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Judeus por opção: a conversão ao judaísmo

desde os tempos bíblicos até nossos dias1


michel schlesinger
Graduado em Direito pela Universidade de São Paulo. Realizou estudos no Seminário Rabínico Schechter, em
Jerusalém, onde recebeu sua ordenação rabínica e também seu título de mestrado em Talmud e Halachá (Lei
Judaica). Integra o rabinato da Congregação Israelita Paulista.

Traduzido do hebraico por Uri Lam

resumo O principal objetivo deste artigo é enriquecer o debate abstract The main objective of this paper is to
sobre um tema controverso e repleto de preconceitos. Busca-se enrich the debate on a controversial and full of
entender o que significava a conversão durante os períodos bíblico prejudices subject. Searching to find out what
e talmúdico e o que se pode aprender daquela época para os conversion meant during the biblical and Talmudic
nossos dias. Esses períodos foram escolhidos como referência periods and what can be learned from that era to
porque o material então escrito, principalmente a Mishná our days. These periods were chosen as reference
(compilação das discussões rabínicas realizadas entre 50 aEC até because then written material, especially the
250 EC, escrita em hebraico na Judeia) e a Guemará (discussões Mishnah and the Gemara, became the source for
sistemáticas da Mishná ocorridas entre 250 EC até 550 EC, escritas all Jewish legislators and researchers of any
em aramaico na Babilônia), tornou-se a fonte para todo legislador generation. Finally, it is also undertaken an analysis
judeu e pesquisador de qualquer geração. Por fim, também se of reformist, conservative and orthodox attitudes in
empreende uma análise das atitudes reformista, conservadora e respect to conversion, in order to understand the
ortodoxa no que diz respeito à conversão, a fim de se entender os contemporary procedures and to learn what steps
procedimentos contemporâneos e aprender quais os passos que should be taken to improve this process.
devem ser dados para aperfeiçoar esse processo.
keywords Judaism, Talmud, conversion, Torá,
palavras-chave Judaísmo, Talmud, conversão, Torá, Judaísmo Reform Judaism, Conservative Judaism, Orthodox
Reformista, Judaísmo Conservador, Judaísmo Ortodoxo Judaism

A conversão ao judaísmo através da História


Durante o período bíblico, converter-se ao judaísmo significava unir-se a um povo ou
se tornar cidadão de um Estado. O aspecto religioso vinha como uma consequência
natural de pertencer ao novo grupo. Hoenig (1965) diferencia os termos naturalização,
que significa tornar-se cidadão de um Estado nacional, e proselitismo, aceitar a adesão
a uma crença religiosa diferente. Neste sentido, durante o período bíblico, a naturali-
zação era muito mais comum do que a conversão religiosa, e o desejo de atrair todo
ser humano para dentro da órbita religiosa não era amplamente aceito. A atividade or-
ganizada na busca de novos judeus não fazia parte do padrão religioso antigo.
Segundo Cohen (1999), no período bíblico, a descendência de um casamento mis-
to entre um israelita e um não israelita normalmente era julgada conforme o status do
pai. A situação do filho, no caso de um matrimônio entre uma mulher israelita e um
homem não israelita, dependeria do clã. Se o pai aderisse ao clã da mãe através de ma-
trimônio matrilocal, o filho seria considerado israelita. Entretanto, em geral a mãe
aderia ao clã do patriarca do clã e, assim sendo, apesar de ter uma mãe israelita, o filho
não era considerado israelita.

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A referência em Isaías 56:3 “E não diga o filho deus decidem se unir ao judaísmo. Friedman (1992,
do gentio que se uniu ao Eterno: ‘O Eterno fez dife­ p. 129) também vê o Livro de Ester como prova de
­­rença entre eu e Seu povo’; e não diga o eunuco: ‘Eis que já havia sido estabelecido um ritual de conversão
que sou uma árvore seca’” indica que, já na Babilô­ no século 4 aEC. Porém, Rute não é um exemplo
­­nia, no Exílio, muitos haviam sido atraídos para o de conversão. Como mulher, uniu-se ao povo de Is­
judaísmo. Uma vez que o povo judeu vivia em uma ­­­rael ao se casar com Boaz e, mesmo após o matrimô­
terra estrangeira, ser judeu não significava integrar- ­­nio, sua condição de estrangeira permaneceu. O Li­
-se a um grupo nacional, mas mudar de religião. ­­­vro de Ester não precede muito o período dos has-
No ano 536 aEC, parte do povo deixou o Exí- moneus e, posteriormente, recebeu diversas inclu-
lio e voltou da Babilônia, o que marcou um pon- sões. Além disso, as pessoas só professavam serem
to de virada na história judaica. A noção anterior israelitas ou fingiam se tornar judias para salvar
de que Deus era somente Deus da Judeia foi aban- suas próprias vidas. Embora seja possível ver os pri­
donada. Durante o Período do Segundo Templo ­­­mórdios da ideia de que alguém poderia se unir ao
de Jerusalém, um indivíduo poderia se tornar ju- povo de Israel por acreditar no Deus de Israel, não
deu na Diáspora mesmo sem nunca ter estado na é possível, contudo, falar sobre conversão de fato.
Judeia. A conversão foi dissociada de seu sentido Os Papiros Elefantinos de Yeb (Assuan), onde
nacional anterior, e o desejo de trazer tantos gen- se encontram nomes judaicos em contratos matrimo­
tios quanto possível para o judaísmo se tornou ­niais, indicam que muitos aderiram ao judaísmo
uma preocupação para muitos. em outras comunidades da Diáspora (Hoenig,
Durante a reconstrução do Templo de Jerusalém, 1965, p. 35).
na época de Esdras e Neemias, foram feitos grandes Um importante fator que contribuiu para a
esforços para se evitar casamentos entre judeus e ampliação do número de conversões ao judaísmo
não judeus. Os dois profetas exigiram que os judeus foi a expansão da Judeia por meio das vitórias mi-
deixassem suas esposas pagãs em favor do Estado litares do hasmoneus e sua consequente elevação
judeu recém-reorganizado e da fé judaica revitaliza­ para um lugar proeminente entre as nações do
­­da. Isto prova, aparentemente, que não existia a pos­ Oriente Próximo. Durante o reinado do governa-
­­sibilidade de converter estas esposas pagãs ao judaís­ dor hasmoneu João Hircano (135-104 aEC), a na-
­mo e que a única solução que Esdras conhecia pa- ção inimiga dos idumeus foi forçada a se converter
ra o problema do casamento misto era exigir a sua após ser conquistada. É possível interpretar o Sal-
expulsão. Segundo o rabino Tuvia Friedman (1992, mo 118 como uma referência a este evento.
p. 129), “um Esdras mais recente as teria converti-
do tal como é a prática hoje em dia em Israel no
caso de um número sensivelmente alto de judeus
russos que chegam com esposas não judias”.
De acordo com Hoenig (1965, p. 35), havia vo-
zes potentes em favor da conversão, tais como o
Livro de Rute, que apresenta o Rei David e o Messias 10 Todas as nações irão me sitiar; em nome do
como descendentes de uma matriarca convertida, Eterno, porém, amilám (os cortarei/os forçarei a
e o Livro de Ester, em cujo clímax muitos não ju- serem circuncidados). 11 Irão me cercar e nova-

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mente me sitiar; em nome do Eterno, porém, ami- a religião judaica após a malsucedida revolta de
lám. 12 Irão me cercar como abelhas e desvane- Bar Kochbá (132-135). Apesar de seus muitos de-
cerão como espinhos no fogo, pois, em nome do cretos, como a proibição da circuncisão, os sábios
Eterno, amilám. continuaram a estimular a conversão.
Entre os fariseus e os saduceus havia visões con-
A palavra amilám, normalmente traduzida co- flitantes sobre o tema do proselitismo. Enquanto
mo “eu os cortarei”, foi interpretada neste caso os saduceus, aristocráticos e da casta sacerdotal,
como “eu os forçarei a serem circuncidados”. O consideravam-se parte de uma “raça pura” e se opu-
hasmoneu Alexander Yanai (103-76 aEC) massa- nham à entrada de novos correligionários ao juda-
crou os moabitas pela recusa destes a se submete- ísmo, os fariseus queriam afastar os gentios da ido-
rem à conversão. As conversões forçadas, muito latria e demonstravam entusiasmo em trazer novas
atípicas na história judaica, foram atacadas com almas para o mundo monoteísta “sob as asas da
severas críticas pelos escritos talmúdicos. Pre­­­­sença Divina”. Segundo Hoenig (1965, p. 40-
O período helênico marcou o início das ativi- 41), estas visões conflitantes entre fariseus e sadu-
dades de conversão. Os judeus se mudaram para ceus e até mesmo entre os próprios fariseus podem
muitos lugares fora da Judeia em decorrência das ser in­­­­feridas das diferentes histórias de Hilel e Sha-
conquistas de Alexandre o Grande. Houve muitos mai e suas opiniões divergentes sobre conversão
casos de judeus que se casaram com mulheres gen- ao ju­­­daís­­­mo. Os saduceus enxergavam não apenas
tias que decidiram aceitar a religião de seus mari- os sacerdotes, mas todo o povo judeu, como mem-
dos. O filósofo Filo de Alexandria e o historiador bros desta “raça pura”.
Flavius Josefus escreveram sobre a forte influência Na época posterior à destruição do Templo, há
do judaísmo e suas leis desde as populações não alguns relatos de conversão em massa de nações que
judias do Egito às cidades gregas no primeiro sé- aceitaram o judaísmo, como os kazares e as tri­­­­bos
culo da Era Comum. da Arábia do Sul. Lentamente, a conversão foi crista­
Durante o reinado de Domiciano, ao final do ­­li­­­zada como a aceitação de indivíduos à religião
século 1 EC, as conversões ao judaísmo passaram judaica. Depois que o cristianismo se tornou a reli­
a aumentar sensivelmente. A Septuaginta, a tradu- ­­­gião oficial do Estado Romano, a conver­­­são ao ju­
ção grega da Bíblia no século 3 EC, ajudou a di- ­­­daísmo tornou-se crime2 e as atividades proselitis-
fundir os ensinamentos do judaísmo em Alexan- tas judaicas entraram em declínio. Ao mesmo tem-
dria e possibilitou a comparação entre os profetas po, a situação dos judeus melhorava conti­­­nuamente
e as escritas dos autores gregos e romanos clássicos. em terras orientais, na Babilônia e nos países ára-
O crescimento das sinagogas na Diáspora e a ex- bes. Apesar das muitas dificuldades, o desejo do
pansão da literatura helênica sobre a inferioridade judeu de trazer outros para a sua fé nunca morreu.
do paganismo e a glória do judaísmo foram outros
agentes de conversão. A cerimônia no Período Talmúdico
Áquila, membro da família real romana, que
traduziu a Bíblia do hebraico para o grego no sé- Pode ter havido um influxo de convertidos ao ju-
culo 2 EC, é um dos mais famosos convertidos ao daísmo a cada ano logo antes de Pessach (festa que
judaísmo. O imperador romano Adriano suprimiu comemora a saída dos israelitas do cativeiro egíp-

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cio) por conta do mandamento bíblico de que os Durante os períodos bíblico e talmúdico, havia
incircuncisos não podem participar no sacrifício na sociedade judaica um sistema de castas. Duran-
pascal. Este era um feriado bastante festivo que te o Período do Segundo Templo de Jerusalém, o
chamava a atenção de muitos gentios. guer tinha um status diferente dos demais judeus.
Provavelmente o primeiro ritual de conversão No Talmud há quatro gradações de judeus: Cohen,
era constituído somente pela circuncisão. Esta é a Levi, Israel e Guer (convertido). Havia certas comu­
única exigência que encontramos na Bíblia para ­­nidades nas quais os convertidos eram excluídos
quem queira se unir ao Povo de Israel. As mulhe- do exercício de um cargo público. Há discussões
res se tornavam parte do povo quando se casavam sobre se os prosélitos poderiam servir como juízes
com um marido judeu, sem qualquer ritual de con- em casos civis ou criminais. O guer não estava no
versão. Nenhuma fonte do Período do Segundo topo da sociedade judaica desses períodos. Apenas
Templo se refere à imersão como ritual de conver- a linhagem dos filhos do convertido era conside-
são para homens ou mulheres. “Não há dúvida de rada completamente judia. Aprendemos isto do
que o surgimento da imersão como ritual de con- fato de que um sacerdote pode se casar com a filha
versão deve estar conectado com a emergência da de um convertido, mas não com uma convertida.
possibilidade de que as mulheres também pudes- Não obstante, havia um desejo de desenvolver uma
sem se converter ao judaísmo, não apenas por ma- atitude favorável em relação ao prosélito. Isto po-
trimônio com um cônjuge judeu, mas por seu pró- de ser ilustrado pela excomunhão de Akabiá ben
prio direito.” (COHEN, 1999, p. 223) Mehalalel por ter insultado Shemaia e Abtalion,
Na Tossefta, encontramos a opinião da Casa de descendentes de convertidos4. Conta-se que Rabi
Hilel segundo a qual quem já tivesse sido circun- Iehuda bar Ilai aceitou como judeu uma pessoa
cidado não precisava passar por outro ritual para que veio a ele e disse que havia se convertido por
se tornar judeu. No Talmud Babilônico, esta tam- si mesmo (Hoenig, 1965). Isto mostra o quanto
bém é a opinião do tanaíta (sábio da época da os sábios eram muitas vezes lenientes ao lidarem
Mishná) Rabi Eliezer, que acredita que depois, da com os convertidos. Neste caso, não foi exigida
circuncisão, o indivíduo já é um guer (termo he- nenhuma prova da conversão.
braico que define aquele que se converteu ao judaís­ Com o surgimento do cristianismo, os rabinos
­mo)3. Alguns estudiosos acreditam que a imersão passaram a insistir em um maior cumprimento da
ritual foi instituída tardiamente. Lei em vez da mera aceitação de teologia e ética. A
No período do Templo, os homens convertidos razão para isto é que os sábios queriam estar se­­­gu­
tinham que ser circuncidados e levar um sacrifício ­­ros de que o convertido entendia e aceitava a fé ori­
para o Mikdash (santuário). Em estado de pureza ­­­ginal e genuína em um tempo em que se tornara
ritual, o prosélito tinha que levar o sacrifício ao mais difícil reconhecer verdadeiros prosélitos ao
santuário pessoalmente. Após a destruição do Tem- judaísmo. A postura rabínica mais estrita era um
plo, deixou-se de se exigir que o convertido fosse me­­­canismo protetor e um filtro para se reconhecer
a Jerusalém. Em vez disso, ele tinha que separar quem desejava, com sinceridade, aderir ao judaísmo.
algum dinheiro para ser usado na reconstrução do Cohen (1999) faz uma meticulosa comparação
Templo. Mais tarde, a exigência do dinheiro foi entre a cerimônia de conversão descrita no Talmud
completamente abandonada. nos Tratados Ievamot5 e Guerim6. De acordo com

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a sua análise, a versão de Guerim veio para somar Começa-se pela atitude positiva em relação à
elementos que não estavam presentes na primeira conversão que pode ser encontrada, por exemplo,
versão. A beraita (citação de material da época da em Pirkê Avot (Ética dos Pais) 1:12. Hilel, chefe
Mishná dentro do texto da Guemará) em Ievamot do Sanhedrin (Sinédrio), entre os anos 30 aEC e
não se preocupa com o estado espiritual do con- 10 EC, declarou o seguinte:
vertido. A cerimônia não faz referência a Deus nem
à eternidade da Torá (Pentateuco). Não há nenhu-
ma negação da religião anterior da pessoa, não se
faz qualquer revisão da história dos israelitas, tam-
pouco há alguma oração. Além disso, não há par-
ticipação da comunidade em qualquer parte da Hilel diz: Seja como os discípulos de Aarão: ame
cerimônia. Cohen vê esta cerimônia como um ve- a paz e busque a paz, ame as criaturas e apro-
ículo para regularizar, formalizar e “instituciona- xime-as da Torá.
lizar” as conversões. Por outro lado, a versão em
Guerim vem para estabelecer o primeiro texto e O termo criaturas (briot) em vez de judeus jun-
para inserir muitos dos elementos que faltavam. to à expressão “aproxime-as da Torá” pode estar
Aqui é possível reconhecer a cerimônia de conver- conectado aos esforços de conversão. Muitas his-
são como um ritual de iniciação no qual as preo- tórias sobre Hilel no Talmud7 sublinham a sua
cupações espirituais e teológicas são evidentes. abordagem positiva em relação aos convertidos.
Lemos no Midrash Tanchuma8:
As diferentes atitudes dos sábios diante da
Conversão e do Proselitismo
Pode-se encontrar um espectro muito extenso de
atitudes entre os escritos de Chazal (acróstico do
termo “Nossos sábios, de abençoada memória”).
Por um lado, há uma atitude muito positiva repre-
sentada por aqueles que estimulam a conversão e
fazem todo esforço para fazer com que um conver­
­­tido ou uma convertida sinta orgulho por sua de- Disse Resh Lakish: O guer que se converteu é
cisão. No entanto, ao lado destas, encontramos mais querido do que Israel quando se apresentou
di­­­versas referências negativas ao convertido, em diante do Monte Sinai. Por quê? Caso não tives-
particular, e à conversão, em geral. Pode-se dizer sem testemunhado os trovões e os relâmpagos,
que a literatura tanaítica (da época da Mishná) exi- o tremor das montanhas e o som dos shofares,
be uma abordagem muito positiva e favorável à [Israel] não teriam aceitado a Torá; e este que
con­­­­versão. Em contrapartida, os amoraim (sábios não testemunhou nenhum deles, veio e se entre-
da época da Guemará) demonstram maior hostili­ gou ao Sagrado, Bendito Seja, e aceitou sobre si
­­dade ao proselitismo. O objetivo deste capítulo é a Soberania Celestial – você conhece algo mais
exemplificar ambos os lados extremos do espectro. querido do que isso?

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Este tipo de ditos positivos também está pre- braico de guer) devem ser amados de um modo
sente no tratado pós-talmúdico de Guerim9: muito especial, uma vez que renunciaram à sua li-
berdade, abandonaram suas famílias e decidiram
se unir ao povo judeu. Quem nasce judeu não tem
alternativa, mas o convertido deve ser respeitado
e protegido por conta dos seus grandes esforços.

Os convertidos são tão queridos que, em todo


lugar, as Escrituras os chamam de Israel, confor-
me está escrito (Isaías 41:8): “E você Israel, meu
servo Jacob” e assim por diante. (...) Os conver-
tidos são queridos, pois Nosso Patriarca Abrahão
não se circuncidou aos vinte nem aos trinta anos,
mas aos noventa e nove anos, porque, caso
Abrahão tivesse se circuncidado aos vinte ou aos
trinta anos, não haveria guer que se convertesse
dos vinte anos em diante ou dos trinta anos em
diante. No entanto, o Sagrado, Bendito Seja, foi
acompanhando-o até que chegou aos noventa e
nove anos, a fim de não trancar a porta diante
dos convertidos, dar tempo aos que retornam e
aumentar a recompensa àqueles que fazem a Sua
vontade, conforme está escrito (Isaías 42:21): “O
Eterno tem prazer, por amor à Sua própria justiça,
em engrandecer e glorificar a Sua Torá.”

No Midrash Raba,10 há uma bonita explicação


sobre por que se deve amar os convertidos. De
acordo com o texto seguinte, os guerim (plural he- O Sagrado, Bendito Seja, ama muito os converti-

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dos. A que isto se assemelha? A um rei que pos-


suía um rebanho. Este costumava sair ao campo
e retornar à noite, e assim eram todos os dias.
Certa vez entrou um veado no meio do rebanho,
seguiu entre as cabras e foi ao pasto com elas.
O rebanho entrava no curral, ele entrava junto;
saía para o pasto, ele saía junto. Disseram ao rei: E disse Rabi Elazar: O Sagrado, Bendito Seja,
“Este veado está acompanhando o rebanho, vai somente dispersou o povo de Israel entre as na-
ao pasto com elas todos os dias, sai com elas e ções para que somassem convertidos a si mes-
entra com elas.” O rei passou a amá-lo desde o mos, conforme está escrito (Oseias 2:25): “E sua
instante em que ele saía ao campo. Era apascen- semente será para Mim na terra.”
tado tranquilamente e de boa vontade, não era
preciso bater nele ou o advertir. E mesmo quando Por fim, também é importante que os rabinos
chegava com o rebanho, o rei dizia: “Deem a ele se certifiquem de que o status de se tornar um guer
de beber” e o amava muito. Disseram-lhe: “Meu não seja usado contra este pelo judeu a fim de en-
senhor, quantas cabras o senhor tem? Quantos vergonhá-lo.
cordeiros o senhor tem? Quantos bodes o senhor
tem? E o senhor não nos avisou do veado que
todos os dias encontramos conosco.” O rei lhes
respondeu: “Para o rebanho, querendo ou não,
este é o seu modo de ser apascentado no campo
todos os dias e retornar à noite para dormir no
curral. Os veados dormem no deserto; não é da
sua natureza se reunirem junto a uma comunida-
de humana. Então não iremos ver com bons olhos
que ele tinha todo o extenso deserto junto aos
outros animais, mas veio e estabeleceu-se no
campo?” Do mesmo modo, será que não preci-
samos ver o convertido com bons olhos, uma vez 12
que deixou sua família e a casa de seus pais, sua
nação e todas as nações do mundo, e veio juntar- Assim como há comércio fraudulento, do mesmo
-se a nós? Por isso devemos muito protegê-lo, e modo há palavras enganosas (Mishná, Baba Met-
Israel foi advertido a se comportar para não lhes sia 58b), porém uma pessoa não pode dizer a
causar mal algum. outra pessoa palavras que a irritem e a choquem,
de modo que esta não possa suportar por se en-
De acordo com o Tratado Pessachim11, a razão vergonhar delas, conforme está dito (Levítico
pela qual Israel foi exilado e espalhado entre as de- 25:17): “E um indivíduo não enganará seu seme-
mais nações foi para permitir que os não judeus lhante” – a Torá se refere a palavras enganosas.
se unissem ao nosso povo: (...) Como? (...) Se for filho de convertidos, não

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diga a ele: “Lembre-se dos atos de teus antepas- em meios não judaicos em que se encontravam.
sados”. Se for um convertido e veio estudar Torá, Porém, por que também se encontra a outra
não diga a ele: “Boca que comeu carniça e ali- voz? Por que há sábios que desaprovam a conver-
mentos impróprios, insetos e répteis, veio estudar são? O Professor George Foot Moore (Klein, 1992)
a Torá ditada pelo Todo-Poderoso”. tenta responder esta questão ao dizer que a expe-
riência do judeu com prosélitos era desencoraja-
Pode-se também identificar uma atitude nega- dora. Em momentos de perseguição, muitos deles
tiva ao lado destas referências positivas. Este é o retornavam às suas religiões originais. Alguns sim-
caso de dois ditos bastante explícitos em Ievamot13: plesmente não puderam permanecer leais à fé que
adotaram e voltaram ao paganismo. Outros, para
salvar a própria pele, trabalharam para o inimigo
Um mal atrás do outro virá aos que aceitam os como informantes. Este sentimento de traição in-
convertidos. duziu a uma atitude negativa por parte de muitos
rabinos em relação aos convertidos. Outra expli-
cação para esta atitude é a crença de Israel como
o povo escolhido. Na mente de alguns rabinos,
quem estivesse interessado em se unir a este povo
Pois disse Rabi Chelbo: Os convertidos são tão especial o estaria fazendo tão somente para se tor-
difíceis para Israel quanto uma psoríase, confor- nar parte desta elite e provavelmente jamais alcan-
me está escrito (Isaías 14): “E se juntará o con- çaria este status espiritual privilegiado.
vertido a eles e se agregarão à casa de Jacob”. Urbach afirma que, nos tempos em que o judaís­
­mo e sua Torá atraíam não judeus para a conversão,
Este também é o caso de uma beraita em Nidá14: atraíam-se, ao mesmo tempo, o ódio e a crítica que
vieram a se tornar a base para o antissemitismo. A
reação dos sábios dependia do tipo de não judeus
Nossos sábios ensinaram: Os convertidos e os que que eles encontravam e das experiências que os ra-
molestam crianças atrasam a vinda do Messias. binos tinham com determinados convertidos. Po-
rém, não é possível classificar as atitudes dos rabi-
A atitude positiva em relação ao convertido é nos e dividi-las em categorias como, de um lado, a
mui­­­to mais fácil de entender. É natural que os sábios liberal-universal aos que se expressavam a favor da
estivessem contentes com a evidência de que o ju- conversão e do convertido e, de outro, a particular
daísmo é atraente a tal nível que até mesmo aque- – exclusiva àqueles cujas afirmações eram contra a
les que não nasceram judeus estivessem prontos a conversão e faziam declarações negativas em relação
renunciar a muitas coisas queridas e a uma gran­­­­de aos convertidos. Esta seria uma classificação mui-
parte de sua liberdade religiosa para se tornarem to superficial, uma vez que havia muitos rabinos
judeus. De acordo com Urbach15, declarações de com opiniões diferentes e às vezes conflitantes so-
orgulho como as de Rabi Elazar em Pessachim são bre o tema. Rabi Shimon bar Iochai é exemplo de
uma herança das gerações anteriores, que eram mui- um sábio que criticava o regime romano por cons-
to entusiásticas quanto à influência do ju­­­daísmo truir pontes e lojas para suas próprias necessidades

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e que foi denunciado às autoridades romanas por alternativa, Rabi Chelbo não critica a conversão
Iehuda ben Guerim, o filho de um prosélito16. Não em si mesma, mas destaca as más consequências
obstante, ele fez o seguinte estudo17: de se aceitar convertidos em sua época.
Dio Cássio, escritor romano do século 3, afirma
que, durante o reinado de Tibério (14-37 EC), mui-
tos judeus foram castigados graças às suas atividades
conversionistas. Os imperadores cristãos de Roma
fizeram da conversão ao judaísmo um crime grave.
Outra possibilidade é que os rabinos eram, em
geral, favoráveis à conversão, mas a maioria do povo
era hostil aos estrangeiros. Esta é a razão pela qual
Rabi Shimon bar Iochai diz: Eis que ele diz (Juízes os líderes religiosos passam a aconselhar as pesso-
5:31): “Os que amam o Eterno são como o nascer as a não serem hostis em relação aos prosélitos.
do sol em seu heroísmo”, pois quem é maior, aque-
le que ama o Rei ou aquele a quem o Rei ama? Os prosélitos nas lendas
Eu digo que é aquele a quem o Rei ama, confor-
me está escrito (Deuteronômio 10:18): “E ama o O midrash (alegoria rabínica em torno do texto bí­
convertido”. ­­­blico) ensina que muitas personagens importantes
da Bíblia foram convertidos ao judaísmo. Eis al-
De acordo com Moore, há ampla evidência histó­ guns exemplos: Tamar, a esposa de Judá, o proge-
­­rica de que o proselitismo era levado adiante duran­ nitor do Messias; Diná, filha de Jacob, teria con-
­­te o período helenístico. Contudo, as fontes rabí- vertido Jó; Asnat, esposa egípcia de José; Jetro cos-
nicas silenciam sobre estas atividades, provavelmen- tumava converter outros; Rahab, a prostituta de
te por conta de suas difíceis sensações motivadas Jericó, é descrita como tendo se casado com Josué
pelas situações aqui descritas. Vários governos sob e sendo ancestral do profeta Jeremias; os profetas
os quais viviam as comunidades judaicas proibiam Ovadia e Jonas são tidos como descendentes de
os judeus de fazer proselitismo. O amoraíta Rabi prosélitos. Diz-se que Rabi Meir, o grande mestre
Chelbo, da Terra de Israel, citado acima declaran- tanaíta, seria descendente do imperador romano
do que os convertidos são tão problemáticos para antijudeu Nero (Hoenig, 1965).
Israel quanto a psoríase, viveu em um período no
qual o Império Romano havia recém adotado o Talmud e Halachá
cristianismo como religião oficial de Estado e publi­
­­cara um édito que tornava a conversão ao judaís­­mo Aprende-se sobre o processo de conversão princi-
uma ofensa que previa punição tanto para quem palmente a partir de uma importante beraita19:
convertia quanto para os convertidos (Hoenig,
p. 60-61, 1965). De acordo com o rabino Michael Nossos Rabinos ensinaram: um indivíduo que vem
Graetz18, é possível entender as palavras de Rabi se converter nos tempos atuais, diz-se a ele: “Que
Chelbo como referentes aos impactos da conversão motivo você tem para vir se converter? Você não
para a comunidade judaica. Através desta leitura sabe que Israel atualmente é perseguido e opri-

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mido, menosprezado e molestado e passa por água até o pescoço enquanto dois homens ins-
muitas aflições?” Se ele responder “eu sei e, mes- truídos ficam do lado de fora e a instruem sobre
mo assim, não sou merecedor” (do privilégio de alguns dos mandamentos menores e alguns dos
ser membro do povo de Israel), é imediatamente mandamentos principais. A mesma lei se aplica
aceito. E transmitem a ele um pouco dos manda- a um prosélito e um escravo emancipado; e so-
mentos mais simples e um pouco dos principais mente no local em que uma mulher menstruada
mandamentos. Ele é informado do pecado [de pode realizar a sua imersão ritual, podem um pro-
negligenciar os mandamentos], de Leket (o que sélito e um escravo emancipado realizar suas
cresce espontaneamente no campo), Shichechá imersões rituais; e tudo o que for considerado
(feixes esquecidos), Peá (cantos do campo) e uma intercepção (brincos, anéis etc.) nos banhos
Maassar Aní (dízimo para os pobres)20. Ele tam- rituais também será considerado uma intercepção
bém é informado da punição pela transgressão nas imersões rituais do prosélito, do escravo eman-
dos mandamentos. Também lhe dizem: “Saiba cipado e da mulher menstruada. (grifos meus)
que, antes de você alcançar esta condição, se
comesse sebo, você não seria punido com karet Em resumo, desta beraita aprendem-se todos os
e, se profanasse o Shabat (descanso sabático), passos importantes do processo de conversão, quais
você não seria punido com apedrejamento; mas sejam, a descrição do sofrimento do Povo de Israel,
agora, se comer sebo, você será punido com ka- a exposição de algumas mitsvot (mandamentos),
ret e, se profanar o Shabat, você será punido com a explicação do sistema de recompensas e punições,
apedrejamento.” E assim que é informado da a instrução para não ser rígido demais com o can-
punição pela transgressão dos mandamentos, didato, a circuncisão, a segunda rodada de ensinar
ao mesmo tempo é informado da recompensa algumas mitzvot e a imersão.
concedida pelo cumprimento dos mesmos. Dizem- Por esta beraita não é possível determinar quais
-lhe: “Esteja ciente de que o mundo vindouro foi passos são mais importantes e quais deles são me-
feito apenas para os íntegros e que atualmente nos importantes. Em outras palavras, não podemos
Israel é incapaz de receber muita prosperidade construir uma hierarquia dos diferentes estágios
ou muito sofrimento.” No entanto, ele não deve do processo de conversão, tampouco podemos di-
ser persuadido ou dissuadido demais. Se aceitar, zer quais deles são obrigatórios e quais deles não
é circuncidado imediatamente. Caso permaneça são. Aparentemente, todos os passos listados acima
qualquer resquício que invalide a circuncisão, têm o mesmo status. Contudo, isto se mostrará
deve ser novamente circuncidado. Assim que es- incorreto através do estudo de outras fontes.
tiver recuperado, são feitas as preparações pa- Aprende-se de outra beraita em Ievamot21 que
ra a sua imediata imersão, quando dois homens dois dos passos listados acima têm um grau de im-
instruídos devem estar presentes ao seu lado e portância distinto. Estes são considerados vitais
o familiarizarem com alguns dos mandamentos para o sucesso da conversão. Esta fonte descreve
menores e alguns dos mandamentos principais. uma discussão entre os tanaítas Rabi Eliezer, Rabi
Assim que vier após a sua imersão, será consi- Iehoshua e os demais rabinos. O primeiro consi-
derado israelita para todos os efeitos. No caso dera que um não judeu que foi circuncidado, mas
de uma prosélita, as mulheres a fazem imergir na não fez a imersão, é judeu; Rabi Iehoshua entende

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que um não judeu que fez a imersão, mas não foi tinção entre a aceitação dos mandamentos e a acei-
circuncidado, é judeu; finalmente, para os demais tação da responsabilidade pelos mandamentos. Não
rabinos ambos os passos são obrigatórios, somen- se espera que um candidato à conversão cumpra
te quem foi circuncisado e fez sua imersão é con- todas as mitsvot (mandamentos) da Torá nem que
vertido. Esta também é a conclusão do Talmud: se comprometa a cumpri-los. Em vez disso, o mit­
“Rabi Chiya bar Aba declarou em nome de Rabi ­gaiêr (aquele que se converte ao judaísmo) deve
Iochanan: Jamais será um prosélito, a menos que entender que, antes da conversão, ele não estava
seja circuncidado e faça a imersão ritual”.22 obrigado aos mandamentos e que agora está. A
Esta e outras discussões sobre casos nos quais aceitação do jugo dos mandamentos é traduzida
apenas um dos passos do processo de conversão pelo Talmud como a obrigação da Corte Rabínica
foi realizado deixam claro que a circuncisão e a de instruir o candidato, e a mera persistência do
imersão ritual têm um status distinto dos demais candidato é compreendida como uma aceitação
passos descritos em nossa primeira beraita. Embo- tácita da responsabilidade pelas mitsvot.
ra os Sábios discutam se ambas, a circuncisão e a Outras condições não essenciais, além daquelas
imersão, são essenciais ao processo de conversão, listadas na beraita, são: (a) não converter um can-
não há controvérsia de que as duas são as halachot didato que nega um ou vários dos mandamentos,
(leis) mais importantes conectadas à conversão. (b) proibição de converter um candidato contra a
O Talmud opta pela opinião de que os dois sua vontade, (c) proibição de converter alguém com
procedimentos são essenciais e faz destas a Hala­ motivações estranhas.
chá. O Talmud também decide que deve haver três
pessoas israelitas durante a imersão e essas três pes- a) A rejeição dos mandamentos
soas não precisam ser especialistas.23 A Corte Rabínica deve se abster de converter uma
Lechatchila, em princípio, todos os elementos pessoa que impõe condições ou restrições à sua
descritos na primeira beraita devem estar presen- conversão. Após a conversão, o novo judeu estará
tes. Porém, bediavad, post factum, a circuncisão e comprometido com todos os mandamentos da
a imersão bastam para realizar uma conversão total­ Torá, sem exceções. Assim sendo, um candidato
­mente aceitável. não pode decidir aceitar apenas uma parte dos
Com relação a isto, Rabi Eliezer e Rabi Iehoshua mandamentos e, ainda que o faça, este tipo de con-
concordam que o ideal é ter a circuncisão e a imer- dição é automaticamente anulado, e o guer se tor-
são ritual, e a discussão deles está no caso de bedia­ na judeu exatamente como qualquer outro judeu
­­vad um destes passos não foi cumprido.24 de nascimento.
Pode-se aprender sobre a rejeição dos manda-
A aceitação da responsabilidade mentos a partir da seguinte seção do Talmud:26
pelos mandamentos
O fato de não se encontrar uma discussão seme-
lhante sobre a aceitação da responsabilidade pelos
mandamentos25 não implica que esta não era con-
siderada essencial. Porém, deve ser feita uma dis- Um idólatra que vem receber as palavras da To-

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rá com uma exceção – nós não o aceitamos. continuar bebendo vinho. Em ambos os casos, a
Rabi Iossei em nome de Rabi Iehuda diz: “Ainda condição fica anulada desde o início de vigência
que seja um detalhe estabelecido apenas pelos da nova situação legal.
rabinos (e não explicitamente pela Torá)”.
b) Conversão contra a própria vontade
Da expressão “nós não o aceitamos” fica claro De acordo com o Talmud28, uma Corte Rabínica
que a decisão é dirigida à Corte Rabínica e que, também deve se abster de converter alguém contra
uma vez aceita, a conversão não será anulada. Este a sua própria vontade.
é o modo pelo qual o rabino Moshe Feinstein27 e
outros entendem o Talmud.

“Todo escravo homem comprado por dinheiro”


(Êxodo 12:44) – escravo, mas não escrava? Eis
que um escravo (adulto) é circuncidado indepen-
dente da sua vontade, mas não se circuncida um
homem independente da sua vontade.

Destas palavras aprendemos que era possível


converter um escravo contra a sua vontade, mas
não é recomendado converter pessoas livres contra
Ao lhe dizerem que existe determinada mitsvá a vontade delas. Houve casos nos quais os escravos
(mandamento divino) ou se souber por si mesmo decidiram aderir à religião de seus senhores, mas
determinada mitsvá que viu como os israelitas também houve exemplos de senhores judeus que
costumam praticá-la e ele disser que esta mitsvá tentaram compelir seus escravos a se converter.
ele não quer aceitá-la... a princípio nós não o A liberdade de escolha é provavelmente a razão
aceitamos. Contudo, post factum, uma vez que pela qual uma pessoa é informada a respeito dos
já o aceitaram, ele é um convertido e está obri- sofrimentos do Povo de Israel, bem como é avisa-
gado inclusive àquela mitsvá que não aceitara da por duas vezes sobre os mandamentos. Através
sobre si, ou seja, o fato de tê-la rejeitado de nada deste processo o Beit Din (tribunal rabínico) se
vale para dispensá-lo [do cumprimento da mes- assegura de que o candidato está convencido de
ma], pois é condição dada, conforme está escri- que quer se converter por sua livre vontade.
to na Torá, de que a condição por ele estabele-
cida está anulada. c) As motivações do convertido
Com relação à influência das motivações dos con-
Também é comum verificar a situação deste vertidos no processo de conversão, Zohar e Sagui
convertido comparada à situação de um nazireu (1997) identificaram três grupos distintos entre os
que aceitou o voto de nazirato sob a condição de Sábios do Talmud.

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Em um extremo, há vozes que acreditam que famosas hagadot (relatos rabínicos) nas quais a
não há nenhuma conexão entre as motivações e o pessoa será convertida embora tenha motivações
processo. Em outras palavras, quem vem para a externas. Na primeira31, uma prostituta veio a Ra-
conversão não deve ser perguntado sobre suas mo- bi Chiya porque se apaixonou por um dos estu-
tivações uma vez que estas não têm nenhum im- dantes dele; na outra32, um não judeu ouviu falar
pacto sobre o processo. A motivação não é algo a da beleza das roupas de um Sumo Sacerdote e quis
ser levado em conta quando se decide aprovar ou se tornar um judeu a fim de se tornar Sumo Sacer-
não um candidato. Esta opinião é representada pe- dote e usar aquelas vestimentas.
lo Rabino Itschac Alfasi (Rif) e pelo Rabino Iaacov No outro extremo estão as vozes daqueles que
ben Asher (Tur), entre outros, na literatura legal acreditam que somente candidatos que estejam se
pós-Talmúdica. Um exemplo desta opinião pode convertendo ‫“ – לשם שמים‬em nome dos Céus”, ou
ser lido na Mishná:29 por puro desejo de se aproximar de Deus, serão
aceitos. A existência de uma motivação externa,
isto é, outra que não “em nome dos Céus”, é um
obstáculo para quem quer ser convertido. Além
disso, se alguém que não teve a motivação apro-
priada foi aceito por engano, sua conversão não
Aquele que é suspeito [de ter tido relações se­­ tem validade. De acordo com esta opinião, a mo-
xuais] com uma escrava que em seguida foi li- tivação é uma condição essencial do processo de
bertada, ou com uma gentia que em seguida foi conversão, sem a qual uma conversão será vista
convertida, não deve se casar [com ela]; mas como inexistente ab initio. Esta visão não pode ser
caso tenha se casado, não se pode tirá-la de identificada entre a grande maioria dos legislado-
suas mãos (...). res judeus da literatura pós-Talmúdica. Esta opi-
nião pode ser vista em Ievamot33:
De acordo com esta fonte, um homem judeu
que teve um relacionamento com uma mulher não
judia está proibido de se casar com ela após a con-
versão da mesma. Contudo, não há dúvida sobre
o status dela. O fato de ela ter tido um relaciona-
mento com um judeu antes da sua conversão e que
este mesmo judeu seja provavelmente a razão de
sua conversão influencia o status deles como um
casal, porém não influi no status dela como judia. Um homem que se converteu por uma mulher, e
Na beraita30 que descreve o processo de conver- uma mulher que se converteu por um homem,
são, há a exigência de informar-se o candidato so- bem como quem se converteu pela mesa dos reis
bre as mitsvot e sobre o sofrimento de Israel. Po- (para ser promovido profissionalmente), e pelos
rém, ao longo de todo o processo, não há pergun- escravos de Salomão (para ser nomeado para
ta alguma relativa à motivação da pessoa que vem essa função de destaque) – não são convertidos,
para se converter. Finalmente, há pelo menos duas palavras de Rabi Nechemia; pois Rabi Nechemia

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costumava dizer: “Quem for guerê araiot (conver- motivação “em nome dos Céus”.
tido por temor aos leões de Deus, referência a 2 O terceiro grupo representa uma voz interme-
Reis 17:24-25), guerê chalomot (decidiu se con- diária no que diz respeito à influência da motiva­
verter por causa de um sonho), ou guerê Morde- ­ção no processo de conversão. Por um lado, a
chai e Ester (convertidos por medo, como nos motivação do candidato é muito importante e
tempos de Mordechai e Ester, referência a Ester será levada em conta pelo Beit Din. Por outro la-
8:17), não são convertidos, até que se convertam do, porém, se a Corte Rabínica tem aceitado gue­
nesta época (como nesta época, sem nenhuma rim, a conversão destes não pode ser cancelada
vantagem física). com base em suas motivações. Para estes rabinos
a motivação é muito importante, mas não repre-
A mesma ideia está presente em um dos peque- senta uma condição essencial do processo. Uma
nos tratados do Talmud34 que foram editados mui- vez convertido, não há qualquer influência da
to mais tarde, na época dos Gueonim: motivação original dos convertidos em sua atual
condição. Esta é a opinião aceita pelo Shulchan
Aruch e, portanto, reconhecida pela maioria dos
tribunais rabínicos nos tempos modernos. Uma
beraita que aparece duas vezes no Talmud35 apon-
ta para esta direção:

Não são aceitos convertidos para a época do


Todo aquele que se converter por uma mulher, Mashiach, por isto não foram aceitos convertidos
por amor ou por temor, não é um convertido. E nem na época de David nem na época de Sa-
assim costumavam dizer Rabi Iehuda e Rabi Ne- lomão!
chemia: “Todos aqueles que se converteram nos
tempos de Mordechai e Ester não são convertidos, Nenhum convertido foi aceito na época de
conforme está escrito: ‘E muitos dos povos da David nem na época de Salomão por se suspeitar
terra tornaram-se judeus, porque o temor aos ju- de que estes estavam sendo atraídos pelos suces-
deus caiu sobre eles’ (Ester 8:17), e todo aquele sos militares e pela prosperidade que então pre-
que não se converte em nome dos Céus não é valeciam. A instrução dada pelo Beit Din é a que
um convertido.” não se deveria aceitar um candidato que busca a
conversão a fim de ser recompensado na era mes-
Contudo, há uma diferença entre os tratados siânica ou por outras motivações estranhas. Esta
Ievamot e Guerim. Enquanto no primeiro não posição pode ser lida, mais uma vez, no Talmud
há nenhuma exigência de uma motivação positi- Ierushalmi,36 nas palavras do Rav, amoraíta da
va para a conversão e somente a falta de motiva- primeira geração babilônica, que bediavad, post
ções negativas basta, no último é exigida uma factum, aceita o convertido:

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Com intenção de casamento


Embora no tratado de Guerim37 esteja especifica-
mente proibido converter alguém por causa de
matrimônio, esta é a razão mais popular para con-
versões nos dias atuais. As gerações passadas tam-
bém tiveram que se deparar com a questão, porém
esta ficou mais clara depois da Emancipação.
No Talmud, é possível encontrar algumas his-
Aquele que se converte em nome do amor, as- tórias que denotam opiniões diferentes entre os
sim como um homem por uma mulher, e uma Sábios sobre este assunto. Em um destes casos38,
mulher por um homem, e os que se convertem uma mulher não judia admitiu a Rabi Eliezer que
em nome da mesa dos reis (para ser promovido ela havia mantido relações sexuais com um homem
profissionalmente), e os guerê araiot (convertido judeu e queria ser convertida. Embora Rabi Eliezer
por temor aos leões de Deus, referência a 2 Reis tenha recusado, Rabi Iehoshua consentiu em con-
17:24-25), e os guerê Mordechai e Ester (con- vertê-la. Depois da conversão, ela poderia, se assim
vertidos por medo como nos tempos de Morde- desejasse, casar-se livremente com seu namorado
chai e Ester, referência a Ester 8:17), nós não judeu (em Hoenig, 1965). Conforme visto ante-
os aceitamos. Rav disse: “Estes são convertidos riormente39, Rav, fundador da Academia de Sura,
conforme a Halachá, e não se deve rejeitá-los permitia a conversão inclusive daqueles que vinham
do modo como se rejeitam os convertidos ab basicamente com a finalidade de matrimônio. Ele
initio, mas nós os aceitamos, e é preciso apro- declarou: “Quem quer que busque ser convertido
ximá-los, porque talvez tenham se convertido deve ser aceito. Não rejeite os motivos dos guerim;
em nome [dos céus]”. talvez eles venham em nome dos Céus.”
O rabino Moshe Zemer (1993) resume as opi-
Aparentemente, a opinião do Tana Kama (o niões de alguns importantes legisladores recentes.
primeiro tanaíta citado) neste texto é muito seme- O rabino Azriel Hildesheimer, de Berlim (apud
lhante à do tratado Ievamot, no Talmud babilôni- Zemer, 1993, p. 122), e o rabino Aharon Halevi
co. No entanto, há uma diferença muito impor- Gold­­­­man, da Argentina (apud Zemer, 1993, p.
tante entre estes dois textos. Enquanto Rabi Neche­ 122), estão entre aqueles que proibiram conversões
­­mia usa a expressão “não são convertidos” (‫)אינן גרים‬ com intenção de casar-se com uma pessoa judia.
no primeiro, no Talmud Ierushalmi a expressão é Nos séculos XIX e XX, alguns legisladores permiti­
“nós não os aceitamos” (‫)אין מקבלין אותן‬. O termo ­­ram a conversão de pessoas já unidas a cônjuges ju­
babilônico implica que a pessoa não é um converti­ ­­deus por casamentos civis; entre eles estavam o ra­
­­do. Sua conversão não é aceita uma vez que sua mo­ ­­bi­­­no David Tzvi Hofman (apud Zemer, 1993, p.
­­­tivação não foi pura. Embora a expressão do Tal­ 122), o rabino Meir Simcha HaCohen (apud Ze-
mud Ierushalmi implique que os juízes lechatchi­ mer, 1993, p. 122) e o rabino Ben-Zion Meir Hai
la, ab initio, não devem aceitá-lo, uma vez aceito, Uziel (apud Zemer, 1993, p. 122). O Rabino Salo­
a conversão é totalmente válida. ­­mon Bennett Freehof (apud Zemer, 1993, p. 124),

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legislador do Movimento Reformista, também per- confirmarão a sua conversão com a realização do
mitia a conversão quando esta fosse a motivação. seu bat mitsvá/bar mitsvá ou, eventualmente, anu-
Nas congregações conservadoras, a prática geral, larão a conversão caso decidam viver fora da es-
de acordo com Klein (1992), é aceitar essas conver- trutura da comunidade judaica.40 O exemplo clás-
sões na medida em que o candidato tenha desen- sico de uma conversão de criança é o caso de um
volvido um desejo sincero de abraçar o judaísmo. casal judeu que adota uma criança não judia.
Nesses casos, a motivação a ser levada em conta é
aquela que a pessoa tiver ao término do processo Abordagens modernas41
e não a motivação que trouxe o futuro judeu dian-
te do rabino na primeira reunião. Até mesmo se I. A abordagem reformista à conversão
todo o processo tiver começado graças ao desejo É possível identificar opiniões conflitantes den-
de se casar com uma pessoa judia, este deve, além tro do Movimento Reformista no que diz respeito
disso, terminar com o amor por nossas tradições. aos padrões adotados em relação às conversões.
De acordo com o rabino Theodore Friedman (1992, Em 1892, ao seguir uma campanha liderada pelo
p. 37), conhecido como Tuvia em função de sua rabino Isaac Mayer Wise, a Conferência Central
obra Beer (o poço de) Tuvia, não há qualquer im- dos Rabinos Americanos (CCAR) decidiu que ca-
pedimento para aceitar quem queira ser convertido bia a todo rabino oficiante aceitar qualquer pessoa
para se casar com um cônjuge judeu. honrada e inteligente para a sagrada aliança de Is-
rael. Esta aceitação aconteceria sem qualquer rito
A conversão de uma criança de iniciação, cerimônia ou observância do que quer
que fosse. Era importante verificar se a pessoa ti-
É possível converter uma criança até mesmo antes nha conhecimento suficiente sobre judaísmo. Po-
que ela possa expressar a sua opinião sobre o assun­ rém, nenhuma cerimônia, circuncisão ou imersão
­­to. Há uma suposição de que ser judeu é uma hon- era exigida.
ra. Esta suposição permite que uma Corte Rabíni- Em 1988 ocorreu uma significativa mudança
ca, por decisão própria, converta uma criança. As no Manual do Rabino Reformista, conforme des-
exigências haláchicas (legais) devem ser cumpridas, tacado por Golinkin (2001). O ritual de circunci-
ou seja, deve haver a circuncisão, a imersão ritual são e de imersão foi retomado juntamente com os
e um Beit Din com três participantes presentes. A estudos e a preparação do candidato. Este resgate
principal diferença entre esta conversão e a de um é atestado pelo rabino Walter Jacob, dez anos an-
adulto é o consentimento. Enquanto a conversão tes, quando afirmou que a circuncisão havia sido
de um adulto só será feita quando a pessoa manifes­ virtualmente aceita universalmente. Em 1987, ele
­­tar sua livre vontade de ser convertida, no caso de declarou que tanto a milá (circuncisão) quando a
uma criança normalmente os pais decidirão junto tevilá (imersão) eram extensamente praticadas. Fi-
com a Corte Rabínica. Esta é a razão pela qual, no nalmente, em 2001 a CCAR recomendou que a
caso de uma criança, e só neste caso, a consumação conversão deveria incluir uma Corte Rabínica, imer-
do processo dependerá de uma confirmação tácita são ritual e circuncisão ou hatafat dam brit (reti-
quando o convertido ficar mais velho. Meninas rada de uma gota de sangue do pênis, no caso do
com doze anos e meninos com treze anos de idade candidato já ser circuncidado).

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Um tema muito controverso introduzido pelo Na resposta, o professor Ginzberg explica que mu-
Movimento Reformista foi o da descendência pa- lheres casadas podem se converter ao judaísmo sob
trilinear. Em 1947, a CCAR decidiu que o filho as mesmas condições das mulheres solteiras. Ele
ou filha de um pai judeu é judeu ou judia, sem também esclarece que, conforme a lei talmúdica, o
conversão formal, caso ele ou ela frequente uma rabino deve advertir o homem judeu que vive com
escola judaica. Esta decisão foi muito controversa uma mulher não judia a se divorciar imediatamen-
e desencadeou uma dura discussão com o Movi- te dela após a conversão da mesma. No entanto, o
mento Conservador, comunidades ortodoxas e in- rabino Ginzberg não sugere que eles se divorciem
clusive dentro do próprio Movimento Reformista. e afirma que isto está “fora de questão” no caso de
Ainda nos dias atuais, o Movimento Reformista um casal que já teve filhos juntos. Ele se apoia em
não é unânime no que tange a esta decisão. Em uma responsa de Maimônides. Novamente, con-
1986, a Assembleia Rabínica do Movimento Con- forme a lei talmúdica, diz Ginzberg, o casal deve
servador reagiu à decisão do Movimento Reformis- se abster de ter relações conjugais por noventa dias
ta reafirmando a descendência matrilinear. após a conversão, mas ele mesmo reconhece que é
difícil convencer as pessoas a cumprirem isto. Ele
II. A abordagem conservadora à conversão sugere pelo menos três meses de preparação para
As exigências dos padrões haláchicos (de leis) a conversão e aceita a possibilidade de que o casal
do Movimento Conservador para conversão foram se abstenha de ter relações sexuais durante estes
resumidas pelo rabino David Golinkin de diferen- meses em vez de após a conversão, como determi-
tes Manuais do Rabino Conservador, como segue: na a lei original. Para permitir o testemunho du-
um período de estudo sério, imersão e circuncisão rante a imersão ritual das mulheres, ele permite
ou hatafat dam brit, a aceitação dos mandamentos que as mulheres vistam um maiô largo. O Profes-
e a presença de um Beit Din com três participantes. sor Ginzberg afirma que as crianças também pre-
O estudo deve durar muitos meses e deve incluir cisam de conversão com os mesmos elementos da
aprendizagem formal, leitura, encontros com o ra- conversão de um adulto. Finalmente, ele escreve
bino, frequência aos serviços religiosos e cumpri- que o casal deve se casar novamente, de acordo
mento das mitsvot. A circuncisão e a imersão são com todas as leis judaicas de Chupá e Kidushin
consideradas exigências rituais indispensáveis para (casamento judaico). Os novos judeus também re-
o convertido. A aceitação dos mandamentos é uma ceberão nomes judaicos, como é de costume.
declaração formal da livre vontade do candi­­­dato Em um documento (BOHNEN, 1997) prepa-
para aceitar os princípios da religião judaica, seguir rado pelo Comitê sobre Leis e Parâmetros Judaicos
suas práticas e cerimônias e se tornar um membro da Assembleia Rabínica, em 1965, e aceito pela
do povo judeu. Finalmente, uma Corte Rabínica maioria de seus membros, é discutido o tópico de
deve estar presente para a aceitação das mitsvot. Conversões de Status Questionável. A situação dos
casamentos mistos nos Estados Unidos associada
Responsa conservadora à falta de uniformidade entre judeus ortodoxos,
O Doutor Birnbaum42 perguntou ao professor conservadores e reformistas e, finalmente, as dife-
Louis Ginzberg sobre a conversão de uma mulher renças entre conversões dentro do próprio Movi-
não judia já casada com um judeu e com filhos.43 mento Conservador geraram a necessidade deste

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documento. Em poucas palavras, o documento membro de uma sinagoga reformista ou ortodoxa


declara que na Bíblia há referências a diferentes em uma congregação conservadora. Em alguns des-
pessoas que aderiram a um grupo étnico ou nacio- tes casos, os guerim se consideram judeus no ple-
nal específico, porém não há nenhuma descrição no sentido do termo.
de um processo de conversão, nenhum rito nem O que uma comunidade conservadora deveria
cerimônia. A primeira vez que se pode ver uma fazer neste caso? Se o convertido não fez milá nem
conversão de um grupo que não está mais em sua tevilá, deve-se pedir delicadamente a ele para que
própria terra e que era diferente por conta de sua cumpra estes passos. O rabino conservador precisa
religião ocorre durante o Exílio na Babilônia. Esta explicar que ainda que não tivessem sido exigidos
nova realidade foi a responsável pelo desenvolvi- pela congregação anterior, aqueles passos são exigi­
mento das cerimônias de conversão. A discussão ­dos pela nova. Embora “nada deva ser dito aos con­
talmúdica44 entre Rabi Eliezer e Rabi Iehoshua so- ­­­vertidos que os faça sentir que nunca foram judeus”.
bre a questão de uma conversão sem imersão ri­­tual Uma exceção pode ser feita no caso da exigên-
volta à tona. A decisão da Guemará é que tanto a cia da imersão ser muito dolorosa para quem se
imersão quanto a circuncisão são exigidas no caso considera absolutamente judeu, por conta do di-
dos homens. lema ético que isto representa. Nestes casos extre-
O documento então relata que o Movimento mos, o rabino deve ser capaz de levar em conside-
Reformista não exigia uma conversão haláchica. ração uma imersão que a pessoa fez no mar mesmo
Uma declaração de fé podia ser suficiente para um sem a intenção da imersão em nome da conversão.
rabino reformista aceitar um guer sem necessidade Isto pode se usado como “um último recurso quan-
de milá (circuncisão) ou tevilá (imersão ritual). Por do nenhuma outra solução é possível”. Esta é a
outro lado, o judaísmo ortodoxo requer milá e te­ recomendação, porque considerar como um não
vilá, mas muitas vezes não insiste em um processo judeu alguém convertido por um grupo religioso
de estudo e instrução em prática religiosa judaica diferente e que se define como judeu poderia tra-
básica. Finalmente, o Movimento Conservador exi- zer consequências muito piores do que renunciar
ge milá, tevilá e estudos que incluem história ju- à exigência da tevilá quando todos os demais re-
daica, preceitos essenciais, fundamentos da crença querimentos foram cumpridos.
judaica e conhecimento de leitura de hebraico. De Outro documento (BLUMENTHAL, 1997), pre-
acordo com o documento, “ao insistir nestas exi- parado pelo mesmo comitê no mesmo ano, que
gências básicas, nós estamos estabelecendo o status só foi aceito pela minoria de seus membros, trou-
do convertido em fundamentos firmes e possibi- xe referências de “Um Resumo das Decisões sobre
litando que o convertido seja um bem para a nos- Conversões”. As decisões são: para fins de enterro
sa fé”, e por isso este procedimento deveria ser em um cemitério judaico, qualquer pessoa conver-
mantido. tida ao judaísmo, independente da natureza de sua
A diferença entre os processos adotados pelos conversão, é considerada judia; uma congregação
três movimentos religiosos não seria um problema conservadora pode reconhecer uma cerimônia de
se não houvesse migração de uma comunidade pa- conversão realizada por um rabino reformista –
ra outra. No entanto, é muito comum a necessi- este convertido pode receber plenos direitos como
dade de acolher uma família que costumava ser judeu, pode ser aceito como membro em congre-

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gações conservadoras e receber plenos privilégios ver teshuvot (respostas rabínicas) com praticamen-
como qualquer outro membro, os filhos podem te nenhuma fonte sagrada.
ser educados e casarem por um rabino conserva- Ele analisa a citação talmúdica trazida por Bo-
dor, etc. Outra decisão estabelece que a circuncisão hnen em Ievamot 46º e a compara com o texto
é a única coisa a ser pedida de uma pessoa conver- paralelo no Talmud Ierushalmi45:
tida por um rabino reformista, e, na mais leniente
das referências, lê-se: “Uma pessoa aceita para o
judaísmo por um rabino reformista será reconhe-
cida como judia”. Esta última decisão não usa a
expressão “pode ser reconhecida” como a maioria
das demais referências, e não requer nenhum apên- Ensina-se: o guer que foi circuncidado e não fez
dice haláchico à cerimônia de conversão realizada a imersão, que fez a imersão e não foi circunci-
pela congregação reformista. O autor do documen- dado, tudo segue a circuncisão – palavras de
to, rabino Aaron Blumenthal, defende a ideia de Rabi Eliezer; Rabi Iehoshua diz: a imersão é tam-
que todas as conversões “em que a boa fé do pro- bém essencial.
sélito está demonstrada” serão reconhecidas. Exem-
plos desta “boa fé” são matricular um filho em Novak conclui, citando o rabino Bernard J.
uma escola judaica religiosa e levá-lo a se tornar Bamberger (Novak, 1988, p.80), que a questão
um Bar Mitsvá. Por um lado, deve-se buscar cum- não é exigir ou não a imersão, mas, em vez disso,
prir os padrões da conversão conservadora; por determinar o momento em que a pessoa se torna
outro lado, é imperativo abraçar o máximo de ju- judia (depois da circuncisão ou depois da imersão
deus e acolhê-los nas congregações conservadoras. ritual). Conforme a leitura de Novak da seção tal-
Um terceiro documento (NOVAK, 1988) foi múdica, tanto Rabi Eliezer quanto Rabi Iehoshua
aceito pela maioria dos membros do Comitê sobre exigem a tevilá (imersão) na mikvê e a milá (cir-
Leis e Parâmetros Judaicos (CJLS) da Assembleia cuncisão), mas discordam sobre o momento em
Rabínica com respeito aos dois citados acima. Es- que o não judeu se torna judeu. A discussão é so-
te documento traz um resumo das responsas de bre alguém que foi circuncidado mas ainda não
Bohnen e Blumenthal, afirmando que ambos con- fez a imersão na mikvê e sobre alguém que fez a
cordam que o ideal é incluir a tevilá em toda con- imersão ritual mas ainda não foi circuncidado. Por
versão, mas, no caso de uma pessoa que já vive há esta leitura, a discussão trata do instante em que
muitos anos como judeu sem ter cumprido a imer- um indivíduo pode ser considerado um guer – o
são ritual, eles entendem diferente. Na opinião de que, de acordo com os rabinos, só pode se concre-
Bohnen, o rabino conservador deve tentar conven- tizar após todo o processo.46 Novak conclui que a
cer o guer a fazer a sua imersão ritual e só em ca- imersão é sempre obrigatória e que requer cavaná
sos em que isto não é possível pode abdicar-se da (intenção). Uma exceção poderia ser feita em um
exigência da mikvê (banho ritual). Blumenthal en- caso muito específico e incomum no qual a pessoa
tende que o rabino não deve tentar convencer o convertida não cumpriu a imersão em nome da
convertido e sim renunciar diretamente a esta exi- conversão propriamente dita, porém realizou di-
gência. Novak critica ambos os rabinos por escre- versas outras imersões rituais para diferentes puri-

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ficações exigidas pela Lei judaica. Finalmente, o realizar conversões com fins de matrimônio caso
autor afirma que uma pessoa que não se converteu o convertido possua um compromisso genuíno
em conformidade com a Lei e não deseja refazer com o povo judeu. O rabino David Zvi Hoffman
sua conversão e não aceitou ol mitzvot (a respon- legisla, bediavad, post factum, que alguém que se
sabilidade pelos mandamentos) não é aceita como converteu sem a aceitação das mitsvot é um guer
um guer tsédek. Novak acredita que uma pessoa (apud Zemer, 1993).
convertida não necessita cumprir cada mandamen-
to da Torá, mas, ao mesmo tempo, deve ser proibi­ b. Conversões não ortodoxas
­da de se recusar a cumprir qualquer mitsvá e deve Mais uma vez, é possível identificar diferentes
se sentir comprometida em geral com a Lei judai- atitudes dos rabinos ortodoxos em relação às con-
ca. A sua condição básica é que a imersão deve ser versões realizadas por rabinos conservadores e re-
exigida para que se possa reconhecer uma conver- formistas. Com respeito às conversões conservado-
são realizada por um rabino reformista. ras, Golinkin (2001) afirma que o rabino Moshe
Feinstein sustenta a opinião de que os rabinos
III. A atitude dos rabinos ortodoxos conservadores não conhecem suficientemente as
leis de conversão. Mesmo quando as conhecem,
a. Aceitação das mitsvot eles não são cuidadosos quanto a agir de acordo
Dentro do Movimento Ortodoxo, há diferen- com a lei. Ainda segundo Feinstein, a Corte Rabí-
tes atitudes quanto à exigência de um candidato nica conservadora é desqualificada devido à falta
aceitar os mandamentos para se tornar judeu. Por de observância de vários mandamentos. Golinkin
exemplo, a opinião mais estrita, representada pelo (2001) cita também o rabino Aaron Soloveitchik,
rabino Moshe Feinstein, é de que o convertido de- segundo o qual até mesmo um rabino conservador
ve aceitar os mandamentos sobre si, e, se isso não piedoso está desqualificado para servir em um Beit
ocorrer, a conversão não será completada. Se após Din, uma vez que ele faz parte do Movimento
a conversão ficar entendido que o convertido não Con­­­servador, uma confederação de pessoas más.47
aceitou verdadeiramente as mitsvot, a conversão é Finalmente, Golinkin (2001) afirma que o rabino
considerada inválida. J. David Bleich considera os membros dos Movimen­
A atitude leniente é representada por rabinos ­­tos Conservador e Reformista “renunciadores”, com­
como Eliezer Berkovitz. Ele percebe a aceitação ­­­parando-os aos saduceus, samaritanos e caraítas.
dos mandamentos como a aceitação da fé no Deus Há também decisões lenientes de rabinos orto-
Único de Israel. Além disso, de acordo com ele, o doxos com respeito às conversões realizadas por
convertido precisa aceitar a circuncisão e a imersão rabinos reformistas e conservadores. Segundo Go-
ritual, ambos exigidos para a realização do proces- linkin (2001), o rabino Eliezer Berkovits admite
so de conversão propriamente dito. De acordo com que os rabinos não ortodoxos trabalham para en-
Golinkin (2001), o rabino Marc Angel afirma que riquecer e servir ao judaísmo e que a intenção de-
não há fonte talmúdica legal alguma que indicaria les também é em nome dos Céus. Suas transgres-
inequivocamente que a aceitação de todos os man- sões são motivadas por enganos e não por más
damentos é um pré-requisito para a conversão. Fi- intenções. Assim sendo, eles podem servir como
nalmente, ele afirma que há amplo suporte para testemunhas e juízes. Ainda citado por Golinkin

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(2001), o rabino Marc Angel sustenta que uma mudar de religião. Durante o Período do Segundo
conversão realizada em consonância com a Lei Ju- Templo, uma pessoa podia se tornar judia na Diás­
daica deve ser aceita. Todos os elementos rituais ­pora ainda que jamais tivesse estado na Judeia.
devem estar presentes, quais sejam, a tevilá (imer- Também podemos reconhecer momentos na
são ritual) e a milá (circuncisão) e a seriedade do História nos quais as conversões foram estimula-
candidato, que também deve ser levada em conta. das, negadas ou inclusive forçadas. Durante os tem-
Uma vez que todos esses elementos existam, a con- pos bíblicos, por exemplo, a atividade organizada
versão será aceita, independente do movimento ao em busca de novos judeus não fazia parte do pa-
qual esteja afiliado o rabino que a realizou. drão religioso antigo, embora uma referência em
Isaías 56:3 indique que já na Babilônia, no Exílio,
Conclusão houve muitos que foram atraídos para o judaísmo.
Durante a reconstrução do Templo, foram feitos
Foi possível, por meio de uma revisão bibliográfi- grandes esforços para se evitar casamentos entre os
ca da história da conversão ao judaísmo da época judeus e não judeus. No reinado do governador
talmúdica até a atualidade, obter uma melhor com- hasmoneu João Hircano (135-104 AEC), houve
preensão deste processo e reconhecer de que ma- conversões forçadas de uma nação inimiga con-
neira este é resultado de uma realidade social, cul- quistada, os idumeus. Os fariseus e saduceus tam-
tural, religiosa e política. Os modos como os Mo- bém tinham uma visão conflitante sobre o tema
vimentos Ortodoxo, Reformista e Conservador li- do proselitismo.
dam com seus processos de conversão e a maneira Uma vez que a única exigência na Bíblia para
que cada um deles se relaciona com o processo de alguém se unir ao judaísmo era a circuncisão, pro-
conversão conduzido pelos demais também é um vavelmente este foi o primeiro ritual de conversão.
componente para este entendimento. A ênfase está Naquela época, as mulheres se tornavam parte do
no modo como o Movimento Conservador arti- povo ao se casarem com um marido judeu, sem
cula este processo e como aceita as demais visões qualquer cerimônia de conversão. Nenhuma fonte
de como se tornar um judeu. Indiretamente, este do Período do Segundo Templo se refere à imersão
estudo pretende ajudar a construir um processo como um ritual de conversão, seja para homens
ideal de conversão ao judaísmo. ou mulheres. A imersão como ritual de conversão
É possível dizer que, em cada momento da His- está conectada ao surgimento da possibilidade de
tória, dentro de um grupo ou entre diferentes gru- que também as mulheres poderiam se converter ao
pos, nunca houve uma única resposta à questão de judaísmo.
qual é o processo ideal de conversão ao judaísmo. O status de um judeu e de um guer eram dife-
Não houve um consenso sobre se permitir ou não rentes durante os períodos bíblico e talmúdico.
a entrada de estrangeiros ao judaísmo. Ao longo Em certas comunidades os convertidos eram excluí­
da História, a conversão ao judaísmo poderia sig- ­­dos do exercício de cargos públicos e havia dúvida
nificar integrar-se a um povo ou tornar-se cidadão se poderiam servir como juízes em casos civis ou
de um Estado. No Exílio, uma vez que o povo ju- cri­­­minais. Por outro lado, podemos perceber um
deu vivia em uma terra estrangeira, tornar-se judeu desejo de desenvolver uma atitude favorável em
não significava se unir a um grupo nacional, mas relação ao prosélito. Com o surgimento do cristia-

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nismo, os rabinos passaram a insistir em um maior ça, porém, entre os tratados de Ievamot e Guerim.
cumprimento da Lei em vez da simples aceitação Enquanto no primeiro não há a exigência de uma
da teologia e da ética porque ficou mais difícil de motivação positiva para a conversão e basta a fal-
reconhecer os verdadeiros prosélitos ao judaísmo. ta de motivações negativas, em Guerim é exigida
Podemos encontrar um extenso espectro de ati- uma conversão “em nome dos Céus”.
tudes entre os escritos de Chazal – nossos sábios, Embora seja especificamente proibido, no tra-
de abençoada memória. Por um lado, a literatura tado de Guerim, converter alguém com fins de
tanaítica exibia uma abordagem bastante positiva matrimônio, atualmente esta é a razão mais popu-
e favorável à conversão. Por outro lado, os Amoraim lar para as conversões. No Talmud é possível en-
demonstravam mais hostilidade ao proselitismo. contrar algumas histórias que denotam opiniões
Não era possível classificar os rabinos e dividi-los diferentes entre os Sábios sobre este assunto.
em categorias tais como liberal-universal para aque- As abordagens modernas à conversão às vezes
les que se expressavam a favor da conversão e do também são conflitantes entre os movimentos re-
convertido e como particular-exclusivo para aque- ligiosos e inclusive dentro dos próprios movimen-
les cujas afirmações eram contra a conversão e de- tos. Para o Movimento Reformista, já foi conside-
claravam fatores negativos contra os convertidos. rado apropriado que qualquer rabino aceitasse pa-
Quase sempre o mesmo rabino tinha opiniões di- ra o judaísmo toda pessoa inteligente e honrada
ferentes, e às vezes conflitantes, sobre o tema. sem qualquer rito de iniciação, cerimônia ou cum-
Até mesmo a cerimônia de conversão tinha mais primento do que quer que fosse. Mais tarde, os ri-
de uma versão. Na beraita em Ievamot, por exem- tuais de circuncisão e de imersão foram retomados
plo, descreve-se uma cerimônia que não tinha qual- juntamente com os estudos e a preparação do can-
quer referência a Deus e à eternidade da Torá. Na didato. Finalmente, o Movimento Reformista re-
versão em Guerim, a cerimônia de conversão era comendou que a conversão deveria incluir uma
um ritual de iniciação no qual as preocupações es- Corte Rabínica, imersão ritual e circuncisão ou
pirituais e teológicas eram evidentes. hatafat dam brit. Em algumas congregações refor-
Ainda que os Sábios discutissem se a circunci- mistas, o filho de um pai judeu é considerado ju-
são e a imersão ritual eram essenciais ao processo deu, sem conversão formal, desde que estude em
de conversão, não havia controvérsia sobre se am- um colégio judaico.
bos eram as halachot mais importantes conectadas Para o Movimento Conservador, em um pro-
à conversão. Também foi decidido que deve haver cesso de conversão, são necessários um período de
três pessoas do povo de Israel durante a imersão e es­­­tudo sério, imersão, circuncisão ou hatafat dam
que estas não precisariam ser especialistas. A mera brit, a aceitação dos mandamentos e a presença de
persistência do candidato à conversão era compre- um Beit Din com três participantes presentes. A
endida como uma aceitação tácita da responsabi- Assembleia Rabínica do Movimento Conservador
lidade pelas mitsvot. O candidato também não reafirma a descendência matrilinear. Aceitam-se
deveria ser convertido caso rejeitasse um ou vários conversões para fins de matrimônio na medida em
dos mandamentos; ele era proibido de ser conver- que o candidato tenha desenvolvido um desejo
tido contra a sua vontade, e sua conversão era proi- sincero de abraçar o judaísmo no fim do processo.
bida se tivesse outras motivações. Há uma diferen- O Movimento Ortodoxo exige circuncisão e

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imersão, mas muitas vezes não insiste em um pro- girem que todo candidato passe um longo período
cesso de estudos e de instrução sobre práticas reli- de tempo nos Estados Unidos ou em Israel, uma
giosas judaicas básicas. vez que a conversão não pode ser executada in lo­
Podem surgir dilemas éticos quando um conver­ cum. De acordo com Zemer48, alguns rabinos ti-
­­tido decide passar para outro movimento. Uma con­ ram proveito da expressão “conversão conforme a
­­gregação conservadora irá exigir brit milá (circun- Halachá” para propósitos políticos e para não re-
cisão, para os homens) e tevilá (imersão ritual) nos conhecerem aqueles que foram convertidos por
casos em que o convertido ainda não as tenha rea- cortes rabínicas não ortodoxas.
lizado. No entanto, nada pode ser dito a estes con- Contudo, em toda geração havia um Hilel. Sem-
vertidos que os faça sentir que jamais foram judeus. pre houve grupos que entenderam que a tradição
Para o Movimento Conservador, qualquer pessoa judaica aceita conversões e todo esforço deve ser
convertida ao judaísmo é considerada judia para o feito para acolher aqueles que sinceramente que-
propósito de ser enterrada em um cemitério judai- rem ser levados para “debaixo das asas da Presença
co. O rabino Aaron Blumenthal defende a ideia de Divina”. A conversão deve ser vista como o início
que todas as conversões “nas quais a boa fé do prosé­ de um processo e não o seu fim. Conforme Hilel
­­lito é demonstrada” devem ser reconhecidas. Exem- costumava dizer após a conversão de uma pessoa,
plos de sua “boa fé” são matricular os filhos em uma “agora, vá e estude”.
escola judaica religiosa e fazer com que realizem os O processo de conversão deve ser levado a sé-
rituais de bar mitsvá no caso dos filhos ou de bat rio, o que significa saber que é impossível aprender
mitsvá no caso das filhas. O rabino Novak ensina tudo sobre judaísmo em um ano (período médio
que a imersão deve ser exigida em todos os casos. da maioria dos processos de conversão). A preocu-
De acordo com alguns rabinos conservadores, um pação do rabino que converte deve ser que o can-
candidato à conversão está proibido de se recusar didato abraçará o ideal de Talmud Torá e a congre-
a cumprir qualquer mitsvá e exige-se dele que se gação deve estar segura de que este ideal pode ser
sinta comprometido em geral com a Lei judaica. cumprido dentro da sua comunidade. Isto implica
uma “conversão de toda a comunidade”49, ou seja,
Reflexões finais que seus membros não devam se sentir os donos
do judaísmo e isto os permita receber outros. Além
Hilel e Shamai, saduceus e fariseus, ortodoxos, con- disso, cria-se a prontidão para se crescer constan-
servadores e reformistas – como se pode aprender, temente em conhecimento, espiritualidade e prá-
no judaísmo as diferentes atitudes com relação à ticas. Nas palavras da Torá, a ideia é abandonar o
conversão constituem uma tradição de muitas ge- “eu era um guer”50 mas agora não sou mais, e subs-
rações. Na época do Talmud, assim como em nos- tituir pelo eterno “eu sou guer e toshav entre vo-
sos dias, há grupos judaicos que impõem grandes cês”51. Em outras palavras, reconhecermos que não
dificuldades a quem quer se unir ao judaísmo. Es- somos possuidores do judaísmo mas, em vez disso,
ses obstáculos muitas vezes tornam impossível, pa- todos os dias nos convertemos de novo.
ra quem deseja sinceramente se tornar judeu, rea- A situação sociológica atual do povo judeu é
lizar o seu processo de conversão. Este é o caso das muito diferente daquela anterior ao século XIX
congregações ortodoxas na América do Sul, ao exi- dentro das paredes do Gueto. Naquele tempo, se

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o rabino decidisse não converter alguém que quises­ Com o desejo de se converter, ela veio até Abrahão,
­­se se casar com um judeu, o casamento não aconte­ Isaac e Jacob, mas não a aceitaram. Ela se foi e
­­ceria. Atualmente, o casamento irá acontecer inde­ tornou-se concubina de Elifaz, filho de Esau. Dis-
­­­pen­­­dentemente da resposta do rabino, e esta é a se: “Melhor ser serva para esta nação a ser se-
ra­­­zão pela qual é proibido para um rabino dizer nhora para a outra nação.” Dela descendeu Ama-
não. De acordo com o rabino Isaac Herzog, Rabino- lek, que afligiu Israel. Qual é o sentido? Pois não
Che­­­fe ashkenazí de Israel entre 1937 e 1959, “é ób­ a deveriam ter afastado.
­­vio que eles não irão se separar um do outro” (Ze- Rashi: afastado – de sob as asas da Shechiná (a
mer, 1993). A consequência de uma resposta nega­ Presença Divina), pois eles deveriam tê-la con-
­­tiva para a comunidade judaica é a perda tanto do vertido.
não judeu quanto do judeu – que, no melhor dos
casos, terá apenas um casamento civil, ou será mais É verdade que tudo o que foi descrito exige
bem acolhido por outras comunidades religiosas. muito trabalho, energia e coragem. Talvez esta seja
Hoje em dia, a maioria dos candidatos que che- a razão pela qual alguns rabinos, em nossos tem-
gam ao rabino deseja se converter para fins de ma- pos, preferem não se ocupar do assunto.
trimônio. Porém, a pergunta deve ser se, depois das
aulas com o rabino e da participação ativa nos
eventos de comunidade, esta permanecerá sendo a
única motivação. Nesse caso, a pessoa não deve
não ser convertida devido a um fracasso do rabino,
entre outras possíveis razões. Normalmente, depois
de meses de intenso estudo e participação, o candi­
­­dato ainda desejará se tornar judeu por causa do seu
matrimônio, mas haverá muito mais do que isso.
O processo deve incluir o candidato na comunida­­­de
e plantar nele o desejo de crescer constantemente.
Até mesmo Abrahão, Isaac e Jacob teriam sido re­
­­provados, segundo uma alegoria rabínica (midrásh), Sobre os justos e sobre os piedosos e sobre os
por se recusarem a aceitar Timna, da família de Esau, anciãos do Teu povo da Casa de Israel,
como uma convertida.52 Graças a este fracasso, Is- E sobre os sobreviventes dos Teus sábios, e so-
rael recebeu Amalek como seu inimigo mortal. bre os convertidos por justiça e sobre nós,
Desperta a Tua bondade, Eterno nosso Deus,
Recompensa com o bem a todos os que confiam
sinceramente em Teu Nome,
E nos estabeleça junto com eles para sempre,
Para que jamais sejamos envergonhados, pois
em Ti confiamos.
Bendito sejas Tu, Eterno, que apoias e dás segu-
rança aos justos.

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notas 20 Mandamentos sociais de proteção aos órfãos, viúvas,


estrangeiros e pobres.
1 Este texto foi traduzido do original em hebraico, por Uri 21 T.B. Ievamot 46a
Lam, do meu trabalho de conclusão do curso de pós-
graduação em estudos rabínicos, no Seminário Rabínico 22 T.B. Ievamot 46b
Schechter, em Jerusalem (Israel). 23 T.B. Ievamot 46b
2 Constantino ordenou o confisco das propriedades e a 24 Veja outras interpretações da passagem acima na
expulsão daqueles envolvidos em proselitismo. Esta atitude responsa do rabino Novak e suas notas de rodapé.
pode ser identificada através das obras de Rutílio 25 Aceitação da responsabilidade pelos mandamentos
Numaciano, no século 5. (‫)קבלת עול מצוות‬.
3 Esta fonte será discutida mais adiante. 26 T.B. Bechorot 30b
4 T.B. Guitin 57b. De acordo com o tratado Eduiot 5:6, 27 Igrot Moshe Iorê Deá 3, 106
Akabiá ben Mehalalel foi excomungado e teve seu caixão
apedrejado devido a um testemunho em desacordo com 28 T.B. Ievamot 48a
Shemaia e Abtalion. A expressão ‫ דוגמא השקוה‬não é 29 Ievamot 2:8
clara e os comentários – sobre se a discussão foi motivada
pelo fato de Shemaia e Abtalion serem descendentes de 30 T.B. Ievamot 47 a-b
convertidos – são conflitantes. Rabi Iehuda considera que 31 T.B. Menachot 44a
Eliezer ben Chanoch é quem foi excomungado. 32 T.B. Shabat 31a
5 T.B. Ievamot 47 a-b 33 T.B. Ievamot 24b
6 Tratado pós-Talmúdico Guerim 1:1. 34 Guerim 1:3
7 Veja T.B. Shabat 31a 35 Ievamot 24b e Avodá Zará 3b
8 Tanchuma, ed. Buber, Lech Lechá 6 f., 32a. 36 T. Ierushalmi, Kidushin, Capítulo 4 Halachá 1
9 Guerim 4:2, 4:3 37 “Todo convertido por causa de uma mulher, por amor,
10 Bamidbar Raba 8, 2. ou por temor, não é um convertido”. (Pequenos Tratados,
11 T.B. Pessachim 87b Guerim, capítulo 1 Halachá 3)

12 Enciclopédia Talmúdica, vol. 1 [Onaá], coluna 343. ‫שמג‬ 38 T.B. Avodá Zará 15b
‫ ]אונאה[ טור‬,‫אנציקלופדיה תלמודית כרך א‬ 39 P Kidushin Capítulo 4, Halachá 1
13 T.B. Ievamot 109b, 47b 40 Para uma opinião diferente sobre se a criança está apta
14 T.B. Nidá 13b a anular a conversão, veja ‫ כרך וי‬,‫תשובות ועד ההלכה‬
267 ‫עיימ‬.
15 Efraim E. Urbach, Chazal, Pirkê Emunot Udeot .‫ודעות‬
‫ פרקי אמונות‬,‫ חזל‬.‫ אורבך‬.‫אפרים א‬ 41 Baseado em David Golinkin, Conservative Judaism 54/1
(Outono, 2001). Refere-se à situação nos Estados Unidos
16 T.B. Shabat 33b no século XX.
17 Mechilta de-Rabi Ishmael, Mishpatim, Parashá 18, p 311. 42 Na resposta do rabino Louis não há informações sobre a
18 Em conversa pessoal com o autor deste artigo. identidade do Doutor Birnbaum.
19 T.B. Ievamot 47a-b 43 Rabino Louis Ginzberg. The Responsa of Prof. Louis

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Ginzberg, editado por David Golinkin. Nova York e Cohen, Shaye J. D. The Beginnings of Jewishness:
Jerusalém, 1996. Para uma resposta muito semelhante, ver boundaries, varieties, uncertainties. Berkeley, CA: University
Rabino Louis Ginzberg e David Golinkin, ‘Four New of California Press, 1999.
Responsa by Professor Louis Ginzberg’. Conservative Encyclopedia Talmudit. Arquivo eletrônico – Projeto
Judaism 52/4 (Summer 2000), p. 18-20. Bar Ilan
44 T.B. Ievamot 46a Ginzberg, Rabbi Louis. ‘Four New Responsa by Professor
45 T. Ierushalmi, Kidushin, Capítulo 3, Halachá 12 Louis Ginzberg’ in GOLINKIN, David. Conservative Judaism
46 Para outra análise sobre a mesma discussão, ver Cohen 52/4 (Summer 2000).
(1999, p. 219-221). Segundo ele, a visão atribuída a Rabi Friedman, Rabino Tuvia. Beer Tovia (Poço de Tuvia) (em
Iehoshua no Talmud Bavli pode ter sido inventada em favor hebraico), Jerusalém, 5752 [1992].
da simetria literária. GOLINKIN, David (ed.). The Responsa of Prof. Louis
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49 Rabino Shlomo Fox, durante conversa pessoal. ____ (ed.). Proceedings of the Committee on Jewish Law and
Standards 1927-1970. Jerusalem: The Institute of Applied
50 “E ela deu à luz um filho e chamou seu nome Guershom, Halakha at the Schechter Institute of Jewish Studies, 1997. 3 v
pois disse: Eu era guer (morador) em terra estrangeira”
(Êxodo 2:22) ____. Conservative Judaism 54/1 (Outono 2001).

51 “Eu sou guer (morador) e toshav (habitante) entre Hoenig, Sidney B. ‘Conversion During the Talmudic
vocês. Concedam-me um terreno para sepultura e Period’ in EICHHORN, David Max (ed.). Conversion to
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Recebido em 16/12/2011
the Schechter Institute of Jewish Studies, 1997. Aceito em 23/01/2012

WebMosaica revista do instituto cultural judaico marc chagall v.3 n.2 (jul-dez) 2011

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