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DANDISMO NEGRO – Parte 2: “O Harlem


Renaissance”
GvCult - Uol
24/02/2021 07h05
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Por Hélio Rainho

Imagem: mosaico de fotos da rede social Pinterest | Arte de Hélio Rainho


Por Hélio Rainho

Em nossa sequência da série sobre o dandismo negro,


iremos aportar em um dos mais importantes manifestos
ocorridos nos Estados Unidos, no início do século XX, o qual
pode ser considerado de enorme relevância para a nova
inscrição de homens negros dentro da representatividade
criada pelo estilo e pelos modos de vestir.

Como pudemos ver


anteriormente: https://gvcult.blogosfera.uol.com.br/2021/01/29/dandismo-
negro-parte-1-origens/

A figura do dândi negro erigiu-se como modelo libertário


após vigorarem as leis de abolição na Europa e nos Estados
Unidos, mas a figura do homem negro elegante passou a
ser ridicularizada em pastelões promovidos no final do
século XIX pelos espetáculos teatrais blackface. Era uma
reação que buscava deslegitimar qualquer subjetivação
positiva da imagem do novo homem negro agora livre,
criando uma diferenciação acintosa entre ele e os homens
brancos tidos como padrões "verdadeiros" de elegância.
Não tardou para que uma contrapartida viesse se opor a
essa depreciação do dandismo negro no inicio do século XX
com o advento do New Negro, um novo paradigma
intelectual e filosófico que buscava uma afirmação das
raízes culturais dos negros nos Estados Unidos para além
das influências euro-caucasianas até então predominantes.
O escritor, orador, educador e ativista Hubert Harrison | Fonte: Wikipedia

Os ideais do new negro foram corroborados pelas ações do


escritor e ativista Hubert Harrison (1883-1927), que em 1917
fundou a organização Liberty League e o periódico The
Voice, ambos pioneiros no ativismo em favor da consciência
racial e diretamente ligados ao ideário do movimento. A
relevância dos ideais difundidos por esse movimento
acabou por influenciar uma imensa cadeia de intelectuais,
os quais fomentaram uma repercussão dessa nova
concepção sobre a realidade dos afro-americanos além das
questões politicas ligadas ao Partido Socialista da América,
ao qual Hubert era vinculado e atuante. O que até então era
uma pauta politica passou a constituir um fluxo poderoso de
celebração cultural.

Conhecido como Harlem Renaissance (o "Renascimento do


Harlem"), um movimento surgido na região do Harlem – zona
urbana com alta incidência de população negra em Nova
York – imediatamente após o término da primeira guerra
mundial representou o florescer, na literatura e na arte
americanos, de uma série de releituras históricas e
manifestações privilegiando a cultura e a história dos afro-
americanos. O movimento trazia visibilidade aos artistas
negros então negligenciados pelos sistemas culturais da
época, que deliberadamente manifestavam suas tradições e
ocupavam seu lugar de fala, expondo seus martírios e suas
glórias, evocando mudanças radicais nas formas de
compreender as mais diversas manifestações artísticas – a
literatura, a dança, a pintura, o teatro.

W.E.B. DuBois | Fonte: Rede social Pinterest

Barba e bigode delineados como os de um príncipe


vitoriano, ternos de refinada alfaiataria, gravata de laço em
padrão smoking. Um irrepreensível lorde. Mas em versão
negra! Dentre os grandes articuladores desse movimento,
destaca-se o escritor William Edward Burghardt DuBois
(1868-1963) – ou simplesmente, como é mais conhecido,
W.E.B. Dubois. Além de ser um dos autores fundamentais do
que hoje se compreende como "consciência negra" com sua
prodigiosa obra The Souls Of the Black Folk ("As Almas do
Povo Negro") – um tratado sociológico publicado em 1903
sobre as condições da população negra nos Estados
Unidos após a Guerra Civil onde o autor fundamenta sua
conhecida teoria sobre os negros e sua "dupla consciência"
sobre pertencer e ao mesmo tempo ser excluído pela
sociedade branca -, DuBois viveu como um dândi de rara
elegância e assinou um importante conto envolvendo a
questão do dandismo negro.
Em sua novela Dark Princess (1925), o protagonista Matthew
Towns é apresentado como um ativista-dândi negro, sempre
elegantemente vestido, que lidera uma revolução do Povo
Escuro do Mundo na qual as pessoas de cor negra podem
reivindicar seu lugar e seus direitos de igual para igual,
numa narrativa considerada um tanto quanto arrojada para
o ano de sua publicação. Lançada no auge do Harlem
Renaissance, a novela tinha nesse protagonista – descrito
como um homem elegante trajado de terno, luvas, bengala e
gravata carmesim escuro – a imagem retórica do próprio
DuBois, que também acreditava na composição de um
visual requintado como uma manifestação política inclusiva
e questionadora da exclusão imposta aos negros de seu
tempo.

O jovem Dubois em sua melhor versão dandificada (Paris, 1900) | Fonte: W. E. B. Du


Bois Library, University of Massachusetts (reprodução no livro Slaves to Fashion: Black
Dandyism and the Styling of Black Diasporic Identity (2009), de Monica L. Miller,
pg.166)

Neste mesmo ano de 1925, outra importante


publicação – a antologia The New Negro é editada pelo
intelectual e escritor Alain LeRoy Locke (1886-1954),
apresentando o trabalho inicial de alguns dos mais
talentosos escritores negros do Harlem. A publicação é
considerada um evento estelar na história da cultura
americana, e Locke é tido como uma espécie de profeta da
democracia social e racial nos Estados Unidos, o cérebro
por trás do Harlem Renaissance, sendo por vezes referido
como um Martin Luther King da cultura americana. Sua
trajetória como acadêmico, professor, filósofo e apologista
absoluto da cultura negra o consagrou como uma das
figuras mais eminentes da história de seu país. O artista
Winold Reiss compôs um famoso portrait de Alain Locke no
qual o pensador apresentava-se como de costume: vestido
imaculadamente.

"A portrait of Alain Locke" (Winold Reiss) | Fonte: National Portrait Gallery

O Harlem Renaissance foi uma espécie de "modernismo


negro americano" que, embora originado no Harlem,
estendeu-se por todas as regiões urbanas dos Estados
Unidos, consolidando a base do que hoje fundamenta a
visão afirmativa e identitária sobre a cultura afro-americana.
Além da literatura e da dramaturgia (teatro e dança), teve
influência estética, inclusive, na moda, com o surgimento
dos black dandies, sobre os quais o escritor Richard J.
Powell escreveu importante artigo intitulado Sartor Africanus
(2001), no qual constrói uma linha cronológica cuja trajetória
também atravessa o Harlem Renaissance e chega atém
nossos dias. Mas não sem antes mencionar o nome
precursor do extraordinário orador e estadista americano
Frederick Douglass (1818-1895), que escapou da
escravidão e integrou o movimento abolicionista em pleno
século XIX, um lendário ativista histórico norte-americano.
Sua poderosa oratória o tornou consultor do presidente
Abraham Lincoln, e o convívio com os poderes de alto
escalão de seu tempo o enobreceu ao ponto de se tornar
uma eminência, sempre vistoso e elegantemente trajado.

Frederick Douglass | fonte: Rede Social Pinterest

É relevante citar que o termo sartor, de origem latina,


utilizado no artigo de Powell, é um rebuscamento literário
para tailor (alfaiate), muito comum na literatura de moda
quando se refere à mais alta e sofisticada alfaiataria.
Em nosso próximo texto, abordaremos o papel do terno nas
expressões afirmativas e identitárias de duas importantes
manifestações musicais ocorridas nos Estados Unidos e no
Brasil: os zoot suits dos cantores de jazz e os ternos
brancos dos sambistas brasileiros.

LEIA TAMBÉM:

DANDISMO NEGRO – Parte 1: "Origens" –


http://gvcult.blogosfera.uol.com.br/2021/01/29/dandismo-
negro-parte-1-origens/

Referências bibliográficas

DU BOIS, W.E.B. The Souls of Black Folk. Seattle: Amazon


Classics, acesso em 2021.

GLASRUD, Bruce A. WINTZ, Cary D. The Harlem


Renaissance in the American West: the new Negro's western
experience. New York/London: Routledge Taylor & Francis,
2012.

MOLESWORTH, Charles (Ed). The Works of Alain Locke.


New York: Oxford University Press, 2012.

POWELL, Richard J. "Sartor Africanus". In: Dandies: Fashion


and Finesse in Art and Culture, ed. Susan Fillin-Yeh. New
York: New York University Press, 2001, 217-242.

RAMSDEN, Kevin. The "New Negro": A Study of the


Changing Social, Economic and Political Status of the
African-American in the Early 20th Century. The Ritsumeikan
Journal of International Studies. Vol.14 No.4. P.49.

Edição Final: Guilherme Mazzeo

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