para a integração regional sul americana devem ser complementados
por uma agenda de projetos nacionais.
Podemos considerar que, nos últimos anos, o planejamento da
fluidez territorial avançou. Dado que, após o ano de 2007, foi retomado
o planejamento do setor de transportes em âmbito nacional pelo go-
verno federal a médio e longo prazo, por meio do lançamento do Plano
Nacional de Logística e Transporte (PNLT), um documento com cará-
ter indicativo para o horizonte de 2007-203114, que ofereceu (e oferece)
subsídio imediato para a elaboração dos Planos Plurianuais (PPA) para
o período de 2008-2011 e 2012-2015, além de auxiliar na composição do
Programa de Aceleração do Crescimento 1 e 2 (PAC 1 e 2), que finan-
ciou, também, algumas obras da IIRSA/COSIPLAN.

14 Em sua primeira versão, lançado em 2007, o PNLT limitava-se até o período de


2023. Todavia, após a atualização do plano no ano de 2009, o mesmo estendeu seu
recorte temporal até o ano de 2033. Vale frisar que, ambos os documentos conside-
ram as obras da IIRSA/COSIPLAN.

A IIRSA/COSIPLAN E SUAS IMPLICAÇÕES NA FLUIDEZ DO TERRITÓRIO BRASILEIRO UUU 119


O PAC 1 (2007-2010) foi o primeiro programa executivo de desen-
volvimento implantado, após os governos militares, com investimentos
de R$ 618 bilhões, destinados a obras de infraestrutura social, urbana,
logística e energética no país, dos quais o setor de transportes captou R$
65,4 bilhões, sendo R$ 42,9 bilhões destinados às rodovias (6.377 km),
R$ 17 bilhões (301 embarcações e 5 estaleiros) à marinha mercante, R$
3,4 bilhões (909 km) às ferrovias, R$ 281,9 milhões (12 obras em 10 ae-
roportos) aos aeroportos, R$ 789,1 milhões (14 obras) aos portos e R$
965,5 milhões (para 10 terminais e as eclusas de Tucuruí) às hidrovias
(SILVEIRA, 2013).
O PAC 2 (2011-2014) realizou investimentos de R$ 1,066 trilhão,
alcançando 96,5% do R$ 1,104 trilhão previsto para ser investido no
período. Sendo que no setor de transportes foram aplicados R$ 66,9
bilhões em todo o país, dos quais 5.188 km foram de rodovias (gran-
de parcela para duplicações). Já para as ferrovias foram concluídos
1.088 km dos quais já entraram em operação 855 km. Em portos foram
concluídos 30 empreendimentos entre ampliação de cais, construção
de porto, terminais de passageiros e dragagem para receber navios de
maiores calados nos portos. No setor aeroportuário foram concluídas
37 obras, que garantiram a ampliação da capacidade dos aeroportos
brasileiros para 70 milhões de passageiros por ano. Entre as hidrovias
foram concluídos 19 empreendimentos. Além disso, os municípios com
menos de 50 mil habitantes foram contemplados com 15.181 máquinas,
para construção de estradas vicinais (retroescavadeiras, motonivelado-
ras e caminhões caçamba) (PAC 2, 2015).
Visando impulsionar as transformações no setor, além dos in-
vestimentos do PAC 1 e 2, o governo resolveu ampliar as parcerias com
a iniciativa privada, por meio do lançamento, no ano de 2012, do Pro-
grama de Investimento em Logística (PIL): Rodovias e Ferrovias. Esse
programa, apelidado de “PAC das Concessões”, busca angariar inves-
timentos da ordem de R$ 113 bilhões nos próximos 30 anos. Recursos
esses que deverão ser destinados à duplicação de 7,5 mil km de rodovias
(R$ 23,5 bilhões em cinco anos e R$ 18,5 bilhões em 20 anos, totalizan-

120 UUU ?ÀVˆœÊ,œ}jÀˆœÊ-ˆÛiˆÀ>ÊUÊ6ˆÌœÀÊjˆœÊ*iÀiˆÀ>Ê`iÊ-œÕâ>


do R$ 42 bilhões de investimentos), além da construção/manutenção de
10 mil km de ferrovias (R$ 56 bilhões em cinco anos e R$ 35 bilhões em
25 anos, totalizando R$ 91 bilhões de investimentos) (MDIC, 2013)15.
O PAC 2 tem uma importância significativa para as diversas re-
giões do país. Haja vista o caso do Mato Grosso do Sul, em que, no
período de 2011 a 2013, foram investidos R$ 12,65 bilhões no estado,
além de R$ 4,94 bilhões de inversões em cooperação com outras uni-
dades federativas, que totalizaram R$ 17,59 bilhões. Dessa soma, foram
destinados ao setor de transportes, no período de 2011 a 2013, cerca de
R$1,133 bilhões,além de R$ 375,67 milhões em conjunto com outros
estados, sendo previsto para após o ano de 2014, R$ 89,65 milhões para
projetos exclusivos ao estado e R$ 2,447 bilhões para projetos em coo-
peração com outros estados (tabela 07).
TABELA 07. Mato Grosso do Sul: investimentos (em milhões de reais)
destinados ao setor de transportes pelo PAC 2
Exclusivo Regional
Tipo
2011 a 2014 Pós 2014 2011 a 2014 Pós 2014
Rodovias 1.056,79 89,65 148,38 -
Ferrovias - - 54,20 2.447,40
Portos - - - -
Hidrovias 6,00 - 61,81 -
Aeroportos 10,12 - 111,28 -
Equipamentos para
60,44 - - -
estradas vicinais
Total 1.133,35 89,65 375,67 2.447,40
Fonte: PAC 2 Mato Grosso do Sul. 11º Balanço 2011-2014.

Desse total, R$ 1,056 bilhões foram investimentos exclusivos do


estado do Mato Grosso do Sul para a construção do anel rodoviário de
Campo Grande, na BR-262/MS (projetos inclusos nas obras do COSI-
PLAN), assim como a construção de subtrechos da BR-359 e, a manu-
15 Na proposta inicial para esse novo modelo de concessão, a iniciativa privada não
terá o monopólio da ferrovia, possibilitando a outras empresas utilizá-la. Logo, será
de responsabilidade da concessionária realizar a manutenção da qualidade da in-
fraestrutura e dos serviços, assim como a gradativa redução das tarifas, a fim de
ampliar a competitividade dos trechos (SILVEIRA, 2013).

A IIRSA/COSIPLAN E SUAS IMPLICAÇÕES NA FLUIDEZ DO TERRITÓRIO BRASILEIRO UUU 121


tenção, operação, sinalização e controle de velocidade de outros trechos
rodoviários do estado. Cerca de R$148,38 milhões de investimentos
regionais foram direcionados à construção de uma ponte na BR-262,
sobre Rio Paraná (entre MS e SP);R$ 6 milhões de investimentos foram
reservados paradragagem, derrocamento e sinalização do Rio Para-
guai no Passo do Jacaré e R$ 61,81 milhões de investimentos regionais
foram destinados à dragagem, derrocamento e sinalização do Rio Pa-
raguai (MS, MT), e no Rio Paraná, dragagem e sinalização (GO, MG,
MS, PR, SP); R$10,12 milhões foram investidos no aeroporto de Campo
Grande para serviços de manutenção, compreendendo a recuperação
de condições funcionais das taxiways charlie, “delta” e echoe, R$111,28
milhões de investimentos regionais foram destinadosà aquisição de veí-
culos contra incêndio e outros equipamentos; R$ 60,44 milhões foram
investidos em equipamentos destinados a obras em estradas vicinais
(retroescavadeiras, motoniveladoras e caminhões caçamba); R$ 54,20
milhões de investimentos regionais foram destinados às ferrovias, a sa-
ber: a preparação da concessão da Ferrovia Estrela d’Oeste-Panorama-
Dourados (MS e SP) por meio do PIL; além de uma série de estudos de
projetos destinados ao Corredor Ferroviário Bioceânico – Bitola Métri-
ca (MS, PR, SP), ao prolongamento da Ferrovia Norte-Sul conexão com
a Ferrovia do Pantanal (MS, SP) e, por fim ao Corredor Ferroviário do
Paraná (Maracaju – Lapa – Paranaguá entre MS e PR) incluso no PIL16.
Ademais, de modo similar ao PIL, a Medida Provisória nº 595/12,
aprovada pelo Congresso Nacional, em 17 de maio de 2013, e convertida
na Lei nº 12.815/2013 (Lei dos Portos) estabeleceu um novo marco re-
gulatório para o setor portuário brasileiro, com o objetivo de viabilizar
maiores investimentos no setor, por meio da parceria com a iniciativa

16 Na categoria Cidade Melhor do PAC 2, destinado ao estado do Mato Grosso do Sul,


foram planejados investimentos de R$ 560,15 milhões para obras de pavimentação
asfáltica, drenagem, qualificação de vias e, foram aprovados R$ 249,38 milhões para
mobilidade urbana, visando fomentar estudos, projetos e a implementação de cor-
redores de ônibus, além da reforma e requalificação de terminais de ônibus. Assim
como estudos para implantação de um VLT (Veículo Leve sobre Trilhos).

122 UUU ?ÀVˆœÊ,œ}jÀˆœÊ-ˆÛiˆÀ>ÊUÊ6ˆÌœÀÊjˆœÊ*iÀiˆÀ>Ê`iÊ-œÕâ>


privada17. Essa mudança anula a exclusividade do transporte de carga
própria nos portos privados e amplia a oferta por transporte, entre ou-
tras medidas.
Tais estratégias, em conjunto, podem colaborar para consolidação
de uma matriz de transporte mais equilibrada para o período de 2011 a
2031. As metas almejadas pelo PNLT (2011) conjecturam a redução da
participação do modal rodoviário de 52% para 38% e, por outro lado, a
ampliação da participação do ferroviário de 30% para 43%, seguido da
ampliação do hidroviário de 5% para 6%, a redução do dutoviário de
5% para 4% e a elevação da navegação de cabotagem de 8% para 9%18.
A aproximação de tais índices resultaria em uma importante re-
dução no custo Brasil de transportes, não fosse o fato da participação
atual do modal ferroviário no país ser superestimada; haja vista que
ao retirar o minério de ferro transportado pela Estrada de Ferro Vitó-
ria-Minas (EFVM), Estrada de Ferro Carajás (EFC) e Ferrovia Centro
-Atlântica (FCA), a participação da ferrovia cai (SILVEIRA, 2013). Essa
participação cai mais significativamente, quando tiramos dela os grãos.
Isso implica dizer que as ferrovias são, no Brasil, essencialmente trans-
portadoras de commodities.
Segundo as estimativas presentes no PNLT (2011), sem o minério
de ferro, teríamos uma previsão mais modesta e realista da matriz de
transportes, que visa à redução do modal rodoviário de 68% para 55% e
à elevação da participação do ferroviário de 10% para 21%, acompanha-
das da manutenção da participação do hidroviário em 6%, a redução do

17 A Secretaria de Portos ficou com a responsabilidade de elaborar o plano de outor-


gas e fixar diretrizes para os regulamentos de exploração dos portos, entre outras
atribuições. Já a ANTAQ(Agência Nacional de Transportes Aquaviários) será en-
carregada de arbitrar conflitos e controvérsias nos contratos.
18 Na primeira edição do PNLT, planejado para o horizonte de 2007 a 2023, foi pre-
vista a ampliação da participação em toneladas por km do modal ferroviário de
25% para 32%; do aquaviário de 13% para 29%; do dutoviário de 3,6% para 5% e do
aéreo de 0,4 para 1%, reduzindo a participação do modal rodoviário de 58% para
33% (SOUZA, 2010).

A IIRSA/COSIPLAN E SUAS IMPLICAÇÕES NA FLUIDEZ DO TERRITÓRIO BRASILEIRO UUU 123


dutoviário de 6% para 5% e a elevação da navegação de cabotagem de
10% para 13% (tabela 08).
TABELA 08. Distribuição da matriz de transporte brasileira, por modal em
toneladas por km para o período de 2011-2031
Modais (com minério de ferro)
Ano
Rodoviário Ferroviário Hidroviário Dutoviário Cabotagem
2011 52% 30% 5% 5% 8%
2015 44% 36% 6% 7% 7%
2019 40% 40% 6% 6% 8%
2023 39% 42% 6% 4% 9%
2027 38% 43% 6% 4% 9%
2031 38% 43% 6% 4% 9%
Modais (sem minério de ferro)
Ano
Rodoviário Ferroviário Hidroviário Dutoviário Cabotagem
2011 68% 10% 6% 6% 10%
2015 60% 14% 7% 9% 10%
2019 56% 19% 6% 7% 12%
2023 55% 21% 6% 5% 13%
2027 55% 21% 6% 5% 13%
2031 55% 21% 6% 5% 13%
Fonte: PNLT, 2011.

Esses dados ratificam a necessidade de políticas públicas que vi-


sem ampliar a participação dos demais modais na matriz de transporte
do país. Deve-se salientar que, em nível regional, com a IIRSA/COSI-
PLAN, os investimentos em grande parte, destinados ao modal rodo-
viário, embora imprescindíveis, não são a melhor saída para a amplia-
ção da competitividade que, em âmbito internacional, tornou-se cada
vez mais acirrada, em especial, devido à capacidade chinesa de inserção
internacional e, que para isso, utiliza uma rede de infraestruturas de
transportes e armazenamento com elevada qualidade, assim como um
sistema de normas e tributação eficientes.
A ampliação dos fluxos econômicos que estamos observando
pelo sistema de circulação, no território brasileiro, não ocorre somente
por causa de uma ampliação proporcional das infraestruturas de trans-
portes e armazenamento. Esse alargamento só é foi possível por meio da

124 UUU ?ÀVˆœÊ,œ}jÀˆœÊ-ˆÛiˆÀ>ÊUÊ6ˆÌœÀÊjˆœÊ*iÀiˆÀ>Ê`iÊ-œÕâ>


“logística de Estado” (planejamento e investimentos em pontos estraté-
gicos das infraestruturas de transportes, flexibilização normativa e tri-
butária, entre outros), mas, sobretudo, pela “logística corporativa” (es-
tratégia, planejamento e gestão de transportes e armazenamento). Essa
forma de estratégia competitiva adotada pelas empresas, para diminuir
custos de transportes e armazenamento, é também responsável pela in-
serção das commodities brasileiras no mercado mundial. As empresas
ao utilizarem a “logística corporativa”,otimizam o uso das infraestru-
turas de transportes e armazenamento existentes e, por conseguinte,
ampliam sua lucratividade (SILVEIRA, 2014).
Mesmo com o significativo acréscimo de inversões em infraes-
truturas de transportes, ou seja, seu aumento em relação ao PIB (Pro-
duto Interno Bruto) e o considerável incremento do PIB brasileiro nos
últimos anos, os investimentos em infraestruturas não foram suficien-
tes para atender às demandas por transportes geradas pelo crescimento
da economia brasileira. Porque havia uma demanda reprimida de mais
de 20 anos, pois as décadas de 1980 e de 1990 até 2003 foram as décadas
perdidas também para as infraestruturas brasileiras. A manutenção da
concentração dos investimentos no modal rodoviário não proporcio-
nou modificações significativas na matriz de transportes, mantendo-a.
E esse é um dos gargalos que necessitam ser superados e, em especial,
em áreas onde a competividade é prejudicada, ou seja, onde a renda
diferencial da terra poderia ser amenizada com mais infraestruturas
adequadas de transportes. Uma alternativa para a recuperação dos in-
vestimentos em infraestruturas pode ser retirada dos ensinamentos
do economista Ignácio de Mourão Rangel, por meio de seu plano de
concessões de serviços públicos subinvestidos a setores da iniciativa
privada com capacidade ociosa. Os investimentos privados, em setores
retardatários, podem fomentar um efeito multiplicador interno e, por
conseguinte, repercutir positivamente na economia e na sociedade.
Os investimentos em projetos regionais sul-americanos atrela-
dos aos projetos realizados nacionalmente (e sub-regionais) podem,
em conjunto, garantir o estabelecimento de uma matriz de transportes

A IIRSA/COSIPLAN E SUAS IMPLICAÇÕES NA FLUIDEZ DO TERRITÓRIO BRASILEIRO UUU 125


mais equilibrada. Ainda que a situação atual da matriz de transportes
brasileira – ao retirar o minério de ferro e os grãos – pareça alarmante,
é fundamental a sua ampliação. Porque com o aumento da participação
do modal hidroviário e do ferroviário, ainda que em índices modestos,
os efeitos serão positivos, visto que a utilização desses modais pode ser,
respectivamente, 62% e 37% mais “barata” que a do transporte rodoviá-
rio (PNLT, 2007).
Logo, os efeitos para fluidez territorial ocorrerão com intensida-
des diferentes em cada região, afinal o desenvolvimento tende a ser de-
sigual e combinado. Os resultados serão favoráveis ao gerar mudanças
no Sistema Nacional de Viação (SNV), em especial, ao ampliar a fluidez
territorial e proporcionar menos desequilíbrios à matriz de transportes
e estabelecer uma coesão territorial com os países fronteiriços.

5. CONCLUSÃO
Após esse percurso, constata-se que ocorreram mudanças na
orientação da política externa brasileira, decorrente da transição do
governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2003) para o governo Luís
Inácio Lula da Silva (2003-2011), no que tange a busca por autonomia,
isto é, a capacidade do país em tomar decisões e adotar estratégias vi-
sando resguardar os interesses nacionais. As mudanças influenciaram
na intensificação das relações comerciais intra e extrarregionais, am-
pliando a participação do comércio exterior para o desenvolvimento
nacional.
A maior inserção internacional do país decorreu na ampliação
da quantidade de mercadorias em circulação, provenientes de diversas
regiões do país. Colocando em foco a necessidade da retomada dos pro-
jetos de integração territorial regional, para expandir/melhorar a inte-
gração entre os países. Esse objetivo passou a ser perseguido a partir
do ano 2000, com as obras delineadas na IIRSA/COSIPLAN, que ao
reduzir os custos de circulação ampliaram ainda mais as interações es-
paciais intra/extrarregionais.

126 UUU ?ÀVˆœÊ,œ}jÀˆœÊ-ˆÛiˆÀ>ÊUÊ6ˆÌœÀÊjˆœÊ*iÀiˆÀ>Ê`iÊ-œÕâ>


Nesse movimento, a região Centro-Oeste do país, até então pou-
co inserida no comércio internacional,transformou-se numa importan-
te região para a geração do superávit comercial brasileiro, resultando na
intensificação da geração de fluxos de mercadorias no interior do país,
com destinos a mercados internacionais. Tornou-se proeminente a ne-
cessidade de direcionar investimentos ao setor de transportes para os
estados que compõem essa região, a fim de garantir a fluidez territorial
necessária para uma inserção competitiva das empresas da região no
mercado mundial.
Não é surpresa que muitas análises acadêmicas apontem enquan-
to objetivo da IIRSA/COSIPLAN o favorecimento para escoamento das
commodities brasileiras provenientes do agronegócio. De fato, a política
externa, com olhos postos nas infraestruturas, é formulada a fim de
responder as demandas domésticas de alguns setores exportadores, que
possuem interesses de investimentos públicos em determinadas parce-
las do território.
Ainda que o objetivo inicial seja favorecer determinados setores
exportadores, deve-se destacar uma particularidade das infraestruturas
de transportes: essas, por se tratarem de uma “condição geral de pro-
dução”, ao serem inseridas no território, articulam um conjunto de ca-
pitais. Definir os setores econômicos interessados inicialmente na pro-
moção dos projetos é possível, porém, após os investimentos realizados,
apontar os setores econômicos beneficiados com as obras e as repercus-
sões espaciais em suas diversas escalas torna-se uma tarefa complexa,
possível de ser alcançada, mas somente com estudos de caso.
Ao analisar as obras dos Portfólios Gerais da IIRSA/COSIPLAN,
para o Brasil, constatou-se que o plano destinou investimentos aos
principais eixos de transportes do país, isto é, que canalizam grande
parcela dos fluxos. Ao ampliar a fluidez territorial intrarregional das
áreas seletivizadas pelo capital se perdeu a possibilidade de elaborar
políticas que propiciem maiores repasses de investimentos para áreas
menos interessantes ao capital coorporativo e que poderiam atuar na
redução das assimetrias regionais.

A IIRSA/COSIPLAN E SUAS IMPLICAÇÕES NA FLUIDEZ DO TERRITÓRIO BRASILEIRO UUU 127


Deve-se considerar que essas infraestruturas que servem às áreas
seletivizadas, como é caso da BR-101, geralmente são as mesmas vias
utilizadas pelas unidades federativas menos desenvolvidas. Elas servem
para dar vazão aos produtos exportados para mercados intrarregionais,
como é o caso do MERCOSUL e para mercados extrarregionais, como
é o caso das exportações para os mercados asiáticos, entre outros. Tam-
bém são obras de interesse prioritário ao setor industrial, principalmen-
te das regiões Sudeste e Sul do país, tendo em conta que são utilizadas
para exportação de produtos manufaturados destinados ao mercado
argentino.
Ademais, a BR-101, na Região Metropolitana de Florianópolis,
mas também em outros espaços brasileiros, foi fator determinante para
o desenvolvimento de um processo de conurbação, pois a mesma ad-
quiriu a função de viabilizar fluxos interurbanos. Embora a obra seja
estratégica para o comércio exterior, tornou-se de grande interesse para
a população local, que também utiliza a rodovia para mobilidade coti-
diana, com destaque para deslocamentos pendulares entre municípios.
São os casos, por exemplo, que dão origem à construção de contornos
rodoviários (como aedificação do contorno rodoviário da Região Me-
tropolitana de São Paulo, Florianópolis, Campo Grande, entre outros).
Apontar o interesse inicial que influenciou a elaboração de uma
política pública destinada ao setor de transportes não permite com-
preender de antemão e com exatidão as repercussões espaciais que tais
investimentos ocasionarão. Os interesses podem ser diversos e estarem
ligados à sobreposição de interesses dos agentes hegemônicos em di-
versas escalas (municipais, metropolitanos, estaduais, nacionais, supra-
nacionais e até mesmo globais). Assim, tanto num projeto local como
entre nações pode haver diversos agentes hegemônicos e de diversas es-
calas envolvidos.
Outra análise que podemos fazer aos projetos definidos pela II-
RSA/COSIPLAN, além do direcionamento de grande parcela dos in-
vestimentos para áreas economicamente dinâmicas, é o fato de grande
parte das inversões terem sido direcionados para obras de melhoria e

128 UUU ?ÀVˆœÊ,œ}jÀˆœÊ-ˆÛiˆÀ>ÊUÊ6ˆÌœÀÊjˆœÊ*iÀiˆÀ>Ê`iÊ-œÕâ>


ampliação do modal rodoviário, não implicando na consolidação, em
curto prazo, de uma matriz de transportes mais equilibrada e com me-
nores custos de transportes e logística.
Portanto, podemos afirmar que a IIRSA/COSIPLAN, embora
apresente importantes projetos para integração suprarregional, torna-
se limitada na tarefa de assegurar a fluidez territorial brasileira. Nesse
sentido, além de serem fundamentais os estudos de caso (das obras em
particular) para entender a política de integração infraestrutural em
âmbito continental, deve ser considerado o contexto das políticas públi-
cas destinadas ao setor de transportes.
O que estamos propondo é avaliar a conjuntura em que se desen-
volveram tais políticas públicas destinadas ao setor de transportes. Uma
vez que, no início do século XXI, ocorreu a retomada do planejamento
do Sistema Nacional de Viação brasileiro, com PNLT (2007), que pos-
sibilitou as bases para o PAC 1 (2007- 2010) e o PAC 2 (2011-2014), que
pretendia e colocou em execução uma série de obras de infraestruturas
pelo país. No ano 2012, o lançamento do Programa de Investimento
em Logística (PIL): Rodovias e Ferrovias e, posteriormente, no ano de
2013, o Decreto da Lei dos Portos (Lei nº 12.815/2013), acrescentaram
esforços para angariar investimentos da iniciativa privada ao setor, por
meio das Parcerias Público-Privadas (PPPs).
Por outro lado, ao analisarmos o caso particular da região Cen-
tro-Oeste, ressalta-se a importância dos investimentos destinados ao
modal rodoviário inclusos na IIRSA/COSIPLAN. Esses devem atender
uma necessidade de curto e médio prazo decorrente das projeções as-
cendentes de fluxos regionais destinados à exportação, canalizados por
determinados trechos do modal rodoviário.
Comodemonstramos, a região Centro-Oeste, por ser compos-
ta por estados enclaves, sem saída direta para o oceano, reforça a ne-
cessidade de uma política setorial de transportes em que prevaleça o
interesse nacional. Isto implica no estabelecimento de infraestruturas
em outras unidades federativas do país que, não necessariamente, serão

A IIRSA/COSIPLAN E SUAS IMPLICAÇÕES NA FLUIDEZ DO TERRITÓRIO BRASILEIRO UUU 129


utilizadas com maior intensidade para o escoamento dos produtos ori-
ginados nos estados em que as mesmas estão alocadas.
Esse é o caso de alguns dos estudos de ferrovias inclusas no PIL,
que partem do estado do Mato Grosso do Sul para o litoral, com objeti-
vo de escoar commodities para os portos. Esses investimentos, embora
de imediato pareçam desinteressantes aos estados dispostos na fachada
litorânea, em médio e longo prazo tornar-se-ão, também, estratégicos
aos mesmos, pois permitirão a redução do número ascendente de veícu-
los pesados que transitem nessas rodovias, como se verifica na BR-101,
BR -116, BR -277, entre outras.
A política externa, no decorrer da gestão de Lula da Silva e de
Dilma Rousseff, priorizou a ampliação do comércio exterior, compo-
nente importante da estratégia nacional de desenvolvimento. Dessa
maneira, promover a integração territorial torna-se precondição para
continuidade da ascensão dos fluxos destinados ao comércio exterior
intra/extrarregional.
Nesse sentido, no início do século XXI, a fluidez territorial tor-
nou-se assegurada por meio do conjunto de políticas públicas, cuja
evolução, convergências e divergências devem ser sistematizadas, ana-
lisadas e problematizadas, para vislumbrarmos políticas setoriais mais
eficientes e capazes de garantir a fluidez territorial almejada. Logo, essa
tarefa complexa que é a análise das diversas políticas públicas destina-
das ao setor de transportes não se esgota nesse ensaio. Mas, configuram
uma importante agenda de pesquisa para a Geografia da Circulação,
Transportes e Logística, assim como para demais áreas do conhecimen-
to que se dedicam ao estudo da temática na atualidade.

130 UUU ?ÀVˆœÊ,œ}jÀˆœÊ-ˆÛiˆÀ>ÊUÊ6ˆÌœÀÊjˆœÊ*iÀiˆÀ>Ê`iÊ-œÕâ>


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132 UUU ?ÀVˆœÊ,œ}jÀˆœÊ-ˆÛiˆÀ>ÊUÊ6ˆÌœÀÊjˆœÊ*iÀiˆÀ>Ê`iÊ-œÕâ>


DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
NO BRASIL CONTEMPORÂNEO:
POLÍTICA INDUSTRIAL E INSERÇÃO
INTERNACIONAL NOS GOVERNOS FHC E LULA
Caio Cézar Pedrollo Machado1
Hermes Moreira Jr.2

1. INTRODUÇÃO
A redemocratização no Brasil trouxe novidades importantes nos
campos político, institucional, social e econômico. A partir da Consti-
tuição de 1988, uma série de medidas foi tomada pelos governos para
colocar a nação no grupo de países desenvolvidos, garantindo à popu-
lação acesso ao consumo e ao bem-estar. Porém, o desenvolvimento
econômico não é um conceito com definições rígidas, o que permite
que diferentes estratégias sejam adotadas e distintos objetivos sejam
perseguidos sob sua justificativa. Não obstante, há certo consenso de
que o desenvolvimento econômico é caracterizado fundamentalmente
pela ampliação do progresso técnico e científico de uma sociedade, ou
seja, por avanços no processo de industrialização e produção de bens de
consumo que permitam ampliação do bem-estar e qualidade de vida de
sua população. Sua realização, todavia, está atrelada à realidade política
de uma determinada sociedade e da forma como ela se relaciona com as
demais unidades do sistema internacional.

1 Graduado em Relações Internacionais e Especialista em Gestão Públicapela Uni-


versidade Federal da Grande Dourados.
2 Doutor em Relações Internacionais pela UNESP. Professor da Faculdade de Direito
e Relações Internacionais da Universidade Federal da Grande Dourados.

UUU 133
Para que sejam atingidos índices significativos de desenvolvi-
mento econômico, agentes políticos e econômicos precisam estar dis-
postos a assumir riscos. A trajetória desse desenvolvimento contempo-
râneo mostra que,nos casos de maior sucesso, o projeto foi conduzido
por políticas direcionadas pelo Estado, seja na viabilização de mercados
consumidores interna e externamente, na consolidação dos fundamen-
tos básicos para o desenvolvimento ou no fortalecimento de agentes do
mercado para suportar a pressão e a concorrência internacional (FIORI,
1999; CHANG, 2003; AMSDEN, 2004; NAYYAR, 2014; BIELSCHO-
WSKI, 2014).
De acordo com Cano e Silva (2010), estímulos como incentivos
fiscais, política cambial e controle da taxa de juros, compras governa-
mentais, investimentos em pesquisa e desenvolvimento tecnológico são
formas com as quais o Estado pode promover políticas de desenvol-
vimento econômico no âmbito doméstico. Já no plano internacional,
o fortalecimento e defesa de sua moeda, o exercício diplomático e a
garantia da própria soberania permitem ao país galgar nova posição e
atingir um patamar de nação desenvolvida.
Esse trabalho referenda a importância do Estado na condução da
trajetória nacional de desenvolvimento a partir da construção de uma
política voltada para a indústria, partindo do pressuposto da necessi-
dade de um ritmo acelerado de industrialização para a efetivação de
um projeto de desenvolvimento. Nesse sentido, para contribuir com os
debates sobre o desenvolvimento econômico do Brasil contemporâneo,
nos propusemos a discutir as características dos governos FHC e Lula
no entendimento sobre o papel do Estado no incentivo ao desenvolvi-
mento econômico por meio de sua política industrial e de sua estratégia
de inserção internacional para o país. Na sequência, após breves apon-
tamentos sobre o debate a respeito do subdesenvolvimento e do desen-
volvimento no Brasil, discutiremos a concepção ideológica, a política
industrial e o modelo de inserção internacional concebidos nos anos
de FHC e Lula. Ainda que a retórica da busca por crescimento e desen-
volvimento econômico seja comum a ambos, e que os dois governos te-

134 UUU
>ˆœÊ
jâ>ÀÊ*i`ÀœœÊ>V…>`œÊUÊiÀ“iÃÊœÀiˆÀ>ÊÀ
nham sido responsáveis por implantar importantes transformações na
estrutura social do país, inclusive com traços de continuidade, verifica-
se que as estratégias traçadas para atingir seus objetivos se orientaram
por distintas concepções teóricas, ideológicas e programáticas.

2. DESENVOLVIMENTO, INDUSTRIALIZAÇÃO E POLÍTICA INDUSTRIAL


O desenvolvimento econômico se tornou o objetivo fundamental
das elites políticas e econômicas das sociedades contemporâneas. Sua
essência está no progresso técnico e científico que uma sociedade pode
alcançar para oferecer melhores bens de consumo e bem-estar à popu-
lação. A indústria se constitui como principal vetor desse processo.
A atividade industrial condiciona não somente a configuração
técnico-científica de um país, mas o modo como ele se insere nas re-
lações econômicas internacionais. Partindo da lógica estabelecida por
Celso Furtado (1974) de que o subdesenvolvimento não é uma etapa
para o desenvolvimento, mas sim um tipo de conformação socioeco-
nômica, típica de países ex-colônias de exploração e exportadores de
produtos primários, tem-se a intenção de mostrar que o desenvolvi-
mento econômico tem seu conceito fundamentado majoritariamente
no progresso da indústria por meio das transformações estruturais que
ela pode promover nas sociedades contemporâneas, bem como nas po-
tencialidades que ela oferece às nações em seu processo de ocupação de
espaços na divisão internacional do trabalho em uma economia-mundo
cada vez mais integrada.
É de grande importância identificar e compreender as causas que
levaram um grupo de países a se desenvolver e outro a tornar-se de-
pendente de capital e tecnologia estrangeiros. Para isso, osestudos so-
bre desenvolvimento, em uma orientação diversa da economia clássica,
sempre buscaram estabelecer ligação entre a economia e a política, ex-
plicando os fenômenos econômicos no tempo e no espaço como con-
sequências de decisões políticas dos agentes, em conjunto, ou não, com
representações sociais no poder.

DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO NO BRASIL CONTEMPORÂNEO UUU 135


O desenvolvimento promove transformações na produção e no
consumo. Complementarmente, opera necessárias transformações so-
ciais e políticas, por meio de rearranjos institucionais e legais, que con-
tribuem para a sustentação de novas técnicas de produção e trabalho e
de novas relações sociais. Segundo Paul Baran (1986), o desenvolvimen-
to econômico sempre foi impulsionado por classes e grupos interessa-
dos em uma nova ordem econômica e social, tanto em âmbito domés-
tico, quanto internacional. Não obstante, sempre encontrou oposição
e tentativas de obstrução por parte dos interessados na preservação do
status quo. Por isso a necessidade de enquadrar a discussão sobre desen-
volvimento no campo das disputas políticas. Para ele:

“[...] historicamente, o desenvolvimento econômico sempre signifi-


cou uma profunda transformação da estrutura econômica, social
e política, da organização dominante da produção, da distribui-
ção e do consumo. O desenvolvimento econômico sempre foi mar-
cado por choques mais ou menos violentos; efetuou-se por ondas,
sofreu retrocessos e ganhou terreno novo – nunca foi um processo
suave e harmonioso se desdobrando, placidamente, ao longo do
tempo e do espaço” (BARAN, 1986, p. 37).

Em paralelo, Celso Furtado corroborou com a ideia de que o de-


senvolvimento possui diferentes dimensões que dialogam entre si, reco-
nhecendo, dentre todas, uma relacionada à transformação da produção
e do consumo, materializada pelo progresso técnico, o que se faz pela
atividade industrial:

“A rigor, a ideia de desenvolvimento possui pelo menos três di-


mensões: a do incremento da eficácia do sistema social de produ-
ção, a da satisfação de necessidades elementares da população e a
da consecução de objetivos a que almejam grupos dominantes de
uma sociedade e que competem na utilização de recursos escassos.
A terceira dimensão é, certamente, a mais ambígua, pois aquilo a
que aspira um grupo social pode parecer para outro simples des-
perdício de recursos. Daí que esta terceira dimensão somente che-

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gue a ser percebida como tal se incluída num discurso ideológico.
Assim, a concepção de desenvolvimento de uma sociedade não é
alheia à sua estrutura social, e tampouco a formulação de uma
política de desenvolvimento e sua implantação são concebíveis
sem preparação ideológica” (FURTADO, 2000, p. 22).

Tomando a visão de ambos, acreditamos que o desenvolvimento


econômico se faz por meio de uma transformação global da sociedade,
porém, destacada essa dimensão fundamentada na mudança do modo
de produção e de consumo, com o fortalecimento da indústria nacional
para ampliar a evolução tecnocientífica e as condições de concorrência
no ambiente internacional. No processo de condução da sociedade ao
desenvolvimento, portanto, a dimensão política é complementada por
um necessário esforço institucional para que ocorra uma transforma-
ção significativa das forças produtivas de um país. O papel do Estado
sempre ocupou lugar de destaque na condução desse processo, seja nas
experiências dos países do capitalismo central, como Inglaterra, Esta-
dos Unidos e Alemanha, ou nos processos de desenvolvimento tardio
de asiáticos e latino-americanos.
Ainda de acordo com Celso Furtado (2007), no século XIX, novas
técnicas de produção difundiram de maneira jamais vista novos modos
de consumo, mas não a difusão das técnicas de produção em si, crian-
do um distanciamento ainda maior entre as economias coloniais e as
industrializadas. Como consequência da distorção na propagação das
novas técnicas de produção da sociedade industrial, controladas fun-
damentalmente pelos países centrais de economias industriais avan-
çadas, se cristalizou a diferenciação entre economias desenvolvidas e
subdesenvolvidas no sistema internacional. As nações que pretenderam
promover alterações nessa estrutura sem a ruptura com o sistema es-
tabelecido, impulsionaram fortes estímulos à constituição de parques
produtivos nacionais com importante conteúdo tecnológico, por meio
de políticas nacionais de incentivo e estímulo ao desenvolvimento da
indústria.

DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO NO BRASIL CONTEMPORÂNEO UUU 137


Essas ações, denominadas pela literatura como política indus-
trial, possuem o objetivo de promover setores econômicos fundamen-
tais para a geração de divisas, difusão de tecnologias e expansão dos
níveis de emprego, colaborando para o aumento da competitividade
industrial (KRUGMAN, 1989). Sua finalidade é a promoção da ativida-
de produtiva na direção de estágios de desenvolvimento superiores aos
preexistentes, acelerando processos de transformação produtiva que as
forças de mercado são incapazes de articular (KUPFER, 2003).
Uma política industrial pode se materializar por meio de regimes
de regulações ou de incentivos. Os regimes de regulação tratam de po-
lítica antitruste, de regulação de propriedade intelectual, de política de
concessões, de controle de preços, de prevenção à concorrência desleal
etc. Já os regimes de incentivo sustentam medidas financeiras e fiscais
como taxas de juros subsidiadas, modificações na estrutura de tarifas
de importação, deduções fiscais, políticas de crédito e de financiamento
em longo prazo, investimentos públicos e privados em pesquisa e desen-
volvimento científico-tecnológico etc. Ela ainda pode ser implementada
de forma horizontal ou vertical. Ou seja, como políticas horizontais,
atuando na totalidade da economia, focando a ação governamental nas
condições que configuram o ambiente econômico, como infraestrutura
logística, investimentos em capital humano ou fundamentos da polí-
tica macroeconômica. Ou como políticas verticais, em que a atuação
seletiva do Estado promove medidas discricionárias direcionadas a
determinados setores industriais que apresentem características como
potencial para maior valor agregado, elevado poder de encadeamento
na cadeia produtiva, grande dinamismo potencial no mercado interna-
cional, retornos crescentes de escala, entre outras (KUPFER et al, 2002).
Dessa maneira, conceber a política industrial como instrumen-
to político para a promoção de crescimento com mudança estrutural
e viabilização efetiva de desenvolvimento não implica em escolhas ta-
xativas. Diversas estratégias e combinações podem ser aplicadas com o
anseio de criar trajetórias de desenvolvimento com base na atividade
produtiva industrial, representando a correlação de forças que está esta-

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belecida no tecido social que sustenta e legitima o governo em questão,
e a capacidade e a disposição desse em enfrentar os constrangimentos
sistêmicos resistentes a qualquer alteração no status quo.
Com efeito, escolhemos avaliar as medidas tomadas pelos gover-
nos FHC e Lula para a promoção do desenvolvimento econômico, por
acreditar que elas podem ilustrartal distinção, entre os caminhos es-
colhidos a serem percorridos como trajetória de desenvolvimento, no
padrão de inserção internacional e na política industrial, como veremos
na sequência.

3. NEOLIBERALISMO E REFORMA DO ESTADO:


O BRASIL DOS ANOS 1990
Após sucessivos anos de crise fiscal, econômica e política durante
a década de 1980, o Brasil faria nova tentativa para traçar o caminho
do desenvolvimento no início da década de 1990, momento em que a
transição democrática encontrava-se parcialmente consolidada. Era
possível perceber três pressupostos básicos dessa busca na opção pelo
recurso às recomendações do chamado Consenso de Washington: um
de ordem macroeconômica, com a previsão de corte de gastos públicos,
disciplina fiscal e reformas administrativas, principalmente; outro dizia
respeito à desoneração do capital, pois com o crescimento do comércio
internacional, as economias deveriam tornar-se mais competitivas no
mercado; e por fim, havia o pressuposto de que era necessário abando-
nar a ideia de industrialização baseada no conteúdo nacional para que o
livre-comércio prosperasse. Essas três premissas originaram o processo
de privatizações de empresas e serviços públicos, a desregulamentação
das finanças e do mercado de trabalho, o aumento das trocas comer-
ciais entre os países, com as garantias de proteções de propriedade aos
estrangeiros (PRAIA, 2010).
A falta de credibilidade nas instituições do Estado em relação
ao combate à crise da dívida e à inflação contribuiu muito para que as
forças que defendiam a adoção das premissas do neoliberalismo pros-

DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO NO BRASIL CONTEMPORÂNEO UUU 139


perassem. A nova ordem pregava, principalmente, a reinserção no mer-
cado global, o estabelecimento de relações diplomáticas privilegiadas
com os Estados Unidos e políticas de cooperação e integração regional
baseadas no livre-comércio (CERVO, 2007).
O neoliberalismo seria responsável por grandes transformações
na economia brasileira, principalmente no que dizia respeito à reforma
do Estado, praticamente intacto em suas estruturas burocráticas e fun-
cionais, desde a década de 1930. Seguindo as recomendações dos agen-
tes do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional, o governo
brasileiro fortaleceu o processo de globalização dentro do país, integrou
mercados e trouxe novos desafios para os setores produtivos nacionais.
Novas estratégias para o desenvolvimento foram tentadas, agora com o
desafio de conseguir posicionar o país da melhor maneira possível nas
relações econômicas internacionais.
Além da conquista da estabilidade política e econômica, o gover-
no de FHC imprimiu uma reforma administrativa na máquina buro-
crática estatal. Com a criação do Ministério da Administração Federal
e Reforma do Estado, e a nomeação de Luiz Carlos Bresser-Pereira para
conduzir a pasta, foi criado o Plano Diretor da Reforma do Aparelho
do Estado e colocada em prática uma articulação política para aprovar
um Projeto de Emenda Constitucional que, em 1998, viria a se tornar
a Emenda Constitucional n.º 19, da reforma administrativa. O objeti-
vo dessas reformas era manter o equilíbrio orçamentário do governo
e tornar a administração pública menos burocrática, dando a ela uma
forma gerencial (BRESSER-PEREIRA, 1998). A Reforma do Estado in-
cluía um extenso plano de privatizações que atingiram importantes
empresas estatais consideradas ineficientes para ampliar sua condição
de competitividade frente à exposição à concorrência internacional. O
governo defendia o plano como forma de estabilizar a economia, uma
vez que, segundo a lógica do poder público naquele momento, a ven-
da de empresas poderia gerar divisas imediatas para o pagamento da
dívida pública e dos juros, atrair investimentos estrangeiros, melhorar

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a credibilidade da economia nacional, e estimular a modernização do
parque industrial brasileiro.

4. A POLÍTICA INDUSTRIAL NO GOVERNO FHC


Para o governo FHC, a prioridade para a construção de uma tra-
jetória de desenvolvimento econômico estava assentada na necessidade
da conquista da estabilidade macroeconômica. Desse modo, sua políti-
ca industrial ficou subordinada à convicção de que uma economia com
sólidos fundamentos macroeconômicos era a condição necessária para
a alavancagem do setor industrial (CORONELet al, 2014). Ocupado em
promover a reforma do Estado e confiando nas privatizações e nas me-
didas macroeconômicas como elementos propulsores do mercado e das
estruturas produtivas, o governo não elaborou uma política industrial
integrada, teria articulado uma política industrial implícita, baseada
nos fundamentos macroeconômicos e nos objetivos de estabilização da
economia, e em um conjunto de instrumentos administrativos no âm-
bito do poder executivo para promover transformações no setor indus-
trial brasileiro (RESENDE, 2000).
Mesmo diante da ausência de uma estratégia clara para a inserção
da indústria produtiva brasileira no contexto de um mercado tecnoló-
gico globalizado, a Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Ex-
terior elaborada pelo Ministério da Indústria, Comércio e Turismo, em
1995, e o Programa Brasil em Ação visaram contemplar investimentos
diversos na área de infraestrutura, cujo objetivo era a redução do “cus-
toBrasil” e a consequente dinamização da indústria no país. Ainda as-
sim, o programa “Brasil em Ação” listava uma série de obras de infraes-
trutura sem primar pela apresentação de uma linha clara de política
industrial para o país. Para Resende (2000), a interferência das medidas
do Plano Real no setor industrial brasileiro, como a sobrevalorização
do Real frente ao dólar e as altas taxas de juros para o controle infla-
cionário, afetou o setor produtivo nacional, uma vez que tais medidas
encareciam a produção e o crédito, tornando mais viável ao mercado
consumidor interno optar pela importação de manufaturas.

DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO NO BRASIL CONTEMPORÂNEO UUU 141


Sarti e Hiratuka (2011) observaram que a estratégia industrial
do governo consistia mais em modernizar as estruturas produtivas
por meio da importação de equipamentos do que em desenvolver uma
política industrial voltada para a expansão da capacidade produtiva e
inovação tecnológica. O governo tinha a intenção, com o câmbio valori-
zado, de substituir os fornecedores locais por fornecedores estrangeiros
de insumos e máquinas, principalmente. A venda de empresas estatais,
especialmente na área de infraestrutura, foi outra estratégia do governo
visando o aumento de fluxo de capitais e o investimento em novas es-
truturas produtivas.
O governo esperava que o capital da reforma do Estado, mais es-
pecificamente das privatizações, fosse revertido em aumento da produ-
tividade. Ocorre que a indústria não recebeu inversões e parte do setor
passou por dificuldades, já que as importações mais baratas competiam
mais facilmente. Depositava-se na abertura econômica, ou seja, na li-
beralização do mercado, a promessa para o aumento dos investimentos
e da produtividade, o que não se concretizou na dimensão esperada.
FHC não teve a preocupação de assegurar uma base de financiamento
ou uma política que incentivasse o incremento da produção e da pro-
dutividade para a indústria brasileira. Dadas as regras do Consenso de
Washington, o que se esperava era que os fundamentos macroeconô-
micos por si só conduzissem a atividade industrial nacional, de acordo
com o aporte de capitais estrangeiros.
A liberalização da economia, porém, gerou instabilidade macroe-
conômica, principalmente se levarmos em conta as crises financeiras
da década de 1990, que desencadearam intensa fuga de capitais, para o
que a solução do governo era aumentar os juros, além de impor o corte
de investimentos públicos. Com juros mais altos, a dívida pública inter-
na aumentou, a formação bruta de capital, enquanto porcentagem do
PIB,foireduzida e o problema do desemprego agravou-se (TEIXEIRA;
PINTO, 2012). A indústria nacional sentiu esse golpe. Na esteira desse
processo, a integração da China, da Índia e de outros países de baixa
renda à economia global, com alto grau de competitividade, sobretu-

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do em fator humano, teve impactos imediatos na indústria produtiva
brasileira, acelerando um movimento de especialização em vantagens
comparativas baseadas em commodities na economia brasileira, e ofere-
cendo espaço para discussões a respeito do processo de desindustriali-
zação no país (PESSOAet al, 2013). Esse quadro condicionou a inserção
do Brasil na economia global ao longo dos anos 1990, e dificultou qual-
quer estratégia de alteração do status quo da ordem internacional.

5. A INSERÇÃO INTERNACIONAL DO BRASIL NO GOVERNO FHC


As frustrações da política industrial no Governo FHC acabaram
por interferir diretamente nas expectativas de desenvolvimento e do
papel que o Brasil poderia cumprir em suas relações exteriores num ce-
nário de globalização. Dessa forma, começou a ser delineada uma nova
compreensão do papel internacional do Brasil e de sua estratégia de in-
serção internacional, a de autonomia pela integração, que se consolida-
ria durante os dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso. Contra-
riamente à postura mais reativa da política externa brasileira durante
quase todo o período da guerra fria (sob a lógica da autonomia pela
distância), o entendimento agora era de que somente a partir de uma
participação ativa nos regimes e instituições multilaterais – ainda que
com a manutenção do eixo assimétrico das relações internacionais – o
Brasil poderia exercer um papel de relevância no cenário internacional
(VIGEVANI; OLIVEIRA; CINTRA, 2003). A formulação do novo con-
ceito de autonomia objetivava “criar as condições para a modernização
da economia brasileira a partir da sua internacionalização, na tentativa
de estabelecer o modelo de desenvolvimento ajustado ao apelo da libe-
ralização econômica” (MARIANO, 2007 p.48).
Não obstante, foi relevante a contribuição da estabilidade eco-
nômica, da abertura e das importações para o país. A globalização e
as privatizações recriaram os determinantes do investimento nacio-
nal e internacional. A invasão das importações não seria apenas uma
ameaça, mas “uma procura das empresas aqui instaladas para reduzir
custos e enfrentar a concorrência externa que, pela primeira vez, so-

DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO NO BRASIL CONTEMPORÂNEO UUU 143


friam sem a proteção do Estado” (GUERRA, 1997 p. 49). Nesse sentido,
o desenvolvimento no Brasil durante o governo FHC foi marcado pela
ruptura com o modelo de substituição de importações. Após décadas
de protecionismo, a abertura do país seria a solução para os problemas
econômicos nacionais, o que proporcionaria um aumento de trocas e
a possibilidade de parte dos empresários brasileiros modernizar suas
estruturas produtivas para então se lançar de maneira competitiva no
mercado internacional.
A interpretação do governo, porém, se configurou errônea, visto
que não acompanhou corretamente as mudanças nos padrões de acu-
mulação capitalista que foram estabelecidos a partir da década de 1970,
em que a dominância financeira funcionava como o novo motor da eco-
nomia mundial. A partir da década de 1990, os países subdesenvolvidos
passaram a ser vistos mais como “plataformas de valorização financeira”
(TEIXEIRA; PINTO, 2012) e a suposição de que os mercados estrangei-
ros fariam investimentos produtivos no Brasil não se concretizou.
O desenvolvimento brasileiro ficara condicionado, portanto,
mais à atividade especuladora dos mercados de capitais do que ao pla-
nejamento estatal e outras políticas públicas. A ausência de instrumen-
tos públicos e privados nacionais capazes de formular em conjunto uma
estratégia nacional para o desenvolvimento fez com que o Brasil se in-
serisse de maneira subordinada nas suas relações econômicas interna-
cionais, pois o capital encontrava-se, na época, concentrado nos bancos,
governos e multinacionais dos países centrais do capitalismo.
Celso Furtado criticou o modelo adotado na época, dizendo que a
sua manutenção acarretaria em maior dependência externa:

“Essa estratégia de desenvolvimento que privilegia a inserção


internacional reduz o peso político da massa trabalhadora, em
particular do setor sindicalizado. Essa é uma maneira de flexibi-
lizar o sistema econômico e reduzir salários. Há um movimento
indiscriminado no sentido de aumentar a produtividade microe-
conômica, ignorando os efeitos sociais. Ora, o importante não é

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ser competitivo em si mesmo. O Brasil sempre foi competitivo em
certas áreas. (...) Mas, colocar a competitividade internacional
como objetivo estratégico ao qual tudo se subordina é instalar-se
numa situação de dependência similar à da época pré-industrial”
(FURTADO, 2007 p. 75)

A crítica é direcionada justamente ao núcleo da ação política do


governo FHC, a abertura econômica com ampliação da competitivida-
de internacional. Uma vez que, como visto anteriormente, os capitais
buscavam mercados financeiros e não produtivos, os países subdesen-
volvidos não passariam de objetos de especulação, ao invés de investi-
mentos produtivos. A modernização da economia ocorreria em setores
específicos e não de maneira generalizada, limitando novamente a pau-
ta exportadora brasileira e inserindo o Brasil em um novo contexto de
dependência tecnológica e de produção. Isso ocorreu de fato, porque
apesar de setores específicos da economia terem conseguido moderni-
zar-se, grande parte do setor privado nacional não resistiu à abertura do
mercado, e a falta de ação do Estado, tomado pela ideologia neoliberal,
fez com que o país não conseguisse estabelecer uma política clara de
desenvolvimento independente e se inserisse de maneira dependente no
cenário econômico internacional, sob o controle do capital financeiro.

6. RETOMADA DO ESTADO E O NOVO DESENVOLVIMENTISMO:


O BRASIL DOS ANOS 2000
Uma série de fatores de ordem política e econômica levou a um
novo arranjo doméstico que possibilitou ao Partido dos Trabalhadores,
e seu candidato Luiz Inácio Lula da Silva, após três derrotas consecu-
tivas, vencer as eleições presidenciais no ano de 2002, em sua quarta
disputa. Assumiria um novo grupo, conhecido, interna e internacio-
nalmente, pelo seu ímpeto crítico às políticas adotadas pelo governo
anterior ao longo dos anos 1990, sobretudo aquelas voltadas à adesão de
condicionantes propostos pelas instituições econômicas internacionais,
como a liberalização cambial, a diminuição de subsídios à indústria, a

DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO NO BRASIL CONTEMPORÂNEO UUU 145


adoção de uma nova legislação sobre propriedade intelectual, a maior
liberalização de importações e de investimentos, a privatização de em-
presas estatais e a renegociação da dívida externa.
Aprofundando essa visão, a proposta articulada para a campanha
de 2002 preconizava a inserção soberana no mundo e a recuperação dos
espaços de autonomia na gestão da economia nacional, com a promoção
de políticas dirigidas a reduzir a dependência e a vulnerabilidade externas:

“[negar a] adoção de uma política “desenvolvimentista” que agre-


ga o “social” como acessório, mas sim uma verdadeira transfor-
mação inspirada nos ideais éticos da radicalização da democracia
e do aprofundamento da justiça social, não pode restar dúvida
de que um governo democrático e popular precisará operar uma
efetiva ruptura global com o modelo existente, estabelecendo as
bases para a implementação de um modelo de desenvolvimento al-
ternativo. Tal projeto deverá incorporar o combate à dependência
externa e a defesa da autonomia nacional; é hora de ousar, pois é
em momentos de grandes mudanças mundiais, como este, que se
abrem novas possibilidades para os países da periferia do sistema,
como o Brasil, conquistarem uma posição de inserção soberana no
mundo” (PARTIDO DOS TRABALHADORES, 2002, p. 5).

Todavia, ao contrário do que grande parte dos analistas interna-


cionais e parcela da sociedade brasileira (tanto por parte dos que apoia-
ram o projeto do PT quanto daqueles que se opuseram a ele) esperavam,
o governo Lula manteve o compromisso de seu antecessor com a esta-
bilidade macroeconômica e abertura comercial. Tal qual os princípios
do governo anterior, a estabilidade econômica foi perseguida e conquis-
tada, com controle da inflação, câmbio flutuante e disciplina fiscal. Ou-
trossim, adicionou três outras prioridades: a inclusão e o aumento da
cobertura e gasto social público; uma política industrial organizada em
torno de parcerias público-privadas e de coordenação e financiamento
de longo prazo do BNDES; e uma política externa voltada a impulsionar
uma “nova geografia mundial” (LIMA, 2010).

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Ademais, despertava a atenção – e, em alguns casos,a desconfiança
e o desconforto – da comunidade internacional, a linha de ação que seria
exercida pelo novo governo. Isso porque, além de combativo da diplo-
macia do governo Fernando Henrique Cardoso e de sua opção pelo seu
modelo de integração e participação nos arranjos institucionais multila-
terais, o Partido dos Trabalhadores sempre demonstrou forte engajamen-
to com temas internacionais, sobretudo como crítico aos programas das
instituições econômicas multilaterais, como o FMI e o BIRD, aos projetos
de promoção do livre comércio capitaneados pelos países desenvolvidos.
Portanto, nota-se uma inversão na prioridade e papel conferido à
política nacional. A estratégia de governo estaria calcada em mais três
pilares: manutenção da estabilidade econômica; inclusão social e for-
mação de um expressivo mercado de massas; e retomada do papel do
Estado nacoordenação de uma agenda novodesenvolvimentista. Nesse
chamado novodesenvolvimentismo, o Estado desempenha um papel
estratégico em prover o arcabouço institucional apropriado para sus-
tentar o processo estrutural de desenvolvimento econômico, haja vista
que, segundo seus entusiastas, esse requer uma estratégia nacional de
desenvolvimento que capture oportunidades globais.
O Estado que busca essa política deve ser forte o suficiente para
executar políticas macroeconômicas defensivas, que reduzam sua vul-
nerabilidade frente a crises cambiais, ou expansionistas, que se referem
às medidas de promoção do pleno emprego. Políticas de comércio exte-
rior e industriais também devem ser utilizadas para melhorar a inserção
desse país no comércio internacional. Sua implantação visa estabelecer
o controle do capital para correção das falhas de mercado, manutenção
dos índices de crescimento e garantia de manutenção de políticas volta-
das à redução da desigualdade social.
O novo desenvolvimentismo não é protecionista. Supõe que os
países de desenvolvimento médio já superaram a fase da indústria in-
fante e exige que as empresas sejam competitivas em todos os setores in-
dustriais aos quais se dedicarem, e que, em alguns, sejam especialmente
competitivas para poderem exportar (BRESSER-PEREIRA, 2006). Pre-

DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO NO BRASIL CONTEMPORÂNEO UUU 147


vê um Estado forte que estimule o crescimento de um mercado forte.
Sua concepção é a de que não há mercado forte sem um Estado forte, e
para isso deve haver um projeto de desenvolvimento nacional que gere
desenvolvimento com equidade social (SICSÚ, 2005).
Há hoje grande debate no Brasil em torno do conceito e de seus
reflexos para a economia nacional, que coloca o conceito em disputa
(ALVES, 2014; BASTOS, 2012; BOITO JR., 2013; BRESSER-PEREIRA,
2012; MERCADANTE, 2010; SAMPAIO JR., 2012). De todo modo, o
Estado teria o papel de coordenador do desenvolvimento, o que nos re-
mete ao conceito de Cervo (2008) de “Estado logístico”, segundo o qual
o Estado é internamente desenvolvimentista, mas conserva como ele-
mento externo o liberalismo econômico. Em outros termos, ao mesmo
tempo em que se busca uma inserção internacional por meio do mer-
cado, o Estado age como estimulador do desenvolvimento econômico
nacional. Porém, sua função é a de garantir a estabilidade econômica e
as “condições logísticas” necessárias para que o desenvolvimento seja
possível, cabendo à sociedade promover tal progresso. Ainda de acordo
com essa concepção, o Estado busca uma postura mais autônoma e a
superação das assimetrias entre as nações.

7. A POLÍTICA INDUSTRIAL NO GOVERNO LULA


Quando o governo Lula se iniciou, faltava ao país uma política
definida para o desenvolvimento da indústria. O novo governo faria um
esforço na tentativa de transformar essa realidade, criando bases para
um novo padrão de desenvolvimento, fundamentado na ação estatal.
A política industrial no governo Lula esteve ligada aos fundamentos
do novodesenvolvimentismo. Diferentemente das diretrizes adotadas
no modelo anterior, o governo Lula se preocupou em criar um progra-
ma específico para a indústria, ou seja, uma política industrial de fato.
Sem prejuízo de manter elementos macroeconômicos como o câmbio
flutuante, a disciplina fiscal e a abertura econômica, o novo governo se
preocupou também em criar condições financeiras e institucionais para
incentivar a indústria brasileira.

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A atuação do Estado revelou-se com a criação da Política Indus-
trial, Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE), lançada, em março
de 2004, “com o objetivo de fortalecer e expandir a base industrial bra-
sileira por meio da melhoria da capacidade inovadora das empresas”
(ABDI, 2014). Tendo como objetivo principal a inovação na indústria,
a PITCE focava em quatro eixos: (i) inovação e desenvolvimento tec-
nológico; (ii) inserção externa; (iii) modernização industrial e ambien-
te institucional e (iv) aumento da capacidade produtiva (CORONELet
al, 2014). Buscava, com isso, financiar a aquisição de novas máquinas e
equipamentos nacionais, estimular a realização de parcerias públicas
e privadas, desenvolver a capacidade produtiva das empresas com o
propósito de melhor inseri-las no mercado mundial, adequá-las às exi-
gências dos principais mercados importadores e atuar na melhora da
infraestrutura nacional. A PITCE se alinhava teoricamente com o que
havia de moderno sobre política industrial, inovação e desenvolvimen-
to, e visava ainda reduzir tributos a setores-chave, como o de semicon-
dutores, softwares, bens de capital e fármacos.
Em continuidade à PITCE foi criada, em 2008, a Política de De-
senvolvimento Produtivo (PDP), objetivando “fortalecer a economia do
país, sustentar o crescimento e incentivar a exportação” (ABDI, 2014).
Tinha como principais metas: aceleração do investimento fixo, o esti-
mulo à inovação, a ampliação da inserção internacional do Brasil e o
aumento do número de micro e pequenas empresas exportadoras. O
programa da PDP foi dividido em 3 grandes grupos (programas para
consolidar e expandir a liderança, para fortalecer a competitividade e
programas mobilizadores em áreas estratégicas), além de um quarto
grupo chamado de “destaques estratégicos”. Esse abrangia os seguintes
programas: promoção das exportações; regionalização; micro e peque-
nas empresas, produção sustentável, integração com a África; integra-
ção produtiva da América Latina e Caribe (CANOESILVA, 2010). É im-
portante mencionar que o BNDES teve papel muito importante para a
operacionalização da PDP.

DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO NO BRASIL CONTEMPORÂNEO UUU 149


O objetivo central da PDP era dar sustentabilidade ao atual ciclo
de expansão da economia brasileira, atacando quatro aspectos funda-
mentais: “a ampliação da capacidade de ofertar, a preservação da ro-
bustez do balanço de pagamentos, a elevação da capacidade de inovar
e o fortalecimento das micro e pequenas empresas”(FERRAZ, 2009).
Seria, portanto, uma ampliação dos objetivos estabelecidos na primeira
política industrial do governo, com importante menção agora às mi-
cro e pequenas empresas, que não haviam conquistado espaço relevante
no programa anterior. Apesar de conter falhas, a sua implementação
mostrou-se importante no sentido de revelar ao setor produtivo que o
governo se preocupava com o problema da indústria. Diferentemente
de épocas anteriores, agora o governo delimitava temas e propostas e
os sistematizava em uma política específica para a indústria, com o ob-
jetivo de que seus resultados pudessem acelerar o processo de cresci-
mento pelo qual passava o país. A PDP cumpriu um papel importante
no cenário econômico contemporâneo, pois deu ao setor industrial a
possibilidade de voltar a discutir de maneira específica as dificuldades e
necessidades das estruturas produtivas, o que é fundamental para uma
política de desenvolvimento. Os objetivos da nova política industrial
estavam ligados ao contexto econômico em que se inseria a economia
nacional. Após alguns anos de aumento da demanda e de expansão do
crédito, havia uma preocupação por parte do governo de que a inflação
escapasse ao controle, visto que a manutenção da oferta para o consu-
mo nos mesmos níveis poderia ser insuficiente para acompanhar a cres-
cente demanda. Daí o incentivo à inovação e um aumento da oferta de
crédito para a indústria, no sentido de dar ao setor mais competitivida-
de. Os desafios, portanto, não se limitavam a elementos ligados apenas
ao desenvolvimento da indústria em si, mas também com a preocupa-
ção de atender a crescente demanda nacional por bens. Também fo-
ram relevantes os investimentos em infraestrutura, bem como a criação
das parcerias público-privadas, uma forma de captar recursos junto ao
mercado para efetivar projetos de interesse público. Não se deixou que
apenas o mercado se incumbisse de investir e pensar o desenvolvimento

150 UUU
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econômico, mas incluiu-se o Estado nesse contexto, por meio de acor-
dos entre poder público e setor privado.
As duas políticas industriais descritas convergem ao que propõe
o paradigma logístico em relação à participação do Estado na condução
da política industrial do país e ao esforço evidente de garantir maior
inserção internacional do mesmo como estratégia de desenvolvimento.
Sendo assim, aliando os objetivos de desenvolvimento nacional e inser-
ção internacional em busca de autonomia, os formuladores da política
externa do governo Lula da Silva investiram na estratégia de diversifi-
cação das parcerias internacionais para potencializar os efeitos da reto-
mada de sua estratégia de desenvolvimento com base em uma formula-
ção nacional de retomada do investimento industrial.

8. INSERÇÃO INTERNACIONAL NO GOVERNO LULA


A estratégia buscada para uma inserção mais autônoma do Brasil
no sistema internacional durante o governo Lula se efetivou por meio
da diversificação de parcerias, chamada por Vigevani e Cepaluni (2011)
de estratégia de “autonomia pela diversificação”, segundo a qual “paí-
ses com posições parcialmente similares na hierarquia de poder e com
problemas sociais semelhantes buscam aprofundar suas identidades in-
ternacionais” (VIGEVANI; CEPALUNI, 2011, p.22). Sob essa perspec-
tiva, o Brasil formou alianças com outros países em desenvolvimento,
bem como com países desenvolvidos na busca de seus objetivos. Como
exemplos podem ser citados o G43, o G20 (comercial4 e financeiro5),

3 O chamado G4 é um acordo diplomático entre Brasil, Alemanha, Japão e Índia, paí-


ses que buscam a reforma do Conselho de Segurança das Nações Unidas e pleiteiam
uma vaga como membro permanente.
4 O G20 comercial é composto por África do Sul, Argentina, Bolívia, Brasil, Chile,
China, Cuba, Egito, Equador, Filipinas, Guatemala, México, Nigéria, Paquistão, Peru,
Paraguai, Tailândia, Tanzânia, Uruguai, Venezuela e Zimbábue. Surge em meio à pre-
paração da V Conferência Ministerial da Rodada de Desenvolvimento de Doha da
OMC (Organização Mundial do Comércio). Sob a liderança da Índia e do Brasil, a
coalizão é formada em torno das discussões referentes aos subsídios agrícolas.
5 O G20 financeiro é formado pelos membros do G-7 (Estados Unidos, Japão, Alema-
nha, Reino Unido, França, Itália e Canadá), o BRICS (Brasil, Índia, China e África do

DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO NO BRASIL CONTEMPORÂNEO UUU 151


o IBAS6 e o BRICS7. Além disso, o Brasil também buscou uma maior
aproximação com seus vizinhos sul-americanos por meio do aprofun-
damento dos processos de integração regional na América do Sul.
No que tange aos aspectos conceituais presentes no Itamaraty,
Saraiva (2010) afirmou que teria predominado uma corrente de pensa-
mento chamada por ela de autonomistas que, embora não tenha nascido
dentro do Partido dos Trabalhadores, encontrou respaldo nas ideias do
chanceler Celso Amorim e do secretário geral Samuel Pinheiro Guima-
rães. Tal corrente prioriza valores tradicionalmente presentes na diplo-
macia brasileira, como a autonomia, o universalismo e o fortalecimento
do país no sistema internacional. Assim, busca relações com os países
do Sul, uma postura mais ativa do Brasil no mundo e a alteração das
regras do sistema internacional. No campo econômico, defende uma
atuação mais forte do Estado na política industrial e maior projeção in-
ternacional das indústrias nacionais, especialmente em direção à Amé-
rica do Sul (SARAIVA; VALENÇA, 2012). A integração regional teria,
nesse sentido, importância estratégica para o Brasil, enquanto instru-
mento de abertura de novos mercados e de possibilidade da inserção
externa das empresas brasileiras.
As relações de dependência com o capital financeiro, conforme
visto no governo FHC, se mantiveram, mas o governo Lula buscou reo-
rientar as relações internacionais brasileiras a partir de novas relações
econômicas com o mundo. As mudanças nos preços das commodities,
Sul) além de Arábia Saudita, Argentina, Austrália, Coreia do Sul, Indonésia, México,
Turquia e a União Europeia, cujo objetivo é servir de “foro privilegiado de interlo-
cução das principais economias de países desenvolvidos e em desenvolvimento nos
marcos da crise financeira que eclodiu ao fim de 2008” (IPEA, 2010, p.159).
6 Também conhecido com G3, o IBAS é uma “fórum de diálogo” formado por Índia,
Brasil e África do Sul. O objetivo é promover a cooperação entre países em desen-
volvimento nas mais diversas áreas e elaborar propostas conjuntas e, assim, tentar
modificar a arquitetura do sistema internacional.
7 O conceito BRIC foi criado pelo economista Jim O’Neil, em 2001, mas somente a par-
tir de 2006 passou a ser um agrupamento e a fazer parte da política externa do Brasil,
Rússia, Índia e China. A partir de 2011, a África do Sul integrou o grupo que passou
a ser chamar BRICS. Apesar de não ter um documento constitutivo, tendo apenas
caráter informal, o grupo tem importante papel político no sistema internacional.

152 UUU
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bem como a reorientação das relações comerciais do Brasil para a Chi-
na, principalmente, contribuíram para que os termos de troca refletis-
sem ganhos maiores para o Brasil, conduzindo o país em um processo
de aumento das reservas internacionais e do fortalecimento da indús-
tria nacional. (TEIXEIRA; PINTO, 2012).
As novas relações da indústria nacional com o mercado externo
geraram resultados satisfatórios. O envolvimento entre as empresas na-
cionais e a política externa do Governo Lula na busca por novos merca-
dos para os produtos brasileiros e dentro de uma estratégia de projeção
internacional do país foi consolidada. Ocorreu no Brasil, nesse período,
um aumento da oferta de crédito. Esse aumento foi proporcionado, em
boa parte, por novas relações econômicas internacionais que permiti-
ram o aumento dos termos de troca nas exportações. Com o aumento
do fluxo de capitais e de uma importante política industrial, foi possível
fortalecer as estruturas produtivas e o mercado interno, criando um
novo ciclo de desenvolvimento para o país, em que não apenas o setor
exportador contribuía para a demanda, mas também o mercado consu-
midor interno.
Considerando esse conjunto de fatores, aliado a parceria com o
BRICS, principalmente a China, o Brasil conseguiu,não total, mas par-
cialmente, diminuir a dependência financeira vista no governo anterior,
e proporcionar à sua própria economia um aumento do investimento
produtivo com o fim de se inserir nas relações econômicas internacio-
nais como um país capaz de inovar e competir na indústria.

9. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Compreendemos que o processo de desenvolvimento econômi-
co de uma nação depende de sua capacidade de promover crescimento
com transformações na estrutura social. Para isso, na atual conjuntura
da sociedade contemporânea, é imprescindível a constituição de uma
indústria nacional competitiva e que promova inovações de conteúdo
tecnocientífico. Dessa forma, permitirá à economia nacional uma inser-

DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO NO BRASIL CONTEMPORÂNEO UUU 153


ção positiva e soberana no sistema internacional, condição necessária
para alterar a ordem que estabelece os constrangimentos ao desenvol-
vimento nacional.
O que se percebe é que para que a indústria encontre condições
para se desenvolver é necessário que o Estado atue em algumas frentes.
As principais são uma política macroeconômica voltada para a estabi-
lidade e uma política industrial que assegure crédito e possibilidades
de ampliação de mercados e inovação. No Brasil, ao longo dos últimos
vinte anos, duas posições distintas marcaram a política nacional.
O governo de Fernando Henrique Cardoso optou por concentrar
esforços nos elementos macroeconômicos, ao invés de propor uma polí-
tica industrial delimitada e direcionada a setores estratégicos nacionais.
O resultado foi uma transformação do parque industrial, visto que com
uma maior liberalização dos mercados, as forças produtivas tendem
a se concentrar nos setores em que possuem vantagens de produção e
produtividade, sucumbindo naqueles que não estão preparados para a
maior concorrência internacional. O período de FHC, portanto, é re-
presentado por maior especialização e modernização de setores do par-
que industrial, uma vez que o câmbio valorizado proporcionou a esses
setores possibilidade de compra de equipamentos e bens de capital de
maior tecnologia de países mais avançados. A consequência disso para
a inserção internacional é a redefinição da dependência brasileira frente
ao capital internacional, sobretudo o financeiro-especulativo.
Já no governo Lula houve diferenças sensíveis quanto à política
para o desenvolvimento e a definição de seu perfil nas relações econô-
micas internacionais. Desde o início do mandato, houve a criação de
políticas industriais complexas com programas e metas, o que trouxe ao
setor industrial possibilidade de discussão sobre os rumos da indústria
nacional. Tal confiança levou a um aumento sensível no investimento
em bens de capital, o que somado a estabilidade macroeconômica per-
mitiu um aumento da renda e do emprego, com o consequente aumento
do mercado consumidor interno.A nova dinâmica de desenvolvimento
insere o país como um importante consumidor internacional, o que,

154 UUU
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juntamente com as políticas industriais de incentivo ao crédito e a ino-
vação, abriu oportunidades para o investimento produtivo se instalar
em território nacional. Além do mais, a oferta de crédito e os direciona-
mentos das políticas industriais do governo Lula permitiram a criação
de grupos multinacionais brasileiros que ampliaram sua atuação em
mercados emergentes, ampliando assim a influência econômica inter-
nacional brasileira nesses novos espaços.
Importante frisar, porém, que apesar de diferenças entre os go-
vernos na tentativa de promover a indústria nacional e um novo modelo
de desenvolvimento, o país não conseguiu de maneira efetiva transfor-
mar sua pauta exportadora. A inserção do país ainda se dá por meio,
principalmente, da exportação de produtos primários ou commodities,
o que coloca o país em relevante dependência dos preços externos e
oscilações maiores do mercado internacional, sem prejuízo ainda da ex-
tensa dominância do investimento estrangeiro no mercado financeiro,
ao invés do investimento produtivo.

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158 UUU
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APONTAMENTOS SOBRE A POLÍTICA DE
INCENTIVOS FISCAIS E A INDUSTRIALIZAÇÃO
DE MATO GROSSO DO SUL 1

Cristovão Henrique Ribeiro da Silva*


Thayná Nogueira Gomes**

1. INTRODUÇÃO
A ação estatal na economia sempre foi um tema controverso nos
debates sobre o desempenho das atividades produtivas. Nos países de
industrialização tardia, como o Brasil, a atuação do Estado desenvolvi-
mentista tornou-se a saída para o fomento da atividade industrial e as po-
líticas industriais foram/são peças-chave nessa equação (RODRIK, 2009).
A retomada delas, no Brasil, ocorreu num momento em que a
economia mundial encontrava-se em ritmos acelerados de crescimento
com mercados do sudeste asiático em ascensão, como China e Índia que
fomentaram a demanda por commodities agrícolas e minerais durante
meados dos anos 2000, essa conjuntura nutriu a expansão de alguns
setores industriais brasileiros (BRESSER-PEREIRA, 2012).
Por outro lado, os incentivos fiscais, desde 1990, são as válvulas
de escape adotadas pelos governos estaduais para fomentar o desen-
volvimento industrial, e o acirramento entre as unidades federadas na

1 Resultado de pesquisas de mestrado e doutorado inseridas no projeto de pesquisa


“Territorialização e mapeamento das unidades exportadoras de Mato Grosso do
Sul”, financiado pela FUNDECT – Fundação de Apoio ao Desenvolvimento do En-
sino, Ciência e Tecnologia do Estado de Mato Grosso do Sul.
* Professor do curso de Geografia UFMS/CPTL; Doutorando em Geografia pela
UFGD/PPGG.
** Mestranda em Geografia pela UFMS/CPTL.

UUU 159
atração de empresas consolidou uma instabilidade jurídica chamada
guerra fiscal, que o geógrafo Milton Santos intitulou de guerra dos lu-
gares (SANTOS, 1999).
E foi nesse panorama que o estado de Mato Grosso do Sul, a par-
tir dos anos 2000, industrializou-se com base em dois nexos. O primei-
ro, ligado às políticas industriais do governo federal para criar líderes
nacionais nas cadeias produtivas globais como JBS e BRFoods (ALMEI-
DA, 2009). Não aprofundaremos, aqui, as questões relacionadas às PIs
na instância federal2.
E no segundo nexo, a política de incentivos fiscais redefiniu as
atividades industriais em algumas regiões do estado, sob a influência da
industrialização paulista, cujas fábricas encontraram, em Mato Grosso
do Sul, condições favoráveis para se instalar, sobretudo, com base nos
incentivos fiscais e mão de obra barata. Nesse cenário, esse trabalho
aponta a dimensão territorial da política de incentivos fiscais na indus-
trialização de Mato Grosso do Sul.
Para desempenhar essa tarefa, foram adotados na pesquisa os
referenciais de diversos autores renomados na matéria (MANZAGOL;
1985; SANTOS, 1996; RODRIK, 1999; KUPFER, 2003; ALMEIDA,
2009; AMSDEN, 2009; COUTINHO, 2009; LAMOSO, 2011 para citar-
mos alguns.
E nos valemos, ainda, da coleta de dados disponíveis nas bases
estatísticas do Ministério do Desenvolvimento da Indústria e Comér-
cio Exterior (MDIC); Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento
Econômico do estado de Mato Grosso do Sul (SEMADE) e Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Uma vez feita a seleção dos
dados, a tarefa consistiu em aliar os softwares como PhilCarto e Corel-
Draw e elaborar o material cartográfico, ambos apresentados ao longo
da narrativa.

2 Para mais, ver Cano (2010).

160 UUU
ÀˆÃ̜ÛKœÊi˜ÀˆµÕiÊ,ˆLiˆÀœÊ`>Ê-ˆÛ>ÊUÊ/…>ޘ?Ê œ}ÕiˆÀ>Êœ“iÃ
2. POLÍTICA INDUSTRIAL E INCENTIVOS FISCAIS: APROXIMAÇÕES
No debate sobre política industrial3, os incentivos fiscais são
umas das vertentes estratégicas no fomento à indústria. As concepções
teóricas de PI’s são bem variadas e podem entrar num quadro descritivo
de acordo com a natureza delas e, ainda, nas metas pretendidas de cada
governo que as adotam (KUPFER, 2003). Grosso modo, as correntes
econômicas tradicionais vinculam as políticas industriais a estratégias
corretoras de falha de mercados. Todavia, os neoshumpeterianos e evo-
lucionários4 defendem uma abordagem mais profunda das PIs com a
inserção de instituições em sentido amplo, difusão de inovação, com
alto poder de coordenação (SUZIGAN E FURTADO, 2010)5.
Como apresentado anteriormente, nossa intenção com este tra-
balho é salientar alguns aspectos territoriais da industrialização do es-
tado de Mato Grosso do Sul, após os anos 2000, com a retomada das
políticas governamentais de fomento à industrialização. Mato Grosso
do Sul está localizado na divisa com os estados de São Paulo, Minas
Gerais, Goiás, Paraná e Mato Grosso (mapa 1), sua proximidade com
o Sudeste, aliada aos incentivos fiscais, promove uma industrialização
com uma peculiaridade, cujas plantas industriais são oriundas em sua
maioria (40%) do estado de São Paulo (RIBEIRO SILVA, 2014).

3 No trabalho, usaremos PI para nos referir a Política industrial e PIs para fazer refe-
rência ao plural.
4 Ver Suzigan e Furtado (2010).
5 Os economistas da corrente heterodoxa, que é uma expressão ampla que cobre
campos, projetos ou tradições separadas e, às vezes, distantes, como a economia
pós-keynesiana, feminista, marxiana e austríaca. E eles são a favor da atuação do
Estado na economia por meio das políticas industriais, sobretudo os autores ne-
oshumpeterianos, pós-keynesianos, neokeynesianos e neoinstitucionalistas (MO-
RAIS, 2006).

APONTAMENTOS SOBRE A POLÍTICA DE INCENTIVOS FISCAIS E A INDUSTRIALIZAÇÃO DE MATO GROSSO DO SUL UUU 161
MAPA 1. Localização de Mato Grosso do Sul.

O tema polêmico relacionado aos incentivos fiscais advém do


contexto em que o artigo 24 § 4º, da Constituição de 1967, menciona
que o ICM – Imposto sobre Circulação de Mercadorias (hoje em dia,
ICMS – Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) possuiria
uma alíquota uniforme para todas as mercadorias no país.
Para evitar a concentração da arrecadação nos estados mais ricos,
como São Paulo, Paraná e Rio de Janeiro, foi admitida a estratégia de di-
minuir a base de cálculo dessas operações do ICMS, o que reduziu a con-
centração de arrecadação em São Paulo em 22%, por exemplo, em 1972.
Diante disso, para evitar que essa estratégia fosse usada outra vez,
indiscriminadamente pelas unidades federadas, foi estabelecida uma
edição, em janeiro de 1975, com a Lei Complementar nº 246, definindo
regras bem declaradas sobre a concessão de incentivos, favores fiscais e/
ou financeiro-fiscais que passara a ser condicionada a partir da decisão
unânime de todos os estados da federação dentro do Conselho Nacional
de Política Fazendária (CONFAZ).

6 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp24.htm

162 UUU
ÀˆÃ̜ÛKœÊi˜ÀˆµÕiÊ,ˆLiˆÀœÊ`>Ê-ˆÛ>ÊUÊ/…>ޘ?Ê œ}ÕiˆÀ>Êœ“iÃ
E o descumprimento dessa norma anulava qualquer acordo, ine-
ficácia do crédito para empresas/empresários e emitia a presunção de
irregularidade das contas governamentais para os governos que usas-
sem dessa estratégia.
Esse pano de fundo político funcionou muito bem até a segunda
metade da década 1980. Com a Constituição de 1988, e a consequente
maior autonomia aos estados na administração do ICMS, o que se deu
foi um generalizado descumprimento da lei, já que os estados aderiram
à concessão de incentivos de fomento à indústria como instrumento de
desenvolvimento regional, que, de início, era limitada ao setor indus-
trial, mas, durante a década de 1990, houve um transbordamento das
isenções fiscais para o setor de comércio, atividades de importação do
exterior e, inclusive, atacadista, como aconteceu no Ceará em 20127.
Essas estratégias adotadas pelas unidades federadas sustentaram
demasiadamente, durante as décadas de 1990/2000, os planos de desen-
volvimento industrial dos estados. Para aproximar o nosso debate de
uma perspectiva geográfica, Santos e Silveira (2008) apontam para uma
guerra dos lugares no Brasil.
Na qual,

Fala-se hoje muito em guerra fiscal, na medida em que a disputa


de estados e municípios pela presença de empresas e a busca pelas
empresas de lugares para se instalar lucrativamente é vista, so-
bretudo nos seus aspectos fiscais. A realidade é que, do ponto de
vista das empresas, o mais importante mesmo é a guerra que elas
empreendem para fazer com que os lugares, isto é, os pontos onde
desejam instalar-se ou permanecer, apresentem um conjunto de
circunstâncias vantajosas do seu ponto de vista. Trata-se na ver-
dade de uma busca de lugares ‘produtivos’ (p. 296).

Nessa perspectiva de vantagens locacionais, Ibañez (2006) apre-


senta as visões de guerra que seria esboçada assim: de um lado a guerra

7 http://www.sindiatacadista.com.br/?pagina=noticias&id=310

APONTAMENTOS SOBRE A POLÍTICA DE INCENTIVOS FISCAIS E A INDUSTRIALIZAÇÃO DE MATO GROSSO DO SUL UUU 163
fiscal que está no plano jurídico, e de outro, a guerra dos lugares, a isen-
ção de impostos (ICMS) associada aos incentivos territoriais – conces-
são de terrenos pelas prefeituras, isenção de Imposto Territorial Predial
Urbano (IPTU), melhoria das vias de acesso, disponibilidade de gás e
energia. Santos e Silveira (2008) nos apontam que essas estratégias in-
terferem na localização das atividades produtivas, geralmente privile-
giando apenas o segmento empresarial com efeitos territoriais muitas
vezes, ou sempre, contraditórios para a sociedade como um todo. To-
davia, avancemos para entendermos o debate que gira em torno dos
incentivos.
Para exemplificar essa questão de uma instabilidade jurídica, o
Mato Grosso do Sul, segundo o relatório de assuntos econômicos do
Senado, foi o primeiro estado a criar um ato normativo instituindo be-
nefícios relativos ao ICMS, sem a prévia e necessária celebração de con-
vênio entre os estados e o Distrito Federal.
Contrariava, assim, os dispositivos constitucionais por meio da
Lei nº 1.798/97, que buscava diversificar a atividade industrial no estado
com até 90% de isenção, chamado plano PROAÇÃO do governo esta-
dual (STF-Pleno ADI 2.439/MS).
Essa lei foi revogada após a instituição da ADIN 2.439 e, diante
disso, uma nova lei foi instituída em 5 de novembro de 2001, a Lei nº
93/2001, que criou o Programa Estadual de Fomento à Industrialização,
ao Trabalho, ao Emprego e à Renda (MS EMPREENDEDOR)8 sob o
comando do Governador José Orcírio (1999-2007) e vigente até 2015.
Vale lembrar que essa lei ainda é alvo de ADINS do estado de São Paulo,
e seus objetivos são estipulados assim:

I – A instalação de novas empresas e a ampliação, modernização,


reativação ou relocação das existentes, especialmente no sentido

8 Para saber mais sobre as leis de incentivos fiscais antes dos anos 2000, ver Souza
(2002). Ele faz uma análise geográfica dessas leis desde a criação do estado, discur-
sos, posicionamentos políticos dos principais gestores do estado até então. Nessa
pesquisa, focaremos no período pós-lei 93/2001 e os processos advindos dela.

164 UUU
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da interiorização dos empreendimentos econômicos produtivos e
do aproveitamento das potencialidades econômicas regionais [...]

II – A transformação de produtos primários em produtos in-


dustrializados, favorecendo a integração e verticalização das
cadeias produtivas e agregando valores a esses bens [...]
III – A diversificação das bases produtiva e circulatória de bens
e serviços, dinamizando a economia e propiciando a geração
de novos empregos estáveis, o aumento da renda per capita [...]
IV – A melhoria aferível das condições de trabalho dos ope-
rários, inclusive a implantação de cursos profissionalizantes
pelas empresas ou em parceria com essas;
V – A ampliação ou, no mínimo, a manutenção dos postos de
trabalho;
VI – O estímulo à parceria ou à troca de informações entre
empresas e universidades, com ou sem a participação direta
de órgãos governamentais nos projetos e atividades, nas áreas
de pesquisa, desenvolvimento e difusão de novas tecnologias,
concretamente aplicáveis aos empreendimentos locais, melho-
rando a produção e a circulação de bens e serviços;
VII – O fornecimento dos meios ao seu alcance para que as em-
presas locais possam tornar-se competitivas no mercado, ten-
do em vista, dentre outras causas, os benefícios ou incentivos,
fiscais ou financeiro-fiscais, inclusive as reduções indiretas da
carga tributária, atribuídos por outras Unidades da Federação
às suas empresas [...]
VIII – Estímulo e fomento à instalação e desenvolvimen-
to das micro e pequenas empresas instaladas no Estado [...]
(MATO GROSSO DO SUL, 2001).

Com a instituição do programa MS EMPREENDEDOR, a polí-


tica de isenção de ICMS fica padronizada à alíquota de 67% passível de
alteração pelo governo estadual. Nos objetivos do programa, o aden-

APONTAMENTOS SOBRE A POLÍTICA DE INCENTIVOS FISCAIS E A INDUSTRIALIZAÇÃO DE MATO GROSSO DO SUL UUU 165
samento de cadeias produtivas, qualificação de mão de obra, iniciati-
vas de P&D e geração de empregos encenam como as suas principais
estratégias.
Após a instituição da lei, novas ADINS foram ajuizadas pelo es-
tado de São Paulo, o que fez com que o governo sul-mato-grossense,
em 2003, publicasse a Lei Complementar nº 939, que estabeleceu novos
marcos fiscais e englobou outros decretos (cerca de 34), que versam so-
bre incentivos ou benefícios fiscais de caráter geral em várias outras
cadeias produtivas.
Visava, com isso, o fortalecimento da economia industrial do es-
tado e, mesmo com essas novas diretrizes, o desenvolvimento industrial
se manteve, sobretudo, nos polos regionais de Corumbá, Campo Gran-
de, Dourados e Três Lagoas.
Esse contexto de desenvolvimento industrial é detentor de uma
institucionalidade que é conduzida por esse amplo elenco de políticas
de incentivos fiscais, regulações e normas implementadas em escala es-
tadual apresentadas até aqui. As dimensões territoriais dessas políticas
de fomento industrial, divididas em setores em Mato Grosso do Sul,
serão apresentadas a seguir.

3. OS SETORES INDUSTRIAIS FOMENTADOS EM MATO GROSSO DO SUL


No estado de Mato Grosso do Sul, setores industriais beneficiados
com a política de incentivos são: o setor de processamento de soja, a bo-
vinocultura de corte, a avícola de corte, a suinocultura de corte, o setor
de beneficiamento do leite e derivados, o processamento do couro, o
setor têxtil, as indústrias de construção, as indústrias de açúcar e álcool
e as indústrias de madeira e mobiliário, entre outros.
Para compreendermos como atuam as leis de incentivos fiscais na
decisão de localização e permanência industrial no estado, analisare-
mos os seguintes setores industriais: o setor de carnes e o de laticínios,

9 Acesse na íntegra a lei http://goo.gl/Dsg7c1 . Acesso em: 6 de jul. 2015.

166 UUU
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que fazem parte de uma mesma divisão, os produtos alimentícios; o
setor têxtil, um dos mais numerosos presentes no estado; e ainda o de
biocombustível, que apresenta uma territorialização recente, mas muito
importante para o fortalecimento do estado.

3.1 O setor de carnes


O setor de carnes é composto pela bovinocultura de corte, a aví-
cola de corte, a suinocultura de corte e produtos de carne, de acordo
com os dados da CNAE – Classificação Nacional de Atividades Eco-
nômicas10. Tomando como referência o cenário industrial dos anos de
200711, esse setor apresentava, no estado, 54 unidades industriais, au-
mentando a quantidade de indústrias para 64 unidades fabris, no ano
de 2014. Entretanto, foi no ano de 2012, quase um ano após o lançamen-
to das leis que regulamentaram o MS Forte-Indústria, que está inserido
no programa MS Empreendedor, que o setor atingiu seu maior índice,
com o número de 71 unidades industriais presentes no estado.
Devido às diferenças entre as atividades produtivas que fazem
parte desse setor e visando melhor compreensão da dinâmica territo-
rial estabelecida, vejamos separadamente os segmentos que o compõe,
iniciando pela bovinocultura.
A bovinocultura de corte possui maior expressividade em quan-
tidade de indústrias do setor de carne no estado, com um total de 31
unidades industriais no ano de 2014, haja vista que os segmentos de
produtos de carne e abate de suínos, aves e pequenos animais, possuem
respectivamente 17 e 16 unidades industriais em Mato Grosso do Sul.
Destacam-se, na bovinocultura de corte, cidades como Eldorado, com

10 Utilizaremos a metodologia estabelecida pela CNAE – Classificação Nacional de


Atividades Econômicas, que estabelece divisões de acordo com a característica da
atividade exercida pela empresa.
11 2007 é o primeiro ano em que verificamos os dados das indústrias do setor alimen-
tício – no qual as indústrias do setor de carne estão inseridas de forma desagregada,
devido à mudança de metodologia estabelecida pela CNAE, entre os anos de 2006
– 2007, portanto adotaremos esse ano como referência mais antiga nessa análise.

APONTAMENTOS SOBRE A POLÍTICA DE INCENTIVOS FISCAIS E A INDUSTRIALIZAÇÃO DE MATO GROSSO DO SUL UUU 167
quatro unidades fabris, assim como Maracaju e Sete Quedas com duas
unidades fabris em cada uma (SEMADE, 2015).
Apesar dessas três cidades possuírem as maiores quantidades de
indústrias de bovinos por município, essas indústrias não usufruem dos
benefícios dos incentivos fiscais estaduais. Quando se trata de indús-
trias receptoras desses incentivos fiscais até o ano de 2013, municípios
como Anaurilândia, Batayporã, Campo Grande e Rochedo entraram
em evidência, resultando em aproximadamente 1.400 empregos gera-
dos no total. A partir de 2014, com as leis de incentivos fiscais estaduais,
pretende-se gerar mais de 4.000 empregos ao total, desses a maior parte
na capital, Campo Grande, pois possui uma das grandes empresas des-
se segmento. Também, municípios como Iguatemi, que não possuem
trajetória industrial muito presente nesse segmento, mas que por meio
dos incentivos fiscais, exercem poder de atração e manutenção da in-
dústria nessas localidades segundo dados da SEPROTUR – Secretaria
de Estado de Desenvolvimento Agrário da Produção da Indústria, do
Comércio e do Turismo(MATO GROSSO DO SUL, 2014)12.
Quando observamos sua distribuição espacial, vimos que essa
atividade é dispersa, localizando-se em todas as mesorregiões do esta-
do, no entanto, a maioria das unidades fabris localizava-se na mesorre-
gião Sudoeste de Mato Grosso do Sul, 16 unidades no ano de 2014, se-
guida pela mesorregião Leste do estado com nove unidades (SEMADE,
2015). Esses lugares possuem uma herança da pecuária extensiva, prin-
cipalmente no caso da mesorregião Leste do estado, caracterizando-se
como uma atividade industrial, subproduto da atividade anteriormen-
te predominante. Contudo, observamos a existência de uma dinâmica
territorial nesse segmento, na medida em que há uma mobilidade loca-

12 Os órgãos aqui elencados fazem referência aos anos de 2007 a 2014, disponível
em: http://goo.gl/oaQE4J Em 2015, houve a mudança de governo, logo, o arran-
jo institucional foi reemoldurado. A SEPROTUR – Secretaria de Estado de De-
senvolvimento Agrário da Produção da Indústria do Comércio e do Turismo foi
desmembrada em duas: SEPAF – Secretaria de Produção e Agricultura Familiar
e SEMADE – Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Econômico, cujos
dados debatidos aqui são retirados dessa última.

168 UUU
ÀˆÃ̜ÛKœÊi˜ÀˆµÕiÊ,ˆLiˆÀœÊ`>Ê-ˆÛ>ÊUÊ/…>ޘ?Ê œ}ÕiˆÀ>Êœ“iÃ
cional das indústrias do segmento de bovinocultura de corte durante o
período de sete anos.
Em 2007, as mesorregiões Sudoeste e Centro-norte de Mato Gros-
so do Sul, possuíam juntas, 16 unidades fabris, de um total de 22 uni-
dades industriais voltadas à bovinocultura, no ano de 2012, a mesorre-
gião Sudoeste apresentava 13 unidades, as mesorregiões Centro-norte
e Leste possuíam oito unidades cada, enquanto que a mesorregião dos
Pantanais possuía somente uma indústria desse segmento (SEMADE,
2015), como vemos no mapa 2. Já no ano de 2014, a mesorregião Les-
te ultrapassou em quantidade de indústrias desse segmento a Centro-
norte, chegando a nove unidades fabris, enquanto que a mesorregião
Centro-norte possui cinco unidades e as mesorregiões Sudoeste e dos
Pantanais permanecem com a mesma quantidade apresentada no ano
de 2012, porém alterando a localização das indústrias entre alguns mu-
nicípios das respectivas mesorregiões (SEMADE, 2015).
MAPA 2. Espacialização das Indústrias de bovinocultura
nos anos de 2007, 2012 e 2014.

Quanto às atividades de suinocultura e avícola de corte, traça-


remos uma análise conjunta com animais pequenos, devido à norma-
tização estabelecida pela CNAE, que trata esses segmentos de forma
agregada, classificando-os como abate de suínos, aves e pequenos ani-
mais. Esse segmento, ao contrário, apresentou-se, durante o período em
análise, sempre em maiores quantidades na mesorregião Centro-norte,
seguido da Sudoeste. A mesorregião Leste possuía, em 2014, somente
uma indústria desse segmento, localizada em Aparecida do Taboado e

APONTAMENTOS SOBRE A POLÍTICA DE INCENTIVOS FISCAIS E A INDUSTRIALIZAÇÃO DE MATO GROSSO DO SUL UUU 169
a mesorregião dos Pantanais não possui nenhum estabelecimento in-
dustrial voltado para esse segmento. Vejamos com detalhes no quadro1.
QUADRO 1. Localização das Indústrias de abate de suínos,
aves e pequenos animais no estado.
Mesorregião Município 2007 2012 2014
Camapuã 1 0 0
Campo Grande 7 6 5
Coxim 1 0 0
Mesorregião
Centro-norte
Rio Verde de Mato Grosso 1 0 0
São Gabriel do Oeste 2 2 2
Sidrolândia 1 2 2
Total/mesorregião 13 10 9
Caarapó 1 1 1
Mesorregião
Sudoeste Dourados 5 4 4
Itaquiraí 1 1 1
Total/mesorregião 7 6 6
Mesorregião Aparecida do Taboado 3 1 1
Leste Chapadão do Sul 0 1 0
Total/mesorregião 3 2 1
TOTAL GERAL 23 18 16
Fonte: SEMADE, 2015.

As indústrias voltadas para esse segmento apresentaram pouca


mobilidade locacional de 2007 a 2014. Cabe-nos ressaltar que esse
segmento localiza-se, principalmente, em municípios que tiveram
uma ocupação diferenciada de outras regiões do estado, pois pas-
saram por um processo de colonização que atuou como fator mister
para definir uma estrutura fundiária mais desconcentrada. Isto os di-
ferenciou de municípios localizados na mesorregião Leste, que pos-
suem áreas de grande concentração fundiária e grandes extensões
territoriais que, juntamente com as condições naturais, exerceram
influência para a consolidação da pecuária extensiva como principal
atividade econômica de outrora e atualmente também de indústrias
voltadas para a bovinocultura (BERTHOLI, 2006).

170 UUU
ÀˆÃ̜ÛKœÊi˜ÀˆµÕiÊ,ˆLiˆÀœÊ`>Ê-ˆÛ>ÊUÊ/…>ޘ?Ê œ}ÕiˆÀ>Êœ“iÃ
As indústrias de abate de suínos, aves e pequenos animais, de-
vido às diferenças inclusive no processo produtivo, concentram-se
na porção Centro-sul do estado. Formam aí, uma espécie de espe-
cialização desse segmento, ainda tímida frente aos demais setores
industriais, como o setor de processamento de grãos, nessa região,
muito embora, o segmento tenha sofrido um decréscimo no total de
unidades industriais em todo o estado, caindo de 23 unidades fabris
em 2007 para 16, em 2014 (SEMADE, 2015).
As indústrias desse segmento que usufruem das leis de incen-
tivos fiscais estaduais totalizavam até o ano de 2013, aproximada-
mente, 1.500 empregos gerados, em municípios como Aparecida do
Taboado, Campo Grande, Itaquiraí e, também, Rochedo. Entretanto,
os projetos existentes que envolvem indústrias desse segmento apro-
ximam-se de 9.000 empregos gerados, sendo que desses, em torno
de 5.500 serão gerados no município de Dourados, onde localizam-
se duas empresas expoentes nesse segmento, a BRF – Brasil Foods
S. A. e a empresa JBS S/A. É válido ressaltar que essas empresas
resultantes de estratégias joint ventures são representativas no setor,
mas vão se beneficiar efetivamente dos incentivos à exportação atri-
buídos a Lei Kandir e, inclusive, de diretrizes da política industrial
do governo federal.
Outro segmento inserido no setor de carnes, são as indústrias
de produtos de carne, que se diferem dos segmentos trabalhados an-
teriormente (bovinos, suínos e pequenos animais) tanto no processo
produtivo, quanto em sua espacialização no estado. É um segmento
que consiste em poucas unidades industriais em todo estado. Em
2007 possuía nove unidades fabris, em 2012 chegou ao número de 23
e em 2014, possuía 17. Apesar da queda em quantidade, as indústrias
de produtos de carne, assim como as de abate de bovinos, também
apresentaram mobilidade locacional entre os anos de 2007 e 2014.
Os municípios como Maracaju, Rio Verde e Guia Lopes da Lacu-
na abriram indústrias desse segmento, porém somente em Campo
Grande há empresas que recebem os incentivos fiscais do governo

APONTAMENTOS SOBRE A POLÍTICA DE INCENTIVOS FISCAIS E A INDUSTRIALIZAÇÃO DE MATO GROSSO DO SUL UUU 171
do estado e geraram, até 2013, menos de 50 empregos (SEMADE,
2015; MATO GROSSO DO SUL, 2014). Essas indústrias em geral,
se instalaram em municípios que já possuíam outras indústrias do
setor de carnes.
O setor de carnes, em sua totalidade (bovinos, suínos e pe-
quenos animais e, produtos de carne), apresentou crescimento em
unidades industriais no Mato Grosso do Sul, haja vista que em 2007
possuía 54 unidades fabris e, em 2014, passou a ter 64, localizadas
em todas as mesorregiões do estado, mas concentrando a maior parte
delas nas mesorregiões Sudoeste e Centro-norte (mapa 3).
MAPA 3. Localização das Indústrias do setor de carne em Mato Grosso do Sul
em 2007 e 2014.

As indústrias do setor de carne, inicialmente, localizaram-se em


regiões tradicionalmente voltadas a esse setor, como a porção Centro-
sul e Leste do estado. Entretanto, devido aos incentivos fiscais estaduais
juntamente com outros fatores, como os naturais, políticos e sociais,
moveram-se para outras localidades menos tradicionais, mas que emer-
giram como oportunidade de investimento e competitividade indus-
trial, as chamadas greenfields, ou seja, regiões com pouca ou nenhuma
tradição industrial (FIRKOWSKI, 2005). Ademais, corrobora a autora
sobre os chamados greenfields:

[...]regiões cujas características principais são: inexistência de tra-


dição industrial; fraca atuação sindical; baixos salários e gover-

172 UUU
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nos interessados em atrair investimentos estrangeiros, o que, no
Brasil, se manifestou no intenso processo de concessão de incenti-
vos fiscais e financeiros, denominado de ‘guerra fiscal’. (FIRKO-
WSKI, 2005, p. 76, grifo da autora).

Dessa forma, espaços que anteriormente não exercia poder de


atração para novas indústrias, passam a se destacar na economia do
estado, como é o caso dessas regiões que possuem indústrias do setor de
carne, altamente lucrativas.

3.2 O setor de laticínios


O setor de laticínios também se encontra entre os setores indus-
triais que se beneficiam das políticas de incentivos fiscais estaduais.
Compreendem nessa divisão estabelecida pela CNAE 2.0 (2015) o gru-
po dos laticínios e o grupo dos sorvetes e outros gelados comestíveis, os
quais serão tratados nessa análise.
O setor de laticínios está presente em quase todos os municípios
do estado, sendo sua maioria voltada propriamente para o grupo de lati-
cínios. O grupo de sorvetes e outros gelados comestíveis apresentam-se
em menor quantidade de indústrias no estado, destacando-se em mu-
nicípios como Campo Grande que possuía em 2014, 31 unidades fabris
voltadas a esse grupo, enquanto que para o grupo de laticínios possuía
28 unidades no ano de 2014 (SEMADE, 2015). Três Lagoas também se
destaca no grupo de sorvetes e gelados comestíveis. Possuindo, no ano
de 2014, seis unidades fabris desse segmento, número maior se com-
parado ao grupo de laticínios, que possuía, no mesmo ano, somente
uma indústria. Ademais os municípios de Coronel Sapucaia, Corumbá
e Ribas do Rio Pardo possuem somente uma indústria desse setor, cada,
sendo voltada para o grupo de sorvetes e gelados comestíveis.
Esse setor, apesar de estar espacialmente distribuído por todas as
regiões do estado, apresenta um maior adensamento de unidades in-
dustriais nas mesorregiões Centro-norte e Sudoeste, tendo os municí-
pios de Campo Grande e Dourados as maiores concentrações de unida-

APONTAMENTOS SOBRE A POLÍTICA DE INCENTIVOS FISCAIS E A INDUSTRIALIZAÇÃO DE MATO GROSSO DO SUL UUU 173
des fabris, 92 somando os dois municípios, segundo dados da SEMADE
(2015).
Contudo, quando se trata de crescimento durante o período de
sete anos, os municípios de Coxim, Nova Andradina e Sidrolândia
entram em evidência, já que apresentaram as maiores taxas de cresci-
mento no estado, durante o período em questão. Coxim e Sidrolândia,
situadas na mesorregião Centro-sul, saltaram de 3 e 2 unidades fabris
em 2007, para 18 e 14, em 2014, respectivamente (mapa 4). Nova Andra-
dina, situada na mesorregião Leste do estado, apresentava, no ano de
2007, oito unidades fabris desse setor, já em 2014, passou a ter 20 uni-
dades do setor de laticínios em operação. Esses três municípios citados
possuem maiores quantidades de indústrias no setor, que se enquadram
no grupo também de laticínios, sendo que o grupo de sorvetes e gelados
comestíveis se apresentou em menores quantidades. Vemos novamente
municípios pouco tradicionais no setor de laticínios, se destacando nes-
se setor e industrialmente, o que antes não era uma realidade plausível,
mas que pode ser entendida, como uma atividade industrial que deriva
da pecuária, antes predominante.
MAPA 4. Espacialização das indústrias do setor de laticínios em
Mato Grosso do Sul nos anos de 2007 e 2014.

No setor de laticínios, as políticas de incentivos fiscais gera-


ram maiores quantidades de empregos entre os anos de 2000 a 2013,

174 UUU
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aproximadamente 890 empregos gerados, em indústrias localizadas em
municípios como Bataguassu, Campo Grande, Inocência, São Gabriel
do Oeste e Terenos (MATO GROSSO DO SUL, 2014). Com exceção de
Campo Grande, que concentra a maior diversidade industrial do esta-
do, os outros municípios que se utilizaram das leis de incentivos fiscais
não são tradicionalmente industriais, mas que por meio das políticas de
incentivos puderam dinamizar suas economias interioranas.

4. ALGUNS APONTAMENTOS SOBRE O SETOR


DE PRODUTOS ALIMENTÍCIOS
Outros setores como o de processamento de grãos, de mel e de
frutas e de mandioca e féculas estão entre os principais receptores de
incentivos fiscais no estado. Esses setores, assim como os de carne e de
laticínios, analisados anteriormente, fazem parte de um setor maior ou
setor “guarda-chuva”, identificado como setor alimentício, de acordo
com as especificações da CNAE 2.0 (2015) e recebe a nomenclatura de
“fabricação de produtos alimentícios”.
Os dados desses outros setores citados encontram-se agregados,
impossibilitando-nos uma análise precisa de cada um deles como fize-
mos com os setores de carne e laticínios. Entretanto, em um panorama
geral, o setor alimentício está presente em praticamente todos os mu-
nicípios do estado, com exceção dos municípios de Alcinópolis, Jateí,
Taquarussu e o recentemente emancipado município de Paraíso das
Águas, que não possuem nenhuma indústria alimentícia, muito embo-
ra próximo a eles encontrem-se outros municípios, que devido à presen-
ça de um possível potencial industrial os fazem mais atrativos do que os
municípios citados.
O setor alimentício quase que dobrou em quantidade de indús-
trias no estado desde o ano de 2000 até o ano de 2014, sendo que de 689
unidades industriais em 2000, passou a ter 1295, em 2014, com destaque
para Campo Grande, com 379 unidades industriais, em 2014 (SEMA-

APONTAMENTOS SOBRE A POLÍTICA DE INCENTIVOS FISCAIS E A INDUSTRIALIZAÇÃO DE MATO GROSSO DO SUL UUU 175
DE, 2015). Vejamos no gráfico 1, a evolução e crescimento desde setor
em um período de 14 anos.
GRÁFICO 1. Indústrias de Alimentos em Mato Grosso do Sul – 2000 – 2014.

Fonte: SEMADE, 2015.

Além da grande quantidade de indústrias do setor alimentício no


estado, elas também se tornaram maioria, no que diz respeito as indús-
trias receptoras de incentivos fiscais estaduais, haja vista que em torno
de 58 empresas do setor receberam incentivos do estado até o ano de
2013 (MATO GROSSO DO SUL, 2014), gerando 4.900 empregos, apro-
ximadamente. Outro dado interessante é sobre as indústrias de man-
dioca e féculas, que se destacam no setor de alimentos com 14 unidades
industriais receptoras de incentivos fiscais, no entanto, a geração de em-
prego desse grupo ainda é baixa, ficando em torno de 591 empregos até
o ano de 2013. Já o setor de processamento de grãos, com seis unidades
industriais receptoras de incentivos fiscais, empregou 465 pessoas até o
ano de 2013, segundo os dados da SEPROTUR (MATO GROSSO DO
SUL, 2014). Entretanto, não podemos esquecer que o setor de processa-
mento de grãos volta-se para exportação de commodities, enquanto que
o setor de produção de mandioca e féculas abastece o mercado local e
nacional, sendo realidades dispares de cadeias produtivas. Ademais, o
setor de carnes e laticínios foram, entre as empresas que usufruem das

176 UUU
ÀˆÃ̜ÛKœÊi˜ÀˆµÕiÊ,ˆLiˆÀœÊ`>Ê-ˆÛ>ÊUÊ/…>ޘ?Ê œ}ÕiˆÀ>Êœ“iÃ
leis de incentivos fiscais, os responsáveis pelo maior número de empre-
gos gerados até 2013, pelo setor alimentício.
Para sermos mais específicos, cabe aqui a ressalva de que o setor
de processamento de soja, assim como o de carnes e de indústrias que se
voltaram para exportação, muitas vezes optam por usufruir dos bene-
fícios da Lei Kandir (Lei Complementar nº 87/96), que isenta o imposto
cobrado sobre o produto exportado – ICMS, do que propriamente uti-
lizar as leis de incentivos fiscais estaduais, como as implementadas pelo
MS-Forte Indústria. Já as indústrias do setor de produção de mandioca
e fecularias, processamento de mel e de frutas são exemplos de indús-
trias de pequeno alcance ao mercado externo e que, por possuir merca-
do consumidor nacional, não usufruem da Lei Kandir. Dessa forma, o
Estado articulou outras medidas que possam atraí-las para o território,
como as políticas de incentivos fiscais do Mato Grosso do Sul, a partir
dos anos 2000.
Entretanto, os projetos para utilização dos incentivos fiscais exis-
tentes para implantação ou ampliação de indústrias, a partir de 2014, se-
gundo a SEPROTUR (MATO GROSSO DO SUL, 2014), apresenta uma
direcionamento às grandes corporações, que anteriormente não requi-
sitaram o benefício, como indústrias do setor de carne e processamento
de soja, que possuem o maior potencial para geração de empregos, em
torno de 18.000 postos de trabalho. Há também, o caso de empresas
que foram instaladas há mais tempo, mas que só agora aparecem como
possíveis receptoras de incentivos fiscais, por exemplo, a Indústria e Co-
mércio de Café Meridional LTDA, situada, desde 1987, em Paranaíba e
a empresa CIPA Indústria de Produtos Alimentares LTDA e a fábrica de
biscoitos Mabel, situada em Três Lagoas desde 1998.

4.1 O setor têxtil


Outro setor que se utiliza dos benefícios das leis de incentivos
fiscais no estado é o setor têxtil, composto por dois grupos: produtos
têxteis diversos e produtos têxteis – preparação e fiação de fibras de al-

APONTAMENTOS SOBRE A POLÍTICA DE INCENTIVOS FISCAIS E A INDUSTRIALIZAÇÃO DE MATO GROSSO DO SUL UUU 177
godão (CNAE, 2015). Na análise desse setor, será possível estabelecer
um panorama desde os anos 2000 até o ano de 2014, haja vista que a
alteração de metodologia da CNAE realizada entre os anos de 2006 e
2007, não alterou a divisão do setor têxtil possibilitando uma análise
mais ampla do mesmo. Na medida em que as primeiras políticas de
incentivos fiscais tenham sido lançadas em 2001 (MS Empreendedor),
esses dados se tornam de suma importância para a análise.
O setor têxtil apresentava-se em pequena quantidade até os anos
2000, estando presente apenas em oito municípios do estado, tendo em
Três Lagoas a maior quantidade de indústrias em um mesmo municí-
pio, com nove unidades industriais. Em 200713, o setor têxtil aumentou
em número de municípios com unidades desse setor, passando a estar
presente em 17 municípios do estado, e quase dobrou em quantidades
industriais, passando de 23 para 40 unidades fabris em 2007. A partir
desse ano, podemos observar que começaram a aparecer municípios
como Aparecida do Taboado, Batayporã, Itaquiraí, Ivinhema, Paranaí-
ba e São Gabriel do Oeste, para citar somente alguns, com ao menos
uma planta industrial desse setor, sendo que nos anos anteriores não
havia nenhuma, ou seja, com a atuação das leis de incentivos fiscais, o
estado tornou-se mais atrativo, possibilitando às indústrias de setores
não tradicionais serem implantadas em Mato Grosso do Sul.
A partir de 2010, o setor têxtil experimentou grande crescimento
que continuaria nos anos seguintes como podemos evidenciar no grá-
fico 2. Em 2009, esse setor contava com 39 unidades industriais, já em
2010, passou a ter 74 unidades industriais e, em 2014, chegou à marca de
178 indústrias desse setor (SEMADE, 2015).

13 Iremos analisar também o setor têxtil no ano de 2007, para não perdermos a possi-
bilidade comparativa com os setores analisados, anteriormente, neste trabalho.

178 UUU
ÀˆÃ̜ÛKœÊi˜ÀˆµÕiÊ,ˆLiˆÀœÊ`>Ê-ˆÛ>ÊUÊ/…>ޘ?Ê œ}ÕiˆÀ>Êœ“iÃ
GRÁFICO 2. Indústrias do setor Têxtil – 2000 – 2014.

Fonte: SEMADE, 2015.

Quanto à espacialização, o ano de 2010 também representou mu-


danças, na medida em que as indústrias têxteis se expandiram para
outros municípios, principalmente para os situados na mesorregião Su-
doeste. No ano de 2010, observamos que o município de Campo Gran-
de ultrapassou Três Lagoas em unidades industriais desse setor, ficando
o primeiro com 16 e o último com apenas nove indústrias têxteis. Pas-
sados somente quatro anos, o setor têxtil experimentou grande cresci-
mento em unidades industriais, chegando ao total de 178 unidades. O
maior número de indústrias têxteis no estado concentra-se em municí-
pios de destaque na economia sul-matogrossense, como em sua capital,
Campo Grande, que possuía em 2014, 59 unidades fabris desse setor,
Três Lagoas, que já possuía um parque industrial diferenciado, sendo
um município de forte apelo industrial, com 20 unidades em 2014 e
Dourados, que apesar da predominância de atividades econômicas li-
gadas a produção de grãos e carne, também se encontra entre os muni-
cípios mais industrializados do estado, possuindo em 2014, 11 unidades
fabris voltadas para o setor têxtil (SEMADE, 2015).

APONTAMENTOS SOBRE A POLÍTICA DE INCENTIVOS FISCAIS E A INDUSTRIALIZAÇÃO DE MATO GROSSO DO SUL UUU 179
Embora esse setor tenha se assentado principalmente em muni-
cípios que já possuíam uma atividade industrial considerável, é notável
o destaque que outros municípios vêm recebendo no setor industrial,
como é o caso de Coxim. Esta possuía, em 2010, uma fábrica têxtil e,
em 2014, passou a ter cinco unidades industriais. Já Iguatemi, que não
possuía indústria do setor têxtil, passou a ter seis unidades em 2014 e
Mundo Novo, que possuía somente uma indústria do setor, também
passou a ter seis unidades industriais (SEMADE, 2015). Observemos no
mapa 5, a dinâmica territorial do setor têxtil em Mato Grosso do Sul.
MAPA 5. Espacialização do setor têxtil nos anos 2000, 2007, 2010 e 2014.

Sobre os incentivos fiscais, esse setor está entre os que mais uti-
lizam esse benefício, tendo em Três Lagoas a maior concentração de

180 UUU
ÀˆÃ̜ÛKœÊi˜ÀˆµÕiÊ,ˆLiˆÀœÊ`>Ê-ˆÛ>ÊUÊ/…>ޘ?Ê œ}ÕiˆÀ>Êœ“iÃ
empresas do setor têxtil que recebem incentivos fiscais do estado. Das
20 indústrias presentes no município até 2013, oito empresas usufruíam
das leis estaduais de incentivos fiscais, gerando aproximadamente 1.070
empregos (MATO GROSSO DO SUL, 2014). Essas empresas presentes
no município de Três Lagoas, em grande parte, possuem origem nos es-
tados do Sudeste brasileiro e veem no município a oportunidade de re-
dução de custos e com isso, a possibilidade de lograr o aumento da com-
petitividade de seu produto no mercado. Esse fato deriva da localização
limítrofe com o estado de São Paulo e também a presença de modais
de transporte, como o rodoviário pela BR-262 entre os estados de Mato
Grosso do Sul e São Paulo, sendo esse o mais utilizado pelas empresas
do setor têxtil; o modal ferroviário por meio da Ferrovia Novoeste, ad-
quirida, em 2006, pela empresa América Latina Logística LTDA – ALL;
e o transporte pela hidrovia Tietê-Paraná, ainda pouco utilizado. Outro
fator determinante para a mudança locacional das unidades produtivas
para o interior do país está na grande oferta de mão de obra barata.
Esse movimento é conhecido geograficamente como desconcen-
tração industrial (LENCIONI, 1994), processo em que empresas partem
em busca de espaços produtivos que sejam mais vantajosos, fugindo
das chamadas “deseconomias de aglomeração” (SPOSITO, 2007), que
aumentam o custo de produção para empresa, instalando filiais primei-
ramente na região metropolitana de São Paulo, com o passar dos anos
chegando ao interior do estado e mais recentemente se espraiando para
outros estados, como o caso de Mato Grosso do Sul. Entretanto, Sposito
(2007), quando trabalha a existência de eixos de desenvolvimento, sa-
lienta que devida às inovações tecnológicas se estabelecem novas lógicas
de localização industrial.
Nas palavras do autor:

A introdução e a difusão das inovações tecnológicas são vitais


para a modernização do sistema produtivo das empresas, con-
tribuindo para uma maior competitividade e rentabilidade. São
representadas por melhorias nas ferramentas, na qualidade das

APONTAMENTOS SOBRE A POLÍTICA DE INCENTIVOS FISCAIS E A INDUSTRIALIZAÇÃO DE MATO GROSSO DO SUL UUU 181
máquinas e equipamentos e na organização das empresas que
aumentam a produtividade da mão de obra e dinamizam os pro-
dutos para uma melhor aceitação no mercado, assegurando os
lucros que estimulam a ação empresarial, a produção e novos in-
vestimentos em tecnologias, que se torna um processo contínuo.
E isso provoca, territorialmente, novas lógicas de localização das
atividades (SPOSITO, 2007, p. 5).

Nesse sentido, Três Lagoas emerge como um espaço atrativo para


o setor industrial, como evidenciado em trabalhos anteriores de Ribeiro
Silva (2014). Ademais, esse município, de acordo com os dados da SE-
PROTUR (MATO GROSSO DO SUL, 2014), possui maior quantidade
de projetos de indústrias que sinalizaram para a utilização dos incenti-
vos fiscais do estado, com capacidade de geração de mais de 800 empre-
gos, seguido pela capital estadual Campo Grande, com possibilidade de
geração de, aproximadamente, 660 empregos.

4.2 O setor de biocombustível


Analisemos, agora, o setor de biocombustíveis no estado de Mato
Grosso do Sul. Esse setor insere-se na divisão: “Fabricação de coque,
de produtos derivados do petróleo e de biocombustíveis”, segundo a
CNAE (2014) e se encontra agrupado segundo a SEMADE (2015) entre
as “Indústrias de Combustíveis e Biocombustíveis – Fabricação de Ál-
cool”. Para esse setor, os dados mais antigos disponíveis são do ano de
2007, os quais tomaremos como primeira referência em análise.
No ano de 2007, as indústrias do setor de biocombustível soma-
vam 40 unidades industriais em todo o estado e estavam localizadas
nas mesorregiões Sudoeste e Centro--norte, e em menor número, com
apenas seis unidades industriais na mesorregião Leste. Nesse mesmo
ano, Campo Grande e Nova Alvorada do Sul eram os municípios com o
maior número de indústrias de biocombustíveis no estado, cinco e qua-
tro unidades, respectivamente. Entretanto, sete anos mais tarde, esses
municípios apresentaram queda no número de indústrias desse setor,

182 UUU
ÀˆÃ̜ÛKœÊi˜ÀˆµÕiÊ,ˆLiˆÀœÊ`>Ê-ˆÛ>ÊUÊ/…>ޘ?Ê œ}ÕiˆÀ>Êœ“iÃ
ficando, em 2014, com duas unidades industriais em cada município.
Em contrapartida, aumentaram o número de unidades industriais do
setor em outros municípios, como Sidrolândia, que ultrapassou a capi-
tal Campo Grande em 2014, com um total de seis unidades industriais
e Rio Brilhante que, em 2007, possuía duas empresas do setor e passou
a ter cinco unidades industriais. Ademais, municípios como Caarapó,
Costa Rica, Fátima do Sul e Novo Horizonte do Sul, que antes não pos-
suíam nenhuma indústria do setor, passaram a ter uma indústria de
biocombustível em cada município (SEMADE, 2015).
Paraíso das Águas, que também não possuía nenhuma indústria
do setor em 2007, passou a ter, em 2014, duas indústrias de biocombus-
tíveis. Lembremos que esse município é o mais novo do estado de Mato
Grosso do Sul, emancipado em 2003, mas fundado somente em 2013,
devido aos impasses políticos que arrastaram até 2009 a validade de
sua emancipação. Esse município, em 2013, produziu 992.718 toneladas
de cana-de-açúcar, principal matéria-prima utilizada para a produção
de álcool no estado, possuindo uma área plantada e colhida de 12.452
hectares, ultrapassando a produção de cana-de açúcar do município de
Sidrolândia que, no mesmo ano, somou 672.703 toneladas em uma área
plantada e colhida de 13.997 hectares. Paraíso das Águas segue a ten-
dência da economia estadual, com a sua economia voltada para a pro-
dução de grãos como soja e milho para exportação, mas a produção de
cana-de-açúcar representou, em 2013, sua maior produção em lavoura
temporária (IBGE, 2015).
De toda forma, a localização desse setor no estado não apresen-
tou muitas alterações, com exceção aos municípios que não possuíam
nenhuma indústria do setor em 2007 e subiram para uma indústria em
2014; manteve-se praticamente o mesmo panorama locacional durante
esse mesmo período, somente a mesorregião Leste que aumentou suas
unidades industriais nesse setor de seis em 2007, para dez em 2014 (SE-
MADE, 2015), mas em sua maioria houve crescimento do setor, em mu-
nicípios que já possuíam indústrias de biocombustível, como podemos
observar no mapa 6, além de grande produção de cana-de-açúcar.

APONTAMENTOS SOBRE A POLÍTICA DE INCENTIVOS FISCAIS E A INDUSTRIALIZAÇÃO DE MATO GROSSO DO SUL UUU 183
MAPA 6. Localização das indústrias de biocombustível em 2007 e 2014
no Mato Grosso do Sul.

Como pudemos ver no mapa 6, não houve alterações significa-


tivas quanto a localização industrial do setor de biocombustível, assim
como não houve grandes alterações quanto ao total de indústrias do
setor durante o período de sete anos – ver o gráfico 3, mostrando uma
estabilidade no setor, haja vista que sua cadeia produtiva necessita de
fatores como matéria-prima e recursos naturais, como água em abun-
dância, para se tornar viável. Dessa forma, se o lugar não possuir esses
requisitos e/ou se caso determinado lugar já possuir outra cadeia pro-
dutiva consolidada, como é o caso da mesorregião Leste, que possui a
cadeia produtiva da celulose altamente concentrada na região, princi-
palmente em Três Lagoas, dificilmente nesses lugares se instalarão in-
dústrias voltadas para o setor de biocombustível.
Esse setor sofreu pouca variação de 2007 para 2014, sendo que
2011 foi o ano em que o estado apresentou maior quantidade de in-
dústrias do setor de biocombustíveis, com o número de 54 unidades
industriais (gráfico 3).
Quanto aos incentivos fiscais, 12 municípios possuíam indústrias
receptoras até o ano de 2013, sendo que desses, em Brasilândia e Fátima
do Sul, o setor de biocombustível é o único a usufruir do benefício. Nos
outros municípios receptores de incentivos fiscais do setor, também

184 UUU
ÀˆÃ̜ÛKœÊi˜ÀˆµÕiÊ,ˆLiˆÀœÊ`>Ê-ˆÛ>ÊUÊ/…>ޘ?Ê œ}ÕiˆÀ>Êœ“iÃ
chamado sucroalcooleiro, apresentam-se poucos projetos que estão en-
tre os beneficiados. Dourados, com dez unidades industriais beneficia-
das, sendo duas do setor sucroalcooleiro, é o que possui mais empresas
que usufruem do benefício dentre os 12 municípios receptores, ademais
os dois estabelecimentos são de uma mesma corporação. Destacam-se
ainda, os municípios de Maracaju e Nova Alvorada do Sul, que de um
total de dois processos em cada município, um está voltado para indús-
tria de biocombustível (MATO GROSSO DO SUL, 2014).
GRÁFICO 3. Quantidade de Indústrias de Biocombustível no
Mato Grosso do Sul: 2007 – 2014

Fonte: SEMADE, 2015.

O setor de Biocombustível se encontra entre os maiores gerado-


res de emprego, sendo que, de 2001 a 2013, gerou, aproximadamente,
16.300 postos de trabalho em todo o estado, somente contabilizando
as indústrias que receberam incentivos fiscais até 2013, segundo dados
do RAIS/CAGED. No ano de 2014, com os projetos futuros das em-
presas em implantação/ampliação que utilizaram das leis de incentivos
fiscais no estado, existe a possibilidade de geração de, aproximadamen-
te, 13.000 empregos, nos municípios de Angélica, Batayporã, Caarapó,
Costa Rica, Eldorado, entre outros, que anteriormente não usufruíram
do benefício para esse setor, muito embora seja o caso dos municípios
de Costa Rica e Caarapó, por não possuírem esse tipo de indústria até
os anos de 2008 e 2010.

APONTAMENTOS SOBRE A POLÍTICA DE INCENTIVOS FISCAIS E A INDUSTRIALIZAÇÃO DE MATO GROSSO DO SUL UUU 185
Os setores analisados, mesmo com suas especificidades, sina-
lizam para um crescimento e implantação de plantas industriais no
estado de Mato Grosso do Sul, tanto em locais mais tradicionais, que
possuem um parque industrial mais desenvolvido, como os municípios
de Campo Grande, Dourados e Três Lagoas, como exercem poder de
atrair novas indústrias a lugares pouco tradicionais, mas que se tornam
atrativos por meio das leis de incentivos fiscais e dinamizam economi-
camente o lugar em que se instalam.
Vale ressaltar que as quantidades de empregos gerados, trabalha-
dos aqui para o ano de 2014, consideram somente o potencial das indús-
trias que receberam ou possuem futuros projetos para usufruírem dos
incentivos fiscais do estado, sendo assim, não representam o número
de empregos gerados por esses setores em suas totalidades dentro do
período.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A industrialização de Mato Grosso do Sul pode ser explicada por
meio de uma reunião de fatores que podemos assim esboçar: estruturas
de transporte e logística, disponibilidade de recursos hídricos, estrutu-
ra fundiária e a política de incentivos fiscais. Desse último fator, tenta-
mos, aqui, sublinhar a importância entre os anos de 2000 e 2014, após a
criação da Lei nº 93/2001. Esse contexto, por mais que tenha instigado
a instabilidade jurídica entre outras unidades federadas, por outro lado,
fomentou a atividade industrial no estado de Mato Grosso do Sul e ain-
da reestruturou espacialmente a indústria, como vimos no setor têxtil.
A querela sobre a guerra fiscal e a guerra dos lugares é notória.
As políticas de incentivos fiscais, entretanto, são incluídas nas estraté-
gias de desenvolvimento regional, integrando no processo de industria-
lização, municípios com pouca tradição industrial, tais como Mundo
Novo, Iguatemi e Batayporã. A política industrial do governo federal,
pouco trabalhada aqui nesse texto, por uma opção metodológica, entra
na agenda da industrialização fomentando corporações transnacionais

186 UUU
ÀˆÃ̜ÛKœÊi˜ÀˆµÕiÊ,ˆLiˆÀœÊ`>Ê-ˆÛ>ÊUÊ/…>ޘ?Ê œ}ÕiˆÀ>Êœ“iÃ
como Cargill, Eldorado Brasil, JBS e ADM Alimentos em outros muni-
cípios mais dinâmicos como Campo Grande, Três Lagoas e Dourados.
Porém, o que é colocado na mesa para o poder público, seja para
o Brasil como um todo ou para Mato Grosso do Sul, é pensar uma agen-
da de desenvolvimento industrial sem os incentivos fiscais, já que as
empresas procuram em outras unidades federadas, além de vantagens
locacionais tradicionais, não mais encontradas no estado de São Paulo,
os incentivos, esses que, de curto a médio prazo, possuem data para ter
fim. Em outras palavras, resta saber quem vai sair perdendo no desfe-
cho das guerras (fiscal e dos lugares).

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APONTAMENTOS SOBRE A POLÍTICA DE INCENTIVOS FISCAIS E A INDUSTRIALIZAÇÃO DE MATO GROSSO DO SUL UUU 189
A INTEGRAÇÃO FERROVIÁRIA
NACIONAL E O DESENVOLVIMENTO DOS
MERCADOS INTERNO E EXTERNO:
PROPOSIÇÕES À REALIDADE BRASILEIRA
E SUL-MATO-GROSSENSE
Márcio Rogério Silveira
Alessandra dos Santos Julio

1. INTRODUÇÃO
As grandes corporações capitalistas elegem alguns territórios
como locais para produção e, por conseguinte, para investimentos. Tal
aspecto da dinâmica capitalista, referente à mobilidade geográfica do
capital, infere nesses territórios padrões diferenciados de desenvolvi-
mento e, entre muitos aspectos, contribuem para ampliar as seletivida-
des espaciais/territoriais e assim a reprodução das desigualdades eco-
nômicas e espaciais. Essa lógica imperialista (WOOD, 2014) também
interfere na organização dos sistemas de transportes (infraestruturas,
logística, fluxos, normas e tributação), pois os mesmos são importantes
demandas corporativas e essenciais para a ampliação capitalista.
A formação econômica e social brasileira formatou uma lógica
espacial na qual os sistemas de movimentos existentes atendem, prin-
cipalmente, as áreas economicamente mais dinâmicas. A construção
do território nacional e a instalação dos sistemas de transportes e co-
municação seguiram a organização das atividades econômicas em cada
período histórico. Esse aspecto é particularmente significativo quan-
do tratamos do sistema ferroviário de cargas. Haja vista que a malha

UUU 191
foi construída majoritariamente, a partir da segunda metade do século
XIX, ligando as fazendas agroexportadoras aos portos e as áreas de pe-
quena produção mercantil aos principais mercados internos (SILVEI-
RA, 2007). Portanto, algumas regiões brasileiras possuem uma malha
ferroviária maior, apesar de mais antiga e pouco eficiente, enquan-
to outras sofrem com a falta de alternativas para o transporte da sua
produção.
A economia sul-mato-grossense está muito atrelada ao merca-
do externo. Diferentemente de outros estados que tiveram uma par-
ticipação direta no processo de industrialização nacional, o desenvol-
vimento das forças produtivas no Mato Grosso do Sul é mais recente.
Estando esse diretamente associado à expansão da fronteira agrícola
e a demanda global por insumos agroalimentares e minerais (além de
alguns produtos para o mercado interno). Contudo, o desenvolvimento
da economia regional sofre, apesar de muitos investimentos, com as de-
ficiências nos sistemas de transportes e armazenamento, pois esses não
esses conseguem ser estruturados pelo poder público de acordo com as
demandas globais e o crescimento do PIB brasileiro.
Apesar da economia do estado estar ligada ao comércio interna-
cional – principalmente com a exportação do minério de ferro, o com-
plexo de soja e de carne bovina – e suas fronteiras estarem distante dos
principais portos, o modal ferroviário possui uma pequena participa-
ção na matriz de transporte estadual. As duas ferrovias com trechos no
estado não atendem plenamente às necessidades da fluidez regional. O
modal ferroviário é eficiente, no que se refere à relação custo/benefício,
para o transporte de carga em distâncias entre 400 e 1500 km e grandes
volumes. Outras vantagens do modal para o transporte de cargas são os
baixos custos unitários, a inexistência de grandes congestionamentos,
a menor vulnerabilidade a acidentes e roubos, o maior rendimento es-
pacial e o consumo de energia inferior e, portanto, menores impactos
ambientais.
Um sistema ferroviário maior e mais integrado, rompendo os tra-
dicionais sistemas litoral-interior (interior-produtor aos portos-empó-

192 UUU ?ÀVˆœÊ,œ}jÀˆœÊ-ˆÛiˆÀ>ÊUʏiÃÃ>˜`À>Ê`œÃÊ->˜ÌœÃÊՏˆœ


rios), representaria uma melhora na competitividade, impactando na
renda diferencial da terra e proporcionando a continuidade da expan-
são econômica para além da região Centro-Oeste. As infraestruturas de
transportes que permitiram a incorporação da região à economia inter-
nacional também são incipientes face às novas demandas do mercado
global e, em especial, da China. Por isso, há necessidade de concretizar
grandes planos de integração nacional, como a Ferrovia Norte-Sul.
A despeito do papel impreterível das estradas de ferro para a eco-
nomia do século XIX e primeiras décadas do século XX, o Brasil atra-
vessou um período de baixo investimento em infraestruturas, entre a
década de 1980 e início da década de 1990. A crise internacional, o es-
gotamento da capacidade de investimento da União e a falta de um pla-
no de desenvolvimento nacional conduziram a cortes dos mecanismos
de financiamento das inversões públicas nos sistemas de transportes.
Além disso, a capacidade de endividamento externo do país, a elevação
dos impostos e a ampliação da dívida pública foram direcionadas para
a manutenção do Plano Real. Nesse contexto, houve um arrefecimento
das expansões e deterioração das infraestruturas e meios de transpor-
tes, por falta de manutenção, assim, os diversos setores de transportes
e, em particular, as ferrovias se converteram, ainda mais, em um setor
com anticapacidade ociosa. Os governos Fernando Collor de Mello e,
substancialmente, Fernando Henrique Cardoso lançaram o Brasil num
programa anfibológico de concessões de serviços públicos à iniciati-
va privada e privatizações. Eles fizeram a opção pela manutenção da
dependência econômica brasileira ao invés da superação da crise, por
meiodo desenvolvimento econômico com a utilização da conversão da
capacidade ociosa da economia brasileira, na eliminação dos pontos de
estrangulamento das infraestruturas.
Na última década houve algumas mudanças na política nacional.
A partir de 2003, com o governo de Luiz Inácio Lula da Silva, instalou-
se uma maior preocupação com o escoamento da produção agroindus-
trial e mineral do Centro-Oeste brasileiro e também uma necessidade
de resolver as deficiências de acesso nos principais portos litorâneos e

A INTEGRAÇÃO FERROVIÁRIA NACIONAL E O DESENVOLVIMENTO DOS MERCADOS INTERNO E EXTERNO UUU 193
dointerior para atender os períodos de altas safras (portos marítimos,
fluviais, de transbordo e alfandegamento terrestres). A retomada dos
investimentos públicos atrelada ao crescimento do mercado externo,
haja vista o contexto de expansão da demanda internacional por produ-
tos primários, refletiu numa maior procura pelo transporte ferroviário
de cargas. Houve, portanto, investimentos em infraestruturas de trans-
portes no Centro-Oeste, não apenas no modal ferroviário, mas também
a abertura de novos portos para completar o necessário escoamento da
produção. De modo que a compreensão do papel do setor ferroviário
para a economia sul-mato-grossense requer uma análise multiescalar
que abranjaas escalas nacional e internacional.
A questão que norteia este capítulo está relacionada às possibi-
lidades de desenvolvimento regional com a manutenção e ampliação
da malha ferroviária no estado do Mato Grosso do Sul. O capítulo está
organizado em três partes, além da introdução e conclusão. A primeira
apresenta o sistema ferrovário, após as concessões, com destaque para
as ferrovias existentes no estado sul-mato-grossense. A segunda expõe
dados da economia nacional e estadual, entendendo a dinâmica esta-
dual atrelada ao contexto nacional. O terceiro é para analisar a estra-
tégia da União, nos últimos anos, para o modal ferroviário e como a
maior integração das ferrovias podem contribuir para a ampliação do
desenvolvimento regional e, por conseguinte, nacional.

2. AS CARACTERÍSTICAS DO TRANSPORTE FERROVIÁRIO


DE CARGA NO INÍCIO DO SÉCULO XXI
Ao final do último século, teve início um processo de reestru-
turação das estradas de ferro em diferentes países. Essa política foi
amplamente difundida por organismos internacionais (comoo Banco
Mundial e a Organização Mundial do Comércio – OMC) e tinha como
objetivo uma maior participação do setor privado no modal, a fim de
eliminar o monopólio das grandes empresas públicas, as quais eram
vistas como deletérias para a qualidade do serviço de transporte ferro-
viário de cargas.

194 UUU ?ÀVˆœÊ,œ}jÀˆœÊ-ˆÛiˆÀ>ÊUʏiÃÃ>˜`À>Ê`œÃÊ->˜ÌœÃÊՏˆœ


Seguindo essa lógica, o governo federal brasileiro optou por um
modelo de concessão da malha ferroviária às empresas privadas. Para a
concessão, o governo dividiu a malha brasileira em seis trechos e cada
um foi concedido a um consórcio. A malha oeste da Rede Ferroviária
Federal (RFFSA), antigo trecho Noroeste do Brasil, a qual parte do mu-
nicípio de Bauru/SP e segue até Corumbá/MS, com um ramal até Pon-
taPorã/MS, foi a primeira a ser leiloada. Em março de 1996, o trecho
foi concedido a um grupo de investidores norte-americanos, o “Noel
Group” sob o nome de Ferrovia Novoeste S.A. O pagamento da entra-
da foi totalmente financiado pelo Banco Nacional de Desenvolvimen-
to Econômico e Social (BNDES) e o restante parcelado pelo período
da concessão, isto é, por 30 anos. Vale ressaltar que o país atravessava
um período de escassez de investimentos e, apesar disso, o BNDES teve
atuação na organização e financiamento das concessões e privatizações.
No que tange a malha da Ferronorte, em 1989, o governo federal
realizou um contrato de concessão para construção e operação de uma
via férrea no Centro-Oeste e Norte, pelo período de 90 anos. A malha
ferroviária ligaria as cidades de Aparecida do Taboado/MS, Rondonó-
polis/MS, Cuiabá/MT, Uberlândia/MG, Porto Velho/RO e Santarém/
PA. Sua construção foi iniciada em 1992, mas o início da operação do
primeiro trecho foi somente em 1999.
Antes dos leilões das malhas, o governo insistia que o desempenho
das concessionárias seria no sentido de aumentar os investimentos, di-
minuir os acidentes, recuperar e modernizar as vias e o material rodan-
te. A falta de fiscalização e mesmo a conivência das entidades do poder
concedente, responsáveis por acompanhar a ação das concessionárias,
decorreu da inobservância dos contratos. Muitos problemas existentes
até então foram ampliados, como o baixo investimento e a desativação
de trechos. Problemas que perduraram com a criação das agências regu-
ladoras, como a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT).
Houve também uma série de fusões e aquisições entre as empresas con-
cessionárias, de modo que se formaram grandes monopólios privados,
como é o caso da América Latina Logística (ALL), originada da antiga

A INTEGRAÇÃO FERROVIÁRIA NACIONAL E O DESENVOLVIMENTO DOS MERCADOS INTERNO E EXTERNO UUU 195
Ferrovia SulAtlântico S.A. (FSA), detentora da concessão de toda malha
ferroviária do Sul do país, parte do Centro-Oeste e de parte da malha
paulista1. É pertinente assinalar que os argumentos para justificar as
concessões se baseavam nos problemas decorrentes dos monopólios pú-
blicos. Contudo, as concessionárias se tornaram monopólios privados,
ou seja, não houve uma real ampliação da competitividade.
No caso da Ferrovia Novoeste, a empresa não conseguiu arcar
com suas obrigações junto ao governo federal e tampouco realiz’dx/-ar
os investimentos e manutenção da malha férrea previstos em contra-
to. Ao final da década ela já apresentava déficits e, em função disso,
conseguiu na justiça o direito ao pagamento parcial da dívida com o
Estado. No ano de 2002, em meio a um processo de revisão do contrato
de concessão e sucateamento da via, ela foi incluída na holding Brasil
Ferrovias.
A Ferronorte também passava por problemas financeiros e apesar
da venda de ações e incorporação de novos acionistas, a partir de 1997,
ela precisou recorrer ao financiamento público para conclusão dos tre-
chos entre a ponte rodoferroviária sobre o rio Paraná e o terminal de
Inocência/MS, de Inocência à Chapadão do Sul/MS e de Chapadão do
Sul até Alto Taquari/MS, completando os 410 km da Fase I do projeto.
Souza (2011) revela que a atuação dessa ferrovia sempre esteve atrelada
à existência de recursos públicos, pois foram investidos na Ferronorte,
entre o início da obra até 2001, um total de R$ 1,321 bilhão, entre fi-
nanciamentos e renegociações de dívidas. Ela também foi incluída na
holding Brasil Ferrovias. Portanto, a necessidade de financiamento por
parte de instituições públicas às concessionárias como único meio de
alavancar recursos no mercado para realizar investimentos é mais uma
deficiência das concessões da década de 1990.
A holding Brasil Ferrovias foi criada em 2002 e controlava as fer-
rovias Ferronorte, Ferroban (Ferrovias Bandeirantes) e Novoeste. Em
2005, foi realizada uma reestruturação, com a divisão da holding se-
1 A ALL também era detentora da concessão da malha na Argentina, mas perdeu a
concessão do país por não cumprir o contrato de concessão.

196 UUU ?ÀVˆœÊ,œ}jÀˆœÊ-ˆÛiˆÀ>ÊUʏiÃÃ>˜`À>Ê`œÃÊ->˜ÌœÃÊՏˆœ


guindo os sistemas de bitolas. Assim, se formou a Nova Brasil Ferrovias
S.A., composta pela Ferronorte e pela Ferroban (bitola larga) e a No-
voeste Brasil S.A. (bitola métrica) que, além da malha Oeste, controlava
também o trecho de bitola métrica oriunda da Ferroban, entre Mairin-
que/SP e Bauru/SP. Após a reestruturação, em 2006, os acionistas da
Nova Brasil Ferrovias (Previ, Funcef, Constran S/A, BNDESPAR, Laif
V. LLC e J.P. Morgan Partners – BHCA) concordaram em vender a ma-
lha de bitola larga para a América Latina Logística Malha Norte S.A. A
malha métrica da Novoeste Brasil (que possuía como acionistas: Previ,
Funcef, Constran S/A, Laif V. LLC, Bradesco, BRP, J.P. Morgan Partners
e outros com pequenas participações) também foi vendida e tornou-se
América Latina Logística Malha Oeste S.A. (ANTT, 2005; SILVEIRA,
2007)2.
Após assumiro contrato de concessão da Malha Norte,a ALL rea-
lizou alterações de modo a ampliar as datas limites para início de opera-
ção dos trechos ainda em projeto3. Em 2010, a ALL celebrou um termo
de alteração de contrato ampliando a data para entrada em operação
do trecho Alto Araguaia-Rondonópolis, no estado de Mato Grosso. O
trecho foi inaugurado em setembro de 2013. Para a construção dos 262
km entre Alto Araguaia e Rondonópolis, a ALL conseguiu um financia-
mento de aproximadamente R$ 700 milhões, que correspondeu a 90%
do investimento junto ao BNDES, com prazo de 20 anos para o paga-
mento (CNT, 2011). O mesmo termo de alteração de 2010, celebrado
com a ANTT, também excluiu da concessão os trechos não construídos
na ALL-Malha Norte, compreendidos entre as cidades: a) Cuiabá/MT
e Uberaba/Uberlândia/MG; (b) Cuiabá/MT e Rondonópolis/MT; (c)

2 Na cisão das empresas houve a incorporação de ações, a ALL tornou-se detentora


da totalidade das ações de emissão da Brasil Ferrovias e da Novoeste, passando os
antigos acionistas de Brasil Ferrovias e Novoeste à acionistas da ALL.
3 Em 2008, foi celebrado entre a União e a ALL-Malha Norte o oitavo Termo Aditivo
ao Contrato de Concessão, estipulando a data limite de 31/12/10 para a entrada em
operação comercial do trecho ferroviário: Alto Araguaia e Rondonópolis, no estado
de Mato Grosso. E em outubro de 2010, foi celebrado o nono Termo Aditivo ao
Contrato de Concessão da ALL-Malha Norte, alterando o prazo de construção do
trecho Alto Araguaia/MT e Rondonópolis/MT por mais 24 meses (ANTT, 2013).

A INTEGRAÇÃO FERROVIÁRIA NACIONAL E O DESENVOLVIMENTO DOS MERCADOS INTERNO E EXTERNO UUU 197
Cuiabá/MT e Porto Velho/RO e (d) Cuiabá/MT e Santarém/PA (ANTT,
2013). Tal fato significa que para a construção desses trechos, o governo
federal necessitará realizar uma nova licitação. A expansão da ferrovia
entre Rondonópolis até Cuiabá é uma solicitação antiga do estado de
Mato Grosso e, apesar do fim da concessão para a ALL/Rumo, o estado
busca formas, junto ao governo federal, de viabilizar o trecho.
A última mudança entre as concessionárias ferroviárias foi a in-
corporação das ações da América Latina Logística4 pela Rumo Logís-
tica Operadora Multimodal S/A, do Grupo Cosan5, em maio de 2014.
O Grupo Cosan era um dos principais clientes da ferrovia, mas após
os investimentos na aquisição de material rodante e descontentamento
com os serviços prestados pela concessionária, o grupo entrou na jus-
tiça contra a mesma, por descumprimento de contrato. No decorrer do
processo as partes acordaram que seria menos prejudicial para ambas
uma fusão. A negociação foi aprovada pelo Conselho Administrativo
de Defesa Econômica (CADE), em fevereiro de 2015 (REVISTA FER-
ROVIÁRIA, 2015). Após a operação de incorporação, o Grupo Cosan
passou a ser o maior acionistaindireto da ALL6.
A alteração da estrutura acionária representa uma mudança de
estratégia da empresa. No documento final de julgamento do CADE
consta a necessidade de cumprimento de um conjunto de medidas para
evitar a restrição de mercado aos usuários concorrentes do grupo Co-

4 A América Latina Logística possui grande parte da malha paulista. A ALL-Malha


Paulista juntamente com a ALL-Malha Oeste e a ALL-Malha Norte formam um
sistema ferroviário que envolve os estados de São Paulo, Mato Grosso do Sul e Mato
Grosso, atuando, também, nos estados de Goiás e Minas Gerais (CNT, 2011). A
ALL ainda possui a Malha Sul que abrange quase a totalidade das malhas ferroviá-
rias do sul do Brasil.
5 O Grupo Cosan teve origem no ano de 1936, na fundação da Usina Costa Pinto
pela família Ometto, no município de Piracicaba/SP. A partir da década de 1980, a
empresa expandiu sua atuação para outras regiões e mercados. Hoje ela é um dos
maiores grupos sucroalcooleiros, com grande produção para o mercado externo.
6 Segundo informações disponibilizadas pela ALL, a atual estrutura acionária da em-
presa é: Cosan Logística (26,3%), BNDES Participações S.A. (8,0%), TPG (4,3%),
GIF Rumo Fundo de Investimentos em Participações (4,3%) e demais acionistas
(57,1%) (ALL/RUMO, 2015).

198 UUU ?ÀVˆœÊ,œ}jÀˆœÊ-ˆÛiˆÀ>ÊUʏiÃÃ>˜`À>Ê`œÃÊ->˜ÌœÃÊՏˆœ


san e a venda casada dos serviços de fretes ferroviários e dos serviços de
logística da Rumo Logística da Operadora Multimodal S/A. Conside-
rando que as duas malhas ferroviárias que atravessam o estado do Mato
Grosso do Sul são da ALL (Malha Oeste e Malha Norte), as mudanças
na estratégia da empresa, juntamente com as medidas de ampliação da
concessão, anunciadas em 2015, pelo governo federal, terão impacto di-
reto no estado. O que se observa, com referência a constante troca de
acionistas, envolvendo as concessões ferroviárias, é um grande jogo fi-
nanceiro e pouco investimento produtivo: 1) forte captação de recursos
públicos (empréstimos públicos) e baixos investimentos das concessio-
nárias em materiais rodantes e permanentes; 2) consecutivos descum-
primentos dos contratos de concessão com o Estado; 3) desativação de
trechos que, do ponto de vista das empresas, são antieconômicos, mas
do ponto de vista do desenvolvimento regional e nacional são estratégi-
cos; 4) canibalização de trilhos e dormentes de trechos antieconômicos
para os trechos com elevados fluxos e denominados de corredores de
exportação; 5) clientes dos serviços ferroviários que possuem ações e,
até mesmo, o controle acionário de empresas ferroviária impõem aos
seus concorrentes uma competição desleal, pois se preocupam pouco
com sua função de prestadores de serviços para terceiros, como no caso
da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), da Vale e, a partir de 2015,
da Cosan. O resultado é, por consequência, um prejuízo público que
está relacionado à captação de recursos e negativa interferência no de-
senvolvimento nacional e regional.
Os trechos ferroviários sob a concessão da América Latina Lo-
gística apresentam uma série de problemas por falta de manutenção da
via, passagens de nível sem sinalização e abandono de trechos. Como
é o caso da via entre Presidente Epitácio e Presidente Prudente no in-
terior de São Paulo e trechos da Malha Sul (SILVEIRA, 2007). Alguns
trechos da Malha Sul estão classificados como subutilizados no banco
de dados do Ministério dos Transportes, quando na verdade muitos es-
tão desativados e abandonados há anos, como o trecho da Estrada de
Ferro São Paulo-Rio Grande nosestadosde Santa Catarina e Rio Grande

A INTEGRAÇÃO FERROVIÁRIA NACIONAL E O DESENVOLVIMENTO DOS MERCADOS INTERNO E EXTERNO UUU 199
do Sul. De acordo com a ALL, os trechos não apresentam demandas
que sustentem a reativação da malha. A ALL também depredou ativos
arrendados – que são patrimônios públicos, uma vez que ela é detentora
de uma concessão de bem público e não proprietária da mesma – a favor
de trechos com fluxos, ou seja, os corredores de exportação.
A desativação de trechos não rentáveis e a racionalização das ope-
rações são táticas das concessionárias para reduzir os custos e melhorar
a produtividade da empresa. Como a maioria dos acionistas das em-
presas ferroviárias éformada, como já relatado, por uma conjugação de
grupos de investimentos e típicos clientes ferroviários, o resultado é um
grande jogo financeiro envolvendo as ações dessas empresas e a manu-
tenção de trechos ferroviários com alto fluxo de cargas e de interesse de
grandes grupos econômicos do setor mineral e agroindustrial.
Apesar de contextos econômicos diferentes e de processos de
reestruturações diversos, a maioria dos países tiveram suas malhas re-
duzidas após os processos de reestruturações. Nos Estados Unidos as
companhias ferroviárias foram desde o princípio privadas, mas sob a
forte regulação do Estado. Ao final da década de 1970, houve um pro-
cesso de desregulamentação que permitiu abandonar a prestação de
serviço em malhas que não eram econômicas e/ou transferir para em-
presas regionais e locais (WATERS II, 2007). Após 1992, as grandes em-
presas ferroviárias americanas passaram aproximadamente 30.088 km
de linhas para operadoras locais e regionais.
Em 2013, a ANTT autorizou7 a devolução de 3.989 km de vias
pela Ferrovia Centro-Atlântica (FCA). Como base nesse precedente,
outras regiões com ferrovias subutilizadas podem questionar a atuação
da ANTT no sentido de cobrar o cumprimento do contrato das conces-
sionárias, a fim de evitar futuras devoluções e maiores danos àfluidez
regional. Inclusive, existem várias ações judiciais contra as concessioná-
rias ferroviárias, mas a maioria das decisões do judiciárioéfavorávelàs
empresas.

7 Agência Nacional de Transporte Terrestre (ANTT). Resolução de 03 de Julho de 2013.

200 UUU ?ÀVˆœÊ,œ}jÀˆœÊ-ˆÛiˆÀ>ÊUʏiÃÃ>˜`À>Ê`œÃÊ->˜ÌœÃÊՏˆœ


O descaso da ALL com trechos ferroviários que, segundo a empre-
sa, não possuem viabilidade econômica e a omissão da ANTT conduziu
o Ministério Público Federal a entrar com uma representação junto ao
Tribunal de Contas da União (Processo 016.848/2011-0). O Tribunal de
Contas da União emitiu parecer, em 2012, determinando prazos para a
ALL-Malha Sul apresentar um plano de providência para execução dos
serviços de manutenção da via. Contudo, a ALL recorreu e,por meiode
recursos jurídicos, conseguiu se eximir dos pagamentos. Houve outros
processos contra a empresa em função de poluição sonora e danos ao
meio ambiente também no Mato Grosso do Sul8.
A malha no Mato Grosso do Sul não foge a essa realidade de fal-
ta de investimentos nas vias e material rodante. Alguns trechos figu-
ramcomo subutilizados há anos, como consta na Deliberação nº 124, de
2011, da ANTT. O documento cita como subutilizados o trecho Indu-
brasil-Ponta Porã, de 304 km e o ramal de Ladário, de 5 km de extensão.
Apesar de odocumento mencionar apenas os dois trechos, o Sindicato
dos Ferroviários vem denunciando na mídia a constante redução do
fluxo de cargas na malha do estado, assim como, o corte no número de
funcionários (SINDICATO DE TRABALHADORES EM EMPRESAS
FERROVIÁRIAS DE BAURU, MS e MT, 2015).
Apesar das recomendações do CADE quanto à atuação da nova
ALL/Rumo, o serviço da concessionária ferroviária provavelmen-
te atenderá as necessidades do grupo, haja vista as premências de um
transporte eficiente da sua produção e os motivos que levaram a jun-
ção das empresas. O Grupo Cosan possui unidades em Goiás (cana-
de-açúcar, soja e milho), Mato Grosso (cana-de-açúcar, soja, milho e
algodão) e Mato Grosso do Sul (cana-de-açúcar e etanol). Logo, a de-
manda do próprio grupo pelo sistema ferroviário é grande. Contudo, a
presença de um sistema de transporte é uma demanda de toda a região
Centro-Oeste.

8 Inquérito Civil nº 23/2011 (DIÁRIO OFICIAL – DOMP-MS, 2015) e Inquérito Ci-


vil nº 19/2012 (DIÁRIO OFICIAL – DOMP-MS, 2014).

A INTEGRAÇÃO FERROVIÁRIA NACIONAL E O DESENVOLVIMENTO DOS MERCADOS INTERNO E EXTERNO UUU 201
A Malha Oeste e a Malha Norte da ALL ligam o Centro-Oeste aos
portos do Sul e Sudeste do Brasil (figura 1). A maior parte das cargas de
soja do Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Goiás são escoadas pelos-
Porto de Santos e Paranaguá (SPNT/MT, 2012). Outros fatores, além
da qualidade da via, custos de transportes e proximidade, inferem na
escolha dos portos para a exportação e no custo final dos produtos, tais
como: a questão normativa e tributária e as rotas dos navios cargueiros.
Amenizar os fatores da renda diferencial, como produtividades do solo
e custos de transportes para insumos e escoamento da produção é uma
necessidade constante nas áreas mais distantes dos centros de consumo
e dos pontos nodais de exportação. Lembrando que os fatores de com-
petitividade relacionados aos custos de transportes incluem os sistemas
de logística, de normas e tributação e os custos de armazenamento.
FIGURA 1. Malha férrea nacional e ferrovias no estado do
Mato Grosso do Sul, 2014.

* Na malha nacional constam as vias abandonadas e os ramais desativados.

202 UUU ?ÀVˆœÊ,œ}jÀˆœÊ-ˆÛiˆÀ>ÊUʏiÃÃ>˜`À>Ê`œÃÊ->˜ÌœÃÊՏˆœ


Segundo estudo da Confederação Nacional de Transporte (CNT)
(2011), a ALL Malha Oeste e a ALL Malha Norte integram o corredor
Corumbá-Santos e o corredor Santos, respectivamente. O primeiro é
um corredor de importância estratégica por ligar Corumbá, principal
município exportador do estado aos portos do Sudeste, com destaque
para o terminal da Vale em Santos, usado para movimentar amoníaco
e granéis sólidos. Esses corredores são responsáveis pelo escoamento de
grãos, de açúcar, de celulose e de minério de ferro. O corredor Santos é
de grande relevância para o Mato Grosso, pois a Malha Norte é a única
ferrovia que atende ao estado.
A Malha Oeste faz conexão com a Hidrovia Paraguai-Paraná em
Corumbá (Porto Gregório Curvo), a qual é utilizada pela Vale para es-
coamento de minério de ferro para o Paraguai e Argentina, inclusive
em função da baixa capacidade da malha férrea (MENEZES, 2014). As
duas ferrovias do estado cruzam a Hidrovia Tietê-Paraná, porém, a in-
termodalidade ainda é muito incipiente, principalmente em função dos
interesses das concessionárias, usuários das ferrovias e problemas téc-
nicos das hidrovias, como vãos estreitos das pontes, baixa profundidade
de alguns trechos, falta de sinalização e necessidades de investimentos,
como em novas eclusas. Assim, esses modais, exclusivamente eficientes
para grandes distâncias, são pouco explorados num país de dimensões
continentais como o Brasil.
As duas malhas ferroviárias ainda atravessam áreas urbanas de
alta densidade no estado de São Paulo. A ALL-Malha Norte também
faz conexão com a MRS Logística e compartilha dos trilhos com a
Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM). Existem outros
problemas como a falta de manutenção da via e do material rodante.
Esses aspectos resultam em uma baixa eficiência e baixa velocidade das
composições. De acordo com dados do Relatório da ANTT (2013), tanto
a Malha Oeste quanto a Malha Norte possuem velocidade média de co-
mércio de 13,5 km/h. A média nacional para o mesmo ano foi de 23,43
km/h. A Pesquisa CNT de Ferrovias (2011) apresenta a velocidade por
trechos e nos seus dados é possível identificar que alguns possuem uma

A INTEGRAÇÃO FERROVIÁRIA NACIONAL E O DESENVOLVIMENTO DOS MERCADOS INTERNO E EXTERNO UUU 203
média maior, como é o caso das últimas extensões da Malha Norte,
inaugurada pela ALL, ao mesmo tempo, em trechos mais antigos ou
que atravessam áreas urbanas a velocidade é bem menor. A baixa velo-
cidade incide na competitividade do produto no mercado externo, pois
aumenta o tempo de circulação da mercadoria, o qual redunda em um
maior tempo de rotação do capital (tempo de produção + tempo de cir-
culação) (MARX, 2011). Quanto mais o tempo de circulação aproxime-
se de zero, mais funciona o capital, maior se torna sua produtividade e
produção de mais-valia (MARX, 2011).
As tabelas 1 e 2 demonstram as principais cargas transportadas
pelas respectivas ferrovias no ano de 2013. A Malha Norte transportou
principalmente soja, farelo de soja e milho (92% sobre o total de TKU
transportado). A tabela confirma que a ferrovia é utilizada basicamente
por grandes grupos exportadores que atuam nos estados de Mato Gros-
so e Mato Grosso do Sul. Esses dados exemplificam também a valori-
zação de alguns corredores em detrimento de outros, posto que a carga
está concentrada em espaços específicos.
TABELA 1. Carga transportada América Latina Logística Malha Norte S.A, 2013.
TU – tonelada TKU – tonelada
Grupo Mercadoria Subgrupo Mercadoria Mercadoria
útil quilômetro útil
Combustíveis, derivados do Combustíveis, derivados do
Álcool 561.472 549.021.250
petróleo e álcool petróleo e álcool
Outras mercadorias Contêiner Contêiner cheio de 20 Pés 1.550 2.386.128
Outras mercadorias Contêiner Contêiner cheio de 40 Pés 297.612 421.576.128
Outras mercadorias Contêiner Contêiner vazio de 20 Pés 159 128.065
Outras mercadorias Contêiner Contêiner vazio de 40 Pés 528 316.798
Setor agrícola, extração
Extração vegetal e celulose Celulose 578.792 538.692.712
vegetal e celulose
Setor agrícola, extração
Produção agrícola Grãos-milho 6.576.884 10.016.457.990
vegetal e celulose
Setor agrícola, extração
Soja e farelo de soja Farelo de soja 1.918.625 2.666.428.364
vegetal e celulose
Setor agrícola, extração
Soja e farelo de soja Soja 4.480.637 6.399.061.906
vegetal e celulose
Total 14.416.259 20.594.069.341

Fonte: ANTT, 2013.

A Malha Oeste transportou uma quantidade menor de mercado-


rias (em toneladas km útil), com destaque para o escoamento de miné-

204 UUU ?ÀVˆœÊ,œ}jÀˆœÊ-ˆÛiˆÀ>ÊUʏiÃÃ>˜`À>Ê`œÃÊ->˜ÌœÃÊՏˆœ


rio de ferro e extração vegetal e celulose. O minério de ferro é extraí-
do das duas mineradoras da Valeem Corumbá e a celulose é carregada
no município de Três Lagoas, onde se localizam as empresas Eldorado
Brasil Celulose S/A e Fibria-MS Celulose Sul Mato-Grossense Ltda. Di-
ferentemente da Malha Norte, essa ferrovia atende exclusivamente as
necessidades do estado sul-mato-grossense, mais especificamente as
empresas de celulose e as minas da Vale. A tabela demonstra a realida-
de, já apontada como o abandono de alguns trechos férreos, haja vista
a concentração dos principais produtos transportados em duas regiões
específicas do estado.
TABELA 2. América Latina Logística Malha Oeste S.A., 2013.
TU – tonelada TKU – tonelada
Grupo Mercadoria Subgrupo Mercadoria Mercadoria
útil quilômetro útil
Combustíveis, derivados do Combustíveis, derivados do
Álcool 94.975 98.034.670
petróleo e álcool petróleo e álcool
Combustíveis, derivados do Combustíveis, derivados do
Gasolina 2.784 3.682.567
petróleo e álcool petróleo e álcool
Combustíveis, derivados do Combustíveis, derivados do
Óleo diesel 18.923 18.948.225
petróleo e álcool petróleo e álcool
Indústria siderúrgica,
Granéis minerais Manganês 930 1.186.766
cimento e construção civil
Indústria siderúrgica,
Indústria siderúrgica Ferro gusa 83.547 106.777.146
cimento e construção civil
Indústria siderúrgica, Prd. siderúrgicos – bobina
Indústria siderúrgica 34 44.107
cimento e construção civil – BF
Indústria siderúrgica,
Indústria siderúrgica Prd. siderúrgicos – outros 102.032 132.361.112
cimento e construção civil
Minério de ferro Minério de ferro Minério de ferro 3.537.477 417.492.344
Setor agrícola, extração
Adubos e fertilizantes Sal 8.558 8.826.589
vegetal e celulose
Setor agrícola, extração
Extração vegetal e celulose Celulose 775.976 696.229.721
vegetal e celulose
Total 4.625.236 1.483.583.247

Fonte: ANTT, 2013.

A malha ferroviária, da mesma forma que as outras infraestru-


turas de transportes, a logística e o sistema de normas e tributação são
importantes fatores na competitividade territorial(SILVEIRA, 2014). A
manutenção apenas das vias que interessam a determinadas empresas
e grandes corporações representam um fator que reforça as desigualda-
des regionais. Portanto, o modal ferroviário no Mato Grosso do Sul, e

A INTEGRAÇÃO FERROVIÁRIA NACIONAL E O DESENVOLVIMENTO DOS MERCADOS INTERNO E EXTERNO UUU 205
no Brasil como um todo, é um demonstrativo da contradição do siste-
ma capitalista.

3. COMÉRCIO INTERNACIONAL, AUMENTO DA PRODUÇÃO


E A DEMANDA DO SETOR DE TRANSPORTES
No primeiro decênio do século XXI, o Brasil viveu um período de
mudanças no que concerne às políticas públicas, principalmente quan-
to à retomada dos investimentos públicos em obras de infraestruturas,
inclusive na expansão da malha ferroviária, por meioda implantação do
Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). O PAC foi um projeto
interministerial responsável também pela retomada da discussão sobre
o planejamento de longo prazo no país. Por meiodesse programa, o go-
verno federal buscou resolver gargalos infraestruturais, induzir novos
investimentos e atender as demandas postas pelo crescimento. A reto-
mada dos projetos nacionais de infraestruturas foi uma resposta do país
em face de um projeto de desenvolvimento, crescimento da produção e
do aumento da demanda global. Sendo também uma forma de conduzir
os ativos e poupanças do mercado financeiro para a esfera produtiva.
Algumas medidas do governo que influenciaram diretamente
oaumento da produção estão relacionadas ao mercado externo, os quais
exigem maior demanda dos sistemas de transportes, armazenamento e
logística. Os acordos comerciais realizados internacionalmente na es-
cala Sul-Sul, principalmente com a China e o Mercosul, estimularam o
aumento das exportações. Assim, o melhor desempenho da economia
nacional, nos últimos anos, foi resultado de uma política pública, mas
também do contexto internacional favorável, o qual diminuiu a fragili-
dade das finanças internacionais do país. O superávit comercial permi-
tiu ao governo Lula da Silva abrir quatro trincheiras: 1) a capitalização
dos setores ligados ao agronegócio, a produção mineral e serviços de ex-
portação e, por conseguinte, algum tipo de reinvestimentos produtivos
e geração de poupança desses setores; 2) o equilíbrio das contas nacio-
nais, superávits primários e aumento das reservas internacionais; 3) o
financiamento do aumento da demanda interna (consumo interno) por

206 UUU ?ÀVˆœÊ,œ}jÀˆœÊ-ˆÛiˆÀ>ÊUʏiÃÃ>˜`À>Ê`œÃÊ->˜ÌœÃÊՏˆœ


meiode isenções fiscais, créditos, entre outras medidas e; 4) os investi-
mentos em infraestruturas ligadas às exportações e, por conseguinte,
geração de emprego e renda na construção civil pesada (efeito multipli-
cador interno e setorial). A mudança política brasileira, com um gover-
no pactuado com os setores agroexportadores, contribuiu, por algum
tempo, com a expansão do mercado interno por meio da superação dos
déficits comerciais do Brasil.
A balança comercial brasileira dos últimos anos (tabela 3) apre-
sentou superávit, um avanço em relação o final da década de 1990. Na
segunda metade da década de 1990 até 2000, a balança comercial de-
monstrou constantes déficits ocasionados pela desvalorização do Real,
pela política cambial e por significativas mudanças no que concerne às
alíquotas de importações. Essas medidas resultaram no aumento da im-
portação e do desemprego, com expressão nos índices de desigualdade
regional.
A baixa do saldo da balança comercial após 2009 está relacio-
nada aos efeitos da crise internacional, iniciada em 2007, nos Estados
Unidos. A forte queda no ano de 2013 está vinculada ao setor de pe-
tróleo e derivados. Houve um aumento das importações do setor em
decorrência da manutenção programada de plataformas e de refinarias
(MDIC, 2014). O resultado das exportações em 2014 teve como um dos
fatores a queda dos preços de algumas commodities, como o minério de
ferro e o petróleo, além disso, a crise na Argentina reduziu a exportação
de automóveis e outros países também amorteceram a importação. Em
função desse cenário, no último ano, o Brasil apresentou um déficit da
balança comercial.

A INTEGRAÇÃO FERROVIÁRIA NACIONAL E O DESENVOLVIMENTO DOS MERCADOS INTERNO E EXTERNO UUU 207
TABELA 3. Balança comercial brasileira (US$ 1000 FOB), 1998-2014.
Exportação Importação PIB em Variação
Ano Var. Var. Saldo milhões de Percentual
Valor Valor R$ de 2014 Real
(%) (%)
1998 51.139.862 --- 57.763.476 --- -6.623.614 3.380.725.96 0,4
1999 48.012.790 -6,11 49.301.558 -14,65 -1.288.768 3.397.271.55 0,5
2000 55.118.920 14,80 55.850.663 13,28 -731.743 3 546 144.86 4.4
2001 58.286.593 5,75 55.601.758 -0,45 2.684.835 3 591 393.87 1.3
2002 60.438.653 3,69 47.242.654 -15,03 13.195.999 3 701 872.79 3.1
2003 73.203.222 21,12 48.325.567 2,29 24.877.655 3 747 165.46 1.2
2004 96.677.497 32,07 62.835.616 30,03 33.841.882 3 959 246.92 5.7
2005 118.529.184 22,60 73.600.376 17,13 44.928.809 4 083 929.95 3.1
2006 137.807.470 16,26 91.350.841 24,12 46.456.629 4 247 298.93 4.0
2007 160.649.073 16,58 120.617.446 32,04 40.031.627 4 502 390.10 6.0
2008 197.942.443 23,21 172.984.768 43,42 24.957.675 4 728 319.78 5.0
2009 152.994.742 -22,71 127.722.343 -26,17 25.272.399 4 717 238.66 -0.2
2010 201.915.276 31,98 181.768.427 42,32 20.146.848 5 074 363.77 7.6
2011 256.039.366 26,81 226.246.756 24,47 29.792.610 5 273 049.15 3.9
2012 242.572.846 -5,26 223.183.477 -1,35 19.389.369 5 366 041.81 1.8
2013 242.178.649 -0,16 239.627.495 7,37 2.551.155 5 513 184.28 2.7
2014 225.100.884 -7,00 229.140.035 -4,5 -4.039.150.352 5 521 256.07 0.1
Fonte: Secex, Base ALICE, IBGE, Banco Central do Brasil (2015).

No que se refere à política interna, a opção pelo superávit comer-


cial (com a exportação de produtos básicos), juntamente com o desen-
volvimento de uma política social e medidas para expansão do merca-
do interno, auxiliaram para uma maior estabilidade do Brasil e para o
enfrentamento da crise de 2008. Apesar da queda do PIB em 2009, em
função da crise, o crescimento foi retomado no ano seguinte. A partir
de 2011, o quadro internacional está mais desfavorável, os resultados
da balança comercial de 2014 e da variação real do PIB são indicativos
da mudança do cenário internacional e de seus reflexos na econômica
nacional. Nesse contexto, em 2015, o governo federal realizou um ajus-
te fiscal, incorporando uma política econômica ortodoxa pautada pela
oposição, com o objetivo de manter o equilíbrio das contas públicas. É
claro, também, que o pacto de poder entre capital e trabalho, que garan-
tiu a vitória de Lula da Silva e Dilma Rousseff nas eleições presidenciais
de 2002, 2006 e 2010, foi redefinida entre os anos de 2012 e 2014. Isso le-

208 UUU ?ÀVˆœÊ,œ}jÀˆœÊ-ˆÛiˆÀ>ÊUʏiÃÃ>˜`À>Ê`œÃÊ->˜ÌœÃÊՏˆœ


vou o capital financeiro, os grupos de mídia e parte do capital industrial
para a oposição e, por consequência, alimentando grupos conservado-
res. Enquanto isso, os movimentos sociais e representações de classes de
trabalhadores foram desmontadas por adesão às estruturas de governo
ou definharam ao contentarem-se com algumas políticas públicas e es-
parsas reposições salariais.
Compreender o contexto internacional é importante para ana-
lisar o quadro nacional, as demandas de transportes e as tendências,
principalmente a partir dos novos acordos de investimentos com a Chi-
na, inclusive da Ferrovia Bioceânica. Salientando que a China já é o
principal parceiro comercial do Brasil, destino de 18% das exportações
e origem de 16,3% das importações nacionais, em 2014. A China tam-
bém é o primeiro destino das exportações do Mato Grosso do Sul e
segundo em número de importação, perdendo apenas para a Bolívia,
devido à importação nacional de gás natural (MDIC, 2015).
O Mato Grosso do Sul seguiu o contexto nacional, no que con-
cerne ao aumento da produção para o mercado externo. Os principais
produtos exportados em 2014 (tabela 4) foram: soja, mesmo triturada,
exceto para semeadura (23,43%); pasta química de madeira (20,30%);
carnes desossadas de bovino, congeladas (11,13%) e minérios de ferro
não aglomerados (8,94%) (SECEX/MDIC, 2015). As exportações sul
-mato-grossenses corresponderam a 2,33% do valor total das exporta-
ções nacionais e 2,68% em tonelagem, no ano de 2014.
As maiores empresas exportadoras do Mato Grosso do Sul, ou
seja, aquelas que exportam acima de 50 milhões por ano, foram: Eldo-
rado Brasil Celulose S/A (papéis do tipo ”tissue” (sanitário), imprimir e
escrever, especiais e cartões); Fibria-MS Celulose Sul Mato-Grossense
Ltda (papéis do tipo ”tissue” (sanitário), imprimir e escrever e especiais);
Mineração Corumbaense (Minério de Ferro – Granulados e Sinterfeed);
JBS S/A (carnes bovinas, suínas, aves e derivados); Seara Alimentos Ltda
(carne suína e aves); ADM do Brasil Ltda (oléo de soja, fertilizantes);
Minerva (carne bovina e gado vivo); Bello Alimentos (pedaços de aves);
Bunge Alimentos (soja e seus derivados e algodão) e Monteverde Agro

A INTEGRAÇÃO FERROVIÁRIA NACIONAL E O DESENVOLVIMENTO DOS MERCADOS INTERNO E EXTERNO UUU 209
-energética S.A. (álcool) (MDIC, 2015). Confirmando que as maiores
exportadoras são as grandes usuárias do sistema de transporte ferroviá-
rio no estado, pois seus produtos são típicos do transporte ferroviário,
ou seja, alto peso, volume e distância percorrida para sua efetivação em
mercadoria versus valor agregado.
TABELA 4. Principais produtos exportados pelo Mato Grosso do Sul, 2014.

Produtos exportados US$ F.O.B Part.% Kg Líquido


Total dos produtos exportados 5.228.812.876 99,68 15.489.424.028
1 Soja, mesmo triturada, exceto para semeadura 1.229.119.492 23,43 2.430.892.637
2 Pasta química de madeira de não coníferaa soda/sulfato 1.064.784.647 20,30 2.292.812.923
3 Carnes desossadas de bovino, congeladas 583.778.545 11,13 129.647.573
4 Minérios de ferro não aglomerados 468.978.261 8,94 6.785.084.750
5 Outros açúcares de cana 350.142.050 6,68 925.727.964
6 Pedaços e miudezas, comestíveis de galos/galinhas 314.543.262 6,00 130.012.788
7 Milho em grão, exceto para semeadura 260.489.472 4,97 1.415.150.951
8 Farinhas e "pellets", da extração do óleo de soja 159.001.619 3,03 316.275.839
9 Outros couros bovinos, inclusive búfalos 139.763.030 2,66 37.986.638
10 Carnes desossadas de bovino, frescas ou refrigerados 102.267.515 1,95 17.292.003
Fonte: SECEX, MDIC, 2015.

No que tange as causas de crescimento de alguns setores, Es-


píndola (2013) destacouos fatores da expansão das exportações de
produtos do complexo de soja e das carnes. No caso da soja, foi de-
corrência da demanda asiática, dos ganhos de produtividade e ino-
vações técnicas. No caso da carne, o crescimento no desempenho
estáligado ao melhoramento genético, qualidade das pastagens, ino-
vações em produto, redução da oferta mundial de frango e a con-
quista de novos mercados.
Confirmando esse aspecto na economia sul-mato-grossense,
os dados da tabela 5 demonstram o aumento das exportações no es-
tado. Ela apresenta a exportação por valor agregado. Fica evidente o
aumento dos produtos básicos, mas houve concomitantemente uma
elevação, ainda que menos expressiva, dos produtos semimanufatu-
rados e manufaturados. Lamoso (2013), ao analisar a produção esta-
dual,observouque houve uma ampliação do parque industrial, com

210 UUU ?ÀVˆœÊ,œ}jÀˆœÊ-ˆÛiˆÀ>ÊUʏiÃÃ>˜`À>Ê`œÃÊ->˜ÌœÃÊՏˆœ


aumento da participação da indústria de transformação no PIB. Não
obstante, o maior crescimento do setor básico está atrelado, como
expressouEspíndola (2013), à modernização da agropecuária brasi-
leira, pós-1960. O autor enfatizouos novos segmentos produtivos: a
jusante e a montante no beneficiamento de carnes. Trata-se de uma
série de atividades e serviços que envolvem a produção, distribuição
e consumo. Entre os serviços, os transportes são partes importantes
como estratégia para imprimir maiores ganhos ao movimento cir-
culatório do capital.
As tabelas 4 e 5 expressam que os principais produtos de expor-
tação do Mato Grosso do Sul são de alto peso, grande volume e valor
agregado desproporcional ao peso e ao volume. Para esses produtos,
que necessitam de transportes de longas distâncias e várias fases e for-
mas de armazenamentos, os custos de transportes, armazenamentos
e logística são responsáveis por uma importante parcela dos custos
de produção que, por conseguinte, estão presentes no valor e no pre-
ço9 das mercadorias. Portanto, melhorar o sistema de transporte, via
investimentos em infraestruturas, inovações tecnológicas e aprimo-
ramento da logística são fatores primordiais para ampliar a competi-
tividade. Como corroborou Marx (2011), o progresso técnico e orga-
nizacional nos meios de transportes encurta as distâncias e diminui o
tempo de circulação.

9 Isso porque também há especulação nos valores dos fretes, do armazenamento e de


vários serviços de logística.

A INTEGRAÇÃO FERROVIÁRIA NACIONAL E O DESENVOLVIMENTO DOS MERCADOS INTERNO E EXTERNO UUU 211
TABELA 5. Exportação do estado de Mato Grosso do Sul, por fator agregado
(2000-2015).
TOTAL Básicos Semimanufaturados Manufaturados
Ano/Mês
US$ FOB US$ FOB US$ FOB (A) US$ FOB (B)
2000 253,238,706 204,138,564 19,461,155 29,583,935
2001 473,680,363 406,543,193 35,824,838 31,278,519
2002 384,238,042 296,476,564 49,260,536 38,500,694
2003 498,338,890 369,237,089 73,413,253 55,688,548
2004 644,754,039 435,204,004 141,912,375 67,637,660
2005 1,149,121,782 880,865,931 185,599,459 82,656,392
2006 1,004,338,508 730,402,541 207,954,334 65,382,776
2007 1,297,176,760 994,776,536 238,460,774 62,169,426
2008 2,095,551,415 1,691,621,252 326,436,144 75,277,190
2009 1,937,634,439 1,337,686,603 503,951,403 95,263,496
2010 2,960,507,709 1,916,305,312 853,824,844 188,145,784
2011 3,916,260,636 2,443,236,105 1,280,467,536 190,554,493
2012 4,212,756,213 2,647,521,754 1,357,512,134 205,621,191
2013 5,256,284,227 3,391,805,897 1,717,213,905 146,966,828
2014 5,245,499,753 3,527,726,553 1,606,406,588 111,045,366
Fonte: Secex/MDIC, 2015.

Os sistemas de transportes, de armazenamento e de logística são


fatores importantes para a manutenção e elevação do valor e dos preços
das mercadorias. Cargas perecíveis como carnes, por exemplo, neces-
sitam de um transporte rápido e com sistema de refrigeração para não
perder valor.

“A valorização e a manutenção do valor dependem dos sistemas


de transportes e logística eficientes, pois, segundo Marx (2011),
a proporção de valor que os custos de transportes acrescentam
ao preço da mercadoria está na razão direta do volume e de seu
peso, além da segurança, do dispêndio de trabalho e de meios de
trabalho, da fragilidade do produto, do seu grau de deterioração e
de periculosidade” (SILVEIRA, 2014, p.30).

212 UUU ?ÀVˆœÊ,œ}jÀˆœÊ-ˆÛiˆÀ>ÊUʏiÃÃ>˜`À>Ê`œÃÊ->˜ÌœÃÊՏˆœ


Para o Mato Grosso do Sul, assim como para todo o Centro-Oes-
te, distante dos principais portos, esses fatores se agravam, inclusive em
função de deficiências também do sistema rodoviário. A despeito do
avanço na melhoria das rodovias federais, com as concessões e projetos
do PAC, produtos com as características apresentadas nas exportações
sul-mato-grossenses devem utilizar essencialmente o sistema ferroviá-
rio, haja vista a necessidade de um número maior de caminhões para
transportar a mesma quantidade de carga que uma ferrovia10, além da
emissão de gases poluentes, os congestionamentos, os danos às infraes-
truturas, o excesso de peso e conflitos nos acessos aos portos serem
maiores pelo modal rodoviário. Logo, a ferrovia é a melhor opção, haja
vista as vantagens do modal. Obviamente que essa comparação é refe-
rente ao modal rodoviário, pois o transporte hidroviário marítimo e de
interior é, em muitas situações, mais vantajoso que o ferroviário.
Nesse contexto, existe uma pressão do setor produtivo por mais
investimentos nos setores de transportes. Não somente do setor agrope-
cuário, mas da indústria e também de alguns serviços ligados à movi-
mentação de mercadorias. O investimento em infraestruturas de trans-
portes se apresenta como uma condição sine qua nom para o desenvol-
vimento nacional. Por ora, para superar as deficiências das infraestru-
turas de transportes os produtores, as empresas exportadoras (logística
corporativa) e o próprio governo (logística de Estado) recorrem ao pla-
nejamento, gestão e estratégias logísticas. Sendo a logística, aqui com-
preendida, enquanto estratégia, planejamento e gestão de transportes e
armazenamento (SILVEIRA, 2011).

“Atualmente, o que verificamos é que o comprometimento que o


Brasil assumiu perante o mundo remete à modernização mais
acentuada dos sistemas de transportes e de armazenamento.
Apesar dos avanços, essa modernização infraestrutural é tímida

10 Um vagão graneleiro pode comportar até 100 toneladas de cargas, para transportar
a mesma quantidade seriam necessários 3,57 caminhões tipo graneleiro de carreta
com eixo simples ou 2 caminhões graneleiros de Carreta Eixo Alongado Bidirecio-
nal. Portanto uma composição com 50 vagões pode substituir até 178 caminhões.

A INTEGRAÇÃO FERROVIÁRIA NACIONAL E O DESENVOLVIMENTO DOS MERCADOS INTERNO E EXTERNO UUU 213
se comparada a da logística, principalmente a da logística cor-
porativa que avança a “passos largos” no Brasil. Nesse sentido,
há um descompasso entre a expansão das infraestruturas e do
planejamento e gestão de rotas, armazenamento, etc. A eficiência
operacional hoje é significativa e tenta amenizar os problemas de
infraestruturas que, por um lado, foram solicitadas muito além
da capacidade nacional de implementá-las e, por outro lado, não
são produzidas eficientemente, pois os entraves para sua constru-
ção são enormes” (SILVEIRA, 2014, p.32).

Um exemplo de estratégia logística é o agendamento para a che-


gada dos caminhões no porto de Santos11. Esse tipo de estratégia já es-
tava sendo utilizada por terminais específicos, como o terminal Santos
-Brasil no porto de Santos desde 2007 (DONNER, 2012). Entretanto,
é necessária uma solução emcurto, médio e longo prazos, ou seja, um
planejamento público e privado que contemple a ampliação das infraes-
truturas existentes para atender a demanda atual e futura de fluxos de
mercadorias, pessoas e informações, ou seja, fluxos que, de uma forma
ou de outra, se convertem em fluxos econômicos. As políticas dos úl-
timos governos seguem nesse sentido com o aumento do crédito aos
produtores para construção de armazéns e projetos de expansão das
infraestruturas, mas, apesar de alguns avanços, as infraestruturas fer-
roviárias não cresceram como esperado.
As grandes obras de infraestruturas demandam grandes investi-
mentos e devido à demora no retorno de tais investimentos, a iniciativa
privada não está disposta a arriscar. Ao mesmo tempo, em que a ideo-
logia neoliberal apregoa a livre atuação do mercado sem regulamenta-
ção por parte do Estado, exige-se da instituição pública a construção e
manutenção dos sistemas de transportes, armazenamento e comuni-

11 Em Dezembro de 2013, a Companhia Docas do Estado de São Paulo publicou uma


resolução que determinouque todos os caminhões transportando grãos devem pas-
sar por um pátio regulador credenciado junto à autoridade portuária antes de se
direcionarem aos terminais do porto. O agendamento para chegada dos caminhões
ao porto de Santos é a principal estratégia logística para reduzir os riscos de conges-
tionamento (CODESP, 2013).

214 UUU ?ÀVˆœÊ,œ}jÀˆœÊ-ˆÛiˆÀ>ÊUʏiÃÃ>˜`À>Ê`œÃÊ->˜ÌœÃÊՏˆœ


cação. Ignácio de Mourão Rangel (2005), ao estudar as fases recessivas
dos ciclos internos brasileiros, observava que a cada ciclo se reacendia
o debate do “estatismo versus privatismo”. Nos períodos ascendentes
do ciclo, o Estado assume a responsabilidade pelas atividades que não
interessam à iniciativa privada, contudo, no período recessivo, cessam
as oportunidades de investimentos para o setor privado e o Estado,
consequentemente, fica “sobrecarregado”. Nesse contexto, a capacidade
ociosa12 do setor privado deve ser direcionada para os serviços de uti-
lidade pública, via concessões. Para tanto deve haver uma garantia de
retorno de investimentos para o capital privado. Ampliar a participação
do setor privado nos investimentos de infraestruturas ainda é um de-
safio para o governo federal, o qual tem esse como parte da estratégia
para construção de uma malha férrea integrada. A grande questão está
em identificar os recursos ociosos e criar condições institucionais para
direcionar os mesmos às áreas antiociosas. A resposta e os procedimen-
tos, com a necessidade de atualizações, pois no presente momentohá
aspectos econômicos diferentes das décadas passadas,podem ser encon-
tradas nas obras de Ignácio de Mourão Rangel.

4. ESTRATÉGIAS LOGÍSTICAS CORPORATIVAS E ESTATAIS PARA


AMPLIAÇÃO DA FLUIDEZ TERRITORIAL NO MATO GROSSO DO SUL
O governo de Luíz Inácio Lula da Silva iniciou uma política de
melhoria do gasto público e expansão dos investimentos estatais em
grandes obras de infraestruturas, principalmente com o Programa de
Aceleração do Crescimento (PAC 1), lançado em 2007. As inversões nas
12 Rangel parte da identificação de que o Brasil se desenvolveu por meiode vagas cícli-
cas, as quais possuem um fundo econômico-tecnológico e ocasionaram mudanças
sociais. Esses ciclos brasileiros, aproximadamente decenais, apresentam uma regula-
ridade composta por uma fase expansiva, durante a qual um setor ou grupo de ativi-
dades econômicas expande-se até se por em excesso de capacidade, ao mesmo tempo,
ocorre alterações na estrutura da demanda, de modo que são expostos insuficiências
e estrangulamentos, levando à fase recessiva. A superação da fase recessiva do ciclo
exigirá investimentos que por sua vez deverão utilizar o excesso de capacidade acu-
mulada em um polo (RANGEL, 2005). Com efeito, a oposição dialética entre os dois
polos (polo da capacidade ociosa e polo de investimentos futuros) exige que o Estado
intervenha no sentido de orientar os fluxos financeiros de um polo a outro.

A INTEGRAÇÃO FERROVIÁRIA NACIONAL E O DESENVOLVIMENTO DOS MERCADOS INTERNO E EXTERNO UUU 215
infraestruturas apresentavam como objetivos: eliminar os principais
gargalos de restrição ao crescimento da economia; reduzir custos e au-
mentar a produtividade das empresas; estimular o aumento do investi-
mento privado e reduzir as desigualdades regionais.
As obras do PAC foram baseadas nos estudos e recomendações
do Plano Nacional de Logística e Transporte (PNLT). Trata-se de uma
proposta de longo prazo para o Estado Brasileiro, a qual teve início em
2006 e apontou prioridades de investimentos até 2031. De modo que
ele subsidiaria os planos plurianuais e outros planos de investimentos
prioritários para o desenvolvimento do país.
O PAC 2, lançado em 2011, pela presidente Dilma Rousseff, apre-
sentou uma divisão e objetivos mais claros quanto aos critérios de se-
leção das obras do setor ferroviário. O texto enfatizou que as obras vi-
savam desenvolver um sistema integrado, ligando as áreas de produção
agrícola e mineral aos portos, indústrias e mercado consumidor. Ele
reafirmou todas as obras presentes no PAC 1, posto que, somente algu-
mas estavam em execução, e incluiu novos projetos.
Em 15 de agosto de 2012, o governo federal lançou o Programa de
Investimentos em Logística (PIL). O Programa incluiu um conjunto de
projetos visando o desenvolvimento de um sistema de transportes mo-
dernos e eficientes, os quais deveriam ser realizados por meio de par-
cerias com o setor privado. Destarte, ele previu a transferência de parte
da construção e da manutenção de trechos ferroviários e rodoviários
via concessão à iniciativa privada. De fato, o maior objetivo do governo
com o PIL foi ampliar a participação do setor privado. O aumento da
participação do setor privado na ampliação das infraestruturas é uma
decisão importante para expandir os investimentos e a eficiência da
rede ferroviária de transporte. Temos que ter clareza que concretamen-
te nunca existiu uma rede ferroviária nacional, mas o que temos é um
conjunto de redes regionais desintegradas e pouco organizadas.
O PIL definiu 16 trechos ferroviários a serem construídos, em um
total de 11,5 mil km de linhas férreas, perfazendo um investimento de

216 UUU ?ÀVˆœÊ,œ}jÀˆœÊ-ˆÛiˆÀ>ÊUʏiÃÃ>˜`À>Ê`œÃÊ->˜ÌœÃÊՏˆœ


R$ 91 bilhões. Desses, dois teriam um impacto direto nos fluxos econô-
micos circulantes pelo estado do Mato Grosso do Sul: a extensão do tre-
cho sul da Ferrovia Norte-Sul de Estrela d’Oeste/SP até Doutrados/MS,
conectando o estado aos portos do Norte e o trecho entre Engenheiro
Bley/PR até Maracaju/MS, ligando o Mato Grosso do Sul via ferrovia até
o porto de Paranaguá. Esseúltimo trecho é basilar para o escoamento
da produção de soja da porção meridional do estado para o porto para-
naense. Esse trajeto é realizado atualmente pelo modal rodoviário.
Os investimentos públicos no modal vêm apresentando um au-
mento desde 2003, apesar disso, a ferrovia representa somente 7,8% do
total dos investimentos em transportes da União. Existe também uma
série de entraves para o cumprimento dos prazos das obras, entre os
principais estão os erros na elaboração do projeto, a morosidade no li-
cenciamento ambiental e a desapropriação fundiária. A questão da ter-
ra é o maior entrave para a execução das obras dentro dos prazos, face
o papel da renda da terra e a especulação fundiária no Brasil. A demora
nos processos de ajuste entre a ValecEngenharia, Construções e Ferro-
vias S.A e órgãos como a Fundação Nacional do Índio (FUNAI) e o Ins-
tituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) também
é um complicador para o prosseguimento de alguns trechos.
A Ferrovia Norte-Sul (EF-151) é com certeza o exemplo mais ilus-
trativo, posto que a mesma está em construção desde o final da década
de 1980. O primeiro trecho da EF-151, entre Açailândia/MA e Palmas/
GO, foi subconcedida pela Valec à Vale S.A., no mesmo modelo de con-
cessão da década de 1990, pelo período de 30 anos. O segundo trecho
entre Palmas/TO e Anápolis/GO ainda não está em operação, apesar de
ter sido inaugurado pela presidente Dilma Rousseff, em 22 de maio de
2014, pois a maior parte da malha ainda carece de obras paralelas, como
armazéns e terminais intermodais. A Ferrovia Norte-Sul, trecho sul en-
tre Anápolis/GO e Estrela D’Oeste/SP, está sendo construída e a pre-
visão do governo federal é que o trecho seja concluído no ano de 2016.
A iniciativa dos últimos governos de retomar os investimentos na
ampliação das infraestruturas é extremamente importante, contudo, os

A INTEGRAÇÃO FERROVIÁRIA NACIONAL E O DESENVOLVIMENTO DOS MERCADOS INTERNO E EXTERNO UUU 217
entraves à execução das obras e as deficiências da malha existente man-
témum cenário onde os custos internos dos transportes para algumas
regiões ainda são altos. Um estudo realizado por Moreira (2014) bus-
cou quantificar os custos dos transportes das mercadorias destinadas à
exportação. E os dados apresentados corroboram que esses impactam
diretamente nas exportações. Entretanto, a metodologia da pesquisa
não inclui os custos de armazenamento, pedágios e outras taxas, os
quais também variam de acordo com as rotas selecionadas. Como, por
exemplo, as rodovias paulistas que apresentam ótima qualidade, mas
possuem os pedágios mais caros do país. Assim, considerando que a
metodologia se baseou nas rotas de menor custo, ela não demonstra
necessariamente as rotas utilizadas pelas empresas.
Ao correlacionar os dados encontrados na pesquisa e as obras
previstas pelo governo federal, Moreira (2014) apontouque as melho-
rias previstas contribuirão para a diminuição dos custos de transpor-
tes, principalmente, das mercadorias de baixo valor agregado. Outro
aspecto interessante é que os grandes projetos de expansão ferroviária
estão localizados nas regiões com menor desenvolvimento do sistema
de transporte nacional, assim, a conclusão das obras poderia ser uma
contribuição para a diminuição das desigualdades regionais, contudo,
para se alcançar esse resultado seria necessária uma série de políticas
conjuntas voltadas para o crescimento da produção e real atendimen-
to às necessidades regionais. Esse assunto remete às análises sobre o
desenvolvimento brasileiro realizado por Ignácio de Mourão Rangel.
Para Rangel (2005), “(...) o desenvolvimento é um processo de conflitos
internos e externos. Uma economia em desenvolvimento não resolve
um problema sem criar outro ainda maior. Por isso, a história do desen-
volvimento econômico do Brasil só pode ser a história de desequilíbrios
e de problemas que geram problemas” (RANGEL, 2005, p.41)13.
Além disso, os custos de transportes não são os únicos fatores
que determinam a competitividade do produto nacional destinado à ex-

13 Parte do trabalho apresentado em espanhol no fim do curso de capacitação da Co-


missão Econômica para a América Latina (Cepal), Santiago do Chile, em 1954.

218 UUU ?ÀVˆœÊ,œ}jÀˆœÊ-ˆÛiˆÀ>ÊUʏiÃÃ>˜`À>Ê`œÃÊ->˜ÌœÃÊՏˆœ


portação. No chamado “CustoBrasil”, estão inclusos os custos de mão
de obra, encargos sociais, entre outros tributos e subsídios, dumping,
antidumping e outras estratégias comerciais que recaem sobre a compe-
titividade das exportações brasileiras.
O processo de investimentos em grandes obras de infraestru-
turas do governo federal foi barrado pela desaceleração da economia
brasileira no ano de 2015. Para tentar manter o superávit, o governo
federal realizou uma série de cortes no orçamento. Vários setores fo-
ram afetados e, apesar da importância impreterível dos investimentos
em infraestruturas, o PIL também teve cortes. Para o modal ferroviá-
rio foram mantidos os projetos de maior importância, como a ferrovia
que ligará o Rio de Janeiro/RJ a Vitória/ES; o trecho entre Lucas de Rio
Verde/MS à Mirituba/PA, o trecho da Ferrovia Norte-Sul de Barcarena/
PA à Açailândia/MA e a finalização do trecho da Ferrovia Norte-Sul
até Estrela d’Oeste. O trecho que ligaria Estrela d’Oeste até Dourados/
MS foi alterado e o projeto atual prevê a expansão da via férrea até Três
Lagoas/MS. O novo PIL também prevê um novo projeto: o corredor
Bioceânico que deverá passar pelo Centro-Oeste, mas especificamente,
por Mato Grosso e Goiás, até Porto de Ilo, no Peru.
A alteração do traçado da Ferrovia Norte-Sul, a qual deveria se-
guir até Dourados, mas de acordo com o novo projeto será concluída
em Três Lagoas, representa a manutenção do projeto de integração da
Malha Oeste à EF-151. Contudo, com menores custos, haja vista que a
extensão do ramal será menor. O objetivo é atender os interesses das
grandes empresas exportadoras do Centro-Oeste, conectando as re-
giões agroexportadoras e mineradoras aos portos. A escolha desses
trechos evidencia a tentativa de atrair maior participação da iniciativa
privada, haja vista o interesse de grandes empresas na concretização dos
projetos, principalmente, as que possuem concessões ferroviárias, como
a Vale e a Cosan.
A reconfiguração dos traçados coloca algumas regiões e cidades
em evidência, em detrimentos de outras. A presença das infraestruturas
de transportes pode contribuir para a valorização e desvalorização do

A INTEGRAÇÃO FERROVIÁRIA NACIONAL E O DESENVOLVIMENTO DOS MERCADOS INTERNO E EXTERNO UUU 219
espaço geográfico, como já identificado em Marx (2011). No Brasil, exis-
tem vários exemplos de concentrações produtivas e valorização de espa-
ços, a partir da instalação de infraestruturas. As infraestruturas, bem
planejadas, servem de atração para diversificadas atividades econômi-
cas, podendo, portanto, ser precursoras de concentrações econômicas
(produtivas, logísticas, entre outras). Vide o caso do porto de Itajaí, em
Santa Catarina, que, em essência, é o precursor de um arranjo de em-
presas denominado de “complexo logístico do Itajaí”, pois ao longo do
rio Itajaí, nos municípios de Itajaí e Navegantes, concentram-se serviços
de transportes, de armazenamento, de logística e algumas atividades
produtivas acessórias desses.
Dado o momento econômico do país e os problemas identificados
para o avanço das obras, a lista de projetos apresentadosno novo PIL é
mais realista e atende mais diretamente os interesses privados, inclu-
sive das atuais concessionárias. A estratégia do Estado com as novas
medidas do PIL é manter as concessões antigas e realizar investimentos
para ampliação da capacidade de tráfego e melhoria com novos pátios,
redução dos problemas nas passagens de nível e trechos urbanos. Esses
investimentos,queserãorealizados conjuntamente com as atuais conces-
sionárias, deverão ser financiados com recursos públicos, via BNDES,
como ocorreu nos últimos anos, portanto, o Estado ainda será respon-
sável por uma grande parte dos mesmos.
A conservação das inversões em infraestruturas de longo prazo
representa uma continuidade, apesar de menos ambiciosa, de dinami-
zação da economia interna, por meioda geração de demanda em outros
setores. Contudo, a manutenção do modelo de concessão vertical, ou
seja, a concessionária é responsável pelas infraestruturas, investimen-
tos e operação da malha férrea evidencia o atendimento dos interesses
das concessionárias, uma proposta que visa viabilizar investimentos de
médio e longo prazos (e que, como tal, possuem um longo período de
retorno) nas atuais concessões. Porém, o histórico dos baixos investi-
mentos nos fixos, pelas concessionárias, nos últimos anos, permite uma
série de questionamentos sobre a respectiva proposta. Ela vai requerer

220 UUU ?ÀVˆœÊ,œ}jÀˆœÊ-ˆÛiˆÀ>ÊUʏiÃÃ>˜`À>Ê`œÃÊ->˜ÌœÃÊՏˆœ


uma atuação mais sólida e ativa da ANTT, caso contrário os problemas
atuais serão ampliados e o país permanecerá sem um sistema ferroviá-
rio integrado, o qual é impreterível para uma estratégia de desenvolvi-
mento nacional.
O Brasil precisa de um sistema ferroviário que seja integrado e
não apenas que ligue locais específicos de produção aos portos e que,
em certas situações, atendem somente a grupos econômicos exclusivos,
ao invés da economia regional e nacional. A integração das malhas já
existentes no estado do Mato Grosso do Sul com a Ferrovia Norte-Sul
permitiria o escoamento da produção pelos portos do Norte do país
e abriria possibilidades para outros produtores interessados no uso do
transporte ferroviário. No caso da concretização da Ferrovia Norte-Sul
até o porto de Rio Grande/RS abriria a possibilidade de escoamento da
produção do Centro-Oeste pelos portos do Sul do país, além de ampliar
o alcance das ferrovias para a formação de uma rede nacional, ao invés
de várias redes regionais.
O que temos hoje são corredores, quer dizer, redes lineares, des-
conexas e com nós somente na sua extensão, nós, que na maioria dos ca-
sos, só realizam intermodalidade com o transporte rodoviário. Outras
oportunidades também podem surgir com a viabilização da Ferrovia
Bioceânica, ampliando a integração com a América do Sul, promoven-
do a saída pelo Pacífico para os produtos brasileiros e, pelo Atlântico,
para alguns países da América do Sul.
A integração da malha férrea nacional e a real permissão de di-
reito de passagem, a saber: quando uma concessionária permite a outra
trafegar na sua malha, mediante remuneração, são fatores também ne-
cessários para um aumento do modal ferroviário na matriz de trans-
porte nacional e atendimento a um maior número de expedidores.
Ademais, a conformação de grandes eixos ferroviários pode ace-
der em corredores de transportes de cargas. Para esse fim, se faz pre-
mente a construção de áreas de armazenamento e a intermodalidade
com outros modos de transportes, inclusive para fomentar o desenvol-

A INTEGRAÇÃO FERROVIÁRIA NACIONAL E O DESENVOLVIMENTO DOS MERCADOS INTERNO E EXTERNO UUU 221
vimento regional e não apenas o atendimento às necessidades dos seto-
res ligados à exportação. Considerando que a maior parte da produção
nacional é exportada pelos portos do Sul e Sudeste, a expansão dos por-
tos das outras regiões também é premente, de modo a garantir que real-
mente haja uma melhoria dos sistemas de transportes nacionais e uma
redução das desigualdades regionais. Posto que, conforme já apontado,
os acessos ferroviários aos portos de Santos e Paranaguá atravessam re-
giões densamente urbanizadas, o que demanda uma diminuição ainda
maior da velocidade de trânsito do trem, implicando em problemas nas
passagens de nível e o compartilhamento da malha férrea.
Além da “logísticas de Estado” (planejamento, gestão e estratégias
de fluxos, rotas, construção de infraestruturas, normatização e tributa-
ção) de responsabilidade do poder público, há a logística corporativa
(estratégia, planejamento e a gestão de transportes e armazenamento)
realizada pelas empresas. Caso esses dois ambientes funcionem juntos e
harmonicamente, a fluidez territorial será ideal para a diminuição dos
custos de transportes e aumento da competitividade de uma região e de
um país. Seus usos corretos e sobrepostos podem implicar em correções
nas desigualdades regionais, pois o desenvolvimento de um espaço po-
derá ser melhor planejado.
Para a expansão do modal ferroviário, identificamos alguns dos
aspectos das estratégias logísticas do Estado e alguns interesses corpora-
tivos na implementação das inversões públicas. No entanto, para enten-
der o modal é necessário também realizar alguns apontamentos sobre a
logística corporativa, mais especificamente, dos principais usuários do
modal ferroviário no país e das atuais concessionárias. Lembrando que
no atual contexto, existe uma linha muito tênue entre esses dois agen-
tes, basta recordarmos os principais acionistas das ferrovias.
Após as concessões ferroviárias, houve mudanças nas estraté-
gias competitivas adotadas pelas empresas em detrimento da amplia-
ção das infraestruturas e materiais rodantes (SILVEIRA, 2007). Dessa
maneira, as concessionárias passaram a investir na modernização dos
sistemas de comunicação, sinalização, equipamentos e dispositivos que

222 UUU ?ÀVˆœÊ,œ}jÀˆœÊ-ˆÛiˆÀ>ÊUʏiÃÃ>˜`À>Ê`œÃÊ->˜ÌœÃÊՏˆœ


proporcionam aumento da segurança operacional, redução de acidentes
e otimização do material rodante (REVISTA FERROVIÁRIA, 2014).
As concessionárias priorizaram a busca por economias de escala, re-
legando assim a questão da qualidade do serviço prestado ao cliente
(FLEURY, 2012). A baixa velocidade média comercial, já apresentada, é
um claro demonstrativo dessa realidade.
Conquanto, é necessário frisar que esse tipo de estratégias – as
quaisresultam na otimização dos lucros corporativos em curto e médio
prazos – possui limites, por maiores que sejam as inversões em logística
e comunicação, pois o material rodante e a via férrea, com o passar dos
anos, necessitam de renovações. Ademais, ao limitar os investimentos
na ampliação dos materiais rodantes e na ampliação das infraestrutu-
ras, ou seja, na instalação de capital fixo, impede-se a geração de um
efeito multiplicador para a economia.
Houve alguns investimentos destinados à ampliação do número
de vagões e locomotivas, especialmente, a partir de 2003, em decorrên-
cia da elevada idade da frota ferroviária. A empresa Vale S.A., após a
comprada FCA, adquiriu novos vagões para o transporte de minérios.
Os novos vagões foram financiados pelo BNDES. Ao total, foram R$
182 milhões para aquisição de 689 vagões ferroviários de carga (BN-
DES, 2012). No entanto, não houve grandes inversões na aquisição de
contêineres porque a maioria das cargas transportadas, pelas conces-
sionárias, não necessitam ser conteinerizadas, posto que são granéis e,
portanto, exportadas em navios graneleiros.
O baixo investimento em material rodante conduziu algumas
empresas, que são clientes das concessionárias, a adquirir seus próprios
contêineres e vagões, caso da Cosan e da Cargill, que utilizam os ser-
viços da ALL e da MRS Logística S.A. Para a Cosan, a estratégia de
aquisição de vagões não representou a eficiência esperada nos serviços-
prestados pela ALL, e tal fato conduziu ao início das negociações para a
junção das empresas.

A INTEGRAÇÃO FERROVIÁRIA NACIONAL E O DESENVOLVIMENTO DOS MERCADOS INTERNO E EXTERNO UUU 223
Como a maior parte da malha nacional é controlada pelos seus
principais clientes, caso da Vale (Estrada de Vitória a Minas, Estrada
de Ferro Carajás, Ferrovia Centro-Atlântica, Ferrovia Norte-Sul trecho
norte), da MRS Logística14, da CSN e, a partir deste ano, ALL/Rumo, o
planejamento é realizado visando, prioritariamente, as necessidades da
empresa. A Vale, por exemplo, investe em vagões de grande capacidade
de volume e peso com o objetivo de um maior ganho de escala nos tre-
chos que ligam as minas aos portos.
Outra estratégia que foi utilizada, tanto pelas concessionárias
quanto pelas grandes empresas exportadoras, foi a constituição de uma
empresa de logística. A ALL criou a Brado Logística, a Vale possui a VLI
Multimodal e a Cosan constituiu a Rumo. Essas empresas de logística
atuam no transporte intermodal, armanezagem e outros serviços logís-
ticos. A diversificação é uma alternativa as deficiências do modal ferro-
viário e também como estratégia para diminuir os custos de transporte.
Em 2011, a Vale optou por desmembrar as estradas de ferro FCA
e Ferrovia Norte-Sul e criar a VLI Multimodal S/A. A VLI é responsá-
vel pela logística das malhas férreas, terminais e portos e administra as
cargas que são de outras companhias. A VLI, assim como a Brado Lo-
gística, possuia participação de outros fundos e empresas na sua com-
posição acionária. O capital da VLI está distribuído entre a Vale (37,6%),
a Brookfield (26,5%), a Mitsui (20%) e o FI-FGTS (15,9%) (ANTF, 2015).
Obviamente, que cada empresa possuí objetivosespecíficos, ao criar as
empresas de logísticas, entretanto, a estratégia de diversificação em con-
tramão às tendências de terceirização demonstra a importância do se-
tor de transportes, armazenamento e logística, no contexto atual.
No que tange, específicamente à malha férrea, o foco das con-
cessionárias são os corredores de maior produtividade, sobretudo, de
minério e agrícola. A ALL-Malha Oeste, por exemplo, prioriza os tre-
chos diretamente ligados à exportação de minério de ferro e celulose

14 Os acionistas da concessionária MRS são: MBR (32,9%), CSN (27,3%), UPL


(11,1%), Vale (10,9%), Namisa  (10%), Gerdau (1,3%) e  pequenos investidores
(6,5%) (MRS, 2015).

224 UUU ?ÀVˆœÊ,œ}jÀˆœÊ-ˆÛiˆÀ>ÊUʏiÃÃ>˜`À>Ê`œÃÊ->˜ÌœÃÊՏˆœ


(Corumbá-Três Lagoas-Santos). Entretanto, essa estratégia produz um
efeito negativo, quer dizer, a falta de cargas de retorno. A falta de flexibi-
lidade nos trechos, a prioridade para eixos específicos, a falta de termi-
nais no decorrer das vias férreas e a localização da produção de minério
e grãos longe das áreas mais populosas inviabilizam o transporte de
outras mercadorias. Além disso, a especificidade de algumas cargas não
permite a reutilização dos vagões para outros tipos de cargas. Portanto,
apesar da diversificação das principais concessionárias, a qual possibili-
ta uma maior intermodalidade, o modal ferroviário necessita de inver-
sões diretas, em material rodante, vias e terminais para efetivamente
atender a um maior número de usuários.

5. CONCLUSÃO
O planejamento do sistema de transportes nacional requer o en-
tendimento das dinâmicas econômicas do espaço nacional e também
a relação desse espaço com o mercado externo. No contexto da mun-
dialização do capital e do aumento do comércio mundial,sãonecessá-
riosinvestimentos na organização das infraestruturas de transportes,
de modo a contribuir para uma diminuição dos custos e uma melhor
ligação das áreas de produção aos portos. Isso implica em facilitar a
ampliação geográfica do capital. Uma necessidade, portanto, para o ca-
pital, mas uma disputa entre territórios e, em especial, na escala dos
Estados nacionais.
Entretanto, somente o atendimento do capital, por meiodas de-
mandas corporativas, não deve ser o objetivo último do governo fede-
ral, no que tange à condução dos projetos para o setor ferroviário. A
partir dessa compreensão,estecapítulo buscou analisar a atuação das
concessionárias, suas estratégias logísticas, a logística de Estado e os in-
vestimentos públicos e privados no modal ferroviário. Exemplos, nesse
sentido, para o Mato Grosso do Sul foram mostrados.
A análise evidenciou que as concessionárias ferroviárias procu-
ram ampliar ao máximo a lucratividade adotando estratégias de inves-

A INTEGRAÇÃO FERROVIÁRIA NACIONAL E O DESENVOLVIMENTO DOS MERCADOS INTERNO E EXTERNO UUU 225
timentos mínimos, priorizando alguns trechos e ramais com o objetivo
de retornos emcurto prazo. Essa estratégia foi bastante deletéria para o
desenvolvimento regional, o qual ficou mais evidente com as demandas
advindas, após as alterações na política nacional e crescimento do país,
a partir de 2003. Os dados apresentados das exportações do Mato Gros-
so do Sul e do Brasil demonstraram o crescimento da exportação de
cargas tipicamente ferroviárias e confirmaram uma demanda crescente
do setor produtivo por maiores inversões nos sistemas de transportes,
de modo a diminuir os custos de produção.
O projeto do governo para expansão da malha nacional, princi-
palmente nas regiões Centro-Oeste e Norte, é impreterível como parte
de um planejamento para melhorar a competitividade e representa uma
expansão dos fluxos de mercadorias e a possibilidade de formação de
novas interações espaciais no interior do país. Salientamos a necessi-
dade de uma mudança da matriz de transporte nacional, com maior
participação dosmodaisferroviário, hidroviário (interior, de cabotagem
e de grandes distâncias). Deve haver uma integração de todas as redes
de transportes com o objetivo de formar uma única rede nacional de
transportes, ou seja, um sistema único de transporte, composto por re-
des de diversos modais interligadas. Isso quer dizer que precisamos tan-
to formar uma rede ferroviária nacional, como também criar, ajustar e
melhorar outras redes de transportes, como a rodoviária, a aeroviária, a
dutoviária, a de cabotagem, a hidroviária de interior, entre outras. Será
só por meio da conectividade e complementação de ambas as redes que
poderá haver uma rede nacional de transportes. Uma rede que atenda o
comércio interno e não apenas às exportações. Inclusive porque a varia-
ção do comércio mundial e os períodos descendentes da economia exi-
gem um planejamento econômico que não seja baseado exclusivamen-
te no mercado externo, ao contrário, a experiência dos últimos anos,
principalmente com a crise de 2007/2008, evidenciou a importância de
investimento na dinamização do mercado interno.
Outro fator que justifica maiores aportes de investimentos na am-
pliação da malha férrea nacional é o efeito multiplicador em setores da

226 UUU ?ÀVˆœÊ,œ}jÀˆœÊ-ˆÛiˆÀ>ÊUʏiÃÃ>˜`À>Ê`œÃÊ->˜ÌœÃÊՏˆœ


cadeia produtiva, com respectiva geração de emprego e renda, diminui-
ção do tráfego de caminhões nas rodovias e, consequentemente, a redu-
ção da emissão de gases poluentes e menores danos ao meio ambiente.
No que tange ao estado do Mato Grosso do Sul, dois fatos recen-
tes impactarão diretamente o transporte ferroviário. Primeiramente, a
fusão da empresa Rumo e a concessionária ALL e, em segundo lugar,
a alteração do traçado da Ferrovia Norte-Sul para Três Lagoas e não
mais para Dourados. A nova formação acionária da concessionária de-
verá rebater aestratégia da mesma e a nova proposta do governo; deverá,
também, inferir na logística de outros setores interessados na utilização
do modal ferroviário. As mudanças ainda são recentes e, portanto, é
difícil realizar uma análise prognóstica.
Todo o quadro descrito sobre a atuação das concessionárias e as
novas definições do governo federal reportamà importância do fortale-
cimento das instituições públicas de gestão, mas também aoimperativo
de ampliar os aportes de investimentos da iniciativa privada na cons-
trução dainfraestrutura nacional. Apesar da diminuição do número de
projetos ferroviários, no PIL, o governo espera eliminar os entraves à
condução das obras. Assim, a confluência das estratégias do Estado com
as das concessionárias, no atual contexto nacional, é uma forma de via-
bilizar a efetuação das obras.
Por fim, as possibilidades de desenvolvimento regional do Mato
Grosso do Sul não se limitam aos investimentos nas vias existentes e na
construção de novos ramais no estado, mas, impreterivelmente, emuma
melhor integração com outras regiões, ou seja, a conexão com grandes
eixos ferroviários que deem acesso aos diferentes centros consumidores
e portos do país.

A INTEGRAÇÃO FERROVIÁRIA NACIONAL E O DESENVOLVIMENTO DOS MERCADOS INTERNO E EXTERNO UUU 227
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A INTEGRAÇÃO FERROVIÁRIA NACIONAL E O DESENVOLVIMENTO DOS MERCADOS INTERNO E EXTERNO UUU 231
ESTABILIDADE E ARTICULAÇÃO DOS
MUNICÍPIOS DO MATO GROSSO DO SUL:
PROPOSIÇÕES PARA UMA
SUGESTÃO METODOLÓGICA 1

Tito Carlos Machado de Oliveira2


Carlos Martins Jr3

1. INTRODUÇÃO
O Mato Grosso do Sul, jovem estado criado de direito, em 11 de
outubro de 1977, e de fato, em 01 de janeiro de 1979, está localizado
na região Centro-Oeste do Brasil, em privilegiada condição estratégica:
faz divisa com os ricos estados de Minas Gerais e São Paulo, liga-se ao
Distrito Federal via território do Estado de Goiás, e disponibiliza seu
território aos fluxos oriundos do Norte, via Mato Grosso, em direção ao
Sul, prioritariamente ao porto de Paranaguá, noParaná.
Além disso, deve-se destacar a excepcional localização do esta-
do em relação às suas fronteiras internacionais.A larga fronteira com
a Bolívia suscita, no mínimo, dois elementos que impactam a estrutu-
ra natural-econômica do territóriosul-mato-grossense. Por um lado, a
presença do extenso Pantanal que, ao se alongar pelo território bolivia-

1 Como parte do projeto de pesquisa “Polos Geográficos de Ligação”, financiado pela


Fundect e CNPq.
2 Geógrafo,professor do mestrado em Geografia (CPTL/UFMS) e do mestrado em Es-
tudos Fronteiriços (CPAN/UFMS). Coordenador do Centro de Análise e Difusão
do Espaço Fronteiriço – Cadef/UFMS. Bolsista do DCR-A do CNPq.
3 Historiador, professor titular da UFMS, ligado ao mestrado em Estudos Fronteiriços
(CPAN/UFMS). Pesquisador do Centro de Análise e Difusão do Espaço Fronteiri-
ço – Cadef/UFMS.

UUU 233
no, faz com que qualquer forma de ocupação e utilização traga sensí-
veis reflexos para os dois flancos da fronteira. Por outro lado, há que se
ressaltar o fato de que por essa fronteira passam,por dia,cerca deU$ 6
milhões em mercadorias transacionadas no corredor São Paulo-Santa
Cruz de la Sierra (OLIVEIRA, 2010).
De outra parte, há a fronteira entre o Brasil e o Paraguai, que se
estende desde o rio Paraguai – ligando a cidade sul-mato-grossense de
Porto Murtinho à cidade paraguaia de Carmelo Peralta -, até orio Para-
ná, onde ocorre a articulação entre o estado de Mato Grosso do Sul e os
departamentos paraguaios de Alto Paraguay, Concepción, Amambay e
Canindeyú. Mesclando, portanto, as bacias hidrográficas transnacio-
nais dos rios Paraguai, Apa e Paraná, além da enorme biodiversidade
materializada, por exemplo, na variada cobertura vegetal caracterizada
pela presença do Pantanal, do Chaco, do Cerrado e de resquícios da
Mata Atlântica – todas assinaladas no ZEE/MS (2014) – ; essa região de
fronteira acolhe sete cidades de Mato Grosso do Sulem condições de co-
nurbação, ou semiconurbação, com cidades paraguaias, destacando-se
entre elas Ponta Porã (BR) – Pedro Juan Caballero (PY) e Mundo Novo
(BR) – Salto del Guairá (PY),plenamente ligadas ao corredor Asunción
-Paranaguá (OLIVEIRA E ODDONE, 2012).
Necessário observar que a condição fronteiriçae estratégica do
território sul-mato-grossense ainda é mal dimensionada pelos agentes
públicos e privados, o que se reflete tanto na subutilização das suas po-
tencialidades no que se refere a terras, economia de arbitragem e traba-
lho, quanto na maximização de suas debilidades estruturais e conjun-
turais, em particular no tocante a questões como o tráfico, contraban-
do, descaminho etc.
Pode-se afirmar que,com uma área total de 357.125 km2, onde,
conforme dados do IBGE, vivem em 79 cidades distribuídas, majori-
tariamente, sobre a Serra de Maracaju4, cerca de 2,5 milhões de habi-

4 A Serra de Maracaju, localizada no grande Planalto Central brasileiro, tem a função


natural de dividir as águas das bacias do rio Paraná e do rio Paraguai. Apresenta
altitude média superior a 400m, é coberta pela vegetação de “campos sujos” do

234 UUU /ˆÌœÊ


>ÀœÃÊ>V…>`œÊ`iÊ"ˆÛiˆÀ>ÊUÊ
>ÀœÃÊ>À̈˜ÃÊÀ
tantes, perfazendo uma densidade demográfica inferior a 7 hab/Km²,o
Mato Grosso do Sul é, sobretudo, um estado com reduzida população.
O fato da maior parte dessa população concentrar-se na Serra de Mara-
caju não é casual. Como demonstram, entre outros, os estudos de Oli-
veira (2000), Pebayle (1994) e Silva (2009),sintetizados no quadro 1, a
partir da década de 1930, sobretudo em razão do programa varguista
de colonização denominado Marcha para Oeste,o processo migratório
impactou decisivamente a demografia do sul do antigo Mato Grosso
uno, onde anteriormente havia apenas 14municípios e poucas vilas.

QUADRO-1. Períodos de migração para o sul de Mato Grosso e


Mato Grosso do Sul.
Período Condição e localização de migrantes Origem
Descapitalizados – que se estabeleceram em mais de oitenta Basicamente nordestinos, que
Até a década de
colônias distribuídas desde Coxim ao extremo sul, destaque para a antes haviam migrado para
1940
Colônia Nacional de Dourados e colônia São Simão. São Paulo.
Minimamente Capitalizados – promovidos pelo loteamento
das terras da Cia São Paulo – Mato Grosso, do empresário tcheco Quase a totalidade dos colonos
Década de 1950 Jan Antonin Bata,realizado pelas empresas Someco e Vera Cruz, que era original do interior do
vendiam lotes entre 8 e 25 alqueires na região situada, hoje, entre estado de São Paulo.
as cidades de Dourados e Bataguassu.
Capitalizados – chamada de colonização “granjera ”, para
Ainda que se constatasse a
o sul da parte meridional de Mato Grosso, proporcionada pela
presença de paranaenses, a
Década de 1960 desvalorização real da arroba do boi gordo (1961 a 1968) e fim da
maioria dos granjeiros era de
exportação da erva mate para Argentina, que disponibilizou terras a
gaúchos do RS .
baixo custo para venda e arrendamento em 1968.
De várias partes, mas,
Supercapitalizados – empresários de sucesso trazidos pela
sobretudo, pela ordem: Rio
Década de 1970 qualidade das terras, facilidades de crédito para expansão agrícola
Grande do Sul, São Paulo e
(base na soja) e mercado internacional favorável.
Paraná.
Funcionais – trabalhadores (qualificados ou não) que migraram
para zonas urbanas (Campo Grande e Dourados, em especial) do Sudestinos, centro- oestinos
Década de 1980 jovem estado do Mato Grosso do Sul, atraídos pelas possibilidades e sulistas, nessa ordem de
naturais de expansão do emprego e negócios, quando do importância.
nascimento da nova unidade federativa.

Organização dos autores sobre fontes diversas .

cerrado e possui uma grande faixa de terras de qualidade. No Mato Grosso do Sul,
a Serra de Maracaju cobre parte significativa do estado, estendendo-se do centro do
estado até a fronteira com o Paraguai.

ESTABILIDADE E ARTICULAÇÃO DOS MUNICÍPIOS DO MATO GROSSO DO SUL UUU 235


Ainda que em termos absolutos, o maior contingente migratório
tenha ocorrido nos anos 1980, em termos relativos e políticos, as ondas
migratórias de maior significado para a formação demográfico-econô-
mica do atual estado de Mato Grosso do Sul foram as que se verificaram
entre as décadas de 1940 e 1970. O fluxo migratório ocorrido nessastrês
décadas contribuiu para o estabelecimento de uma nova ordem distri-
butiva da população e, quando observado de perspectiva mais amplia-
da, das terras e das riquezas. Nesse período, presenciou-se o nascimento
de nada menos que30 cidades,a maioria delas localizada na Serra de
Maracaju. Fato que acabaria aportando novos ingredientes à lógica da
acumulação, com o afloramento de unidades produtivas de tamanho
reduzido, que se contrapunham à tradicional paisagem latifundiária.
Entretanto, isso não perduraria para além da década de 1970.
Os anos 1970 trouxeram a inclusão da moderna sojicultura, en-
sejando um rígido processo de reafirmação da condição patronal e
reconcentração fundiária,em detrimento da estrutura introduzida na
região nas décadas anteriores (OLIVEIRA, 2000). Em outros termos, a
modernização conservadora fincouseus intransigentes pilares na estru-
tura produtiva,associando o boi com a soja no comandoda economia e
da política local. Como, grosso modo, a terra concentrada dificulta o
nascimento de novas cidades, o processo migratório pós-1980 foi desti-
nado a reforçar as atividades urbanas, especialmente as da nova capital,
Campo Grande, e não o setor rural como ocorrera anteriormente; o que
se observa é a inexistência de qualquer intento capaz de sustentar mu-
danças estruturais na parte meridional do antigo Mato Grosso unifica-
do, quando da criação do estado de Mato Grosso do Sul. Ao contrário,
houve um tímido aumento do número de municípios acompanhado
do reforço do grau de concentração populacional, o que implicou no
descompasso no desenvolvimento das (poucas) cidades do novo estado.
Portanto, salvo raras exceções, as cidades que nasceram pobres conti-
nuaram pobres e as cidades que nasceram ricas, mais ricas ficaram.
A rigor, 51,7% da população Mato Grosso do Sul habita as cin-
co maiores cidades do Estado: Campo Grande, Dourados, Três Lagoas,

236 UUU /ˆÌœÊ


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>ÀœÃÊ>À̈˜ÃÊÀ
Corumbá e Ponta Porã.A maioria delas está localizada no eixo que vai
do centro do estado, onde está Campo Grande, até a fronteira com o
Paraguai, ou seja, a parte centro-leste da Bacia do Rio Paraná. Por outro
lado, devido a razões histórias e naturais, permanece o esvaziamento
populacional na bacia do rio Paraguai, que abarca a região pantaneira e
chaquenha.Diante disso, é possível afirmar que, do ponto de vista natu-
ral e populacional, o Mato Grosso do Sul está dividido em duas grandes
bandas: uma oriental, correspondente à bacia do rio Paraná, e outra
ocidental, referente à bacia do Alto-Paraguai. A metade da população
do Estado habita as cinco maiores cidades (Campo Grande, Dourados,
Dourados, Três Lagoas, Corumbá e Ponta Porã), somando 51,7% da
população.A maioria das cidades estão localizadas no eixo que vai do
centro (onde está Campo Grande) até a fronteira com o Paraguai (parte
centro-leste da bacia do rio Paraná); mantendo o esvaziamento popu-
lacional na bacia do rio Paraguai (região pantaneira e chaquenha) por
razões históricas e naturais5.
A banda oriental, onde se localizam as cidades de Campo Gran-
de, Dourados, Ponta Porã e Três Lagoas, apresenta, conforme o ZEE/
MS, grau substantivo de consolidação socioeconômica e ambiental, as-
sociada ao número de cidades, uso e ocupação mais intensivos do solo,
produtividade da agricultura, densidade produtiva mais consistente,
ligações rodoviárias entre cidades de tamanhos variados e fluxo aéreo.
Nessa parte do Estado, destaca-se o agronegócio, apoiado na moder-
na agricultura, na modernização pecuária de corte e numa acanhada
agroindústria, ainda muito dependente dos subsídios estatais e das
oscilações conjunturais. Não obstante, a chamada banda oriental não
difere do mosaico geral do estado, em comum composto por municí-
pios em que persiste no esvaziamento demográfico e/ou forte desânimo
econômico. A banda ocidental, cuja base econômica é sustentada pela
tradicional pecuária extensiva, por uma indústria extrativa de calcário,
minério de ferro e manganês bastante dependente da conjuntura inter-
5 Para entender as razões histórias convido à leitura de Esselin e Oliveira (2008), Es-
selin (2011) e para as razões naturais o documento ZEE/MS Segunda Aproximação
(IMASUL, 2014).

ESTABILIDADE E ARTICULAÇÃO DOS MUNICÍPIOS DO MATO GROSSO DO SUL UUU 237


nacional, e pela atividade turística de caráter seletivo (não de massa)
no pantanal e em Bonito, apresenta grandes dificuldades para conso-
lidar uma estabilidade econômica e social, muito embora se constate
aqui a presença de alguns poucos municípios com níveis satisfatórios
de desenvolvimento.
Nunca é demais mencionar que, em Mato Grosso do Sul, a eco-
nomia produtora de riqueza e mantenedora das estruturas adminis-
trativas advém do setor de serviços, em particular o comércio, que se
responsabiliza por mais de 70% daarrecadação estadual6. Todavia, a
pecuária, a produção de soja, a agroindústria e a extração de minérios
representam papel de destaque no glossário econômico local, exercen-
do forte influência direta e indireta no conjunto geral da economia. A
força do setor primário na estrutura produtiva, a alta concentração de
riqueza, os índices muito frágeis de diversificação da base econômica e a
manutenção de largas desigualdades socioeconômicas e culturais fazem
com que a economia sul-mato-grossense seja sustentada por pilares ex-
tremamente conservadores.
Contudo, é preciso ter claro que ser conservador não significa,
necessariamente, ser estático, haja vista que o Mato Grosso do Sul guar-
da potencialidades diversas, ainda que dispersas, materializadas no se-
tor de mineração, no avanço do agronegócio puxado pela expansão do
plantio e beneficiamento da cana- -de-açúcar, no aumento do plantio
do algodão e da silvicultura voltada para a produção de celulose e ener-
gia, na melhoria dos índices produtivos da soja e do milho, na solidifica-
ção e ampliação do turismo e no acréscimo à economia do estado, ainda
que de forma tímida, de unidades industriais (OLIVEIRA; PAIXÃO;
YONAMINE, 2011).
Há, progressivamente, uma substantiva melhoria da infraestru-
tura (rodovias e pontes), alargamento do oferecimento de energia rural
e ampliação das condições de urbanidade (serviços, saneamento, pavi-

6 Em termos de valor adicionado, apenas 16 municípios possuem a agropecuária como


setor mais importante da economia.Em outros 16municípios,o setor de serviços apa-
rece como o mais importante, com a agropecuária ocupando o segundo lugar.

238 UUU /ˆÌœÊ


>ÀœÃÊ>V…>`œÊ`iÊ"ˆÛiˆÀ>ÊUÊ
>ÀœÃÊ>À̈˜ÃÊÀ
mentação etc.). Esses fatores, aliados ao tamanho reduzido da popula-
ção (que pode representar, em última análise, custos menores na quali-
ficação abrangente da força de trabalho), apresentam fatores favoráveis
ao desenvolvimento regional.
Porém, como observado, o estado possui uma planta territorial
conflitiva de aparência ingrata, que impede a dissipação e o crescimento
mais equânime das cidades. O nível elevado de concentração de riqueza
e a centralização de trabalho na banda oriental, com sustentação de
terras e capital muito ligada ao oeste paulista, moveu, e move ainda, a
economia no sentido estrito da reciclagem do trabalho velho, ao mesmo
tempo em que tem criado uma atmosfera insatisfatória para a atração
de trabalho novo7.
A reciclagem do trabalho velho pautado na troca sequencial do
nível tecnológico exercido na produção de commodities,associado à
ampliação das relações em redes cada vez mais mundializadas, à me-
canização progressiva, técnicas modernas de plantio, procedimentos
avançados de utilização de defensivos agrícolas, ao melhoramento do
potencial genético, manejo sanitário, processos de rastreamento do re-
banho e associação a tradings exportadoras, não tem consubstanciado
nem redimensionado a composição orgânica estrutural do capital, nem
a alteração da divisão técnica do trabalho de forma mais homogênea.
Além disso, é preciso atentar para o fato de que há ainda, apesar da mo-
dernização das lavouras no Mato Grosso do Sul, muita contratação de
trabalho part-time, ou seja, por tarefa e tempo determinado, que apesar

7 Aqui entendido como um novo processo que possibilita substituir um possível


esgotamento orgânico do modelo de reprodução do trabalho especializado e/ou
automatizado. Trata-se de trabalho pautado na alta qualificação, cuja base está na
incorporação avançada da aprendizagem, com grande capacidade flexível (progres-
sista e não defensiva) na organização do trabalho, atuando com avançado sistema
de marketing (estratégia, publicidade e satisfação) e operando em complexas redes
de comunicação e cooperação em diversas esferas. Dessa forma, o trabalho novo
sustenta mudanças profundas nas estruturas de produção, nos métodos e práticas
de circulação, e promove sequenciais rupturas de conceitos, sem, óbvio, quebrar os
pilares mestres da acumulação vigente.

ESTABILIDADE E ARTICULAÇÃO DOS MUNICÍPIOS DO MATO GROSSO DO SUL UUU 239


de legal, é definido, por Lima e Soares (2002 p. 167), como uma espécie
de “nova informalidade”.
A “simples” reciclagem do trabalho velho no campo não tem alar-
gado frentes que permitam engendrar movimentos endógenos (admi-
nistrativos e sócio-territoriais) de sustentação da melhoria na qualidade
de vida citadina de forma perene, uma vez que os atributos mínimos
necessários para sustentar uma melhoria das condições de vida e de
trabalho da população na maioria das cidades permaneceram movi-
dos por arcabouços envelhecidos sem sinais de reprogramação. Noutros
termos, o que está presente no Mato Grosso do Sul é uma lógica pro-
dutiva no setor rural que se preserva e se reforça, reverberando para o
conjunto das cidades seus elementos mais puros como a concentração,
a conservação e a seletividade.
Por isso, é possível identificar que, na maioria das cidades sul-ma-
to -grossenses, poucas foram aquelas que se reposicionaram nas rela-
ções das redes estabelecidas, que revisaram as condições de suas hin-
terlândias e que redefiniram o tamanho e a direção dos fluxos externos.
Consequentemente, não se depara com alterações expressivas nos níveis
de centralização existente coordenadas por Campo Grande e Doura-
dos, tampouco a consolidação de um ambiente propício à conformação
de uma nova divisão técnica do trabalho, capaz de incorporar novas
habilidades ao desenvolvimento.
Tais elementos sugerem a necessidade de resgatar os estudos so-
bre a constituição da base municipal e da estrutura citadina do Mato
Grosso do Sul sob os parâmetros que, se não novos, sejam rearran-
jados em novos gradientes e possibilitem aprofundar a compreensão
do seu desenho espacial e a criação de instrumentos de avaliação e
monitoramento. Quanto maior o conhecimento sobre a diferenciação
socioespacial e o desenvolvimento particular dos municípios, mais
eficiente será um possível planejamento regional “... si es que el pro-
ceso del crecimiento espacial debiese ser dirigido u ordenado” (MER-
TINS, 2000 p. 16).

240 UUU /ˆÌœÊ


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>ÀœÃÊ>À̈˜ÃÊÀ
O fato é que a heterogeneidade do tecido institucional do terri-
tório sul-mato-- grossense, com fortes aproximações, desigualdades e
disparidades sub-regionais; a proximidade com São Paulo como fator
determinante e intrínseco a qualquer análise; somada as imposições,
diversidades e amplitudes do mercado mundial, interpõe, em todos os
sentidos, a necessidade de associar suas interpretações e realizações,
ponderando sua localização no platô territorial no qual se insere. E isso
passa a ser possível a partir da visualização profunda das partes e suas
relações. Além do mais, o processo no qual se assenta o desenvolvimen-
to econômico atribui aos estudiosos a necessidade de se debruçar em
teorizações e experimentações contínuas, erigindo modelos e questio-
nando ou reafirmando teorias, técnicas e métodos.
O propósito deste texto é apresentar uma metodologia de aná-
lise calçada na formulação de uma série de indicadores, constituídos
de um conjunto de variáveis embasadas em uma sistematização de da-
dos disponíveis ou disponibilizados para fins específicos. O objetivo
é estudar os municípios do Mato Grosso do Sul na perspectiva de sua
estrutura interna – acionando a condição da dinâmica administrati-
va e ressaltando os componentes socioespaciais do território – e sua
dinâmica externa pautada na circulação de pessoas e mercadorias nas
três dimensões: regional, nacional e internacional. Com isso, preten-
de-se contribuir para estudos técnicos e acadêmicos sobre a geografia
econômica do estado.
É importante destacar, por um lado, que este estudo é parte do
Projeto de Pesquisa Polos Geográficos de Ligação, que conta com fi-
nanciamento da Fundação de Apoio ao Desenvolvimento da Ciência
e Tecnologia do Mato Grosso do Sul – Fundect e CNPq, tendo o tér-
mino previsto para outubro de 2016. Por outro lado, do ponto de vista
técnico, parte significativa dessa metodologia foi amplamente utili-
zada pelo ZEE/MS – Segunda Aproximação (IMASUL, 2014), ainda
não publicado, para identificar as potencialidades das zonas por ele
estabelecidas.

ESTABILIDADE E ARTICULAÇÃO DOS MUNICÍPIOS DO MATO GROSSO DO SUL UUU 241


2. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS – UMA PROPOSTA
É cogente buscar parâmetros técnicos e instrumentos que permi-
tam aprofundar o conhecimento sobre a realidade regional, construin-
do medidas de ordenação e de comparação, permitindo diferenciar e/
ou aproximar territórios, definindo potencialidades e debilidades regio-
nais, articuladas as demandas do estado e ao contexto nacional e inter-
nacional. Isto significa criar indicadores que sustentem o mapeamento
das condições do morfodinamismo socioeconômico do Mato Grosso
do Sul.
Assim, o esforço aqui é consolidar indicadores que posicionem
o município dentro de três feições: a capacidade de autogestão a partir
das suas contas; as condições socioespaciais dadas na sua base territo-
rial e a sua capacidade de articulação regional, nacional e internacional.
E, dessa forma, posicionar os municípios (e suas cidades) no contexto
regional, comparando-os com seus pares, ou seja com os outros mu-
nicípios do Mato Grosso do Sul, permitindo distanciar das limitações
impostas pelas diversidades do território nacional ao compará-los com
municípios de outras unidades da Federação. A seguir.

2.1 Indicador de gestão e de sustentação territorial


Indicadores para identificar a capacidade de autogestão dos muni-
cípios – é indubitável que “el traspaso de mayores competencias admi-
nistrativas y de decisión (sobreinversiones públicas, aprovisionamien-
to con servicios públicos) afecta sin embargo a todos los municipios”
(MERTINS, 2000, p. 16).
Os procedimentos metodológicosaqui utilizados consistem em
agrupar, no sentido de observar a evolução das receitas e despesas pú-
blicas dos municípios no período de cinco anos (período definido com
base na disponibilidade dos dados), para, no momento seguinte, conso-
lidar alguns indicadores fiscais, capazes depurar o nível de gestão dos
municípios. A seguir:

242 UUU /ˆÌœÊ


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>ÀœÃÊ>À̈˜ÃÊÀ
a. verificar a capacidade de geração de receitas próprias do mu-
nicípio, tendo como objetivo verificar o grau de autonomia das
suas receitas8;
b. visualizar a dependência do município em relação a outras au-
tarquias9, nesse caso ao repasse do Fundo de Participação dos
municípios;
c. visualizar o grau de dependência dos municípios em relação
ao repasse do ICMS10 – verificar o nível de dependência do
município em relação ao estado;
d. visualizar o grau de interferência dos gastos sociais em relação
às receitas11;
e. visualizar o grau de interferência dos gastos com pessoal (em
encargos) e as receitas12 – buscar avaliar o grau de comprome-
timento das receitas com gastos com pessoal, item ligado di-
retamente ao que é determinado pela Lei de Responsabilidade
Fiscal;e,
f. visualizar e medir a parcela dos investimentos nos orçamentos
municipais13.
Os dados para consecução desses indicadores estão disponibili-
zados no Tesouro Nacional. Conforme determina o Art. 51 da Lei de
Responsabilidade Fiscal, a União deverá promover a consolidação das
contas de todos os entes federados. Para tanto, cada município e cada
estado deverá enviar suas contas até o dia 30 de maio. Esses indicadores
possibilitam ter um quadro substancialmente seguro sobre a capacida-
de do município em se autogerir e, a partir de todos os dados é possí-
vel depreender sobre qual aspecto da administração municipal é mais

8 Receita tributária / receita corrente.


9 Fundo part. dos municípios / receita corrente x 100.
10 Repasse do ICMS / receita corrente x 100.
11 Despesas com saúde + educação + assistência social / despesa total x 100.
12 Pessoal (pessoal, encargos, sentenças judiciais, entre outras) / despesa correntes.
13 Investimentos / receita corrente.

ESTABILIDADE E ARTICULAÇÃO DOS MUNICÍPIOS DO MATO GROSSO DO SUL UUU 243


estável e, consequentemente, qual parte está mais comprometida com
possíveis desarranjos.
É importante esclarecer que o conjunto total dos índices não é cria-
ção dos autores do presente artigo. O Índice FIRJAN de Desenvolvimento
Municipal, disponível em http://www.firjan.org.br, há tempo contabiliza
-os no sentido de visualizar a realidade dos municípios brasileiros e sua
capacidade de promover o desenvolvimento. É inegável a contribuição
daquela instituição para que seja possível uma visão abrangente (e com-
parativa) sobre todos os municípios brasileiros. Diferentemente,o indi-
cador seguinte, sobre a sustentação territorial, foi construído pelo grupo
Cadef/UFMS ao longo de seus quinze anos de existência, com base nos
estudos realizados sobre a realidade socioeconômica do Mato Grosso do
Sul, em especial sobre os municípios da área de fronteira.
Sobre a capacidade de sustentação territorial dos munícipios –
Aqui a base de análise não mais será a parte administrativa do muni-
cípio, mas a sua plataforma territorial, ou melhor, um conjunto de da-
dos, que agrupados e relacionados, propicia a formação de indicadores
capazes de demonstrar o contorno da morfologia social e produtiva do
território municipal.
A intenção é, portanto, agrupar informações da realidade sócio-
geográfica para uma apropriada compreensão das condições territo-
riais, tanto relacionadas aos dispositivos econômicos, quanto sociais e
populacionais dos municípios. Com isso, propõe-se desvendar:
g. o nível de dependência da população em idade produtiva em
relação aqueles em idade de pouca atividade produtiva (estu-
dantes e aposentados em primeiro plano)14;
h. o nível de dependência da população total em relação ao nú-
mero de pessoas dependentes de repasse do programa Bolsa
Família e do INSS15;

14 Taxa de dependência: Pop. até 14 anos + Pop. com 65 anos ou mais / Pop. Total x 100.
15 Taxa de dependência de pobres e aposentados: População dependente de BF + Re-
passes do INSS / Pop. Total x 100.

244 UUU /ˆÌœÊ


>ÀœÃÊ>V…>`œÊ`iÊ"ˆÛiˆÀ>ÊUÊ
>ÀœÃÊ>À̈˜ÃÊÀ
i. identificar a capacidade técnica e política do município em
atrair investimentos públicos para solucionar problemas es-
truturais, verificando o volume de investimentos externos pú-
blicos (estaduais e federais) realizados no período de 2007 a
2011, desdobrados em obras, habitação, saneamento e energia
elétrica16;
j. conhecer a capacidade de crescimento dos setores fundamen-
tais da economia e do rendimento da população por meiodo
crescimento do PIB estratificado (agropecuária, industrial, co-
mércio e serviços) municipal e PIB per capita entre 2007-201117;
k. identificar os investimentos destinados ao setor privado da
economia (mesmo que com recursos públicos), observando o
quantum destinado a agropecuária + FCO (total) + PRONAF
(valor contratado) dentro de um quinquênio18;
l. visualizar o crescimento do nível do emprego e a participação
de pessoas de nível superior no conjunto da PEA, verificando o
crescimento de empregos formais no período de um lustro, no
intuito de perceber o impacto do nível superior na PEA 201019.
Os dados usados para se chegar a esse conjunto de indicadores
estão disponíveis em diversos órgãos e instituições. Há que se tomar o
cuidado com o número de pessoas que dependem da Bolsa Família, vis-
to que não é divulgado o número de pessoas da família, isso significan-
do a necessidade de multiplicar a quantidade de famílias que recebem
esse benefício pelo número médio de pessoas por família do município
divulgado pelo IBGE.
16 Percentual de crescimento dos investimentos externos dados: pelo consumo de
energia entre 2007-11; e os repasses do governo doestado e do Federal em obras,
habitação e saneamento entre 2007 e 2011.
17 Soma do percentual de crescimento entre 2007 e 2011 do PIB Municipal + percen-
tual de crescimento do PIB per capita / 2.
18 Percentual de crescimento, entre 2007 e 2011, do financiamento da agricultura e da
pecuária + investimento do FCO + investimentos do PRONAF / 3.
19 Variação percentual entre o emprego formal + (pessoas com ensino superior / PEA
x 100) / 2.

ESTABILIDADE E ARTICULAÇÃO DOS MUNICÍPIOS DO MATO GROSSO DO SUL UUU 245


Há que se observar, ainda, que no item “e” deve-se utilizar o valor
destinado a investimentos e não o destinado ao custeio, ou seja, o to-
tal de investimentos utilizados na agricultura e pecuária, cedidos pelo
Banco do Brasil, e osalocados pelo FCO total (incluindo a agropecuá-
ria), e o valor contratado(não o valor disponibilizado) do PRONAF.
Considerando que o quadro comparativo entre os municípios
será restrito ao estado do Mato Grosso do Sul, a classificação a ser atri-
buída a cada município deverá ter como base a média do estado. Ou
seja, após a sistematização de todos os dados por município, tira-se uma
média do estado e, a partir dessa média, pontua-se de 1, para a pior con-
dição a 3, para a melhor condição.
No caso de quanto mais elevadomelhor a sua condição20 pontua-
se: 1 para até 90% da média; 1.1 para até 91% da média; 1.2 para até
92% da média, e sucessivamente até 2 para 100% da média; 2.1 para
até 102% da média; 2.2 para até 104% da média, e sucessivamente até 3
para 120% da média. No caso de quanto mais elevado pior, pontua-se
na sua condição21 invertida: 3 para até 80% da média; 2.8 para até 82%;
2.6 para até 84% (e assim sucessivamente) até 2 para 100% da média;
1.9 para 101%; 1.8 para 102% (e assim sucessivamente) até 3 para 110%.
Observa-se, portanto, que para pontuação de quanto mais alta (superior
a 2) o espaço será de dois em dois e para pontuação inferior a 2, será de
um em um. A soma de todos os índices de a a f, dividido por 6, dará o
indicador de autogestão.
Nesse formato, constata-se, ao final, que haverá municípios na
situação de possuir pontuação superior a 3, assim como haverá outros
municípios na situação de pontuação inferior a 1. Em ambos os casos,
consolida-se sempre o 1 como pior índice, e 3 para o melhor índice.
De fato, a intenção é delimitar a análise considerando o conjunto de
municípios que estão nos contornos da média geral do estado, entre
10% menor que a média até 20% maior ou o inverso. Ou seja, não se

20 Como exemplo, os índices a e k.


21 Como exemplo, os índices e e g.

246 UUU /ˆÌœÊ


>ÀœÃÊ>V…>`œÊ`iÊ"ˆÛiˆÀ>ÊUÊ
>ÀœÃÊ>À̈˜ÃÊÀ
vislumbra fazer um simples ranking dos municípios, mas observá-los de
uma perspectiva de grupo para que as possíveis políticas públicas sejam
destinadas coletivamente, não individualmente. A soma de todos os ín-
dices de g a l, dividida por 6, dará o indicador de sustentação territorial.
Cruzando os dois indicadores, de capacidade de autogestão e da
capacidade de sustentação territorial, é possível distinguir os municí-
pios ante a sua condição em três categorias:
Municípios estáveis – aquele conjunto de municípios que possui
índice de autogestão22 igual ou superior a 2.0 e índice de sustentação
territorial23 também igual ou superior a 2.0;
Municípios inconstantes – aquele conjunto de municípios que
apresenta estabilidade (índice igual ou superior a 2.0) apenas na auto-
gestão ou apenas na sustentação territorial; e
Municípios instáveis – aquele conjunto de municípios que apre-
senta instabilidade (índice inferior a 2.0), tanto na autogestão quanto na
sustentação territorial.

2.2 Indicador de articulação


Por outro lado, a condição do município pode mudar se conside-
rado o seu nível de articulação e seu espaço de fluxo. A articulação que,
em síntese, conclui processos de formatação de projetos de desenvolvi-
mento em conjunto, consórcios administrativos, alianças para contro-
le e segurança, programas compartilhados de proteção ambiental etc.,
possui sua gênese nas diversas formas de circulação, nos fluxos de in-
formações e no alargamento das comunicações.
A complexidade da economia moderna globalizada impõe aos ato-
res (públicos e privados) novos e constantes desafios quanto à atuação
individual e coletiva. Não basta ser eficiente de forma solitária em um
mar de ineficiências acomodadas.Quanto melhor a competitividade terri-

22 = (a+b+c+d+e+f)/ 6.
23 = (g+h+i+j+k+l)/6

ESTABILIDADE E ARTICULAÇÃO DOS MUNICÍPIOS DO MATO GROSSO DO SUL UUU 247


torial, melhor será a competitividade individual e vice-versa. Isso coloca a
articulação entre atores e territórios como pilar de sustentação da inova-
ção e do crescimento virtuoso. A palavra de ordem é articular os fluxos,
ações e projetos nos três níveis – local/regional, nacional e internacional24.
A articulação, seja na condição de redes de comunicação, seja na
condição de circulação – considerando a separação respondida por Ra-
ffestin (1993) entre ambas -, coloca-se como artefato chave para criar
vantagens adicionais na localização do município dentro do contexto
regional. “Hoje – como bem esclarece Becker, Costa e Costa (2009 p. 10)
– éo espaço de fluxos, isto é, as relações externas das cidades para além
das suashinterlândias, que comanda o crescimento das cidades e o pro-
cesso deurbanização. Significa, também, que as relações entre cidades
não estão contidasapenas no território nacional, pois que estes não são
sistemas fechados e, sim, abertos”.
A circulação de pessoas e mercadorias – enquanto elemento pri-
maz da articulação -, possui a aptidão de estimular o nascimento de
redes, modernizar malhas, aproximar os agentes econômicos-sociais e
estabelecer nós na realização de valor, podendo, em determinado es-
tágio de aproveitamento, se constituir em instrumento eficaz de repa-
ração das debilidades presentes na dinâmica administrativa, na estru-
tura urbana, na função do município, sendo inclusive capaz de dese-
nhar um novo padrão de desenvolvimento e redimensionar as relações
sócio-espaciais25.
Em outros termos, a circulação dimensiona a capacidade do mu-
nicípio de armar teias de articulação territorial, pois “À medida que o
território se torna fluido, as atividades econômicas modernas se difun-
dem e uma cooperação entre as empresas se impõe, produzindo-se to-
pologias de empresas de geometria variável, que cobrem vastas porções
do território, unindo pontos distantes sob uma mesma lógica particu-

24 Isso pressupõe que toda articulação deva ser dotada de mecanismos de cooperação
mútua e modelos eficientes, modernos, flexíveis e sustentáveis.
25 Sobre o aprofundamento teórico dessa questão, recomenda-se a leitura do texto de
Silva Júnior (2012).

248 UUU /ˆÌœÊ


>ÀœÃÊ>V…>`œÊ`iÊ"ˆÛiˆÀ>ÊUÊ
>ÀœÃÊ>À̈˜ÃÊÀ
larista (...) e, medida em que grandes empresas arrastam, na sua lógica,
outras empresas, industriais, agrícolas e de serviços, e também influen-
ciam fortemente o comportamento do poder público, indicando-lhes
formas de ação subordinadas” (SANTOS, 2001, p. 35).
De modo que, tanto a participação dos municípios do Mato Gros-
so do Sul no mercado regional (estadual), nacional quanto internacio-
nal são partes indecomponíveis de um mosaico que interfere ampliada-
mente na divisão territorial do trabalho, de tal maneira que é impossível
deixar de considerar a circulação dos municípios como engrenagem das
formas e comportamentos da gestão administrativa e da sustentação
territorial.
Como alerta Salama (2011, p. 58), existem várias maneiras de ava-
liar os efeitos do mercado externo, um mais estritamente contábil (que
superestima ou subestima os efeitos reais) e outro mais econômico (que
busca analisar os efeitos dos encadeamentos sugeridos). No entanto, a
relação pertinente é entender a trilogia do “desarrollo del mercado ex-
terno, expansión del mercado interno y crecimiento”, onde, “El mercado
interno y el mercado externo son las dos piernas del crecimiento, ambos
se refuerzan mutuamente”, significando que cuidar de um e descuidar
do outro implica que os efeitos positivos decorrentes serão sempre de
curta duração.
A sugestão constitui, assim, considerar essas três modalidades de
circulação: o fluxo de transações comerciais no âmbito regional (esta-
dual), a comercialização (saída e entrada) de produtos para outros es-
tados da Nação e o comércio export-import dos municípios; além, do
fluxo de passageiros de e para cada cidade do estado.
Essas circulações, mantendo relações com lugares (e/ou regiões) hie-
rarquicamente superiores, estão sob a égide de complexasredes geográficas,
estudadas aqui mais na sua dimensão espacial com abrangência maior na
escala e nas conexões,conforme Roberto Lobato Corrêa (2009, p. 205).
A fonteutilizadafoi, para visualizar as relações com o mercado
regional e nacional, o número de operações realizadas entre os muni-

ESTABILIDADE E ARTICULAÇÃO DOS MUNICÍPIOS DO MATO GROSSO DO SUL UUU 249


cípios e o número de operações realizadas dos municípios com as de-
mais unidades da Federação, tendo como base a movimentação reali-
zadapor meioda Nota Fiscal eletrônica (representando mais de 96% das
transações comerciais de mercadorias, bens e serviços no MS), ano base
de 2012, cedida, sob algumas condições,pela Secretaria de Fazenda do
Mato Grosso do Sul26.Quanto aos valores dessas operações, os mesmos
não foram utilizados pormenorizadamente neste trabalho de pesqui-
sa, visto que a frequência e a periodicidade das operações de compra e
venda, se mostraram mais eficientes para visualizar a consistência das
relações entre os municípios. Também se deve observar que para fina-
lidade proposta, não foi distinguido do movimento as entradas (com-
pras) das saídas (vendas), o importante, neste momento, foi observar
o total do movimento transacionado e a sua representação no volume
total de cada município.
No tratamento dos dados não pode deixar de ser observadoque
a maior parte da circulação do município é realizada com ele mesmo,
esse fato requereu o cuidado de separar a circulação interna da circula-
ção externa, permitindo desse modo, estabelecer o percentual conferido
à circulação externa, excluindo o movimento dado dentro do próprio
município. E, à circulação para dentro do Mato Grosso do Sul, consi-
derando o grau elevado de centralização de Campo Grande, as relações
entre o município e a capital do estado foram analisadas separadamen-
te; assim como também, foi considerada separadamente, a relação de
compra e venda com São Paulo pelo fato de representar, em média, 40%
de toda a movimentação dos municípios para fora do estado.
E, com o mercado internacional, foram utilizados os dados sobre as
exportações e importações disponibilizados pelo Ministério do Desenvol-
vimento, Indústria e Comércio Exterior por unidade da Federação e por
município, ano base de 2012. Aqui o valor das operações com exportação e
importação é somado como forma de atribuir um padrão mínimo de tran-
sações associadas à quantidade de países envolvidos nas operações.

26 Cuja principal condição foi da não divulgação dos dados específicos (número de
movimentações e valores transacionados/mês) por município.

250 UUU /ˆÌœÊ


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>ÀœÃÊ>À̈˜ÃÊÀ
Para o movimento de pessoas, foram pensados os dados referen-
tes à distribuição espacial das linhas de coletivos autorizadas no Mato
Grosso do Sul; bem como, o movimento de número de passageiros des-
sas linhas27. E justo alertar que esses dados estão mal sistematizados
pela AGEPAN (Agência Estadual de Regulação de Serviços Públicos de
Mato Grosso do Sul), onde não é possível definir o destino final dos
passageiros, o que permitiu apenas a média geral de circulação por li-
nha, todavia, os números obtidos não inviabilizaram a pesquisa, mas
dificultaram a análise, permitindo somente mapear a circulação entre
as cidades componentes da linha dos coletivos28. Tal fato está requeren-
do uma série de ajustes com trabalho de campo para aprofundamento
da questão e também considerar o movimento dado pelas empresas que
atravessam o estado e promovem o transporte interno. Por conta de
uma série de desajustes relacionados a esse movimento de passageiros,
preferiu-se não considerá-lo para pontuação da circulação; entretanto é
um instrumento valioso na análise geral, em especial para caracterizar
os micropolos geográficos de ligação29 no estado.
Desse modo, a partir dos dados conquistados e organizados foi
possível construir os níveis de articulação – tendo a circulação como
instrumento – das cidades dentro de parâmetros muito realísticos. Se a
métrica utilizada para estabelecer a capacidade de autogestão e susten-
tação territorial foi 1 para pior situação e 3 para a melhor, essa mesma
medida foi estabelecida para situar a circulação dada pelos municípios.
É óbvio que as dimensões aqui estabelecidas estão simetricamente re-

27 O método aqui utilizado se aproxima, mas não se alinha, à análise sobre redes ur-
banas elaboradas por GREEN, F.H.W (Urban hinterlands in England and Wales: an
analysis of bus services) em 1950 e por CARRUTHERS, IAN (Classification of Services
Centers in England and Walles) em 1957, aplicados na Inglaterra e País de Gales.
28 A guisa de exemplo, nos números da AGEPAN aparecem 24 municípios que não se
comunicaram entre si no ano de 2012, ao mesmo tempo, 22 outros aparecem ape-
nas com fluxo ou de entrada ou de saída, sendo zerada uma das partes, aparentando
inconsistência dos dados.
29 Os micropolos geográficos de ligação com base na intersecção do movimento de car-
gas com o movimento de viagens é mais uma parte da pesquisa “Polos geográficos
de Ligação” com apoio do CNPq e da Fundect.

ESTABILIDADE E ARTICULAÇÃO DOS MUNICÍPIOS DO MATO GROSSO DO SUL UUU 251


lacionadas ao peso geral que a economia mato-grossense possui dentro
da economia brasileira.
Para a circulação internacional, a pontuação considerou o valor
base de U$ 1 milhão/ano do município e a quantidade superior a 10 paí-
ses, atribuindo 1 para quem não teve operações de export-import ou pos-
suiu circulação inferior ou superior a U$ 1 milhão/ano mas com menos
de 10 países. E, somente para aqueles que tiveram operaçõesde export-im-
port superior a U$ 1 milhão/ano, estabeleceu-se: 1.2 para operações com
11 países; 1.4 com 12 ; 1.6 com 13; 1.8 com 14; 2 com 15; 2.2 com 16; 2.4
com 17; 2.6 com 18; 2.8 com 19 e 3 paraoperações com 20 ou mais países.
Para a circulação nacional, a pontuação considerou o número de
100 operações/ano realizada por cada município e a quantidade supe-
rior a 10 estados, independentemente do valor transacionado, atribuin-
do 1 para a circulação com até 10 estados da Federação ou com mais de
10 estados e menos de 100 operações/ano. E, para aqueles com mais de
100 operações/ano foi atribuído: 1.2 para operações com 11 estados; 1.4
com 12; 1.6 com 13; 1.8 com 14; 2 com 15 e; 2.2 com 16; 2.4 com 17 ; 2.6
com18; 2.8 com 19 e 3 para operações com 20 ou mais estados.
Para visualizar a circulação regional (estadual), foram conside-
rados os números de 100, 500 e 1000 operações de compra e vendas
realizadas com outros municípios por ano, excetuando-se as realizadas
dentro do próprio município, atribuindo: 1 para municípios que reali-
zaram até 100 operações/ano com menos de 10 outros municípios; 1.2
entre 101 e 200 operações/ano com 10 ou mais municípios; 1.4entre 201
e 300 operações/ano com 10 ou mais municípios; 1.6entre 301 e 400
operações/ano com 10 ou mais municípios;1.8entre 401 e 500 opera-
ções/ano com 10 ou mais municípios;2entre 501 e 600 operações/ano
com 10 ou mais municípios;2.2entre 601 e 700 operações/ano com 10
ou mais municípios;2.4entre 701 e 800 operações/ano com 10 ou mais
municípios;2.6entre 801 e 900 operações/ano com 10 ou mais municí-
pios;2.6entre 901 e 1000 operações/ano com 10 ou mais municípios; e,
3 para município que realizou 1001 ou mais operações/ano com 10 ou
mais municípios.

252 UUU /ˆÌœÊ


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>ÀœÃÊ>À̈˜ÃÊÀ
Como se observa, para a circulação nacional e internacional o
valor e o número de operações são fixos, enquanto variável é o número
de estados e países da relação; diferentemente é a atribuição de pon-
tuação na circulação estadual, onde o número de municípios é fixo e a
quantidade de operações variável. Tal condição relaciona-se ao fato do
número de municípios (79) no Mato Grosso do Sul ser muito reduzido,
significando que o município que possuiu mais de mil transações com
mais de 10 outros municípios, também manteve mais de quinhentas
transações com mais de 10, etc. contabilizando, no final, o espraiamen-
to e a profundidade de suas relações.
A soma da pontuação das circulações (estadual, nacional e inter-
nacional) dividida por três, possibilita um número por município que,
relacionado com de outros municípios, permite qualificar a capacidade
de articulação em três conjuntos:
a. com pontuação de 1 a 1.66 – municípios com baixa capacidade
de articulação;
b. com pontuação ente 1.67 e 2.33 – municípios com capacidade
mediana de articulação; e
c. com pontuação de 2.34 ou superior – municípios com alta ca-
pacidade de articulação.
Mereceria, talvez, estabelecer um peso específico para cada uma
das circulações abordadas, é muito provável que a circulação estatal se
posiciona em dimensão e em importância das outras formas de circula-
ção, corroborando com contorno impactante diferenciado, assim como
as outras formas (internacional e nacional) também. Entrementes, o
estabelecimento de pesos merece ser respaldado por estudos com um
nível de profundidade que ainda faz jus ser construído. O que, por en-
quanto, mesmo que as circulações se diferenciem em massa (robustez)
uma das outras, possuem uma ordem espacial racional e consumada
pela dinâmica da lógica capitalista, permitindo e ousar em não adotar
pesos diferenciados neste momento.

ESTABILIDADE E ARTICULAÇÃO DOS MUNICÍPIOS DO MATO GROSSO DO SUL UUU 253


2.3 Associando a estabilidade com a articulação
A partir dessa “qualificação”30, é possível associá-la à categoriza-
ção estabelecida para os municípios, quando interseccionada a capa-
cidade de autogestão com a capacidade de sustentação territorial (es-
táveis, inconstantes e instáveis), engendrando uma relação passível de
vislumbrar três situações diferentes para os municípios do Mato Grosso
do Sul, conforme sintetizado no quadro 1.
QUADRO 1. Situação do município mediante a relação entre a
estabilidade e a articulação.
Articulação Articulação
Estabilidade Alta Mediana Baixa
Estáveis Situação Satisfatória Situação Satisfatória Situação Incômoda
Inconstantes Situação Satisfatória Situação Incômoda Situação Delicada
Instáveis Situação Incômoda Situação Delicada Situação Delicada

Municípios em situação satisfatória – Municípios com bom ní-


vel de estabilidade administrativa e territorial e com alta ou mediana
capacidade de articulação. Essas unidades administrativas podem ser
identificadas como aqueles que possuem ampla capacidade de gerencia-
mento das condições administrativas – ainda que possuam debilidades
em um ou outro aspecto -, possuem condições de monitorar e atuar no
sentido de rever, melhorar e intervir positivamente na morfologia social
e produtiva do território com grau elevado de autonomia político-ad-
ministrativa. A ação de ousadia aqui, caso seja instituída pelos atores
municipais, é respaldada pela condição de estabilidade.
Municípios em situação incômoda – São aqueles que mesmo ten-
do estabilidade, possuem baixa capacidade de articulação, ou são in-
constantes, mas possuem uma articulação mediana, ou ainda aqueles
instáveis, mas que, por algum bom motivo, possuem uma alta capa-
cidade de articulação. Esses são municípios que sustentam dificulda-
30 Paira aqui uma dúvida se a palavra qualificação é verdadeiramente adequada, visto
que há uma espécie de disposição separada dos municípios, talvez o termo “classi-
ficação” se adeque mais aos propósitos estabelecidos, mas neste momento, optamos
pela qualificação.

254 UUU /ˆÌœÊ


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>ÀœÃÊ>À̈˜ÃÊÀ
des de intervir: ou na sua morfologia territorial devido às debilidades
administrativas; ou no inverso, não conseguem melhorar sua gestão
administrativa por possuir debilidades na morfologia territorial. É ob-
vio, todavia, que não está descartado o fato de suas debilidades estarem
associadas a questões de ordem política adjunta, ou a uma má gestão
administrativa. Como também, é digno de observação, que para os
municípios na condição estáveis e inconstantes, mas com capacidade
de articulação mediana ou baixa tem significado peso no desarranjo
administrativo e na sustentação territorial. Esses municípios tendem,
ao longo do tempo, a sentir declinar sua autonomia para solucionar pro-
blemas internos e reduzir sua dependência externa.
Municípios em situação delicada – Aqui estão localizados os mu-
nicípios inconstantes com baixa capacidade de articulação e os instáveis
que não consolidam uma alta articulação. Sem dúvidas, esses são aque-
les com maiores dificuldades de visualizar suas potencialidades, além
de possuírem fragilidades inerentes que estorvam uma mobilização in-
terna, visando um desenvolvimento mais autônomo. Entretanto, esses
municípios não podem ser domados pelo desânimo. Todos os municí-
pios brasileiros têm potencialidades (naturais e artificiais) para acon-
dicionar o seu desenvolvimento, basta descobri-las. As dificuldades
aparentes podem se constituir em potencialidades ainda ocultas que
necessitam de mobilização comunitária, estudos e competência política
para revelá-las e inverter o quadro depressivo. Por isso, são municípios
que não podem ser identificados como inviáveis. As ações ousadas não
podem ser opcionais, pois, são necessárias, porém, não podem ser res-
paldadas pelo desespero e pela inconsequência.
Observando o quadro 1, a circulação (enquanto elemento que
possui envergadura suficiente para estimular articulações) interfere so-
bremaneira na estabilidade do município e na dinâmica das cidades. E,
assim, possibilita identificar quão significativa é a importância da cir-
culação para a estabilidade administrativa e territorial dos municípios.
Uma alta circulação redistribui municípios inconstantes para a uma
situação satisfatória, de certo modo “corrigindo” as debilidades ad-

ESTABILIDADE E ARTICULAÇÃO DOS MUNICÍPIOS DO MATO GROSSO DO SUL UUU 255


ministrativas e territoriais neles contidos. Pelo lado avesso, uma baixa
circulação leva uma condição estável de um município a uma situação
incômoda, podendo minar os dispositivos econômicos e instabilizar a
estrutura sócio-espacial e administrativa ali existente.

3. ALGUNS DADOS PARA EXEMPLIFICAÇÃO – A MODO DE CONCLUSÃO


É importante alertar que os dados aqui colocados permitem uma
visualização ainda preliminar. Os volumes de dados necessários para
consecução dos desígnios estabelecidos neste trabalho de pesquisa im-
puseram um quantum de trabalho31, em especial na hercúlea sistema-
tização dos dados sobre a movimentação dada pela Nota Fiscal eletrô-
nica cedida pela Secretaria de Fazenda. Necessitando, ainda, de revisão
pormenorizada. Por conta desse fato, não haverá, neste texto, exposição
dos nomes dos municípios, exceto quando na condição de destaque
favorável.
Os estudos, até o momento, permitem que seja montada uma ta-
bela que distribua os municípios ante a variável populacional com o seu
nível de estabilidade. A tabela 1 conclui que dos 79 municípios no Mato
grosso do Sul, 17 estão na condição de estáveis, com quase a mesma
quantidade, 16, na condição de instáveis. Enquanto a maioria dos mu-
nicípios está na condição de inconstante.

TABELA 1. Distribuição da condição dos municípios por grupo de população.

Quantidade de Habitantes Estáveis Inconstantes Instáveis Total


Até 15 mil 7 24 10 41
Entre 15 mil e 30 mil 6 16 4 26
Entre + 30 mil e 60 mil 0 4 2 6
Entre + 60 mil e 120 mil 2 1 0 3
Mais de 120 mil 2 0 0 2
Total 17 45 16 78*
*Não contando Paraíso das Águas.

31 É justo lembrar e agradecer o eficiente trabalho de sistematização dos dados re-


alizados por Jessyca Thomann, Osmair Simões, Vanessa Albuquerque e Claudio
Caramori, estudantes com Iniciação Cientifica ligados ao Cadef/UFMS.

256 UUU /ˆÌœÊ


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>ÀœÃÊ>À̈˜ÃÊÀ
A primeira relação visível dessa tabela é o tamanho da população
dos municípios e a sua condição. Aqueles com maior população (mais
de 60 mil hab.), estão em melhor situação do que os demais de popula-
ção menor, desses, apenas um se apresenta na condição de inconstante,
os demais são estáveis. Com menos de 60 mil hab. a posição quase, pro-
porcionalmente, se inverte: apenas 13 (17%) deles estão na condição de
estabilidade.
Considerando que as atividades técnicas se desenvolvem mais em
localidades de população maior, pela própria necessidade de articula-
ção e melhor aproveitamento das economias de escala, é natural que os
municípios de maior população tenham maiores condição de viabilizar
sua administração e estabilizar as condições sócio-espaciais do territó-
rio. Como o avesso, também, pode ser é verdade. É possível vislumbrar
que mais de 80% dos municípios, com população até 60 mil habitantes
localizados como inconstantes e instáveis, esteja refém da restrição po-
pulacional. Porém, tal afirmação se desconcerta, em parte, quando se
observa que cidades com menos de 25 mil habitantes, como São Ga-
briel do Oeste e Chapadão do Sul, possuem níveis muito seguros de
estabilidade. Mas, é profundamente importante verificar a associação
de instabilidade de um município com a sua taxa de emigração e com
suas taxas de decrescimento populacional, seguramente essa associação
pode ser fecunda.
Há que se observar que a herança e a reminiscência de desigualda-
des sócias no Mato Grosso do Sul constroem descompassos profundos,
tanto nas administrações públicas que são tratadas, na maioria, com
amadorismo e conservadorismo, quanto nas ações do conjunto social,
onde a tradição latifundiária filantrópica (não solidária) pode sufocar
a atuação associativa, participativa e concorrencial da população e do
empresariado. Nesse contexto, possivelmente, o modo organizacional
das instituições públicas e privadas na maioria dos municípios seja mais
eficiente para entender e justificar a inconstância e a instabilidade des-
ses, do que a simples associação com a quantidade de habitantes.

ESTABILIDADE E ARTICULAÇÃO DOS MUNICÍPIOS DO MATO GROSSO DO SUL UUU 257


Interessantemente, as administrações públicas são, no geral, me-
nos problemáticas que a parte territorial dos municípios. Apenas 8, dos
45 municípios inconstantes, possuem um indicador administrativo
baixo32; enquanto os outros 35 estão relacionadas as questões territo-
riais. Esses, somados aos outros 16 instáveis, estabelecem um total de
51 municípios com problemas na sustentação territorial, ou seja, 65%
do total. Possibilitando intuir que o problema central do Mato Grosso
do Sul reside nas suas relações sócio-espaciais contidas no seu território
e não especificamente nas condições administrativas. O problema se
agrava quando se constata que o estado (quase todos os municípios)
vive um ótimo demográfico 33, fato que se agravará a partir de 2027, ou
seja, há pouco tempo para rever o quadro atual, antes que os gastos
sociais se elevem para patamares insustentáveis, empurrando o atual
quadro administrativo para condição de profunda instabilidade.
Como aludido no início deste texto, o Mato Grosso do Sul possui
duas bandas. No contexto trabalhado, até certa medida, se desmonta
a tese de que a banda ocidental(bacia do Paraguai) é muito mais pro-
blemática do que a banda oriental (bacia do Paraná): ambas possuem
dificuldades aparentes. É certo que a banda ocidental possui 25% dos
municípios do Estado (3 na MR Alto Taquari, 1 na MR Campo Grande,
1 na MR Dourados e outras 14 nas MR Aquidauana, Baixo Pantanal e
Bodoquena) todos na condição de inconstante (15) ou instável (4), em-
butidos nos números da tabela 2; mas, a banda orientalque possui 75%
dos municípios – e produz mais de 80% da riqueza do estado – possui
33 municípios na mesma condição, significando 42% do total do estado.
Ampliando o exposto, as MR de Iguatemi e de Dourados, onde o
agronegócio fincou pilares com a forte reciclagem do trabalho ali pre-
sente, possuem 31 municípios, desses, 24 estão na condição de instável
ou inconstante. Ou seja, apenas duas MRs localizadas na banda oriental
32 Lembrando que está relacionado à média administrativa do estado abordado ante-
riormente neste texto.
33 Atualmente, o número de dependentes para cada 100 pessoas em idade de traba-
lhar é, em média, de 46 pessoas inativas, um número que indica condições excelen-
tes para a organização das contas públicas.

258 UUU /ˆÌœÊ


>ÀœÃÊ>V…>`œÊ`iÊ"ˆÛiˆÀ>ÊUÊ
>ÀœÃÊ>À̈˜ÃÊÀ
possuem mais municípios na condição de inconstância e instabilidades
que toda a banda ocidental.
TABELA 2. Quantidade de municípios na condição de estável, inconstante e
instável por microrregião e total.
Total
Microrregião (média geral) Estável Inconstante Instável
municípios
Cassilândia* Estável 2 2 - 4
Três Lagoas Estável 2 1 2 5
Alto Taquari Inconstante 2 6 - 8
Paranaíba Inconstante 2 2 - 4
Campo Grande Inconstante 1 7 - 8
Aquidauana Inconstante - 1 3 4
Bodoquena Inconstante - 4 3 7
Baixo Pantanal Inconstante - 2 1 3
Iguatemi Inconstante 3 11 2 16
Dourados Estável 4 7 4 15
Nova Andradina Inconstante 1 3 1 5
Total 17 45 16 78
*Não contando Paraíso das Águas.

Também se constatam analogias em relação à articulação. No


tocante à circulação pelos municípios da bacia do Paraguai, apenas 1
município (Corumbá) mantém uma média elevada, isso considerando
a sua circulação com as cidades da Bolívia. Outros 3 municípios pos-
suem uma circulação média; enquanto os 15 restantes possuem uma
circulação muito baixa. Provocando, por efeito, uma baixa capacidade
de articulação de toda banda ocidental. Porém, não se difere muito do
constatado no conjunto da tabela 3, onde 66% das cidades possuem bai-
xa capacidade de articulação.
Outro fato importante é o direcionamento das circulações pro-
movidas pelos municípios do estado. A proximidade com o Sudeste
(São Paulo, em especial) faz com que 59% das relações de compra e
venda para fora do estado se dê com aquela região, restando uma cir-
culação reduzida para o Sul (28%), para o Centro-Oeste (8%) e, uma
circulação mínima para o Nordeste (3%) e Norte (2%). Considerando
a mudança na geografia econômica brasileira nos últimos três lustros,

ESTABILIDADE E ARTICULAÇÃO DOS MUNICÍPIOS DO MATO GROSSO DO SUL UUU 259


onde São Paulo perdeu força no conjunto da economia nacional, esse
pode se constituir um fato de interrogação com relação ao futuro dos
municípios do estado.
O estado (seus municípios) possui uma pauta muito restrita de
importação direta, compra-se muitos produtos importados via São Pau-
lo, fazendo com que a circulação internacional seja fundamentalmente
de exportação. E, como a pauta de exportação é soberbamente regulada
por commodities, os principais fregueses dos municípios do estado são
Ásia (China, sobretudo), América Latina e outros de menor expressão
com mais de 83% do total para esses centros, cujo interesse não está
articulando instâncias por alta tecnologia34; restando uma parcela pe-
quena de 16,5% para EUA e Europa, tradicionais centros produtores de
alta tecnologia.
TABELA 3. Quantidade de municípios com capacidade de articulação baixa,
mediana e alta por microrregião e total.
Total
Microrregião (média geral) Baixa Mediana Alta
municípios
Cassilândia* Baixa 1 2 - 4
Três Lagoas Mediana 3 1 1 5
Alto Taquari Baixa 5 2 1 8
Paranaíba Mediana 1 2 1 4
Campo Grande Baixa 6 - 2 8
Aquidauana Baixa 3 1 - 4
Bodoquena Baixa 7 - - 7
Baixo Pantanal Baixa 2 - 1 3
Iguatemi Baixa 13 2 1 16
Dourados Mediana 9 1 5 15
Nova Andradina Mediana 2 2 1 5
Total 52 13 13 78
*Não contando o municípioParaíso das Águas.

Isso tudo permite observar que mesmos aqueles 26 municípios


que possuem níveis de articulação mediana e elevada (tabela 3), não
autorizam afirmar que, tal articulação, tenha como consequência dire-

34 Como se verifica no trabalho de Alcioly, Costa e Macedo, 2011.

260 UUU /ˆÌœÊ


>ÀœÃÊ>V…>`œÊ`iÊ"ˆÛiˆÀ>ÊUÊ
>ÀœÃÊ>À̈˜ÃÊÀ
ta projetos animadores de autonomia e pactualidade progressista capaz
de suscitar novas formas de organização do trabalho. Apenas reafirma
uma modernização segurada na reciclagem do trabalho velho, o que
retroalimenta os níveis de dependência externa do município. Como se
observa na tabela 4, desses 26 municípios, 6 deles não foram retirados
de uma situação delicada.
O que se observar na tabela 4, apresenta-se como elucidativo
diante do conjunto de fatores expostos. Dos 17 municípios na condição
estável, 10, por possuir uma baixa capacidade de articulação, são leva-
dos a situação incômoda, nesse caso, a baixa articulação é perfeitamente
passível de prejudicar as condições territoriais e administrativas, po-
dendo levá-los a alguma instabilidade, como abordado anteriormente.
Assim como, 33 municípios dos inconstantes estão em uma situação
delicada, por conta de sua baixa capacidade de articulação.
Na mesma direção, mas em sentido oposto, verifica-se que 7 mu-
nicípios, que possuem debilidades, seja na gestão administrativa ou seja
na sustentação territorial, considerando a sua alta capacidade de articu-
lação, possuem um situação satisfatória,permitindo eclodir adequadas
condições para rever as debilidades existentes. Enquanto o município
de Nova Andradina, considerando o volume de sua circulação, constrói
uma capacidade alta de articulação que o coloca como sendo o único
entre os instáveis com situação incômoda fugindo da situação delicada,
como os demais municípios instáveis.
TABELA 4. Quantidade de município conforme a situação dada mediante a
relação entre a estabilidade e a articulação (Cf. Quadro 1).
Articulação Articulação
Estabilidade Alta Mediana Baixa Total
(5 municípios) (2 municípios) (10 municípios)
Estáveis 17
Situação Satisfatória Situação Satisfatória Situação Incômoda
(7 municípios) (5 municípios) (33 municípios)
Inconstantes 45
Situação Satisfatória SituaçãoIncômoda Situação Delicada
(1 município) (6 municípios) (9 municípios)
Instáveis 16
Situação Incômoda Situação Delicada Situação Delicada
Total 13 13 52 78

ESTABILIDADE E ARTICULAÇÃO DOS MUNICÍPIOS DO MATO GROSSO DO SUL UUU 261


Por fim, de todo modo e em todos os sentidos, essa metodologia
é uma proposta que assegura enxergar a situação do município ante as
condições de estabilidade e a capacidade de articulação que se apresen-
tam. Entretanto, assim como toda fórmula cartesiana é incompleta e
mutilada pela ausência de outros fatores que interferem no conjunto da
análise para o qual se destina: está, portanto, muito longe de ser posta
como definitiva e acabada, assim como todas as outras metodologias.
Posto assim, é merecedora de todas as críticas e invariáveis sugestões.
No entanto, é digno de registro o fato de que essa maneira de ver
e depreender a realidade está associada ao quadro político-administra-
tivo posto sobre um dado território, o Mato Grosso do Sul. As situações
satisfatória, incômoda ou delicada, aqui atribuídas aos municípios, se
relacionam diretamente às condições administrativas e sócio-espaciais
de uma jurisdição do estado que possui natureza, destrezas, fraquezas
e potencialidades particulares, submetidas a uma disposição espacial
protegida por relações históricas próprias. Não se trata, portanto, de
uma proposta que caiba de forma sistemática e sem adequações a todos
os outros lugares.

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264 UUU /ˆÌœÊ


>ÀœÃÊ>V…>`œÊ`iÊ"ˆÛiˆÀ>ÊUÊ
>ÀœÃÊ>À̈˜ÃÊÀ
AS RELAÇÕES COMERCIAIS RECENTES
DO ESTADO DE MATO GROSSO
DO SUL COM O PARAGUAI
Márcio Augusto Scherma1

1. INTRODUÇÃO
Desde a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva à presidência do Bra-
sil, em 2003, as relações com a América do Sul ganharam nova ênfase
na política externa brasileira. Paralelamente, intensificou-se também a
inserção internacional de entes subnacionais, como municípios, provín-
cias e estados, impulsionados também pelos acordos de integração já
existentes, como o Mercosul.
Os principais centros industriais brasileiros (estados de São
Paulo e Rio de Janeiro, em especial) são responsáveis não apenas por
grande parte do abastecimento nacional, como também por parte im-
portante das exportações brasileiras – sobretudo no caso de produtos
manufaturados.
Pelo fato do eixo Rio-São Paulo concentrar as empresas mais
competitivas, as indústrias das demais unidades da federação brasileira
possuem, em grande parte, alcance local e/ou regional, apresentando
dificuldades para competir nos grandes centros dinâmicos da econo-
mia nacional.
Muitas dessas empresas passaram, então, a buscar oportunida-
des em outros países. Essa estratégia torna-se ainda mais viável àqueles
estados que estão geograficamente mais próximos de outras nações do

1 Professor do curso de Relações Internacionais da Universidade Federal da Grande


Dourados (UFGD). Doutor em Relações Internacionais pela UNICAMP.

UUU 265
que do eixo Rio-São Paulo. A existência do Mercosul, uma maior com-
petitividade nesses locais e uma política externa favorável poderiam
ser elementos que impulsionariam esse movimento para o mercado
externo.
A intenção do trabalho proposto é, por conseguinte, avaliar se
houve incremento exportador, como também qualificar o comércio
Mato Grosso do Sul – Paraguai na última década e analisar os motivos
político-econômico-sociais que são a razão do atual cenário comercial
entre os dois entes. Serão investigados: a evolução do montante expor-
tado; os principais produtos; os principais municípios exportadores e o
tamanho das empresas exportadoras.

2. A POLÍTICA EXTERNA DO GOVERNO LULA


Os primeiros anos do século XXI foram marcados por alguns
movimentos importantes no que diz respeito ao cenário internacional.
Podemos destacar, dentre eles, o fortalecimento das chamadas “potên-
cias médias” – como China, Rússia, Índia; a forte migração de capitais
para a China; insegurança energética; e concentração de poder interna-
cional – e suas decorrentes consequências, como o arbítrio e a violência
por parte da potência principal. Nesse cenário, o Brasil – à espera de
mudanças de rumo – elegeu Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência em
2002.
Embora no plano interno, a gestão Lula da Silva tenha dado con-
tinuidade a alguns aspectos do governo anterior – sobretudo no tocante
à política econômica (GIAMBIAGI, 2005) – no plano externo a diferen-
ça foi bastante significativa. Como ressalta Vizentini (2013, p. 112), a
posse de Lula significou a possibilidade de materialização de um proje-
to de política externa que já vinha sendo desenvolvido há mais de uma
década2. Em seu discurso de posse, o novo presidente afirmou:

2 Os nomes escolhidos para comandar as relações exteriores indicam isso. Tanto o


Ministro Celso Amorim, quanto o Secretário-Geral Samuel Pinheiro Guimarães e o
assessor especial Marco Aurélio Garcia vinham apresentando suas ideias e projetos
ao longo dos anos em publicações e palestras.

266 UUU Márcio Augusto Scherma


“ ‘Mudança’: esta é a palavra-chave, esta foi a grande mensagem
da sociedade brasileira nas eleições de outubro (...) No meu Go-
verno, a ação diplomática do Brasil estará orientada por uma
perspectiva humanista e será, antes de tudo, um instrumento do
desenvolvimento nacional. Por meio do comércio exterior, da ca-
pacitação de tecnologias avançadas, e na busca de investimentos
produtivos, o relacionamento externo do Brasil deverá contri-
buir para a melhoria das condições de vida da mulher e do ho-
mem brasileiros, elevando os níveis de renda e gerando empregos
dignos”3.

Manteve-se, assim, o entendimento cristalizado desde o governo


Juscelino Kubitscheck de que as relações externas deveriam contribuir
decisivamente para o desenvolvimento da economia brasileira, confor-
me apontaram Cervo e Bueno (2002).
Contudo, ainda que o objetivo fosse o mesmo, os métodos tra-
riam diferenças significativas em relação às gestões anteriores. Vigevani
e Cepaluni (2011) destacam que os anos em que Fernando Henrique
Cardoso esteve na Presidência da República foram marcados, no que
diz respeito à ação externa, por um modelo que denominaram “autono-
mia pela participação”. Segundo os autores (2011, p. 94), imaginava-se
que:

“(...) participando ativamente na organização e na regulamenta-


ção das relações internacionais, a diplomacia brasileira contri-
buiria para o estabelecimento de um ambiente favorável ao de-
senvolvimento econômico (...) Nesse sentido, o governo Fernando
Henrique Cardoso se caracterizou pela busca constante de nor-
mas e regimes internacionais, uma busca que visava fomentar
um ambiente internacional o mais institucionalizado possível”.

3 Resenha de Política Exterior, n. 92, 2003. Disponível em < http://www.itamaraty.


gov.br/divulg/documentacao-diplomatica/publicacoes/resenha-de-politica-exte-
rior-do-brasil/resenhas/resenha-n92-1sem-2003 >. Último acesso em 15/05/2014.

AS RELAÇÕES COMERCIAIS RECENTES DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL COM O PARAGUAI UUU 267
Desse modo, o país mostrava uma postura moderada e, de certa
forma, conformista e voluntarista, especialmente no que diz respeito à
aceitação de regras formuladas pelas grandes potências. Nesse cenário,
apesar de buscar a diversificação de parcerias econômico-políticas, a
ênfase estava, sobretudo, no relacionamento com os países responsáveis
pela formulação dessas regras – notadamente, Estados Unidos e União
Europeia . Além desses centros, os países vizinhos (sobretudo via Mer-
cosul) também ocuparam papel central na gestão de Cardoso.
A política externa de Lula da Silva trouxe, portanto, um modo
distinto de buscar o desenvolvimento nacional por meio das relações
externas. Vigevani e Cepaluni (2011) nomearam esse modelo como de
“autonomia pela diversificação”, que, segundo os mesmos (2011, p. 136),
pode ser resumido nas seguintes diretrizes:

“(...) adesão aos princípios e normas internacionais por meio de


alianças Sul-Sul, incluindo alianças regionais, mediante acordos
com parceiros comerciais não tradicionais (China, Ásia-Pacífico,
África, Leste Europeu, Oriente Médio, etc.), na tentativa de re-
duzir assimetrias nas relações exteriores com as potências e, ao
mesmo tempo, manter boas relações com os países em desenvolvi-
mento, cooperando em organizações internacionais e reduzindo,
assim, o poder dos países centrais”.

Por meio dessa centralidade em relação aos países do “sul”, mas


sem deixar de lado as relações com os países do “norte”, o Brasil buscou
se projetar como potência no sistema internacional. A percepção era
de que o país tinha capacidade para se projetar de forma mais forte no
sistema internacional. Keohane (1969) desenvolveu o conceito de sys-
tem-affectingstates” para designar aquelas potências médias que, ainda
que não sejam capazes de afetar o sistema internacional agindo isolada-
mente, são capazes de impactos significativos nesse mesmo sistema ao
formar grupos ou alianças em organizações regionais e/ou universais.
Essa percepção leva a estratégias de criação de parcerias e/ou de
projeção enquanto potência regional. Como observou Hurrell (2009),

268 UUU Márcio Augusto Scherma


a preponderância regional deveria representar parte importante de
qualquer reivindicação do status de grande potência. Dessa forma, um
país pode enxergar a região em que se insere como meio de agregar
poder e fomentar uma coalizão regional para facilitar suas negociações
internacionais.
A partir de uma reconhecida liderança regional, o país passaria
a ser visto como potência na medida em que cumprisse bem o papel de
administrador ou produtor da ordem regional, garantindo, por exem-
plo, participação no gerenciamento de crises regionais, ou também por
meio da cooperação internacional. Essa parece ter sido a tônica de atua-
ção do governo Lula para a América do Sul. Conforme destacou Prado
(2012, p. 63):

“Durante os oito anos de mandato, a América do Sul foi priori-


dade máxima, não só como um fim, mas também como uma ma-
neira de demonstrar capacidade de liderança regional e alcançar,
com isso, um status mais relevante no sistema internacional, de
representante da América do Sul. A atuação pragmática da chan-
celaria nacional em contendas envolvendo os países vizinhos (ou
mesmo o próprio Brasil) caracteriza a hipótese de que o Brasil se
utilizou, durante esse período, da política externa para a América
do Sul como um instrumento de viabilização de poder do país no
cenário internacional”.

O Brasil demonstra, em discursos e em ações4, estar disposto a


adotar uma postura de liderança benéfica; ou seja, dá mostra de estar
disposto a incorrer em perdas relativas em curto prazo em prol do de-
senvolvimento dos vizinhos, que geraria benefícios futuros. Conforme
destacou o então presidente Lula:

“(...) é preciso que o Brasil cresça, se desenvolva e que os países


vizinhos também cresçam e se desenvolvam, porque aí nós ire-

4 Casos da Bolívia (nacionalização do gás), e do próprio Paraguai (tarifas da energia


de Itaipu), dentre outros.

AS RELAÇÕES COMERCIAIS RECENTES DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL COM O PARAGUAI UUU 269
mos criar um continente altamente desenvolvido com o povo ten-
do uma qualidade de vida extraordinária (...). A um país como o
Brasil não interessa ser apenas um país grande, economicamente
forte, com um monte de gente pobre do seu lado. É preciso que
todos cresçam, que todos tenham condições de se desenvolver”5.

Por conseguinte, tanto a atuação política, quanto a econômica


junto aos vizinhos chegam ao posto de prioridade. Destacam-se, so-
bretudo, a ampliação do Mercosul – e, nele, a criação tanto do Fundo
para Convergência Estrutural e Fortalecimento Institucional do Mer-
cosul (FOCEM), quanto do Parlamento do Mercosul (Parlasul) – e a
iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional da América do
Sul (IIRSA)6.
O governo Lula buscou, portanto, alavancar e diversificar o co-
mércio internacional do Brasil, incluindo novos parceiros e conferindo
mais ênfase aos países do sul – dentre os quais os sul-americanos. Esses
últimos recebiam ainda maior ênfase, dada a importância estratégica
mencionada anteriormente. Dessa forma, o destino das exportações
brasileiras alterou-se, conforme a tabela a seguir aponta.
TABELA 1. Exportações brasileiras por países e/ou blocos econômicos
selecionados (2002 e 2010). U$ FOB

Fonte: Elaborado pelo autor a partir de dados do Aliceweb/MDIC.

5 O GLOBO. Lula diz que integração da América do Sul depende de gesto do Bra-
sil. Disponível em < http://oglobo.globo.com/economia/lula-diz-que-integracao-
da-america-do-sul-depende-de-gesto-do-brasil-3607901 >. Último acesso em
15/05/2014.
6 É importante ressaltar o papel destinado às empresas brasileiras nesse processo,
sobretudo na IIRSA.

270 UUU Márcio Augusto Scherma


Conforme pode ser observado, a participação da América do Sul
como destino das exportações brasileiras sofreu incremento significa-
tivo, passando a representar em 2010 (último ano de mandato de Lula)
18,4% do total, frente a 12,4% em 2002 (último ano de governo FHC).
Em valores absolutos, o incremento foi de 496%.
Logo após a Ásia, a América do Sul foi a região em que as expor-
tações brasileiras mais aumentaram, tanto em termos absolutos quanto
no percentual total. As exportações para a União Europeia (UE) apre-
sentaram crescimento expressivo, embora diminuisse sua parcela de
participação total, ao passo que as exportações para os EUA mostraram
crescimento modesto e significativa perda de participação no total. Há
diferenças quando analisamos as importações:
TABELA 2. Importações brasileiras por países e/ou blocos econômicos
selecionados (2002 e 2010). U$ FOB

Fonte: Elaborado pelo autor a partir de dados do Aliceweb/MDIC.

Enquanto a Ásia praticamente dobrou sua participação no to-


tal geral de importações brasileiras, União Europeia, Estados Unidos
e mesmo a América do Sul perderam espaço, apesar de incrementos
substantivos em valores absolutos.
Para a América do Sul, esse cenário certamente confirmou a ên-
fase propagada pelos policymakers, e apontada pelos estudiosos, uma
vez que aumentaram substantivamente tanto as exportações quanto as
importações. Contudo, é interessante notar que o saldo comercial, que
era ligeiramente desfavorável ao Brasil em 2002, passou a ser bastante
favorável em 2010. Quando analisamos as exportações por países, o ce-
nário é o seguinte:

AS RELAÇÕES COMERCIAIS RECENTES DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL COM O PARAGUAI UUU 271
TABELA 3. Exportações brasileiras para os países da América do Sul
(2002 e 2010). U$ FOB

Fonte: Elaborado pelo autor a partir de dados do Aliceweb/MDIC.

Já no tocante às importações, o cenário pode ser analisado na


tabela 4.
TABELA 4. Importações brasileiras para os países da América do Sul
(2002 e 2010). U$ FOB

Fonte: Elaborado pelo autor a partir de dados do Aliceweb/MDIC.

Assim, de um saldo de cerca de U$ 137 milhões, a região passou


a ter um déficit de cerca de U$ 11 bilhões. Entretanto, apenas Argentina
e Bolívia apresentaram mudanças de “status”: enquanto o primeiro pas-
sou de superavitário a deficitário, o segundo fez o movimento inverso.

272 UUU Márcio Augusto Scherma


Em suma, a política externa de Lula mostrou alterações signifi-
cativas em relação à gestão anterior. A ênfase na projeção internacional
do Brasil de modo mais assertivo passou pela busca da construção de
liderança regional na América do Sul. Incentivando a integração física
(com apoio das empresas brasileiras, claro) e buscando ampliar as re-
lações comerciais, o Brasil conferiu certamente uma ênfase inédita na
região.
Entretanto, apesar de discursos de “liderança benéfica” e de epi-
sódios em que sofreu perdas relativas, o Brasil, no campo comercial,
acabou por ampliar seus interesses. Gerou, então, déficits comerciais
dos demais países sul-americanos para consigo. Além disso, em muitos
casos a atuação de empresas brasileiras gerou críticas na região, de for-
ma que o processo não foi harmônico.
A próxima seção busca apresentar o caso específico do Paraguai
e sua importância enquanto parceiro comercial para o Brasil. Mais
adiante, a análise centrar-se-á na relação do Paraguai com o estado de
Mato Grosso do Sul.

3. O PARAGUAI E AS OPORTUNIDADES ECONÔMICAS


O Paraguai localiza-se no centro da América do Sul, tendo divi-
sas com Brasil, Argentina e Bolívia e possui população de cerca de 6,7
milhões de habitantes7. A capital, Assunção, concentra mais de 10% do
total da população. Contudo, outras cidades importantes são Ciudaddel
Este, Encarnación, Pedro Juan Caballero, Salto del Guairá, Concepción
e Coronel Oviedo. O fato de estarem localizadas em regiões de fronteira
com cidades de Brasil e Argentina confere a elas um movimento signi-
ficativo de intercâmbio não apenas econômico, mas também social e
cultural.

7 Dados da Dirección General de Estadística, Encuestas y Censos – projeção para o


ano de 2012. Disponível em < http://www.dgeec.gov.py/sub_index/Pobreza/index.
php>. Último acesso em 16/05/2014.

AS RELAÇÕES COMERCIAIS RECENTES DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL COM O PARAGUAI UUU 273
O crescimento da economia paraguaia foi constante entre 2003 e
2008. Teve uma queda significativa em 2009 – em boa medida devido
à crise mundial – e retomou vigorosamente o crescimento em 2010. Na
comparação com as taxas de crescimento da economia brasileira, em
cinco dos dez anos compreendidos entre 2003 e 2012, o Paraguai cres-
ceu a taxas mais elevadas.
GRÁFICO 1. Crescimento do PIB – Brasil e Paraguai (2003 a 2012). Em %.

Fonte: Elaborado pelo autor a partir de dados do Banco Mundial.

O país aumentou significativamente suas importações ao longo


do tempo, sobretudo a partir de 2002, quando houve um movimento
que terminou por multiplicar por dez o valor importado (de U$ 1,6 bi
em 2002 para U$ 11,5 bi em 2012), conforme pode ser visto no gráfico
2 a seguir.

274 UUU Márcio Augusto Scherma


GRÁFICO 2. Volume importado pelo Paraguai (1980 a 2012), em U$ milhões.

Fonte: Elaborado pelo autor a partir de dados da OMC, International Trade.

Na pauta de importações paraguaia estão, sobretudo, os produtos


industrializados, já que o país tem poucas indústrias nacionais. Esse foi
o cenário,principalmente, no que diz respeito às importações feitas jun-
to ao Brasil. Segundo dados do Ministério de Desenvolvimento, Indús-
tria e Comércio Exterior (MDIC) do Brasil, os produtos manufaturados
corresponderam a mais de 90% das exportações brasileiras ao Paraguai
em 2013, conforme se observa no gráfico 3.
Pode-se constatar, portanto, que o Paraguai é uma economia em
expansão. Além disso, as condições históricas de seu desenvolvimento
implicaram ao país a necessidade de importação de produtos manufa-
turados (tanto bens de consumo duráveis quanto nãoduráveis). O Brasil,
pela localização geográfica privilegiada e pelo maior desenvolvimento
industrial relativo, é um parceiro quase natural da economia paraguaia.

AS RELAÇÕES COMERCIAIS RECENTES DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL COM O PARAGUAI UUU 275
GRÁFICO 3. Importações do Paraguai junto ao Brasil (2013), em %.

Fonte: Elaborado pelo autor a partir de dados do MDIC.

Empossado em 2013, o atual presidente Horacio Cartes é conhe-


cido pela sua trajetória empresarial. É presidente do Grupo Cartes – um
conglomerado de empresas de bebidas, cigarros e charutos, roupas e
carnes, e além de administrar centros médicos, Cartes é um dos homens
mais ricos do Paraguai.8 Sua visão empresarial parece ter influenciado
na indicação dos gestores públicos de sua administração: em grande
parte personalidades atuantes no setor privado e de perfil técnico.
Esse novo corpo gestor dá sinais de que pretende melhorar o
ambiente infra-estrutural paraguaio – por meio de parcerias com o
setor privado – como forma de impulsionar a economia e atrair mais
investimentos.9
Feita essa breve explanação, buscar-se-á agora caracterizar as
principais dinâmicas da economia sul-mato-grossense e relacioná-las

8 BBC. Conheça Horácio Cartes, milionário eleito novo presidente do Paraguai. Dis-
ponível em < http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2013/04/130421_hora-
cio_cartes_paraguai_perfil_jp.shtml>. Último acesso em 16/05/2014.
9 PORTAL DA INDÚSTRIA. Paraguai espera atrair investimentos de US$ 7,5 bilhões
para infraestrutura. Disponível em: <http://www.portaldaindustria.com.br/cni/im-
prensa/2014/02/1,32954/paraguai-espera-atrair-investimentos-de-us-7-5-bilhoes
-para-infraestrutura.html>. Último acesso em 16/05/2014.

276 UUU Márcio Augusto Scherma


com a inserção do estado no comércio internacional. A seguir, analisar-
se-á as relações comerciais entre o Mato Grosso do Sul e o Paraguai.

4. O MATO GROSSO DO SUL


O estado do Mato Grosso do Sul (MS) é fruto do desmembramen-
to do antigo estado de Mato Grosso, em 1979. É o sexto maior estado
brasileiro em área (cerca de 357.000 km2), mas apenas o 21º em popu-
lação, com cerca de 2,5 milhões de habitantes10. Faz divisa com cinco
estados brasileiros (Goiás, Paraná, Mato Grosso, Minas Gerais e São
Paulo) e dois países (Bolívia e Paraguai).
Tal qual a economia brasileira como um todo, a economia do
Mato Grosso (e, depois, do Mato Grosso do Sul) organizou sua econo-
mia exportadora a partir das influências recebidas do centro econômico
mundial. Nesse sentido, Lamoso (2011b, p. 134) assinalou que:

“O papel de Mato Grosso do Sul como uma “extensão” da econo-


mia paulista, conforme foi apontado em trabalho de Goldenstein
e Seabra (1989) vem se confirmando no Mato Grosso do Sul desde
seu processo de ocupação e povoamento, com a produção de ar-
roz, café e gado, para o abate nos frigoríficos do interior paulista.
A partir dos anos sessenta houve a expansão do cultivo da soja,
enquanto a carne bovina continuou destinada ao mercado inter-
no. O crescimento da produção de grãos (soja e milho), o tamanho
médio das propriedades, os custos de produção e sua escala pos-
sibilitaram a expansão da agroindústria de aves e suínos, que se
localiza preferencialmente na porção meridional do estado. Entre
os dez produtos mais exportados também constam os minerais
metálicos (minério de ferro granulado e manganês) extraídos da
Morraria do Urucum, na planície do Pantanal”.

Marcada, portanto, por produtos básicos, a pauta de exportações


de Mato Grosso do Sul é bastante similar à nacional. Senão, vejamos: dos

10 Informações disponibilizadas pelo IBGE.

AS RELAÇÕES COMERCIAIS RECENTES DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL COM O PARAGUAI UUU 277
doze itens mais exportados pelo Brasil, sete também estão na lista daque-
les exportados pelo Mato Grosso do Sul11. Lamoso (2011b, p. 41) assinalou
a esse respeito que “A base exportadora do Mato Grosso do Sul revela o
papel que foi destinado ao agronegócio para conter o déficit que se abriu
na balança comercial com as políticas neoliberais dos anos 90”.
Ora, se a pauta de exportações do MS é composta essencialmente
por produtos básicos e a pauta de importações paraguaias composta es-
sencialmente de manufaturados, é de se esperar que as relações comer-
ciais entre ambos não sejam tão acentuadas. De fato, pode-se observar
que em 2013, o Paraguai foi apenas o 32º maior receptor das exporta-
ções sul-mato-grossenses, conforme mostra a tabela 5.
TABELA 5. Principais países de destino das exportações do MS (2013).

Fonte: Elaborado pelo autor a partir de dados do Aliceweb/MDIC.

Ao analisarmos essa mesma posição ao longo dos últimos anos,


é possível constatar que ela é fruto de um movimento descendente; ou
seja, o Paraguai tem ocupado um espaço proporcionalmente cada vez

11 São eles: soja, pasta química de madeira, carne bovina, açúcar de cana, milho em
grão, minério de ferro e miúdos de aves.

278 UUU Márcio Augusto Scherma


menor como destino das exportações do Mato Grosso do Sul, corrobo-
rando a hipótese levantada anteriormente sobre a não complementari-
dade das pautas.
Portanto, observa-se que, quanto mais avança o modelo baseado
na exportação de commodities, é proporcionalmente menor o papel do
Paraguai como comprador de produtos sul-mato-grossenses, conforme
pode ser observado no gráfico 4.
GRÁFICO 4. Posição do Paraguai entre os principais destinos das exportações do
MS (2000-2013).

Fonte: Elaborado pelo autor a partir de dados do Aliceweb/MDIC.

Quando comparado o papel do Paraguai como destino das ex-


portações brasileiras como um todo com o papel do mesmo nas ex-
portações do MS, pode-se imaginar, inicialmente, que este último seria
mais acentuado, dada a proximidade geográfica. Apesar disso se confir-
mar até o ano de 2009, daquele momento em diante constatou-se justa-
mente o oposto, conforme a tabela 6.

AS RELAÇÕES COMERCIAIS RECENTES DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL COM O PARAGUAI UUU 279
TABELA 6. Comparação da posição do Paraguai entre os principais destinos das
exportações do MS e Brasil (2000-2013).

Elaborado pelo autor a partir de dados do Aliceweb/MDIC.

Ao analisarmos a evolução da composição da pauta de exportações


do MS ao Paraguai, notamos que nos dois momentos observados (2003
e 2013), dos dez principais produtos exportados, a maior parte pode ser
classificada como produtos básicos, conforme aponta a tabela 7.
Tabela 7. Principais produtos exportados:MS/Paraguai (2003 e 2013).

Elaborado pelo autor a partir de dados do Alicewe b/MDIC.

Fazendo a mesma análise para o total de exportações brasileiras,


o cenário é bastante distinto. Ainda que haja uma variação considerável
nos principais produtos exportados, eles continuam sendo majoritaria-
mente classificados como bens semi- manufaturados ou manufatura-
dos, como consta na tabela 8.

280 UUU Márcio Augusto Scherma


TABELA 8. Principais produtos exportados: Brasil/Paraguai (2003 e 2013).

Elaborado pelo autor a partir de dados do Alice web/MDIC .

Constata-se, portanto, que apesar da proximidade geográfica en-


tre o Mato Grosso do Sul e o Paraguai e dos incentivos à exportação e
priorização da América do Sul pela política externa brasileira, o Para-
guai não é um destino tão relevante para as exportações do estado. A
própria economia sul-mato-grossense, baseada essencialmente na agro-
pecuária é um entrave – uma vez que o Paraguai tem produzido parcela
importante desses gêneros em seu próprio território.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como o texto mostrou, a política externa de Lula da Silva foi
marcada por um incremento nas relações com a América Latina, em
grande medida como parte de um projeto de alcance internacional do
Brasil. Do ponto de vista econômico, o crescimento tanto das exporta-
ções, quanto das importações foi notável, aumentando a importância
da região para o comércio internacional brasileiro.
Importante destacar, ainda, que nesse processo houve uma ten-
dência de crescimento do déficit da maioria das economias vizinhas
junto ao Brasil, o que demonstra o poder econômico brasileiro frente
aos parceiros regionais. Constantemente acusado de imperialista, essa
situação pode vir a trazer problemas para a imagem e liderança que o
país almeja construir.
O Paraguai, um de seus vizinhos, tem uma importância regio-
nal bastante destacada. Com fronteira bastante viva com os estados
brasileiros do Paraná e Mato Grosso do Sul e uma economia que vem

AS RELAÇÕES COMERCIAIS RECENTES DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL COM O PARAGUAI UUU 281
crescendo a uma média próxima de 4% ao ano. Além disso, o novo
Presidente – Horacio Cartes – é um empresário que tem declarado a
intenção de fomentar o setor privado paraguaio, bem como continuar
atraindo investimentos externos.
Esse cenário parece indicar boas possibilidades de incremento
do comércio paraguaio com o Mato Grosso do Sul. De fato, quando
observamos em termos de volume, as exportações do MS para o Pa-
raguai tiveram um crescimento de quase 293%. Entretanto, essa taxa é
significativamente menor do que o crescimento das exportações brasi-
leiras para o vizinho (em torno de 423%). Esses dados parecem indicar
um contrassenso: ora, como as exportações de um estado vizinho (com
todas as facilidades logísticas, portanto) podem ter crescido em propor-
ção menor àquelas feitas pelo país em geral?
Parte da explicação para esse aparente contrassenso está na com-
posição da pauta importadora paraguaia e exportadora sul-mato-gros-
sense: enquanto a primeira está focada nos produtos manufaturados,
a segunda concentra-se nos produtos básicos. Desse modo, apesar da
proximidade geográfica, a complementaridade das economias não pa-
rece ser tão significativa. Ressalta-se, ainda, que alguns dos principais
produtos primários produzidos no MS também o são em larga escala no
país vizinho (caso da soja, por exemplo).
Por outro lado, outra parte da explicação pode residir na instala-
ção de filiais de empresas do estado no Paraguai, atraídos pelos custos
de produção relativamente mais baixos, energia abundante, proximida-
de idiomática, isenção de impostos, bem como pelas facilidades logísti-
cas12. É possível, portanto, que parcela importante do que seriam as ex-

12 Importante citar ainda a chamada Lei de Maquila, de 2000. Referida lei é voltada
especialmente para empresas estrangeiras cujo objetivo é, especificamente, a expor-
tação. Por meio de inúmeros incentivos fiscais, as empresas instalam-se no Paraguai
e podem importar as matérias-primas, maquinários e insumos necessários para
fabricação de produtos que são, então, reexportados. Apesar da lei datar de 2000, foi
com a ascensão de Horacio Cartes que o movimento de atração de investimentos
estrangeiros vem ganhando força – sobretudo junto ao Brasil.

282 UUU Márcio Augusto Scherma


portações do Mato Grosso do Sul para o Paraguai tenham se convertido
em investimento estrangeiro direto naquele país.
Dessa maneira, longe de esgotar o assunto, o presente trabalho
buscou apontar alguns elementos indicativos das relações econômicas
entre o Mato Grosso do Sul e o Paraguai. Para compreender melhor as
relações econômicas entre ambos, é necessário investigar outros aspec-
tos, como os investimentos diretos, indicado anteriormente. Assim, as
informações ora apresentadas são apenas um primeiro passo na direção
do estudo dessas crescentes relações, buscando encontrar novas possi-
bilidades e soluções para os possíveis gargalos que porventura impeçam
o avanço ainda maior dessa integração econômica.

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284 UUU Márcio Augusto Scherma


O AMBIENTE INSTITUCIONAL
DA ECONOMIA PARAGUAIA
Dores Cristina Grechi
Eliana Lamberti

1. INTRODUÇÃO
A sociedade paraguaia se distingue dos demais países latino-a-
mericanos desde seus primórdios não somente por se constituir em
uma das populações mais homogêneas do território sul-americano1. No
decorrer dos séculos, as opções políticas fizeram com que o transcurso
da sua história fosse ainda mais singular, seja em função da presença
quase constante de regimes ditatoriais, ou pelo envolvimento direto em
conflitos bélicos.
Em se tratando da geografia econômica do país, a mesma está
caracterizada por atividades financeiras que se desenvolvem quase ex-
clusivamente na região oriental, onde se localizam as maiores cidades,
as poucas indústrias e as atividades comerciais. Essa concentração tam-
bém tem importantes implicações. Embora a geografia física tenha, por
meio do rio Paraguai, divido o país em duas regiões distintas2, as pos-
sibilidades de sobrevivência sublinharam ainda mais essa divisão. Na
parte oriental do país, onde se localiza a capital Assunção,3 está, tam-
bém, 97,5% da população. Os demais 2,5% estão distribuídos na porção

1 91% da população é composta pela miscigenação de espanhóis e índios guaranis.


2 A porção oriental corresponde a 159.827 km2 de planícies, bosques e ampla rede
fluvial. A porção ocidental, conhecida como Chaco, abarca 246.925 km2 (ou 2/3
de todo o território) e é caracterizada por uma grande planície, escassez de água e,
consequentemente, vegetação e clima semidesértico.
3 O predomínio da capital do país é tão importante que se fala em cultura institucio-
nalmente centralista. A divisão interna está constituída em 17 departamentos, além
de distritos e, aproximadamente, 200 cidades que constitucionalmente gozam de

UUU 285
ocidental, onde se destaca a presença de grupos menonitas4, indígenas,
pecuaristas e camponeses. Ainda do ponto de vista da geografia física,
o país limita-se com a Argentina (sul, leste e oeste), com o Brasil (norte
e leste) e Bolívia (norte e oeste).
A base econômica do país, atualmente, é definida pelo setor agro-
pecuário e pelo comércio, e foi se consolidando no decorrer da história
econômica do mesmo modo que a ausência de um processo industria-
lizante e a viabilidade da opção de exportação não estimularam o de-
senvolvimento de centros urbanos. A falta de alternativas decorrente
da inexistência de uma política econômica voltada à criação de outras
atividades industriais com uso intensivo de mão de obra (fator abun-
dante no país) está na base do elevado número de pessoas ocupadas na
triangulação comercial, em serviços bancários e financeiros, além do
subemprego urbano5.
Os anos de 1990 inauguram um período carregado de desafios e
necessidades de mudança. Para Soares (2007), a transição democrática
paraguaia em andamento precisa implantar, de fato, uma democracia
num país sem experiência democrática. Para isso, é preciso modernizar
e desvincular o aparelho estatal do Partido Colorado (historicamente
governante). Dessa forma, o século XXI surge sem que as reformas te-
nham se traduzido em mudanças práticas6 e o setor público permanece
paralisado com dificuldades para traçar um projeto de desenvolvimen-
to alternativo. A autora destaca também que o Paraguai é um país des-
conhecido e o contexto interno atual é resultado da ausência de trans-
formações necessárias, em função dos desafios impostos seja pela queda

autonomia política, administrativa e normativa, autonomia de arrecadação e inves-


timento dos recursos.
4 Grupo protestante que teve origem na Suíça em 1525, e se caracteriza pelo tradicio-
nalismo religioso e valores morais rígidos.
5 Os dados para o ano de 2002 indicaram que 56,7% dos 5.163.198 habitantes esta-
vam na área urbana.
6 Até porque, como ressalta a autora, preponderam, ainda, as relações pessoais em
todos os âmbitos da vida paraguaia que reforçam a cultura da informalidade no
interior do próprio Estado.

286 UUU œÀiÃÊ


ÀˆÃ̈˜>ÊÀiV…ˆÊUÊ ˆ>˜>Ê>“LiÀ̈
do regime militar, seja pelas mudanças do contexto internacional. A
falta de investimento, acompanhada pelo crescimento demográfico sig-
nificativo e a falta de uma estratégia de desenvolvimento econômico,
são circunstâncias agravadas pela histórica pratica de corrupção tanto
nos setores públicos como privados.
Nas palavras da pesquisadora:

“O Paraguai possui características socioculturais, econômicas e


políticas muito particulares que o diferenciam dos demais paí-
ses da região. Enquanto estes implantaram, com maior ou menor
êxito, o modelo substitutivo de importações, que modernizou suas
economias, criaram novas instituições e difundiram valores mo-
dernos, reformaram a estrutura política e burocrática do Estado,
o Paraguai permaneceu, até a atualidade, um país agrário com
um “Estado predador”. Uma circunstância agravante é a mediter-
raneidade do país, sua tendência ao isolamento, seu viés autár-
quico e seu temor às influencias externas” (SOARES, 2007, p. 65).

Essas considerações preliminares do contexto paraguaio servem


para ilustrar e introduzir o ambiente econômico e institucional com-
plexo, no qual as próximas linhas estão inseridas. Para isso, propõe-se
enquanto objetivo geral a construção de uma interpretação da traje-
tória recente do Paraguai pela ótica das instituições e do desempenho
econômico. Para que esse seja contemplado, entende-se ser necessário:
apreender o contexto econômico do Paraguai nos anos de 19907; ana-
lisar as implicações de alguns aspectos do lado monetário e do lado
real da economia e investigar a conformação do ambiente econômico e
institucional.

7 A década de 1990 é o limite temporal da análise por razões de ordem prática (como
disponibilidade dos dados secundários) e pela expectativa de se identificar mudan-
ças significativas nos rumos políticos, sociais e econômicos (haja vista a queda do
regime militar) capazes de alterar o contexto institucional sobre a qual o século XXI
deveria se estabelecer.

O AMBIENTE INSTITUCIONAL DA ECONOMIA PARAGUAIA UUU 287


As dificuldades de pesquisa sobre a realidade paraguaia (carên-
cia, fragilidade e dispersão das fontes primárias e secundárias) foram
superadas pela identificação de um considerável acervo bibliográfico
junto à Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em espe-
cial no Centro Brasileiro de Documentação e Estudos da Bacia do Pra-
ta (CEDEP), na Biblioteca Setorial de Ciências Sociais e Humanidades
(BSCSH) e junto à Biblioteca da Fundação de Economia e Estatística
Siegfried Emanuel Heuser (FEE).
Do ponto de vista teórico, os conceitos centrais foram empres-
tados da chamada economia institucional, cuja chave interpretativa
incorpora elementos atinentes à sociedade, cultura e política, muito
embora a abordagem econômica seja preponderante, haja vista que é a
mais fácil de situar e de maior amplitude: “ E ela não só dá o ritmo do
tempo material do mundo: todas as outras realidades sociais, cúmpli-
ces ou hostis, intervêm incessantemente no seu funcionamento e são,
por sua vez, influenciadas: é o mínimo que se pode dizer.” (BRAUDEL,
1998, p. 12).
De modo a atender ao objetivo proposto, as próximas páginas es-
tão divididas em dois blocos distintos, porém complementares. Primei-
ramente, faz-se a exposição dos elementos teóricos e conceituais da es-
cola institucionalista e em seguida a apresentação e análise do ambiente
institucional e econômico da realidade paraguaia.
São conhecidas as limitações de um trabalho que propõe investigar
aspectos tão amplos e complexos com base em fontes secundárias e ainda
em apenas algumas páginas, porém, a intenção de preencher as lacunas
do desconhecimento (ou negligência) sobre o Paraguai é ainda maior.

2. ALTERNATIVAS INTERPRETATIVAS: A PROPOSTA


INSTITUCIONALISTA DE DOUGLASS NORTH
A economia institucional é definida como uma alternativa teórica
(não marxista) ao neoclassicismo que reúne diferentes abordagens em
torno de algumas perspectivas em comum, muito embora algumas con-

288 UUU œÀiÃÊ


ÀˆÃ̈˜>ÊÀiV…ˆÊUÊ ˆ>˜>Ê>“LiÀ̈
ceitualizações fundamentais não sejam consensuais. As palavras-chave
que sintetizam o roteiro de discussão em torno da moderna abordagem
institucionalista são instituições, dinamismo, mudança (tecnológica) e
evolução8.
Segundo Conceição (2002), para os institucionalistas a economia
é um processo e está sujeita a mudança cumulativa, portanto, é resul-
tado do passado e se move para um futuro mutável. Tal entendimento
ressalta a necessidade de se compreender o conjunto histórico e institu-
cional como um desenvolvimento cumulativo. O processo de mudança,
por sua vez, é complexo e suas nuanças do crescimento econômico ge-
ram diferentes padrões de desenvolvimento. Nessa perspectiva, a aloca-
ção dos recursos escassos é dada pela estrutura organizacional de cada
sociedade que é representada por suas instituições e influenciada pela
cultura. Por isso, outras problemáticas emergem em torno da distri-
buição do poder na sociedade e da apreensão dos mercados enquanto
instituições complexas que operam e interagem com outras instituições
não menos complexas.
Posto isso, o corpo de conhecimento que embala o paradigma
institucionalista pode ser sintetizado nas seguintes proposições: a) o
estudo econômico é necessariamente multidisciplinar; b) as estruturas
de poder e as relações sociais não podem ser tidas como dadas; c) os
aspectos culturais influenciam a vida econômica e institucional, logo a
formação da estrutura social deriva também da cultura; d) é relevante o
modo pelo qual os valores se incorporam e se projetam nas instituições,
nas estruturas e nos comportamentos sociais; e) os recursos são aloca-
dos em função das instituições e estruturas de poder de cada sociedade;
f) tecnologia e industrialização influenciam a organização social, po-

8 Historicamente, a corrente Institucional foi a escola de pensamento econômico


dominante nos Estados Unidos no período entre as duas guerras mundiais, e seu
caráter inovador correspondeu ao mérito de comprovar a importância das institui-
ções, das rotinas e dos hábitos para a apreensão do sistema capitalista. Contudo,
a valorizaçã,o dos trabalhos descritivos sobre a natureza e função das instituições
político-econômicas não foi suficiente para se obter uma compreensão precisa da
realidade econômica pela mera observação ou recolhimento de dados.

O AMBIENTE INSTITUCIONAL DA ECONOMIA PARAGUAIA UUU 289


lítica e econômica, transformando o sistema econômico; g) o controle
social e a ação coletiva são importantes; h) a interação humana produz
as instituições sociais, fazendo com que a ênfase recaia sobre a ideia de
evolução social e econômica.

2.1 Instituições, crescimento e desenvolvimento econômico


A abordagem multidisciplinar vincula-se ao termo socioeconô-
mico, que é utilizado para pôr em evidência o fato de a economia ser
inseparável de uma série de instituições sociais e políticas na sociedade
em geral. Para Hodgson (1994, p.17), essa abordagem holística: “é um
imperativo flexível segundo o qual as teorias econômicas e sociais de-
viam ser ampliadas de modo a abrangerem todas as variáveis e elemen-
tos relevantes”.
Para Conceição (2002), o ponto de partida para entender a escola
institucionalista é a problemática em torno do conceito de crescimen-
to econômico que é resultado de um processo de mudança tecnológica
e institucional, logo pressupõe uma perspectiva histórica, processual e
cumulativa, muito embora esse conceito, dentro da visão instituciona-
lista, não seja consensual (assim como a definição de instituições).
De todo modo, o crescimento econômico deve ser entendido
como um processo com profundas raízes históricas e seu caráter quali-
tativo deve preponderar sobre o quantitativo. Nesse entendimento, des-
taca-se a tradição teórica heterodoxa para a qual o crescimento econô-
mico é um processo de natureza histórica sem qualquer compromisso
com a estabilidade de longo prazo. A mediação é feita pelas instituições
que o configuram e são decisivas para a formatação das trajetórias his-
tóricas de crescimento. Essa perspectiva explica porque o crescimento
econômico só pode ser entendido quando se consideram as mudanças
a ele subjacentes.

“Isso implica reconhecer que crescimento não é redutível apenas


a aumentos no produto per capita, mas decorre da manifestação
de um processo dinâmico, com fases sucessivas de início, meio e

290 UUU œÀiÃÊ


ÀˆÃ̈˜>ÊÀiV…ˆÊUÊ ˆ>˜>Ê>“LiÀ̈
fim, intermediadas por mudanças, transformações ou mutações
no nível da atividade produtiva. Tais mudanças são de natureza
tecnológica ou econômica, que repercutem não só nas esferas mi-
cro e macroeconômica, mas também nas esferas social, política e
institucional” (CONCEIÇÃO, 2002, p. 604).

Considerando as instituições como engrenagens ou articulações


do processo de crescimento econômico (de um determinado tempo
e espaço) é consensual que as instituições e o meio ambiente institu-
cional exercem efeito decisivo sobre o processo econômico, induzem
(ou não) as inovações tecnológicas, a mudança na organização das
firmas, a gestão no processo de trabalho e a coordenação de políticas
macroeconômicas.
Como a escola institucional reúne um grupo heterogêneo de pes-
quisadores, Conceição (2002) apresenta diferentes conceitos de institui-
ções de acordo com essa divergência teórica.

“Para os discípulos da tradição de Veblen9, o termo instituição


está relacionado aos hábitos, às regras e a sua evolução consi-
derando o vínculo das especificidades históricas com a aborda-
gem evolucionária10: “Nesse sentido, instituição é definida como
resultado de uma situação presente, que molda o futuro através
de processo seletivo e coercitivo, orientado pela forma como os
homens veem as coisas, o que altera ou fortalece seus pontos de
vista” (CONCEIÇÃO, 2002, p. 609).

A corrente denominada Neo-institucionalista, cujos nomes de


destaque são John Kenneth Galbraith, Geoffrey Hodgson e Richard
Nelson, apreende o termo instituição como conceito central para expli-
car a diferença entre as nações, ou seja, as nações possuem trajetórias de
desenvolvimento distintas porque possuem instituições distintas.

9 ThorsteinVeblen, fundador do antigo institucionalismo no início do século XX.


10 Os institucionalistas são considerados também evolucionários, porque negam a
noção de equilíbrio e porque pressupõem o processo de mudança e transformação.

O AMBIENTE INSTITUCIONAL DA ECONOMIA PARAGUAIA UUU 291


Para Hodgson (1994), as instituições podem ser conceituadas de
forma global como sendo a organização social que por efeito da tradi-
ção, dos costumes e constrangimentos legais cria padrões de comporta-
mento duradouros e rotinizados. O que não deve supor uma perspecti-
va rígida ou determinista, porque a atividade humana não é assim. Há
influências externas que condicionam as ações, mas não as determinam
inteiramente, há padrões de comportamento que podem estar relacio-
nados com o meio cultural ou institucional, onde algumas ações são
previsíveis, mas outras não. Logo, é essa dimensão de imprevisibilidade
que torna incerto o futuro econômico no sentido radical.
Como exposto, a conceitualização do termo instituições tem in-
corporado diferentes estudiosos do tema, mas isso não significa que
haja comunhão dos conceitos. Para alguns, o termo corresponde a or-
ganizações concretas (como universidades, departamentos de Pesquisa
& Desenvolvimento, agências governamentais); para outros, são instru-
mentos que objetivam estabilidade, coordenação e regulação das ativi-
dades econômicas. Podem ser informais, as quais influenciam o com-
portamento, a cultura, os hábitos e as rotinas (seja das empresas, seja do
comportamento individual) ou ainda, enquanto as regras do jogo.
A diversidade em torno do conceito pode ser vista de forma ne-
gativa, porque negligencia os aspectos normativos e cognitivos, ou de
forma positiva, porque a diversidade se caracteriza como uma fonte de
riqueza dando um caráter abrangente e multidisciplinar. Entretanto,
não se observa a tendência a um conceito único, haja vista que o institu-
cionalismo abarca diferentes metodologias e níveis de análise (FELIPE,
2008).
Portanto, o crescimento econômico pressupõe a existência de ins-
tituições que mudam, ou seja, surgem e desaparecem em função das
mudanças. É o contexto institucional que faz a mediação entre cresci-
mento, desenvolvimento11 e mudança. Os padrões específicos de desen-

11 Por desenvolvimento, adota-se a abordagem proposta por Sen (2010), para quem o
conceito pode (e deve) ser visto como algo decorrente da expansão das liberdades
reais que dependem de vários fatores, entre eles, o ambiente social e econômico

292 UUU œÀiÃÊ


ÀˆÃ̈˜>ÊÀiV…ˆÊUÊ ˆ>˜>Ê>“LiÀ̈
volvimento são definidos como resultado das inovações tecnológicas,
do comportamento das firmas e das especificidades das instituições.
A relação entre desenvolvimento econômico e inovação tecnoló-
gica é abordada por Conceição em outro trabalho (2000). A inovação
exerce um efeito maior sobre o processo de desenvolvimento econômi-
co do que a invenção e a difusão. Isso porque é capaz de desencadear
transformações que ultrapassam os limites tecnológicos: difunde-se em
novos processos e produtos que afetam os hábitos e costumes sociais
institucionalizados em toda a sociedade. Embora seja uma etapa inter-
mediária entre invenção (geração de novas ideias) e difusão (dissemi-
nação dessa nova tecnologia), seu efeito sobre a conformação de novos
paradigmas tecnoeconômicos (que sustentam os ciclos longos de acu-
mulação de capital) é crucial.
O conceito de inovação relaciona-se à noção de tecnologia e pode
ser sintetizado como conhecimento técnico associado à produção de
bens e serviços, e sua abrangência foi expandida quando as instituições
sociais passaram a estar relacionadas às inovações e à política tecnoló-
gica. Então, são inerentes às inovações: a procura, a experimentação, a
imitação e a adoção de novos produtos e processos de produção, que
também requerem novas formas de organização.
O dinamismo, a interatividade e a cumulatividade são inerentes
ao processo de inovação e dependem do ambiente organizacional e ins-
titucional (que é mutante) e geram a consolidação de um paradigma tec-
nológico. Para o autor, a inovação é o motor das transformações sociais
com base em mudanças tecnológicas, institucionais e organizacionais12.

(oferta de serviços básicos de educação e saúde) e os direitos civis. A liberdade é um


produto do desenvolvimento, portanto, desenvolvimento é sinônimo de remoção
das principais fontes de privação de liberdade (pobreza, carência de oportunidades
econômicas, negligência dos serviços públicos etc.). Esse conceito de desenvolvi-
mento converge com o pensamento das correntes teóricas escolhidas para interpre-
tar a especificidade paraguaia.
12 O ambiente organizacional se refere não somente à produção e às características do
trabalho, mas também aos hábitos das pessoas.

O AMBIENTE INSTITUCIONAL DA ECONOMIA PARAGUAIA UUU 293


As diferentes formas de desenvolvimento econômico nos países
é resultado das condições sociais e institucionais que configuram o pa-
radigma tecnoeconômico: o ambiente institucional, a política macroe-
conômica, as políticas governamentais de ciência e tecnologia. Logo,
as inovações tecnológicas desencadeiam as mudanças estruturais no
desenvolvimento econômico.

2.2 As instituições de Douglass North


Douglass North, em diferentes publicações, oferece importantes
elementos no âmbito das instituições e suas implicações para o desen-
volvimento econômico13.
O primeiro aspecto que precisa ser destacado para entender a
linha de raciocínio do autor é sua abordagem histórica: a história no
aspecto econômico e a história da evolução institucional. A justificativa
para essa abordagem está na percepção de que o presente e o futuro
estão, de tal modo, conectados com o passado, que as instituições são
a continuidade desse processo histórico pretérito. De modo pontual, a
definição da história é a construção de um relato coerente de aspectos
da condição humana através do tempo. Embora não seja possível recriar
o passado, o que se faz é construir relatos sobre ele, e tal construção não
pode ser imaginária e sim baseada em evidências e teorias disponíveis,
de modo que se constitua em um relato coerente e lógico.
A história econômica, por sua vez, se preocupa com a explicação
dos diferentes aspectos de crescimento, paralisia e mesmo decomposi-
ção da sociedade ao longo do tempo e por meio do entendimento das
formas e consequências da interação humana, assim como seus resul-
tados nem sempre convergentes. Por isso, é fundamental incorporar a
temática instituições na história, não somente para contar uma histó-
ria melhor, mas principalmente porque a história presente resulta da
natureza das limitações institucionais oriundas do passado que, por

13 Uma característica de seus escritos é a preocupação com as fragilidades da teoria


neoclássica, assim como sinalizar orientações de modo a superá-las.

294 UUU œÀiÃÊ


ÀˆÃ̈˜>ÊÀiV…ˆÊUÊ ˆ>˜>Ê>“LiÀ̈
sua vez, impuseram limites às possibilidades de escolhas da sociedade,
o que permite compreender o contexto em que essas escolhas foram
realizadas.
As limitações (ou regras), portanto, são tanto de natureza formal
como informal, e são elas que dão forma à interação humana assim
como se constituem em incentivos (ou desincentivos) para essa intera-
ção nos âmbitos econômico, político e social, uma vez que a função das
regras é facilitar as relações políticas e econômicas.
No aspecto formal, as regras se referem àquelas de natureza po-
lítica, jurídica, econômica, assim como os contratos. O conjunto de re-
gras formais está organizado de modo hierárquico e define limitações
que podem variar de regras gerais a regras específicas. Do ponto de
vista político, as normas definem a estrutura hierárquica do governo
(estrutura de decisão, características) e do ponto de vista econômico,
as regras definem o direito à propriedade, o conjunto de direitos sobre
o uso e investimento decorrente da mesma e da capacidade de transfe-
rir um valor ou recurso. De um modo geral, as regras são constituídas
para favorecer interesses privados e não o bem-estar social, dado que o
grau da diversidade dos interesses econômicos e políticos influenciará a
estrutura de regras.
A simbiose entre economia e política é tal que as regras políticas
influenciam as regras econômicas e o contrário é verdadeiro também,
de modo que os direitos de propriedade, ou seja, os contratos indivi-
duais são especificados e cumpridos por meio da tomada de decisão
política. A estrutura dos interesses econômicos também influenciará
a estrutura política, dado que pode haver multiplicidade de grupos de
interesses diante de diferentes custos de oportunidade e poder de nego-
ciação política. Por isso, North (1995) destaca que a evolução política de
governos absolutos para governos democráticos é um caminho para a
maior eficiência política no sentido de permitir a participação cada vez
maior da população no processo de tomada de decisões políticas.

O AMBIENTE INSTITUCIONAL DA ECONOMIA PARAGUAIA UUU 295


Contudo, conhecer e elencar as regras formais não basta para
entender o desempenho econômico e político de uma sociedade, por-
que apresentam desempenho limitado, haja vista que decorre também
da interação das características informais o conjunto de escolhas e
resultados de uma sociedade: “Por consiguiente, considerando única-
mente las reglas formales, tendremos una noción inadecuada y a me-
nudo equívoca de la relación entre limitaciones formales y desempeño”
(North, 1995, p. 75).
Embora seja mais fácil descrever as regras formais (dada sua na-
tureza “palpável”), as interações diárias são regidas por meio de códigos
de conduta, normas de comportamento e convenções intimamente re-
lacionadas com aspectos que derivam da informação transmitida so-
cialmente e são parte da herança cultural.
A maneira pela qual o indivíduo processa as informações é a base
da existência das instituições e o ponto de partida para o entendimento
de como as limitações informais desempenham papel fundamental na
formação das escolhas mais imediatas e àquelas relacionadas à evolução
da sociedade. E é no curto prazo, que os aspectos culturais influenciam
a maneira como os indivíduos processam e utilizam as informações e,
portanto, constituem-se em limitações informais. O aspecto cultural14,
assim como as ideias, ideologias e religião (ou seja, elementos subje-
tivos) são fundamentais, porque dão sentido à história e auxiliam a
compreensão das limitações institucionais formais, além de ter papel
importante na forma pela qual as instituições evoluem.
Um conceito clássico na perspectiva de North para instituições é
aquele que as define enquanto as regras do jogo de uma sociedade, ou
ainda, enquanto as limitações idealizadas pelo homem que dão forma
à interação humana e estruturam os incentivos para tal interação no

14 Que se caracteriza pela forte capacidade de sobrevivência e, em geral, as mudanças


culturais são incrementais.

296 UUU œÀiÃÊ


ÀˆÃ̈˜>ÊÀiV…ˆÊUÊ ˆ>˜>Ê>“LiÀ̈
âmbito econômico, político e social, portanto, afetam o desempenho da
economia15 e podem ser criadas ou evoluir ao longo do tempo.
Contudo, é preciso diferenciar instituições de organizações, em-
bora ambas proporcionem a estrutura para as relações humanas. De
modo mais específico, as organizações se referem ao contexto político
(como os partidos), econômico (empresas, sindicatos, cooperativas), so-
cial (clubes, igrejas, associações desportivas) e órgãos educativos (como
escolas e universidades) e constituem grupos que estão reunidos por
meio de alguma identidade e objetivos comuns. Essas organizações
surgem em consequência das oportunidades proporcionadas pelo con-
junto de regras e, fundamentalmente, estão em plena interação com as
instituições, tanto que a evolução das organizações é determinada pelo
marco institucional, assim como são um dos agentes da mudança ins-
titucional: as instituições determinam as oportunidades e as organi-
zações são criadas para aproveitá-las e conforme evoluem, alteram as
instituições.
As organizações podem ainda ser conceituadas enquanto entida-
des cujo propósito é maximizar a riqueza, o investimento e outros obje-
tivos definidos pelas oportunidades, sendo que na busca por esses obje-
tivos é que está a possibilidade de mudança na estrutura institucional.
As instituições são criadas para servir aos interesses de quem tem
o poder de negociação para conceber novas normas e têm por função
reduzir a incerteza16 por meio do estabelecimento de uma estrutura es-
tável para a interação humana, contudo, essa estabilidade não pode ser
confundida como sinônimo de rigidez, ao contrário, a estabilidade das
instituições é compatível com a mudança permanente.

15 As instituições afetam o desempenho da economia porque têm efeito direto sobre


os custos de produção, que somados ao padrão tecnológico empregado, determi-
nam os custos de transação e transformação. Algumas instituições reduzem e ou-
tras elevam tais custos.
16 A incerteza, por sua vez, é consequência da complexidade dos problemas da intera-
ção humana e decorre das informações incompletas acerca da conduta dos outros
indivíduos no processo de interação humana.

O AMBIENTE INSTITUCIONAL DA ECONOMIA PARAGUAIA UUU 297


A estabilidade é obtida por meio de um conjunto complexo de
limitações que engloba as regras formais e informais, sendo que essas
últimas mostram-se persistentes por meio das rotinas, dos costumes,
das tradições e convenções. E tal estabilidade não significa eficiência
institucional, uma vez que pode ser condição necessária para a intera-
ção humana, mas não é condição suficiente para a eficiência.
Por mudança institucional pode-se entender o modo pelo qual as
sociedades evoluem ao longo do tempo e pela qual se pode entender a
mudança histórica. O processo de mudança, por sua vez, pode ser lento,
uma vez que não é um processo simples e, em geral, ocorre de modo
incremental como resultado das mudanças quanto às normas formais e
limitações informais.
Enquanto as regras formais podem mudar repentinamente, as re-
gras informais, que estão baseadas em costumes, tradições e códigos de
conduta, são mais resistentes e requerem tempo para adequarem-se. É a
persistência dos traços culturais frente à mudança nas normas formais
que faz com que as limitações informais mudem em patamares distin-
tos das limitações formais17.
As instituições que permitem as mudanças são capazes de captar
mais da lucratividade do comércio e estimular as atividades produti-
vas, embora possam persistir as vias improdutivas por um conjunto de
instituições que proporciona desincentivos às atividades produtivas por
meio do domínio militar, da política e da economia, do fanatismo reli-
gioso ou de organizações redistributivas simples.
Dessa forma, as mudanças econômica e tecnológica são impres-
cindíveis para a evolução social e econômica, e a mudança econômica
de longo prazo é consequência cumulativa de muitas decisões de curto
prazo dos empresários políticos e econômicos que, direta e indireta-
mente, dão forma ao desempenho.

17 Para o autor, o principal agente da mudança é o empresário individual que respon-


de aos incentivos presentes no marco institucional.

298 UUU œÀiÃÊ


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3. O AMBIENTE INSTITUCIONAL E A ECONOMIA:
O PARAGUAI EM QUESTÃO
O país foi palco e ator de conflitos bélicos nos dois últimos sécu-
los, cujas consequências econômicas e sociais são significativas. A Pro-
clamação da Independência e da República datam quase do mesmo pe-
ríodo (1811 e 1813, respectivamente) e conformaram movimentos “des-
de arriba”, tal qual a queda do regime ditatorial de Stroessner. Faz parte
desse processo um Estado centralizador e a cultura política autoritária.
Logo, a ausência de democracia e a cultura da submissão auxiliam na
explicação da presença constante de regimes ditatoriais. A partir de en-
tão, se tem a definição de um Estado nacional baseado numa sociedade
hierárquica e autoritária, cuja organização se daria por meio de alianças
entre os atores hegemônicos (oligarquia e forças armadas).
A “modernização” se baseou no cultivo da soja e algodão diante
dos movimentos conjunturais. A atuação das companhias estrangeiras,
a exploração de commodities e a especialização agrícola fizeram parte
do projeto de integração regional, também acompanhada pelo estímulo
à imigração. Esse movimento de expansão da fronteira agrícola foi cha-
mado de marcha para o Leste e resultou, entre outras coisas, na concen-
tração na porção oriental do país de todo dinamismo econômico, enal-
tecido também pela construção da Hidroelétrica de Itaipu. A limitação
de fontes alternativas de acumulação colaborou para a especialização
agropecuária e para o comércio.
Algumas mudanças ocorreram nessa trajetória histórica, mas
não de forma substancial e quando a modernização foi a palavra de
ordem, ela se deu de forma conservadora e, porque não, concentradora.
Enquanto isso, a classe trabalhadora foi vivenciando a precari-
zação laboral, a classe média e os segmentos empresariais não foram
estimulados num ambiente econômico onde as oportunidades de pro-
gresso não dependem da capacidade empreendedora ou da competitivi-
dade. Logo, as atitudes e o comportamento dos grupos e atores sociais
respondem a esse ambiente. Ademais, os espaços públicos sempre fo-

O AMBIENTE INSTITUCIONAL DA ECONOMIA PARAGUAIA UUU 299


ram percebidos ou valorizados como espaços estatais e utilizados em
benefícios dos atores políticos e hegemônicos.
O contexto econômico dos primeiros governos de transição (1989
a 1997) era de estancamento. O modelo agroexportador não foi substi-
tuído por outro alternativo e os esquemas planificadores tecnocráticos
ou estatais perderam relevância. Ou seja, esse período não correspon-
deu à melhoria nos indicadores econômicos, haja vista o esgotamento
do modelo produtivo primário extrativo e extensivo, baixo nível de in-
vestimentos privados, déficit do investimento público em capital huma-
no e infraestrutura18, falta de regras claras e perduráveis para os investi-
mentos privados e aprofundamento da desigual distribuição de renda19.
Portanto, o Paraguai estava constituído, no final dos anos de 1990,
por uma economia estancada e sem modificações substanciais em sua
estrutura produtiva, um Estado que não passou por reformas de modo a
estar preparado para as necessidades de crescimento e desenvolvimento
econômico, e atores sociais ou agentes econômicos frágeis e com pouca
incidência sobre políticas de transformação social e econômica.

3.1 O contexto econômico geral


Borda e Masi (1998) lembram que o Paraguai foi um dos últimos
países do continente que iniciou um processo de transição política para
a democracia. Porém, a singularidade do país não é somente no campo

18 O coeficiente de investimentos privados entre 1974-1988 foi de 21% e entre 1989-


1996 foi de19%. Já os investimentos públicos registraram coeficiente de 6% entre
1982-1988 e de 5% para 1989-1996. O comportamento decrescente do investimen-
to se traduziu em reduzida aquisição de máquinas e equipamentos, piorando a já
escassa mudança tecnológica.
19 A retração dos preços internacionais do algodão e da soja começou a manifestar-se
na década de 1980 e se converteu em tendência persistente nos anos de 1990. Essa
condição, somada à forte restrição das unidades campesinas cuja renda monetária
dependia da comercialização do algodão, enfrentou maiores dificuldades devido à
perda da fertilidade do solo e crescentes obstáculos para ter acesso a novas terras
com o fim da possibilidade de expansão da fronteira agrícola. As consequências
econômicas e sociopolíticas desse processo se materializaram na queda da deman-
da interna, no aumento do êxodo rural e no aprofundamento dos conflitos de terra.

300 UUU œÀiÃÊ


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político, mas especialmente no âmbito econômico, uma vez que não
experimentou uma estratégia de industrialização por substituição de
importações, não teve experiência hiperinflacionária e boa parte de sua
dinâmica tem sido estimulada em função da política tributária dos paí-
ses vizinhos.
O Paraguai, nos termos dos indicadores macroeconômicos, pode
ser apreendido por meio dos números que comprovam o comporta-
mento bastante específico diante de seus vizinhos.
Durante a década de 1980, o crescimento do Produto Interno
Bruto (PIB), além de positivo, era proporcionalmente maior. Entretan-
to, nos anos de 1990, enquanto os demais países já haviam efetivado
parte de uma agenda de reformas, o PIB paraguaio não manteve o mes-
mo comportamento em relação aos demais. Em se tratando da taxa de
desemprego, os percentuais apresentados no período de 1980 a 1996,
seguiram ocupando a segunda menor entre os países do Mercosul. Em
se tratando do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), entre os
países do Mercosul e incluindo a Bolívia e o Chile, para o ano de 1994,
o Paraguai registrou o índice na ordem de 0,706 (e o melhor colocado
foi o Chile com 0,891), ficando a frente apenas da Bolívia. Embora a es-
perança de vida ao nascer seja melhor do que a indicada para o Brasil e
Bolívia, assim como a taxa de alfabetização de adultos, o Produto Inter-
no Bruto per capita é consideravelmente inferior ao valor identificado
para os demais países (exceto para a Bolívia).
Diante do esgotamento do modelo anterior e da emergência de
um modelo produtivo alternativo, a condição de economia aberta é po-
tencializada. Mas, ao responder a uma lógica especulativa e, em geral,
ilegal, essa dinâmica começa a colidir com políticas econômicas dos
países vizinhos e comprometer as possibilidades diante do Mercosul,
uma vez que a lógica predominante não impõe limites à importação de
produtos estrangeiros, o que incentiva o comércio ilegal e a triangula-
ção. Ou seja, o perfil econômico predominante seguiu sendo a função
de triangulação comercial ou de reexportação com suas sequelas de
contrabando e ilegalidade.

O AMBIENTE INSTITUCIONAL DA ECONOMIA PARAGUAIA UUU 301


Para compreender essa constatação, são necessárias algu-
mas considerações sobre o comportamento e a tendência dos setores
econômicos.
O sistema econômico paraguaio está baseado principalmente na
exploração de seus recursos naturais, haja vista que dispõe de terras
aptas para agricultura e pecuária, além da riqueza em madeiras. A ex-
ploração desses bens segue a racionalidade própria de país subdesenvol-
vido e é a principal fonte de recursos.
Desde 1930 até princípio dos anos de 1970, a economia paraguaia
foi uma das duas ou três menos dinâmicas da América Latina com PIB
crescendo em média 3% e manifestando um quadro de estancamento.
A década de 1970 é um divisor de águas nessa trajetória porque
foi de alto ritmo de crescimento, com uma taxa anual do PIB em 8,5%.
As principais explicações para esse comportamento se referem à ex-
pansão da produção agrária (soja e algodão), com preços favoráveis no
mercado internacional e ampliação da fronteira agrícola, bem como a
construção da represa de Itaipu.
Entretanto, esse bom comportamento teve curta duração, porque
os anos de 1980 foram de recessão econômica mundial com repercus-
sões negativas na economia paraguaia, comprometendo, ainda mais, o
cenário já debilitado pela finalização das obras da Itaipu, pela adver-
sidade climática e pelas opções em termos de política econômica, que
contribuíram decisivamente para a recessão doméstica.
Pois bem, considerando que o Paraguai é um país eminentemen-
te agropecuário e florestal, é compreensível que o setor rural seja im-
portante não somente por gerar a base alimentícia da população, mas
principalmente por se constituir na principal fonte de poder aquisitivo,
produzir as matérias-primas que são processadas pelo setor industrial
(leia-se agroindústrias) e absorver uma considerável proporção de re-
cursos humanos do país. No entanto, uma de suas principais caracte-
rísticas é a baixa produtividade média.

302 UUU œÀiÃÊ


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O setor primário tinha significativa importância, mesmo que de-
crescente nas últimas décadas. Em 1950, participava com quase 50% do
PIB e em 1980, com 23%. Nos anos iniciais de 1990, representou cerca
28% e continua sendo a base econômica via geração de bens destinados
ao consumo interno, processamento industrial e exportações.
Ao desmembrar o setor primário em agricultura e pecuária, iden-
tifica-se que a participação desses subsetores no PIB agropecuário cor-
respondeu, em se tratando da agricultura, para os anos de 1980, 1985 e
1990, respectivamente: 57,6%, 61,6% e 62,3%; já a pecuária correspon-
deu, respectivamente, a 31,2%, 28,8% e 27,3%. A diferença ficou a cargo
da exploração florestal, caça e pesca.
O setor primário teve um forte crescimento, tal qual a economia
paraguaia em geral nos anos de 1970, em boa medida em função da
expansão da fronteira agrícola que ocorreu por meio de uma política
de reassentamento de famílias campesinas na região oriental do país. A
eficácia de tal política se viu limitada tanto pela falta da infraestrutura
adequada, quanto pela insuficiência da assistência creditícia e técnica.
Por outro lado, a referida expansão se deu pela incorporação de agricul-
tores (em especial, japoneses e brasileiros) que contavam com maiores
recursos, especialmente, o crédito externo. A grande parte da produção
realizada se concentrou na soja e no algodão, produtos direcionados aos
mercados externos e geradores de maior parte das divisas. Nessa década
(de 1970), a produção aumentou para esses cultivos cerca de 500%. De
1980 a 1992, a taxa média de crescimento do setor primário foi de 3,6%.
A dinâmica setorial estava dada fundamentalmente pela ativida-
de agrícola. A combinação soja-trigo se realiza em nível empresarial; já
o algodão é um cultivo típico do pequeno campesino e se desenvolve
basicamente nas áreas de minifúndio. Outros produtos importantes são
o milho, a mandioca e a cana-de-açúcar.
Nos primeiros anos de 1990, a agricultura sofreu uma nova crise
com fortes taxas negativas de crescimento em decorrência, principal-
mente, das adversas condições climáticas e da queda do preço interna-

O AMBIENTE INSTITUCIONAL DA ECONOMIA PARAGUAIA UUU 303


cional, que repercutiu fortemente nos níveis de renda e vida da popula-
ção rural. Esse período expôs os principais problemas da atividade no
país.
A deficiente aplicação dos recursos se expressa pela estrutura
latifúndio/minifúndio que é pouco rentável e os recursos financeiros
que se orientam quase exclusivamente aos grandes produtores. O siste-
ma creditício para os pequenos e médios produtores historicamente foi
insuficiente.
A falta de uma política agrária efetiva se justifica pela condição
do modelo agroexportador que tende a excluir a maior parte da po-
pulação campesina dos benefícios da modernização agrícola. A esses
problemas, somam-se a escassa diversificação da produção, a falta de
incentivo à produção alimentar básica, a falta de infraestrutura viária,
a falta de informação sobre preços, mercados e comercialização, a defi-
ciente organização campesina e o baixo nível de inovação e apoio tec-
nológico para o aumento da produtividade. Um problema de natureza
demográfica também corroborou para enaltecer tais deficiências: altas
taxas de fertilidade nas áreas rurais.
O setor secundário, em especial o componente industrial, é o se-
tor que apresenta uma participação média histórica entre 16% e 17% do
PIB nas últimas décadas desde os anos de 1950. Esse setor nunca teve
um peso muito significativo dentro da economia paraguaia e a sua pro-
dução cresceu a taxas médias de 2% nos anos de 1950, 7% e 8% nos anos
de 1960 e 1970 e 2% nos anos 1980.
Nos anos de 1990, a estrutura produtiva de transformação esteve
baseada no processamento de matérias primas agropecuárias e florestais
que representavam cerca de 70% do produto industrial. Destes, 51% são
de fonte agrícola (subprodutos da soja, óleos comestíveis e industriais,
fibras de algodão, açúcar, farinha de trigo, bebidas alcoólicas e não al-
coólicas), 5% de fonte pecuária (carne conservada e congelada, produtos
lácteos) e 14% de fonte florestal (madeiras, móveis). Aproximadamente
70% dos bens industriais se destinavam ao mercado interno.

304 UUU œÀiÃÊ


ÀˆÃ̈˜>ÊÀiV…ˆÊUÊ ˆ>˜>Ê>“LiÀ̈
Em se tratando do aspecto organizativo, a grande maioria das
empresas industriais estava composta por menos de 5 trabalhadores. O
tamanho dessas empresas se caracterizava, em geral, reduzido: cerca de
75% delas eram consideradas pequenas com menos de 5 funcionários;
as empresas médias possuíam entre 5 e 20 e representavam cerca de
20% e os demais 5% correspondiam a grandes empresas com mais de
20 trabalhadores. Com relação à localização, 60% dos estabelecimentos
industriais do país estavam localizados em Assunção e outros 25% em
torno da capital20. Os principais problemas da atividade industrial se
referiam à falta de adequado financiamento e escassez de recursos hu-
manos qualificados.
Para Banks, Frotscher e Heikel (1994) uma das principais carac-
terísticas da economia paraguaia é o escasso nível de valor agregado
que tem sua produção, logo, as atividades transformadoras têm impor-
tância significativa, especialmente aquelas que requerem crescente grau
de elaboração e uma maior valorização das matérias-primas, haja vis-
ta que podem ser importantes fontes de postos de trabalho. Contudo,
ressaltam os autores, é necessário romper as barreiras que se opõem
à industrialização do país, a saber: estrutura latifundiária, a especu-
lação financeira e o contrabando. Além da falta de crédito (financia-
mento de médio e longo prazo), o grau de capacidade ociosa do setor é
considerável.
Em se tratando do setor terciário, o segmento de serviços (eletri-
cidade, água, transporte e comunicação) correspondeu em média de 5
a 6% do Produto Interno Bruto de 1950 a 1980. Contudo, os serviços
gerais (comércio, finanças, governo, habitação e outros) registraram 37
a 43%, em especial, por causa do subsetor de comércio e finanças. Esse
setor registrou 6% para produtos básicos e 43% para os serviços gerais,
dos quais 29% correspondiam ao subsetor comercial e financeiro.

20 É preciso mencionar a presença do Estado em alguns ramos específicos do setor de


transformação na produção de: bebidas alcoólicas, cimento, aço, derivados e refino
de petróleo. Em 1991, algumas delas foram declaradas privatizáveis, porém até final
de 1993 não haviam sido privatizadas.

O AMBIENTE INSTITUCIONAL DA ECONOMIA PARAGUAIA UUU 305


O setor comercial destaca-se pela dinâmica do comércio para-
guaio, que se baseia, em boa medida, em atividades de caráter infor-
mal com os países vizinhos. Ou seja, esse setor se caracteriza por uma
particular dinâmica dentro da economia paraguaia, tanto que registra
uma tendência crescente no saldo de créditos no sistema financeiro que
passou de uma participação de 28%, em 1985, para 37%, em 1993.
A atividade comercial, favorecida pela posição de trânsito do país
na geografia da região do Prata, é estimulada por meio da importação
de bens de luxo e a respectiva reexportação via turismo de compras.
Nesse contexto, destacam-se as cidades de Assunção, Ciudad del Este
(fronteira com a Argentina) e Pedro Juan Caballero (fronteira com o
Brasil).
Parte do comércio é de caráter formal e outra parte considerável
é informal. A dinâmica setorial se baseia principalmente na informali-
dade por meio do contrabando e constitui uma importante fonte de em-
prego21. Tais transações são realizadas por empresas grandes e pequenas
que objetivam a evasão de impostos. A vertente mais importante con-
centra-se nos negócios das exportações e importações não registradas.
Esse tipo de operação comercial é tradicionalmente importante
no país. Existem muitos quilômetros de fronteira seca e uma grande
demanda por importações não disponíveis nos países vizinhos (pela in-
cidência de tarifas e impostos locais muito elevados e procedimentos
legais complicados). É a chamada triangulação.
Então, algumas considerações referentes ao comércio exterior
precisam ser abordadas, haja vista a importância desse setor para a di-
nâmica da economia do Paraguai.
Existem exportações formais que consistem não em produção
paraguaia e sim de outros países que buscam beneficiar-se do tipo de
câmbio livre frente aos impostos de exportação e outras implicações
dos países vizinhos. Nesse contexto, o comércio exterior, para uma eco-

21 A principal dificuldade para analisar o setor é a falta de estatísticas.

306 UUU œÀiÃÊ


ÀˆÃ̈˜>ÊÀiV…ˆÊUÊ ˆ>˜>Ê>“LiÀ̈
nomia pequena como a paraguaia, constitui um fator dinâmico muito
importante.
O Paraguai é um país com reduzido mercado interno e, portanto,
precisa do seu setor externo, especialmente das exportações, para obter
expansão e criação de fontes de emprego. Em 1990, as exportações e
importações totalizaram 41% do PIB, o que revela a importância rela-
tiva no comércio exterior como ingrediente dinâmico. Tal dinamismo
se dá não somente pelas atividades legais de intercâmbio, mas também
pelo contrabando. As correntes ilegais, de um modo geral, ocorrem em
função das restrições e distorções de variáveis como tipo de câmbio e
nível tarifário, além da excessiva burocratização dos procedimentos do
comércio exterior.
A integração regional na prática é uma realidade, porque os paí-
ses membros constituem os principais mercados de exportações e im-
portações do Paraguai. Entretanto, também se traduz em desafios. Ape-
sar de seu comércio exterior estar fortemente orientado para os demais
integrantes do Tratado do Mercosul (cerca de 40% das exportações pa-
raguaias registradas), a economia paraguaia representa apenas 1% de
economia regional.
E ainda, a integração poderia ter maiores efeitos positivos por
meio de políticas macroeconômicas que permitissem melhorias na
competitividade da economia paraguaia, maior cooperação técnica
entre os membros, eliminação do contrabando e maior transparência
econômica. Contudo, é preciso reconhecer a fragilidade do país diante
do estabelecimento de uma tarifa externa comum relativamente elevada
que implicaria, para o Paraguai, um aumento dos preços comerciais22.
Os primeiros anos de 1990 expuseram de forma acentuada os
problemas fundamentais da economia paraguaia: a extrema debilidade
de seu crescimento econômico. A conjuntura estava marcada pelo bai-

22 A redução da proteção tarifária pode ter um severo impacto na economia paraguaia


e o país precisará desenvolver atividades produtivas alternativas para absorver os
recursos empregados no comércio informal.

O AMBIENTE INSTITUCIONAL DA ECONOMIA PARAGUAIA UUU 307


xo crescimento econômico e relativa estabilidade macroeconômica (ou
instabilidade controlada).

3.2 Crescimento econômico: algumas considerações


sobre o lado financeiro e o lado real
O crescimento da economia paraguaia passou por quatro etapas
sucessivas nas últimas décadas. Os anos de 1965-1973 foram marcados
pelo crescimento moderado, com taxa anual média de 4,2%. Entre 1974-
1981, registrou-se um crescimento acelerado de 9,42%. Entre 1981-1988,
imperou o baixo crescimento com taxa anual de 1,97%. E entre 1989-
1997, percebeu-se uma leve recuperação econômica de 3,22%.
O crescimento sem precedentes, durante 1974-1981, é resultado
da combinação da construção da central hidroelétrica binacional de
Itaipu e o boom da agricultura (soja e algodão). Os recursos financeiros
externos e os altos preços internacionais dos produtos agrícolas permi-
tiram esse crescimento. E desde 1982, a economia doméstica entrou em
retração, sem modificar essa tendência ao longo da década. O problema
não estava limitado à baixa taxa de crescimento econômico e sim ao
baixo nível do valor da produção23.
Durante a transição, essa tendência de estancamento econômi-
co não sofreu modificações. Os obstáculos ao crescimento durante o
período de 1989-1998 estavam vinculados a fatores estruturais, como
o baixo nível e a qualidade dos investimentos e da mão de obra, o esgo-
tamento do modelo produtivo de caráter extrativo e extensivo, a piora
da desigual distribuição de renda, o déficit do investimento público em
capital humano e infraestrutura, e a falta de regras claras e duradouras
para garantir os investimentos privados.
Além da desaceleração dos investimentos, agrega-se a deteriora-
ção do tipo de investimento realizado na produção de bens e serviços,

23 O PIB a preços de mercado expresso em dólares correntes tem se mantido em níveis


baixos (de 1980 a 1988 foi da ordem de 4,431 milhões de dólares anuais, e entre
1989 e 1997 foi de 7,276 milhões de dólares).

308 UUU œÀiÃÊ


ÀˆÃ̈˜>ÊÀiV…ˆÊUÊ ˆ>˜>Ê>“LiÀ̈
além da escassa participação do Investimento Externo Direto (IED). Os
baixos índices de investimento em máquinas e equipamentos explicam
o padrão tecnológico da estrutura produtiva do país. Apesar desse atra-
so nos investimentos privados que debilitou a capacidade competitiva
de muitos setores econômicos (tecidos, confecções, couro, calçado e
açúcar), algumas exceções a essa tendência foram registradas com os
produtos da soja e de alguns produtos não tradicionais da agroindústria
(como suco de fruta, farinha de mandioca, hortaliças e bebidas) que têm
um desempenho importante mediante a incorporação de tecnologias.
Os investimentos privados necessários para a recuperação eco-
nômica do país não se efetivaram apesar das vantagens comparativas
de energia abundante, mão de obra barata, baixos índices de inflação,
contas macroeconômicas ordenadas e mercado ampliado, porque so-
bre a decisão de investimento preponderam o déficit dos investimen-
tos públicos em serviços básicos como estradas, telefonia, eletricidade,
água e serviços sanitários. Outro fator limitante apontado pelos auto-
res pesquisados se referia ao financiamento do investimento. A escassa
incidência de poupança nacional como fonte de financiamento consti-
tuiu-se em sério problema. Diante da má aplicação ou insuficiência em
matéria de poupança doméstica, o financiamento do investimento se
torna dependente da poupança externa.
O sistema financeiro atuou como fator inibidor do investimento
de capital. Os altos custos da intermediação financeira e a preponderân-
cia dos empréstimos de curto prazo se converteram em obstáculos para
o investimento e a renovação tecnológica. Logo, o custo de oportuni-
dade do projeto de investimento teria que ser muito alto para justificar
o endividamento. E ainda, o alto custo do dinheiro refletido nas altas
taxas de juros (32% em 1996) desestimulava os investimentos, soma-
dos à escassa proteção jurídica e à falta de transparência por parte do
governo.
As crises financeiras registradas nos anos de 1995 e 1997 expli-
cam esse cenário. Em 1995, o Banco Central interveio em quatro bancos
que representavam 10% do capital e reservas do sistema bancário, 12%

O AMBIENTE INSTITUCIONAL DA ECONOMIA PARAGUAIA UUU 309


dos depósitos e 14% da carteira de empréstimos. Essas crises evidencia-
ram algumas fragilidades do sistema paraguaio, como: a falta de auto-
nomia do Banco Central para cumprir sua tarefa de velar pela solvência
do sistema financeiro, já que bancos operavam sem ter aprovadas suas
contabilidades pela superintendência de bancos; a obsolescência do
marco regulatório do sistema representada pela antiga carta orgânica
do Banco Central do Paraguai e a desatualizada lei dos bancos; a es-
cassa capacidade de supervisão e controle da superintendência por não
contar com suficiente quantidade de funcionários, a escassa formação
técnica dos mesmos e a falta de equipamentos adequados; e, por fim, a
falta de uma estratégia para sanear o sistema financeiro, que operava
com alta porcentagem de empresas não viáveis no mercado.
Em se tratando do mercado de trabalho, o Paraguai apresenta um
desequilíbrio entre oferta e demanda de mão de obra, tanto do ponto
de vista de sua quantidade, como de sua qualificação. Esse mercado se
caracteriza pelo predomínio da mão de obra jovem e com baixo nível
de instrução. O escasso dinamismo da economia limita ainda mais a
absorção dessa prática e alimenta de forma crescente a expansão do se-
tor informal.
Entre 1950 e 1992, o Paraguai triplicou o tamanho da sua po-
pulação com uma taxa de crescimento de 2,8%, que no período de
1982/1992 chegou a 3,2%. Em 1996, 45% da População Economicamen-
te Ativa (PEA) tinham menos de 29 anos e era essa população jovem a
mais afetada pela desocupação ou subocupação. A atividade econômica
que mais concentra esse crescimento populacional segue sendo o setor
agropecuário, embora com progressiva redução de seu peso relativo na
estrutura ocupacional. Uma característica peculiar do emprego no Pa-
raguai é o alto peso relativo do trabalhador independente urbano ou
rural, cujas características são o reduzido nível de instrução escolar, de
produtividade e, por conseguinte, de renda.
Portanto, a queda da produção per capita se vincula aos aspectos
qualitativos e quantitativos dos investimentos públicos e privados e a
deterioração do mercado de trabalho acomodada no setor de serviços

310 UUU œÀiÃÊ


ÀˆÃ̈˜>ÊÀiV…ˆÊUÊ ˆ>˜>Ê>“LiÀ̈
e comércio de forma precária e em empresas pequenas com escassas
possibilidades de formação profissional.
Outra característica do setor real, para os anos de 1990, era o pre-
domínio das unidades artesanais de caráter familiar na organização da
produção tanto agrícola, quanto industrial. A pequena agricultura (uni-
dades menores de 20 hectares) e a indústria artesanal (com menos de 5
operários) tinham alto peso relativo na geração de produção e emprego.
Em 1996, 50% da PEA urbana correspondia a empresas com menos de
5 trabalhadores e 40% da produção agrícola dava-se em unidades de
produção com menos de 5 hectares.
Em geral, a escassa qualificação de mão de obra e o uso de tec-
nologia tradicional limitam a competitividade das pequenas unidades
produtivas, razão pela qual as mesmas não extrapolam o mercado lo-
cal e são muitos sensíveis à competitividade externa; do mesmo modo
existem sérias limitações da rede de serviços empresariais (capacitação,
informação, assessoria e marketing) e dos altos custos financeiros que
afetam a competitividade das unidades produtivas.
Os variáveis níveis de preço, taxa inflacionária e distribuição
de renda ilustram a convergência do lado monetário e do lado real da
economia.
Em se tratando do comportamento dos preços, em 1989, a taxa
inflacionária foi de 28,5%, em 1990 registrou 44,1% e em 1996 redu-
ziu para 8,2%, depois da combinação da política monetária restritiva,
maior disciplina fiscal e uma queda da demanda interna.
A taxa de inflação favorável foi acompanhada por preços internos
dos produtos agrícolas deteriorados, assim como o salário mínimo real.
Esses aspectos adversos explicam a recessão econômica que, somada ao
alto custo do dinheiro e as crises financeiras de 1995 e 1997, pioraram
as condições das pequenas empresas que conformavam a maior parte
do setor produtivo.
A economia paraguaia tem uma das rendas médias em termos do
PIB per capita mais baixa do Mercosul, sendo que, em 1996, alcançou

O AMBIENTE INSTITUCIONAL DA ECONOMIA PARAGUAIA UUU 311


U$ 1.474. Além desse indicador, a crescente desigualdade da distribui-
ção do produto social permanece. Em 1994, 35% da PEA ganhavam
menos de U$ 157, 41% de U$ 157 a U$ 313, e 9% mais de U$ 522. Logo,
mais da metade da força de trabalho ganhava um salário menor de U$
285 por mês, o que explica o pouco dinamismo do mercado interno. E
ainda, em 1992, os 10% mais ricos controlavam 42% da renda e os 10%
mais pobres dispunham de1%.
Essa desigual distribuição de renda limitou o crescimento do
mercado doméstico, do qual depende em sua maioria a produção das
micro, pequenas e médias empresas. O tipo de distribuição de renda
nacional estimulava a demanda por bens importados por parte da clas-
se mais alta.

3.3 Apontamentos finais sobre o papel gestor do Estado


Em se tratando das limitações institucionais para o crescimento,
Borda e Masi (1998) apontam que o fator fundamental para a determi-
nação do crescimento são os recursos do Estado e o tipo de interven-
ção do setor público na economia. Para eles, vários são os problemas
detectados em nível de superposição de funções e competências, além
da dispersão ou excessiva concentração da função pública. Em primei-
ro lugar, o setor público, incluindo a administração central, estava ca-
racterizado por uma escassa divisão entre a função de determinação
de políticas, execução de tarefas, controle e avaliação dos resultados.
Em segundo lugar, outra debilidade institucional se referia à superpo-
sição de funções. Como exemplo, os autores citam a problemática do
comércio exterior e da integração que são temas de competência do Mi-
nistério da Integração, da Subsecretaria de Economia e Integração, do
Ministério das Relações Exteriores e também do Ministério de Indús-
tria e Comércio. Logo, um assunto importante está distribuído em vá-
rios ministérios sem muita coordenação entre os mesmos, constituin-
do uma das causas da escassa produção paraguaia nas negociações do
Mercosul. Outro exemplo é a tendência de concentração burocrática em
estruturas pouco ágeis para responder as demandas que lhe competem,

312 UUU œÀiÃÊ


ÀˆÃ̈˜>ÊÀiV…ˆÊUÊ ˆ>˜>Ê>“LiÀ̈
além de muitos entes descentralizados carecerem de direção apropriada
e seus membros diretores responderem a critérios fundamentalmente
políticos e não técnicos.
O Estado, principalmente o poder executivo, tem sido o grande
empregador de mão de obra. De 1989 a 1997, houve incremento em ter-
mos absolutos de 42.807 novos cargos (ou 29% em nove anos). A questão
da qualificação da mão de obra também afetou o setor público porque
não existia um plano de carreira de função pública, o acesso aos cargos
continuava sendo pelas práticas clientelistas, do mesmo modo que não
foi elaborado um sistema de remunerações e de incentivo laboral. A fal-
ta de harmonização de salários entre as diferentes instituições denotava
a ausência de uma política trabalhista que contemplasse os níveis de
responsabilidade, resultados e competência. O sistema de incorporação
e promoção de recursos humanos no setor público continuou basean-
do-se nas lealdades pessoais e o sistema de remunerações desestimulava
a especialização, capacitação e produtividade.
Em se tratando da origem tributária dos recursos públicos, o
Imposto sobre Valor Agregado (IVA) é um dos impostos com maior
participação (28%) sobre o total de receita, mas só, nos anos recentes,
participa do PIB numa proporção de 4% (menos da metade da alíquota
estipulada por lei de 10%) e, ainda considerando que o setor agríco-
la (com participação de 26% do PIB) não paga tal imposto, entende-se
porque essa cifra é baixa.
Ao detalhar a arrecadação por tipo de imposto direto e indireto,
percebeu-se que nos anos de 1960, as principais fontes eram os impos-
tos do comércio exterior e o imposto de renda. Passados trinta anos,
os percentuais se diluíram de modo que o imposto sobre as vendas, de
um modo geral, constituiu-se em importante fonte de recursos, seguido
pelo imposto ao comércio exterior e imposto de renda e consumo.
A baixa participação do imposto de renda das empresas no total
de receita tributária (11,6%) indica uma alta drenagem por meio das
múltiplas formas de exceções à aplicação desse imposto. A participação

O AMBIENTE INSTITUCIONAL DA ECONOMIA PARAGUAIA UUU 313


limitada desse imposto direto na estrutura da receita revela outra face
da iniquidade impositiva, já que não existia imposto de renda pessoal.
Novamente, o tema integração emerge com força. O modelo eco-
nômico paraguaio caminha na contramão do processo de integração
regional e tem significado desvantagens para o país ante as oportunida-
des que oferece o mercado ampliado.
Por mais de duas décadas, o país construiu suas bases de sustenta-
ção econômica na agroexportação de duas ou três matérias-primas e no
comércio ilegal fronteiriço. As vantagens comparativas se desenvolve-
ram a partir dessas variáveis. O Paraguai não fez a opção pela mudança
do modelo de triangulação comercial com alto grau de informalidade
para outro de industrialização, e a promoção das exportações não tem
ocorrido durante a transição no Paraguai.
A abertura econômica exigida pelo processo de integração regio-
nal não foi problema para o Paraguai, porque o país já tinha total aber-
tura e permeabilidade de suas fronteiras em função do comércio ilícito.
Logo, o modelo do Paraguai caminha na contramão do Mercosul: o
país se especializou em comprar e vender, importar bens e revender aos
consumidores dos países vizinhos. Tal lógica decorre da não existência
de limites para importação de produtos desses países e nem imposição
de regras claras para introdução desses produtos.
Dessa forma, apreendem-se as principais razões da especializa-
ção do Paraguai no comércio não registrado (triangulação). Diante do
protecionismo dos países vizinhos e efeitos negativos desse protecio-
nismo sobre as potencialidades de industrialização para exportação, o
Paraguai encontrou vantagens comparativas na compra de bens no co-
mércio mundial para sua reexportação, em sua maioria de forma ilegal,
aos países vizinhos.
Esse comércio ilegal se estendeu nos últimos anos aos próprios
bens brasileiros e argentinos, que aproveitando o dinamismo dessas
operações, lograram reintroduzi-los a seus próprios territórios com
preços menores por efeito da evasão impositiva. Um dos resultados

314 UUU œÀiÃÊ


ÀˆÃ̈˜>ÊÀiV…ˆÊUÊ ˆ>˜>Ê>“LiÀ̈
disso é que as contas fiscais e comerciais do Brasil e Argentina come-
çaram a ressentir-se, razão pela qual esses países começaram a tomar
medidas para limitar esse tipo de operação. Logo, o futuro do Para-
guai no Mercosul não é muito alentador: as exportações do país não
registraram crescimento desde 1989 e as importações cresceram de for-
ma vertiginosa, fortalecendo o déficit estrutural na balança comercial,
além de as arrecadações fiscais do país serem dependentes em grande
parte do volume de importações com destino final aos países vizinhos
(reexportação).
Os anos de 1990 deixaram importantes desafios e os primeiros
anos do século XXI podem ser sintetizados pelas palavras de Masi
(2005-2006):

“A economia paraguaia tem o menor peso no Mercosul e foi a


que teve o menor crescimento na década de 1990 e nos primeiros
anos do novo século. É a mais atrasada do Mercosul não por ser
a menor, mas por ter se desenvolvido dentro de um modelo eco-
nômico com características adversas, tanto para um crescimento
sustentável do produto, quanto para um processo de integração
regional. Estas limitações estruturais não puderam ser totalmente
superadas até agora” (MASI, 2005-2006, p. 23).

Várias são as explicações para esse cenário de não mudança. O


modelo econômico vigente nas últimas décadas esteve baseado na ex-
portação de matérias-primas e no intercâmbio triangular. Esse modelo
também estava caracterizado pela informalidade e especulação finan-
ceira que conformaram um círculo vicioso de difícil superação, porque
a essas características devem ser somados os componentes subjetivos da
vida paraguaia (despolitização da sociedade, apatia coletiva e desinfor-
mação generalizada) que delinearam um processo de democratização
com superficiais mudanças ou, como define Hirst (2005-2006), por um
processo de democratização gradual por falta de opção24.

24 Em 2008, assumiu a presidência Fernando Lugo, cuja campanha política foi emba-
lada por propostas atinentes a Reforma Agrária, renegociação dos valores referentes

O AMBIENTE INSTITUCIONAL DA ECONOMIA PARAGUAIA UUU 315


4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A identificação de uma chave interpretativa capaz de dar conta
das particularidades da formação socioeconômica do Paraguai foi o fa-
tor decisivo para levar adiante o trabalho de pesquisa apresentado nas
páginas anteriores.
Nesse sentido, a escola institucionalista, ao entender a economia
como um processo embalado por mudanças que são cumulativas, defi-
ne-a como resultado do passado num processo de movimento para um
futuro mutável. O conceito de instituições, para essa escola, extrapola
os limites de estruturas organizacionais de uma determinada socieda-
de: são padrões que normatizam a interação social e estão intimamente
relacionados com aspectos culturais, hábitos e a apreensão do conheci-
mento em cada sociedade. Esses elementos emergem na vida material
por meio da capacidade industrial e absorção tecnológica, portanto, o
desenvolvimento tecnológico depende das características endógenas.
A relação entre o ambiente institucional e o padrão de cresci-
mento econômico não pode ser ignorada, haja vista que o crescimen-
to econômico é sinônimo da configuração das instituições que lhe dão
sustentabilidade. As instituições conformam um conjunto de hábitos,
costumes e formas de pensar comum entre os homens, ou uma forma
de ação coletiva que controla ou favorece a expansão da ação individual,
do mesmo modo que resultam de processos coletivos gerados ao longo
da história. A mudança, sempre de natureza tecnológica institucional
deriva de lutas sociais, conflitos, aprendizagem, tensões entre hábitos
antigos e inovações que provocam as normas e novos compromissos (ou
valores e rotinas). Logo, as instituições são guia de ação e estruturação
da ordem social em um contexto de assimetrias.

à Binacional Itaipu, luta contra a corrupção e defesa do nacionalismo. Inicialmente,


o governo elaborou o Plano de Reativação Econômica (2009-2010) que consistiu
em uma orientação expansiva das políticas monetárias e fiscais, bem como um Pla-
no Estratégico Econômico e Social que deveria nortear a política econômica no
período de 2008 a 2013. Entretanto, em 2012, o presidente foi retirado do poder por
meio de um processo de impeachment.

316 UUU œÀiÃÊ


ÀˆÃ̈˜>ÊÀiV…ˆÊUÊ ˆ>˜>Ê>“LiÀ̈
É consenso entre os autores estudados que a fragilidade eco-
nômica e institucional do Paraguai decorre, também, das causas con-
junturais, mas as de natureza estrutural determinam a gravidade dos
problemas econômicos. A raiz profunda é o esgotamento dos modelos
produtivos tradicionais e a necessidade de novas estruturas produtivas
ou de emprego capazes de gerar bens ou serviços de forma eficiente e
um mercado de trabalho mais dinâmico. Ou seja, não foram oferecidas
alternativas promissoras para a grande maioria dos paraguaios diante
das crescentes ocupações informais e trabalhos precários. O que impera
é a ausência de novos modelos produtivos e os fatores internos são res-
ponsáveis pela falta de alternativas.
As análises apresentadas convergem para o entendimento das
possibilidades em se tratando das escolhas em termos de políticas públi-
cas. O Paraguai possui algumas vantagens para que sua industrializa-
ção seja orientada para a exportação: matéria-prima agrícola e recursos
naturais abundantes, assim como a mão de obra é farta e de menor cus-
to que os países vizinhos, haja vista o baixo nível de carga social, além
de possuir energia elétrica barata e também em grande quantidade.
Entretanto, as desvantagens também existem e se referem à bai-
xa qualificação da mão de obra, aos baixos níveis de financiamento e
investimento nos setores industrial, tecnológico e de qualidade. A essa
contabilidade devem-se somar os fatores exógenos sobre as vantagens
e desvantagens do país. As fontes de financiamento para investimento
historicamente não beneficiaram a indústria paraguaia com linhas de
crédito oficial ou privada, e sempre houve o privilégio ao crédito comer-
cial, além das altas taxas de juros.
Embora possua vantagens tributárias para a industrialização em
relação aos países vizinhos, o tratamento tributário diferenciado indica
que a política oficial segue dando preferência aos setores não precisa-
mente produtivos. Logo, a indústria nacional permaneceu sendo desfa-
vorecida em relação às operações comerciais e de triangulação.

O AMBIENTE INSTITUCIONAL DA ECONOMIA PARAGUAIA UUU 317


O comércio fronteiriço de reexportação, em geral ilegal, é uma
das maiores fontes de informalidade da economia paraguaia, tanto em
relação às operações econômicas, quanto à fonte de arrecadação tribu-
tária. Outra fonte de informalidade é a corrupção pública, a evasão de
impostos e tarifas. Isso se constitui em uma competição desleal, que de-
sestimula o investimento nacional e estrangeiro nos setores produtivos,
que também sofre em função da debilidade institucional de segurança
jurídica nos casos de conflitos comerciais e econômicos.
A reforma institucional do Estado é apontada como condição
sine qua non para o desenvolvimento industrial. Outro fator relaciona-
se com a estabilidade econômica e política do país. Apesar da inflação
não ter sido um problema fora de controle, os déficits fiscais foram re-
duzidos, ou seja, o país recuperou e manteve a estabilidade a partir de
1989, isso não foi suficiente para estimular as taxas de poupança e in-
vestimento, porque não foram acompanhadas de outras medidas neces-
sárias. Apesar do avanço na institucionalização democrática do país, as
dúvidas empresariais sobre as possibilidades de se manter a estabilidade
política e sobre a eficácia do poder judiciário não favorecem um clima
de investimentos.
A capacidade de comercialização e o conhecimento para a ex-
pansão dos mercados consumidores também se viu historicamente en-
torpecida, porque embora a indústria nacional não tenha nascido sob a
égide da substituição de importações, até os anos 1990, os produtos, em
sua maioria, destinavam-se ao mercado nacional. Os fatores apontados
comprometeram o desenvolvimento da competitividade industrial do
Paraguai.
De modo sintético, a trajetória do ambiente institucional do
Paraguai pode ser descrita pela palavra ausência: de industrialização
e de diversificação produtiva, de dinamismo urbano, de planejamen-
to e política de desenvolvimento e de tradição democrática. E ainda, é
conclusivo o entendimento de que preponderam as regras informais.
A vulnerabilidade ou mesmo a ausência de um modelo de desenvol-
vimento alternativo fizeram com que os períodos de pujança econô-

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ÀˆÃ̈˜>ÊÀiV…ˆÊUÊ ˆ>˜>Ê>“LiÀ̈
mica tenham sido historicamente resultado do ambiente conjuntural
e não de avanços estruturais e de um planejamento econômico. Esse
desempenho explicita que a relativa estabilidade macroeconômica não
significou maiores possibilidades para o desenvolvimento e, por isso, a
trajetória socioeconômica do Paraguai é a comprovação de que os con-
tornos econômicos de cada nação só podem ser completamente apreen-
didos se considerados forem os elementos atinentes à política, cultura
e sociedade.

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