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PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO
NÚCLEO DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM CIÊNCIAS
SOCIAIS
MESTRADO EM SOCIOLOGIA
São Cristóvão – SE
2010
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ELVOCLEBIO DE ARAÚJO
São Cristóvão – SE
2010
3
ELVOCLEBIO DE ARAÚJO
BANCA EXAMINADORA
São Cristóvão – SE
2010
4
AGRADECIMENTO
Agradeço em primeiro lugar a Deus, cuja graça se fez presente ao longo da minha vida
suprindo as minhas deficiências.
Agradeço à minha família, particularmente, a minha mãe Maria Valdiza de Araújo Lima e a
meu pai Edson Ferreira de Lima que são os responsáveis diretos por minha formação moral e
afetiva.
Agradeço à minha esposa Sueny Silva Lima e a meu filho Arthur Nicolas Silva Lima que
sempre estiveram ao meu lado me acompanhando no cotidiano de pesquisas e leituras,
sentindo muitas vezes a minha ausência em virtude das exigências das atividades de estudo,
todo meu amor e dedicação, vocês são parte importante de minha história e indispensáveis à
minha vida.
Agradeço aos meus irmãos José Paulo, João Paulo, Edson Filho, Elvomarton e Elvoberlândio
e também às minhas irmãs Ana Paula e Angélica por fazerem parte de minha história.
Agradeço a Edson Paulo, a Djalma, grande amigo e irmão, aos amigos de seminário Edney
Nogueira, João Cláudio, Fernando e José Carlos que compartilharam comigo as esperanças e
angústias da vida acadêmica, servindo de apoio nos momentos de tensão e tédio.
Agradeço aos professores do Mestrado em Sociologia, em especial ao prof° doutor Paulo
Neves pelo acompanhamento e paciência, a profª doutora Cristine Jacque pelas brilhantes e
importantes observações nas aulas de metodologia e ao prof° doutor Franz Bruseke pelos
momentos de reflexão nas aulas de Teoria Social.
Agradeço aos meus colegas de mestrado os quais experienciaram junto comigo as
expectativas dessa etapa na formação intelectual, meu muito obrigado e desejo de felicidade e
realização para todos.
Enfim, agradeço a todos os que de alguma maneira contribuíram direta e indiretamente para
que o percurso do processo de pesquisa fosse trilhado.
6
RESUMO
O presente estudo intitulado “Justiça e Disciplina: Análise das Práticas de Controle
Institucional na Polícia Militar do Estado de Sergipe (2001-2009)” tem por objetivo analisar
as práticas de controle institucional e as conseqüentes reformulações no poder disciplinar
ocorridas no período entre 2001 a 2009, considerando que estas reformulações refletem a
busca por elementos de reafirmação do exercício efetivo de poder praticado no interior das
relações hierárquico-disciplinares. A reafirmação do domínio da autoridade militar, num dado
momento, assumiu a faceta de um discurso orientado para a fundamentação legal do ato de
punir. A emergência de “novos” procedimentos de responsabilização e de culpabilização do
transgressor caracterizou a preocupação da autoridade militar quanto à manutenção do
conteúdo disciplinar das relações hierárquicas. Utilizando da pesquisa documental, baseada
nas publicações feitas em boletim geral, a análise direcionada às práticas de exercício de
poder recorreu, também, à fala dos sujeitos, tentando, por meio do discurso dos agentes, fazer
um apanhado das representações e das concepções relativas à disciplina e à justiça. No
cenário institucional apresentado pela PMSE, no período em questão, a transgressão aparece
como uma das categorias do fenômeno de desvio de conduta, pensada, freqüentemente, a
partir de dois ângulos: o das relações disciplinares, nesse caso a transgressão era tida como
resultado da desobediência, sendo a penalização aplicada sob a modalidade de intervenção
pedagógica; o segundo plano toma o desvio de conduta em grau mais elevado, considerando-o
como grave desvio do comportamento, distanciado da ética profissional militar e responsável
por originar problemas como, por exemplo, o da violência policial. No período selecionado
tentamos visualizar qual a concepção de transgressão existente na instituição e como esta
fundamenta a noção de “disciplinarização” e de responsabilização criminal e administrativa
do policial praticada pela autoridade militar. Em meio aos dados relativos às punições e
processos disciplinares e judiciais percebemos problemas quanto à transparência dos
procedimentos, inviabilizando, muitas vezes, a observação externa das práticas de apuração
das transgressões e denúncias de crime. Verificou-se, também, uma maior eficácia do
aparelho coercitivo disciplinar quanto à aplicação de punições relacionadas à disciplina da
tropa, entretanto, essa eficácia contrasta com os resultados de procedimentos instaurados para
verificação das denúncias de abuso de poder cometidos por policiais militares. Um dos fatores
condicionantes da pouca visibilidade do percurso feito pelo procedimento é, justamente, o
desenho institucional conferido pelo militarismo que trata o desvio de conduta como algo que
diz respeito ao universo militar, prejudicando uma compreensão mais ampla dos efeitos da
violência e da transgressão cometidas por policiais.
ABSTRACT
This study entitled "Justice and Discipline: Analysis of Institutional Control Practices in the
Military Police of the State of Sergipe (2001-2009)" aims to examine the practices of
institutional control and consequent restatements in disciplinary power in the period between
2001 to 2009, whereas these restatements reflect the search for elements reaffirmation of the
effective exercise of power practiced within the hierarchical relationships-disciplinary. The
reaffirmation of the domain of military authority, at any given time, assumed the aspect of a
discourse oriented legal grounds to punish the act. The emergence of "new" procedures of
accountability and culpability of the offender characterized the concern of military authority
regarding maintenance of disciplinary content of hierarchical relationships. Using the
documentary research, based on publications made in bulletin Overall, the analysis focused
practices of empowerment appealed also to speak of the subject, trying, through discourse
agents, make an overview of the concepts and representations concerning discipline and
justice. In the scenario presented by institutional PMSE during the period in question, the
transgression appears as one of the categories of the phenomenon of misconduct, thoughtful,
often from two angles: the relations disciplinary transgression in this case was taken as a
result of disobedience, the penalty being applied in the form of educational intervention, the
background takes misconduct in higher degree, considering it as a serious deviation from the
behavior, distanced professional ethics and responsible for military cause problems, eg, the
police violence. During selected view which tried to design transgression existing in the
institution and how it justifies the notion of "disciplining" and criminal liability and
administrative officer practiced by the military authority. Amid the data relating to
punishments and disciplinary procedures and judicial perceive problems as the transparency
of procedures, preventing often the external observation of practice and investigation of
allegations of criminal offenses. There was also a more effective coercive apparatus for the
application of disciplinary punishments related to the discipline of the troops, however, this
efficacy contrasts with the results of established procedures for verification of complaints of
abuse of power committed by military police. One of the factors affecting the poor visibility
of the route taken by the procedure is precisely the institutional design given by the militarism
that treats the misconduct as something that concerns the military world, undermining a
broader understanding of the effects of violence and transgression committed by police.
Sd. - Soldado
SE – Estado de Sergipe
Sgt. - Sargento
Sind. - Sindicância
SSP – Secretaria de Segurança Pública
Subten. - Subtenente
Ten. – Tenente
Ten-Cel. – Tenente-Coronel
UM – Unidade Militar
1
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Foto 01 – foto da “cadeia” do QCG......................................................................................135
Foto 02 – foto da “cadeia” do QCG......................................................................................136
Foto 03 – foto das antigas instalações para detidos disciplinares do QCG (Cela 01)...........137
Foto 04 – foto das antigas instalações para detidos disciplinares do QCG (Cela 02)...........137
13
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO...................................................................................................................15
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS...........................................................................................189
REFERÊNCIAS....................................................................................................................197
APÊNDICES
1
1. INTRODUÇÃO
um dos temas integrantes da corrente sociológica que analisa as relações entre militares,
instâncias da vida societária. Diversas são as questões que analisam o militarismo em sua
1
ZAVERUCHA, Jorge. Poder Militar: entre o autoritarismo e a democracia. Revista São Paulo em Perspectiva,
vol. 15, n° 4, São Paulo, Out./Dez., 2001. Disponível em: <www.scielo.com/ scielo.php>. Acesso em: 15 mai
2009.
1
2001 e 2009, para entender o espírito de um determinado momento histórico implicou num
duplo aspecto a ser considerado em termos metodológicos: primeiro, selecionar os
“mecanismos” de poder que “traduzem” uma série de rearranjos institucionais que se faz
refletir na sistemática de atividades de controle jurídico e administrativo. Em segundo, temos
o desafio de tentar entender como as “redes de poder” – que antes expressavam em grande
medida a capacidade de intervenção da instituição sobre a vida do sujeito (FOUCAULT,
2005, GOFFMAN, 1974) feita predominantemente pela aplicação dos códigos de conduta
militar – estão tendo que ceder às pressões vindas de fora, ou seja, o poder disciplinar
1
exercido pela autoridade militar teve que reconhecer e, de certo modo, ser redefinido pelas
constantes intervenções advindas de outras instâncias da vida social como, por exemplo, o
Poder Judiciário.
Nesse sentido, podemos ainda nos questionar em que medida a autoridade militar,
figurada na categoria dirigente – para retomar a idéia de autoridade institucional presente em
Goffman – teve que empreender alterações em sua sistemática de controle jurídico-
administrativo em função da emergência de variáveis que se tornaram fatores de “limitação”
do exercício do poder.
seções ou na capela do QCG. A interação entre pesquisador e entrevistado se deu sem maiores
complicações, favorecendo o ambiente de diálogo necessário à pesquisa; evidentemente
algumas questões não foram plenamente respondidas haja vista se referirem a aspectos
intrigantes do contexto institucional.
O questionário foi adotado por sua economia de tempo, visto que as atividades
pastorais ocorriam num período máximo de 1 hora e 20 minutos. Muitos dos entrevistados
somente eram consultados após os eventos religiosos, exigindo uma dinâmica mais intensa
por parte do pesquisador. A partir dos primeiros contatos, a sistemática foi modificada, pois
se passou a consultar o interno que não participava dos “cultos”, havendo, portanto, maior
espaço de tempo para as entrevistas; mesmo assim estas exigiram mais de uma sessão.
Participaram da pesquisa os 25 policiais militares internos, desprezando-se os presos que não
pertenciam à PM, sendo que desse universo 6 policiais participaram das entrevistas.
estudado.
Em suma, as ferramentas metodológicas de coleta e processamento de dados
objetivaram a elaboração da análise fundada na apreensão crítica da dinâmica de poder
2
identificada na PMSE num determinado período histórico. Sabemos que essa dinâmica se
manifesta em dois níveis de observação: surge enquanto “manifestação” de poder, instituído
por atos formais, públicos e legais da autoridade como exercício efetivo de suas funções
estruturais no interior da corporação; outro nível se refere ao patamar daquilo que é “vivido”,
experimentado pelos sujeitos numa dinâmica básica das sociabilidades cotidianas; nestas
encontramos valiosa fonte para entendermos a relação entre direito, poder e verdade, tríplice
aspectos integradores do fenômeno considerado no presente estudo. (FOUCAULT, 1999)
Estrutura do trabalho
“choca” com os seus “alvos”, seus “objetos”. Sendo assim, não se está preocupado em saber
qual a figura mais ilustrativa, a que deteve mais poder, mas sim, entender como determinadas
decisões e procedimentos circunscritos na esfera institucional criminal, administrativa e
interpessoal da PMSE representam um “momento” histórico de “redefinições” nos esquemas
de distribuição do poder.
exercício de poder.
2
Os “discursos de verdade” tratados por Foucault exemplificam uma das dimensões da dinâmica do poder: a
produção de discursos carregados de sentido determinante, ou seja, o discurso é expressão de uma “vontade”,
cujo propósito mais imediato é gerar as condições de “legitimidade da dominação”. (Foucault, 2005, p. 31)
2
3
Um dos pilares da instituição militar é a hierarquia concebida aqui, para efeito do
presente estudo, em dois momentos: o primeiro enquanto diretriz categórica cuja finalidade se
expressa em termos de teoria “sistêmica” gerando níveis de estruturação funcional e
4
burocrática, condicionando os papéis exercidos pelos sujeitos no interior da instituição.
Temos nesse primeiro aspecto uma das bases de elaboração e manutenção da autoridade
militar; podendo-se reconhecer nesta a importância da hierarquia enquanto fator de
5
normatização e de “racionalização” das atividades que compõem o “ofício” do militar.
quadro geral das instituições sociais, justificando sua inserção na estrutura de poder político –
não impediu a construção de relações de “interação”, “cooperação” e de “negociação” com
7
segmentos da sociedade civil (MERCADANTE, 1994) . As estratégias de “adaptação” do
militarismo às circunstâncias históricas adversas foram responsáveis pela própria
“redefinição” dos papéis desempenhados pela instituição militar; um dos exemplos dessas
estratégias de “adaptação” e de arranjos das funções sociais das Forças Armadas, mais
particularmente do Exército, é-nos fornecida pelo estudo de Ernesto Seidl (1999, p. 28) cuja
problemática permitiu tratar da
(...) tendência de "modernização" experimentada pelos exércitos europeus -
burocratização, adoção de critérios rígidos de ascensão interna,
escolarização e tecnificação -, eram criadas medidas objetivamente
destinadas a romper com os mecanismos até então "frouxos" e pouco
objetivos de regulação hierárquica.
da instituição militar que apontava para um “movimento” de revisão das funções sociais
não se deu integralmente, como ocorrera no caso europeu, porém, a modernização do exército
representavam algumas tarefas a serem enfrentadas pela instituição. De certo modo, estava se
desempenho e a manutenção dos papéis profissionais dos sujeitos tanto na esfera militar
quanto na sociedade civil. Mas a dita modernização experienciada pelo exército só foi
7
MERCADANTE. Militares e civis. Anotar referência!!!!!
2
e controle da vida militar surge a autoridade militar. Esta autoridade reúne em si elementos
8
Ernesto Seidl (1999) demonstra, em seu estudo, por exemplo, como a carreira militar é produto de
“reformulações” no processo educacional, gerando as condições institucionais e formativas necessárias ao
preparo de “grupos” no interior do exército brasileiro que se caracterizam pelo domínio de saberes técnico-
profissionais. As “elites” profissionais reconhecidas e analisadas pelo citado autor comprovam a relação entre
saber, mecanismos de exercício de poder e reformulação dos elementos reguladores da vida institucional.
9
Categoria empregada por Michel Foucault para descrever e conceituar as relações de poder no interior
das instituições e reconhecer nas práticas institucionais as
2
volantes como instituição recente cuja importância social se tornou relevante no “projeto”
10
Esta categoria representa para o pensamento weberiano uma e definitiva etapa do processo histórico de
organização da atividade pública e administrativa, isto porque as práticas de gerenciamento da vida pública antes
delimitadas a campos interdependentes das esferas da vida íntima e da vida pública são transformadas pela
inserção de determinadas diretrizes “conceituais e institucionais” responsáveis pela “remodelação” das formas
de dominação política. Neste sentido, vejamos então o que Max Weber destaca em termos de Estado
Moderno: “Em um Estado moderno, o domínio efetivo, que não se manifesta nos discursos
palamentares nem em declarações de monarcas, mas sim no cotidiano da administração, encontra-
se, necessariamente e inevitavelmente, nas mãos do funcionalismo, tanto militar quanto civil, pois também o
oficial superior moderno dirige as batalhas a partir do ‘escritório’”. (WEBER, 2004, p. 529)
11
Celso Castro (2002), em seu estudo de perfil “antropológico”, destaca a função da ritualística das cerimônias
militares (tidas como “campos” de difusão de uma imagem pronta e acabada da instituição, necessária à retórica
de reforço dos valores e da “tradição” castrense), integrando aquelas as estratégias de afirmação identitária. Os
processos identitários definem os limites de experiência do “autêntico” ou “convencional” militarismo,
prefigurando ou reconfigurando, espaços sociais delimitados e “homogêneos”.
12
Sobre o fenômeno de militarização da Segurança Pública, ver estudo de Jorge Zaverucha em sua obra:
“Frágil
Democracia: Collor, Itamar, FHC e os militares”. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000.
2
13
Vejamos trecho referente ao prefácio da “Coletânea de Leis e Normas Internas da Polícia Militar do Estado de
Sergipe” quando encontramos a referência ao passado imemorável e a reafirmação da missão atual da instituição
no tocante à sua função social: “Fugindo um pouco da metodologia, resolvemos prefaciar esta obra,
rememorando a briosa História da PMSE, transcrevendo a Carta de Lei que teve a nobre e auspiciosa missão
de ser genitora de uma Instituição tão importante no seio da sociedade que hoje já é mais que sesquicentenária
no seu ideal de bem-servir Sergipe, o Brasil e o Mundo”. (2001, p. 04)
14
Na estrutura orgânica da PMSE a PM-5 exerce a função de “relações públicas” da Corporação, competindo-
lhe, entre outras atividades, a tarefa de elaboração do marketing da instituição e auxiliar o Comando Geral nos
atos de divulgação dos projetos da PM no tocante à atividade de policiamento ostensivo, bem como fazer as
devidas mediações entre a instituição e a opinião pública (imprensa) e a sociedade civil. A celebração da
“memória da instituição” ocorre mais intensamente - fazendo parte de constantes intervenções da PM-5,
conforme orientação da gestão da PM – nas comemorações natalícias da corporação que tem o “ponto de
origem” na Carta de Lei de 28 de fevereiro de 1835, promulgada no governo de Emanuel Ribeiro da Silva
Lisboa.
15
Ver anexo “Comandantes da PMSE entre 1909 e 2009”.
2
militares advém do oficialato da própria instituição. Cabe registrar que até 1983 a presença de
coronéis do Exército na PM era bastante marcante, possibilitando, assim, a imposição da
mentalidade militarista “convencional” no cotidiano e nas práticas de policiamento ostensivo
e nos relacionamentos interpessoais. Todavia, a partir de 1983, na gerência do Comandante
Geral coronel João Barreto Mota se dá uma mudança no tocante à freqüência de acesso ao
posto de comandante geral por parte dos coronéis do exército; registra-se, então, um período
caracterizado pela presença ativa de oficiais formados nos quadros da PMSE, ou seja, os
16
oficiais pertencentes ao Quadro de Oficiais da Polícia Militar de Sergipe (QOPM) passava a
Gerais, dos quais 04 pertenciam ao exército (Coronel Pedro Paulo assumiu o posto em 95/97 e
2001/2002, portanto, duas vezes) e 13 às fileiras da corporação. Esse dado permite afirmar
administrativa advinda do exército. Pode-se atribuir a isto o fato de que a instituição tem à sua
se verificou em alguns setores das Forças Armadas representando, assim, a readequação das
16
É importante destacar que os oficias QOPM são formados, por meio de convênios entre a PM de Sergipe e de
outros estados (Paraíba, Alagoas, Pernambuco, Minas Gerais, Santa Catarina, Goiás, Bahia, Ceará), em
academias de preparação para cadetes cuja vertente formativa se define em termos das diretrizes de policiamento
das corporações militares estaduais. A PMSE não conta, até o momento, de academia para formação de cadetes,
dispondo apenas do CFAP (formação para as praças).
17
Decorrente de uma formação técnica específica para as polícias militares, embora se preserve nesta o
conteúdo militarista da formação profissional, ou seja, reforço na ideologia hierárquica e disciplinar como eixos
de desenvolvimento das qualidades inerentes ao pundonor profissional militar.
2
18
Foram diversas as mudanças estruturais na administração militar ao longo dos últimos 20 anos do século XX.
Para delimitar essas mudanças facilitando a compreensão da observação acima tomemos a Lei n° 2.101 e 2.106
as quais tratam das especificidades de funções, obrigações e prerrogativas inerentes aos oficiais da PMSE,
definindo as condições de acesso do oficial à hierarquia militar. No cotidiano profissional as distinções, em
termos de valorização profissional, estão presentes reforçando as divisões “morais” entre oficiais de quadros
distintos. Desconsiderando o Quadro de Oficiais Operacionais (formados em acadêmicas e titulação superior) e o
Quadro Complementar de Oficiais (composto de oficiais especialistas de formação universitária a exemplo de
médico, odontólogo, veterinário, capelães, etc), podemos destacar o secundarização profissional existente entre
os oficiais QOPM e QOAPM (estes projetados desde segmentos inferiores da corporação); o oficial QOPM pode
chegar ao posto máximo da corporação conforme prescrito no art. 45 da Lei 2.101/77, no tocante aos oficiais
QOAPM a Lei n° 2.066/76, prescreve que o referido quadro somente tem acesso ao posto de major. Os oficiais
QOPM são relegados a funções administrativas, geralmente em condição de subordinado, e demais funções de
menor qualificação ou até mesmo empregados em eventos que não “exigem” maior qualificação. Para ressaltar
mais essa questão basta observarmos os BGO’s datados a partir do final de 2007 quando se verificará o emprego
de oficiais QOAPM em funções de “oficiais de dia” no QCG ou como adjunto do superior de dia, sendo essa
condição exercida por um “praça especial” ou subtenente.
3
19
especialização do direito como forma de atender e localizar (na estrutura do poder político)
as demandas apresentadas pelos diferentes segmentos sociais; essa emergência de demandas
sociais por direitos se traduziu numa preocupação com a aplicabilidade da lei exigindo desta
uma tendência marcada crescentemente pela especialização legislativa; disso abstraímos dois
aspectos fundamentais: a primeira se refere à estruturação de um poder político de base
jurídica mais ampla (reconhecedora da diferença enquanto elemento multicultural apresentado
pela sociedade moderna) e, ao lado deste, o acesso, pelo menos ao nível da teoria jurídica, a
direitos antes não tratados sob uma perspectiva ideológica redutora da condição jurídica do
sujeito, ou seja, o termo cidadão que servia em tempos históricos anteriores para designar o
conceito de pessoa jurídica cede lugar ao conceito de cidadania e às diversas facetas da
condição do cidadão. (BOBBIO, 2001, BECK,1997, AVRITZER, 2002)
20
Mas em se tratando de contextos democráticos o discurso jurídico, delimitado ao
espaço de formação e encaminhamento das demandas sociais por reconhecimento de direitos,
deve nos conduzir a reflexão dos limites do exercício de poder – expressas nas práticas e nos
mecanismos de controle e disciplinarização da conduta social e institucional dos sujeitos –
encontrado em instituições como, por exemplo, a polícia militar. O recorte histórico proposto
neste estudo primou pela observação de um momento peculiar na história da PMSE haja vista
encontrarmos a partir do final da década de 1990 e início do século XXI uma série de
“medidas” internas que figuram o processo de “racionalização” do poder disciplinar. Podemos
considerar nas medidas viabilizadas pelo oficialato da PMSE a tendência ao aprimoramento
dos procedimentos jurídicos e disciplinares cuja finalidade seria o reforço nas funções
19
Bobbio diz o seguinte: “Assim, com relação ao abstrato sujeito "homem", que já encontrara uma primeira
especificação no "cidadão" (no sentido de que podiam ser atribuídos ao cidadão novos direitos com relação ao
homem em geral), fez-se valer a exigência de responder com nova especificação à seguinte questão: que homem,
que cidadão? Essa especificação ocorreu com relação seja ao gênero, seja às várias fases da vida, seja à diferença
entre estado normal e estados excepcionais na existência humana.” (BOBBIO, Norberto. Era dos Direitos. 1999
p. 47)
20
Aqui nos apoiamos na literatura sociológica e política – Mercadante, 1978; Zaverucha, 2004; Celso Castro,
2004; Carvalho, 2001; Heloisa Fernandes, 1979 – problematizadora das relações entre militares e civis, a qual
destaca as implicações dessa relação sobre o sistema político e a “revisão” do papel social das instituições
militares.
3
21
O domínio sobre o outro é pensado segundo Goffman (1974,p. 149) , no caso da
instituição militar, sob a perspectiva do processo de “aglutinação” do sujeito em contextos
coletivistas que marcam a “inserção” da identidade pessoal numa realidade padronizada e, por
vezes, “anônima”. No tocante ao fenômeno de coletivização do sujeito em contextos
institucionais se deve considerar o conteúdo das práticas coletivistas, pontuado devidamente
as “motivações” e/ou circunstâncias da inserção do sujeito. Porém, a institucionalização (ou
coletivização) do sujeito se torna viável devido a articulação entre os mecanismos fundadores
da autoridade institucional; esta se coloca dominantemente como eixo de estruturação da
representação dos sujeitos acerca de si próprios, dos outros (e suas ações) e do ambiente em
que vivem. As “redes de poder” se mantém no cotidiano das práticas laborativas e recreativas
exigindo continuamente do sujeito o seu “engajamento” nas tarefas propostas pela instituição.
21
GOFFMAN, Erving. Agir e Ser, In: Manicômios, prisões e conventos. São Paulo: Perspectiva, 1974.
3
dos diversos segmentos hierárquicos da PMSE, num dado momento histórico, impedindo,
22
Embora Celso Castro reconheça a aplicação da teoria das “instituições totais” de Goffman por parte de autores
como José Murilo de Carvalho e Alexandre Barros, irá afirmar o seguinte: “Embora se utilize como referências
básicas as prisões e manicômios, ele inclui as academias militares como exemplos de instituições totais. No
entanto, creio que se perde mais do que se ganha com essa classificação, pois as divergências com o modelo de
Goffman são grandes, apesar de várias semelhanças formais”. (2004,p. 37)
3
23
técnico-profissional e as “redefinições” na autoridade militar . Entretanto, o esquema de
Goffman fornece ao pesquisador um leque de possibilidades teóricas e metodológicas dada a
ampla catalogação de funções “orgânicas” e “empíricas” que são contabilizadas pela teoria da
“instituição total”.
indivíduo (autoridade e sujeito) tem como pano de fundo determinados saberes e práticas
sociais incidindo continuamente sobre o sujeito e gerando elementos de representação, mas se
deve pensar e entender que o exercício do poder se confunde e se identifica com a aplicação
da força da qual pode-se “produzir” violência.
Os nexos ideológicos e “efetivos” entre poder, força e violência são suscitados, por
25
exemplo, em trabalhos como o de Jacques Derrida que trata de “desconstruir” as relações
de poder – que são vistas numa literatura sociológica do ponto de vista da dimensão
23
A mentalidade militarista da PMSE (militarismo híbrido que conserva os fundamentos da ordem militarista
do
Exército e elementos do pensamento organizacional da Segurança Nacional),
24
Respectivamente: Michel Foucault e Deleuze (Microfísica do Poder), Dreyfus e Rabinow (Michel
Foucault:
uma trajetória filosófica) e Derrida (Força de Lei).
25
DERRIDA, Jacques. Força da Lei. São Paulo: Martrins Fontes, 2007. p. 10: “Gewalt é portanto, ao mesmo
tempo a violência e o poder legítimo, a autoridade justificada. Como distinguir entre força de lei de um poder
legítimo e a violência pretensamente originária que precisou instaurar essa autoridade.”
3
27
A violência legítima – ou Gewalt – é desqualificada, opondo-se claramente à
noção de uso arbitrário da força em decorrência de sua “justificação legal” e conformidade
aos regulamentos e normas de formalização jurídica instituídas pela comunidade política
(Estado), em outros termos, a violência legítima praticada, enquanto atributo de propriedade
institucional exclusiva, possui “natureza” e finalidade sui generis, pois sua aplicação tende a
produzir as condições de defesa e preservação do interesse coletivo. O estudo weberiano
permite observar a transição histórica da sociedade moderna ocidental sob o viés do fenômeno
26
Max Weber afirma o seguinte: “São produto de um desenvolvimento somente a monopolização do emprego
legítimo da violência pela associação territorial política e o estabelecimento de uma relação associativa racional
que faz dela um regime com caráter de instituição”. (2004, p. 158)
27
Derrida (2007, p. 81) irá dizer que direito e violência são marcadas por certa homogeneidade visto que: “[...] a
violência como exercício do direito e o direito como exercício da violência. A violência não é exterior ao direito.
Ela ameaça o direito no interior do direito”.
3
29
Porém, no pensamento de Michel Foucault (2009, p. 164) encontramos os
materiais para pensarmos as relações advindas do “imperativo” jurídico, percebendo-as não
somente pelo viés da racionalização jurídica – representada como impessoal e continuamente
“razoável” -, mas através da ótica do poder disciplinar. Esta categoria assume, ao mesmo
tempo, a condição de método de análise haja vista permitir direcionar o olhar do pesquisador
para os aspectos simplórios do cotidiano das práticas sociais.
30
De fato, em sistemas sociais fechados ou semi-fechados as relações interpessoais
são construídas e definidas em dois momentos interligados: a obediência à norma prescrita em
código e a interação dos sujeitos mediada pelas “normas” de convivência. Com isso, afirma-se
a ressalva de Focault quanto à dinâmica de poder produzida pelas práticas sociais, isto porque
28
WEBER, Max. A instituição estatal racional e os modernos partidos políticos e parlamentos, In: Economia
e
Sociedade: fundamentos da Sociologia Compreensiva, Vol. II, 2004, p. 526.
29
Vejamos o que diz o trecho seguinte: “O poder disciplinar é com efeito um poder que, em vez de se apropriar
e de retirar, tem como função maior adestrar; ou sem dúvida adestrar para retirar e se apropriar ainda mais e
melhor.” FOUCAUL, Michel. Os recursos para o bom adestramento. In: Vigiar e Punir, 36ª ed.Petrópolis,
RJ:
Vozes, 2009. 164-186.
30
Adotamos aqui a noção de Erving Goffman acerca de sistema social fechado (ao qual ele denomina
“instituição total”) e sistema social semi-fechado (ou relativamente fechado) como sendo aquela instituição em
que o indivíduo não perdeu completamente o contato com a vida social exterior à instituição. Ver obras:
“Manicômios, prisões e conventos” e “A apresentação do Eu na vida de todos os dias”.
3
o poder não se exaure em sua definição legal ou estatutária, mas na própria dimensão
empírica de intencionalidades, de ações e de discursos que se produzem e se reproduzem no
meio social.
corporação, veja-se a seguir em que consiste o compromisso “abraçado” pelo policial militar
31
retratado no Estatuto dos Policiais Militares do Estado de Sergipe :
32
Os documentos acima referidos abrangem unicamente o Boletim Interno do QCG e o “contato” com eles (e,
por conseguinte a referência aos mesmos) deu-se no período exploratório da pesquisa cuja finalidade era a de
mapear as mudanças na prática punitiva e nas formas de controle jurídico entre 1986 e 1988. Este período que
havia sido “pensado” como recorte temporal foi abandonado devido ao fato de que as características do processo
administrativo e jurídico estavam muito próximas das diretrizes legais castrenses corroboradas com a própria
inserção do fenômeno das práticas punitivas num contexto de dominação política desempenhada pelos militares
(Carvalho, 2002), cujos reflexos se manifestavam no alinhamento entre o discurso institucional oficial e as
práticas exercidas pelo oficialato. Um dado que fornece indícios da aproximação entre a “ideologia” militarista
3
O “SAS” era a Seção de Ação Social cuja função primordial consistia em realizar
partir das informações coletadas que atestavam ou não a idoneidade de determinado indivíduo
“SAS”, funcionando como setor de investigação social, explicita parte de práticas de controle
institucional que penetravam na vida íntima do policial militar, delineando suas possibilidades
34
de decisão e de ação tanto na “esfera de suas competências legais” quanto na esfera de sua
vida íntima. Outro dado a ser acrescentado diz respeito à fundamentação jurídica da
Sergipe), informa que somente pedirão permissão ao comando geral o militar que deseja
adotada e praticada pelo oficialato da PMSE no período entre 1986 e 1988 é a presença de oficiais do Exército
Brasileiro dentro da polícia militar sob o comando Geral do Coronel EB Joseluce Ramos Prudente, cuja função
se estendeu entre final de 1987 a 1994, precedido dos seus antecessores Coronéis QOPM João Barreto Mota
(1983-1986) e José Batista dos Santos Filho (1986-1987), ambos de formação profissional nas academias do
Exército Brasileiro.
33
POLÍCIA MILITAR DE SERGIPE, BOLETIM INTERNO n° 92, p. n° 1.198, 21 de maio de 1986,
Aracaju- SE.
34
A expressão é encontrada na publicação de punições disciplinares sendo a referência que a autoridade militar
faz à deontologia do policial militar, reforçando o significado de não conformidade ao que prescreve o código
de conduta castranse.
4
com questões pertinentes à segurança nacional); o parágrafo 1° diz ainda que é “vedado”
contrair matrimônio o aluno-oficial PM e “demais praças enquanto estiverem sujeitos aos
regulamentos dos órgãos de formação de oficiais, de graduados ou de praças, cujos
requisitos para admissão exijam a condição de solteiro, salvo em casos excepcionais, a
critério do comandante geral da Corporação”, o desrespeito ao que prescreve o parágrafo 1°
implica a exclusão “sem direito a qualquer remuneração ou indenização” (art. 128, Estatuto
dos Policiais Militares do Estado de Sergipe). Cabe ressaltar que a parte do texto legal acima
não recebeu nova redação desde a data de sua publicação em dezembro de 1976; o que
deixaria sem justificativa “legal” a atuação de setor responsável pela coleta de informações
sobre a vida íntima e pessoal de civis explicitando, assim, a adoção por parte da autoridade
militar de práticas de vigilância da conduta moral do PM condizente com o período histórico
vivenciada pela política brasileira a qual estava submetida à égide da ditadura castrense,
caracterizando intenso período de interpenetração de valores da “cultura” militar na estrutura
organizacional do estado brasileiro. (CARVALHO, 2005)
35
O soldado QPMP-0 n° , , por ter no dia 05 de maio
de
86, fazendo parte do destacamento da cidade de Itabaianiha-SE, deixado de
cumprir norma regulamentar na esfera de suas atribuições [...], se portado
sem compostura em uma discoteca, localizada naquela cidade, provocando
causa, voluntariamente, de alarma injustificável, vagado pelas ruas após as
22:00 horas sem permissão de quem de direito, usando traje civil, sem
permissão da autoridade competente e ainda ofendido a moral e os bons
36
costumes por atos e palavras [...]
35
Omitimos o nome do militar para preservar sua identidade.
36
Boletim Interno do QCG, n° 96, 28 de maio de 1986, p. 1.244.
4
Outra observação a ser feita se refere à linguagem adotada pelo texto oficial o qual
preserva alguns termos ainda hoje utilizados; por exemplo, no texto oficial é freqüente a
utilização da expressão “deixado de cumprir norma regulamentar na esfera de suas
atribuições” para fazer “aparecer” a relação de causalidade entre a norma, substância e
matéria da prática profissional, e a desobediência (não cumprimento por omissão, imperícia e
imprudência) cometida pelo militar.
cotidianamente praticadas por sujeitos específicos que atuam enquanto “elo” de ligação entre
os postos hierárquicos mais elevados e os sujeitos submetidos à autoridade institucional. No
contexto da PMSE o controle administrativo exercido pela autoridade militar sobre a
37
“praça” coincide com os princípios jurídicos do código militar que funciona duplamente
como fator de regulação e padronização da atividade profissional militar e, também, como
instrumento de coerção “moral”.
Dia”; nestes livros são registradas as “alterações” no serviço, ou seja, registrava-se todo
eventos que ocorresse ao longo do turno de serviço. A função do superior hierárquico remete
à noção de “cadeia hierárquica” e ao necessário desempenho de sua atividade no sentido de
fazer com que a norma fosse cumprida e as distinções hierárquicas respeitadas pelo
subordinado.
37
Termo indicativo do militar que integra os seguintes estratos da hierarquia: soldado, cabo e sargento. A
denominação “praça especial” refere-se à graduação de subtenente; a adoção da palavra “especial” indica a
“situação” desse estrato que está localizado em “zona” intermediária entre as praças e o oficialato.
38
É difícil afirmarmos o momento em que as relações hierárquicas deixam a modalidade de formas de controle
“personalísticas” empreendidas pelos sujeitos da hierarquia militar no cotidiano profissional; interessa-nos,
portanto, partir da análise das condições atuais (definidas no limite temporal do estudo proposto) de exercício do
pode disciplinar na PMSE e as alterações nos padrões de comportamento do militar frente à autoridade
institucional.
4
considerar por similitude jurídica o militar do Exército – é um indivíduo marcado por uma
“essência indelével”, ou seja, por um tipo de “natureza” que lhe caracteriza de maneira
integral a singularidade de seu ser, impondo-lhe infindáveis obrigações de propriedade
jurídico, moral e até mesmo afetiva; isto é notado quando se lê no ordenamento jurídico-
normativo as definições da condição do militar, por exemplo, prescrita respectivamente no
Estatuto da Polícia Militar de Sergipe e no R-4 (de aplicação no âmbito da PMSE e do
Exército): é imperativo que o policial militar seja amante da “verdade” e do respeito à
39
dignidade da pessoa humana (art. 27, inciso I) , eficiente no que faz e cumpridor dos
regulamentos e da lei (idem, inciso II e III), dotado de profundo e equilibrado senso de justiça
(idem, V), preparado moral, intelectual e fisicamente para o serviço policial-militar (idem, VI
cidadão (idem, incisos VIII, IX, XII), provedor das necessidades do lar e atento ao clamor
social ilustrado em eventos que exigem a sua intervenção preparada e eficaz (idem, incisos
em ato solene de formatura marcando a sua “aceitação consciente das obrigações e dos
42
deveres policiais-militares” e a firme decisão de bem cumpri-los. O compromisso aceito
39
Estatuto da Polícia Militar do Estado de Sergipe, Seção II – Da ética policial-militar, art. 27 e incisos
seguintes.
40
Regulamento Disciplinar do Exército (R-1), Capítulo II, Dos Princípios Gerais da Hierarquia e da Disciplina,
art. 6°: A disciplina militar [exigência permanente de reorientação comportamental e, conseqüente, qualificação
da conduta] é a rigorosa observância e o acatamento integral das leis, regulamentos, normas e disposições,
traduzindo-se pelo perfeito cumprimento do dever por parte de todos e de cada um dos componentes do
organismo militar.
41
Regulamento Disciplinar do Exército (R-1), Título IV, Comportamento Militar, art. 27, parágrafos
seguintes.
42
Estatuto dos Policiais Militares de Sergipe, Seção I, Do compromisso policial-militar, art. 31.
4
dedicação estabelecem a abdicação do policial militar à até mesmo sua própria vida em favor
vida militar (CARVALHO, 2002, CASTRO, 2002); porém, esta integração se dá pela
43
Idem, art. 32.
44
Idem, ibidem, art. 32, parágrafo 1°
4
tocante ao emprego do efetivo são definidas pelo volume das solicitações apresentadas pelo
portanto, dos policiais a devida cautela quanto à divulgação do conteúdo e das informações de
quais repassariam uma mensagem de felicitações natalícias aos comandantes das OPM’s:
comandantes das unidades e subunidades, a seguir divulgadas, pelo transcurso dos seus
50
aniversários, que aconteceram no mês próximo passado” ; a partir da recepção por parte do
51
policial militar da mensagem acima o mesmo deveria deslocar-se para o Centro de
unidade, proceder conforme as orientações prescritas pelo Comando Geral e repassadas para
49
Decidimos apresentar um trecho razoavelmente extenso por considerar a necessidade de visualizar
panoramicamente a estrutura do “Plano de Chamada” para somente depois fazermos as devidas pontuações
sobre aspectos intrigantes e controversos da referida “medida administrativa”. O citado trecho encontra-se no
Boletim Geral Ostensivo, n° 022, 31 de janeiro de 2001, p. 152.
50
Idem, p. 153.
51
Ao se falar em transmissão de ordem subentende-se a obrigação moral e profissional do militar corresponder
ao conteúdo da ordem emitida, nessa relação se encontra a preservação do princípio hierárquico segundo o qual
o subordinado tem o dever de responder ao comando de seu superior, o não cumprimento acarretaria em
transgressão ou crime militar; a base jurídica do imperativo da “ordem” no universo militar pode ser ilustrado no
Item 16 do Anexo I do RDE: “Deixar de comunicar ao superior a execução de ordem recebida [grifo nosso],
tão logo seja possível”.
4
52
Goffman (1974, p. 78) afirmar que na “instituição total” a existência da “equipe dirigente” é parte do
dispositivo de controle sendo aquela responsável pela manutenção do quadro de referência moral proposta pela
5
Nesse ponto em particular o Plano pode ser pensado como um exercício de treino militar que
para alcançar a condição de treino prescindia de outros treinos, ou seja, o Plano era um
“exercício que necessitava de exercício”. Isto ocorreu porque no interior do próprio oficialato
a apresentação de um programa de exercício militar cuja finalidade, aparentemente, esgotava-
se na execução da tarefa representava uma falha de planejamento das finalidades do
policiamento ostensivo. Outro ponto a destacar é a de que se tratando de um “Plano de
Chamada de Oficiais e das OPM’s” as condições de processamento do programa – “em
qualquer dia da semana e a qualquer hora do dia” – atingissem também o oficialato haja
vista não haver transcrita no projeto do Plano nenhuma referência que diferenciasse o
chamamento entre oficiais e praças. Atualmente o oficialato e praças que exercem cargo de
chefia ou de comando dispõem de telefones móveis permitindo a facilitação na comunicação e
agilidade nas solicitações feitas nas esferas das relações profissionais militares. Ao tempo do
Plano, em 2001, a quantidade de telefones móveis era irrelevante impedindo que o contato
entre oficiais por meio do aparelho telefônico modificasse a diretriz operacional do citado
programa. O contato entre Comando Geral, EMG e oficiais era um dado a ser considerado na
realização do programa o que não impede dizer que determinado nível de comunicação fosse
criado entre eles com o intuito de “sinalizar” acerca da realização da convocação
extraordinária.
disciplina.
Dessa forma, não é estranho reconhecer atos e discursos proferidos pela autoridade
que confirmem as exigências institucionais quanto ao disciplinamento do subordinado. Sendo
53
assim, a idéia de que o soldado deve estar “atento ao serviço” não se dá como referência a
uma condição circunstancial geralmente identificada com o momento em que o militar presta
o serviço de “sentinela da sociedade”, mas primordialmente no sentido de que o militar
pertence à sua Corporação e que toda solicitação feita por esta deve ser cumprida com os
rigores observados em lei. A essa relação de vigilância produtiva da conduta do militar por
meio da “economia das horas” Foucault (2009, p. 144) chama de “controle da atividade”
para indicar parte do processo histórico que nos delegou o “rigor do tempo industrial” o qual
conteve em si determinado simbolismo místico reconhecido nas práticas de rotinização das
atividades e organização do tempo bastante freqüente em instituições religiosas. Todavia, a
preocupação constante com o controle do tempo e a relação entre produtividade e precisão
cronométrica das ações do trabalho foi incorporado pela lógica organizacional da produção
capitalista. Mas a organização do tempo recebeu direcionamento específico a partir das
práticas disciplinares. Na PMSE é possível detectar no código disciplinar a relevância do uso
do tempo e seu aproveitamento sob a forma da “disciplina consciente” e da vigilância
53
Espera-se do policial militar um estado de prontidão que significa a disciplina aplicada à atividade policial
servindo de precaução para eventuais ocorrências que possa haver ao longo do serviço. Neste sentido, a
expressão “estar atento ao serviço” é figurada no Anexo I do RDE, no art. 21 nos seguintes termos: “trabalhar
mal intencionalmente, ou por falta de atenção, em qualquer serviço ou instrução”; a partir desse dispositivo se
estabelece uma categoria genérica que permite ao superior hierárquico ampla possibilidade para aplicação da
punição, constituindo, na verdade, a capacidade “avaliativa” (carente de critérios objetivos) do comportamento
da praça. Como se avalia a noção de “mal intencionalmente”? Isto seria uma premeditação da conduta ou ato
culposo? O que classifica objetivamente a falta de atenção ao serviço? Para comprovação dos efeitos da “falta de
atenção” se deveria relacionar objetivamente a causa (ausência de prontidão e atenção) e os efeitos concretos
gerados diretamente por tal relação. É importante registrar que entre 2001 e 2008 (na 4ª parte dos BGO’s
pesquisados) não houve registro de punição disciplinar em que a expressão “mal intencionalmente” fosse
utilizada como item ou causa principal de transgressão disciplinar. Sobre o formato do texto oficial e aspectos
lingüísticos falaremos mais adiante.
5
“marcar presença” nos pontos definidos de antemão pelo “cartão programa”, nesse caso em
54
Apresentamos um modelo de “cartão programa”, a partir de amostra coletada no Arquivo da PMSE, contendo
o itinerário de uma viatura de rádio patrulha, ou seja, responsável pelo policiamento motorizado de uma área
específica.
55
Alguns dados foram alterados para preservar as pessoas jurídicas presentes no itinerário do cartão programa,
como, por exemplo, o posto de gasolina. O referido foi selecionado dentre os documentos entregues ao
Arquivo Geral da PMSE e é datado em 20 de agosto de 2002.
5
particular a fiscalização cabe ao sargento de dia, que opera o rádio na sede da CIA e de
tempos em tempos repassa ocorrências e faz solicitações, e aos beneficiários diretos pelo
“recebimento” dos policiais, ou seja, os funcionários de escolas, frentistas e gerentes das lojas,
todos estes exercem, também, o papel de fiscalizadores do cumprimento do itinerário feitos
pela guarnição podendo, inclusive, servirem de testemunhas caso o programa tenha ou não
sido cumprido pelos militares responsáveis. Nesse esquema de vigilância e controle as
relações interpessoais é peça fundamental no êxito da programação do tempo; entretanto, cabe
ressaltar igualmente que o atendimento de ocorrências não previstas no programa pode gerar
atrasos, embora justificados, na execução do “cartão programa”, além do fato de que a
guarnição pode, através dos laços de amizade, burlar o cumprimento da atividade
programática “conquistando” a amizade e simpatia daqueles sujeitos que apriori poderiam ser
fiscalizadores do serviço. Nesse esquema onde a prontidão ao serviço assume a modalidade
de “organização programática do tempo” há, portanto, a possibilidade de falha e de
redefinição prática das finalidades previstas. Outro aspecto que não deve ser descartado se
refere à seleção dos pontos abrangidos pelo “cartão programa”; como este é ato emanado da
chefia da OPM os motivos da seleção repousam em critérios objetivos (maior probabilidade
de ocorrência de assalto, a exemplo de pontos comerciais de grande fluxo) e subjetivos
(escolha de pontos comerciais cujos proprietários tenham maior proximidade com oficiais e
demais militares influentes na organização e distribuição do efetivo) que, independentemente
da priorização dos motivos objetivos e subjetivos, estarão travestidos de legalidade e de
legitimidade presumidos na noção de autoridade militar; a “percepção” do enviesamento por
motivos pessoais da atividade de policiamento ostensivo (classificado como atividade de
interesse público) é algo imediatamente captado pelo policial militar à frente do serviço, o
qual freqüentemente se encontra incapacitado de contestar a ordem emitida por haver carência
de variáveis objetivas que permita o confrontamento, em termos de “avaliação moral”, com a
moralidade do ato de seu superior hierárquico ou até mesmo por haver insuficiência nas
condições legais e institucionais capazes de redirecionar e corrigir o ato da autoridade militar.
5
militarista, pois por meio daquela atividade se pretende alinhar a finalidade pública da
instituição (a promoção das condições efetivas de segurança da ordem pública) aos propósitos
do programa de policiamento vinculado pela chefia da OPM junto ao seu público interno.
56
A escala da área comercial do João Alves, como era conhecida, foi elaborada em 2003 e perdurou até
fevereiro de 2005, conforme registros da 1ª Cia do 5° BPCOM.
5
ordinário, que como dito anteriormente concentra a maior parte do emprego dos recursos
humanos.
significado para o calendário regional, etc) e em pontos distintos do território sergipano. Mas
57
A área que compõe a “Grande Aracaju” abrange os municípios de Aracaju, Barra dos Coqueiros (Ilha de
Santa Luzia), Nossa Senhora do Socorro e São Cristovão,
58
Os citados batalhões são sediados nas seguintes cidades: 1° e 8° BPCOM sede em Aracaju e 5° BPCOM no
conjunto João Alves, Nossa Senhora do Socorro. Sobre o “Organograma do Comando de Policiamento da
Capital” – 0-22-07 e “Organograma do Comando de Policiamento do Interior” -0-22-08, ver anexos.
59
Ressaltamos aqui que a PMSE trata-se de entidade pública cujo funcionamento, apesar de sua especificidade
militarista, está ancorado no “estatuto legal” e na “legitimidade” conferida por esta à estrutura administrativa.
Enfatizamos ainda a importância da “Lei de Fixação de Efetivo da Polícia Militar de Sergipe”, responsável pela
progressão numérica do efetivo e a minimização dos efeitos da defasagem social da “força policial” no tocante
ao atendimento à demanda social gerada no âmbito da segurança pública. Na referida lei as alterações concorrem
também para a disposição e correspondente distribuição de postos e graus hierárquicos nas fileiras da
Corporação.
5
60
Talvez se nos detivéssemos tão somente na “historiografia” jurídica da PMSE,
mais propriamente entre 1998 e 2008, teríamos embotada a visão analítica que, limitada pela
particularidade do fenômeno jurídico, permitiria relacionar e entender como as práticas
sociais do final da década de 1990 e início do século XXI, desenvolvidas no interior e no
“limiar” da Corporação, influenciaram as relações entre a autoridade militar e os membros a
ela subordinados; deve-se ainda compreender que a visão da hierarquia militar, num primeiro
momento, poderia nos conduzir à “percepção” de nulidade das relações interpessoais, pois
daria demasiada relevância ao primado da regra positivada sobre o cotidiano das práticas
interpessoais e profissionais. Substituímos a visão verticalizada (e, portanto, hierarquizada)
das relações entre pessoas (policiais militares) e segmentos (níveis hierárquicos) pela visão
“ascendente do poder” (FOUCAULT, 2005), admitindo a partir desta que as relações
interpessoais mantidas no interior da PMSE são passíveis de ser apreendidas pela “lógica das
relações intercambiais”, assemelhada à um esquema de “luta e cooperação, barganha e
submissão” onde os sujeitos assumem posições “não-definitivas ou passíveis-de-definição”.
De fato, não se trata de ver a hierarquia e a disciplina enquanto “potências” institucionais
capazes de eliminar os elementos comportamentais e “ideológicos” ou representativos
corrosivos à “moral castrense”, pois se assim fosse não teríamos continuamente ativada a
função coercitiva inerente à prática jurídica e judiciária e os desafios do combate à
60
A análise do fenômeno jurídico ou do “sistema jurídico” é componente integrante da perspectiva de análise
apresentada neste trabalho; para tanto adotamos a premissa de que “o campo judiciário são canais de relações de
dominação e técnicas de sujeição polimorfas”, sendo assim, o “direito deve ser visto como um procedimento de
sujeição, que ele desencadeia, e não como uma legitimidade a ser estabelecida”. (Soberania e Disciplina in:
Microfísica do Poder, FOUCAULT, 1990, P. 182)
5
2009) se situa numa tal disposição do “material humano” como peça chave no esquema de
controle institucional utilizando como técnica a “chamada de serviço” (momento em que se
registra a chegada, saída e passagem de serviço de uma guarnição à outra) e as “ordens de
serviço” (informes transmitidos pelo chefe da OPM e repassados por oficiais ou outro agente
com competência definida de antemão para fiscalizar o andamento da atividade).
61
Uma das reformulações reivindicadas pela chamada “Associação Unidas”, representante das diversas
associações de militares estaduais sob a coordenação geral de líderes vinculados à Caixa Beneficente, consiste na
alteração da Lei de Organização Básica da PMSE e na reformulação do Código de ética e Disciplinar que rege as
relações hierárquicas na polícia militar. Dedicaremos particular atenção à preocupação, por exemplo, de tais
reivindicações demonstrando como elas estão ligadas à questões de carreira e demais aspectos da organização
administrativa e militar da instituição.
5
formal, do âmbito de controle “logístico” dos recursos humanos, para formas elementares de
“sujeição do outro”, fundado em práticas de fiscalização caracterizadas pelo
“acompanhamento do andamento do serviço” (uma das ferramentas que ilustra essa técnica
elementar são os livros de registro de ocorrência onde se dá ciência); olhar o que o
subordinado está fazendo, desconfiar de sua postura no serviço é algo comum à sistemática de
fiscalização mobilizada pela autoridade militar.
capaz de conferir ao policial militar estadual um status singular, impedindo, assim, que aquele
seja definido em termos genéricos como “militar”. O discurso técnico-profissional, esta é uma
das hipóteses a ser considerada, é um dos elementos de relevante significado sociológico para
62
O estatuto técnico profissional aqui mencionado será tratado mais adiante na seção que discorrerá sobre a
“educação militar” o qual analisará a reformulação curricular e as ações de profissionalismo implantadas para
conferir ao PM noções específicas de sua prática.
5
designar a “natureza” das agressões cometidas pela instituição sobre o sujeito e, igualmente, a
63
A obra citada trata-se de “Manicômios, prisões e conventos”, editora perspectiva, 8ª edição. Cf. p. 24.
6
É inegável o papel da instrução para a instituição militar, haja vista a instrução ser
64
o primeiro elo entre o elemento (o militar) e o todo (Corporação, coletividade),
64
Berger e Luckmann chamou “cristalização” o processo de elaboração da subjetividade que ocorre
paralelamente ao processo de interiorização, ambos os processos são dinamizados por mecanismos sociais de
integração do sujeito a partir de dimensões objetivas (a realidade, a sociedade, as práticas sociais) e subjetivas
(linguagem, cognição, etc) tornando possível a definição de papéis e de identidades (1997, p. 179). Na instrução
militar o ideal-meta aponta para a “modelagem” da subjetividade do militar (tendo como ponto de partida o
recruta) fundadora de uma identidade coerente e contínua que seja expressão dos direcionamentos teóricos (ou
formais) da instituição e correspondam à representação prática do cotidiano profissional; queremos dizer com
isso que grande parte dos saberes teórico-práticos da atividade policial não é dada no período profissional, disso
resultam duas observações: primeiro, reconhecemos déficits de saberes curriculares na grade de instrução que
não contemplam uma gama ampla de conhecimentos necessários à formação técnica do policial militar em
níveis satisfatórios (faremos algumas considerações posteriores sobre a grade curricular do CFSd) e, segundo,
os “macetes” do serviço de rua são ressaltados pelos policiais militares como saberes efetivamente “necessários”
de serem aprendidos pelo militar, pois o laboratório do CFAP é tido por um simulacro bastante precário daquilo
que
6
rede das relações cotidianas nela (ou seja, no processo formativo da moral profissional)
também podem ser transferidos determinados vícios combatidos racionalmente pela
organização disciplinar do conhecimento. Estamos falando dos vícios e das morais
profissionais co-existentes à ética profissional. Mas quais seriam estes vícios e em que medida
eles não estão integrados à lógica de formação e condicionamento dos recrutas? Essa é uma
das questões a serem tratadas nos próximos itens; outra questão a ser debatida se refere à
natureza do controle exercido pela instituição no processo de instrução militar nos dois cursos
de formação de soldados ocorridos simultaneamente nos anos de 2002 e 2005. Nestes
verificaremos algumas mudanças operadas no modo de organização do curso, bem como o
tipo de interferência gerada pelos alunos dos cursos de formação sobre os responsáveis
institucionais.
o militar enfrenta em seu dia a dia de serviço. Evidentemente, neste último destacamos o nível de significação
atribuída pelos policiais militares à “natureza” do serviço, havendo, por conseguinte, uma sobrecarga de valores,
preconceitos e “visões de mundo” postos em destaque em prejuízo do que fora ensinado e aprendido no período
de instrução. Talvez devêssemos, para entender melhor a série de consid erações feitas, tratar da noção de tática
em Michel de Certeau e Erving Goffman para visualizarmos ainda melhor as implicações práticas dos esquemas
de ação adotados pelos indivíduos no cotidiano profissional; acerca da categoria mencionada discorreremos
adiante em momento apropriado.
65
Ver obra de Durkheim : Educação e Sociologia. Portugal: Edições 70, 2007.
No BGO n° 023 de 07 de fevereiro de2003 encontra-se a seguinte nota informando a “exclusão” por falecimento
do aluno CFSd John Leno Cunha da Mota,: “...falecido no dia 20 de janeiro de 2003,(...), tendo como causa
morte Choque hemorrágico, ferimento toráxico – abdominal, homicídio, vindo a falecer em via pública – Poço
Verde/SE, como consta o atestado de óbito do Dr. Francisco Máximo de Jesus, do Instituto Médico Legal”. É
importante informamos ainda que o aluno citado cumpria um punição disciplinar consistindo esta na prestação
de serviço de policiamento a ser realizado na cidade de Poço Verde.
6
66
O edital de concurso público para o CFSd 2002 exigia à semelhança dos concursos realizados na década de
1990 a escolaridade mínima de ensino médio, demonstrando tal critério uma exigência da PMSE quanto à
qualidade intelectual do aspirante ao cargo de policial militar. Segundo dados da PM-3 e da PM-1 dos 200
soldados freqüentando o CFSd 2002 cerca de 50 militares tinham apenas o ensino médio concluso, 90 militares
estavam freqüentando algum curso universitário, 30 militares tinham nível superior completo e 25 cursavam ao
mesmo tempo curso universitário e algum curso técnico ou de qualificação profissional.
6
soldado a obrigação de ajustamento à vida castrense, mas, também, à adequação de seu papel
profissional à vida social. Não se pode esquecer com isso que a educação militar realizada,
por exemplo, no curso de formação deve apontar não somente para o nível espacial da
instituição mais igualmente tem de apresentar as razões sociais da função que se exerce no
âmbito amplo da prática profissional localizada no “mundo de fora”. Antes de tudo o policial
profissional da PM, torna-o um sujeito que lida com o público. Daí uma das dificuldades
68
fundamentais do enquadramento da PMSE a partir da categoria de “instituição total” ,
devido à “natureza” da função social do policial militar e à sua aproximação com o público-
tal competência decorre do caráter exclusivista do saber ministrado pela instituição. “Na
69
esfera de suas competências legais” o militar é reconhecido por seu superior hierárquico e
pela própria instituição como sendo sujeito habilitado ao exercício de seu oficio profissional,
67
Janowitz apud Celso Castro (2004, p. 35).
68
Como dito em momento anterior a obra de Erving Goffman nos fornece mais que uma categoria, possibilita-
nos o alcance conceitual e estrutural de um mosaico de funções institucionais que, embora não se encontrem em
sua totalidade na PMSE, permitem o reconhecimento de mecanismos e funções ora latentes ora freqüentemente
dinamizados no interior da organização reforçando as relações de controle sistemático direcionados aos
indivíduos imersos na realidade organizacional.
69
Expressão empregada na 4ª Seção do Boletim Ostensivo ou Interno, geralmente evocada nas ocasiões de
aplicação da pena ás transgressões disciplinares.
6
Pedro Paulo mantinha seu apoio ao Cel. Gilson Vicente, todavia, na visão do subcomandante
geral Cel. Bezerra os alunos de soldado deveriam atender ao imperativo da “necessidade de
serviço” visto que este tem uma finalidade pedagógica qualificada como aprendizado prático
e posto na categoria de estágio operacional.
RELATÓRIO DE CURSO72
1. FINALIDADE
Informar o escalão superior sobre o andamento do CFS e CFSd 2002.
2. CONSIDERAÇÕES GERAIS
71
Este coronel exerce o comando geral da PMSE desde julho de 2009.
72
BGO n° 156 de 06 de setembro de 2002, p. 01458.
6
O relatório informa uma distribuição entre o horário das aulas e o horário dedicado
ao serviço nesse caso referindo-se ao CFS cujo emprego no policiamento ostensivo já era fato.
Havia uma expectativa de emprego dos alunos de sargento e de soldado no serviço ostensivo
o andamento das disciplinas e da carga horária do curso indicava ser prematura a decisão de
deslocar o efetivo, recém integrado às fileiras e sem o conhecimento perito mínimo necessário
para o exercício da atividade policial, às ruas mesmo em face das pressões fora e dentro da
administrativo e pedagógico. Outra estratégia utilizada para “ocupar” o alunado seria a prática
73
As Palestras com o Prof. Jácome Góes sobe Calores Humanos; com o Dr. Willian sobre Câncer; com o Sgt
Abílio sobre Cães; sobre o Meio Ambiente; palestra da abertura do Encontro Nacional dos Comandantes Gerais
indicam a propositura de saberes genéricos computados na grade fixa de disciplinas previstas para o CFSd 2002.
Ressaltamos o caráter genérico e de justificação questionável para a diretriz pedagógica e instrucional de um
curso de caráter “técnico” voltado para a área de policiamento.
6
diária de exercícios de educação física militar e de ordem unidade. Nestes termos, a educação
física militar tinha uma regularidade prevista para os dias de terça-feira e quinta-feira das
07h30min às 09h00min; já a ordem unidade era até a quarta semana de curso realizada
periodicamente cerca de 2 a 3 horas diariamente para suprir o tempo não preenchido pelas
aulas que não possuíam instrutores nomeados.
advindo das ações movidas na 6ª e na 9ª Vara Civil por militares contra o comando geral por
entenderem que este não cumpriu o regulamento de promoções impedindo, assim, que parte
dos militares evoluíssem na carreira militar. O emprego dos militares no serviço ostensivo,
74
BGO n° 156 de 06 de setembro de 2002, p. 01458.
6
75
depois de conclusas parte do curso , era imperioso haja vista ser manifesta a compreensão de
que o tempo de formação e preparação era “desnecessário” em decorrência da exigência de
disponibilização de homens na atividade fim. No tocante ao CFSd 2002 havia uma divisão de
opiniões quanto à diretriz pedagógica do comando do CFAP que insistia, como parte da
orientação pessoal manifesta publicamente no interior da Corporação, na manutenção do
alunado no período de dedicação à formação e instrução. Na PMSE o delineamento das ações
de gerenciamento da atividade administrativa e operacional são grandemente definições de
projetos apresentados pelo comando geral, conseqüentemente a troca de comando representa
muitas vezes a imediata mudança nas medidas adotadas pelo antecessor.
75
No demonstrativo do percentual do curso do CFS podemos destacar as distinções entre os pelotões; havia
quarto pelotões, o primeiro a ter o direito reconhecido pelo Comando Geral cursou no momento da emissão do
relatório cerca de 64%, enquanto os demais em decorrência de chegarem ao CFAP por força de decisão judicial
terem cumprido até a data de publicação do relatório apenas 35% a 38% (somando disciplinas concluídas e
disciplinas em andamento).
7
1997) descreve esse fenômeno paradoxal quando afirma que “a exibição da força (...),
implica de fato uma exibição do domínio da força. Ela é uma denegação da força, uma
afirmação da força, que não deixa de ser uma negação da força, (...), logo convertida em
força legítima, desconhecida e reconhecida, em violência simbólica”.
– para justificar um fato que poderia ser descrito como arbitrário – não eliminou,
conseqüentemente, a ocorrência de práticas abusivas; num dos relatos do policial entrevistado
encontramos o seguinte registro.
7
2002 não houve registro que comprovasse no cômputo de suas práticas pedagógicas e de
explicada pela natureza das práticas de controle institucional desenvolvidas nos cursos de
instrução militar. Segundo um dos militares entrevistados matriculado no CFSd de 1998 “as
hierárquicos, por sargentos e oficiais. (...) não havia razão de defesa; o sargento informava o
aluno que ele tava punido, dava uma ‘canetada’ nele sem muitas vezes muita explicação”; a
76
disciplina militar, enquanto “regime de poder” que faz funcionar e põe em evidência uma
hierárquica), esta categoria explicita bem a função dos mecanismos de controle tidos
76
FONSECA, Paloma Siqueira. A Presiganga e as punições da Marinha (1808-31), In: Nova História Militar
Brasileira. Rio de Janeiro: FGV, 2004.
7
77
A autora faz referência a um estudo sobre a press-gang como forma de recrutamento forçado praticados pela
Marinha brasileira entre 1808 a 1831. A presiganga atendia às funções de mecanismos de seleção social
desenhando um sistema punitivo misto onde militares e civis eram punidos por regulamento disciplinar; tal
mecanismo reforça a idéia de poder arbitrário e práticas abusivas cometidas pela instituição militar. Op. Cit.
7
interferência de instâncias da vida civil sobre o cotidiano da vida na caserna. Podemos ver
nisso a “colonização” da esfera da atividade militar por outras forças sociais ativadas no
contexto da experiência democrática; um dos exemplos dessa interferência, digamos assim,
positiva nas relações hierárquicas e disciplinares é a função social e institucional das Varas
Cíveis na formação de espaços de disputa e reivindicação; o policial militar foi desenvolvendo
uma mentalidade “profissional” de sua condição na caserna, rompendo com uma visão
dualista das relações hierárquicas que formava um campo com dois lados opostos: oficiais e
praças. Estava em franco desenvolvimento a compreensão de que o conjunto de normas e
regulamentos na sua maioria compilada do Exército Brasileiro criava condições de exercício
de um poder institucional “incontestável” em seus atos e decisões, amparado num poder
discricionário bastante elevado cujo limiar entre legalidade e arbitrariedade era muito frágil.
– traz registros de “licenciamentos à bem da disciplina” nos fornece elementos de análise dos
procedimentos administrativos e jurídicos, primeiramente nos Boletins Ostensivos Gerais
publicados em tempos atuais a importância dos Boletins Internos perderam gradualmente sua
importância como “peça” informativa do cotidiano profissional das OPM’s, a homologação
dos atos da autoridade da unidade militar que eram praticados a bastante tempo como forma
de legitimar as decisões das chefias locais são praticados ainda hoje.
4, art. 50, o comportamento militar é definido pela seguinte classificação: excepcional, ótimo,
bom, insuficiente, mau) usado unicamente como “provas” da inadequação do militar “à vida
policial militar”. Num trecho lê-se o seguinte:
militar sendo necessária também em ocasião de promoção, desligamento e ingresso nos cursos
de qualificação profissional da PMSE.
78
Podemos ainda dizer que o debate se intensificou e assumiu uma fase “produtiva” entre 2001 e 2006 quando é
possível enumerar uma série de “invenções” no âmbito dos procedimentos disciplinares de responsabilização.
Sobre essa problemática discorreremos mais adiante.
7
administração militar, estamos falando do tratamento que deveria ser aplicado ao policial
militar sem estabilidade. A lei 8.112 que regem a atividade pública e define a condição do
servidor estabelecia um estágio probatório de 03 anos para se obter a estabilidade, no
militarismo a estabilidade é obtida com dez anos de efetivo serviço.
A modernização pela qual vem sofrendo o dispositivo jurídico da PMSE tem sido
caracterizado por diversas elaborações de procedimentos e leis que objetivavam a
racionalização e a padronização dos procedimentos garantindo a sistematização das práticas
de controle jurídico. Partimos da hipótese de que essa modernização penal-disciplinar (situada
mais particularmente entre 1998 e 2006 representada por uma série de arranjos institucionais
distribuídos especialmente no sistema administrativo e jurídico da PM de Sergipe) enfrentou,
num momento inicial, problemas de ordem interna, sendo mais significativa a questão
envolvendo as relações entre instituição e indivíduo, em outras palavras o tipo de controle
exercido pela instituição militar teve como campo imediato de “reconfiguração” o âmbito das
relações hierárquico-disciplinares.
3) PRECEITOS GERAIS
A comunicação social dentro da Polícia Militar do Estado de Sergipe e sua
relação com os órgãos de imprensa deverão obedecer as seguintes
orientações:
a) Fluxo de Informações Dentro da Corporação:
- Todas as ocorrências de serviço deverão ser encaminhadas
ao Coordenador de Operações, que deverá entrega-las por escrito ao PM/5
até às 6h e 30 min da manhã seguinte, ou aciona-lo pelo telefone funcional
em caso de delito envolvendo policiais militares, ou ocorrência policial de
grande repercussão, tão logo tome conhecimento;
podendo exercê-la de direito”, a fala do sujeito torna-se fala da instituição sendo seus erros
(de conduta e de palavra) atribuídos genericamente às qualidades da instituição.
Apresentar à sociedade uma “imagem pública” da instituição esmerada nos
valores amplos que imperam naquela é uma das metas de uma instituição como a PM de
Sergipe, pois nesse propósito se encontra a busca por reformulações no conjunto das práticas
e das representações que foram apropriadas pelo senso comum. Por isso, não se pode falar em
“mecanismos de controle” sem lançar um olhar amplo sobre os componentes desse
79
dispositivo; nesse sentido, podemos dizer que o controle da informação também se
apresenta como recurso eficaz na manutenção da imagem pública da instituição e, por
conseguinte, de seus membros. Sobre o valor das ações (e seu significado simbólico e
performático) no processo de construção-manutenção-reformulação da imagem social de
determinado grupo ou corporação Erving Goffman (1993) nos fornece importantes reflexões
inclusive discorrendo sobre a lógica das estratégias de “afirmação” identitária adotadas pelos
grupos ou “equipes” no tocante à apresentação (ou representação) pública (mesmo que se dê
num nível não muito amplo de publicização) de seus valores, de suas ideologias e finalidades.
A “linguagem autorizada”, revestida dos atributos do poder institucional,
proclamada em Boletim Interno e Geral expressa, por meio da ritualização lingüística que se
segue nos termos técnicos, e atualiza a decisão da autoridade e estende seus efeitos no interior
(demarcando limites específicos) e fora da instituição (BOURDIEU, 1998, p. 87). A priori as
ações de reprimenda aos desvios de conduta não são resultado do dimensionamento público
que é dado pela mídia sobre determinadas questões, mas antes é apresentada como ato
legítimo de poder fundado na avaliação institucional responsável por demandar respostas e
soluções cabíveis.
Temos nessa relação entre a linguagem institucional e a audiência um campo
fértil de análise das implicações daquilo que Habermas (1989, p. 199) chamou de assimetria
da “orientação em função dos princípios de justiça e do Discurso em função da
fundamentação das normas” o qual produziu como um de seus efeitos o exercício da crítica
revisionista e moralizante à determinada instância da vida social. Os questionamentos
79
A imprensa tem desempenhado a função de órgão “fiscalizador” das ações dos policiais e também um
instrumento de pressão sobre o delineamento das atividades administrativas do comando geral. Uma amostra da
“interferência” da imprensa na adoção de medidas de controle e coerção adotadas pelo comando em face de
denúncias da imprensa fora as violências cometidas por PM’s nas delegacias de Cristinápolis e de Santa Luzia
do Itanhy: “(...) Magno [então comandante geral da PMSE] informou que os treze militares acusados foram
afastados de suas funções e ficarão detidos no QCG, à disposição do coronel corregedor Agnaldo Edson Ramos
Ferreira, responsável pelo IPM. Foi comunicado ainda que o tenente-coronel Iranildo Campos de Santana, foi
afastado de imediato após os fatos de suas funções de comandante do 6° Batalhão”. Artigo publicado no
Cinform, 15 de novembro de 2008.
8
dirigidos à dada instância social cujas bases parecem não mais concordarem plenamente com
os princípios do mundo da vida, segundo Habermas, tornou viável o entrecruzamento de
espaços sociais não mais vistos sob a perspectiva do fechamento cultural às intervenções
externas. Semelhante fenômeno se aplica também às polícias militares, pois mesmo tendo
sido erguidas sob o modelo organizacional militarista e a ideologia castrense o enrijecimento
de suas relações com a sociedade civil foram sendo repensadas nos últimos 20 anos e suas
práticas apresentadas à “avaliação” e crítica por diversos setores da vida sociedade. Para
80
Jaqueline Muniz (2001) a redefinição do papel social da PM representa a crescente e gradual
superação da mentalidade autoritarista herdada pelo modelo político dominado pela ideologia
das Forças Armadas; o “reemprego” da PM em sua missão constitucional de promoção e
preservação da ordem pública viabilizou simultaneamente a necessidade de se repensar as
práticas e as formas correspondentes de organização da atividade profissional dos policiais
militares.
A proximidade entre PM e sociedade civil colocou no centro do debate o
problema do “descompasso existente entre a destinação das polícias de ‘servir e proteger’ o
cidadão preservando uma ordem pública democrática e contemporânea, e os conhecimentos,
técnicas e hábitos aprendidos pelos PMs, que ainda estariam refletindo as doutrinas e
mentalidades herdadas do nosso passado autoritário” (MUNIZ, 2001, p. 178). O esforço
teórico e político que se tem feito no sentido de se romper definitivamente com as doutrinas
“herdadas do passado autoritário” têm grande barreira representada pela “compilação” do
dispositivo de controle e de organização da atividade policial do exército. O discurso
81
profissional dos agentes de segurança pública pode ser citado como uma das manifestações
do interesse de se desvincular, mesmo que não completamente, dos valores e diretrizes do
modelo profissional militarizado das Forças Armadas.
A revisão das práticas judiciárias e dos fundamentos do ordenamento jurídico e
disciplinar foi se consolidando no interior da PMSE enquanto reflexos da modernização social
e profissional pela qual vem passando a instituição. Podemos ainda dizer que esse fenômeno
80
MUNIZ, Jaqueline. A crise de identidade das Polícias Militares Brasileira: dilemas e paradoxos da
formação educacional. Securyt and Defense Studies Review, 2001.
81
A Associação “Unidas”, representante das diversas associações existentes no estado de Sergipe que tem como
clientela os policiais e bombeiros militares, desenvolveu (e mais que isso aprimorou as estratégias de
sindicalização e organização de manifestações reivindicatórias) no ano de 2009 diversos atos de mobilização dos
militares cujos efeitos se fizeram sentir de variadas maneiras interferindo até mesmo na gestão da atividade
policial. A tônica do discurso enfocava a crítica à política salarial e administrativa empreendida pelo governo
estadual e afirmava a necessidade de delimitar sob dados parâmetros o exercício da atividade policial (no
blogspot da Caixa Beneficente encontramos exigências quanto à definição de carga horária e reformulações
urgentes na Lei de Organização Básica da PMSE ), um dos argumentos apontava para a criação de um “regime
disciplinar” distinto do atual regimento compilado do Exército Brasileiro.
8
82
Encontramos uma dificuldade no processo de pesquisa quanto à identificação de detenções disciplinares
“arbitrárias”, ou seja, aquelas detenções que foram aplicadas, mas sem registro em ficha disciplinar. Todavia,
são abundantes os relatos que afirmam serem bastante comuns as prisões e detenções sem os devidos
procedimentos legais, numa das falas o entrevistado diz: “(...) num certo serviço eu tava de plantão, no P.O., tava
sem o cinto de guarnição, só tava com o revolver, chegou o capitão quando me perguntou onde tava o
cinto, depois que respondi fui mandado pro QCG, chegando lá o Sgt de dia me disse que eu tava detido e que era
pra entrar na cela e esperar a ordem do capitão (...)”. A aplicação da punição obriga, conforme regulamento,
registro em ficha disciplinar, mas, segundo a fala do entrevista, a aplicação do “castigo” não era
acompanhado respectivo procedimento de justificação de ato; a detenção era, então, concebida como
medida disciplinar de efeito imediato.
8
83
processo de formação de um tipo de subjetividade . Nessa “subjetividade” se encontra a
referência conceitual de Foucault à formação de campos de força construídos sob a égide da
consolidação racional das práticas judiciárias e também do delineamento de formas
específicas de conhecimento que alcançaram um sólido desprendimento das pressões da
tradição cultural, estamos falando da “elaboração do que se poderia chamar formas
racionais da prova e da demonstração: como produzir a verdade, em que condições, que
formas observar, que regras aplicar”. (2003, p. 54)
O inquérito (enquête) assumiria a modalidade de prática sistemática de pesquisa e
enquanto tal fundaria um domínio de saber tendendo para uma fundamentação empírico-
positivista; a prova as condições de sua verificabilidade estaria atreladas às finalidades do
procedimento de inquérito. Apropriando-se da perspectiva epistêmica do aprimoramento do
procedimento de inquérito e seus efeitos nas relações de poder, podemos considerar a relação
entre “verdade”, direito e poder no interior da instituição militar.
Uma das observações a serem feitas se refere à “natureza” do exercício de poder
identificado na instituição militar e a suas implicações no interior das relações hierárquico-
disciplinares. Nas PM’s, copiadoras fiéis das formas de organização e da mentalidade
castrense das Forças Armadas, as tensões criadas entre segmentos hierárquicos são parte do
esquema de controle pretendida pela instituição; as tensões intra-institucionais, segundo
Goffman (2008, p. 24), não significam a pretensão de obter uma “vitória cultural”, mas sim a
de criar uma relação conflituosa entre o “mundo doméstico” e o “mundo institucional” como
componente de elaboração de “força estratégias no controle de homens”.
84
Na PM de Sergipe ocorreram redefinições na capacidade de aplicação da força
estratégica cuja finalidade apontaria para o aprimoramento das técnicas judiciárias de
responsabilização; esse fenômeno decorre, em parte, do descompasso entre o exercício do
poder disciplinar – que prescindia, no tocante às transgressões disciplinares, de procedimentos
técnicos asseguradores dos direitos de defesa e de resposta do acusado – e as exigências de
85
veiculação dos atos da autoridade ao ordenamento legal específico e genérico . A
83
De fato, a análise das práticas judiciárias – e nesse caso em particular a PM é um interessante campo de
observação haja vista terem sido formulados procedimentos de “inquisitio” para responsabilização penal e
administrativa de membros da Corporação – serve para Foucault (2003) como objeto de compreensão das
relações entre “formas de saber, o homem e a verdade”.
84
Em determinados momento utilizaremos a sigla PM para designar Polícia Militar. Ressaltamos ainda que
conforme a Constituição de 1988 as Forças Auxiliares designam também as Polícias Militares, órgãos de
preservação da ordem pública.
85
Norberto Bobbio (1995) em sua obra Teoria do Ordenamento Jurídico irá afirmar que na história do
pensamento jurídico se firmou como uma das correntes a do pluralismo jurídico institucional resultante do
paradigma da co-existência entre diversos ordenamentos sociais e normativos que foram responsáveis pela
fundamentação da idéia de “fragmentação universalista do Direito” (p. 163). Nessa corrente o Estado e demais
8
ordenamentos não-estatais são detentores de capacidade jurídica e integram uma “pirâmide” de relações de
“coordenação e/ou de subordinação”; a fonte de legitimidade do poder institucional não nasce, conforme a
corrente acima, de um único ponto, mas é difuso e integrado no conjunto de relações necessárias e contingentes
entre ordenamentos.
8686
O imperativo moral-normativo é a expressa referência ao arcabouço legal (o que a lei manda), enquanto o
imperativo prático se refere ao senso prático de disciplinarização como estratégia de “esquematização das
relações de poder” conforme modelo coercitivo onde imperam intencionalidades pedagógicas caracterizadoras
daquilo que Foucault (2009 ,p. 152) nomeia como “treinamento geral da força, da habilidade, da
docilidade”.
87
Balastrieri afirma que a noção de policial cidadão representou para as instituições policiais, no interior das
relações interpessoais, a necessidade de repensar e redefinir muitas de suas práticas de controle, incorporando a
estas as devidas formalizações legais compatíveis com o modelo de organização política democrática. Num certo
trecho de sua obra encontramos a seguinte observação: “O policial é, antes de tudo um cidadão, e na cidadania
deve nutrir sua razão de ser. Irmana-se, assim, a todos os membros da comunidade em direitos e deveres. Sua
condição de cidadania é, portanto, condição primeira, tornando-se bizarra qualquer reflexão fundada sobre
suposta dualidade ou antagonismo entre uma “sociedade civil” e outra “sociedade policial”. (1998, p. 07)
8
inclusive por Max Weber em sua obra Ensaios Sociológicos que tornariam as práticas legais
ações baseadas em critérios de impessoalidade, objetividade, regularidade, forma e eficácia.
Mas para contextualizar a relação entre elaboração jurídica de técnicas de controle
e mudanças qualitativas nas relações hierárquico-disciplinares basta lembrarmos que
88
conforme os dados coletados na 1ª Seção entre 2001 e 2006 por força de decisão judicial e
em virtude de vícios nos processos disciplinares movidos contra policiais militares retornaram
às fileiras da Corporação sete policiais militares; a quantidade de militares reincorporados em
89
decorrência de vícios nos procedimentos entre 1994 e 2000 foram cerca de 15 policiais.
Entre 2001 e 2009 o Comando Geral da PMSE indeferiu o pedido de reincorporação de 22
policiais militares alegando inexistência de “amparo legal” que justificasse o retorno dos ex-
militares à atividade policial.
A experiência adquirida pelo oficialato ao longo da década de 1990 e início do
90
século XXI – dois são os componentes dessa “experiência”: a) os casos de revisão de
decisões da autoridade militar por força de decisões (ou cisões) judiciais e b) a re-
88
Dados defasados em decorrência da ausência efetiva de organização e controle sobre informações de ingresso,
inclusão, exclusão e reinclusão de militares nos quadros da Corporação. Sendo assim, a coleta contou com a
colaboração de um sargento que encarecidamente teve a “boa vontade” de contar junto com o pesquisador a
situação da incorporação ou reincorporação de militares no período de 2001 a 2005, infelizmente os dados do
Sistema de Informação e Cadastro, inoperante ao tempo da pesquisa que ocorreu entre outubro a dezembro de
2009, não são completos, nem atualizados. Entre 2003 e 2006 a pesquisa quanto à reincorporação de militares
nas fileiras da PMSE foi feita mediante consulta em BGO.
89
As mesmas dificuldades apontadas no item anterior se aplicam à coleta de dados feita sobre o retorno de
militares à Corporação.
90
Outro elemento a ser adicionado às experiências de conflito localizado no interior da PMSE se referem às
disputas judiciais por direitos de “progressão na carreira militar”. Em diversos BGO’s, mais precisamente entre
2001 e 2003, encontramos o resultado de disputas entre a autoridade militar e instâncias civis do poder
judiciário; nesta “disputa” se caracterizou o emprego dos instrumentos legais como mecanismos de pressão
externa atuando sobre o encaminhamento dado pela gestão da carreira profissional cuja progressão se viu
prejudicado por ingerências do comando no que concerne às promoções e direito de matrícula de militares em
cursos de formação (pré-requisito para ascensão na hierarquia militar). Os Cursos de Formação de Sargentos
(CFS) de 2001 e as restrições de abertura de edital de seleção para o Curso de Formação de Oficiais (CFO) entre
2002 e 2005 (impossibilitado devido à convocação de candidatos excedentes nas provas realizadas nos anos de
2000, 2001 e 2002) são comprovações da interferência de instâncias do poder judiciário na “política” de carreira
e de estruturação da hierarquia militar demonstrando, igualmente, que práticas de controle administrativo eram
realizadas sem o devido reconhecimento que a legislação militar (juntamente com demais preceitos jurídicos que
regem a atividade pública) exige como requisitos de legitimação dos atos administrativos. A contestação da
legalidade e da legitimidade das decisões tomadas pela autoridade militar por parte de pm’s que recorreram às
esferas externas à vida castrense indica a mudança na qualidade das relações entre Corporação e indivíduo (além
de comprovar a “natureza” não transparente de determinadas práticas de gerenciamento da atividade
burocrática), de modo que a instituição teve que reconhecer – pela via da “peleja” no campo dos direitos
políticos e civis – os direitos do policial, reafirmando a imperiosa necessidade de respeito às formalizações
previstas no arcabouço jurídico. Sobre o efeito das decisões judiciais sobre a configuração do acesso de militares
aos cursos de formação ver os BGO’s n° 10 ao 55 (no ano de 2001), BGO’s n° 13 ao 40 (no ano de 2002) e
BGO’s n° 20 ao 45 (no ano de 2003). Na 12ª Vara Cível encontra-se uma série de processos movidos por
militares e civis cujo objeto da ação seria a inclusão em cursos de formação.
8
91
conceituação da condição do pm na hierarquia militar, sendo esse fenômeno compatível com
o que dissera John Rawls (p. 207) acerca da posição do cidadão numa sociedade democrática
a qual se define, em parte, pela “compreensão da cultura política pública e de suas tradições
de interpretação dos valores constitucionais básicos” – serviu de base para o
desenvolvimento de um tipo de saber jurisprudencial do qual estão integrados os saberes
jurídicos da legislação específica militar e de outras fontes legais do ordenamento jurídico. A
impossibilidade de sustentar na esfera administrativa militar os efeitos de determinadas
decisões era a comprovação factual do entrecruzamento das esferas jurídicas, estando nesse
espaço de intersecção legal a raiz dos questionamentos e de (in)validação dos atos da
autoridade.
O reconhecimento do direito do contraditório e da ampla defesa nas transgressões
disciplinares se deu paulatinamente no interior das instituições militares como resultado da
composição de forças no amplo dimensionamento da vida societária marcadamente definida a
partir dos valores do estado democrático de direito. Mesmo tendo a Carta Magna de 1988
conservado, quase de maneira intocável, os fundamentos da autoridade militar e mantido a
estrutura organizacional e jurídica das Forças Armadas, as conseqüências geradas pelas
mudanças no quadro político comprovou a emergência de uma perspectiva em que se
configurasse a “crise de legitimidade do Estado” e a preponderância do papel desempenhado
pelas “organizações da sociedade civil, nos moldes da democracia associativa” (VIEIRA,
2001, p. 86).
A dinâmica de controle no interior da instituição militar não poderia fugir à
tendência de modernização jurídica que implicava na análise da legitimidade dos atos de
poder e necessária conexão desses atos à fonte legal. Na PMSE podemos reconhecer os
itinerários formados pela estratégia de “reconfiguração” da capacidade punitiva e disciplinar
por meio da análise dos sucessivos reforços que somente foram possíveis através da atividade
jurídica exercida por oficiais que se dedicaram à interpretação jurisprudencial das leis
existentes, mas também que também foram imprescindíveis na tarefa de elaboração de leis e
procedimentos judiciários correspondentes.
Uma das comprovações desse “engajamento” do oficialato no projeto de
reestruturação do aparato normativo disciplinar pode ser fornecida pela publicação no Boletim
91
O que marcaria crescentemente a formação de uma nova subjetividade. Da possibilidade de se inserir num
conjunto das relações hierárquicas como sujeito autônomo, e não mais como autômato dói esquema de poder
prefigurado na conceituação militarista das relações interpessoais e das formas de organização da atividade
profissional. Para Rawls (203, p. 207) “numa sociedade bem ordenada a concepção política tem uma função
educativa”, nesse tipo de sociedade a cultura política é a fonte de onde derivam a concepção de cidadão; sujeito
dotado de direitos e portador de um status de cidadania.
9
Conforme Foucault (2009) nos quartéis, nas escolas e nas fábricas encontra-se
uma estrutura de racionalização da atividade associada inevitavelmente aos códigos de
9
conduta; nestes a dimensão coercitiva sobressalta às demais dimensões que por ventura
estejam integrando o corpus de saberes especializados. O investimento institucional no
aprimoramento técnico do dispositivo de controle tende a potencializar os efeitos da mecânica
de poder objetivando o desenvolvimento correspondente das formas de sujeição do indivíduo.
De um ponto de vista similar podemos entender que a “institucionalização” do procedimento
inquisidor sob a forma do FATD transformou a série avulsa e fluida de práticas de “pesquisa
da verdade” (enquête) num corpo de saberes práticos que ao homogeneizar as ações movidas
pela mecânica de poder obrigam a autoridade a estabelecer uma relação dialógica, estrita e
conclusiva, pois submete a “avaliação do fato” a um processo de filtragem examinadora, da
análise e do discurso. (FOUCAULT, 2002)
O FATD nada mais é que a RD sendo um documento de “chamamento” formal do
militar acusado perante a autoridade que lhe cobra a devida resposta (esta deve ser fornecida
de maneira respeitosa, objetiva e clara, excluindo manifestações inadequadas de opinião e
92
comentários desonrosos sob pena de ser agravada a punição disciplinar aplicada ao sujeito) .
Na prática ocorre o seguinte: a autoridade hierárquica responsável pela apuração da
transgressão encaminha ao seu respectivo comandante de unidade a parte comunicando a
infração e os elementos de individualização do policial militar, por sua vez este encaminha ao
militar o formulário de justificação ou RD, este por sua vez tem um prazo estipulado para
manifestar as razões de justificação do cometimento ou não da infração (inclusive a não
manifestação de suas razões deve ser “manifestada” à autoridade comunicando a esta que não
deseja apresentar justificativas). Esse procedimento formal de responsabilização do militar
adotado pelo Exército Brasileiro e estendido às PM’s tornou obrigatório o cumprimento de
determinadas normais, ou seja, consolidava-se na mentalidade militarista disciplinar a
compreensão de que não se deveria aplicar a punição de qualquer maneira, expressando a
dimensão arbitrária do poder disciplinar o qual em tempos anteriores prescindia de maiores
explicações e justificações quando se tratava de “disciplinar o insubordinado”. Alguns
elementos de micro sistema de penalização criminal da qual sobrevive as relações
hierárquico-disciplinares pode ser fornecida pela figura abaixo que traz o FATD:
92
No FATD encontram-se as seguintes advertências:
9
(BRASÃO) MINISTÉRIO DA
DEFESA EXÉRCITO
BRASILEIRO
------------------------- (escalão superior)
------------------------- (escalão considerado) FORMULÁRIO DE
APURAÇÃO DE TRANSGRESSÃO DISCIPLINAR
o
PROCESSO N : DATA:
IDENTIFICAÇÃO DO MILITAR
Grau Hierárquico : NR / IDENT:
Nome Completo:
Subunidade/OM:
IDENTIFICAÇÃO DO PARTICIPANTE
Grau Hierárquico: NR / IDENT:
Nome Completo:
Subunidade/OM:
93
Item 19, do Anexo I do RDE, ispi literis. A referência ao código seria utilizado como subterfúgio para que não
se esclarecesse adequadamente a circunstância originadora do ato de descumprimento eximindo a autoridade de
maiores explicações, a presunção de culpabilidade seria condicionada à presunção de veracidade daquilo que o
superior afirma; portanto, ao apontar o desvio de conduta o acusador profere um veredicto um julgamento
antecipado, pois este de antemão se funda na premissa do valor da disciplina que deve ser respeitada em toda e
qualquer circunstância. A noção de arbitrariedade ou extrapolação dos limites do poder disciplinar não é
visualizada ao longo dos itens do código disciplinar que prevê funções judiciárias adstritas ao nível
administrativo colocando sob a responsabilidade do oficialato a competência para punir e inocentar, além de
rever os atos e manifestações de sua autoridade. Um dos itens do Anexo I do RDE que demonstra o nível de
alcance da capacidade punitiva está no item 15 o qual diz que será punido o militar que “recorrer ao Judiciário
sem antes esgotar todos os recursos administrativos”, explicitando a compreensão da autoridade militar no
tocante ao papel da escala da comando e à “natureza” coercitiva de seu poder.
9
94
Art. 21 do RDE: A punição disciplinar objetiva a preservação da disciplina e deve ter em vista o benefício
educativo ao punido e à coletividade que ele pertence.
9
dizer que no BGO é publicada a abertura de procedimento disciplinar para o qual é nomeado
determinado oficial que atuará como acusador (representante formal dainstituição), escrivão e
juiz proferindo uma decisão que será homologada pelo comandante da OPM.
Entre dezembro de 2006 e a agosto de 2009 no âmbito da Companhia de
Comando e Serviços da OPM’s da Capital (1° BPM, 8° BPM e Unidades Especializadas) foi
publicada em Boletim Ostensivo a abertura de 156 procedimentos cujos resultados apontaram
para 145 resultados que comprovam os “indícios de prática de transgressão ou crime militar”
implicando assim na imediata punição dos policiais militares; portanto apenas 11
procedimentos comprovaram a insuficiência dos elementos de acusação haja vista os policiais
terem apresentado motivos plausíveis. Mas o problema que toca a aplicação de procedimentos
judiciários tais como o PAAD se refere às razões da autoridade em abrir um procedimentos
mais complexo (se comparado com a RD), sendo que na totalidade das transgressões a
natureza destas poderiam ser, como demonstra a 4ª Parte, apuradas por meio do FATD, ou
seja, motivos como falta de serviço, atraso e desobediência que constituem transgressões
95
disciplinares antes e ainda apuradas pela RD , por meio de FATD, são objeto da abertura de
portarias que determinam a instauração de procedimentos investigativos quanto à ações e atos
praticados por militares no exercício de suas funções. Portanto, não há tipificado na natureza
da transgressão qualquer elemento diferenciador que justifique a aplicação de práticas
judiciárias específicas, restando observar que a oportunidade é definida pelo interesse da
autoridade em reforçar o dispositivo de controle da conduta do policial militar sujeitando-o à
procedimentos por vezes vexatórios haja vista a clara desproporção entre natureza da
transgressão e os efeitos punitivos gerados mediante aplicação do castigo.
O poder disciplinar – enquanto capacidade de aplicação do dispositivo coercitivo
– é na instituição movido sob uma ampla e indefinida margem de discricionariedade na qual a
autoridade “escolhe” os meios e o momento de aplicação de determinadas normas de controle
(GOFFMAN, 2009). Em instituições militares e demais organizações categorizadas por
Goffman as relações de poder assumidas e manifestadas nas formas de cotidianização das
atividades tendem a criar um ambiente de constante “avaliação dos itens de conduta”; nesse
processo as interdições e as permissões são manipuladas, em grande medida, pelos superiores
hierárquicos (ou equipe dirigente) que podem ou não evocar determinado item regulamentar
como maneira de “lembrar” ao subordinado qual o seu lugar na hierarquia de valores e de
tarefas.
95
A elaboração da Portaria que deu origem à PAAD não anulou a funcionalidade da RD cuja aplicação da FATD
ainda hoje é adotada como procedimento de apuração de transgressão diciplinar.
9
96
Michel Foucault (1998 ,p. 136) indica a imperiosa necessidade de se deter em termos analíticos sobre as
relações de poder e afirma ainda que essa tarefa tem sido por diversos intelectuais comumente encarada sob a
perspectiva de dois modelos: “O que me parece certo é que, para analisar as relações de poder, só dispomos de
dois modelos: o que o direito nos propõe (o poder como lei, proibição, instituição) e o modelo guerreiro ou
estratégico em termos de relações de forças”. Por relações de forças podemos entender que se trata de um
espaço social heterogêneo em que coexistem elementos diversos (discursos, práticas, regulamentos, leis,
sujeitos) partilhando de uma rede de significações e buscando metas e finalidades construídas e modificáveis de
acordo com a diferenciação de posições dos sujeitos no esquema de hierarquização das relações de poder.
9
97
O então tenente Magno Antônio da Silva (2002) expressando, em parte, a atmosfera de tensões entre o poder
militar e as mudanças de consciência que afetam a totalidade dos segmentos hierárquicos apresenta no prefácio
de sua obra “Coletânea de Leis e Normas Internas da Polícia Militar do Estado de Sergipe” a seguinte
finalidade: “Foi com esse pensamento que desenvolvemos a presente Coletânea de Leis* e Normas Internas da
PMSE, a qual tem por objetivo auxiliar os integrantes da Corporação, bem como o público externo interessado
no conhecimento da legislação policial militar, de forma a evitar que normas reguladoras da vida castrense
fossem colocadas na vala do esquecimento, o que poderia gerar condutas equivocadas das pessoas nela
envolvidas. Acreditamos que o conhecimento de tais normas é imprescindível para os policiais militares, de uma
forma geral, posto que lhes dará maior respaldo quando da exigência do cumprimento dos seus direitos e/ou da
realização de suas obrigações; e para os Oficiais, em particular, vez que estes têm a difícil e árdua missão de
gerenciar as atividades da Corporação; bem assim para algumas pessoas do público externo, que, em razão do
ofício, labutam na área miliciana e/ou são obrigadas a conhecer o seu organismo”.
9
98
Foi realizada uma pesquisa exploratória sobre documentos que versam sobre FATD e PAAD no Arquivo da
PMSE; a pasta acessada se referia à antiga Cia Escolar. Entre os documentos (cerca de 52) os procedimentos que
implicaram em punição se referiam à transgressões cujas práticas não foram justificadas com a apresentação de
documentos de comprovação (o mais utilizado foi o atestado médico), confirmando a existência de uma prática
comum que a gíria militar torna evidente: “o militar que se explica não se justifica”; isso significa dizer que é
preciso ter elementos razoáveis (reais e concretos) que justifiquem determinada prática de transgressão para,
somente assim, eximir-se de culpa. Nesse tipo de “micro” sistema de interpretação e de imputação penal não há
transgressão culposa, todas são a priori tratadas como sendo dolosa. Ressaltamos ainda que os referidos
documentos estavam para serem descartados em face da “economia de espaço” que o Arquivo estava praticando
a partir da segunda metade de 2009.
9
“(...) percebemos que o direito de resposta que deveria ser dada ao militar
sem estabilidade que passava por processo de licenciamento não era
respeitado, não havia procedimento porque o militar sofria um processo
sumário de exclusão bastando ao comandante geral despachar a decisão
baseada na avaliação da ficha do militar. A criação do PAL tinha a função de
fornecer ao militar as peças para responder ao procedimento garantindo a
este o direito de defesa previsto na Constituição. Muitos pensavam que a
gente queria apertar mais o praça, punir de forma rigorosa quando na
verdade a nossa intenção foi a de criar um procedimento que permitisse a
regularização do processo de licenciamento e também as condições formais
de defesa e de contraditório (...).”
99
violência institucional tendo por alvo os segmentos hierárquicos inferiores ; em geral as
práticas disciplinares, muitas vezes irregulares e sem relação direta com os códigos e leis,
ancoravam-se nos princípios da “obediência cega”, evidenciando uma intersubjetividade
marcadamente atravessada por autoritarismos e arbitrariedade (MENDES, 2004). A transição
histórica das formas de controle, vinculadas ao contexto institucional militarista,
caracterizadas por uma mecânica de poder apoiada em “modos” fundamentais de vigilância (a
noção de hierarquia é tida como exemplificação de um sistema de acompanhamento e de
fiscalização “daquilo que está se fazendo”) para formas racionais de sujeição e subjetivação
por meio do código ilustra uma importante etapa no processo reformulação e reconfiguração
das relações hierárquico-disciplinares; a publicização de portarias de regulamentação de
práticas judiciárias compõe mais amplamente um tipo de discursividade que retrata a
dimensão de legitimidade da dominação imposta pela autoridade militar e que é condizente
com os imperativos da modernidade democrática, além de reforçar simultaneamente a cultura
de valores e normas apresentadas historicamente pela instituição. Mesmo que reconheçamos a
modernização jurídica como fenômeno de consolidação do estatuto de racionalidade a
disciplina militar ainda se orienta por princípios morais e éticos que transcendem à mera
suposição da objetividade das leis enquanto parâmetros de “avaliação” da conduta dos
sujeitos. Torna objetiva e racional a “mecânica” de poder representada pelo dispositivo de
controle é parte das finalidades estabelecidas pela organização para que se elimine os vícios
identificados nos procedimentos disciplinares e administrativos. Para termos uma dimensão
da interferência das limitações de um aparato de controle ainda ancorado na ideologia e nos
códigos militarista podemos, por exemplo, cita os dados sobre abertura de procedimentos de
apuração de crimes de deserção. Logo abaixo visualizamos o número de parte cujo conteúdo
instaura a abertura de procedimentos para verificar a ocorrência de possíveis deserções:
99
Queremos dizer com isso que os rearranjos jurídicos mencionados acima instauraram procedimentos que
afetaram mais diretamente a categoria das praças não implicando igual e proporcionalmente num investimento
disciplinar e coercitivo destinada à categoria dos oficiais. Prova disto está na
1
2002 14
2003 11
2004 08
2005 07
2006 10
2007 16
2008 20
Total 142
Fonte: pesquisado do autor
missão de servir aos interesses sociais (locais e nacionais); mas numa instituição como é o
caso das polícias militares o nexo entre interesses coletivos, a serem defendidos moral e
profissionalmente, e a possibilidade do sujeito renunciar à sua condição profissional não tão
transparentes. Bem verdade que a aplicação das medidas de responsabilização do militar está
ancorada nos códigos, porém é justamente a partir do código e da “natureza” do serviço
prestado pelo policial militar que indagamos a real necessidade de restringir a possibilidade de
escolha e de decisão em termos do tratamento que é conferido pelo código militar.
O conteúdo da Portaria nº 002/01-GCG, de 17 de outubro de 2001 é direcionado a
dimensão interna das relações hierárquico-disciplinares não possuindo alcance social que seja
considerado fator de normatização e de controle sobre a conduta social e profissional do
sujeito; pode-se dizer que temos no exemplo da portaria supra citada o investimento
institucional nas relações entre autoridade e sujeito processada por meio de intervenções no
sentido da formalização dos procedimentos jurídicos administrativos.
Outro caso que reforça a idéia de que uma série de rearranjos jurídicos operam
sob a diretriz de racionalização das relações hierárquico-disciplinares é a Portaria nº 004/02-
GCG, de 30 de abril de 2002 que trata da regulamentação do procedimento da prisão em
flagrante. Nesta encontramos uma série de orientações que tornam claras e objetivas a
realização de um procedimento que era praticada sem os devidos “cuidados” com os direitos
fundamentais do acusado. É importante lembrar que há tanto no RDE quanto no Código Penal
Militar compreensões bastante próximas entre as noções de transgressão disciplinar e crime
101
militar , tal “aproximação” conceitual dava vazão ao cometimento de práticas arbitrárias que
consistiam em atos de prisão e detenção de militares sem o devido cumprimento formal dos
102
procedimentos previsto no código disciplinar . Os usos da lei e do código se davam, muitas
vezes, como resultado do tipo de monopólio que se desenvolveu sobre o conhecimento
jurídico, ou seja, processos de exclusivização de saberes jurídicos podem ser mencionados
101
Sob o texto da antiga redação do RDE temos um exemplo da estreita ligação conceitual entre transgressão e
crime, cujas interpretações “práticas” aplicadas no cotidiano da vida castrense eram tidas como subterfúgio
argumentativo para o uso do poder disciplinar. Vejamos então o que diz o RDE, Título III, Transgressões
Disciplinares, Capítulo I, Da Conceituação e da Especificação, art. 12: “Transgressão disciplinar é qualquer
violação dos preceitos de ética, dos deveres e das obrigações militares, na sua manifestação elementar e
simples. Distingui-se do crime,militar ou comum, que consiste na ofensa a esses mesmos preceitos, deveres e
obrigações, mas na sua expressão complexa e acentuadamente anormal, definida e prevista em legislação
penal.”
102
Nos art. 9 e 29 há diversas determinações quanto ao procedimento de detenção e prisão de militares antes da
publicação em Boletim Interno, além de informar as autoridades que podem exercer essa capacidade de deter o
militar. Ressaltamos que o código é de 1984 cujas reformulações em alguns itens ocorridas entre 1995 e 2000
pela Ministério da Justiça e pelo Comando das Forças Armadas atualizam e redefinem os limites do exercício do
poder de punir nas instituições militares.
1
103
fato de que a instituição não prepara por meio de um currículo educacional adequado o
oficial QOA para o exercício de atividades no campo judiciário. O saber prático é o elemento
predominante do conhecimento jurídico dos oficiais QOA que exercem, dependendo do
procedimento, funções de auxiliares junto à oficiais QO adquirindo grande parte dos saberes
“necessários” ao andamento dos procedimentos. A proliferação de práticas judiciárias e
administrativas acompanha o crescimento do fenômeno da indisciplina e da criminalidade
policial militar, em parte justificada pela “evolução” do efetivo da PMSE. A abertura sempre
mais volumosa de procedimentos faz surgir outros problemas que se referem à
impossibilidade numérica de nomear oficiais QO para exercerem funções judiciárias, tendo a
instituição que nomear oficiais QOA e praças especiais para tarefas judiciárias. Em parte essa
deficiência de qualificação técnica é suprida pela definição de fontes obrigatórias que deverão
reger o desenvolvimento dos procedimentos.
Podemos ainda afirmar que os arranjos institucionais operados no âmbito da
legislação policial militar – tendo por campo imediato de aplicação a dimensão “prática” do
jus puniendi a qual teve que incorporar diretrizes responsáveis por imprimir certa modificação
na mecânica do poder disciplinar cuja tendência apontou para a redefinição dos mecanismos
104
de vigilância – produziu como um dos seus efeitos mais imediatos a “emergência” da
concepção técnica integrante do discurso de uma economia da culpabilização, tornando o
procedimento judiciário uma via privilegiada na qual a autoridade apresenta “oficialmente” as
suas justificações.
O regime de poder disciplinar identificado na PMSE, alicerçado sobre uma rede
de relações interpessoais norteadas pelas noções de autoridade hierárquico-disciplinar, teve
que incorporar no cômputo de suas táticas e estratégias de controle uma preocupação
recorrente com a ampliação quantitativa de práticas judiciárias; estas, por sua vez, são
103
No currículo do CHO (curso de habilitação de oficiais) encontramos as disciplinas LPM (Legislação Policial
Militar), CPM (Código Penal Militar) e CPPM (Código Processual Penal Militar), ambas de carga horária de 20
horas/aula, constituindo aquelas as únicas áreas do conhecimento jurídico específicas do universo militarista,
registrando-se ainda a ausência de estágios que poderiam potencializar o aprendizado técnico. Portanto, parte do
aprendizado se dá quando o oficial QOA e a praça especial (os subtenentes) são convocados a presidirem ou
assistirem ao andamento de procedimentos instaurados pela instituição.
104
Sobre a “evolução” histórica das formas de punição e sua mecânica de poder para formas “econômicas” de
controle fundado em princípios de racionalização jurídica na qual se fazem ausentes modos de aplicação de
penas e castigos disciplinares dirigidos à dimensão corporal do condenado, Michel Foucault (2009, p. 16) diz o
seguinte: “O sofrimento físico, a dor do corpo não são mais os elementos constitutivos de penas. O castigo
passou de uma arte das sensações insuportáveis a uma economia dos direitos suspensos. Se a justiça ainda tiver
que tocar e manipular o corpo dos justiçáveis, tal se fará à distância, propriamente, segundo regras rígidas e
visando a um objetivo bem mais “elevado”.
1
105
exemplos concretos de que ocorreu – nos “micros” universos de operacionalização do
direito – “mudanças” na mecânica de poder que tinha a proposta final de tornar visível não
somente a série de ações sistemáticas de exercício da capacidade de controle institucional,
mas também um tipo de concepção que ressaltava o redirecionamento da natureza das
relações entre instituição e sujeito; conferindo a esta relação um caráter subjetivamente
atravessado por postulados daquilo que se denominaria racionalização jurídica. Podemos
dizer que as mudanças que afetaram o dispositivo de controle e de vigilância institucional são
formas de subjetivação do sujeito a partir da revisão das práticas de sujeição exercidas até o
início da segunda metade da década de 1990, sendo o seu deslocamento percebido quando se
106
nota no discurso oficial, sucessivas referências ao campo mais amplo do direito fundador
107
da qualidade emancipatória do indivíduo no interior do sistema societário. No item seguinte
verificaremos alguns dados sobre punição disciplinar tentando, ao mesmo tempo, visualizar
problemas de operacionalização dos critérios de punição observando a relação entre natureza
da transgressão e aplicação da sanção.
105
Referimos à própria ritualística que é instaurada pelo procedimento; sendo, portanto, fundador de “ritos
institucionais” (GOFFMAN, 2009) onde se dá parte significativa da relação entre instituição e sujeito. O
inquérito e as diversas formas de sua instauração constituem as formas exemplares dos denominados “micros
universos” por expressarem um tipo de dinâmica de poder que põe em campo as peças preenchendo as funções
que lhes concernem (acusado, acusador, superior subordinado, transgressor e inquisidor, etc.).
106
Não é de se estranhar a referência freqüente encontrada na introdução das portarias da PMSE acima
mencionadas que dizem respeito ao reconhecimento dos direitos de ampla defesa e contraditório enquanto
direitos fundamentais que devem ser contemplados em diversos processos de responsabilização civil,
administrativa e criminal
107
Essa qualidade emancipatória ganha mais significado quando nos referimos ao contexto normativo em que se
insere o policial militar visto durante muito tempo como uma sub-categoria de cidadão, com direitos delimitados
aos enunciados normativos da lei específica. A contextualização da instituição militar no âmbito democrático
pode ser visto como contra-peso à desigualdade jurídica que definia a condição do PM, se pensarmos como John
Rawls (2003, p. 24-25) a idéia de uma sociedade bem ordenada somente é admissível se partimos do
pressuposto de que os indivíduos “encontram-se simetricamente situados na posição original”, sendo possível a
estes cooperarem em com a sociedade, pois são “iguais em todos os aspectos relevantes”, portanto, cidadãos
normais.
1
O soldado QPMP-0 n° 1719da 1ª Cia do 2° BPM, por ter no dia 26 de abril de 1986,
fazendo parte do destacamento de policiamento de Propriá, aproximadamente às
02:00 horas da madrugada, deixado de cumprir norma regulamentar na esfera de
suas atribuições, se portado sem compostura em uma Discoteca, localizada naquela
cidade, freqüentado lugares incompatíveis com o decoro de classe, portado arma
(faca peixeira), sem estar de serviço, chegando ao pondo de desferir um golpe no
abdômen do indivíduo de nome Gilvan Alves Sitineta, também conhecido como
Tuia, irmão um soldado desta COM, o qual foi levado para o Hospital São Vicente
de Paula, da referida cidade, provocando causa, voluntariamente, de alarme
injustificável, vagando pelas ruas após 22:00 horas, sem permissão de quem de
direito, usando traje civil sem permissão da autoridade competente, usando trajes
civil sem permissão da autoridade competente e ainda ofendido a moral e os bons
costumes por atos e palavras, (n° 07,43,45,46,52,75,76 e 110 do Anexo I com a
atenuante do n° I, do art. 17 e as agravestes dos n° 2 e 5, letras c e e do 6, do art. 18,
tudo do R-4, transgressões graves), fica PRESO por 20 dias no xadrez do CFAP,
permanece no comportamento BOM. (BGO n° 82, de 07 de Maio de 1986, Chefe do
EMG Cel. Jair Carvalho Mendes)
da Corporação quase mais que dobrou saindo de 3575 policiais militares em 1986 para 6264
policiais em 1997. Diante desse número surgiram problemas que apontavam para a
redefinição dos mecanismos de controle da atividade policial assegurando os graus de
interferência e coercitividade que preservariam as condições subjetivas e objetivas de
subordinação do militar aos princípios da hierarquia e da disciplina.
organização burocrática: “a burocracia luta em toda parte por um ‘direito ao cargo’, pela
108
A Lei n° 3.511, de 17 de agosto de 1994, que fixa o número do contingente da PMSE é o elemento que atesta
a progressão populacional sofrida pela instituição. A referida lei serve também como parâmetro para se analisar
as distorções existentes no âmbito da progressão da carreira militar e incoerências na distribuição dos postos e
graduações da hierarquia militar.
1
‘igualdade perante a lei’ no sentido pessoal e funcional” (WEBER, 1982, p. 260). Sendo
assim, a noção de poder arbitrário cede lugar à noção de autoridade racional burocrática
lapidada pela crescente exclusão das qualidades de um poder (de tipo tradicional, conforme a
visão weberiana) baseado nas características pessoais e prerrogativas do senhor, sujeito
dominante da relação de poder e mando.
2001 e 2008:
1
CPMI 39 22 03 56 80 92 50 61
A maior concentração dos registros sobre transgressão disciplinar deriva dos três
batalhões de policiamento comunitário situados no perímetro urbano da Grande Aracaju,
sendo que o 1° BPM e o 8° BPM têm sede administrativa na cidade de Aracaju contando as
duas OMP’s com mais de 1350 militares dos diversos escalonamentos hierárquicos, enquanto
que o 5° BPM possui um efetivo de aproximadamente 750 militares. A forma de organização
1
109
Figura 02: Mapa de Policiamento em Sergipe
policial pode ser apontada como um dos fatores que facilitam o cometimento de transgressões
disciplinares, pois nesses casos se exige da hierarquia uma articulação entre a racionalização
109
Fonte dos dados: http://www.pm.se.gov.br/pm.php?var=1091709801. Pagina consultada em 08-09-2009.
1
110
Funcionando em termos da expectativa normativas estabelecidas pela instituição, visto que a disciplina
se situa como categoria que explica uma dinâmica de constante policiamento das condutas alheias, sendo a
hierarquia um valor a se ressaltado, um parâmetro de definição de uma subjetividade singular.
111
Demonstrado sob a forma de investimentos da autoridade em medidas de controle administrativo como, por
exemplo, escalas, chamadas via rádio e cartões programa. Nestes exemplos a guarnição de serviço cumpre
atividades de auto-fiscalização que podem ser burladas por táticas de falsificação de informações e/ou acordos
informais entre superiores e subordinados.
1
conduta no trato com o superior hierárquico e que tais “faltas” geralmente ocorrem em
situações de serviço de rua ou em escalas extras, serviços estes em que a presença de
mulheres é ainda mais reduzida devido ao fato das mesmas desempenharem atividades
burocráticas e, portanto, fazerem-se ausentes em serviços de menor importância estratégica do
plano de policiamento da unidade. Porém, cabe ressaltar aqui que a crescente presença de
mulheres em serviços extras e demais serviços de policiamento ostensivo tem sido uma
característica em processo de consolidação. Para se ter uma idéia no mapa de efetivo da CCSv
do QCG identificamos na composição do efetivo a presença de 48 militares inseridas nas
diversas seções do QCG, desprezando-se as militares que desempenham funções no quartel,
mas que estão formalmente lotadas em outras companhias.
disciplina por sua aproximação com a vida administrativa o que impõe uma disciplina
cotidiana voltada para tarefas pontuais da atividade meio. Porém, concordamos com as
autoras Mary Castro e Lena Lavinas (1992, p. 243) quando as mesmas afirmam que mais
importante que “localizar” a mulher num determinado esquema de relações de trabalho
devemos direcionar a análise para a “alquimia das relações sociais que também são
112
O Pelotão Feminino criado em 1997 e extinto em 1999 tinha à sua disponibilidade um efetivo composto de 18
militares empregadas em atividades administrativas e 199 empregadas nos serviços de policiamento ostensivo e
demais serviços de reforço policial em eventos e na guarda de prédios do funcionalismo público. Podemos ainda
afirmar que a criação de um pelotão feminino representava uma concepção de segmentação e de
“especialização” da atividade policial que não se restringe ao âmbito da questão de gênero, mas serve para
demonstrar parte da visão institucional pertinente à concepção de atividade policial especializada; quis-se
claramente promover a consolidação de uma atividade de características particulares atribuindo à condição
feminino um critério “privilegiado” de definição do status do serviço a ser promovido por aquele pelotão.
Evidentemente o Pelotão Feminino foi criação de um comandante e obra de sua visão controversa de “fazer
polícia”, muito embora a concepção de atividade policial especializada seja uma concepção que impera como
motivo de interferência e modificação na sistemática das relações profissionais.
1
‘femininas’ pois o universo masculino instituiu a ‘virilidade’ e tudo o que lhe está associado
como qualidades profissionais”. (LENOIR, 1997, p. 273) A representatividade das mulheres
no cômputo geral das transgressões disciplinares é bastante reduzida, sendo a grande maioria
dos transgressores pertencentes ao gênero masculino, essa reduzida participação das mulheres
no fenômeno da transgressão disciplinar opõe-se ao crescente ativismo da policial nas
atividades que competem ao policiamento seja na rua, no policiamento urbano, ou nas
diversas seções e gabinetes da administração militar.
113
Tabela 08 – Lista de Transgressões Disciplinares e demonstrativo de freqüência
Item
Anexo I 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 Total
RDE*
01 24 30 02 28 32 25 18 19 178
07 40 32 04 24 30 19 17 20 186
17 20 25 04 23 21 15 14 18 140
19 07 10 03 11 13 15 17 16 92
20 02 03 02 04 02 05 03 04 25
21 36 28 02 50 42 53 31 41 283
28 41 62 01 82 213 204 142 166 911
29 04 03 00 05 06 07 08 06 39
30 01 00 00 02 04 03 05 03 18
43 14 07 06 06 08 11 16 09 77
53 01 02 02 02 03 05 08 12 35
54 05 04 00 02 06 07 03 08 35
65 08 06 00 00 00 00 00 00 14
105 25 18 12 35 41 43 39 46 259
106 30 22 10 31 38 40 32 29 232
119 12 09 02 08 07 13 09 15 75
Fonte: Dados de Pesquisa
*Descrição dos itens citados na Tabela 06 cuja tipologia de transgressões disciplinares se encontra no Anexo I do
RDE:
01 – Faltar com a verdade;
07 – Deixar de cumprir ou de fazer cumprir normas regulamentares na esfera de suas atribuições;
17 – retardar, por negligência, a execução de qualquer ordem;
19 – deixar de cumprir ordem recebida;
20 – Simular doença para esquivar-se ao cumprimento de qualquer dever militar;
21 – trabalhar mal, intencionalmente, ou por falta de atenção, em qualquer serviço ou instrução;
28 – faltar ou chegar atrasado a qualquer ato de serviço em que deva tomar parte ou assistir;
29 – permutar serviço sem permissão da autoridade competente;
30 – abandonar serviço para o qual tenha sido designado;
43 – portar-se sem compostura em qualquer lugar público;
53 – Usar de violência desnecessária em qualquer circunstância;
54 – maltratar preso sob sua guarda;
65 – discutir ou provocar discussões, por qualquer veículo de comunicação, sobre assuntos políticos, militares
excetuando-se os de natureza exclusivamente técnica, quando devidamente autorizado;
105 – dirigir-se, referir-se ou responder de maneira desatenciosa a superior;
106 – censurar ato de superior ou procurar desconsiderá-lo seja entre militares, seja entre civis;
119 – comparecer a qualquer ato de serviço em estado de embriaguez, ou embriagar-se durante o mesmo,
embora tal estado não tenha sido constatado por médico.
Diversos artigos e itens do texto do RDE cujo conteúdo havia sido publicado pelo
Decreto n° 90.608 de 04 de dezembro de 1984 foram alterados, haja vista serem expressão de
113
As transgressões cuja aplicação das sanções disciplinares se deram nos respectivos BGO’s foram apuradas
por procedimentos sumários de apuração de faltas disciplinares, ou seja, a RD. A partir de 2006 somado aos
resultados da RD encontramos outra “inovação” na apuração de faltas disciplinares que é o PAAD. A decisões
desse procedimento também são publicados na 4ª Parte e tem registros iniciados desde do segundo semestre de
2006. Desprezamos por ora os resultados das Sindicâncias e dos IPM’s disponibilizados na 3ª Parte do BGO ou
em Aditamentos (documento complementar ao boletim ostensivo trazendo informações que por uma economia
de espaço não foram publicadas no BGO)
1
“mundo de dentro” pelos valores, costumes e ideologias vindas da vida civil afetando
geralmente os itens que se referem às exigências de conduta social em termos de civilidade e
cortesia.
cotidiana.
Transgressões como Trabalhar mal intencionalmente, ser apanhado em estado de
embriaguez mesmo sem meios científicos de comprovação, dirigir-se desrespeitosamente a
superior são ainda hoje citados como elementos de acusação para configurar uma quebra do
cumprimento da obediência aos princípios da disciplinar militar. A tabela 06 serve de
panorama que facilita visualizar grande parte dos tipos de transgressão disciplinar podendo
nos auxiliar a entender que também um considerável número de transgressões se refere às
relações interpessoais entre os diversos segmentos hierárquicos; a “insubordinação”, o
1
“desrespeito” e a “falta com a verdade” são os critérios ora centrais de imputação da pena ora
elementos acessórios e agravantes de determinada transgressão.
Os dados acima chamaram particular atenção para os anos eleitorais (2002, 2004,
2006, 2008) que exigem da PMSE uma disposição integral de efetivo inclusive afetando o
organograma das escalas de serviço nas diversas unidades militares da capital e do interior.
Em associação com os dados da tabela 08 as informações apresentadas na tabela 09 permitem
entender que existe uma regularidade na distribuição das ocorrências de transgressão, por
exemplo, nos grandes eventos do calendário anual de policiamento os meses de janeiro,
fevereiro, junho, outubro e dezembro concentram a atenção e os esforços do comando geral e
do EMG. Nesses períodos o planejamento do policiamento implica não somente na previsão
quantitativa de militares a atender satisfatoriamente as necessidades de serviço, mas também
no redobramento da vigilância sobre as transgressões disciplinares; essa vigilância consiste
mais especificamente em se evitar as “faltas ao serviço”.
1
controle sobre a vida pregressa, o controle sobre as ações no âmbito civil. Fazendo uma
observação sobre a teoria de Foucault acerca das técnicas de controle e de vigilância Michel
de Certeau (1998, p. 112) afirma que os “procedimentos disciplinares lentamente aplicados
no exército e na escola vão superando rapidamente o enorme complexo aparelho judiciário
(...). Essas técnicas vão se afinando e estendendo sem precisar recorrer a uma ideologia”; a
aplicação desses procedimentos disciplinares (dinamizados no interior de instituições como o
exército ou um hospital) convergem para “lugares celulares” articulando as práticas à uma
série de arranjos espaciais e conceituais que conferem funcionalidade à um instrumento de
controle capaz de disciplinar pela vigilância.
É preciso afirmar que essa pequena alteração no texto oficial da 4ª Parte deixava
transparecer um lapso entre o ato de punição e as condições de aplicação e cumprimento do
“castigo”. Até edições recentes de 2001 (apesar de não serem reproduzidas na maioria dos
textos do BGO) havia a indicação do local de cumprimento da punição e a data de início e de
término da punição. A referência ao local e data de punição remontava a uma prática que
tinha como um dos centros gravitacionais as celas e o “xadrez” existentes nas diversas
OPM’s. Até final da década de 1990 as prisões e detenções disciplinares eram praticadas com
maior freqüência e se traduziam no efetivo encarceramento do militar que era subtraído do
1
militar (o que não signifique dizer que tenha havido procedimento que justificasse decisão da
autoridade) é uma experiência que faz parte da trajetória individual e coletiva de grande parte
dos integrantes da PMSE. Em Michel Foucault (2009, p. 112) a prática de punição
caracterizada por atos de interdição do corpo do sujeito tornou o indisciplinado e o
transgressor um ponto de convergência das relações de poder, nesse sentido
114
No Livro de Sargento de Dia do QCG, disponíveis no Arquivo da PMSE, no período supracitado se faz notar
a ausência de registros acerca de detenções ou prisões disciplinares nas dependências do quartel. Todavia,
consideramos apenas as detenções que se referem aos praças, excetuando-se oficiais e demais “presos especiais”.
115
Por exemplo, no QCG, na CPRP e no CFAP as antigas celas hoje são as salas de armamento.
1
Para se ter uma idéia da relação entre sistema punitivo encontrado na PMSE e
demanda por “direitos fundamentais” os registros nos Boletins Ostensivos nos apresentam um
fenômeno que marca a natureza conflituosa entre o direito de locomoção e a legitimidade de
aplicação de penas restritivas de liberdade, sob a modalidade de “prisão ou detenção
disciplinar”, por parte da autoridade militar. Nesse sentido, há registros nos BGO’s entre
116
2001 e 2009 de solicitações de interrupção e de anulação de prisão disciplinar através de
Habeas Corpus movidas por militares no âmbito da 6ª Vara Criminal; nos textos de
indeferimento de Habeas Corpus encontram-se a seguinte observação:
rege, não se dirigindo o pedido do Habeas Corpus às prováveis arbitrariedades cometidas pela
116
Aproximadamente 35 pedidos de Habeas Corpus foram dirigidos à autoridade militar cujo pronunciamento se
deu na esfera da Justiça Militar, tendo por objeto de solicitação a suspensão dos efeitos de restrição da liberdade
de locomoção decorrentes de aplicação de punição disciplinar.
1
segundo a Constituição Federal do Brasil em seu artigo 5º, não produz efeito sobre prisão
administrativa; a prisão disciplinar praticada pelas instituições militares é, nesse sentido,
classificada como prisão administrativa, o que torna inadequada a solicitação pelo direito à
liberdade processual objetivada no instrumento jurídico acima citado.
117
Os boletins gerais trazem registros sobre solicitação de liberdade, por meio de Habeas Corpus, mas tais
pedidos são geralmente aplicados aos casos de militares detidos judicialmente no PRESMIL. Em Boletins
datados do primeiro semestre de 2006 observamos alguns pedidos de habeas corpus feitos por militares presos
disciplinarmente; nesses casos a autoridade militar foi unânime em afirmar a inadequação de tal pedido.
Entretanto, a concessão de habeas corpus a um oficial detidos disciplinarmente demonstra as contradições
presentes na forma de tratamento das questões disciplinares no interior da hierarquia militar na PM de Sergipe.
1
118
A detenção e a prisão constituem sanções normativas de graus diferenciados: a detenção é menos grave em
termos de avaliação da conduta disciplinar; já a prisão é uma sanção grave que se tornar fator objetivo de
reavaliação do comportamento, afetando inclusive a alteração na classificação do comportamento na ficha
disciplinar. Porém, mesmo sendo distintas, a prisão e a detenção são aplicadas, enquanto sanções disciplinares,
nas mesmas condições, ou seja, atualmente implicam na restrição de liberdade em local definido pela autoridade
punidora.
1
119
A detenção e a prisão constituem sanções normativas de graus diferenciados: a detenção é menos grave em
termos de avaliação da conduta disciplinar; já a prisão é uma sanção grave que se tornar fator objetivo de
reavaliação do comportamento, afetando inclusive a alteração na classificação do comportamento na ficha
disciplinar. Porém, mesmo sendo distintas, a prisão e a detenção são aplicadas, enquanto sanções disciplinares,
nas mesmas condições, ou seja, atualmente implicam na restrição de liberdade em local definido pela autoridade
punidora.
1
A cadeia que vemos acima era a antiga sala de acomodação dos oficiais e
supervisores do QCG, sendo em tempos anteriores utilizada para acomodar os “presos
especiais” que hoje são deslocados para o PRESMIL. Portanto, o deslocamento dos militares
detidos para o QCG prevê o cumprimento de pena com a obrigatória permanência na unidade,
sendo vedada a saída dos mesmos, porém as acomodações em nada se assemelham às antigas
celas onde eram abrigados os militares punidos.
1
Foto 03 – foto das antigas instalações para detidos disciplinares do QCG (Cela 01)
Foto 04 – foto das antigas instalações para detidos disciplinares do QCG (Cela 02)
“quando o comandante da guarnição era medroso ou quando agente tinha raiva dele nós só
fazíamos o que dava pra fazer, muitas coisas deixava de mão, não dava sangue e ia sem
pressa pras ocorrências”.
castigo.
No QCG os militares detidos são “obrigados” a cumprir a pena nas condições
estabelecidas pelo subcomandante geral que designa local de cumprimento, dia e hora a partir
do qual serão computados os dias a serem cumpridos. O oficial de dia e o sargento adjunto
são os responsáveis pela recepção dos detidos que entregam àqueles a “nota de punição”,
registro de entrada no quartel.
Durante cinco dias de observação direta foi possível estabelecer contato com os
militares detidos e perceber sob quais condições se davam a aplicação da punição. Em
primeiro lugar era bastante perceptível o transtorno causado pelo castigo isto porque o militar
era impedido de visitar sua família, ficando recluso no quartel e submetido à convivência
forçada com outros detidos além do contingente de militares que exercem suas atividades no
1
QCG, outro aspecto mencionado é a crítica feita à função do castigo disciplinar para um
“militar profissional”, pertencente à uma realidade profissional bastante diferenciada em
relação aos militares das Forças Armadas.
Porém, convém destacarmos que mesmo diante das críticas à função “pedagógica”
da punição uma observação a ser feita se destina diretamente à relação entre os militares à
frente do serviço e as normas impostas pelo comando, notou-se nessa relação uma não
completa subordinação às diretrizes do subcomando no tocante à obediência ao cronograma
de atividades a serem feitas pelos detidos; constatamos que os detidos são esquecidos por
quem está à frente do serviço ficando mais à cargo do sentinela do portão do quartel o registro
de saídas e o impedimento para que estas não ocorram, outra constatação se refere ao não
cumprimento da chamada do pernoite que consistiria numa maneira de contar os presos e
registrar diariamente as presenças ou ausências.
Com isso, concluímos que a imposição da detenção e da prisão se limitou apenas
à reclusão do militar no quartel sobrecarregando, inclusive, as atividades de policiamento
patrimonial exercidas pelo efetivo da guarda que além de manter a segurança do prédio tem a
função de vigiar os detidos, muito embora a pretensa vigilância se limite ao convívio entre
militares detidos e militares de serviço. Portanto, o que se poderia denominar “retorno da
cadeia” na verdade pode ser concebido como uma estratégia tópica de reformulação das
relações hierárquicas a partir de sua base, ou seja, a partir da dimensão coercitiva que subjaz a
relação hierárquica.
120
Ao tempo da pesquisa o PRESMIL abrigava 29 internos composto de 04
policiais civis e 25 policiais militares, conforme leitura da 3ª Seção – Assuntos Gerais – do
Boletim Ostensivo da PMSE esse número varia de acordo com o andamento dos processos
120
O termo “interno” aparece nos textos oficiais e é substitutivo de detento. Termo este não encontrado em
nenhum dos documentos pesquisados, cabe ressaltar ainda que o presídio militar é destinado à guarda de agentes
de segurança pública que cumprem ordens judiciais ou aguardam em cárcere o desfecho de processo judicial.
1
121
A mais notória das fugas foi feita pelo ex-policial militar “Giuseppe” acusado pela Justiça em Alagoas de ser
o autor de diversos homicídios.
122
Na entrevista participaram seis policiais militares: três cabos, dois soldados e um sargento. O questionário foi
aplicado aos 25 policiais militares internos do presídio, inclusive os entrevistados. Optamos por aplicar
primeiramente o questionário devido à possibilidade de maior fluidez na coleta de informações e para orientar
em questões que poderiam ser tratadas na entrevista.
1
4%
12% Subtenen
32%
52%
te
Sargento
Cabos
Soldados
de convênio com
1
Por meio o de Assistência e
2% Associaçã cia da Corporação
28%
Beneficên
os financeiros
Por
60% recurs
próprios
recursos
s de parentes e
Através
de
financeir
o
Fonte: dados da pesquisa
8%
92%
“oficialmente” pela instituição cujo resultado foi a não abertura de procedimentos judiciais e
administrativos para averiguação dos fatos, as suas respostas encontram-se abaixo ilustradas:
8%
Corporativismo
12%
Para parte dos entrevistados, os 88% dos detentos, as implicações geradas pelo
excesso de cobranças e de imposições apresentada pela disciplina militar se revelam no
volume das transgressões, explicando tal fenômeno através da relação direta entre disciplina-
indisciplina. Para 8% dos entrevistados essa sobrecarga não existe e o profissionalismo militar
existe sob as condições colocadas pelas diretrizes disciplinares. Para 4% não há relação entre
transgressão, desvio de conduta e sobrecarga de pressões sofridas pelo militar.
Desde a posse do comandante geral QOCPM Carlos Pedroso Assumpção a
disciplina foi colocada em foco nos discursos que antecediam até mesmo a sua posse, o
reforço dessa ótica institucional se revelara efetiva na relação entre política e gestão da
segurança pública em Sergipe. Isso fica, em parte, evidente na notícia do Cinforme, datado de
junho de 2009, quando o governo em reunião com o comandante empossado enfatiza a sua
função de representante máximo da polícia militar de Sergipe em matéria de negociações
salariais e, também, como responsável pela disciplina da tropa. Para os policiais entrevistados
era possível reconhecer relatos de uma “crise de disciplina” caracterizada pelo esvaziamento
das relações hierárquico-disciplinares e representadas na não aplicação de diversos itens do
código de conduta; elementos de referência à “crise disciplinar” pode ser apreendida na fala
de um dos entrevistados:
123
No universo lingüístico militar encontramos uma expressão que dá conta dessa relação de autodeterminação
que recai invariavelmente sobre o subordinando: “Quanto mais o mundo gira, mais o soldado se vira”; nessa
expressão há referência à qualidade de versatilidade do soldado em face às adversidades da missão e às
exigências impostas por seu ofício.
1
evidentemente esses policiais selecionados para atuarem como “agentes da justiça militar”
(em âmbito administrativo ou judiciário militar) acumularão na prática funções de
investigadores, de escrivães e de “inquiridores” dependendo do tipo de procedimento. Para os
entrevistados esse tipo de papel exercido geralmente pelos oficiais tende a produzir um
resultado esperado: a condenação.
Para parte dos entrevistados o problema do gerenciamento dos procedimentos
disciplinares é que o oficial não dissocia o papel de superior hierárquico do papel de sujeito
responsável pela “busca da verdade”, de alguém que agindo na imparcialidade da lei
produzisse, orientado por esta imparcialidade, um saber circunstancial sobre os fatos baseada
na racionalidade jurídica e normativa; porém, até mesmo essa racionalidade é prejudicada
pela propriedade genérica de alguns itens do código disciplinar e pela ausência de saberes
jurídicos que permitissem a visualização do problema disciplinar de diversos ângulos. A
descrença na objetividade do trabalho de apuração de atos de transgressão se prolongou
também, na forma de julgamento, para o trabalho exercido pelo Judiciário Militar. Sobre essa
questão vejamos o gráfico abaixo:
necessária
4% A investigação, no âmbito
militar, é realizada por
32% 24% profissionais afetados pela visão
antagônica das distinções
hierárquicas
É afetada pelas informações dos
meios de comunicação social
relativas às duas esferas que integram o sistema de controle da polícia militar. Para os
entrevistados no âmbito a esfera judicial ocorre, segundo eles, a interferência de fatores sobre
o andamento regular e objetivo dos procedimentos judiciais destacando-se os seguintes: a
presença da mídia e das informações por ela veiculadas (40%); o judiciário militar reproduz
uma visão pejorativa da atividade profissional militar (32%) e a ideologia castrense afetada
pela noção de hierarquia atuando negativamente na “apreciação” dos processos (24%). Para
os entrevistados a Justiça Militar não é completamente imparcial, nem objetiva, atendendo
muitas vezes aos apelos da mídia; sobre essa resposta é curioso afirmar que dentre os
entrevistados 08 internos se encontram por motivo de cumprimento de prisão preventiva,
atribuindo, portanto, às informações da mídia e demais meios de comunicação a
“responsabilidade” pelo modo como ocorrera as prisões.
Na tentativa de reconhecer a relação entre delito e trajetória do indivíduo na
instituição apresentamos a seguinte questão: quais fatores foram predominantes para o
cometimento do delito? O gráfico 10 trazem respostas que permitem analisar a predominância
dos fatores e o seu respectivo peso na configuração de determinado tipo de delito, fornecendo
elementos para análise das implicações das relações hierárquico-disciplinares sobre o desvio
de conduta do policial militar. Por exemplo, sobre essas implicações temos a porcentagem de
indivíduos que atribuíram ao estresse e ao desgaste emocional gerado nas relações
interpessoais e no cotidiano profissional os motivos que explicam o cometimento do delito
(cerca 16% dos participantes da pesquisa). Ao longo da pesquisa esses indivíduos afirmaram
ter passado por algum tipo de tratamento psicológico e/ou psiquiátrico, inclusive com o uso
de medicamentos. Sobre a dimensão “psicossocial” do fenômeno comportamental associado
ao desgaste psicológico e emocional do policial e seus desdobramentos sobre o fenômeno da
transgressão e da violência policial seria interessante visitar os dados apresentados pelo
124
serviço de assistência psicológica e social da polícia militar de Sergipe .
Dentre as causas indicadas, as que são relacionadas a problemas técnico-
operacionais – decorrentes de imperícia e da desproporcionalidade entre objetivos, meios e
resultados – somados contabilizam 16%, indicando, no caso da população de internos que
participaram da pesquisa, menor relevância na configuração do delito se comparado com os
demais fatores. É importante salientar que os ditos fatores técnico-operacionais (imperícia e
124
A “instalação” do Serviço de Assistência Psicológica e Social da PM é bastante recente, funcionando apenas a
dois anos, sendo uma reivindicação já há tempos apresentada por militares de formação profissional nas áreas da
psicologia e da assistência social. O serviço de assistência médico-hospitalar exercido pelo efetivo de oficiais
disponível no HPM não se desenvolveu em articulação com a especialidade das áreas da psicologia e da
assistência, não sendo possível encontrar o encaminhamento de questões relacionadas a problemas psicológicos
que afetam a atividade policial militar.
1
125
Sobre instrução militar ver trabalho de Marcos Santana Souza intitulado “A violência da ordem: Polícia
Militar e representações sobre violência em Sergipe”.
1
ô
8%
8
%
40%
28%
16
%
Fonte: dados da pesquisa
O gráfico acima permitiu que visualizássemos as diversas causas que dão origem
ao delito cometido por policiais militares, mas também nos conduz à análise das relações
entre a disciplina e o efetivo direcionamento da conduta do policial militar a partir dos
condicionantes éticas de sua atividade. O investimento da instituição em procedimentos
disciplinares e administrativos intensificados a partir de 2001 e aprimorados em 2006, sob a
forma de padronização da técnica de apuração das causas de transgressão, não se reverteu na
redução de delitos e transgressões cometidos por militares; a demonstração dos dados sobre
transgressão disciplinar revela a constância do problema da indisciplina; mas este fenômeno
apesar de se referir prioritariamente ao conteúdo das relações hierárquicas muito pouco tem a
dizer sobre as relações entre conduta do policial militar e as conseqüências sociais do seu
desvio. O desenho institucional que encontramos na polícia militar de Sergipe não favorece o
acompanhamento mais efetivo de entidades da sociedade civil organizada, ainda mais porque
os procedimentos disciplinares, mesmo aqueles cujo conteúdo se referem à denúncias de
cometimento de delitos ocorrem nas diversas seções da instituição militar, muitas vezes sem o
acompanhamento sistemático da vítima, do advogado e do pretenso autor da infração.
1
RDE porque o praça da polícia já tem muita obrigação e não precisa ter que
ta se batendo com superior pra depois ta respondendo.
Pergunta: Mas a disciplina e a hierarquia deveria deixar de existir em sua
opinião?
Disciplina pra mim é algo muito sério, é o policial bem treinado e sabendo
operar suas ferramentas de trabalho, a hierarquia também não deveria ser
assim, tem muita gente mandando e pouca gente fazendo mesmo. O soldado
e o cabo tão lá na ponta da agulha, mas em cima deles tem muita gente
cobrando. Eu penso que a polícia tinha que mudar sua disciplina e
hierarquia, que fosse algo diferente que invés de cobrar respeito ao
regulamento visse que o profissional não é aquele que diz ‘sim senhor, não
senhor’. Quando a gente erra tudo bem tem que pagar, mas crucificar o
policial que errou como se fosse o maior marginal do mundo isso não dá. Pra
meus colegas é como se eu fosse ninguém aqui dentro, o processo ainda tá aí
rolando, mas já me sinto culpado, pior que já sou tratado como culpado.
(Cabo, 35 anos, 11 anos de serviço)
mantêm um estado de cooperação que não está absolutamente protegida de sofre os efeitos da
percepção crítica dos agentes acerca das funções por eles exercidas no interior da hierarquia.
O “papel do outro”, mais propriamente do superior hierárquico é submetido à crítica realizada
pelo subordinado, bem como este é igualmente avaliado pelo superior, mas de modo muito
mais efetivo, em decorrência das possibilidades de “mando” impostas pelo regulamento
126
empregado pela autoridade (figurada e “teatralizada” no superior hierárquico). Podemos
afirmar que a percepção crítica e conflituosa das relações hierárquicas é parte integrante do
universo simbólico e “psíquico” em que estão mergulhados os sujeitos.
Para o entrevistado a punição não é um ato objetivo e imparcial, produzido com a
finalidade de disciplinar o militar e direcioná-lo ao “caminho certo”; a punição concebida
desse modo não está num plano superior onde as diferenças e conflitos estão ausentes, ao
contrário o ato de punir chega a alcançar um status de “vingança pessoal”, de desfecho de um
conflito intersubjetivo gerado entre subordinado e superior. A disciplina percebida como a
capacidade de adestramento do subordinado a partir do comando do superior é vista
genericamente como uma relação que ultrapassa a mera transmissão de saberes práticos para
se tornar numa concepção permanente de classificação das possibilidades de relacionamento
interpessoal.
No entender do entrevistado a “autêntica” disciplina está ligada à formação
técnica e ética do policial, não sendo compatível com o perfil do policial militar, nem com as
finalidades sociais do policiamento exercido pela polícia.
Os choques ou atritos experienciados no plano das relações hierárquicas podem
gerar um tipo de violência que segundo o código penal militar seria a “transgressão ou o
crime propriamente militar”, ou seja, o delito praticado pelo militar em desfavor de outro.
Esse tipo de violência não é visível o bastante para podermos fazer as observações
127
necessárias , porém os poucos casos podem nos oferecer elementos para refletirmos sobre o
conteúdo das relações hierárquico-disciplinares. Talvez um caso emblemático de conflito
gerado no interior da hierarquia e motivado pela pretensão punitiva do superior ocorreu em
126
O conceito de teatralização nos é apresentada por Goffman em sua obra “A apresentação do Eu na vida de
todos os dias” sendo um conceito chave para entendermos as relações de produtividade, cooperação e conflito
mantidas entre grupos sociais. A Audiência como noção de publicidade da imagem se relaciona à capacidade que
o grupo tem de manipular a sua imagem “social” a partir do “controle” sobre a informação, negociando, muitas
vezes, aspectos significativos de sua “apresentação pública”.
127
A transgressão ou crime praticado entre militares geralmente vêm sendo classificados, ao que tudo indica, nos
textos punitivos da 4ª Seção do BGO como “desrespeito ao superior hierárquico”, excetuando-se aqueles casos
em que a própria instituição por meio de sindicância instaurou procedimento para averiguar as circunstâncias do
delito, infelizmente o acesso a tais sindicâncias não foram permitidas restando apenas a nossa consideração
sobre os eventos identificados no BGO.
1
acusação. A pretensão punitiva segue seu percurso sem maiores problemas conectando a
“vontade de punir” e suas finalidades ao objeto da punição (o militar e sua conduta
transgressora).
Conforme registro da fala do entrevistado o caminho para que a punição não fosse
aplicada não estava centrada na capacidade de defesa representada no Formulário do RDE,
mas em sua possibilidade de aproximação junto ao comandante, então responsável pelo
desfecho da decisão ou não de punir. O percurso mencionado pelo entrevistado no primeiro
caso (de omissão do comandante em face à “perseguição” feita contra ele) e no segundo caso
(uma acusação injusta que não se reverteu em ato de reavaliação da pretensão punitiva e
conseqüente responsabilização por “falsa acusação”) revela parte da natureza das relações
hierárquicas e a propriedade, por vezes, arbitrária do poder punidor.
A percepção de que no interior da instituição as relações hierárquicas são
construídas a partir de “intencionalidades” que não obedecem plenamente à ética profissional
que deriva do sistema de regras é uma das fontes dos antagonismos que se mantêm como
parte constitutiva do conteúdo das relações interpessoais. Sendo assim, para parte dos
policiais envolvidos na pesquisa as práticas punitivas são produto de um domínio imposto por
um segmento menor, nesse caso os oficiais; evidentemente tal domínio está fundamentado em
leis específicas e gerais conferindo a esse domínio um grau de impessoalidade caracterizada
pela formalização de objetivos. Porém, mesmo diante da consideração dos elementos formais
e legais da autoridade militar, persiste entre os entrevistados do presídio militar uma visão
crítica marcada por certa “desconfiança” sobre a objetividade e a transparência dos processos
disciplinares e criminais:
judiciário, de sua autonomia em face aos imperativos da ideologia militarista e suas formas
correspondentes de controle institucional. De fato, a Justiça Militar têm desenvolvido junto
com as demais instâncias do Poder Judiciário um trabalho articulado no sentido de submeter
continuamente, por meio de sucessivas convocações, a atividade policial militar.
Nesse caso a autonomia do Judiciário em questões que se referem à investigação e
à apuração de possíveis transgressões cometidas por militares está gerando maiores
possibilidades de estabelecer, de fora, mecanismos de controle que recaiam sobre a conduta
profissional do policial militar. Para se ter uma idéia nos boletins gerais o Estado Maior da
Polícia Militar juntamente com a Ajudância Geral vêm desenvolvendo um trabalho de
publicização das convocações feitas pelo judiciário, corroborando para a ampliação dos
mecanismos de controle social e jurídico destinados à contínua “averiguação” de
regularidades cometidas por policiais no exercício de suas atividades profissionais. As
implicações dessa “publicização” se faz notar no montante de documentos denominados
128
“Aditamento” , infelizmente o acesso à totalidade dos documentos não foi possível por
problemas de acesso aos arquivos, haja vista estarem restritos ao controle da Ajudância Geral;
porém cabe ressaltar que o conteúdo disponibilizado no Aditamento se refere, em sua maioria,
às audiências especificando dados como dada, tipo de audiência e identificação do militar, não
sendo possível a partir desses dados averiguar os resultados posteriores dos processos
judiciais. Entretanto, a articulação entre comando geral e Poder Judiciário impõe uma estreita
relação de cooperação implicando, inclusive, na responsabilização disciplinar do policial que
não atenda à convocação da autoridade judiciária.
A “vigilância” feita pelas diversas instâncias do Judiciário, mais propriamente da
esfera criminal, em associação com a Justiça Militar tem se revertido em importante
instrumento de “avaliação” dos resultados e das ações relacionadas à atividade policial
militar. Porém, o formato institucional conferido aos demais procedimentos e meios de
controle da atividade policial – gerenciadas pela própria Corporação, envolvendo não somente
as praças, mas também o oficialato – deve passar por reformulações que possibilitem maior
visibilidade sobre o encaminhamento dos procedimentos e dos resultados pertinentes ao
fenômeno da violência policial e demais formas de desvio de conduta. A possibilidade da
sociedade civil em acompanhar o conjunto de ações desenvolvidas pela Corporação no
sentido de responsabilizar o policial militar é ainda um dos pontos problemáticos relacionados
128
Documento complementar ao BGO que traz de maneira complementar informações e decisões da autoridade
militar; uma das aplicações mais usuais do “aditamento” é a convocação de policiais militares para audiências,
versando sobre questões judiciais diversas.
1
Para Jorge da Silva (1990) apud Muniz (2001, p. 186) o primeiro campo em que
deve se ressentir a reformulação das práticas de policiamento é o da formação profissional.
Esta deverá se orientar não mais para o modelo tradicional de policiamento, caracterizado
pelo investimento na formação de habilidades de combate e de enfrentamento do “inimigo”,
mas sim voltada para a “qualificação de um meio de força comedida cuja intervenção está
constrangida pelos princípios da legalidade e da legitimidade”.
Mas como o desenho institucional permite que, por exemplo, os abusos sejam
averiguados e as sanções se tornem efetivas para aqueles agentes da lei que desrespeitaram a
ética profissional? Quais os resultados que as formas de controle institucional têm operado no
interior da Corporação definindo inclusive o dimensionamento quantitativo do efetivo?
resultados nem sempre eram publicados na 4ª Seção, pois havia orientações às respectivas
chefias acerca das “medidas cabíveis a serem tomadas”; no gráfico abaixo temos a relação de
apuração de crimes ou transgressões disciplinares que ocorreram no período entre 2001 e
2009:
2007
2005
2003
2001
20 0 40 60 80
2003 2001
2004 2005 2006 2002 2008
ITPM 28 2007 2009 34
Sindicância 35 40
40 42 48 39 36
IPM 50 47
56 72
52 62 56 48 57
60 63
Fonte: Dados de pesquisa
129
O oficialato atua como gerente do processo disciplinar; agindo a partir de precário conhecimento judiciário.
Mesmo que se possa dizer que os oficiais “dominam” o código disciplinar, há conhecimentos jurídicos mais
amplos que requerem maior esclarecimento e domínio, além do que as interferências do coletivismo podem
atuar negativamente no resultado do processo, algo que não é eliminado pelo estabelecimento de procedimentos
padrões, embora tais padrões de prática judiciária sejam fatores auxiliadores no respeito às formalidades da lei.
Para se ter uma idéia na grade curricular dos cadetes das Academias de Alagoas, Bahia, Paraíba e Pernambuco as
disciplinas que versam sobre direito militar abrangem juntas uma carga horária de 60 horas/aulas, sendo as
seguintes disciplinas: Código Penal Militar, Código Processual Penal Militar e Inquérito Policial Militar.
1
36%
64%
representa uma razão superior, aquela que é mobilizada pela autoridade e cuja finalidade é a
afirmação dos valores da instituição. Na lógica de tais procedimentos podemos visualizar
130
Nos boletins gerais encontramos diversos exemplos de intervenções da autoridade militar no sentido de
resolver determinados impasses gerados no interior da vida militar; geralmente esses “impasses” se referem
ao gozo de direitos como demonstra o trecho a seguir:
1 - REPOUSO E DISPENSAS MÉDICAS - ORIENTAÇÃO – Somente os Médicos Militares do Hospital da
Polícia Militar podem emitir ou homologar REPOUSO E DISPENSAS médicas para Policiais Militares: - Em
conseqüência: a) Os repousos e dispensas assinados por médicos civis deverão ser homologados pelos Médicos
Militares do HPM; b) Os Comandantes de Unidades, Subunidades e os Oficiais-de-Dia deverão obedecer na
íntegra esta orientação, sob pena de serem responsabilizados; c) Nos casos de abusos detectados, os Policiais
Militares deverão permanecer repousando na OPM, até a homologação do Médico Militar. (BGO, n° 07, 10 de
janeiro de 2001, 3ª Parte - Assuntos Gerais)
No BGO nº 56, em março de 2010, o Comando Geral estabeleceu novas orientações acerca do direito de
dispensa do serviço, mais especificamente aqueles motivados por incapacitações temporárias de serviço por
motivos de saúde; entre as orientações há imposição de cumprimento de horas pelo militar, ficando determinado
que o policial se apresentasse pronto para o serviço longo após o fim do afastamento por prescrição médica; essa
orientação fere explicitamente o direito de dispensa previsto no Estatuto dos Policiais Militares, mas confirma a
preocupação da autoridade militar em manter os níveis de produtividade do serviço. Tal preocupação é
verificada desde o período de formação quando o Corpo de Aluno tem a competência, dentre outras, para
“controlar o número de dispensas e baixas médicas dos alunos” (Regulamento Interno do CFAP, Cap. VI, item
IX). No comando do cel. Osvaldo Santos Bezerra identificamos semelhante preocupação com a manutenção da
“produtividade” do serviço, novamente responsável pela alteração de um direito previsto também no Estatuto
dos Policiais Militares:
2 – CHEFIA DO EMG – DOAÇÃO DE SANGUE – Devido às constantes faltas aos serviços de escala, onde
policiais militares resolvem doar sangue no dia em que estão de serviço, prejudicando o policiamento e
consequentemente a comunidade, DETERMINO aos doares que o atestado de doação seja entregue na OPM no
mesmo dia, e aos respectivos comandantes que remanejem os doares na escala para o dia imediatamente
posterior à doação, uma vez que o Art. 2º da Lei nº 1.075 de 27/03/1950 prevê a dispensa no dia da coleta do
sangue. (BGO nº 022, 31 de janeiro de 2001)
1
não obstante o papel de “comandante”, em ordem de serviço, exercido pelo oficial, este
significado social e ético do desvio de conduta, pois uma vez que o crime é concebido como
transgressão o caminho percorrido pelo processo de “investigação” se dá no interior da
instituição, sob a gerência de sujeitos pertencentes à própria Corporação; não que isso
constitua um problema, mas o desenho institucional impresso no conjunto de procedimentos
disponíveis na polícia militar pouco ou nada favorece o acompanhamento feito de “fora”, pela
sociedade civil. (ZAVERUCHA, 2004)
ocorrência de delitos é praticada por soldados (41%) e cabos (36%); ambos agentes
132
Cita Zaverucha (2004, p. 12): “Obtempera o ministro Moreira Alves que o juiz singular, por mais
competente que seja, não pode conhecer as idiossincrasias da carreira das armas, não estando em condições de
ponderar a influência de determinados ilícitos na hierarquia e disciplina das Forças Armadas”.
1
1%
22%
41 Soldado
%
Cabo
36% Sargento
Subtenen
te
faltam-lhes, por completo, conhecimentos jurídicos, preparo técnico, este sim essencial”
(Zaverucha, 2004, p.12); de fato, o despreparo técnico e a falta de conhecimentos jurídicos
constituem sérios e graves problemas para a solidez da instituição judiciária militar,
1
refletindo-se também sobre as demais práticas de controle exercidas pela própria polícia
militar sobre seus membros. Os efeitos gerados pelos fatores acima citados são ainda mais
potencializados pela ausência de formas de controle que recaiam sobre os mecanismos
institucionais de controle da conduta dos sujeitos. Resta saber se na polícia militar de Sergipe
os mecanismos de controle estão sendo controlados por instâncias que não se encontrem no
horizonte institucional.
Por insuficiência de
provas
68%
133
Nos documentos pesquisados pouco se constatou problemas de desvio de conduta que se referisse a oficiais,
porém isso não significa dizer que não há problemas envolvendo oficiais. Muitos dos processos movidos contra
oficiais foram localizados no Arquivo Geral da PMSE, mas não publicados em BGO ou em BGR, dificultando
ainda mais o acompanhamento do processo, estando completamente sob a responsabilidade da autoridade militar
o andamento do processo; caracterizando-se nesse caso a ausência de meios efetivos de acompanhamento feito
por pessoas ou entidades situadas fora da instituição militar. Infelizmente por razões alheias à pesquisa, não foi
possível utilizar as informações coletadas no BGR, por não ter sido concedida permissão de acesso aos
1
exemplo, o papel dos mecanismos externos, organizados pela sociedade civil e poder público,
sobre as práticas de responsabilização dos agentes de segurança pública. Esse “controle
externo” de práticas de “controle interno” não somente atua no sentido de indicar possíveis
desvios do poder disciplinador, mas serve, também, como elo que co-relaciona as estratégias
de ação promovidas pela instituição ao teor das práticas de “vigilância” que devem recair
sobre os agentes, cobrando-lhes o devido compromisso às obrigações impostas pela ética
social e profissional. Um dos efeitos produzidos pelo tipo de tratamento conferido pela
instituição ao problema do desvio de conduta e que tem relação com o formato das
ferramentas de controle interno pode ser representado pelo gráfico abaixo que traz uma breve
ilustração sobre o resultado das punições aplicadas à indisciplina e de punições aplicadas
devido a prática de delitos contra civis e/ou militares:
009)
13%
Puniçõe
s disciplinares
Puniçõe
87%
(transgr
pratic s disciplinares
ad essões ou
militar crimes os
) contre civil ou
Fonte: Dados de pesquisa BGO
documentos. No entanto, a leitura dos mesmos se deu pela disposição de poucos documentos no Arquivo Geral
da PMSE.
134
Stepan (1988) apud Eliezzer diz o seguinte sobre o status dos militares e seus reflexos no contexto social e
político brasileiro: “caracteriza essa situação como um elevado nível de prerrogativas militares nos regimes pós-
autoritários e entende-as como referidas “àqueles espaços sobre os quais, existindo ou não contestação, os
militares, como instituição, pressupõem que adquiriram o direito ou privilégio, formal ou informal, de exercer
um controle efetivo. Neste sentido, consideram-se no direito de controlar sua organização interna, de
desempenhar um papel nas áreas extramilitares dentro do aparelho de Estado, ou mesmo de estruturar as
relações entre o Estado e a sociedade política ou civil”. (D’ARAÚJO, Maria Celina, et al. 2000, p. 102)
1
2
5
2
0
1
5
1
0
0
2001-2002 2003-2004 2005-2006 2007-2009
pedidos de reconsideração de
3 8 7
ato aceitos
4
pedidos de reconsideração de
5 23 2
ato negados
20
Fonte: Dados de pesquisa BGO
135
Criado pela Portaria nº 008/05-GCG, de 25 de janeiro de 2005, e publicado no BGO nº 015, de 26 de janeiro
de 2005. A estrutura de funcionamento desta coordenadoria contaria com os seguintes membros, conforme prevê
o artigo 1º, parágrafo 1: “I – 01 (um) Oficial Superior, que atuará como presidente da mesma; II – 01 (um)
Oficial intermediário que atuará como Adjunto; III – quantos Praças forem necessários para atuar como
auxiliares”.
1
atuar na sociedade.
136
No Capítulo I, artigo 1º, parágrafo 2, lê-se o seguinte: “Cada entidade representativa dos policiais militares
poderá indicar um membro para atuar na CODEM”. Esse item insere uma perspectiva participativa reforçando a
dimensão participativa da proposta apresentada pela CODEM.
1
Porém, o que se percebeu nos dados sobre exclusão entre 2001 e 2009 é a
contínua intervenção do Poder Judiciário cujo papel tem se caracterizado pela ativa
participação nos processos judiciais envolvendo militares, cobrando, nesse caso, que a
instituição policial produzisse resultados no campo da investigação administrativa e criminal.
Sobre os efeitos da responsabilização de erros e desvios de conduta cometidos por militares,
apresentamos logo abaixo a série de expulsões feitas pelo Comando Geral; expulsões estas
definidas de “a bem da disciplina”, ou seja, resultantes de ato unilateral da autoridade,
fundamentada em decisões tomadas no âmbito institucional ou em articulação com decisões
de instâncias do poder judiciário.
1
31
26
15
14
9
6 7 6
8
período estudado, nos anos de 2002 e 2005-2006. Nesse período houve um salto quantitativo
no número de policiais militares por meios de concurso público para soldado. As saídas a
pedido (exoneração) são numericamente muito próximas das saídas por expulsão, chegando
mesmo a superar como ocorre no ano de 2006. Infelizmente informamos ao leitor que a
precisão dos dados não é completa, pois a contagem se deu por meio de boletim geral e de
informativos sobre o efetivo (da tropa), emitidos pela PM-1; possíveis desencontros
137
Os dados do gráfico 18 foram apresentados para facilitar a visualização dos “tipos” de saída da instituição e
demonstrar, em contrapartida, o impacto numérico da “entrada” de militares – que no caso em questão se deu,
como prevê a legislação estadual e militar, por meio de concurso público – sobre o efetivo da PMSE. O perfil
socioeconômico dos “recrutas” dos cursos de formação dos anos de 2002, 2005 e 2006 poderia servir como
objeto de análise para o estudo das implicações sobre a identidade do militar, podendo-se incluir nessa pesquisa
as relações entre níveis de formação escolar (ocasionadas na “vida civil”) e o perfil do policial militar pretendido
pela instituição. No entanto, para os fins da presente pesquisa os dados servem como panorama de compreensão
da dinâmica de rotatividade de policiais na instituição, conferindo particular enfoque sobre as saídas ocasionadas
por decisão unilateral da instituição, como resultado do aparato de controle e de responsabilização administrativa
e criminal de militares.
1
2007-2009
2005-2006
2003-2004
2001-2002
atividade policial propostos pelo Poder Judiciário e pela sociedade civil. Conforme Leirner
onde se formam as relações hierárquicas que também são, em sua forma e significado,
138
Conforme demonstra a listagem publicados nos aditamentos de BGO que fazem o chamamento de policiais
militares para audiências em diversas instancias do judiciário.
1
Mesmo diante da freqüência de punições aplicadas aos militares que tem resultado
inclusive na expulsão de diversos policiais das fileiras da Corporação o problema do desvio
de conduta é pensado, na ótica da instituição, como uma questão de indisciplina. Esse tipo de
percepção sobre a transgressão ou o crime praticado por policiais militares pode conduzir a
uma compreensão reducionista das implicações sociais desse fenômeno. Por isso, é de grande
importância que as relações hierárquico-disciplinares alcancem um patamar elevado de
profissionalização capaz de redefinir o desenho institucional e o conteúdo das formas de
controle disciplinar e judicial exercidos no interior da polícia militar.
1
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em sua obra “Meia volta volver”, Piero di Camargo Leirner (1997, p. 103) afirma
que na visão de um dos oficiais entrevistados “a hierarquia é o meio e a disciplina o fim”, o
mesmo autor questiona tal afirmação buscando nessa lógica superficial elementos para se
chegar ao entendimento das mútuas implicações sobre disciplina e hierarquia. Aproveitando a
observação de Leirner (1997) entendemos, e tal fato se fez notar ao longo das sessões de
entrevista, que a visão de mundo do militar reproduz parte da ética do dever militar, estando
afetada pela posição ocupada pelo sujeito na hierarquia institucional, ou seja, os oficiais
tendem a reproduzir mais fielmente os princípios e valores do militarismo que os militares dos
segmentos dos praças encontrando entre estes maior espaço à crítica e à contestação.
139
Jargão militar para fazer referência ao ato de registro de infração cometida por militar; a partir da “canetada”
temos o início do procedimento de culpabilização do militar.
1
dimensionamento da unidade militar, será muitas vezes o responsável pela “averiguação” dos
fatos imputados na razão de defesa.
Mesmo que não seja possível afirmar que houve entre 2001 a 2009 uma
intensificação no conjunto das punições disciplinares impostas pelo Comando Geral e
publicadas na 4ª Seção do BGO, visto que os dados apresentado no início do último capítulo
demonstram uma distribuição regular das punições ao longo do período estudado, podemos
perceber que no conjunto das práticas punitivas a ênfase na dimensão técnica do
procedimento surgiu como resultado da imposição de modelos de padronização dos processos
e também como efeito do controle exercido pela PM-2 e pela Ajudância Geral tendo por
conseqüência uma maior participação do oficialato nas questões que tocam o gerenciamento
dos processos disciplinares.
Outra observação a ser feita acerca do fenômeno das práticas punitivas se refere
aos efeitos diferenciados do investimento institucional orientado para apuração e punição de
transgressões cometidas no âmbito das relações hierárquico-disciplinares. Nesse sentido, se
compararmos os dados das punições aplicadas aos militares se perceberá que as transgressões
disciplinares, aquelas que ocorrem em sua maioria no interior das relações interpessoais,
receberam um tratamento mais intensificado por parte do comando geral, sendo assim se
puniu de maneira regular e numerosa os desvios de conduta cometidos no interior da
instituição.
Já o percentual de procedimentos administrativos (sindicâncias e IPM’s movidos
muitas vezes pela própria Corregedoria), originados fora da instituição, tendo por vítimas
cidadãos, cujos resultados apontaram para a culpabilidade dos militares acusados está muito
abaixo do índice apresentado no caso dos procedimentos que apuraram transgressões
disciplinares. Com isso podemos indagar sobre as condições de investigação e de apuração
das causas que originaram as supostas transgressões e por que as divergências de resultados
são tão sensíveis.
Por meio dos dados sobre transgressão e punição podemos visualizar, em parte, a
efetiva produtividade do aparelho repressor no sentido de punir o transgressor que ofendeu a
ética militar, estando tais “ofensas” situadas no âmbito das vivências cotidianas, portanto, no
interior das próprias relações interpessoais. Não devemos esquecer, também, que os
procedimentos de acusação de indisciplina estão fundados sobre a primazia do princípio da
precedência hierárquica, sendo inquestionável a legitimidade do objeto de acusação e o papel
1
do acusador, pois este representa antes de tudo a autoridade que reclama para si o direito de
punir e de se fazer restaurar ou reparar o dano causado pela transgressão.
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2
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SERGIPE (Estado). Lei Nº 4.378, DE 29/05/2001. Dispõe sobre as promoções dos Cabos e
Soldados da PMSE e do CBMSE.
o
SERGIPE (Estado). Decreto N 88.777, DE 30/09/1983. Dispõe sobre o Regulamento para as
PM e CBM - R-200.
APÊNDICES
2
14) Você (o Sr.) está atualmente estudando (ensino superior, pós graduação, curso técnico,
outros)? Há alguma relação entre os estudos e a polícia, em termos de aproveitamento
profissional?
15) Em sua opinião o que é a hierarquia militar e qual a sua importância para a PMSE?
16) As relações entre superior e subordinado desde sua entrada na PMSE tem passado por
mudanças?
17) Você (o Sr.) “acha” que as relações hieráquicas atrapalham no exercício profissional
militar na área de segurança pública?
18) Você (o Sr.) se sente prejudicado pelas relações hierárquicas?
19) Em sua “visão” de polícia a PMSE deveria ser desmilitarizada? Isso seria um evento
positivo ou negativo para essa instituição? Por quê?
20) Fala-se em “integração” entre Polícia Civil e Polícia Militar, isso para você (o Sr.) seria
um “avanço” ou um “retrocesso” para a área de segurança pública?
21) A hierarquia militar da Polícia de Sergipe é moldada conforme os postulados das Forças
Armadas? Concretamente, ou seja, no cotidiano profissional as relações hierárquicas são
bastante inflexíveis, ou seja, o subordinado é um elemento passivo diante das ordens do
superior?
22) Como você (o Sr.) definiria sua condição dentro da hierarquia militar? Você (o Sr.)
usufrui de direitos, pesam somente as exigências ou sua condição envolvem um nível razoável
de respeito aos seus direitos e imposição de obrigações?
23) Você (o Sr.) já entrou em desavença com superior? Quais foram os resultados desse
“embate”?
24) A PMSE seria mais eficazmente gerenciada se o princípio hierárquico militar fosse
retirado dessa instituição?
25) Você (o Sr.) se “vê” como militar ao modo do militarismo tradicional praticado nas
Forças Armadas?
26) Você (o Sr.) o famoso adágio militar: “Missão dada é missão cumprida!”
2
27) Em sua “visão” de militar o que representa a disciplina para definição de sua condição de
policial?
28) Você (o Sr.) já foi punido por transgressão disciplinar?
29) Como era a prática de punição disciplinar antes da “aplicação efetiva da Razão de
Defesa”?
30) A “chegada” da Razão de Defesa modificou alguma coisa nas relações entre militares?
31) Para você (o Sr.) o que significou a aplicação da Razão de Defesa? Isso em sua opinião
constituiu um fator de mudança na aplicação da disciplina e nas relações hierárquicas?
32) Conforme os regimentos militares o policial mais antigo e qualquer outro policial situado
num grau hierárquico superior poderia “dar canetada” no militar subordinado. Essa prática
existe ainda hoje? Em sua “visão” quais mudanças, se houveram, podem ser destacadas?
33) Você sente a pressão da disciplina em seu cotidiano profissional? Em sua “visão” a
disciplina militar tem alguma função para o exercício da atividade do policial?
34) Em sua opinião a disciplina é um dos fundamentos da instituição PMSE sem a qual não
haveria o profissionalismo militar?
2
APÊNDICE B
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE
NUCLEO DE POS-GRADUACAO E PESQUISA EM CIÊNCIAS SOCIAIS
MESTRADO EM SOCIOLOGIA
PROJETO DE PESQUISA
Justiça e disciplina: análise das práticas de controle institucional na Polícia Militar do Estado de
Sergipe (2001-2009)
OBJETIVO DA PESQUISA
Analisar as práticas de controle institucional exercidas pela Polícia Militar do Estado de Sergipe no
período situado entre 2001 e 2009.
Serão realizadas entrevistas individuais com duração média de 01 hora, nas quais os policiais de
diferentes graduações e patentes responderão questões relacionadas a entrada na instituição, relações
hierárquicas e disciplinares.
COORDENADORES DA PESQUISA:
Pelo presente documento, declaro ter conhecimento dos objetivos da pesquisa, que me foram
apresentados pelo responsável pela aplicação do questionário, e conduzida pelo mestrando Elvoclébio
de Araújo Lima da Universidade Federal de Sergipe.
Estou informado (a) de que, se houver qualquer duvida a respeito dos procedimentos adotados durante
a condução da pesquisa, terei total liberdade para questionar ou mesmo me recusar a continuar
participando da investigação. Meu consentimento, fundamentado na garantia de que as informações
apresentadas serão respeitadas, assenta-se nas seguintes restrições:
a) O entrevistado (a) não será obrigado (a) a realizar nenhuma atividade para a qual não se sinta
disposto (a) e capaz;
2
b) O entrevistado (a) não participara de qualquer atividade que possa vir a lhe trazer qualquer prejuízo;
c) O nome do entrevistado (a) da pesquisa não será divulgado;
d) Todas as informações individuais terão o caráter estritamente confidencial;
e) Os pesquisadores estão obrigados a fornecer ao entrevistado (a), quando solicitados, as informações
coletadas;
f) O entrevistado pode, a qualquer momento, solicitar aos pesquisadores que os seus dados sejam
excluídos da pesquisa.
g) A pesquisa será suspensa imediatamente caso venha a gerar conflitos ou qualquer mal-estar a
Corporação Policia Militar de Sergipe.
Ao assinar este termo, passo a concordar com a utilização das informações para os fins a que se
destina, salvaguardando as diretrizes das Resoluções 196/96 e 304/2000 do Conselho Nacional de
Saúde, desde que sejam respeitadas as restrições acima enumeradas.
O pesquisador responsável por este projeto de pesquisa é o Professor Elvoclebio de Araújo Lima, que
poderá ser contatado pelo e-mail: elvclebio@yahoo.com.br, telefone: 079 3044-2242.
Endereço: Av. Tancredo Neves, 3790, Condomínio Eucaliptus, Bl G, Apt° 101, Jabotiana, Aracaju-
SE.
Aracaju.........de...........................de 2009.
Nome:
Assinatura:
Assinatura do responsável pela pesquisa:
2
QUESTIONÁRIO
1.1 Sim ( )
1.2 Não ( )
Repreensão ( )
Detenção ( )
Prisão ( )
3) Ao longo dos anos de serviço sofreu, em virtude de punição disciplinar ou de elogio, alteração
na classificação comportamental da Ficha Disciplinar?
4) Antes do presente processo judicial e administrativo, o Senhor já sofreu alguma ação judicial
na esfera militar e no âmbito da justiça civil:
Sim ( )
Não ( )
Se positiva, indique quais os fatores que tenha favorecido o “não conhecimento da autoridade”? Pode
indicar mais de uma alternativa:
Corporativismo ( )
Anonimato ( )
Temor da vítima em buscar a autoridade ( )
Falta de provas suficientes para a vítima promover ação ( )
9) Como foram as condições de defesa das acusações que lhe foram impostas? Pode-se responder
mais de um item:
Prisão temporária ( )
Prisão Provisória ( )
Prisão Disciplinar ( )
12) Quais os fatores foram predominantes para a prática de seu delito (pode marca mais de um
item):
Houve manifestação informal (de superiores e companheiros de farda) da acusação apontando que me
fizesse sentir considerado culpado antes de apresentar defesa ( )
Outros:
Sim ( )
2
Não ( )
Porque a investigação, no âmbito militar, é realizada por profissionais sem a perícia necessária ( )
Porque a investigação, no âmbito militar, é realizada por profissionais afetados pela visão antagônica
das distinções hierarquicas ( )
Porque é afetada pelas informações da mídia ( )
Porque o judiciário militar reproduz uma visão pejorativa da atividade profissional militar ( )
Porque deveria assegurar ao militar assistência judiciária ( )
ROTEIRO DE ENTREVISTA
Foto 03: Porta Identificador de Metal Foto 04: Arame dos muros Presmil
Foto 05: Caixas do Arquivo Geral, QCG Foto 06: Porta do Arquivo Geral, QCG, QCG
Foto 07:Pátio Principal do QCG Foto 08: Cela do QCG (nº 01, inativa)
Foto 09: Cela do QCG (nº 2, inativa) Foto 10: Cela do QCG (nº 3inativa)