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Radiobiologia clínica

Introdução ao futuro

Rui P Rodrigues
Unidade de Radioterapia
Hospital CUF Descobertas

http://rt.no.sapo.pt
DEFINIÇÃO

Radiobiologia

estudo dos efeitos da radiação

em organismos vivos
Noções básicas
 Célula : Ø ~0.025 mm (1 mm = 40 células em fila)

 O núcleo ocupa 10 a 90% do volume celular


Noções básicas
 No núcleo o DNA está enrolado numa hélice
dupla, 100 vezes menor que a célula

 RX: probabilidade baixa de afectar o DNA


(ef.directo)

 Efeitos da radiação sobre o DNA


predominantemente por acção de moléculas
circundantes (ef.indirecto)

H2O → ionização → reactividade


Noções básicas

 Uma partícula ionizada pode causar uma ou mais ionizações em


cada molécula de DNA que atravessa

 O mecanismo major de lesão do DNA é a quebra das cadeias da


dupla hélice

 A quebra de uma única cadeia (single strand break) é reparada


eficazmente por mecanismos intracelulares

 A quebra de ambas as cadeias do DNA é menos eficaz levando


com maior probabilidade à morte celular
RADIOBIOLOGIA CLÍNICA
 O objectivo da radioterapia é o controlo tumoral com dano mínimo
nos tecidos normais

 A combinação de diferentes modalidades de tratamento melhora o


índice terapêutico

 Diferentes perfis genéticos condicionam respostas diferentes ao


tratamento
Resumo

 Novas estratégias no tratamento do cancro

 Impacto da imagiologia molecular na prática da


radioterapia

 Modelos de simulação computorizada para


optimização do tratamento
Léxico
 Terapêutica molecular dirigida (targeted therapy)

 Microclima tumoral

 Agentes bioredutores

 Ensaios clínicos

 Microarrajos de DNA (microarrays)

 Tecnologia proteómica

 Pesquisa de Alvos moleculares

 Definição de Perfis moleculares individualizados


Questões

 Diferentes cancros evoluem e respondem de forma


diferente ao mesmo tratamento

 Tumores parentemente idênticos têm evoluções


diferentes em hospedeiros diferentes

 Quais as moléculas envolvidas e suas funções ?

 Quais as sequências (cascatas) de sinalização intra- e


inter- celular que regulam a sensibilidade dos tecidos ?
Soluções

 As técnicas de biologia molecular têm


progredido rapidamente

 Projecto do Genoma Humano: mapeamento dos


genes nas células humanas com impacto
definitivo no tratamento do cancro
Revolução na radioterapia

 O tratamento personalizado do cancro pode ser


conseguido explorando os novos conhecimentos

 Mecanismos de reparação do DNA


 Controlo do ciclo celular
 Transdução de sinais intracelulares
 Microclima tumoral
 Terapêutica molecular dirigida
TERAPÊUTICA MOLECULAR DIRIGIDA

 Uso de fármacos que actuam em processos


específicos do crescimento e desenvolvimento
do cancro:

 Inibidores dos receptores da tirosina-quinase

 Inibidores da angiogénese

 Inibidores dos proteosomas

 Imunoterapia
Inibidores dos receptores da tirosina-quinase

 O crescimento celular nos tecidos normais é controlado pelo


equilíbrio entre factores promotores e inibidores do crescimento

 Quando este equilíbrio é perturbado as células podem crescer


descontroladamente (cancro)

 Um dos factores chave do crescimento celular é a dupla:


 Factor de Crescimento Epidérmico [(EGF) epidermal growth factor]
 Receptor do EGF na membrana celular [(EGFR) EGF receptor
Inibidores dos receptores da tirosina-quinase

 Estas proteinas estão localizadas na membrana celular

 São constituidas por três porções ou domínios:


 Extracelular (domínio de ligação ou ligando)
 Intramembranar
 Intracelular (actividade tirosina quinase)

 A activação do EGFR → cascata de sinalização intracelular:


 Inibição da apoptose
 Estimulação da proliferação celular
 Angiogénese
 Diferenciação celular
 Migração celular
Inibidores dos receptores da tirosina-quinase
Inibidores dos receptores da tirosina-quinase

 O status funcional do EGFR pode ser medido (imunohistoquímica)

 Tratamento dirigido ao EGFR:


 Anticorpos monoclonais dirigidos ao domínio externo do receptor
(cetuximab, trastuzumab)
 Moléculas inibidoras da tirosina quinase (domínio interno)

 A actividade da EGFR-TK nos tumores pode comprometer os


resultados do tratamento com radiações:
 Bloqueio do efeito citotóxico da radiação
 Aumento da repopulação tumoral
Inibidores dos receptores da tirosina-quinase

 Acredita-se que a exposição a radiações ionizantes activa o EGFR


e como consequência activa a cadeia de sinalização intracelular
envolvida na defesa celular contra a agressão.

 O tratamento simultâneo com um fármaco inibidor da tirosina


quinase pode prevenir a activação do EGFR induzida pela radiação.

 Combinando o ZD1839 com radioterapia pode melhorar as


respostas em tumores de pulmão não pequenas células, tumores
de cabeça e pescoço e outros tumores sólidos
Inibidores da angiogénese

 Angiogénese: formação de novos vasos sanguíneos a partir de


vasos pré-existentes

 Rara em adultos

 Ocorre durante a cicatrização de feridas, inflamação, ovulação,


gravidez ou isquémia.

 Nos tumores assegura aporte de nutrientes e oxigénio e remoção


de subprodutos do metabolismo

 É regulada por moléculas activadoras e inibidoras actuando sobre


certos genes no tecido hospedeiro
Inibidores da angiogénese

 As células neoplásicas segregam para os tecidos circundantes


moléculas estimuladoras de crescimento vascular:
 Factor de Crescimento do Endotélio Vascular
 [vascular endothelial growth factor (VEGF)]

 Factor de Básico de Crescimento dos Fibroblastos


 [basic fibroblast growth factor (bFGF)]

 A ligação do factor de crescimento a um receptor de parede activa


a via de sinalização intracelular → formação de células endoteliais
 As células endoteliais activadas produzem enzimas capazes de
degradar a matriz extracelular dos tecidos circundantes.
 Isto permite às células endoteliais migrar, dividirem-se e
organizarem-se para formar uma nova rede vascular.
Inibidores da angiogénese

 Inibir a angiogénese pode atrasar ou prevenir o crescimento das


células tumorais
 As proteinas naturais que inibem a angiogénese:
 angiostatina / endostatina / trombospondina

 Mecanismo de acção dos inibidores da angiogénese:


 Inibição directa da função das células endoteliais
 promovendo a apoptose / destruição celular

 Bloqueio da cascata de sinalização da angiogénese


 interferência com os receptodes de membrana das células endoteliais
 inibição de produção de factores pró-angiogénicos

 Bloqueio da destruição da matriz extracelular


 por inibição da actividade das enzimas degradativas
Inibidores dos proteosomas

 Proteosoma = destruidor de proteinas

 Complexo enzimático celular responsável pela decomposição das


proteinas (regulação funcional)

 As proteinas são destruidas quando já não são necessárias:


 Proteinas sinalizadoras
 Enzimas
 Proteinas estruturais

 O compromisso deste sistema pode transformar a célula


Inibidores dos proteosomas

 Os inibidores dos proteosomas provocam:


 Indução da apoptose
 Reversão da resistência a certas drogas
 Alteração do microclima celular, bloqueando
 Os circuitos das citoquinas
 A adesão celular
 A angiogenese

 Ensaios fase III de inibidores dos proteosomas – Bortezomib


 Resultados impressionantes no tratamento do mieloma múltiplo, em
comparação com a dexametasona em altas doses.
 Efeitos adversos registados durante ensaios fase II (neuropatia
periférica, acidentes vasculares cerebrais, dôr abdominal grau 3)
Imunoterapia

 Não interfere com os sinais activadores do crescimento

 Inicia um sinal imunitário → reacções imunitárias anti-tumorais →


destruição das células tumorais

 Pode ser lançado um ataque duplo usando agentes


radioimunoterapêuticos

 A droga imunoterápica é ligada a uma substância radioactiva


 resposta imunitária anti-tumoral
 reacção anti-tumoral da radiação depositada selectivamente
MICROCLIMA TUMORAL

 O microclima tumoral é a caracterização das condições metabólicas


e fisiológicas no interior dos tumores sólidos

 Na maioria dos tumores existe:

 Concentração baixa de glucose


 Concentração elevada de ácido láctico
 pH extracelular baixo (acidose)
 Tensão de oxigénio baixa
Hipóxia tumoral

 Factores que causam hipóxia tumoral (tensão O2 < 2.5 mm Hg)


 Estrutura e função anormal da microvascularização tumoral
 Aumento das distâncias de difusão entre os vasos e as células
tumorais
 Redução da capacidade de transporte de oxigénio do sangue

 Consequências da hipóxia:
 Redução da formação de radicais livres (mecanismo directo)
 Alterações na expressão dos genes
 Instabilidade genética (indução de resistência ao tratamento e
desenvolvimento de fenotipos mais agressivos)
Hipóxia tumoral

 Estratégias para contornar a hipóxia:


 Aumentar a distribuição de oxigénio ou drogas oxigeno-miméticas
 Oxigénio hiperbárico (baixa eficácia)
 Radiossensibilizantes com afinidade electrónica elevada (limitado)
 Nitroimidazois (apenas alguns – nimorazole - provaram um efeito significativo
em radioterapia de cancros supraglóticos, da laringe e da faringe)

 Explorar as condições locais com terapêutica dirigida (targeted therapy)


 Drogas bioreductoras (activação intratumoral)

 Pró-drogas: exploram a capacidade dos tumores sólidos terem um


metabolismo redutor que activa a forma citotóxica do fármaco
através de genes-suicidas hipoxia-dependentes
Hipóxia tumoral

 O metabolismo bioredutor apenas ocorre na ausência de oxigénio

 A activação de pró-drogas está facilitada na maioria dos tumores


com células hipóxicas.

 Compostos em desenvolvimento:
 Mitomicina C
 Tirapazamine (quebra da cadeia do DNA)
 Ensaios fase II/III: combinada com cisplatina em tumores de pulmão,
mama, C&P e melanoma

 Ensaios fase II: combinada com radioterapia em tumores de C&P, colo


uterino, glioblastoma
IMAGIOLOGIA MOLECULAR

 Aplicações básicas (sondas moleculares):


 Diagnóstico: localização / distribuição das moléculas alvo
 Tratamento: adicionando um agente terapêutico à sonda molecular

 A aplicação prática destas tecnologias permitiu desenvolver


métodos de visualização tumoral para além da morfologia:
 PET (positron emission tomography)
 SPECT (single-photon emission computed tomography)
 MRS (magnetic resonance spectroscopy)

 Permite ‘ver’ os sistemas biológicos funcionais intratumorais dando


informação sobre Metabolismo / Fisiologia / Biologia molecular
 Complementa a informação anatómica convencional (TAC, RMN)
PET – FDG

 O marcador mais popular em PET é o FDG (18-fluor fluorodeoxyglucose)

 Análogo da glicose transportado para dentro da célula pelo gluc-1

 O gluc-1 tem uma expressão aumentada nos tumores malignos

 A PET-FDG tem um impacto significativo na determinação do GTV


e PTV em tumores de pulmão:
 Detecção de envolvimento ganglionar
 Diferenciação entre tecido maligno e atelectasia
 Detecção de tumor viável após tratamento
PET – CT
IMAGIOLOGIA MOLECULAR

A imagiologia de áreas tumorais hipóxicas,

com proliferação activa, angiogénese, apoptose

ou expressão genética alterada

leva à identificação de heterogeneidades tumorais

que poderão ser tratadas de uma forma individualizada

usando radioterapia de intensidade modulada.


SIMULAÇÃO DA RESPOSTA TUMORAL À RADIOTERAPIA

 Modelos para caracterização do crescimento tumoral e resposta à


radioterapia que permitam optimizar o tratamento, baseados em:
 Imagiologia tumoral
 Dados histopatológicos e genéticos do doente
 Macanismos biológicos fundamentais (cinética tumoral, modelo linear-quadrático)
 Testes de validação clínica foram animadores (GBM)

 A adaptação deste modelo a dados clínicos reais irá melhorar a sua


fiabilidade, que irá depender dos dados fornecidos:
 Informação biológica do doente
 Perfis genéticos
 Qualidade dos sistemas de imagiologia (molecular)
SIMULAÇÃO DA RESPOSTA TUMORAL À RADIOTERAPIA

 ESTRO - Projecto GENEPI


genetic pathways for the prediction of the effects of irradiation

 Banco de tecidos

 Dados clínicos detalhados após radioterapia (resposta tumoral;


reacções nos tecidos sãos)

 Dados dosimétricos e de follow-up


CONCLUSÕES

 A biologia molecular é a chave para o diagnóstico e tratamento


dirigido e individualizado do cancro.

 O futuro da radioterapia reside na exploração dos conhecimentos


de genética e do microclima tumoral.

 Usando estudos de proteómica e a bioinformática poderão ser


encontrados os alvos moleculares ideais.

 Modelos informáticos dependem da caracterização dos perfis


moleculares predictivos da resposta dos tecidos às radiações.

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