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QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA:

_________________________________________________________
Políticas educacionais, didática e formação de professores
Conselho Editorial:
Akiko Santos - UFRRJ
Ângela Imaculada Dalben - UFMG
Bernhard Fichtner - Universidade de Siegen/Alemanha
Celi Nelza Zulke Taffarel - UFBA
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José Carlos Libâneo - PUC-Goiás
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Mirza Seabra Toschi - UEG
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Marilza Vanessa Rosa Suanno - UFG/UEG
Monique Andries Nogueira - UFRJ
Sandra Valéria Limonta - UFG
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Vera Candau - PUC-Rio de Janeiro
Viviana González Maura - UH/Cuba

Editor Presidente do Conselho Editorial Presidente


Gil Barreto Ribeiro Antonio Almeida

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Waldeci Barros
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José Alcides Ribeiro - USP
Luiz Carlos Santana - UNESP/Rio Claro
Dra. Maria José Braga Viana - UFMG
Pedro Guareschi - UFRGS
José Carlos Libâneo
Marilza Vanessa Rosa Suanno
Sandra Valéria Limonta
(Organizadores)

QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA:


_________________________________________________________
Políticas educacionais, didática e formação de professores

1ª Edição

Goiânia - Goiás
Ceped Publicações / Gráfica e Editora América Ltda / Editora Kelps
- 2013 -
© 2013, José Carlos Libâneo, Marilza Vanessa Rosa Suanno,
Sandra Valéria Limonta

Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei nº 9.610 de 19/02/1998,


artigo 29 e seus incisos. Nenhuma parte deste livro, sem autorização prévia por
escrito do autor(a), poderá ser reproduzida ou transmitida sejam quais forem os
meios empregados: eletrônicos, mecânicos, fotográfico, gravação ou quaisquer
outros.

Revisão: Os Autores
Projeto gráfico e capa: Franco Jr.
Impressão e acabamento: Gráfica e Editora América Ltda.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Qualidade na escola pública : políticas educacionais, didática e formação


de professores / Organizadores José Carlos Libâneo, Marilza
Vanessa Rosa Suanno, Sandra Valéria Limonta. – Goiânia : Ceped
Publicações ; Gráfica e Editora América : Kelps, 2013.
229p.

Inclui referência bibliográfica


ISBN: 978-85-4000-813-7

1. Escola Pública. 2. Educação – política educacional. 3. Educação


– professores – formação. I. Libâneo, José Carlos (org.). II. Suanno,
Marilza Vanessa Rosa (org.). III. Limonta, Sandra Valéria (org).

CDU 371.217.42

Índice para catálogo sistemático

1. Escola Pública.......................................................371.217.42
2. Educação – política educacional...............................37.014.5
3. Educação – professores – formação...............................377.8

Impresso no Brasil
Printed in Brazil
2013
SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO....................................................................... 7

Capítulo I
QUALIDADE DA EDUCAÇÃO PÚBLICA: ESTADO E
ORGANISMOS MULTILATERAIS............................................... 13
Olinda Evangelista

Capítulo II
INTERNACIONALIZAÇÃO DAS POLÍTICAS EDUCACIONAIS
E REPERCUSSÕES NO FUNCIONAMENTO CURRICULAR E
PEDAGÓGICO DAS ESCOLAS.................................................. 47
José Carlos Libâneo

Capítulo III
A CONSTRUÇÃO DA ESCOLA PÚBLICA BRASILEIRA:
A CONTRIBUIÇÃO DE ANÍSIO TEIXEIRA................................... 73
Elianda Figueiredo Arantes Tiballi

Capítulo IV
POLÍTICAS PÚBLICAS, DIRETRIZES E NECESSIDADES DA
EDUCAÇÃO BÁSICA E FORMAÇÃO DE PROFESSORES............. 91
Selma Garrido Pimenta
Sumário

Capítulo V
CURRÍCULO E FORMAÇÃO DE PROFESSORES:
NOTAS PARA DISCUSSÃO..................................................... 107
Antonio Flavio Barbosa Moreira

Capítulo VI
ALGUMAS IDEIAS FORÇA E PONTOS DE TENSÃO
RELACIONAL EM DIDÁTICA, CURRÍCULO E FORMAÇÃO
DE PROFESSORES................................................................. 131
Maria Rita Neto Sales Oliveira

Capítulo VII
DIDÁTICA E FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA
O ENSINO SUPERIOR............................................................ 149
Léa das Graças Camargos Anastasiou

Capítulo VIII
FORMAÇÃO DE PROFESSORES, TRABALHO DOCENTE
E QUALIDADE DO ENSINO.................................................... 173
Sandra Valéria Limonta
Kátia Augusta Curado Pinheiro Cordeiro da Silva

Capítulo IX
DIDÁTICA NA EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA – UMA
REFLEXÃO NECESSÁRIA........................................................ 189
Mirza Seabra Toschi

Capitulo X
EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA E DIDÁTICA: ANOTAÇÕES
SOBRE ESPECIFICIDADES...................................................... 207
Kátia Morosov Alonso

SOBRE OS ORGANIZADORES E AUTORES.............................. 223

6 QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores


Apresentação

O Encontro Estadual de Didática e Prática de Ensino (EDIPE)


é um evento acadêmico-científico e de formação de professores
da Educação Básica já tradicional no estado de Goiás. Em 2003, o
I EDIPE, realizado em Goiânia na Pontifícia Universidade Católica de
Goiás, teve como temática geral “Por uma integração dos campos da
didática, das didáticas específicas e das práticas de ensino”. Em 2007,
o II e o III EDIPE, realizados em Anápolis na Universidade Estadual
de Goiás, tiveram como temas, respectivamente, “A Didática e os di-
ferentes espaços, tempos e modos de aprender e ensinar” e “Professor:
entre os desafios do cotidiano escolar e a realização profissional”.
Em 2011, IV EDIPE, realizado em Goiânia, também nas dependências
da PUC-Goiás, teve como tema geral: “Para uma sociedade comple-
xa, que escola, que ensino?”. Neste ano de 2013 o V EDIPE realiza-
-se em Goiânia, no período de 27 a 30 de agosto, nas dependências da
Universidade Federal de Goiás, com o tema “Didática e formação de
professores: a qualidade da educação em debate”.
O EDIPE, ao longo destes dez anos, tem sido organizado por um
grupo permanente de estudiosos e pesquisadores da Didática que com-
põem o CEPED (Centro de Estudos e Pesquisas em Didática) e que
conta com a participação de professores universitários e da Educação
Básica, bem como alunos de graduação e pós-graduação. Além de cons-
tituir um coletivo interessado neste campo de estudos, o CEPED agre-
Apresentação

ga pesquisadores vinculados às quatro maiores instituições universi-


tárias do estado: Universidade Federal de Goiás (UFG), Pontifícia
Universidade Católica de Goiás (PUC-GO), Universidade Estadual de
Goiás (UEG) e Centro Universitário de Anápolis (UniEVANGÉLICA),
que tradicionalmente têm organizado o EDIPE, num esforço intelectual
e institucional coletivo. Neste V EDIPE contamos também com a par-
ceria do Instituto Federal de Goiás (IFG) e do Instituto Federal Goiano
(IFGoiano), instituições que também se voltam para a formação de pro-
fessores.
São objetivos do CEPED: a) promover estudos e pesquisas sobre
questões teóricas e práticas relacionadas com o ensino e a pesquisa em
didática e disciplinas conexas, formação de professores, organização
do trabalho escolar e docente, visando a melhoria da qualidade do en-
sino básico; b) analisar a problemática do ensino da didática em função
do papel que desempenha nos cursos de formação de professores, pro-
pondo perspectivas de ação conjugando ensino e pesquisa; c) produzir
textos e relatórios sobre os resultados das investigações e fazer sua di-
fusão entre os docentes e pesquisadores; d) realizar congressos, semi-
nários encontros ou outra modalidade de reunião, visando à discussão
de temas, propostas e experiências inovadoras e difusão do conheci-
mento na área.
O grande objetivo neste V EDIPE continua sendo promover a re-
lação entre a universidade e a escola de Educação Básica, na perspecti-
va da necessária relação entre a pesquisa que se produz nas instituições
de ensino superior e o trabalho educativo que se realiza nas escolas.
Nesse sentido, organizamos as atividades do evento de forma a contem-
plar e reunir a produção acadêmico-científica dos conferencistas, dos
professores universitários e de alunos de graduação e pós-graduação
com a experiência e a busca de formação dos professores da Educação
Básica. Durante os quatro dias de atividades, objetivamos promover
um amplo debate a respeito das relações entre a Didática, a formação
de professores e a qualidade da educação; divulgar pesquisas e práticas
que têm sido realizadas nas instituições de ensino superior e nas esco-
las de Educação Básica; possibilitar o enriquecimento da formação dos

8 QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores


Apresentação

professores da Educação Básica no diálogo entre a teoria e a prática, a


universidade e a escola.
No presente livro, foram reunidos os textos dos palestrantes do
evento e de outros pesquisadores convidados, que no mesmo espírito de
partilha de conhecimentos e experiências do evento, nos brindam com
um precioso e inédito conjunto de reflexões sobre a qualidade da escola
pública e suas interfaces com a política educacional brasileira, a didáti-
ca e a formação de professores, que certamente contribuirá para revigo-
rar nosso trabalho como educadores, seja na universidade ou na escola
de Educação Básica.
No texto Qualidade da escola pública: estado e organismos mul-
tilaterais, Olinda Evangelista apresenta o contexto histórico da atuação
dos organismos multilaterais na educação brasileira, do regime mili-
tar aos nossos dias, ressaltando o papel do Estado e do capital na edu-
cação de educadores. Após analisar especificamente o papel do Banco
Mundial na educação brasileira desde os anos 1990 e a projeção de suas
políticas para o Brasil para o ano 2020, apresenta as consequências para
a educação brasileira das relações entre agências multilaterais, o Estado
e as políticas educacionais.
José Carlos Libâneo, em seu texto intitulado Internacionalização
das políticas educacionais e repercussões no funcionamento curricular
e pedagógico das escolas começa explicitando as relações entre os or-
ganismos internacionais e as políticas educacionais para, em seguida,
caracterizar as orientações do Banco Mundial para seu programa de re-
dução da pobreza por meio da educação. Na segunda parte, identifica
nessas orientações os princípios e ações que remetem ao funcionamen-
to curricular e pedagógico das escolas e os impactos negativos na qua-
lidade do ensino.
Elianda Figueiredo Arantes Tiballi, no texto A construção da es-
cola pública brasileira: a contribuição de Anísio Teixeira, revisita a
obra de Anísio Teixeira partindo de sua contextualização histórica e
social visando situar seu papel no processo de construção e reconstru-
ção da escola pública brasileira. Retomando os postulados teóricos de
Anísio com base em Dewey e suas iniciativas na busca de soluções para

QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores 9


Apresentação

os problemas da escola brasileira, a autora delineia modos de compre-


ender o papel desse brilhante intelectual na efetivação no Brasil de um
sistema público de ensino e de uma escola democrática para todos.
Em Políticas públicas, diretrizes e necessidades da educação bá-
sica e formação de professores, Selma Garrido Pimenta faz uma análi-
se das políticas públicas para a Educação Básica tendo como referência
suas crenças e posicionamentos sobre a natureza e funções da educação
escolar. Daí aponta elementos para a elaboração de políticas que consi-
derem novas exigências educacionais postas à escola. Apresenta, final-
mente, os desdobramentos de sua visão de escola para a contempora-
neidade no trabalho concreto nas escola e as implicações para a forma-
ção inicial e continuada de professores.
Em Didática, currículo e formação de professores, Antonio
Flavio Barbosa Moreira considera que o currículo constitui uma influ-
ência significativa na dinâmica motivadora, particularmente por meio
de seus elementos constitutivos, ressaltando também as visões docen-
tes relativas ao sucesso escolar, ao conhecimento válido de ser ensi-
nado e aprendido, assim como às noções do que sejam uma boa aula,
uma boa resposta, uma boa conduta, um bom desempenho. Para o au-
tor, o processo de reinvenção da escola demanda focalizar e renovar o
currículo e o trabalho pedagógico, com vistas ao desenvolvimento da
dinâmica motivacional dos estudantes e uma escola reinventada e atu-
alizada é uma escola motivadora, na qual os alunos ingressam, perma-
necem e aprendem.
Maria Rita Sales de Oliveira, em seu texto intitulado Algumas
ideias força e pontos de tensão relacional em didática, currículo e for-
mação de professores, tem como objetivo contribuir para a reflexão e a
discussão de alguns aspectos teórico-práticos que permeiam o trabalho
docente e que são tratados por diferentes campos na área da educação,
entre as quais, a Didática e o Currículo, à luz de diferentes objetivos
educacionais, que evidenciam a educação como um campo de dispu-
tas de interesses, na formação social brasileira de relações entre grupos,
classes e culturas. São pontos de partida não dicotomizados do texto:
uma motivação teórica, ou seja, as discussões sobre Didática, Currículo

10 QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores


Apresentação

e Formação de Professores, e uma motivação da prática: o contexto de


manifestações populares que vêm ocorrendo em todo o país nos últi-
mos meses.
No texto Didática e formação de professores para o ensino supe-
rior, Léa das Graças Camargos Anastasiou trabalha a questão da forma-
ção continuada dos docentes universitários e o papel da didática neste
contexto, apoiando-se nos dados das vivências de formação continuada,
em especial a realizada com docentes da USP no 3º Curso de Pedagogia
Universitária, em 2009. Pontuando os feedbacks recebidos no final do
processo, a autora busca associá-los aos elementos metacognitivos ob-
tidos nos registros docentes efetivados e referentes aos quatro pólos
destacados por Meirieu (o psicológico, o axiológico, o praxiológico e o
epistemológico), próprios da construção dos saberes da docência, efeti-
vados durante o processo, demonstrando valores que representam a cul-
tura do educador e de seu papel na educação superior.
Sandra Valéria Limonta e Kátia Augusta C. P. Cordeiro da Silva
em Formação de professores, trabalho docente e qualidade do ensino
apresentam uma reflexão sobre a qualidade do ensino fundamentada
numa concepção crítico-emancipadora de formação de professores e de
trabalho docente, construída numa base teórico-metodológica marxis-
ta. A partir da compreensão da dialética formação-trabalho, as autoras
buscam explicitar que, para um ensino de qualidade, se faz necessária
a constituição de uma sólida base teórico-epistemológica no percurso
do processo formativo que se materializa no processo de trabalho. No
texto, a formação e o trabalho dos professores na perspectiva crítico-
-emancipadora é compreendido como uma unidade, um único proces-
so de desenvolvimento pessoal, intelectual, técnico e político-social e a
qualidade do ensino se constitui nesta dialética formação-trabalho, que
deve ser o fio condutor tanto dos cursos de formação (inicial ou conti-
nuada) quanto dos processos de ensino na escola.
Em Didática na Educação a Distância – uma reflexão necessá-
ria, Mirza Seabra Toschi analisa as mudanças pelas quais passam as
possibilidades de ensino e aprendizagem depois das perspectivas inte-
rativas da rede de computadores. Para a autora, a mediação do professor

QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores 11


Apresentação

na relação aluno/conhecimento pode ou não existir e a certificação não


é o mais importante, como tem sido para muitos alunos de cursos pre-
senciais, mas o que muda intensamente é a noção do tempo e do espa-
ço, e a necessidade de conexão com a Interne e não são os meios eletrô-
nicos, com potencial altamente colaborativo, que fazem um bom curso
a distância, mas sim outras variáveis, como o projeto do curso e a dis-
posição dos agentes para o diálogo, bem como a política da instituição
que oferece o curso.
Kátia Morosov Alonso, no texto Educação a distância e didá-
tica: anotações sobre especificidades, trata de alguns aspectos rela-
cionados aos processos do ensinar e aprender na educação a distân-
cia, compreendendo-os como especificidades quando da organização
de oferta de formação com o uso dela. O texto reporta à discussão do
uso das TDIC, tratando de aprendizagens mediadas tecnologicamen-
te, isso como possibilidades dessas tecnologias nos processos do ensi-
nar e aprender quando associadas às relações entre “agentes educacio-
nais”, constituindo “espaços de convivência” entre eles e, para a autora,
aí se revela a necessidade de pensar projetos/programas de formação
que, longe dos modelos centralizadores e estandardizados que marcam
a maior parte das experiências brasileiras quando do uso de mediações
técnicas, sejam estabelecidos processos que tenham por base a ação do-
cente e convivências que impliquem aprendizagens significativas.
Os textos que compõem este livro nos revelam que são muitos os
desafios a enfrentar e ao mesmo tempo nos fornecem ideias, caminhos e
horizontes na construção de uma escola pública de qualidade para todo
o povo brasileiro.

José Carlos Libâneo


Marilza Vanessa Rosa Suanno
Sandra Valéria Limonta

12 QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores


Capítulo I

QUALIDADE DA EDUCAÇÃO PÚBLICA:


ESTADO E ORGANISMOS MULTILATERAIS
Olinda Evangelista1 (UFSC)

Introdução
1

Recente dossiê publicado pela Folha de S. Paulo em 4 de agos-


to de 2013 (QUEM EDUCA..., 2013), lançou a questão: quem educa o
educador? Essa foi uma pergunta importante nos anos de 1980. De fi-
nais de 1970 e início dos anos de 1980, cresceu no Brasil um forte mo-
vimento educacional de crítica ao que então se denominou “Pedagogia
Tecnicista”.
Para entendermos esse processo, precisamos voltar brevemente
ao momento político dos anos 60 do século passado, cujas raízes re-
montam à década de 50. O rico movimento social daquela década, em
geral sob a bandeira das reformas de base, foi brutalmente destruído
pelo Golpe de Estado de abril de 1964, construindo-se a “Doutrina da
Revolução” – Segurança (social e política) e Desenvolvimento (econô-
mico). Nas comemorações do quinto ano da “Revolução de março”, o
general Carlos de Meira Mattos (1969, p. 15) escreveu: “Sob o escudo
da Segurança, mobilizar a Nação para um período de Desenvolvimento
sem precedentes, em tudo respeitando a meta-Homem”. Meira Mattos

Texto preparado para a Conferência de Abertura do V EDIPE - Encontro Estadual de Didática e Práti-
1

cas de Ensino. Tema: Didática e formação de professores: a qualidade da Educação em debate. Cen-
tro de Convenções da Universidade Federal de Goiás (UFG) - Campus Samambaia, Goiânia, 27 a 30
de agosto de 2013.
Olinda Evangelista

(1969, p. 14), um dos intelectuais mais importantes do governo civil-


-militar e reformador da universidade brasileira, referia-se à “corrida
tecnológica e científica” que impunha ao Brasil “um ritmo acelerado à
expansão da educação e pesquisa, a fim de encurtar, progressivamen-
te, o nosso distanciamento na escalada das grandes potências super-
-industrializadas”. Embora se referisse mais diretamente à expansão
do ensino de terceiro grau no Brasil, conforme denominação da le-
gislação de então, essa abordagem atendeu a dois objetivos cristali-
nos: produzir pesquisa tecnológica e científica para inserir o país en-
tre as potências desenvolvidas e formar quadros intelectuais capazes
de conduzir tal inserção. Como se sabe, foi expressão importante da
reforma de 1º, 2º e 3º graus, quando houve os Acordos MEC-Usaid
(NOGUEIRA, 1999), viabilizados internamente pelas forças dominan-
tes. Rudolf Atcon, membro da United States Agency for International
Development (USAID) e consultor do Ministério da Educação, viajou
pelo Brasil e aqui encontrou terras férteis para a reforma educacional
projetada no interior de acordos burgueses nacionais e internacionais,
fortemente articulados aos interesses norte-americanos. Esse foi um
momento em que a presença de Organizações Multilaterais (OM) de
exportação de políticas educacionais ficou clara para os professores
brasileiros (ARAPIRACA, 1982).

1. Alguns elementos para pensar

Com os elementos históricos que apresentamos a seguir, te-


mos um objetivo estrito: criar um pequeno solo sobre o qual possamos
construir algumas reflexões para o debate que depois será aprofunda-
do. Não pretendemos esgotar as questões indicadas, mas tão somente
mencioná-las para que não percamos de vista o necessário esforço para
apreender as múltiplas determinações da Educação.
Retomando o trajeto, a razão instrumental, violenta, autoritá-
ria e transnacionalizante, que impôs o discricionarismo do AI-5 (FGV.
CPDOC, 2013), das aposentadorias compulsórias, dos exílios, mortes
e torturas, foi a mesma que deu vida ao projeto educativo do período.

14 QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores


Capítulo I
Qualidade da educação pública: estado e organismos multilaterais

O amordaçamento que tentou calar e subordinar a intelectualidade na-


cional ligada à educação foi, entretanto, vencido pela razão crítica.
Eclodiu no Brasil, nas universidades públicas e nas escolas básicas, um
sem-número de movimentos sociais, cuja atuação foi fundamental para
a crítica ao projeto educativo dos finais dos anos de 1960 e dos de 1970.
Nesse período, como vimos, a relação entre educação e economia se de-
senhava de maneira importante e concretizava-se na denominada de pe-
dagogia tecnicista, cuja matriz se fundava na teoria do capital humano
(MACHADO, 1982; GERMANO, 1992).
O movimento que tomava corpo e se espraiava Brasil afora te-
cia dura crítica a essa pedagogia por inúmeras razões, entre as quais
se encontrava a referente à concepção de sujeito ou de ser humano
valorizado apenas como força de trabalho, reduzido a trabalhador ex-
plorado, sem outras prerrogativas. A pedagogia tecnicista, depois de-
nominada por Saviani (2005) de concepção pedagógica produtivista
(1969-2001), visava à formação para o trabalho simples, subordinada
ao ideário do Brasil potência que precisava se desenvolver tecnologi-
camente para acompanhar os países avançados, mais precisamente os
EUA. Fazia parte desse movimento crítico a pergunta hoje reposta pela
Folha de S. Paulo: quem educa o educador? Entretanto, o que mobili-
zou esse periódico a levantá-la em nada se compara com o sentido de
que pensávamos na década de 1980. Interessava-nos discutir a perspec-
tiva marxista, expressa na terceira das Teses sobre Feuerbach, escritas
por Marx em 1945:

A teoria materialista de que os homens são produto das circunstâncias


e da educação e de que, portanto, homens modificados são produto de
circunstâncias diferentes e de educação modificada esquece que as cir-
cunstâncias são modificadas precisamente pelos homens e que o pró-
prio educador precisa ser educado. (MARX; ENGELS, 1989)

A resposta que conseguimos oferecer a esta questão, ressalva-


das as generalizações que podem obscurecer nosso entendimento, foi
a de que quem educava o educador era o Estado. Estávamos frente a
um Estado autoritário, cujo projeto educativo fora imposto, não ape-

QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores 15


Olinda Evangelista

nas legalmente, mas pela força física. Isso não impediu, contudo, que
no bojo das respostas oferecidas florescessem teorias educacionais crí-
ticas, das quais refiro como a mais importante: a pedagogia histórico-
-crítica (SAVIANI, 1991; 1996; 2000. LIBÂNEO, 1993), tal como for-
mulada por Saviani e companheiros de luta.
Se naquele momento, contudo, o Estado apareceu como nosso
alvo de crítica, nos dias que correm é possível formular outra resposta à
indagação. Podemos afirmar, sem sombras de dúvidas, que quem educa
o educador é o capital. Não nos enganemos, entretanto, sobre o seu an-
tagonista – o trabalho – que está presente na disputa política e tem mui-
to que dizer sobre o tema.

2. Dos anos de 1980 para os anos de 1990

A década de 1980 foi para nós, professores, um período de


construção de propostas educativas que, de um modo ou outro, ar-
ticulavam-se a projetos democráticos, às vezes mais, às vezes me-
nos focados nos processos de emancipação humana. Numa espécie
de segunda derrota, porém – a primeira seria o desenlace violento do
movimento dos anos de 1960 –, vimos o arrefecimento das perspec-
tivas críticas e a renovação das concepções articuladas aos interes-
ses do capital. Frigotto (2000) chamou a atenção para o rejuvenes-
cimento da teoria do capital humano nos anos de 1990, cujas con-
sequências, entre outras, foi o reforço de ideologias que pregavam o
fim do trabalho e, mesmo, o fim da história2. Saviani (2010) assinala
que, após 1990, houve a recuperação do pensamento escolanovista –

Segundo Motta (2009, p. 552-553) “A ‘teoria do capital humano’, no decorrer da expansão capitalis-
2

ta, sofreu vários ajustes conforme conjuntura econômica e política (Frigotto, 1986; 1998; 2000. Gen-
tili, 1998; 2002). No Brasil, sua penetração mais efetiva foi na década de 1970, compondo as bases
ideológicas do ‘desenvolvimentismo’ calcado num modelo de desenvolvimento amplamente con-
centrador e associado ao capital internacional. E serviu para justificar e legitimar políticas do Estado
(ditadura militar), na medida em que estas estariam situadas na ideia de democratização das opor-
tunidades educacionais como forma de distribuição de renda e de desenvolvimento social – vivia-se
a era do ‘pleno emprego’ e do ‘milagre econômico’. Nos anos 80 e 90, a ‘teoria do capital humano’
sofre ajustes em decorrência da mudança do regime de acumulação do capital – globalização – e da
inserção do novo padrão tecnológico de produção e de organização do trabalho – reestruturação
produtiva.”

16 QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores


Capítulo I
Qualidade da educação pública: estado e organismos multilaterais

neoescolanovismo – cujo lema “aprender a aprender” foi bastante di-


fundido pela Unesco no Brasil, especialmente após a publicação do
Relatório Delors (1996), assim como a emergência do neotecnicismo
(FREITAS, 2011). Consolida-se, em termos gerais, uma perspectiva
pedagógica cuja denominação varia: “pedagogia das competências”
(RAMOS, 2001), “pedagogia empresarial, organizacional ou corpo-
rativa” (FONSECA, 2007), “pedagogia de resultados” (ARANHA,
2002), entre outras. O que de fato estava em jogo na última década do
século XX, do ponto de vista do sistema público de ensino, era a rede-
finição da Escola, de modo a que sustentasse as injunções produzidas
pela reestruturação produtiva e pelo advento da perspectiva neolibe-
ral, bem como pela reforma do Estado.
Ao tratar do neoliberalismo no Brasil, Xavier e Deitos (2006)
assinalam que o seu programa educativo começa no Governo Collor
de Mello (1990-1992), primeiro presidente eleito pelo voto dire-
to, depois impedido politicamente pelo Congresso Nacional, e su-
cedido por Itamar Franco (1992-1995). Mas foi nos governos de
Fernando Henrique Cardoso (FHC) (1995-2002), do Partido da
Social Democracia Brasileira (PSDB), que o neoliberalismo se con-
solidou. Podemos dizer que datam desse período histórico – última
década do século XX e primeira do XXI – as novas negociações edu-
cacionais que tiveram no Banco Mundial (BM) um de seus principais
interlocutores.
As políticas de formação do professor, nesse âmbito, articula-
vam-se organicamente a um projeto histórico de classe. A lógica que
presidiu a reforma educacional, no âmbito da Reforma do Estado, em-
preendida por Bresser-Pereira (BRESSER-PEREIRA, 1998), apresen-
tou a educação e a escola como responsáveis pela produção dos pro-
blemas socioeconômicos. Sua falta ou sua má qualidade foram os ar-
gumentos detonadores de uma onda reformista após 1990, cuja inten-
ção era produzir a educação e a escola que solucionassem tais pro-
blemas (SHIROMA; MORAES; EVANGELISTA, 2002), lineamen-
tos que serão mantidos no Governo Lula (2003-2010), do Partido dos
Trabalhadores (PT).

QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores 17


Olinda Evangelista

3. Os argumentos para a reforma da Educação nos anos de 1990

Xavier e Deitos (2006) mostram como, de 1990 em diante, as


condições para reformas cruciais no Estado e na educação foram dadas
em estreita relação com as demandas do mercado. A suposta inexorabi-
lidade da globalização3 econômica teria gerado um mercado internacio-
nal extremamente competitivo como efeito da reestruturação produtiva,
avançada nos países centrais, cobrando do Brasil – para sua permanên-
cia na mesa das negociações – a abertura de novos nichos de mercado.
Os novos campos de atração de capitais foram substantivamente cria-
dos pelas privatizações de estatais e pela liberação do mercado educa-
cional e da saúde (ALMEIDA, 2010).
A reforma educacional disparada no Brasil estava em conso-
nância com as agências internacionais, particularmente as da América
Latina e Caribe. Essa primeira geração de reformas se lastreou num
consenso tanto em torno de sua necessidade quanto de seus conteúdos.
Praticamente todos os setores da educação foram atingidos: a gestão
dos sistemas de ensino, os currículos, os livros didáticos, a avaliação
em larga escala, a formação docente, a legislação da área (SHIROMA;
MORAES; EVANGELISTA, 2002).
No ano de 1990, como se sabe, ocorreu a Conferência de Educação
para Todos, em Jomtien, na Tailândia (UNESCO, 1990), que deu lugar
ao Plano Decenal Educação Para Todos (BRASIL, 1993)4, no Governo
3
Leher (1998) discute o tema da globalização no Governo FHC assinalando que “Em seu último ato de
campanha, em 30 de setembro de 1998, Fernando Henrique Cardoso afirmou enfaticamente: ‘Sim
à globalização, não à marginalização’. [...] No caso dos países latino-americanos, não há como disso-
ciar a ideologia da globalização das políticas de ajuste encaminhadas pelo Banco Mundial. O ajuste
estrutural é feito em nome da globalização que, conforme o discurso dominante, justificará os sa-
crifícios do presente. De fato, as proposições do Banco Mundial são muito representativas do pen-
samento sistematizado como Consenso de Whashington (DEZALAY & GARTH, 1998). Como sustenta
o presidente do Banco Mundial, James Wolfensohn (Board of Governors, 1995), as transformações
das políticas econômicas em curso nos países ‘subdesenvolvidos’ configuram uma nova ‘era’, a ‘era
mercado’ ou a ‘globalização’”.
4
No Plano lê-se: “O Brasil participou, em março de 1990, da Conferência de Educação para Todos, em
Jomtien, na Tailândia, convocada pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e
a Cultura (Unesco); Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef); Programa das Nações Unidas
para o Desenvolvimento (Pnud) e o Banco Mundial. Desta conferência resultaram posições consen-
suais, sintetizadas na Declaração Mundial de Educação para Todos, que devem constituir as bases
dos planos decenais de educação, especialmente dos países de maior população no mundo, signa-
tários desse documento” (BRASIL, 1993, p. 11). O volume foi publicado pelo acordo Brasil-Unesco.

18 QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores


Capítulo I
Qualidade da educação pública: estado e organismos multilaterais

Itamar Franco, sendo ministro da Educação Murílio Hingel. Fazendo


eco às demandas de formação para o trabalho simples, seu slogan era
“Nenhuma criança sem escola”. Disseminava-se a ideia de que a uni-
versalização da educação básica – entendida como ensino fundamental
– era condição sine qua non para superar as desigualdades econômico-
-sociais, pelo que se procurava recuperar a harmonia entre economia e
educação. Privilegiou-se a) a expansão das vagas escolares, b) a gestão
do sistema educacional, munido de um sistema de avaliação e informa-
ção, e c) a ajuda internacional para o desenvolvimento da eficiência ins-
titucional, operacional e de gestão política, financeira e social necessária
às reformas pretendidas. O Banco Mundial teve forte presença na ela-
boração da política educacional em articulação com o Estado e segundo
interesses do capital (LEHER, 1999).
Esse ideário foi realizado pelo Governo FHC, do qual a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei nº 9394, de 20 de dezembro
de 1996 (BRASIL, 1996) e o Plano Nacional de Educação (BRASIL,
2001) são expoentes (SHIROMA; MORAES; EVANGELISTA, 2002).
Da ótica de Leher (2010, p. 376), as medidas institucionais, sociais e
econômicas encaminhadas por FHC “configurava um claro corte clas-
sista, afirmando um verdadeiro apartheid educacional.” O Governo
Lula não se afastou dessa lógica, ao contrário, fê-la recrudescer e mes-
mo renovou-a com programas ainda mais afeitos à sustentação das re-
lações capitalistas de produção.
No caso das políticas sociais, citamos como exemplar o Programa
Mais Educação (BRASIL, 2007), a proliferação de parcerias público-
-privadas que invadiram as redes públicas de ensino e o Programa
Bolsa Família (BRASIL, 2004), que condensou os da mesma nature-
za do governo precedente. Ademais, o cenário de expectativas deposi-
tado em um governo do Partido dos Trabalhadores também favoreceu
um compasso de espera por parte do pensamento crítico, embora nem
durante o Governo de FHC, nem durante o de Lula a crítica tenha de-
saparecido. Os movimentos em defesa da escola pública no Congresso
Nacional durante a discussão da LDB (BRASIL, 1996) e, recentemen-
te, nos debates acerca do novo Plano Nacional de Educação (BRASIL,

QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores 19


Olinda Evangelista

2010) são um exemplo. Paulatinamente, a produção acadêmica assinala


os comprometimentos do Governo Lula com o grande capital interna-
cional, assim como muitos sindicatos de professores entraram em greve
por direitos, especialmente pelo cumprimento da Lei do Piso Salarial
(BRASIL, 2008).
Manter as condições de acumulação e reprodução do capital era
vital, motivo pelo qual as políticas sociais se vincularam estreitamente
a esse intento. A educação foi chamada a dar as condições, em termos
ideológicos, para a espinhosa tarefa de combater a pobreza brasileira –
tarefa inviável.

4. O Banco Mundial e a Educação

Como referido, a presença das agências internacionais de ex-


portação de recursos e políticas na área educacional não é recente no
Brasil. Figueiredo (2009, p. 1124) afirma:

O enfoque do Banco Mundial na educação ampliou-se no final da dé-


cada de 1960, acabando por destacá-la como uma de suas políticas
setoriais durante a década de 1970. Com a perda das atribuições da
UNESCO para o Banco Mundial e, posteriormente, com a saída dos
EUA, em 1984, da UNESCO, o debate sobre a educação foi se trans-
formando em assunto de negócios, de banqueiros e de estrategistas po-
líticosa (Leher, 1998).

A mesma autora argumenta:

Notadamente durante os governos Fernando Collor de Mello (1990-


1992), Itamar Franco (1992-1994), Fernando Henrique Cardoso (1995-
2002) e Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2007) há um processo de in-
tensificação de reformas nas áreas econômica, social e política. A re-
alização das reformas na sociedade brasileira tem como parâmetro as
condicionalidades provenientes dos empréstimos de ajustes estruturais
e setoriais. A reforma educacional, portanto, é uma das componentes
dos empréstimos de ajustes estruturais e setoriais, bem como do pro-
cesso de reforma e modernização do Estado brasileiro. (FIGUEIREDO,
2009, p. 1125).

20 QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores


Capítulo I
Qualidade da educação pública: estado e organismos multilaterais

O Independent Evaluation Group (IEG), unidade independente


de análise das políticas educacionais do BM, sintetiza-as em um bre-
ve esquema (WORLD BANK, s.d.). O primeiro documento citado pelo
estudo, Education: sector estrategy paper, de 1980, evidencia que a
preocupação central do BM era com a educação básica para jovens e
adultos, articulando-a com a formação para o trabalho e cuidados com
o meio ambiente. Sua estratégia foi a de investir no aumento da eficiên-
cia interna na educação e na melhoria da capacidade institucional para
responder a essas demandas (WORLD BANK, s.d.). Nessa década, a
problemática da aprendizagem e da qualidade do ensino não era formu-
lada com a clareza dos anos posteriores. A perspectiva quantitativista,
de expansão do número de matrículas, de universalização da educação
básica – às vezes denominada primária – era central.
Nessa mesma síntese, o IEG assinalava que, em 1990, no docu-
mento Primary Education: a World Bank Policy Paper, o objetivo do
BM consistia em expandir o ensino primário e conduzir as crianças à sua
conclusão, dando especial atenção ao acesso das meninas à educação,
além de procurar melhorar a aprendizagem dos alunos. Ressalte-se que
“acesso à educação” significava escolarização em massa. A estratégia
traçada supunha a concessão de empréstimos de longo prazo para apoiar
os países no desenvolvimento institucional, seu uso eficiente e alocação
de recursos adicionais. O BM exigia que os países definissem medidas
agressivas para aumentar as matrículas de meninas, o fortalecimento da
educação pré-escolar e a integração entre educação, nutrição e saúde.
Tinha-se em vista o controle de natalidade e da pobreza, especialmente
em países como o Brasil e africanos. De outro lado, o BM indicava o for-
talecimento da gestão educacional, com mecanismos de coleta de dados
acerca do aproveitamento escolar dos alunos. Uma última estratégia se
destacou: a reforma da formação inicial e em serviço do professor, bem
como o apoio ao seu trabalho por meio de treinamento. Esboçavam-se as
políticas de combate à pobreza – ou de alívio – para a qual a escola teria
um papel a cumprir. A reforma educacional era instrumentalizada para
que populações pobres ou miseráveis fossem controladas, apassivadas e
não oferecessem riscos à organização internacional do capital.

QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores 21


Olinda Evangelista

Em meados da década de 1990, o BM publicou Priorities and


Strategies for Education a fim de estimular a melhoria nos resultados
escolares para aumentar o “patrimônio educacional” dos pobres e das
mulheres em desvantagem. Para esses objetivos a estratégia era, com
base na análise econômica, estimular os países a reformarem a educa-
ção, ideia em circulação no começo da década. A reforma constava de
algumas diretrizes, entre as quais mais empréstimos para a educação
básica, incentivo à participação da família na educação dos filhos, pro-
moção da autonomia da escola, aumento de oferta de vagas na educa-
ção básica gratuita e pagamento dos outros níveis de ensino. Segundo
o BM, essa estratégia estava focada nos pobres e carentes dos países.
Ao final dessa década, o BM publicou ainda Education Sector
Strategy. Seus objetivos eram os do Education For All (EFA),
“Educação para Todos no Brasil” (EPT), dando-se especial atenção à
escolarização das meninas nos países pobres. A qualidade de ensino e a
melhoria da aprendizagem começaram então a ser referidas com mais
força. As estratégias incluíam “reforma sistêmica” da educação – regu-
lamentos, diretrizes curriculares, avaliação, descentralização e gover-
nança eficiente –, apoio aos países nas intervenções precoces em saúde
e escolarização de crianças, aumento da “entrega” de inovações aos sis-
temas de ensino, como EaD e tecnologias. Após análise das condições
dos países, o Banco agiria de modo seletivo, com uso adequado dos co-
nhecimentos, promovendo parcerias produtivas e focado em políticas
ao cliente. O suposto resultado final dessa estratégia impactaria direta-
mente o desenvolvimento econômico dos países, em especial os mais
pobres e com menores taxas de matrícula.
No início da década de 2000, publicou-se o documento Education
for Dynamic Economies: Action Plan to Accelerate Progress Towards
Education for All Opening Doors. Neste caso, propunha-se a universa-
lização da educação primária e alcançar a paridade de gênero. O BM
avaliava que a universalização era quase uma realidade, o que punha na
linha de fogo a melhoria da qualidade da escola. A estratégia foi a de
dar suporte aos países que ainda tivessem problemas para alcançar os
objetivos do Banco, prioritariamente os países articulados à Fast Track

22 QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores


Capítulo I
Qualidade da educação pública: estado e organismos multilaterais

Initiative (FTI) (Iniciativa Via Rápida para a Educação)5, mas que apre-
sentassem quatro condições: boa governação, políticas sólidas, capa-
cidade institucional e formas de financiamento adequadas, entre elas a
captação de recursos de doadores não governamentais.
Esse conjunto de orientações configurava o que o BM vinha
plantando, mais claramente após a década de 1990: a reforma das po-
líticas nacionais de educação, espécie de motoniveladora dos sistemas
nacionais de educação, a construção de uma agenda global – com con-
cessões locais mediadas pelos bons parceiros governamentais. No do-
cumento Banco Mundial: consultas sobre a nova estratégia da edu-
cação 2020, no qual se avaliam as estratégias de 2000 e 2005 e se
põem em discussão as para 2020, o Banco sintetiza suas diretrizes para
2000 da seguinte forma: investimento na “educação para todos” e na
“qualidade do ensino”. Derivam dessas diretrizes quatro prioridades:
a) oferta de educação fundamental para pessoas de baixa renda e meni-
nas; b) intervenções preventivas em relação à saúde das crianças na es-
cola; c) inovações no ensino e d) implementação de uma reforma sistê-
mica na área educacional.
Em 2005, o Banco manteve a diretriz de “educação para todos”,
vinculando-a, entretanto, ao desenvolvimento da economia do conheci-
mento e às sociedades coesas6. Três foram as prioridades eleitas: a) edu-
cação em uma perspectiva de âmbito nacional; b) abordagem setorial e

5
Segundo a Ação Educativa (2005, p. 44), “A Iniciativa Via Rápida - IVR (conhecida no âmbito internacio-
nal como Fast-Track Iniciative) foi lançada em abril de 2002 durante reunião do FMI e do Banco Mun-
dial, pelos Ministros de Desenvolvimento e Finanças, com o objetivo de acelerar o alcance das Metas
de Desenvolvimento do Milênio a partir de uma ação mais coordenada e eficaz de cooperação interna-
cional. Especificamente, a IVR busca atingir três resultados: (1) a conclusão universal do ensino primá-
rio até 2015; (2) o acesso universal ao ensino primário até 2010 e (3) melhores resultados de aprendi-
zagem. A IVR é liderada pelo Banco Mundial, com o apoio da maior parte dos doadores bilaterais bem
como das instituições do sistema ONU, tais como Unesco e Unicef.” Quando este texto foi escrito faziam
parte da IVR Burquina Faso, Guiné Bissau, Guiana, Honduras, Mauritânia, Nicarágua e Nigéria, Etiópia,
Gâmbia, Gana, Madagascar, Moldova, Moçambique, Vietnam, Iêmen (AÇÃO EDUCATIVA, 2005, p. 44).
6
Mauro Iasi (2012, p. 287) cita uma passagem exemplar desse espírito de coesão, oferecida pelo en-
tão candidato à vice-presidência da República, Michel Temer, por ocasião de uma discussão com in-
vestidores estrangeiros: “declarou que o país estava pronto para receber investimentos, uma vez que
se trata de um país ‘internamente pacificado’, no qual se ‘os movimentos sociais não estivessem pa-
cificados, se os setores políticos não estivessem pacificados, se os setores políticos não estivessem
pacificados [...] se aqueles mais pobres não estivessem pacificados [...] isto geraria uma insegurança’
(Folha de S. Paulo, São Paulo, 27 ago. 2010, caderno A, p. 8)”.

QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores 23


Olinda Evangelista

c) orientação para resultados. A estratégia de 2005 chama a atenção não


pela manutenção da política de “educação para todos”, mas pelo deslo-
camento verificado em termos de concepção por sua vinculação explí-
cita a uma perspectiva nacional.
Sinteticamente, podemos afirmar que nos anos de 1980 a estraté-
gia estava centrada na “educação para todos”, o que demandava efici-
ência institucional no âmbito da gestão. Nos anos de 1990, ao lado da
“educação para todos”, surgiu a ideia de aprendizagem, mas não formu-
lada em termos de qualidade do ensino. Retomava-se e se verticalizava
uma das linhas dos anos de 1980, a de desenvolvimento institucional,
eficiência e gestão educacional, com o desenho preliminar do que viria a
se tornar política de avaliação em larga escala, ou seja, recolha de dados
sobre os alunos com incidência sobre os resultados do trabalho docente.
A reforma educacional, então proposta, pretendia dirigir seus recur-
sos – financeiros e ideológicos – aos países caudatários de suas diretrizes,
caso do Brasil. Em meados da década de 1990, o BM retomou e manteve
a “educação para todos”, gratuita, e reforçou tanto as diretrizes ligadas à
gestão – participação da família na escola, autonomia da escola, univer-
salização da educação básica – quanto as ligadas ao ensino propriamente
dito, destacando-se claramente a ideia de busca de resultados escolares.
O sentido aparente dessas diretrizes era aumentar o patrimônio
dos pobres – neste caso, mais educação geraria maior capacidade de tra-
balho – e vincular fortemente a educação à economia. No final dos anos
de 1990, permaneceu a “educação para todos”, com especial atenção às
meninas – preocupação dos anos de 1980 –, mas a qualidade de ensino
e de aprendizagem vai receber maior atenção.
No campo da gestão, entre os princípios operacionais da políti-
ca, um dos mais importantes foi a proposição de uma reforma sistêmica
na educação que abrangesse normas, currículo, avaliação, descentrali-
zação e novas formas de governança na área. A escola deveria se tor-
nar espaço de atendimento à saúde das crianças pobres. De outro lado,
sugeria foco no cliente e análise abrangente da educação para orientar
uma ação seletiva. A educação deveria ter impacto sobre o desenvolvi-
mento econômico, com bom uso de conhecimentos e parcerias produ-

24 QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores


Capítulo I
Qualidade da educação pública: estado e organismos multilaterais

tivas. Manteve-se o compromisso “educação para todos”, induziu-se


reformas educacionais, vinculou-se educação a desenvolvimento eco-
nômico e acentuaram-se as questões ligadas à qualidade do ensino e à
aprendizagem. Em 2005, manteve-se a universalização da educação bá-
sica – EPT – com o objetivo da igualdade entre os gêneros, bem como
a busca da qualidade de ensino, ao lado da orientação para resultados.
Esse breve percurso teve em vista mostrar que algumas linhas
de atuação da agência foram mantidas e outras foram sugeridas e/ou
aprofundadas. Em um texto muito interessante sobre a Estratégia 2020
(BANCO MUNDIAL, 2010a), Robertson (2012) assinala que é uma
prática da agência idas e vindas em suas políticas, bem como eleição
e abandono de países de acordo com seus interesses. Entretanto, nes-
se processo, muitas vezes contraditório, ela identifica uma permanên-
cia fundamental com repercussões deletérias sobre a área. A mudan-
ça de estratégia do Banco, a partir dos anos de 2000, é encaminha-
da pela Corporação Financeira Internacional (International Finance
Corporation - IFC)7, “braço investidor do setor privado do BM” e su-
postamente capaz de “atuar num papel mais central na educação como
um ‘mercado emergente’” (ROBERTSON, 2012, p. 284)8.
7
“A rede americana de ensino superior Laureate anunciou ontem a aquisição de mais 49% da paulis-
tana Anhembi Morumbi, tornando-se sua única dona.” [...] “A Anhembi Morumbi foi a primeira aqui-
sição feita pela Laureate no mercado brasileiro. O negócio é visto no setor como um dos primeiros
na onda de consolidação que tomou conta do segmento de ensino superior privado no Brasil nos
últimos anos – capitaneada por empresas controladas por Fundos de Private Equity. A própria Lau-
reate, com 750 mil alunos em 29 países, tem entre seus sócios o mega fundo de investimento ame-
ricano KKR.” [...] “Na última segunda-feira, um dia antes de anunciar a aquisição total da Anhembi,
a Laureate recebeu um aporte de US$ 150 milhões da International Finance Corporation (IFC), braço
financeiro do Banco Mundial, para acelerar a expansão em países emergentes” (OSCAR, 2013).
8
Robertson (2012, p. 295-296) vê nessa mudança a “tática da ‘troca de fórum’ [‘forum-shifting’] (Sell,
2009)”. “O termo ‘troca de fórum’ pode referir-se a diversas dinâmicas distintas, sendo todas elas pro-
jetadas para produzir resultados desejados a partir de uma virada do jogo. Partidos podem mover uma
agenda de um fórum para o outro, sair de um fórum inteiramente (e.g. os Estados Unidos saindo da
Unesco nos anos 1980), ou buscar agendas simultaneamente em múltiplos fóruns. De acordo com Pe-
ter Drahos, ‘trocar de fóruns significa que algumas negociações nunca termi­nam de fato’. De maneira
similar, para o BM, a “troca de fórum” gera um novo espaço e introduz um novo ar fresco para a contro-
versa agenda da privatização da educação; proporciona acesso a novos recursos, mobiliza novos tipos
de habilidades, legitima sua atividade através do olhar para a educação como um ‘mercado emergen-
te’ alinhado com os objetivos da IFC, e ainda assim consegue permanecer menos visível, já que a IFC
não é tão conhecida. De fato, a maioria dos observadores das políticas do BM para a educação tende
a olhar para as atividades do Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (Bird) como o
espaço em que se dão as políticas e programações da educação, sem considerar também a IFC”.

QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores 25


Olinda Evangelista

Para a autora, as parcerias público-privadas (PPP) concretizam


essa orientação. Essa seria, então, uma das permanências importantes
da política do BM que, ademais, atestariam o “protagonismo do ne-
oliberalismo na atual crise econômica mundial, do caráter tênue das
evidências de que o setor privado é mais eficiente e dos investimen-
tos questionáveis da IFC” (ROBERTSON, 2012, p. 284). Com esses
elementos, Robertson afirma que no “relatório Estratégia 2020 para a
educação (Education strategy 2020) (WORLD BANK, 2011) a econo-
mia de livre mercado está viva e forte.” Afirma, ainda, que as “falhas
de regulação e supervisão são reconhecidas como presentes no cora-
ção da crise”, mas o BM “não obstante, prossegue discutindo em favor
de um maior papel para si na governança global, assim como defen-
dendo um papel expandido para o setor privado de desenvolvimento.”
(ROBERTSON, 2012, p. 283).
Os novos horizontes postos pelo BM – expansão do setor priva-
do por meio das PPP e educação como mercado emergente – têm des-
dobramentos vitais para a educação brasileira.

5. O Banco Mundial e a Educação brasileira projetada para 2020

A avaliação desenvolvida pelo Independent Evaluation Group


(IEG) (WORLD BANK, s.d.), entre 1980 e 2005, evidenciava as
questões centrais para a agência em relação à educação mundial.
Ressaltamos: 1) universalização da educação básica formulada no
slogan Educação para Todos; 2) eficiência institucional vinculada a
novas formas de gestão; 3) produção de resultados por meio de siste-
mas de avaliação em larga escala e de informação; 4) implementação
das parcerias público-privadas para a assunção das responsabilida-
des educacionais. Essa síntese não esgota o vasto âmbito das propos-
tas do Banco Mundial, evidentemente; mas com base nela é possível
discutir a agenda educacional proposta para o Brasil para o período
2010-2020.
Afirma o Banco que são quatro os “desafios críticos” em presen-
ça: “melhorar a qualidade dos professores, garantir o desenvolvimento

26 QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores


Capítulo I
Qualidade da educação pública: estado e organismos multilaterais

infantil das crianças mais vulneráveis, construir um sistema de ensino


médio de classe mundial, e maximizar o impacto das políticas federais
de educação básica – e tirar proveito do ‘laboratório de ação educacio-
nal’ brasileiro.” (BANCO MUNDIAL, 2010b, p. 6). Esses desafios su-
poriam uma relativização do projeto de universalização da educação
básica formulada no slogan Educação para Todos, visto que isto esta-
ria praticamente resolvido no Brasil. Tratar-se-ia, pois, de investir na
universalização do Ensino Médio, numa ponta, e, na outra, de investir
precocemente na infância, por meio de políticas de educação e saúde.
Tanto num caso como no outro haveria um fio condutor centrado em
dois pilares: melhorar a qualidade dos professores e investir na gestão
dos sistemas de ensino.
O BM considera que o Brasil viveu uma “revolução na educação”
nos governos de FHC e Lula, avançando em muitos aspectos, entre os
quais cita “a cobertura universal”; “o progresso notável no Programa
Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA), da Organização para
Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)”; “liderança glo-
bal em avaliação da aprendizagem estudantil e do monitoramento do de-
sempenho educacional pelo Sistema de Avaliação da Educação Básica
(SAEB) e pelo Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB)”;
“assunção pelo governo federal de funções não cumpridas antes”; “fi-
nanciamento equilibrado via Fundo de Manutenção e Desenvolvimento
da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação
(FUNDEF), depois Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da
Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação
Básica (FUNDEB)”; “atenção às famílias pobres pelo Bolsa Escola,
depois Bolsa Família, e o Programa Mais Educação”; “promulgação da
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional em 1996”; “diretrizes
curriculares nacionais”; “implementação do planejamento estratégico
nas administrações estaduais e municipais de educação com o Plano de
Ações Articuladas (PAR)”; “redução da pobreza e da desigualdade so-
cial” (BANCO MUNDIAL, 2010, passim).
A revolução contabilizada, todavia, teria deixado em aberto pon-
tos essenciais para uma “boa” política educacional a serem dirimidos

QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores 27


Olinda Evangelista

na Gestão de Dilma Roussef (2011-atual): “alcançar os níveis médios


de aprendizagem, as taxas de conclusão do ensino médio, e a eficiên-
cia de fluxo estudantil dos países da OCDE e de outros países de ren-
da média”; “conquistar as ‘habilidades do Século 21’ para a próxima
geração de trabalhadores”9; “frear a instabilidade familiar”; “solucio-
nar os problemas de aprendizagem e os déficits de desenvolvimento
decorrentes dos primeiros anos da infância”; “promover a igualdade
da aprendizagem”10; “rever os gastos na educação para produção de
resultados”11; “combater as altas taxas de repetência”; “rever os altos
custos por formando”; “diminuir os custos dos professores”12; “supera-
ção da carência quase que completa de pesquisas de custo-efetividade”;
“combate à corrupção e má-administração de fundos na educação”.
Podemos voltar, agora, aos quatro “desafios críticos” com os quais se
defrontaria o Ministro da Educação: “a) melhorar a qualidade dos pro-
fessores, b) garantir o desenvolvimento infantil das crianças mais vul-
neráveis, c) construir um sistema de ensino médio de classe mundial, e
maximizar o impacto das políticas federais de educação básica – e ti-
rar proveito do ‘laboratório de ação educacional’ brasileiro.” (BANCO
MUNDIAL, 2010b, p. 6).

9
São elas: “capacidade de pensar analiticamente, fazer perguntas críticas, aprender novas habilida-
des, e operar com alto nível de habilidades interpessoais e de comunicação, inclusive com o domínio
de idiomas estrangeiros e a capacidade de trabalhar eficazmente em equipes.” (BANCO MUNDIAL,
2010b, p. 3)
10
Segundo o BM (2010b, p. 4), os “secretários de educação do Brasil estão cada vez mais se concen-
trando em duas estratégias importantes de abordagem – ambas compatíveis com a boa-prática glo-
bal: intervenções preventivas (expansão de serviços de desenvolvimento da primeira infância para
famílias de baixa renda) e intervenções corretivas (tutoria particular, programas de aprendizagem
acelerada e outros programas voltados para crianças com necessidades especiais).”
11
A perspectiva da agência é a de que “[...] o Brasil está vivendo uma transição demográfica que terá
um impacto notável sobre a população em idade escolar na próxima década. A redução projetada de
23 por cento no número de estudantes de ensino fundamental corresponderá a quase 7 milhões de
assentos vazios nas escolas do país. Se o Brasil fosse seguir o exemplo coreano e mantiver o tama-
nho das classes constante durante este período, a força de trabalho docente do ensino fundamental
se reduziria por mais de 300.000 (do número atual de 1,3 milhões) até 2025. Esta transformação de-
mográfica é uma bonificação para o sistema educacional e permitirá que os níveis atuais de gastos
financiem uma grande melhoria na qualidade escolar” (BANCO MUNDIAL, 2012, p. 4).
12
Nesse aspecto, o cinismo do Banco (2010b, p. 5) é óbvio: “várias políticas públicas durante a década
passada reduziram o tamanho médio das classes e impuseram aumentos generalizados dos salários
de professores, com pouca evidência – tanto no Brasil quanto em outros lugares – de que estas con-
tribuíssem para resultados melhores.”

28 QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores


Capítulo I
Qualidade da educação pública: estado e organismos multilaterais

Dos quatro desafios, dois merecem destaque neste contexto: ma-


ximizar o impacto das políticas federais de educação básica e melhorar
a qualidade dos professores.

5.1 Maximizar o impacto das políticas públicas federais

Essa orientação deriva, como se viu, da avaliação positiva das


políticas educacionais promovidas nos últimos 15 anos, tanto as fede-
rais, quanto estaduais e municipais, com referência explícita a Minas
Gerais, São Paulo, Pernambuco e município do Rio de Janeiro. Tratar-
se-ia da proposição de novas políticas de aceleração do “progresso” na-
cional cujo objetivo último seria a consecução de “um sistema de ensi-
no básico de nível mundial”. Nesse âmbito, o BM recomenda a manu-
tenção do FUNDEB, do IDEB, do Bolsa Família; a eficiência dos gas-
tos e não gastos mais altos; mais recursos para os estados que integra-
rem sistemas escolares estaduais e municipais; menos incentivo federal
para sistemas escolares municipais de pequeno porte. No interior dessas
recomendações de caráter gestionário, ressaltamos a noção de “labora-
tório de ação educacional” brasileiro pelas relações que estabelece en-
tre os vários eixos da política educacional. Entre eles, merece destaque
o da gestão e o do professor.
No primeiro caso, o BM começa por explicitar de que se trata o
laboratório: no Brasil, existem mais de 5.500 sistemas escolares esta-
duais, municipais e do Distrito Federal. De sua ótica, os “milhares de
novos programas e políticas criativas” passam pelo teste da experiên-
cia cotidianamente, em particular os promovidos por “Secretários de
Educação dinâmicos e orientados para resultados”. Essa característica
nacional – ausente na maior parte dos outros países –, associada às po-
líticas de “vanguarda” em andamento – como pagamento por desempe-
nho –, ofereceria as evidências sobre “o que funciona” na educação que,
coligidas, serviriam de exemplo não apenas internamente, mas para o
mundo. O Brasil teria as condições objetivas para a constituição de um
sistema de ensino básico – da educação infantil ao ensino médio – de
nível mundial, com base no qual poderia exportar políticas educativas.

QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores 29


Olinda Evangelista

É neste nível – da gestão do sistema – que o BM deu uma cartada


de mestre, ao verticalizar uma de suas políticas centrais, desde os anos
de 1990, qual seja a de estimular a privatização, sobretudo dos ensinos
médio e superior. Nesse documento (BANCO MUNDIAL, 2010b), há
um recuo em relação ao pagamento do ensino médio, em geral, mas não
à privatização de escolas dos vários níveis de ensino, embora se preser-
ve a universalização pública da educação básica.
Após os anos de 2000, à ideia das parcerias público-privadas se
agrega uma definição de sistema crucial. Para a organização, “é preci-
so [...] aproveitar o poten­cial da mente humana. E não há melhor fer-
ramenta que a educação para o fazer.” (BANCO MUNDIAL, 2011,
p. 1). Alcançar a Educação para Todos (EFA) e realizar as Metas de
Desenvolvimento do Milênio (MDG) permanecem; contudo a nova es-
tratégia é “Aprendizagem para Todos”, para o que uma nova rodada de
reformas seria necessária, especificamente nos sistemas de educação,
acompanhada de “uma base global de conhecimento suficiente­mente
forte para liderar estas reformas” (BANCO MUNDIAL, 2011, p. 1).
O BM formulou nova definição de “sistema educacional”:

Nesta estratégia, “sistema educacional” inclui a gama completa de


oportunidades de aprendizagem que existem num país, quer sejam for-
necidas ou financiadas pelo sector público quer privado (incluindo or-
ganizações religiosas, organizações sem fins lucrativos ou com fins de
lucro). Inclui programas formais ou não formais, para além de toda a
gama de beneficiários e interessados nestes programas: professores, for-
madores, administradores, funcionários, estudantes e as suas famílias e
empregadores. Inclui também as regras, políticas e mecanis­mos de res-
ponsabilização que aglutinam um sistema de educação, bem como os
recursos e mecanismos de financiamento que o sustentam. Este concei-
to mais inclusivo do sistema educacional permite ao Grupo do Banco e
aos países par­ceiros aproveitar as oportunidades e eliminar as barreiras
que se situam fora dos limites do sistema tal como ele é tradicionalmen-
te definido. (BANCO MUNDIAL, 2011, p. 5)

Melhorar os sistemas de educação significa ir além de fornecer sim-


plesmente recursos. [...] Mas melhorar os sistemas exige também ga-
rantir que os recursos serão utilizados de forma mais eficaz, para ace-

30 QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores


Capítulo I
Qualidade da educação pública: estado e organismos multilaterais

lerar a aprendizagem. Ainda que estratégias anteriores reconhecessem


este objetivo, a nova estratégia dá-lhe mais ênfase, situando-o num con-
texto de avaliação e reforma do sistema educacional. A abordagem da
nova estratégia ao sistema educacional centra-se em maior responsa-
bilização e resultados como complemento de proporcionar recursos.
Reforçar os sistemas educacionais significa alinhar a sua governação, a
gestão de escolas e professores, regras de financiamento e mecanismos
de incentivo, com o objetivo da aprendizagem para todos. (BANCO
MUNDIAL, 2011, p. 6).

Dois movimentos podem ser observados: a) uma verticalização


da ideia de parceria público-privada resultando numa concepção de sis-
tema alargada, que permite a inclusão de qualquer pessoa física ou jurí-
dica em sua ordenação, abrindo uma seara fecunda para a privatização
da Educação em todas as suas formas; b) um pretenso compromisso des-
se sistema com a promoção de resul­tados na aprendizagem. Esse pro-
cesso se lastrearia na “base de conhecimento” produzida pela agência:

O Banco está a desenvolver novas abordagens ao conhecimento para


ajudar a orientar a reforma educacional. Novos instrumentos para ava-
liação e referencial do sistema (“ferramentas do sistema”) fornecerão
análise detalhada das capaci­dades dos países num grande conjunto de
áreas da política de educação, desde o desenvolvimento na primeira
infância (ECD), avaliação dos estudantes e políti­ca de professores, à
equidade e inclusão, educação terciária e desenvolvimento de compe-
tências, entre outros. [...] E, estabelecendo a comparação dos progres-
sos com as melhores práticas internacionais, essa ferramenta destaca-
rá os pontos fortes e fracos e identificará os reformadores bem-sucedi-
dos cuja experiência pode informar a política e as práticas educacionais
noutros países. [...] Além de ajudar o Grupo Banco Mundial a priori-
zar o seu apoio, este sistema de informação tornará mais fácil a apren-
dizagem Sul-Sul ao capacitar os países a enfrentar educacionais espe-
cíficos para aprender de pessoas com sólido desempenho.” (BANCO
MUNDIAL, 2011, p. 7)

Assim finaliza sua análise (BANCO MUNDIAL, 2011, p. 9):


“Todo este esforço vale a pena; quando as crianças apre­ndem, a vida
melhora e os países prosperam.” Singelo.

QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores 31


Olinda Evangelista

5,2 Melhorar a qualidade dos professores

Retomando o eixo “professor” no plano do “laboratório de


ação educacional” é vital considerar que a Estratégia 2020 (BANCO
MUNDIAL, 2011), ao propor reforço dos sistemas educacionais, quer
dizer “alinhar a sua governação, a gestão de escolas e professores, re-
gras de financiamento e mecanismos de incentivo, com o objetivo da
aprendizagem para todos.” Ou seja, o BM propõe a “responsabilização”
dos envolvidos com o sistema educacional, cujo papel será “medido,
monitorizado e apoiado” tendo em vista os “resul­tados da aprendiza-
gem.” Como em outros documentos, a adesão dos professores revela-se
nodal. (BANCO MUNDIAL, 2011, p. 6-9).
O investimento no professor é justificado, pois a profissão, no
Brasil, não conseguiria

atrair os candidatos de alto rendimento acadêmico. Os dados indicam


que os professores são recrutados do terço inferior dos estudantes do
ensino médio [...]. A melhoria da qualidade dos professores no Brasil
exigirá o recrutamento de indivíduos de mais alta capacidade, o apoio
ao melhoramento contínuo da prática, e a recompensa pelo desempe-
nho13. (BANCO MUNDIAL, 2010b, p. 6).

Tal conclusão levou o BM a sugerir que se “olhasse dentro da


‘caixa-preta’ da sala de aula”, identificando-se exemplos de “boas prá-
ticas” de professores que pudessem “ancorar os seus programas de de-
senvolvimento profissional.” (BANCO MUNDIAL, 2010b, p. 6). Esse
tipo de proposta derivou de análises que desqualificavam o professor.
Asseveramos que usavam uma parte substancial do tempo em sala de
aula “praticando atividades rotineiras como fazendo a chamada e re-
colhendo deveres de casa. Uma alta proporção de professores também
não faz uso dos materiais de aprendizagem disponíveis, e de 43-64 por
cento do tempo os estudantes estão visivelmente desocupados [...].”
(BANCO MUNDIAL, 2010b, p. 6). Desse modo, olhar a caixa preta,

O BM cita as experiências de bônus para professores nos estados de Minas Gerais, Pernambuco e
13

São Paulo e no município do Rio de Janeiro.

32 QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores


Capítulo I
Qualidade da educação pública: estado e organismos multilaterais

estudar ações exitosas evidenciadas pelo laboratório educacional per-


mitiria tanto descartar as práticas ineficazes, quanto recolher as “ricas
experiências” e disseminá-las. Também sugere que

Em vez de cursos teóricos, os programas de formação profissional pro-


jetados a partir das evidências das observações em sala de aula (de-
vem) [usar] vídeos e exercícios práticos para ensinar técnicas eficazes
de uso do tempo na sala de aula, do uso de materiais de aprendizagem
e para manter os estudantes ocupados na tarefa. Este treinamento vol-
tado para a prática é a nova direção na qual os países da OCDE es-
tão partindo, e os estados mencionados anteriormente (Pernambuco
e Minas Gerais) e o município do Rio de Janeiro estão na vanguarda.
(BANCO MUNDIAL, 2010b, p. 6).

Parece restar claro que a qualidade do trabalho docente, neste


projeto, resultaria da formação, sob a forma preferencial de treinamen-
to, do controle dos resultados e do rendimento dos alunos. Para chegar-
mos a esse patamar, o BM propõe, com grande desfaçatez, que extraia-
mos exemplos de boas práticas; de fato, que operemos a expropriação
do saber docente. Por um sistema contínuo de vigilância, o professor
terá seu trabalho esquadrinhado, descartado ou expropriado pela tarja
de “experiência exitosa”.
A desqualificação do trabalho docente circula em congressos e
na mídia nacional. No evento Salamundo, encontro internacional de
educação em Curitiba, no começo de agosto p.p. (2013), o Ministro
Mercadante, na abertura, afirmou que “A prioridade da educação tem
de ser matemática, português e ciências”. Ainda: “Não dá para imaginar
que um professor vai aprender só lendo Piaget. Ele precisa ter experi-
ência concreta em sala de aula para saber o que é um aluno. As raízes o
professor vivencia na sala com experiência pedagógica concreta.” Por
coincidência, o economista Claudio de Moura Castro enfatizou em sua
palestra “A inteligência das mãos”: “Nós crescemos e amadurecemos
passando do concreto para o abstrato. É assim que o homem se desen-
volveu. Enquanto não entendemos, o estudo é penoso. Tem de haver
prazer no estudo e as atividades escolares deveriam criar oportunidades
de usar as mãos.” (CZELUSNIAK; OLAVO, 2013).

QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores 33


Olinda Evangelista

O também economista Gustavo Ioschpe, no referido Dossiê da


Folha de S. Paulo, ofereceu sua preciosa contribuição: “aquilo que
é bom para o professor – mais salário, mais férias, estabilidade e li-
berdade para montar seu plano de aulas – é ‘irrelevante ou até malé-
fico’ ao aluno.” Para ele, “o que melhora a educação de fato [...] ja-
mais seria defendido por sindicatos, pois envolve mais esforço: pas-
sar mais lição de casa, mais provas, preparar mais as aulas e estudar
mais a sua própria disciplina.” Encerra sua contribuição sem pejo:
“[Os bons] parecem não fugir do magistério pelo valor do salário,
mas por ele não ter relação alguma com desempenho. Nenhum de-
les quer ganhar o mesmo que os vagabundos e os incompetentes”
(MIOTO, 2013).
Estamos absolutamente convencidos – leitor e eu – de que essa
é uma posição que não encontra eco entre nós, professores e pesqui-
sadores. Contudo, ela é estimulada pelas políticas educacionais ema-
nadas do Banco Mundial e do Estado Nacional. À desqualificação
do professor segue-se a sugestão de intervenção, seja em sua forma-
ção, seja em seu salário, seja em sua avaliação, seja em seu trabalho.
Exposto como incapaz de gerar aprendizagem, o BM propõe que no-
vas reformas sejam feitas para que a aprendizagem seja conseguida e
iça o professor à vela do barco por hipótese à deriva, o da educação.
Como se viu, o BM imagina que a eficácia na aprendizagem liga-se
mais a mecanismos de gestão, controle e avaliação, do que à forma-
ção, carreira e salários.

6. O Banco Mundial e a Educação brasileira: negociações ocultas

A relação estabelecida entre as diretrizes do BM e a sua incorpo-


ração pelo Estado brasileiro está pouco resolvida entre os seus estudio-
sos. Figueiredo (2009, p. 1136) entende que essa relação é contraditória
e eivada de “interesses econômicos e políticos nacionais e internacio-
nais.” No interior da busca por produtividade e da racionalidade econô-
mica, duas simplificações devem ser evitadas:

34 QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores


Capítulo I
Qualidade da educação pública: estado e organismos multilaterais

A primeira é a de acreditar num alinhamento incondicional entre as po-


líticas elaboradas no contexto das instituições multilaterais e as políti-
cas nacionais que aceitam e ratificam suas orientações em função das
necessidades dos recursos que as acompanham. A segunda é a de acre-
ditar na ausência de contradições no contexto das negociações, tanto
entre os técnicos dos organismos multilaterais quanto entre os respon-
sáveis pelas políticas nacionais (Haddad, 1998).

Robertson (2012, p. 292) também coloca a questão:

a pergunta sobre como o Estado regula atores privados no setor educa-


cional, particularmente quando os atores privados escondem-se atrás de
leis de ‘sensibilidade comercial’, é uma questão importante e sem solu-
ção evidente. Mas uma questão igualmente importante é como o Estado
administra as contradições cada vez mais profundas entre a educação
enquanto direito humano, bem público, commodity vendável e meca-
nismo de coesão social, e a crise da regulação que agora toma conta da
economia política mundial.

A reposta oferecida pela autora é complexa e passa pela análise


do que chama de “corretores do projeto de privatização do BM”, “pe-
quena rede de empresários das políticas e especialistas em educação lo-
calizados nos interstícios de uma seleta gama de organizações interna-
cionais, em­presas internacionais de consultoria educacional e universi-
dades globalizadas que têm sido responsáveis por promover a ideia das
PPPs (Verger, 2012)”. No que tange às PPP, assinala:

Em 2001, a IFC lançou um manual sobre as PPPs na educação. Os prin-


cipais autores dessa colaboração [...] podem ser mais bem [descritos]
como uma pequena comunidade epistêmica que compartilha um com-
promisso comum com as ideias da Escola de Chicago, assim como é
informada por um pequeno grupo de economistas da educação, em sua
maioria de base estadunidense. Esse grupo é crucial para promover a
agenda das PPPs para a educação de forma mais global; eles estão tam-
bém por trás das mais conhecidas publicações, relatórios sobre políticas
e kits de mecanismos sobre PPPs [...]”14. (p. 292).

Robertson cita como um resultado importante desse trabalho o relatório do BM, O papel e impacto
14

das parcerias público-privadas na educação, divulgado em 2009 (PATRIÑOS et al., 2009).

QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores 35


Olinda Evangelista

No setor educacional, Robertson (2012, p. 298-289) entende que


o Estado cede seu poder decisório “para atores econômicos (como cor-
porações educacionais, firmas de consultoria, filantrópicas de risco), ou
àqueles que fazem suas apostas e barganhas (como o BM, a IFC), repre-
senta uma virada da autoridade da esfera pública para a esfera privada, e
do nacional para o supranacional.” Diferentemente, Maués et al. (2013,
p. 11), ao analisar o documento Achieving World Class Education in
Brazil: The Next Agenda (WORLD BANK, 2010), considera que o

objetivo do Banco Mundial [...] não é apenas o de descrever as mudan-


ças processadas na educação brasileira nos últimos 15 anos, nem tam-
pouco o de fazer um mero elogio desinteressado das políticas e refor-
mas educacionais implementadas pelos últimos governos, mas há tam-
bém uma motivação política que é exatamente a de seguir orientando
o caráter e os rumos das políticas educacionais no país no sentido de
manter e aprofundar a hegemonia de seu modelo de educação e socie-
dade em todo o mundo.

Mais uma perspectiva pode ser chamada para o debate. Libâneo


(2013, p. 3) compreende que

A internacionalização das políticas educacionais é um movimento gera-


do pela globalização em que agências internacionais, financeiras ou não,
formulam recomendações sobre políticas públicas para países emergen-
tes ou em desenvolvimento, incluindo formas de regulação dessas polí-
ticas em decorrência de acordos de cooperação entre esses países.

Nas várias posições destacadas, deparamo-nos com o proble-


ma de elucidação da relação que se estabelece entre Organizações
Multilaterais e Estado, relação não tão simples de descrever ou entender.

7. Quem educa o Educador?

Podemos voltar ao mote do princípio do texto e oferecer uma res-


posta diferente tanto daquela dada por intelectuais críticos dos anos de
1980, quanto pelos autores do Dossiê da Folha. Começamos concor-

36 QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores


Capítulo I
Qualidade da educação pública: estado e organismos multilaterais

dando com Leher (s.d., p. 4) sobre o fato de que no bojo da hegemo-


nia neoliberal “é possível constatar que a expansão da oferta da esco-
la pública nos países capitalistas dependentes está sendo acompanhada
de drástico esvaziamento de seu conteúdo científico, histórico-cultural,
tecnológico e artístico.” Para o autor, ocorre uma desinstitucionalização
da escola em razão de propostas que pretendem “transformar a esco-
la pública atual em uma escola adaptada ao padrão de acumulação em
curso no país.” Um dos efeitos desse processo é a chamada “virada as-
sistencialista da escola” mediante a qual sofremos com seu afastamento
das tarefas ligadas à apropriação do conhecimento histórico-científico e
sua aproximação perigosa do abismo das propostas assistencialistas, a
exemplo do Bolsa Família e do Programa Mais Educação.

De fato, o padrão de acumulação, na ótica dos setores dominantes, pres-


cinde da formação com maior complexidade científica e cultural da ju-
ventude trabalhadora. A ideia geral é que como a massa dos postos de
trabalho é constituída de atividades que requerem modesta escolariza-
ção, a educação voltada para essa massa pode ser menos sofisticada, as-
segurando o que a pedagogia hegemônica denomina de competências
básicas, vinculadas ao aprender a aprender, sem a universalização de
conhecimentos científicos explicativos dos processos naturais e da so-
ciedade. (LEHER, s.d., p. 4)

Com esta conclusão concorda Neves (2004, p. 10):

Daí depreende-se que ela se configura em meio empregado pela classe


dominante e dirigente no Brasil de hoje para que a classe trabalhadora
pense minimamente e os que exercem funções intelectuais se tornem,
em sua grande maioria, especialistas com reduzida capacidade de ela-
boração da crítica às relações sociais vigentes.

O que afirmamos, com as passagens recortadas, é que quem


educa o educador é o capital. Sob a forma do Estado, sob a forma de
Organizações Multilaterais, está em causa a manutenção da perspectiva
capitalista, da reprodução das relações capitalistas de produção, da con-
solidação do neoliberalismo, à revelia da crise em andamento.

QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores 37


Olinda Evangelista

Por estes motivos, como falar em “qualidade de ensino” quando


a vemos reduzida aos reclames do neotecnicismo, subalternizada à for-
mação para o trabalho simples, instrumentalizada para a desintelectua-
lização do professor e seus alunos?
Estamos diante do que Neves (2005) denominou nova pedagogia
da hegemonia, isto é, de um movimento em que a hegemonia burgue-
sa é determinante dos conteúdos da educação. Claro está que ser deter-
minante não significa que não haja contradições e que não se construa
perspectiva oposta. Mészáros (2005) afirma que se há uma educação do
capital – que é dominante –, há uma para além do capital e é nisso que
investimos diuturnamente, como também afirmou Libâneo.
Claro está, ademais, que faz parte da nova pedagogia da hegemo-
nia ou da educação do capital esvaziar a formação do professor, redu-
zindo-a à inteligência das mãos, sobrecarregá-lo de tarefas estranhas ao
seu ofício, torná-lo gestor da aprendizagem e de conflitos. Para Triches
(2010), pode-se denominá-lo de superprofessor. Das consequências
dessa política, listamos a intensificação e a precarização do trabalho do-
cente como resultados necessários. Entretanto, a maior barbaridade que
se comete contra o professor é a de tentar transformá-lo em portador das
condições de resolver os problemas sociais e econômicos, recurso per-
verso que obscurece os interesses hegemônicos que, objetivamente, de-
terminam as políticas educativas. Conduz-se o professor ao sofrimento,
dado que é obrigado a defrontar-se com sua “alegada incompetência”
da qual resulta alunos fracassados e desempregados.
A invasão da escola por tal lógica é subliminar. Esse programa
educativo se exprime na consciência do professor; nas salas de aulas lo-
tadas; nos baixos salários e ausência de planos de carreira para todos;
na falta de livros e revistas; na proliferação de professores substitutos,
monitores, tutores; na ausência de equipe técnica; na precariedade in-
fraestrutural para o trabalho, entre tantas outras ausências. O docente
proposto pela agenda da reforma do Banco Mundial (2010b), para o
período 2010-2020, pode enunciar somente a defesa da “aprendizagem
para todos”, não pode realizá-la, posto que os professores são coisifica-
dos para serem tratados “eternamente” como obsoletos (RODRIGUES,

38 QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores


Capítulo I
Qualidade da educação pública: estado e organismos multilaterais

2008) e, então, possam ser “continuamente” reconvertidos aos padrões


de dominação que historicamente forem construídos pelo capital.
Coelho (2005, p. 519), em análise sobre a “refutação teórica do
marxismo” nos governos de FHC e Lula, afirmou que

a “esquerda nova” [não foi] para além de Marx, enriquecendo e desen-


volvendo sua compreensão da luta de classes construída ainda no sécu-
lo XIX. [...] A reviravolta da esquerda conduziu-a, porém, para aquém
de Marx: a realidade da luta de classes, que pode ser conhecida e en-
frentada através da dialética materialista, é agora relegada à ignorân-
cia e à omissão. Desistir de conhecer e desistir de transformar são mo-
tivos pós-modernos para abandonar o tema da luta de classes, mas são
também gestos perigosos. Como a esfinge que defendia os portões de
Tebas, a luta de classes também promete vingar-se de quem não a deci-
fra. Sua vingança se chama barbárie, e já habita entre nós.

O autor em seu profundo realismo nos insta a pensar por contra-


dição, tarefa inescapável. Por isso mesmo, no interior do projeto bur-
guês, vemos o professor e o pesquisador combatentes, guerreiros, ape-
gados às suas capacidades de refletirem coletivamente e de projetarem
um mundo para além do capital.
Em um texto de 2007, Shiroma e Evangelista (p. 533) referem-se
ao “professor obstáculo”, figura divulgada por OM para designar o do-
cente que não aderia à agenda da reforma. Ele continua existindo como
obstáculo à reforma em um sentido criador, capaz de autonomia sobre
a direção de seu trabalho.
Assim, nós – professores e pesquisadores – podemos nos propor
a outras tarefas, tais como: a) elaborar uma crítica sistemática às políti-
cas nacionais em andamento e difundi-la; b) defender tenazmente a di-
mensão pública da escola e o público que dela necessita; c) reconhecer
o conhecimento histórico-científico como direito a ser apropriado pelas
classes subalternas; d) rejeitar as estratégias de privatização da escola
pública pelos interesses dominantes em qualquer de suas formas15; e)
encontrar formas de militância pertinentes, em partidos, sindicatos ou
Um problema a ser enfrentado decisivamente e para o qual Freitas (2011) e Martins (2009) ofere-
15

cem contribuições fundamentais.

QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores 39


Olinda Evangelista

outras; f) construir alternativas educativas que possam cimentar pro-


postas comprometidas com a emancipação de todos aqueles que vivem
de seu trabalho.

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40 QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores


Capítulo I
Qualidade da educação pública: estado e organismos multilaterais

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QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores 45


Capítulo II

INTERNACIONALIZAÇÃO DAS POLÍTICAS


EDUCACIONAIS E REPERCUSSÕES NO FUNCIONAMENTO
CURRICULAR E PEDAGÓGICO DAS ESCOLAS
José Carlos Libâneo (PUC-Goiás)

Introdução

Há cerca de 30 anos tem início na história da educação um pro-


cesso global, planejado, sistemático e institucionalizado de uniformi-
zação das políticas educacionais em escala mundial, em que joga um
papel decisivo os organismos internacionais multilaterais (FMI, Banco
Mundial, UNESCO, entre outros). Com objetivos e estratégias concer-
tados supranacionalmente, a partir de acordos bilaterais, tais organis-
mos passam a influir em planos, programas, diretrizes e formas de exe-
cução ligados a políticas econômicas, financeiras e sociais, ainda que os
países possam fazer ajustes às realidades locais.
No campo da educação, princípios, normas e procedimentos
em relação a políticas educacionais de países em desenvolvimen-
to ou emergentes passam a ser formulados em boa parte pelo Banco
Mundial devido à liderança que veio assumindo em relação aos de-
mais organismos desde os anos 1990. Um marco histórico em rela-
ção às influências supranacionais na educação mundial foi a realiza-
ção da Conferência Mundial sobre Educação para Todos, realizada
em Jontien, Tailândia, em 1990, organizada e dirigida pelos seguintes
organismos: Banco Mundial (BIRD), Organização das Ações Unidas
para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco),), Programa das Nações
Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e Fundo das Nações Unidas
José Carlos Libâneo

para a Infância (Unicef). Dessa Conferência resultaram uma série de


outras regiões com os países membros para avaliação e monitoramen-
to da execução de seus princípios, normas e procedimentos pelos pa-
íses credores de empréstimos. Um número significativo de pesqui-
sadores brasileiros vêm produzindo estudos e análises, com base em
documentos, visando compreender esta complexa trama que envolve
as relações internacionais entre países ricos e pobres, particularmen-
te em relação à educação (LEHER, 1998; DE TOMMASI, WARDE
E HADDAD, 1998; ALTMANN, 2002; FRIGOTTO E CIAVATTA,
2003; NEVES, 2005; EVANGELISTA e SHIROMA, 2004, 2007;
SHIROMA, GARCIA e CAMPOS, 2011, FREITAS, 2011a e b;
BUENO E FIGUEIREDO, 2012, entre outros). Em face desses estu-
dos, é imperioso que os professores em exercício e os futuros profes-
sores tomem conhecimento do papel decisivo que organismos inter-
nacionais vêm assumindo na definição das políticas educacionais no
Brasil e como vem ocorrendo. Com efeito, políticas, diretrizes e nor-
mas que vêm regulando as ações em educação em nosso país precisam
ser compreendidas no contexto da globalização das relações econômi-
cas, sociais e culturais que caracterizam as formas de manutenção e
expansão do capitalismo contemporâneo. No entanto, os estudos que
mencionamos não parecem ainda suficientes para atingir a consciên-
cia crítica dos intelectuais da educação, técnicos da educação, políti-
cos, dirigentes de associações cientificas e sindicais. Mais grave ain-
da é débil presença desses estudos em relação aos impactos da inter-
nacionalização das políticas educacionais nos aspectos curriculares e
pedagógico-didáticos no interior das escolas. Com efeito, não se pode
falar em objetivos educacionais, currículo, organização de escolas,
formação de professores, práticas de avaliação, etc. se referenciar es-
ses temas às influências internacionais e reformas educativa conduzi-
das no mundo todo no quadro dessas influências (LIBÂNEO, 2012).
É neste âmbito que se insere o presente texto.

48 QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores


Capítulo II
Internacionalização das políticas educacionais e repercussões no funcionamento curricular e pedagógico das escolas

1. O que é a internacionalização das políticas educacionais

Compreende-se por internacionalização processos e ações re-


lacionados com influências de organismos internacionais multilate-
rais sobre sistemas educacionais de países credores desses organismos.
Trata-se de um fenômeno típico da globalização econômica e política
em que agências de controle monetário, comercial e creditício em nível
mundial, ligadas às nações mais ricas, definem um conjunto de princí-
pios, regras e procedimentos ligados à governança pública destinados
a articular empréstimos com formas de monitoramento e controle de
programas de financiamento em relação a países tomadores desses em-
préstimos. No caso de países em desenvolvimento ou emergentes, tais
programas estão ligados hoje a políticas sociais, educação, saúde, segu-
rança. Ao monitorar e regular esses países, os organismos internacio-
nais intervêm na formulação e execução das políticas públicas, ainda
que os governos tenham alguma margem de atuação para redefini-las
em razão de peculiaridades nacionais. Podem ser citados entre os or-
ganismos internacionais multilaterais: Fundo Monetário Internacional
(FMI), Banco Mundial (BM), Organização das Nações Unidas (ONU),
Organização das Nações Unidas para a educação, a ciência e a cultura
(UNESCO), Organização Mundial do Comércio (OMC), Organização
para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), Fundo das
Nações Unidas para a Infância (UNICEF), Programa das Nações Unidas
para o Desenvolvimento (PNUD). Há também organismos regionais
como Organização dos Estados Americanos (OEA), Tratado Norte-
americano de Livre comércio (NAFTA), MERCOSUL, Comissão
Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), entre muitos ou-
tros, bem como uma variedade de Organizações Não Governamentais
internacionais e nacionais.
Conforme Herrero (2013), esses organismos ou agências, de
cunho comercial-monetário e creditício-internacionais, foram criados
pelos Estados Unidos, na Conferencia de Bretton Woods (1944) realiza-
da no estado de New Hampshire (EE.UU), para regulamentar, no âm-
bito do direito internacional, seu predomínio em assuntos mundiais e o

QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores 49


José Carlos Libâneo

desenvolvimento do capitalismo no período pós-segunda guerra mun-


dial. Essa Conferência reuniu quarenta e quatro nações com o objeti-
vo de refundar o capitalismo após a forte crise estrutural que os EUA
haviam sofrido na guerra e, assim, definir novas regras para as rela-
ções econômicas e comerciais entre os países, tarefa que coube prin-
cipalmente ao Banco Mundial e ao Fundo Monetário Internacional.
Inicialmente o Banco Mundial se dedica a conceder empréstimos com
juros baixos para a reconstrução de países devastados pela guerra. Com
a intensificação da globalização econômica, passou a fazer emprésti-
mos a países em desenvolvimento para implementar sua infraestrutura
e impor políticas de controle nas políticas econômicas e sociais desses
países. Conforme esse autor:

Atualmente, em um mundo dirigido pelo neoliberalismo capitalista há


instituições oficiais que controlam e dirigem o espaço econômico mun-
dial, como o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial
(BM) e a Organização Mundial do Comercio (OMC), estabelecidas as
duas primeiras como já mencionado, na Conferencia de Bretton Woods
e a terceira em 1995, em pleno progresso do processo de globalização.
Os Chefes de Estado dos países mais desenvolvidos constituíram o G-8
formado pela Alemanha, Canadá, Estados Unidos, Itália, Japão, Reino
Unido e Rússia, ampliado posteriormente no G-20, constituído por pa-
íses industrializados e emergentes. Na União Europeia cabe destacar o
Banco Central Europeu (Ib.)

Mais especificamente no campo da educação, internacionaliza-


ção significa a modelação dos sistemas e instituições educacionais con-
forme expectativas supranacionais definidas pelos organismos interna-
cionais ligados às grandes potencias econômicas mundiais, com base
em uma agenda globalmente estruturada para a educação, as quais se
reproduzem em documentos de políticas educacionais nacionais como
programas, projetos de lei, etc.
O principal evento diretamente relacionado com a as políticas
educacionais foi a Conferência Mundial sobre Educação para Todos
(1990). Seguiram-se a ela, a Conferência de Cúpula de Nova Delhi, Índia
(1993), Cúpula Mundial de Educação para Todos, Dakar (2000), sendo

50 QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores


Capítulo II
Internacionalização das políticas educacionais e repercussões no funcionamento curricular e pedagógico das escolas

esses encontros destinados a avaliar e modificar os termos definidos na


Conferencia de Jomtien que é, ainda, hoje, o documento de referência
paras políticas educacionais dos países pobres. O Banco Mundial, por
sua vez, elabora regularmente relatórios técnicos sobre suas atividades.
Os documentos originados dessas conferências assinados pelos países
membros e as orientações políticas e técnicas do Banco Mundial vêm
servindo de referência às políticas educacionais do Brasil: Plano Decenal
Educação para Todos (1993-2003), Plano Nacional de Educação (2001-
2010), LDB de 20061 e outras diretrizes para a educação do Governo
FHC e, em sequência, do Plano de Desenvolvimento da Educação
(PDE) e outros instrumentos legais e organizativos do Governo Lula,
que continuam em vigor até o presente numa infinidade de ações socioe-
ducativas implantadas com a gestão do ministro Haddad e mantidas pela
atual gestão do Ministério da Educação. Cabe registrar que no Brasil as
orientações internacionais são assumidas pelo Movimento Todos pela
Educação (SHIROMA, GARCIA e CAMPOS, 2011;).

2. Políticas internacionais para a educação e a redução da pobreza

Estão disponíveis vários estudos apresentando e discutindo a ló-


gica das relações entre pobreza, desenvolvimento econômico e escola
(LEHER, 1998; EVANGELISTA e SHIROMA, 2004, 2006; RABELO,
MENDES SEGUNDO E JIMENEZ, 2009, SHIROMA, GARCIA e
CAMPOS, 2011, FREITAS, 2011; BUENO E FIGUEIREDO, 2012,
EVANGELISTA E LEHER, 2012, entre outros). Nesses trabalhos se
esclarece que a partir de 1968, mas, principalmente, dos anos 1970, os
sucessivos relatórios do Banco Mundial vêm associando as políticas
educacionais ao combate à pobreza. Esses relatórios expressam clara-
mente a tese de que os financiamentos do Banco devem estar centra-
dos em programas de alivio à pobreza e de redução da exclusão social,
como condição para o aumento da produtividade em função do desen-

1 Não é demais lembrar que no art. 87 da LDB/1996, §1º se estabelece que o Plano Nacional de Edu-
cação a ser encaminhado ao Congresso Nacional deve estar em sintonia com a Declaração Mundial
sobre Educação para Todos.

QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores 51


José Carlos Libâneo

volvimento na ótica do neoliberalismo econômico. Obviamente, a re-


forma no sistema educacional aparece como política prioritária, a edu-
cação fundamental como motor do desenvolvimento, tal como se lê em
documentos do Banco:

A educação básica se concebe como um meio para satisfazer as neces-


sidades mínimas de aprendizagem das massas de modo que todos os in-
divíduos possam participar eficazmente no processo de desenvolvimen-
to. Por conseguinte, a educação básica pode ser útil para incrementar a
produtividade e, também, melhorar as oportunidades dos grupos menos
desfavorecidos. (BM 1974, p. 60)

A educação é a pedra angular do crescimento econômico e do desen-


volvimento social e um dos principais meios para melhorar o bem-estar
dos indivíduos. Ela aumenta a capacidade produtiva das sociedades e
suas instituições políticas, econômicas e científicas e contribui para re-
duzir a pobreza, acrescentando o valor e a eficiência ao trabalho dos po-
bres e mitigando as consequências da pobreza nas questões vinculadas
à população, saúde e nutrição (...). O ensino de primeiro grau é a base e
sua finalidade fundamental é dupla: produzir uma população alfabetiza-
da e que possui conhecimentos básicos de aritmética capaz de resolver
problemas no lar e no trabalho, e servir de base para sua posterior edu-
cação (BM, 1992, in TORRES, p. 131).

Está claro nos documentos que a educação fundamental (deno-


minada nos documentos como “educação básica”) constitui-se em po-
lítica compensatória para proteção dos pobres uma vez que mantidos
nessa condição não poderiam ajustar-se aos padrões do desenvolvimen-
to econômico. Ela cumpre, assim, um papel de integração social, pois
supre os pobres de conhecimentos mínimos, especialmente alfabetiza-
ção e matemática, bem como de habilidades de sobrevivência como
planejamento familiar, cuidados com a saúde, nutrição, saneamento e
educação cívica, tal como aparecem reiteradamente nos documentos.
Segundo Soares, “as políticas de alívio à pobreza têm caráter instru-
mental, subordinando-se ao objetivo de evitar a emergência de tensões
sociais que possam comprometer a continuidade das reformas econô-
micas” (SOARES, p. 30).

52 QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores


Capítulo II
Internacionalização das políticas educacionais e repercussões no funcionamento curricular e pedagógico das escolas

O Banco vem, assim, centrando suas políticas em duas diretrizes:


investimento nas áreas sociais dos países em desenvolvimento e cria-
ção de parcerias mais intensas com as ONGs e outras organizações da
sociedade (HADDAD, p. 58). Trata-se claramente de planejar políticas
sociais para instrumentalizar a política econômica, como fica claro em
documento do Banco Mundial de 1990, citado por Coraggio:

Segundo o Banco, sua estratégia tem dois componentes: 1) promover


o uso produtivo do recurso mais abundante dos pobres, o trabalho, me-
diante um ‘eficiente cresci mento do trabalho intensivo, baseado em ade-
quados incentivos de mercado, infraestrutura física, instituições e inova-
ção tecnológica’; 2) fornecer aos pobres os serviços sociais básicos, em
especial, saúde primária, planejamento familiar, nutrição e educação pri-
maria. (...) É importante destacar que, nesta visão, o Banco considera ‘o
investimento em educação como a melhor forma de aumentar os recur-
sos dos pobres’ (Banco Mundial, 1990, in: CORAGGIO, 1996, p. 85).

É assim que surge o termo “satisfação de necessidades básicas de


aprendizagem”, subtítulo da Declaração Mundial sobre Educação para
todos, de Jontien. Unem-se assim, nas estratégias de combate à pobreza,
os termos educação para todos, satisfação de necessidades básicas de
aprendizagem, aumento da produtividade dos pobres. Qual é a questão
a desvelar na relação entre as políticas de combate à pobreza e a edu-
cação pública? É, precisamente, a lógica perversa dessa relação sinteti-
zada na expressão “educação para todos”, tal como escreve Coraggio:

(Educação para todos significa) degradar o conceito intrínseco de saú-


de, educação ou saneamento, refletido na utilização do adjetivo “bási-
co”. (...) Para tanto, segmenta-se de fato a população em dois setores:
os pobres que só dispõem de serviços básicos gratuitos ou subsidiados,
os quais tendem a ser de menor qualidade; os que obtêm serviços mais
amplos, integralmente por meio do mercado, incluindo serviços “bási-
cos” de melhor qualidade (p. 88).

Kruppa (2001), com base em documentos setoriais do Banco


Mundial de 1990 a 2000, sintetiza as políticas e formas de atendimen-
to aos diferentes níveis educacionais em relação aos países emergentes:

QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores 53


José Carlos Libâneo

Educação Infantil: ênfase no cuidado e saúde da criança pe-


quena para a população de baixa renda, com uma visão educacional,
recomendando-se que “os custos de sua oferta sejam assumidos, em
parceria, com as ONGs, em especial, em relação ao pagamento de pes-
soal, e que o gerenciamento dessa oferta fique, também, à cargo des-
sas entidades”.
Educação Básica (ensino fundamental): deve ter como conteúdo
principal um mínimo de reposição educacional destinado a pessoas de
baixa escolaridade (o “minimum learning basic”). Embora o Banco in-
centive o custeio dessa modalidade escolar por meio de contribuições
da comunidade, “admite que a sua oferta principal seja de responsabili-
dade do setor público”.
Ensino Médio: Deve ser aberto àqueles que demonstrem capaci-
dade para segui-lo, assegurando-lhes bolsas de estudo, uma vez que a
sua oferta deva ser feita, prioritariamente, pelo setor privado.
Ensino superior: o Banco é renitente ao afirmá-lo como espaço
de atuação exclusiva do setor privado, propondo fundos para bolsas de
estudo destinadas aos capazes, mas com renda insuficiente.
Educação de Adultos: Ainda que sejam elogiados certos progra-
mas de educação à distância (como os da Fundação Roberto Marinho),
e que o Banco se diga compromissado com os termos acordados na
“Conferência Mundial de Educação para Todos”, não há, nos documen-
tos estudados, qualquer ênfase para essa questão, principalmente em re-
lação à América Latina.
A essas estratégias do Banco Mundial em que se percebe tendên-
cia à privatização da oferta educacional, se liga outra, mais recente, re-
lacionada com a subordinação da educação ao mercado de trabalho. Em
documento do Banco Mundial denominado “Aprendizagem para todos:
Investimento no conhecimento e nas habilidades das pessoas para pro-
mover o desenvolvimento” (2011), verifica-se que a estratégia para se
alcançar a “Aprendizagem para Todos” na próxima década é que “os
indivíduos aprendam, dentro e fora da escola, desde a pré-escola, por
meio do mercado de trabalho.

54 QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores


Capítulo II
Internacionalização das políticas educacionais e repercussões no funcionamento curricular e pedagógico das escolas

Dentro das ligações entre os sistemas de educação e o mercado de tra-


balho, o aprimoramento da relevância do mercado de trabalho é um dos
principais objetivos da nova Estratégia. Atualmente, muitos jovens em
países em desenvolvimento estão deixando a escola e entrando no mer-
cado de trabalho sem o conhecimento, as habilidades e as competências
necessárias para prosperar em uma economia global competitiva. Com
foco na aprendizagem, a nova estratégia vai voltar a atenção não apenas
para a matrícula e conclusão mas para verificar se os egressos da escola
têm o conhecimento e as habilidades necessárias relacionadas ao mer-
cado, e o objetivo é aumentar a parte de projetos que inclui objetivos
voltados para o mercado de trabalho.

Em outro trecho do documento, são citados como principais de-


safios “melhorar a capacidade do sistema de ensino para contribuir para
o desenvolvimento da força de trabalho e garantir que alunos desfavo-
recidos e de baixo desempenho tenham acesso à qualidade e a oportu-
nidades de aprendizagem relevantes”. Para isso, entre as prioridades do
Banco está a de promover a igualdade de oportunidades de aprendiza-
gem para as populações desfavorecidas por meio de por programas fle-
xíveis de competências, leia-se, “conteúdos mínimos”.
Analisando as políticas internacionais para a educação, Freitas
argumenta que os organismos multilaterais, ONGs, movimentos pela
educação vinculados a corporações empresariais (no Brasil, especifica-
mente, o Movimento Todos pela Educação), “procuram implementar a
visão de educação como subsistema do aparato produtivo” (2011, p. 1)
definindo objetivos para a escola a partir de necessidades estratégicas
de mão de obra. Trata-se de uma política explícita do governo, alinhado
aos interesses corporativos empresariais, de vincular políticas educa-
cionais a produtividade do trabalho (p.5), regulando a formação de tra-
balhadores para necessidades imediatas da economia. Em razão disso,
os sistemas educacionais dos países emergentes, com o suporte de orga-
nismos internacionais, estabelecem o que o aluno fará em determinado
nível de ensino de modo a ser medido no seu desempenho de competên-
cias. Ou seja, são medidas habilidades básicas, não o desenvolvimento
conceitual de alto nível (p.8). Tais resultados servirão para responsabi-
lizar gestores, diretores, professores e alunos.

QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores 55


José Carlos Libâneo

Verifica-se, pois, que as políticas educacionais recomendadas pe-


los organismos internacionais subordinam-se aos programas sociais de
combate à pobreza. A educação enquanto necessidade básica baseada
em conteúdos mínimos constitui-se em condição para melhorar a pro-
dutividade da população pobre (como força de trabalho), o que signifi-
ca incluir os pobres no sistema econômico (ao menos por meio do em-
prego), no mercado de consumo (como consumidores) e no exercício
da cidadania (como sujeitos comportados). Por outro lado, Evangelista
e Shiroma comentam que a tese do combate à pobreza pelas estratégias
do sistema econômico internacional fica comprometida uma vez que
esse próprio sistema está estruturalmente implicado na produção da po-
breza (2012, p. 50). Rabelo, Mendes Segundo e Jimenez reforçam esse
entendimento ao mostrar que as políticas educacionais propostas para
os países do capitalismo periférico visam ajustar os indivíduos aos di-
tames do trabalho explorado. Elas se efetivam pela negação do conhe-
cimento junto com a manipulação ideológica das consciências, “com
vistas à naturalização da exploração e de seus desdobramentos no plano
da desumanização crescente do próprio homem” (2009, p. 4). Os docu-
mentos dos organismos internacionais têm, assim, o propósito de difun-
dir modelos cognitivos culturais a serem internalizados pela população,
pelos diretores de escola, professores, técnicos de educação, com ex-
tenso uso das mídias. Ou seja, concepções e conceitos globais, normas
e procedimentos vão fazendo a cabeça dessas pessoas, as quais os as-
similam cognitivamente por estratégias de comunicação. Por exemplo,
documentos do BM e da UNESCO, reproduzidos em documentos na-
cionais, introduziram conceitos que estão incorporados na subjetivida-
de dos professores tais como: educação inclusiva, ciclos de aprendiza-
gem, competências, ações socioeducativas.
Estudos e análises correspondentes às décadas posteriores con-
forme mencionados e os próprios programas atualmente em andamento
no Ministério da Educação, mostram que boa parte dessas políticas está
em vigor no Brasil. As orientações, baseadas na análise econômica, re-
percutem nas políticas educativas e servem de base para a formulação
de currículos, formas de funcionamento das escolas, sistema de forma-

56 QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores


Capítulo II
Internacionalização das políticas educacionais e repercussões no funcionamento curricular e pedagógico das escolas

ção de professores, formas de avaliação do sistema de ensino, das esco-


las e das aprendizagens. As políticas educacionais em vigor no Brasil
estão inseridas nessa estratégia de proteção social para os pobres. Já em
2009, Algebaile caracterizava as políticas de expansão das escolas no
Brasil como utilização delas para “atenuação dos conflitos potenciais
vinculados ao quadro de intensificação da pobreza, redução de direitos
e desmonte de horizontes”. Desse modo, a escola transformou-se num
lugar de atender carências de saúde, de lazer, de assistência social, aten-
dendo a ações que deveriam caber a outros setores do estado e de outras
instancias da sociedade. Os objetivos de ensinar e aprender passaram
ao segundo plano, reduzidos a prover apenas conteúdos mínimos para
sobrevivência social, não para desenvolver a inteligência, formar capa-
cidade de raciocínio, formar capacidades mentais.
São, pois, suficientes os indícios de que as políticas educacionais
formuladas por organismos internacionais desde 1990 presidem as po-
líticas para a escola em nosso país, havendo razões para suspeitar que
as vêm afetando negativamente o funcionamento interno das escolas e
o trabalho pedagógico-didático dos professores. Na medida em que a
educação escolar fica restrita a objetivos de solução de problemas so-
ciais e econômicos e a critérios do mercado, fica comprometido o seu
papel em relação a seus objetivos prioritários de ensinar conteúdos e
promover o desenvolvimento das capacidades intelectuais dos alunos.
Desse modo, tais políticas atuam no empobrecimento da escola e nos
baixos índices de desempenho dos alunos e, nessa medida, atuando na
exclusão social dos alunos na escola, antes mesmo da exclusão social
promovida na sociedade.

3. A visão de escola e do processo de ensino-aprendizagem nos


documentos internacionais

Os documentos a que temos nos referido formulam orientações


gerais e raramente chegam a detalhamentos em relação a aspectos pe-
dagógico-didáticos. A mencionada “melhoria da qualidade da educa-
ção” é quase sempre vista na lógica da análise econômica, já que no-

QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores 57


José Carlos Libâneo

toriamente, no caso do Banco Mundial, as políticas são formuladas


por economistas para serem executadas por educadores. Trata-se, no
dizer de Torres, de um modelo educativo que tem pouco de educativo,
já que sofre de duas ausências, os professores e a pedagogia, precisa-
mente o âmbito em que seriam contemplados os aspectos qualitativos
que constituem a essência da educação (TORRES, 1996) A mesma
autora aponta que a dominância do discurso econômico exclui o dis-
curso propriamente educativo como as realizações da escola, as rela-
ções e processos de ensino-aprendizagem na aula, o da pedagogia e
da educação, bem como seus profissionais como os professores e es-
pecialistas em educação, embora se afirme nos documentos que as po-
líticas educacionais se definem em nome da aprendizagem, da escola
e da sala de aula.
As políticas para a escola e sala de aula são contempladas nas
Declarações Mundiais mencionadas em três orientações: a) centrar a
educação nas necessidades básicas de aprendizagem; b) prover instru-
mentos essenciais e conteúdos da aprendizagem necessários à sobrevi-
vência; c) considerar a educação básica (ensino fundamental no Brasil)
como base para a aprendizagem e o desenvolvimento humano perma-
nentes. Com efeito, eis como aparece na Declaração Mundial de Jontien
a noção de aprendizagem:

Artigo 1 - Satisfazer as necessidades básicas de aprendizagem - Cada


pessoa – criança, jovem ou adulto – deve estar em condições de apro-
veitar as oportunidades educativas voltadas para satisfazer suas neces-
sidades básicas de aprendizagem. Essas necessidades compreendem
tanto os instrumentos essenciais para a aprendizagem (como a leitura e
a escrita, a expressão oral, o cálculo, a solução de problemas), quanto
os conteúdos básicos da aprendizagem (como conhecimentos, habilida-
des, valores e atitudes), necessários para que os seres humanos possam
sobreviver, desenvolver plenamente suas potencialidades, viver e tra-
balhar com dignidade, participar plenamente do desenvolvimento, me-
lhorar a qualidade de vida, tomar decisões fundamentadas e continuar
aprendendo. A amplitude das necessidades básicas de aprendizagem e
a maneira de satisfazê-las variam segundo cada país e cada cultura, e,
inevitavelmente, mudam com o decorrer do tempo.

58 QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores


Capítulo II
Internacionalização das políticas educacionais e repercussões no funcionamento curricular e pedagógico das escolas

Ou seja, os conteúdos e métodos de educação precisam ser de-


senvolvidos para servir às necessidades básicas de aprendizagem dos
indivíduos e das sociedades, proporcionando-lhes o poder de enfren-
tar seus problemas mais urgentes – combate à pobreza, aumento da
produtividade, melhora das condições de vida e proteção ao meio
ambiente – e permitindo que assumam seu papel por direito na cons-
trução de sociedades democráticas e no enriquecimento de sua he-
rança cultural.
Tão claras intenções parecem compatíveis com uma visão demo-
crática da escola para todos defendida por setores progressistas, ainda
mais que são assentadas em sólidos diagnósticos sobre a situação de
analfabetismo, pobreza, falta de acesso à população pobre aos conhe-
cimentos e às tecnologias. No entanto, se examinadas tendo em con-
ta as políticas globais dos organismos financeiros internacionais, logo
se verá como foram impregnadas da intencionalidade economicista e
pragmática. Verifica-se aí uma visão instrumental de aprendizagem que
ao longo das políticas dos órgãos multilaterais vai adquirindo uma co-
notação cada vez mais pragmática e imediatista. Numa compreensão
mais restrita, a aprendizagem é vista meramente como necessidade na-
tural, desprovida de seu caráter cultural e cognitivo. O papel do ensi-
no fica dissolvido, reduzindo a possibilidade de desenvolvimento pleno
dos indivíduos já que crianças e jovens acabam submetidos a um currí-
culo de noções “mínimas” e obrigados a aceitar uma escola enfraqueci-
da de conteúdos significativos.
No documento do Banco Mundial (2011) já mencionado, os la-
ços entre a escola e o mercado de trabalho são apresentados sem sub-
terfúgios. Mantém aí uma escola de conteúdos mínimos necessários
ao trabalho e emprego, mas realça-se ainda mais a noção de aprendi-
zagem como aquisição de habilidades dissociadas do seu conteúdo e
significado pouco contribuindo para o desenvolvimento das capacida-
des intelectuais e a formação da personalidade. Define-se assim uma
proposta de educação voltada para os mais pobres visando atender
suas necessidades mínimas, suficientes para empregos e sobrevivên-
cia social.

QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores 59


José Carlos Libâneo

Na Declaração de Dakar, que se seguiu à Conferência de Jontien,


um dos objetivos da Educação para Todos é “expandir e melhorar o
cuidado da criança pequena, especialmente para as crianças mais vul-
neráveis e em maior desvantagem”. Entre as metas estão: promover
políticas de Educação para Todos dentro de marco setorial e sustentá-
vel, claramente articulado com a eliminação da pobreza e com estraté-
gias de desenvolvimento. É recomendado que os países desenvolvam
planos nacionais de ação os quais “devem ser integrados em um mar-
co mais amplo de redução da pobreza e desenvolvimento” (Declaração
de Dakar, 2000). Nessa Declaração, a educação para os pobres, base-
ada no princípio da satisfação de necessidades básicas de aprendiza-
gem, tem como meta a consecução de um padrão mínimo de qualida-
de. Insiste-se que se trata de aprender “conhecimentos úteis, habilida-
des de raciocínio, aptidões e valores” definidos em níveis desejáveis
de aquisição de conhecimentos (competências) cujo desempenho deve
ser avaliado. É notório que o padrão mínimo de qualidade refere-se a
um mínimo “básico” para um cidadão pobre para atender necessida-
des imediatas ligadas principalmente ao trabalho, o que significa des-
cartar o conhecimento universal relacionado com a comunicação oral
e escrita e às dimensões da realidade física e social. No Documento
de Dakar também fica explicito o conteúdo das necessidades bási-
cas da educação como saberes atitudinais no campo dos valores, das
competências, habilidades e relações pessoais (RABELO, MENDES
SEGUNDO, JIMENEZ, 2009, p. 10). Prioriza-se, assim, o desenvol-
vimento de competências em detrimento dos conteúdos, com o argu-
mento de que as competências cognitivas e sociais devem se sobrepor
à mera informação, conteúdos subordinados às competências, visando
inclusão no mercado de trabalho. O básico se reduz ao conhecimento
útil para o mercado de trabalho2.

2 Freitas cita, a esse respeito, um autor finlandês que, a propósito da definição de objetivos mínimos
de ensino, comentou: “se você definir objetivos mínimos para as escolas você sempre vai alcançar
objetivos baixos, mínimos. É por isso que estabelecermos objetivos elevados para todos...” (FREITAS,
2012, p. 389). O mesmo autor cita Saviani: “todos sabemos que a juventude mais pobre depende
fundamentalmente da escola para aprender; se for limitada suja passagem pela escola às habilida-
des básicas, nisso se resumirá sua formação (p. 390).

60 QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores


Capítulo II
Internacionalização das políticas educacionais e repercussões no funcionamento curricular e pedagógico das escolas

Os documentos das conferências internacionais acentuam, tam-


bém, o papel socializador e integrador da escola, visando à formação
para a cidadania, especialmente, para a solidariedade e diversidade so-
cial e cultural (SHIROMA, GARCIA E CAMPOS, 2011). Criticando
esse modo economicista de encarar a diversidade, Falleiros escreve que
o papel da escola nessa perspectiva é formar para um tipo de cidadania,
em que “espírito de competitividade seja desenvolvido em paralelo ao
espírito de solidariedade”, levando a reduzir as diferenças e a miséria
e amenizando a luta de classes e as diferenças raciais, sociais, culturais
entre tantas outras (2005, p. 211).
O que se conclui, acompanhando Torres (2001, p. 40), é que se
perdeu nessas políticas o sentido “pedagógico” da escola, pois, as ne-
cessidades básicas de aprendizagem transformaram-se num “pacote
restrito e elementar de destrezas úteis para a sobrevivência e para as
necessidades imediatas e mais elementares das pessoas”. Ou seja, os
instrumentos essenciais de aprendizagem (domínio da leitura, da es-
crita, do cálculo, das noções básicas de saúde, etc.) converteram-se em
“destrezas” ou habilidades para a sobrevivência social, bem próximas
da ideia de que o papel da escola é prover conhecimentos ligados à rea-
lidade imediata do aluno, utilizáveis na vida prática, sem compromisso
da escola com o desenvolvimento de formas superiores de pensamen-
to do aluno.
Em resumo, as políticas educacionais em curso sob auspícios dos
organismos internacionais carregam uma visão de escola em que há so-
breposição da missão social sobre a missão pedagógica. Currículo e es-
cola são instrumentos para resolver problemas sociais ou econômicos
para minimizar os efeitos indesejáveis da pobreza em relação aos inte-
resses do mercado. Concebe-se escola como focada nas necessidades
imediatas do aluno, não no conhecimento e na aprendizagem, produzin-
do esvaziamento dos conteúdos, já que predomina um currículo basea-
do em habilidades e competências desprovidas de reflexividade. A valo-
rização do discurso da diferença aparece como estratégia de harmoniza-
ção das relações sociais nos países pobres, como a esconder os conflitos
sociais e as desigualdades entre grupos e classes sociais. Condenados

QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores 61


José Carlos Libâneo

a executar um currículo instrumental, os professores tem sua profissão


banalizada e desvalorizada.

4. As propostas de currículo escolar

As políticas para a escola, conforme vimos, apontam quatro


orientações gerais: ênfase na satisfação de necessidades básicas de
aprendizagem, conteúdos de aprendizagem e habilidades “mínimas”
necessários à sobrevivência e ao trabalho, avaliação do rendimento es-
colar pelos resultados de aprendizagem, papel socializador e integra-
dor da escola para a formação da cidadania e solidariedade. Vimos,
também, que tais traços identificam a escola de proteção aos pobres
que visa a inserção deles no sistema produtivo e, ao mesmo tempo,
mantê-los num ambiente que favoreça a aprendizagem de valores e
atitudes requeridos pela nova cidadania. Em princípio, o modelo pro-
posto realça dois papéis para a escola: transmitir um currículo instru-
mental e imediatista e organizá-la como lugar de convivência e aco-
lhimento social. Há razões para se afirmar que este modelo consuma
plenamente seus propósitos em projetos da escola de tempo integral de
vários Estados.
Nem sempre as duas características apontadas aparecem com
clareza nas propostas curriculares em andamento nos vários Estados
brasileiros. Nos próprios documentos oficiais elas não aparecem de for-
ma sistematizada como apresentaremos aqui, havendo, inclusive, dife-
renças entre recomendações do Banco Mundial e da UNESCO. A des-
peito dessas dificuldades, no quadro das políticas neoliberais para a es-
cola, resultam ao menos duas concepções de currículo escolar, o currí-
culo instrumental, baseado numa pedagogia de resultados, e o currículo
de proteção social, que valoriza a adoção de formas de organização das
relações humanas voltadas para a convivência e integração social. Na
implantação desses currículos no Brasil, parecem existir três situações
nos sistemas de ensino: a) os que conjugam esses dois modelos; b) os
que focam mais o currículo instrumental; c) os que focam o currículo de
proteção social. A escolha de uma dessas situações por parte dos siste-

62 QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores


Capítulo II
Internacionalização das políticas educacionais e repercussões no funcionamento curricular e pedagógico das escolas

mas escolares estaduais e municipais varia conforme preferências ideo-


lógicas e políticas dos dirigentes da educação.
O currículo instrumental tem um viés acentuadamente economi-
cista, deve estar ligado a necessidades imediatas dos alunos para o tra-
balho e emprego. São oferecidos conteúdos mínimos definidos a partir
de objetivos de competências mensuráveis, avaliados por testes cujos
resultados servirão para premiação das melhores escolas e melhores
professores. É fundamental o estabelecimento de metas quantitativas e
verificação de resultados, cujo verdadeiro objetivo é regular de cima o
sistema de ensino. O currículo de proteção social visa oferecer um am-
biente de integração e acolhimento social, com base interesses e ex-
periências comuns dos alunos, opondo-se ao currículo por disciplinas.
Embora visto como forma de integração entre conhecimento e expe-
riência por meio de projetos, carece de conhecimentos sistemáticos e
ordenados. O primeiro tipo de currículo tem sido adotado em vários
Estados brasileiros, não sem resistência dos professores, enquanto que
o segundo tem a preferência das orientações do governo federal. Há in-
dícios em sistemas estaduais de aplicação dos dois modelos concomi-
tantemente, já que nas orientações curriculares dos organismos multila-
terais não são considerados incompatíveis.
As análises que fizemos nos tópicos anteriores anteciparam as
críticas a estes dois modelos curriculares que vêm caracterizando as po-
líticas educacionais no Brasil. Partindo de críticas à pedagogia tradicio-
nal pelo seu caráter especulativo, o conhecimento por si, obsolescência
dos conhecimentos, caráter pouco prático, foi-se para outro extremo, o
treinamento de habilidades, seja em relação a questões práticas da lei-
tura, escrita e cálculo seja em relação a um currículo imediatista para
a empregabilidade. Este modelo, implantado em meio a múltiplas con-
tradições entre orientações impostas pelos sistemas de ensino e a ca-
beça do professorado, reduzem o currículo e o planejamento escolar, a
avaliação, a padrões técnicos e racionais, perdendo a peculiaridade do
ato educativo, a formação humana, que o desenvolvimento intelectual,
a capacidade reflexiva. Um currículo que se fixa apenas nas habilida-
des dissociadas do seu conteúdo e significado pouco contribui para o

QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores 63


José Carlos Libâneo

desenvolvimento das capacidades cognitivas. Seu principal problema


é negar validade ao conhecimento universal, é fazer pouco dos conteú-
dos ou ao limitar o papel da escola ao acolhimento social, é negligen-
ciado o desenvolvimento das capacidades e habilidades de pensamento.
O currículo por resultados restringe-se a oferecer aos alunos conheci-
mento instrumental, de caráter imediatista e pragmático. O currículo de
proteção social restringe-se a práticas de convivência social, mantém-se
atrelado à experiência corrente dos alunos, ainda que deem importância
a problemas sociais, respeito à diversidade social e cultural (ingredien-
tes humanamente atraentes). Em ambos se perde o sentido de escola, o
sentido do pedagógico, por onde se viabilizam as condições psicológi-
cas e pedagógico-didáticas para o desenvolvimento cognitivo, afetivo
e moral dos alunos.

5. A busca da justiça social na escola pela proposta de uma formação


cultural e cientifica articulada à diversidade social e cultural

Em paralelo à trajetória das políticas oficiais de ensino sob influ-


ência de organismos internacionais, há que se considerar o rumo que
vêm tomando as pesquisas em educação e as posições dos educadores
progressistas sobre as políticas educacionais e políticas para a escola e a
sala de aula. Cumpre registrar, antes de tudo, que o campo progressista
de educadores indubitavelmente está alinhado em torno da luta pela es-
cola pública obrigatória e gratuita para toda a população, dentro de uma
escola organizada socialmente e pedagogicamente para acolher a diver-
sidade em suas mais diversas expressões: econômicas, sociais, cultu-
rais, étnico-raciais, de gênero e sexuais, religiosas. No entanto, quando
se trata de transformar esse posicionamento em formas de organização
e funcionamento da escola e em ações pedagógicas e didáticas, surgem
divergências e desacordos.
Há uma grande diversidade de propostas curriculares e pedagó-
gicas no meio acadêmico (LIBÂNEO, 2005). No entanto, dois posi-
cionamentos se destacam (LIBÂNEO, 2006). O primeiro defende um
currículo de experiências educativas, isto é, a formação por meio de ex-

64 QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores


Capítulo II
Internacionalização das políticas educacionais e repercussões no funcionamento curricular e pedagógico das escolas

periências socioculturais vividas em situações educativas (acolhimen-


to da diversidade, práticas de compartilhamento de diferentes valores
e de solidariedade, atividades sobre problemas da vida cotidiana, etc.).
O centro do currículo são os conhecimentos locais, a vida cotidiana dos
alunos, os saberes e experiências da comunidade, etc., com forte em-
penho em promover a inclusão social e ampliar a participação, posição
que se aproxima tanto de concepções de Dewey (escola como prolon-
gamento simplificado e organizado das atividades sociais cotidianas) e
Freire, como das pedagogias do cotidiano e dos estudos culturais, entre
outras. O segundo posicionamento defende um currículo assentado na
formação cultural e científica em interconexão com as práticas socio-
culturais. Tendo como pressuposto que a escola é uma das mais impor-
tantes instâncias de democratização da sociedade e promoção de inclu-
são social, cabe-lhe propiciar os meios da apropriação dos saberes sis-
tematizados formados socialmente, como base para o desenvolvimento
das capacidades cognitivas e a formação da personalidade, por meio da
atividade de aprendizagem socialmente mediada. Além do mais, ensi-
na-se a alunos concretos, razão pela qual se faz necessário ligar os con-
teúdos às práticas socioculturais e institucionais (e suas múltiplas rela-
ções) nas quais os alunos estão inseridos. Esta concepção é, geralmente,
fundamentada em autores da teoria histórico-cultural, para quem a for-
mação das funções psicológicas superiores decorre da atividade sócio-
-histórica e coletiva dos indivíduos expressa em múltiplas formas de
mediação cultural do processo do conhecimento, incluindo aí o papel
central do ensino na promoção do desenvolvimento mental.
As abordagens sociocríticas mencionadas efetivamente diver-
gem em relação aos objetivos da escola, à concepção de conhecimento
e em como se articulam os processos escolares e a diversidade social.
O campo de disputas entre elas é demarcado por tensões existentes en-
tre a exigência social e democrática de escolarização formal a todas as
crianças e jovens e, ao mesmo tempo, a necessidade de as escolas se or-
ganizarem de forma adequada para o acolhimento da diversidade social
e cultural expressa pelas diferenças individuais e sociais entre os alunos
(LIBÂNEO, 2012). É provável que boa parte das diferentes posições

QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores 65


José Carlos Libâneo

de educadores críticos em relação aos objetivos da escola pública este-


jam pautadas por essa polarização. Com efeito, a redução do currículo
a vivências socioculturais dos grupos sociais atendidos poderia estar se
distanciando dos conhecimentos universais constituídos na experiên-
cia sociocultural da humanidade. A outra posição, ao fazer prevalecer
proposições universalizantes (o direito ao conhecimento e à formação
das capacidades intelectuais) poderia não dar o devido peso às impli-
cações da diversidade social nas situações pedagógicas. Muitos educa-
dores inseridos na prática escolar se perguntam sobre a possibilidade
de uma solução pedagógica de reunião dessas duas posições. Defender
a imprescindibilidade dos conteúdos como referência para o desenvol-
vimento das capacidades intelectuais dos alunos leva a rejeitar o papel
das culturas particulares, das diferenças socioculturais? Será possível
conciliar a posição relativista, em que os valores e práticas são produtos
socioculturais, portanto, resultantes do modo de pensar e agir de gru-
pos sociais particulares, com a exigência “social” de prover a formação
geral, acessível a todos, independentemente de contextos particulares?
Seria pedagogicamente viável prover os alunos dos conteúdos científi-
cos sem deslegitimar as práticas discursivas dos alunos a partir de seus
contextos de vida?
Advoga-se aqui a aposta num currículo baseado no conhecimen-
to crítico que incorpora as práticas socioculturais e introduz a diver-
sidade social e cultural nos conteúdos. A visão de escola centrada na
formação cultural e científica realça a universalidade da cultura esco-
lar de modo que à escola cabe transmitir, a todos, os saberes públicos
que apresentam um valor, independentemente de circunstâncias e inte-
resses particulares, em razão do direito universal ao conhecimento. Por
outro lado, como a escola lida com sujeitos diferentes, cabe considerar
no ensino a diversidade cultural, a coexistência das diferenças, a inte-
ração entre indivíduos de diferentes identidades culturais. Isso significa
reconhecer que as práticas socioculturais que crianças e jovens compar-
tilham na família, na comunidade e nas várias instâncias da vida coti-
diana são, também, determinantes na apropriação do conhecimento e
na formação da identidade pessoal e cultural, sendo que elas aparecem

66 QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores


Capítulo II
Internacionalização das políticas educacionais e repercussões no funcionamento curricular e pedagógico das escolas

na escola tanto como contexto da aprendizagem quanto como conteúdo


(HEDEGAARD e CHAIKIN, 2005, p. 25). Isto quer dizer que o desen-
volvimento do pensamento no processo de apropriação dos conteúdos
científicos, precisa estar articulado com as formas de conhecimento co-
tidiano das quais o aluno participa na família, na escola ou na comuni-
dade local. Há, pois, uma relação entre o desempenho escolar e as práti-
cas das quais ela participa. Trata-se, assim, de uma didática crítica atra-
vessada pela perspectiva intercultural em que se articulam, num mesmo
processo, o universal e o particular. A unidade entre a formação cultural
e científica e as práticas interculturais requer dos professores não ape-
nas uma atitude humanista aberta à diferença mas, principalmente, a in-
corporação dessa relação no cerne tanto das práticas de organização e
gestão da escola e da sala de aula como na própria metodologia de ensi-
no. Desse modo, essa pedagogia propõe um processo de ensino-apren-
dizagem que ensina a pensar por meio dos conteúdos atuando na forma-
ção de capacidades intelectuais dos alunos e que considera os motivos
dos alunos no trabalho com o conteúdo e as práticas socioculturais em
que os alunos participam na família, na comunidade, na escola...

Considerações finais

Para uma pauta de investigação de problemas e de propostas de


ação para a revalorização da escola pública brasileira são sugeridos os
seguintes pontos:
1) Mobilizar nossa consciência social e política para responder
a esta pergunta: em se tratando dos interesses das camadas mais pobres
da sociedade, para que serve a escola? Quais são os propósitos específi-
cos das escolas? Mas as respostas não podem mais dadas por genéricas
como “qualidade social da educação”, “atendimento à diversidade so-
cial e cultural”, etc. É preciso saber o que é necessário fazer pedagogi-
camente para efetivar essas intenções, considerando o mundo real das
escolas e salas de aula. O que confere qualidade ou não aos sistemas de
ensino são as práticas escolares, as práticas de ensino, ou seja, o que se
ensina, o como se ensina e o que o aluno faz com o que aprende.

QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores 67


José Carlos Libâneo

2) Reiterar a importância do papel da educação e do ensino no


desenvolvimento mental e formação da personalidade dos alunos, por
meio da formação e atuação com conceitos científicos. A meu ver, um
dos males principais das políticas internacionais neoliberais é o esva-
ziamento dos conteúdos na escola, conforme foi demostrado neste tex-
to. Penso que o nuclear da escola não é o aluno, não é o acolhimento
social, embora tenhamos o dever de ensinar e acolher nossos alunos. O
centro da escola é o conhecimento, no sentido de processo mental do
conhecimento, de meio de desenvolvimento de capacidades intelectu-
ais, em que os conteúdos são meios de formação de conceitos e forma-
ção de processos mentais. Isto confere com a formulação de Vigotski:
pelos conceitos científicos ultrapassamos o nível do empírico. Dizendo
isso de outra maneira, a escola trata os objetos, a realidade, o mundo,
como objetos de pensamento, ela não pode ser apenas um lugar de pro-
piciar experiências. A escola conta com a experiência, mas tem que ir
para alem da experiência cotidiana. Charlot exemplifica esse tema: o
ambiente de vida no Rio, a relação das crianças com o Rio devem ser
referência para ensinar geograficamente o Rio. Mas o Rio em que os
alunos vivem é um lugar de experiências. O relacionamento das crian-
ças com o conceito cidade do Rio transforma-se em “objeto de pensa-
mento”, em conceito. Ai o Rio é pensado em relação ao governo, ao co-
mercio, às relações sociais, e não apenas em relação à experiência vivi-
da (CHARLOT, 2009).
3) A valorização da formação cultural e científica, vale dizer, dos
conteúdos (conhecimentos habilidades, valores), não pode ser feita em
detrimento do acolhimento da diversidade social e cultural. Nós profes-
sores temos sim que acolher a diferença, propiciar o compartilhamento
de diferentes culturas, diferentes valores, cultivar o respeito à diversi-
dade cultural, étnica, de gênero, sexuais, religiosas. No entanto, é pre-
ciso uma resposta dos pedagogos para superar a tensão entre exigência
democrática de formação cultural e científica para todos e, ao mesmo
tempo, do acolhimento à diversidade social e cultural. Acredito no lema
proposto por Sacristán: uma escolaridade igual, para sujeitos diferentes,
por meio de um currículo comum.

68 QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores


Capítulo II
Internacionalização das políticas educacionais e repercussões no funcionamento curricular e pedagógico das escolas

4) Proponho uma atuação decisiva dos governos (federal, esta-


dual, municipal) nas questões intraescolares, isto é, naqueles elementos
dentro da escola que asseguram um ensino-aprendizagem de qualida-
de. Refiro-me à gestão pedagógico-curricular, às condições de ensino-
-aprendizagem, à assistência pedagógica direta ao professor na sala de
aula, à infraestrutura e material de estudo para o aluno. A desatenção aos
fatores intraescolares é outra estratégia maléfica das políticas educacio-
nais internacionais. Essas políticas postulam a responsabilização da es-
cola e dos professores pelos resultados de desempenho escolar dos alu-
nos, deixando as condições físicas e materiais de lado. Ou seja, o sistema
de ensino estabelece as metas e as escolas que se virem para cumpri-las.
Mas com que meios concretos as escolas podem se virar? Onde estão os
salários e as condições de trabalho dos professores? Qual é o estado das
instalações físicas e equipamentos das escolas? O que tem sido feito em
relação à efetiva assistência pedagógica aos professores na sala de aula?
É a isto que chegamos com a política educacional de resultados!
5) Finalmente, é claro que tudo isto envolve a formação de pro-
fessores, a profissionalização dos professores, boas práticas de organi-
zação e gestão da escola, etc.

Em síntese, tratas-se de apostar numa pauta comum pela escola


pública na qual todos os educadores estejam envolvidos. Vamos lutar
por políticas educacionais democráticas e includentes, mas que deem
atenção ao trabalho na escola e na sala de aula. Vamos resgatar a ban-
deira que, no Brasil, paradoxalmente, vem sendo assumida por setores
do empresariado, no movimento chamado Todos pela Educação.

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72 QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores


Capítulo III

A CONSTRUÇÃO DA ESCOLA PÚBLICA BRASILEIRA:


A CONTRIBUIÇÃO DE ANÍSIO TEIXEIRA
Elianda Figueiredo Arantes Tiballi1 (Puc-Goiás)

A revisita ao pensamento educacional de Anísio Teixeira no con-


texto histórico e social em que produziu suas obras continua sendo
oportuna para a compreensão do processo de construção e reconstrução
da escola pública brasileira. O propósito de investigar como esse inte-
lectual e militante pensou a escola pública brasileira exigiu uma relei-
tura de suas obras, depurada dos enquadramentos conceituais apriorís-
ticos e apressados, tais como escolanovista, funcionalista, liberal, con-
servador, progressista, que tornam abstrata e a-histórica sua produção
e pouco revelam das proposições anunciadas por esse autor2. Evitando
diluir seu pensamento em “banho de ácido sulfúrico”, e ao mesmo tem-
po partindo do suposto de que o discurso não tem autonomia ontológi-
ca, consideramos a biografia de Anísio Teixeira, os embates sociais que
engendraram sua obra e o contexto do pensamento de sua época como
mediadores para a compreensão da constituição interna de seu discurso,
ou seja, para a compreensão do percurso da constituição de seus postu-
lados em defesa da escola pública e, especialmente, em defesa da qua-
lificação desta escola.
1
Doutora em História e Filosofia da Educação; professora titular do Programa de Pós-Graduação em
Educação – Mestrado e Doutorado e do Departamento de Educação do PUC-Goiás.
2
Criticando o marxismo contemporâneo de idealismo e apriorismo, Sartre afirma que “este método
não (...) satisfaz, ele é ‘a priori’; não tira os seus conceitos da experiência – ou, pelo menos, não da
experiência nova que ele procura decifrar – ele já os tem formulado, já está certo de sua verdade,
emprestar-lhes-á o papel de esquemas constitutivos: seu único objetivo é fazer entrar os aconteci-
mentos, as pessoas ou os atos considerados em modelos pré-fabricados” (Sartre, 1987, p. 118).
Elianda Figueiredo Arantes Tiballi

Disso decorre o entendimento metodológico de que apanhar as


ideias pedagógicas de Anísio Teixeira implica em lê-lo não como for-
necedor de dados ou como fonte de informações sobre a escola pública
de seu tempo, mas em estabelecer, com suas obras, uma interlocução
metódica capaz de revelar seu percurso como intelectual partícipe da
constituição das bases do pensamento educacional e da escola pública
no Brasil.
Este procedimento justifica-se por ser a obra de Anísio Teixeira
constitutiva do campo educacional, do pensamento pedagógico e da es-
cola pública no Brasil. Trata-se de uma obra que, além de ser reveladora
da gênese do pensamento pedagógico brasileiro, é fecunda de proposi-
ções pedagógicas e de temas que ainda hoje animam o debate no campo
da educação. Este entendimento, entretanto, não implica em presentifi-
car os postulados de Teixeira ou de considerar que o pensamento peda-
gógico obedece a um continuum evolutivo. São as rupturas e os emba-
tes que fazem avançar o conhecimento o que, no entanto, não impede o
acúmulo e o avanço das ideias produzidas que dão identidade ao cam-
po. Portanto, perquirir as ideias fundantes do pensamento pedagógico
brasileiro é condição para a identificação de sua identidade e, nele, en-
contrar o arcabouço das ideias originárias do processo de construção da
escola pública no Brasil.

1. As origens

Anísio Teixeira pertenceu a uma geração3 de intelectuais preocu-


pados com a educação pública e que marcaram profundamente os ru-
mos da educação escolar no Brasil no primeiro quartel do século XX.
Intitulados “renovadores”, vários componentes desse grupo4 participa-
3
É conhecida a polêmica que o termo ‘geração’ provocou em alguns campos do conhecimento, espe-
cialmente no campo da História, contudo, não tendo a pretensão de alimentar esta polêmica, esclare-
ço que neste texto o termo geração aplica-se aos intelectuais que, naquele momento histórico vivido
por Anísio Teixeira, participaram do processo de constituição do pensamento educacional brasileiro.
4
O grupo dos ‘renovadores’ constituiu-se, principalmente, daqueles intelectuais que assinaram o Mani-
festo dos Pioneiros da Educação Nova, intitulado “a reconstrução Educacional no Brasil”, datado de 1932.
Esse manifesto rebela-se contra a orientação política e pedagógica da escola existente no país, e propõe
a constituição de um ensino que se viabilizasse por uma escola única, leiga, gratuita e obrigatória.

74 QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores


Capítulo III
A construção da escola pública brasileira: a contribuição de anísio teixeira

ram da condução política do país, ocupando cargos públicos e divulgan-


do uma forma mais racional e científica de pensar o Estado e as institui-
ções públicas brasileiras. Anísio Teixeira5 foi um expoente desse grupo.
À frente de diversos órgãos administrativos da educação pública teve
como eixo condutor de seu trabalho um projeto de transformar e mo-
dernizar a sociedade, estruturado sobre as bases de sua sólida forma-
ção cultural e de sua capacidade administrativa. Seus escritos, reflexo
de sua atuação na administração da educação pública e de sua forma-
ção acadêmica, têm por argumento representar o vivido e a conjuntura
histórico-social de sua época. Três influências podem ser consideradas
marcantes em sua trajetória de intelectual e homem público: a formação
cristã, os ideais liberais traduzidos pelo pragmatismo de John Dewey e
sua condição de intelectual brasileiro, no início do século XX.
O pensamento pedagógico de Anísio Teixeira, contudo, foi estru-
turado e se consolidou tendo por referência básica as ideias liberais de
John Dewey com quem estudou na Universidade de Columbia (EUA),
de fins de 1928 a 1929. A retomada do discurso liberal na educação
não foi uma reação localizada e não impregnou apenas o pragmatismo
americano. A educação, vista desde a Revolução Francesa como instru-
mento de ascensão social e equalização de oportunidades, é recolocada
como tema central no final do século XIX, e diferentes proposições para
formular uma nova escola surgem em vários países. Trata-se, nesse se-
gundo momento do liberalismo educacional, de romper com um modo
tradicional de vida intelectual e moral, de atender às novas tarefas téc-
nicas da atividade produtiva e de contribuir para estreitar as relações
entre a ciência e a vida.
Analisando a evolução de pensamento pedagógico na França,
Durkheim assinalou:

Chegou um momento, aqui mais cedo, em outras partes tardiamente, no


qual os interesses religiosos e morais não foram mais os únicos a serem
levados em consideração, no qual os interesses econômicos, adminis-
trativos, políticos assumiram uma importância grande demais para que
Os dados biográficos de Anísio Teixeira, mesmo quando não diretamente citados, foram extraídos de
5

três obras: Lima, 1978; Gandini, 1986; Nunes, 1991.

QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores 75


Elianda Figueiredo Arantes Tiballi

se pudesse continuar tratando-se como quantidades desprezíveis, e com


as quais os mestres, na escola, não tinham por que preocupar-se (...).
Acabou-se a preocupação exclusiva com a formação de bons cristãos
(...), ao mesmo tempo em que se quis formar também bons cidadãos,
que estivessem em condições de exercer utilmente a função que lhes ca-
beria algum dia na sociedade. (Durkheim,1995, p. 266)

No final do século XIX, os princípios liberais, nascidos na estei-


ra da Revolução Francesa, foram retomados mediante a nova fase do
domínio burguês que exigia a revisão das teses do liberalismo “clás-
sico”. Tais teses tornaram-se demasiadamente teóricas e praticamen-
te inadequadas para enfrentar a emergência da classe operária, fortale-
cer o consenso social e assegurar o processo de acumulação capitalista.
Surge então, um novo liberalismo que, deixando de conceber a liber-
dade como mera proteção dos direitos “naturais”, passa a concebê-lo
como satisfação das necessidades fundamentais, como saúde, alimenta-
ção, moradia, transporte, instrução.
Quanto à educação, as exigências postas pela reordenamen-
to econômico encontraram arcabouço teórico na Psicologia, parti-
cularmente em seus postulados sobre o desenvolvimento e a apren-
dizagem. Estes temas, abordados sob diferentes concepções, emer-
giram em vários países no início do século XX. São exemplos des-
sa tendência: Vygotsky (1896-19340, Luria (1902-1977), Leontiev
(1903-19790, na Rússia; Claparéde (1873-1940), Piaget (1896-180)
na Bélgica; Wallon (1879-1962) na França; Kerschensteiner (1852-
1932) na Alemanha. Nos Estados Unidos, o emergente movimento
pragmatista abarca diferentes concepções sobre o conhecimento e se
volta especificamente para as questões educacionais por intermédio
de John Dewey (1859-1952).
No Brasil, os princípios liberais ganharam fôlego sobretudo no
início do século XX, quando entrou em crise a ordem oligárquica da
Velha República e o anseio pela modernização avançou sobre os mais
diferentes setores da sociedade. No plano educacional, esse pensamen-
to expressou-se principalmente pelas proposições dos “renovadores”,
sendo Anísio Teixeira um de seus principais precursores. As propo-

76 QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores


Capítulo III
A construção da escola pública brasileira: a contribuição de anísio teixeira

sições de Anísio Teixeira tiveram por pressuposto o pragmatismo de


Dewey, formulados no interior do embate entre a Filosofia e a Ciência
Moderna, iniciado no final do século XIX6. O pensamento pragmatis-
ta no Brasil reproduz o mesmo discurso de sua escola de origem. Mais
do que uma transposição teórica, esse pensamento foi traduzido por
Teixeira quase como uma confissão de fé, o que pode ser atestado por
esta sua afirmação:

A influência do pragmatismo deweiano não se restringe à lógica da in-


vestigação (...) é a lógica da descoberta e para a descoberta, que deve
guiar as nossas atividades usuais de pensamento e de ação, as ativida-
des de aprendizagem da educação escolar e não-escolar, como já guia e
ilumina as atividades da pesquisa científica em marcha, para se esten-
der aos campos da política, da moral e da própria religião, para as quais
irá construir aparelhamento de controle semelhante ao que, nos últimos
centos e cinquenta anos, nos que vem dando o domínio do mundo físico
e que, por seu turno, talvez nos possa dar o domínio, pelo conhecimen-
to, do mundo social-humano. (Teixeira, 1969, p. 88)

A formação cristã e, mais tarde, pragmatista de Anísio Teixeira


podem ser explicadas em boa parte pelas suas condições sociais e ma-
teriais de origem. Filho de tradicional família baiana, pai médico, fa-
zendeiro e líder político, essas condições que possibilitaram seu recru-
tamento para o cenário da vida pública ao ponto de tornar-se uma das
maiores expressões da intelectualidade brasileira na primeira metade do
século XX. Durante a Primeira República, o recrutamento dos intelec-
tuais para o exercício de funções públicas esteve vinculado às exigên-
cias ditadas pelo poder político e econômico da classe dirigente. Após
1930, a cooptação de novos intelectuais continua subordinada às rela-
ções sociais, mas passa a ser mediada, também, pelos sucessos escola-
res e culturais.

Havia entre o pragmatismo (em que pese a heterogeneidade de concepções que esse termo com-
6

preende e as divergências teóricas entre seus propositores), o entendimento de que a Filosofia de-
veria superar sua forma abstrata e contemplativa, passando da contemplação à ação, passagem esta
que seria garantida pela Ciência. A crítica à Filosofia especulativa e idealista baseava-se em um estilo
de pensamento moderno que aliava a Filosofia à Ciência para combater aqueles estilos de pensa-
mento que dificultavam a instauração da “nova ordem do mundo”. Ver a este respeito: Sass, 1992.

QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores 77


Elianda Figueiredo Arantes Tiballi

Apesar dessas influências aparentemente ambíguas, mas deter-


minantes em sua obra, Anísio Teixeira revelou enorme coerência entre
seus princípios políticos e suas proposições pedagógicas. Apresentava-
se como técnico em educação demarcando seu distanciamento dos po-
líticos profissionais, mas não das disputas político-ideológicas do mo-
mento. A carta que enviou ao prefeito do Distrito Federal, demitindo-se
do cargo de Secretário da Educação e Cultura, confirma essa análise e o
seguinte trecho é elucidativo:

Reiterei, imediatamente, o meu pedido de demissão, que esteve sempre


formulado, porque nunca ocupei incondicionalmente esse cargo, nem
nenhum outro, mas o exerci como os demais, em caráter rigorosamen-
te técnico, subordinando a minha permanência neles à possibilidade de
realizar os programas que a minha consciência profissional houvesse
traçado. (Teixeira, 1953, p. 9)

De acordo com Miceli, os intelectuais brasileiros, do início do


século XX, mantiveram com o poder público uma dependência material
e institucional que os colocava em uma situação contraditória perante
sua produção intelectual.

Diante do dilema de toda ordem com que se debatiam por força de sua
filiação ao regime autoritário que remunerava seus serviços, buscaram
minimizar os favores da cooptação se lhes contrapondo uma produção
intelectual fundada em álibis nacionalistas. Pelo que diziam, o fato de
serem servidores do estado lhes concedia melhores condições para a
feitura de obras que tomassem o pulso da Nação e cuja validez se embe-
bia dos anseios de expressão da coletividade e não das demandas feitas
por qualquer grupo dirigente. (Miceli, 1919, p. 159)

É possível concordar com Miceli considerando sua análise não


como crítica, mas, no caso de Anísio Teixeira, como caracterização de
sua coerência no desempenho profissional, ainda que suas posições te-
nham sido politicamente ingênuas. É preciso considerar que, no amál-
gama das influências externas com as características pessoais do indi-
víduo, o sujeito se consubstancia na vida social. Anísio Teixeira foi o
próprio exemplo disso. Sob a pressão de fortes determinações políticas

78 QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores


Capítulo III
A construção da escola pública brasileira: a contribuição de anísio teixeira

e sociais de sua época, foi capaz de construir uma personalidade própria


e de se reconhecer em processo de contínua construção e reconstrução
de suas formulações, mas sempre fiel aos seus ideais de renovação da
escola pública brasileira.

2. O contexto

Os postulados de Anísio Teixeira em defesa da renovação e da


qualificação da escola pública foram forjados no contexto de rupturas
políticas e de mudanças significativas na sociedade brasileira, desenca-
deadas a partir do final dos anos 1920 e início dos anos 1930. A maior
expressão dessas mudanças foi a crise econômica de 1929 que culmi-
nou com a revolução de 1930 e, posteriormente, com a imposição do
Estado Novo de Getúlio Vargas. Estas mudanças vieram acompanhadas
da substituição do modelo econômico agrário exportador pela consoli-
dação da economia de base industrial, pela ampliação dos espaços ur-
banos e pela primazia do trabalho técnico assalariado, colocando para
o Estado novas demandas sociais. O discurso liberal clássico em defe-
sa da igualdade, da liberdade e da democracia agora precisa absorver
questões práticas como habitação, saúde, saneamento, emprego, jor-
nada de trabalho etc. Nesse contexto ocorre a ascendência das ques-
tões sociais e a escola surge como solução para os problemas nacionais.
Essa ilusão pedagógica nos poderes da escola, entretanto, já estava di-
fundida no Brasil desde a proclamação da República e Nagle (1974)
identificou três momentos históricos nos quais ela aparece como ten-
dência: (a) no final do século XIX, com o fervor ideológico em defesa
da nacionalização do ensino; (b) nos anos de 1920, com o entusiasmo
pedagógico pela difusão da escola para eliminar o analfabetismo; c) na
década de 1930, com o otimismo pedagógico em favor da mudança e da
renovação da escola.
Pela Constituição de 1891 o ensino fundamental era responsa-
bilidade do Estado. Assim, nas primeiras décadas do século XX, vá-
rias reformas da educação pública foram empreendidas em diferentes
Estados: São Paulo em 1920 e em 1930; Ceará em 1923; Rio Grande do

QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores 79


Elianda Figueiredo Arantes Tiballi

Norte em 1925 e em 1928; Distrito Federal em 1928; Paraná em 1927


e em 1928; Pernambuco em 1929; Bahia em 1925; Minas Gerais em
1927. Essas reformas visavam atender a demanda pela ampliação das
vagas escolares destinadas à população em idade escolar que se encon-
trava fora da escola. Não obstante, o censo realizado em1920 revelava
que 70% da população adulta no Brasil eram analfabetos. No entanto,
cabe assinalar que a demanda que promoveu a expansão da escola pú-
blica no Brasil, na primeira metade do século XX, não viera da zona ru-
ral, pois esta não carecia de sujeitos escolarizados para o trabalho ma-
nual exigido pela agricultura e pela pecuária extensivas. Também não
viera da elite oligárquica já atendida por professores particulares e pelas
escolas confessionais. Viera dos estratos intermediários da divisão so-
cial de classes, antes vinculados à mineração e agora vinculados ao tra-
balho fabril, na condição de trabalhadores assalariados. Portanto, esta
demanda que fez aumentar a pressão social pelo aumento de vagas nas
escolas públicas brasileiras foi caracterizada por dois fatores determi-
nantes: um, os estratos emergentes, concentrados em centros urbanos,
que ilusoriamente acreditavam ser a escola responsável pela mobilida-
de social e a única condição para a inserção no mercado do trabalho in-
telectual; outro, o aumento do número de escolas que veio em função
da demanda social e não como exigência para a promoção do avanço
técnico do trabalho empregado na produção fabril. Disso decorre que a
ampliação da rede de ensino público brasileiro, naquele período, ocor-
reu sem qualquer modificação do modelo pedagógico tradicional, em-
bora aquela escola já fosse considerada obsoleta diante das exigências
advindas do movimento de reordenação política, econômica e social,
que abalou o tradicional poder das oligarquias brasileiras.
É nesse contexto que surge o movimento escolanovista, que ain-
da pode ser considerado o maior e mais expressivo movimento pedagó-
gico de transformação da escola brasileira7. Este movimento foi desen-

Esta afirmação não desconsidera as críticas dirigidas ao movimento escolanovista, historicamente


7

registradas no campo da Educação. Entretanto, é inadmissível desconsiderar os registros históricos


que atestam as efetivas contribuições daquele movimento para a consolidação da escola pública
brasileira. Os argumentos apresentados neste texto estão ancorados nesta constatação.

80 QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores


Capítulo III
A construção da escola pública brasileira: a contribuição de anísio teixeira

cadeado por intelectuais que se colocavam como profissionais da edu-


cação e propunham, como princípio orientador da gestão do ensino pú-
blico, a racionalidade técnica e a investigação científica dos problemas
diretamente ligados à organização e ao funcionamento da escola públi-
ca, que deveria ser laica e obrigatória.
Na década de trinta do século XX, o recrutamento de profissio-
nais pelo Estado aliava prestígio e mérito profissional, com isso o Estado
Novo de Getúlio Vargas teve a seu dispor uma intelligentsia, uma “eli-
te pensante” para desencadear o projeto nacional de modernização, de
progresso e de desenvolvimento do país. Assim, aquela década foi mar-
cada por importantes projetos no campo da Educação. Em 1930 foi
criado o Ministério da Educação e Cultura; em 1934 a Universidade
de São Paulo; em 1935 a Universidade do Distrito Federal; em 1937 o
Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos -INEP.
A não realização do censo de 1930 deixou o país sem informa-
ções sobre o movimento escolar brasileiro. Lourenço Filho, primeiro
diretor do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (INEP), de 1937 a
1946, enfatizou a informação estatística em sua gestão. Em 1946 Murilo
Braga assume a diretoria daquele Instituto e nela permanece até 1952.
No período ocorre uma duplicação do número de escolas, de professo-
res e de alunos na rede pública de ensino brasileiro, que ficou conheci-
da como “massificação do ensino”. Entretanto, apenas 8% dos alunos
matriculados na 1ª série do ensino fundamental chegavam à 4ª série da-
quele nível de ensino. Estava evidenciada a crise da escola pública bra-
sileira e este era o tema que animava o debate nacional escolanovista.
Nesse debate, a ênfase estava voltada para a crítica ao sistema de
ensino vigente no Brasil em que prevalecia uma escola propedêutica e
seletiva, que ignorava os preceitos escolanovistas da educação para o
trabalho e se fazia em desacordo com a racionalidade científica, o fun-
damento básico do discurso pedagógico da época moderna. Em suas
críticas dirigidas a essa escola Renault afirmava:

A crise educacional brasileira é, assim, um aspecto da crise brasileira de


readaptação institucional. A escola transplantada para o nosso meio so-

QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores 81


Elianda Figueiredo Arantes Tiballi

freu deformações que a desfiguraram e a levaram a assumir funções não


previstas nas leis que a buscam disciplinar, impondo-se-nos um exame
da situação à luz dessa realidade e não das aparências legais, para des-
cobrirmos as causa e os remédios de sua crise. (Renault, 1953, p. 27)

Atento a essas denúncias e ciente dos problemas da educação


brasileira que vinha ajudando a elucidar, Anísio Teixeira, ao assumir o
INEP8 entre 1952 e 1964, imprimiu uma nova orientação administrati-
va e pedagógica ao Instituto. Ciência e democracia foram os princípios
básicos a partir dos quais construiu seu ideário pedagógico, que tinha
por propósito a constituição de uma sociedade democrática. Ele via a
democracia como programa de ação a ser intencionalmente perseguido
através da educação. Este trecho revela esta sua proposição:

O ideal, a aspiração da democracia, pressupõe um postulado fundamen-


tal ou básico que alia indissoluvelmente educação e democracia. Esse
postulado é o de que todos os homens são suficientemente educáveis
para conduzir a vida em sociedade, de forma a que cada um e todos
dela partilharem como iguais, a despeito das diferenças das respectivas
histórias pessoais e das diferenças propriamente individuais; (...) ou a
educação se faz processo de modificações necessárias na formação do
homem para que se opere a democracia ou o modo democrático de vi-
ver não poderá efetivar. (Teixeira, 1977, p. 205-206)

Em suas tentativas de operacionalizar o projeto de transforma-


ção democrática da sociedade brasileira por meio da educação, Anísio
Teixeira enfrentou, entre outros, dois grandes obstáculos: o tradiciona-
lismo da sociedade oligárquica e o monopólio do setor privado confes-
sional sobre a educação escolar. Através de seus pronunciamentos ficou
pública sua oposição ao tradicionalismo da sociedade brasileira, sendo
veemente ao apontar esses dois fatores como impeditivos para a cons-

Anísio Spínola Teixeira (1900-1970) nasceu em Caitité-BA. Concluiu o curso de Direito em 1952. Foi
8

Inspetor Geral do Ensino da Bahia de 1924 a 1929. Lecionou Filosofia da Educação na Escola Normal
de Salvador de 1929 a 1930. Em 1931 foi nomeado Secretário da Educação da prefeitura do distri-
to Federal. Em 1935, após criar a Universidade do Distrito Federal foi acusado de comunista, tendo
se isolado da cena política, só voltando em 1946 como Conselheiro da UNESCO. Em 1947 assumiu a
Secretaria Geral da Comissão de Aperfeiçoamento do Pessoal de Nível Superior - CAPES e em 1952
passou a acumular com esse cargo o de diretor do INEP, onde permaneceu até 1964.

82 QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores


Capítulo III
A construção da escola pública brasileira: a contribuição de anísio teixeira

tituição de um sistema público de ensino, e contundente ao apresentar


a escola pública como única via capaz de garantir a democratização da
sociedade. Em defesa da escola pública Anísio Teixeira afirmava:

O estado pluralista e democrático é, por natureza, contrário ao espíri-


to monolítico e uniformizante do estado não democrático. O estado é
apenas o representante dos interesses dos diversos ‘públicos’ sempre
que tais interesses se fazem suficientemente importantes para passar a
exigir o controle dos agentes públicos, puros delegados estes daqueles
seus representantes. A escola pública é o instrumento da integração e
da coesão da grande sociedade, e se deve fazer o meio de transformá-la
na grande comunidade. O estado democrático não é, apenas, o Estado
que a promove e difunde, mas o Estado que dela depende como condi-
ção sine qua non do seu próprio funcionamento e de sua perpetuação.
(Teixeira, 1957, p. 319)

A devida efetivação da escola pública, projetada por Anísio


Teixeira, não se realizaria sem a incorporação da racionalidade técni-
ca e científica. Sua discussão sobre essa racionalidade teve por funda-
mento a crítica à escola existente, considerada tradicional, e a proposi-
ção de uma nova escola que fosse organizada a partir de critérios cien-
tíficos. Assim, postulou uma escola apoiada em “duas metodologias a
que se manteve invariavelmente fiel: não há educação sem teoria da
educação nem educação sem o diagnóstico das situações que está cha-
mada a resolver” (Lima, 1978, p. 60). Assim, cioso das necessidades
de “reconstrução” da escola pública brasileira, já em seu discurso de
posse como diretor do INEP deixava registrado com que propósito as-
sumia o novo cargo:

Cumprir-nos-á, assim, e para tanto, medir o sistema educacional em


suas dimensões mais íntimas, revelando ao país não apenas a quanti-
dade de escolas, mas a sua qualidade, o tipo de ensino que ministram,
os resultados a que chegam no nível primário, no secundário e mesmo
no superior. Nenhum progresso, principalmente qualitativo, se poderá
conseguir e assegurar, sem primeiro, saber-se o que estamos fazendo.
(...) Se conseguirmos, porém, os estudos objetivos que aqui sugerimos,
e sobre eles fundarmos diagnósticos válidos e aceitos, não será difícil a

QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores 83


Elianda Figueiredo Arantes Tiballi

elaboração dos métodos de tratamento e a indicação dos prognósticos.


Os métodos de tratamento surgirão nos guias e manuais de ensino para
os professores e diretores de escolas, os quais constituirão livros expe-
rimentais de sugestões e recomendações, para a condução do trabalho
escolar. Em complemento, deveremos chegar até o livro didático, com-
preendendo o livro texto e o livro fonte, buscando integrar nestes instru-
mentos de trabalho o espírito e as conclusões dos inquéritos procedidos.
(Teixeira, 1952, p. 78)

Com este discurso estavam lançadas as bases da administração


de Anísio Teixeira, cujo princípio orientador era o entendimento de que
a escola esta sujeita a três determinações básicas; normatizações admi-
nistrativas externas, organização técnico-pedagógica interna e conjunto
de forças sociais que influenciavam e que poderiam receber influências
da escola. Nesta perspectiva, administrar o sistema de ensino público
supunha a análise da influência do meio sobre a escola e da escola so-
bre o meio, o que resultaria no diagnóstico e na explicação da situação
escolar e no planejamento de sua reconstrução. (Educação e Ciências
Sociais, nº1, p. 20, 1956). Para viabilizar este propósito foram cria-
dos no INEP, em 1955, o Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais
(CBPE) e os Centros Regionais de Pesquisas Educacionais (CRPE).
As atividades de estudos e pesquisas do CBPE foram distribuídas
entre dois setores estruturados com os mesmos objetivos, mas com áre-
as de atuação diferenciadas, conforme o estabelecido em seu Plano de
organização. À Divisão de Estudos e Pesquisas Sociais (DESPS) ficou
reservada a “realização de estudos e pesquisas que conduzam ao conhe-
cimento da cultura e da sociedade brasileira e de seu desenvolvimento,
em conjunto e em cada região do país, a fim de permitir a compreen-
são mais ampla e profunda que for possível dos fatos educacionais em
suas relações com a vida social...”. A Divisão de Estudos e Pesquisas
Educacionai (DEPE) ficou responsável pelas questões escolares, ten-
do “a seu cargo o levantamento de um quadro completo e satisfatório
do estado atual da educação brasileira em todos os níveis e ramos, bem
como em todas as regiões do país” (Educação e Ciências Sociais, n.º1,
p. 54-55, 1956).

84 QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores


Capítulo III
A construção da escola pública brasileira: a contribuição de anísio teixeira

Estes dois setores assumiram a responsabilidade de produzir o


mapa cultural e educacional do Brasil, o que exigiu atividades contínu-
as de estudos e pesquisas para que se pudesse apreender o processo di-
nâmico da educação brasileira, conforme proposto por Anísio Teixeira.
O INEP, bem como os seus setores de pesquisa, CBPE e CRPE, foi um
marco na gestão de Anísio Teixeira em sua tentativa de qualificar e re-
novar a educação pública brasileira, mas não foi o único. Com este mes-
mo propósito Anísio Teixeira instituiu, ao longo de sua atuação à frente
dos diferentes setores administrativos do sistema público de ensino, vá-
rias inovações pedagógicas. Como gestor, Anísio pensava a educação
a partir das condições concretas de sua realização e, como pragmatista
convicto e coerente, considerava a prática como critério de validade de
suas proposições.
Assim, partindo das investigações que revelavam as mazelas do
sistema de ensino público, Anísio Teixeira demonstrou como a escola
brasileira tornou-se impossibilitada de cumprir sua função de prepara
e distribuir os homens pelas diversas ocupações que caracterizavam a
vida humana. Para ele, a escola pública deveria dar ao indivíduo os ins-
trumentos de compreensão e participação na vida social, não bastando,
portanto, que ela ensinasse a ler, a escrever e contar, era preciso educar
a criança em todos os seus aspectos, mediante uma aprendizagem ativa,
natural e alegre. Nesse caso, tornou-se necessário construir uma nova
escola que preparasse o indivíduo para participar – com consciência e
independência – da vida coletiva e que fosse, ao mesmo tempo, capaz
de zelar de si mesmo e de progredir como cidadão, pelo trabalho.

3. Os postulados

Como critério de organização pedagógica dessa escola Teixeira


propõe o processo lógico formulado por Dewey em sua obra Como pen-
samos (1959). Previsão, planejamento, experimentação e conclusão são
etapas desse processo lógico, que se constitui na capacidade da inteli-
gência humana transformada em método. A possibilidade de mudança
reside, nessa lógica, na experiência reflexiva que se dá no próprio pro-

QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores 85


Elianda Figueiredo Arantes Tiballi

cesso da investigação, não a priori. O exercício do pensamento inteli-


gente se dá pela ação inteligente que produz uma ordenação lógica, não
sendo, portanto, a razão constituída previamente; a razão é ato, é expe-
riência e esta, a experiência, envolve pensamento e ação. O processo de
mudança reside, ainda, na existência do regular e do determinado, ao
lado do irregular e do indeterminado, o que torna possível a ação e a re-
ação, ou seja, o processo contínuo de transformação, sendo o homem
um dos principais agentes dessa mudança. Apoiado nessa filosofia de
Dewey, Teixeira considerava que a educação se concretizava na própria
realização da experiência, “nada é dado a priori; a educação não é pre-
paração para a vida, educação é vida”.
A tarefa da educação escolar, nesta perspectiva, é associar o en-
sino à experiência pessoal do aluno. Isso não equivale a dizer que edu-
cação, seja de que natureza for, é sempre um ato de experiência, é pre-
ciso distinguir, adverte Teixeira, a qualidade da experiência e pensar
um processo de educação capaz de influenciar positivamente nas expe-
riências posteriores. Nesse caso, considera-se o continuum experiencial
deweyano, segundo o qual toda experiência vive e se prolonga em ex-
periências que se sucedem. Pela experiência os seres vivos alteram-se,
alterando o universo. O homem, nesse processo de alteração mútua com
o meio, é capaz de acumular experiências e formular o conhecimento
por meio da linguagem. Essa, como registro simbólico é, a um só tem-
po, objeto e instrumento da experiência. Essa compreensão transforma
a experiência em método lógico da ação educativa, e delega à escola
a responsabilidade de organizar as condições pedagógicas de modo a
possibilitar ao aluo experiências significativas.
Não estariam aptas para esta tarefa as escolas existentes. Estas,
submetidas às severas críticas de Anísio Teixeira, foram consideradas
arcaicas em seus métodos, enciclopédicas em seus currículos e despre-
paradas, mesmo para a formação intelectual livresca que se propunham
empreender. Assim, sua proposta de “escola nova” toma como ponto de
partida os equívocos e as lacunas que apresentavam a “escola tradicio-
nal”. Contra o exercício permanentemente preparatório e um fim sem-
pre futuro, propôs a liberdade, a iniciativa, e a atividade como canais

86 QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores


Capítulo III
A construção da escola pública brasileira: a contribuição de anísio teixeira

para a exploração e a expressão da potencialidade do aluno. Contra o


dirigismo pedagógico, sugeriu organizar democratimente a gestão es-
colar. Assim, a escola nova, para Teixeira, deveria ser o locus do pensa-
mento técnico-científico, da experiência e da democracia.
Anísio Teixeira apresentou projetos de reestruturação para todos
os níveis de ensino, abordando seus aspectos administrativos e didáti-
co-pedagógicos. É possível verificar, em suas obras, uma coerência en-
tre os princípios pedagógicos que fundamentam seu discurso e as pro-
postas de organização do sistema de ensino. Mediante o aumento da de-
manda e da absorção de um número cada vez maior de alunos, advertia
que não bastava haver escolas para todos, era preciso garantir que todos
aprendessem. A reprovação era vista por Anísio Teixeira como fracas-
so da escola em sua tarefa de ensinar a todos. Duas medidas que apre-
sentou com grande ênfase para melhorar a eficiência do ensino, foram
os testes de aferição da aprendizagem e os testes de inteligência, ambos
visando à homogeinização das classes escolares, segundo critérios de
idade mental, coeficiente de inteligência, aproveitamento escolar e ida-
de cronológica. Essas medidas implicariam, ainda, em redefinir os cri-
térios de avaliação que ainda permaneciam, senão como modelo, pelo
menos como questão para a escola pública.
Teixeira propôs, também, cursos especializados para formação
de profissionais para a escola; revisou os programas de ensino, poste-
riormente transformados em guias curriculares; criou centros de profes-
sores destinados à formação de hábitos de estudos e debates sobre ques-
tões educacionais; implantou escolas experimentais que visavam ao en-
saio, para professores e alunos, das técnicas de ensino renovado; propôs
a construção de prédios com arquitetura projetada especialmente para o
funcionamento de escolas; criou o Conselho Escolar; a implantou edu-
cação integral em escolas de tempo integral; introduziu o cinema edu-
cativo nas escolas por meio da criação do Instituto Nacional do Cinema
Educativo, com a produção de 260 filmes educativos sob a direção de
Humberto Mauro; instituiu a produção e distribuição de livros didáticos
nas escolas, de guias curriculares, programas de ensino e de manual di-
dático para os professores; propôs a estruturação dos cursos universitá-

QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores 87


Elianda Figueiredo Arantes Tiballi

rio em ciclos básicos e estudos profissionalizantes, organizados em sis-


tema de créditos; enfim, pensou a renovação e a qualificação da escola
em todos os seus aspectos.

Considerações finais

Considerando a amplitude dos argumentos e das proposições de


Anísio Teixeira para a escola pública brasileira, tem-se uma perplexi-
dade quanto à atualidade de seus diagnósticos e de suas propostas, ain-
da hoje presentes no pensamento pedagógico brasileiro e nas políticas
públicas para a educação. Porém, revisitar seus escritos, buscando ne-
les a contribuição que efetivamente trouxeram para a construção da es-
cola pública brasileira, exige menos uma atitude avaliativa de seus re-
sultados técnico-didáticos e mais uma atitude indagativa sobre sua in-
tencionalidade social efetiva de compreender e propor soluções para os
problemas educacionais brasileiros. Essa tarefa não se esgota nos limi-
tes de um texto. Aqui é possível registrar como síntese precária de seus
postulados, apenas que o projeto escolanovista no Brasil, tendo à sua
frente o empenho de Anísio Teixeira, desencadeou um movimento para
efetivar o sistema público de ensino e para revisar os objetivos e as prá-
ticas pedagógicas desenvolvidas pelas escolas públicas neste país. Ao
mesmo tempo, ainda que de modo ingênuo, contribuiu para imprimir
no discurso pedagógico brasileiro o tema da educação como questão so-
cial, ampliando significativamente as perspectivas de análise do campo
pedagógico e estimulando a busca contínua de alternativas para a me-
lhoria do ensino público no Brasil.

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88 QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores


Capítulo III
A construção da escola pública brasileira: a contribuição de anísio teixeira

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QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores 89


Capítulo IV

POLÍTICAS PÚBLICAS, DIRETRIZES E NECESSIDADES DA


EDUCAÇÃO BÁSICA E FORMAÇÃO DE PROFESSORES
Selma Garrido Pimenta (FEUSP/GEPEFE)

Este capítulo está organizado em quatro tópicos. Inicialmente são


discutidos conceitos básicos sobre educação escolar e sua conexão com
as políticas educacionais. No segundo e terceiro tópicos, esses concei-
tos são cotejados com novas exigências postas à educação na contem-
poraneidade, tendo em vista formular considerações sobre as políticas
de educação básica no contexto de nosso país. No tópico quarto, são
pontuados alguns problemas sobre a formação de professores.

1. Conceitos e políticas de educação

A educação é tema sempre presente nos discursos dos candidatos


de todo e qualquer partido nos momentos que antecedem as eleições.
Nas propostas que anunciam, nenhum deles, seja qual for sua filiação
partidária, ousa dizer que a educação não é importante. Todos valori-
zam a educação. Não só os políticos. A sociedade em geral considera a
educação como necessária e importante. Nessa unanimidade começam
os problemas, porque se faz necessário um esforço para, a partir daí, ir-
mos às raízes dos discursos para verificar quais as diferenças que os vá-
rios segmentos sociais conferem à educação.
Neste texto, faz-se um convite ao leitor para um esforço de ten-
tar compreender as diferenças dos termos e dos conceitos que têm sido
empregados para traduzir essa valorização e que perpassam as políticas
públicas, as universidades, as escolas e inclusive adentram as mídias.
Selma Garrido Pimenta

A educação é por todos reconhecida como condição essencial


para uma maior igualdade social, para o desenvolvimento econômico,
científico, humano, cultural, político e tecnológico. E é exatamente o
reconhecimento desse seu poder, – poder relativo sim, mas, sem dúvi-
da poder – que coloca as bases para se perceber as diferenças entre os
discursos e programas de ação que efetivamente traduzam a educação
como possibilidade de desenvolvimento e de maior igualdade social e
aqueles que apenas a anunciam como importante. Para estes basta que
a educação fique no campo do discurso, da retórica. Campo ambíguo
das palavras e dos conceitos, utilizados por atores diferentes para fina-
lidades, às vezes, opostas. É preciso desbastá-los, ir às suas raízes e às
suas gêneses1. Em quais contextos emergiram? A que necessidades vie-
ram responder? Que intenções estão em suas bases? Apropriados indis-
tintamente por grupos de interesses opostos, os simples enunciados dos
conceitos e das palavras por vezes nos embaraçam e embaçam as finali-
dades que motivam a sua apropriação, dificultando que se estabeleçam
as diferenças entre os programas e as políticas que apontam para a edu-
cação numa perspectiva de maior igualdade social e aqueles que apon-
tam, ao contrário, para aumentar a desigualdade e a injustiça social, ao
favorecer os interesses de pequenos grupos dominantes. Assim, neste
texto são tecidas considerações sobre alguns pontos para uma reflexão
que permita iluminar essa questão.
A educação é um fenômeno e uma prática complexos, porque é prá-
xis humana histórica. Ou seja, é produto do trabalho de seres humanos, e
como tal, responde, e na história da educação isso é claro, aos desafios que
diferentes contextos políticos e sociais lhe colocam. A educação reproduz
a sociedade mas, também, pode projetar a sociedade que se quer. Por isso,
vincula-se profundamente ao processo civilizatório e humano. Desse modo,
enquanto prática histórica, ela se põe desafios para responder às demandas
que os contextos históricos colocam. Quais são hoje esses desafios?

O conceito de professor reflexivo, por exemplo, ilustra essa apropriação indevida por políticas de go-
1

vernos que desvalorizam os professores, ao contrário do que as pesquisas realizadas nas universi-
dades de diferentes países apontam. Um estudo sobre esse tema encontra-se no livro de PIMENTA
& GHEDIN, Professor Reflexivo no Brasil: gênese e crítica de um conceito. São Paulo. Cortez Ed. 2002
(1ª. Ed.); 2012 (7ª. Ed.)

92 QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores


Capítulo IV]
Políticas públicas, diretrizes e necessidades da educação básica e formação de professores

A meu ver, há três grandes desafios contemporâneos: a) socieda-


de da informação e sociedade do conhecimento; b) sociedade do não
emprego e das novas configurações do trabalho, que se expressam na
insegurança econômica, a extrema competividade e o aumento da ex-
ploração do trabalhador; c) sociedade do esgarçamento das condições
humanas em cujo contexto surge a violência, a concentração de rendas
na mão de minorias e a destruição da vida através das drogas, do meio
ambiente, das relações interpessoais. A compreensão desses três gran-
des desafios pode nos ajudar a re-significar o papel da escola e o papel
da educação na sociedade contemporânea. E, portanto, o papel dos pro-
fessores nas escolas, nas Universidades e o papel dos gestores de polí-
ticas educacionais.
No que se refere à sociedade da informação e do conhecimen-
to, é necessário distinguir os dois termos. Hoje a informação chega em
grande quantidade e rapidamente a qualquer ponto do planeta. Assim,
um fato que ocorre, por exemplo, em um país distante geograficamen-
te, afeta a economia de outros e até o cotidiano das pessoas que lá vi-
vem. Se identificada como uma instituição que apenas transmite infor-
mações, a escola tende a desaparecer porque não apresenta a eficácia
dos meios de comunicação nesse processo. No entanto, há setores no
campo da educação que querem preservar esse modelo, na crença que
os problemas da educação seriam resolvidos colocando os jovens e as
crianças diante das informações televisivas e internéticas, como vem
ocorrendo em políticas governamentais de Educação a Distância, em
que o professor é considerado dispensável e/ou substituído por um tu-
tor. Pesquisas têm demonstrado que a lógica desse modelo de forma-
ção é a econômica, ou seja, redução do quadro de docentes e redução
expressiva do comprometimento dos Estados com a folha de pagamen-
to, sem preocupação com a qualidade das aprendizagens2. O resultados
Exemplo dessa lógica é a política que implantada em alguns estados, com a instalação do tele-ensi-
2

no, no qual as escolas são equipadas com redes de televisão que transmitem os programas das dis-
ciplinas gerados por uma central e que coloca os professores como monitores. Em decorrência, con-
seguiram realizar grande economia, pois em cada sala de aula se colocava um monitor no lugar de
cinco professores de uma 5ª série, por exemplo. E a tarefa desses seria a de fazer a mediação entre
os programas de todas as áreas do currículo e os alunos. Essa política ilustra claramente a lógica do
estado mínimo, característica do neoliberalismo.

QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores 93


Selma Garrido Pimenta

desse tipo de prática é o empobrecimento das aprendizagens, operando


uma nova forma de exclusão social pela inclusão quantitativa no pro-
cesso de escolaridade. Ela certifica o aluno com um diploma, mas não
o alfabetiza; faz-se de conta que se ensina, dando ao aluno a impressão
de que está aprendendo. Quanto ao resultado em termos de competitivi-
dade social, sabemos que ele será um perdedor.
No entanto, há que se reconhecer a existência, na sociedade de
hoje, da quantidade e a velocidade das informações. Mas, quais as dife-
rença entre informação e conhecimento?
Conhecer é mais do que obter informações, é mais do que ter
acesso às informações. Conhecer significa trabalhar as informações. Ou
seja, analisar, organizar, identificar suas fontes, estabelecer as diferen-
ças destas na produção da informação, contextualizar, relacionar as in-
formações e a organização da sociedade, como são utilizadas para per-
petuar a desigualdade social. Enfim, trabalhar as informações para que
elas se tornem conhecimento é uma atividade que a internet e a televi-
são não dão conta de realizar. É uma atividade que não interessa àqueles
que estão valorizando retoricamente a educação.
Trabalhar as informações na perspectiva de transformá-las em
conhecimento é uma tarefa primordialmente da escola. Realizar o tra-
balho de análise crítica da informação relacionada à constituição da so-
ciedade na qual vivemos, trabalhar os valores dessa sociedade, temati-
zar, por exemplo, o descompromisso e a insensibilidade com os fatos
que nos envolvem é um tema da educação da maior importância. Pelo
conhecimento, temos a possibilidade de chamar a atenção para nos in-
dignarmos com o que está acontecendo na nossa sociedade. Esse traba-
lho com as informações, esse trabalho crítico, de fazer com que a crian-
ça e o jovem caminhem da informação como ela é circulada para um
pensar e um se colocar como sujeito desse processo, é um trabalho que
cabe à escola, a que denominamos de mediação reflexiva. E portanto, é
preciso um professor e não apenas um monitor.
O segundo desafio posto à educação diz respeito ao tema das no-
vas configurações do trabalho e da sociedade do não-emprego. Há um
discurso recorrente que domina as mídias de que a escola precisa prepa-

94 QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores


Capítulo IV]
Políticas públicas, diretrizes e necessidades da educação básica e formação de professores

rar os jovens para o mundo do trabalho, que exige deles novas compe-
tências: criar, pensar, propor soluções, conviver em equipe, competên-
cias essas compatíveis com as novas configurações do processo produ-
tivo. Estas novas exigências estariam modificando significativamente a
identidade do trabalhador que passou, da noite para o dia, a ser valori-
zado como alguém que deve pensar e propor. Mas pensar soluções para
maior produtividade que gere maior lucro. No entanto, não está coloca-
do em pauta o desenvolvimento da capacidade de pensar soluções para
uma melhor distribuição do que se gera com o lucro. É neste tênue equi-
líbrio, nesta tênue questão que coloca em pauta as finalidades do pen-
sar e do criar, que temos que diferenciar o papel da escola e o seu tra-
balho com as informações e o conhecimento. Essa questão da relação
entre escola e trabalho está nos pondo a pensar e coloca vários proble-
mas. Essa terminologia que incorpora a capacidade do pensar criativo,
de repente, se identifica com aquela que apontava, como objetivos da
escola, a formação de alunos críticos e pensantes e capazes de propor
alternativas.
A outra questão é a da sociedade do não-emprego. Vivemos,
hoje, em uma sociedade do não–emprego, isto é, valoriza-se o trabalho
autônomo como forma de se descartar as conquistas trabalhistas, que
são dispendiosas para os empregadores, incluindo o Estado. Para con-
seguir trabalho e sobreviver o trabalhador, cada vez mais desemprega-
do, necessita buscar por sua conta re-qualificações. E aí pode-se com-
preender a imensa valorização hoje conferida aos programas de forma-
ção contínua que está transformando a educação em excelente mercado.
Nesse conjunto de questões, qual seria o papel da escola e que
respostas esta poderia apresentar para a valorização da educação na di-
reção do efetivo desenvolvimento social que apontamos? Qual é o pa-
pel dos professores? Como pensar a profissão docente, a formação e de-
senvolvimento profissional dos professores?
Na sociedade do não-emprego o trabalho dos professores ainda
se realiza, em sua maioria, sob a forma de ‘emprego’, apesar de já se
anunciarem novas formas, como o trabalho autônomo e terceirizado (há
escolas que contratam os serviços de professores de Educação Física,

QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores 95


Selma Garrido Pimenta

por exemplo, através de academias). E outras, como a monitoria, que


altera a identidade dos professores em termos dos saberes necessários3
e do significado destes na formação dos alunos. Quais as consequências
das mudanças na empregabilidade para a organização e o funcionamen-
to da escola?
Há alguns anos nos debatíamos com a questão da divisão do tra-
balho no interior da escola, apontando as graves consequências que o
trabalho fragmentado com os conhecimentos trazia à qualidade da esco-
larização. A crítica a esse modelo era a de que o ensino por fragmentos
das áreas do saber dificultava, e por vezes inviabilizava, pensar a rela-
ção conhecimento/sociedade e a contribuição que os saberes discipli-
nares poderiam oferecer às problemáticas humanas e sociais. O projeto
coletivo e interdisciplinar da escola aponta para essa possibilidade. Ora,
terceirizar e despojar os professores de suas especializações nas áreas
do conhecimento, torna impossível o projeto de escola coletivamente
construído, a partir da reflexão sobre os problemas da educação escolar.
É nessa reflexão conjunta que se confere o significado às áreas de co-
nhecimento. Assim, por exemplo, na área de Educação Física, trabalhar
o corpo como desenvolvimento físico, emocional, comunicacional na
escola é muito diferente de trabalhá-lo como consumo, o que ocorre nas
academias. São perspectivas pedagógicas muito diferentes.
O terceiro desafio diz respeito ao esgarçamento das condições
humanas, traduzido na violência, na concentração de rendas na mão de
minorias e na destruição da vida através das drogas, do meio ambien-
te, da relação inter-pessoal e suas manifestações nas escolas de todas as
camadas sociais e de todos os países, os desenvolvidos e os periféricos.
Essas questões são visíveis no interior dos países periféricos e
nas relações que são estabelecidas com países centrais. Nesses, por sua
vez, o fenômeno se manifesta nos choques entre culturas diversas, so-
bretudo pela presença de imigrantes. A evidência desses problemas,

O tema dos saberes necessários à docência tem sido objeto de estudos e pesquisas no país e no
3

exterior. Particularmente, nossas pesquisas tem se debruçado sobre o esse tema; parte de seus re-
sultados estão disponíveis nos livros PIMENTA. (org.) Saberes pedagógicos e atividade docente. São
Paulo. Cortez Ed. 1999 (1ª. Ed.); 2012 (7ª. Ed.); PIMENTA & LIMA. Estágio e Docência. São Paulo. Cor-
tez Ed. 2004 (1ª. Ed.); 2012 (6ª. Ed.).

96 QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores


Capítulo IV]
Políticas públicas, diretrizes e necessidades da educação básica e formação de professores

nesses países, começa a se fazer sentir também em consequência da


globalização das informações, que expõe claramente os conflitos inter-
nos e externos através das mídias. É essa complexa rede de relações que
exige uma leitura da questão da desigualdade no mundo hoje e que se
traduz nas diversas formas de destruição da vida, seja através da mer-
cantilização e da valorização enquanto consumo e, portanto, como for-
ma de enriquecimento e suas consequências na destruição da vida e nas
inúmeras formas de destruição do meio ambiente. Não é por acaso que
desde o final de século XX a temática ambiental frequenta o noticiário e
gera mais movimentos sociais. A destruição da Floresta Amazônica está
sendo colocada como pauta no mundo, porque os países desenvolvi-
dos já destruíram suas florestas. O reduto amazônico se tornou, e isso é
bom, objeto de defesa no mundo todo, em consequência da irresponsa-
bilidade histórica dos países desenvolvidos para com o meio ambiente
e da absurda acumulação de capital em minorias. Esse capitalismo de-
senfreado está gerando situações-limite. Para onde vamos? A resposta
virá de todos nós. E a escola com isso? Qual o seu papel?4
Antes de retomar a questão das tarefas da escola, cabe uma re-
ferência ao tema da destruição das relações inter-pessoais, provocada
sobretudo pela competitividade colocada como um valor a ser conquis-
tado. Competição entre jovens e adultos (na empregabilidade, na bele-
za física, nas relações afetivas), entre homens e mulheres, no trabalho,
etc. A competitividade diante dos padrões de ‘estética’, dos padrões de
produção acadêmica, no relacionamento entre vizinhos, entre amigos,
e tantas outras que atravessam o nosso cotidiano, está exacerbada não
por acaso. A hipervalorização da top model é uma maneira de gerar o
desenvolvimento da indústria da moda. Também gera empregos. Mas a
que custo? Quais são os bônus e os ônus disso na humanização dos se-
res humanos?
Essas são algumas das atuais demandas sociais para a educação
e para a escola. Como fazer frente a elas? O que pode a escola? A esco-
Para um aprofundamento dessa questão, ver PINTO, U. A. & PIMENTA, S. G. (orgs). Papel da escola
4

pública no Brasil contemporâneo. São Paulo. Edições Loyola. 2013. Fruto das pesquisas realizadas
no âmbito do GEPEFE/FEUSP, seus autores apresentam e discutem o papel social da escola em seus
níveis: Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio.

QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores 97


Selma Garrido Pimenta

la pode? Nossa ênfase na instituição escolar significa reconhecê-la em


suas possibilidades, sem imputar a ela todo o poder, uma vez que ela co-
labora com as demais instituições sociais na tarefa de produzir a socie-
dade. Também porque entendo que a educação enquanto práxis social
não é prerrogativa da escola. É tarefa da sociedade como um todo, das
mídias, dos movimentos sociais, das famílias – organizadas segundo o
modelo tradicional ou não. É tarefa, também, das comunidades de bair-
ro, das instituições da sociedade política. A escola é uma dessas institui-
ções, é nela que trabalhamos. Daí nossa análise se debruçar sobre ela.

2. Conceitos, políticas e novas exigências à escola

Quais seriam as novas funções da escola? Penso que chegaremos


a estas não ‘jogando fora’ a escola existente mas penetrando nela, re-
-significando seu papel diante das demandas que estão colocadas pela
sociedade. Num movimento de análise do que está acontecendo, a partir
do nossa experiência e saber acumulados, penso que poderemos gestar
novas alternativas para a organização e o funcionamento das escolas e
de políticas para elas.
Em primeiro lugar, é preciso deixar claro que a escola é um es-
paço de trabalhar o conhecimento. Nesse aspecto, permaneço na mo-
dernidade, pois afirmo que o conhecimento é um instrumento impor-
tantíssimo para a construção do humano. Não é por acaso que, dentre
os seres vivos, somente os humanos produzem conhecimento. Os gatos,
por exemplo, não produzem conhecimento. É o pensar que constitui o
humano. O pensar, o refletir, o conhecer, o dominar a cultura acumu-
lada, as formas de construção da sociedade, as tecnologias e as formas
de construi-las. Isso é o conhecimento. Por isso me coloco radicalmen-
te contra os movimentos e as políticas que banalizam o conhecimento
no interior das escolas, que não por acaso estão postas para as escolas
de massa, nas quais é suficiente que certifiquem o maior número de alu-
nos, mas não necessariamente trabalhem os conhecimentos na sua for-
mação. O conhecimento fica reservado a pequenas elites, porque, todos
o sabemos, o conhecimento é um instrumento de poder.

98 QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores


Capítulo IV]
Políticas públicas, diretrizes e necessidades da educação básica e formação de professores

Assim, é interessante constatar que conseguimos colocar (quase)


todas as crianças do país dentro da escola. Atendemos a demanda quan-
titativa, mas as políticas públicas, no geral, estão trabalhando na con-
tramão de uma valorização qualitativa que implica a relevância do co-
nhecimento. É por isso que continuamos tendo escolas em que os alu-
nos terminam o curso e permanecem semi-alfabetizados, ou seja, sem
os instrumentos necessários para realizar uma leitura crítica do mundo.
O conhecimento possibilita a criatividade, a proposição de caminhos
outros às formas como a sociedade está organizada, o que confere a
condição de cidadania.
Mas, o que essa valorização do conhecimento coloca para a es-
cola? Em primeiro lugar, há que se ter clareza de que o conhecimento
não se restringe à informação, tal como já comentado. Mas é necessário
ir além. Ao se valorizar na escola valoriza a reconstrução do conheci-
mento experiencial, surge uma série de questões internas ao trabalho da
escola como, por exemplo, os métodos de ensinar. Proceder à recons-
trução do conhecimento experiencial envolve um ensino que mobilize
os conhecimentos dos quais os alunos são portadores, a importância de
que a escola pesquise quem são os seus alunos, quais são os seus so-
nhos, suas representações, além de seus saberes. É preciso que a escola
ofereça condições para trabalho coletivo, que se organize democratica-
mente, que os professores se capacitem para lidar com o conhecimen-
to acumulado historicamente e as relações desse conhecimento com o
mundo presente, que valorize a participação do sujeito no processo de
reconstrução e construção do conhecimento.
Em segundo lugar, compete à escola atuar, dentro de sua especi-
ficidade, na redução das desigualdades escolares. Partindo da diversida-
de dos alunos entre si e em relação ao contexto social, deve estabelecer
metas para que todos se elevem nos resultados qualitativos ao saírem
da escola. Para reduzir essa desigualdade de resultados escolares, for-
temente presente em nossa sociedade, implica em que as escolas assu-
mam essa tarefa como meta em seus projetos pedagógicos e que se or-
ganizem administrativa e pedagogicamente para alcançá-la. Essa é uma
questão política importantíssima e atual: a definição de metas de qua-
lidade que a escola se impõe e como se mobilizará para consegui-las.

QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores 99


Selma Garrido Pimenta

Nesse sentido, o projeto pedagógico não pode ser reduzido a


instrumento meramente burocrático e nem banalizado, como é o caso
de escolas que encomendam sua redação a pessoas de fora da escola.
O projeto pedagógico é uma iniciativa pedagógica das mais interessan-
tes, mas à guisa de serem introduzidos como exigência burocrática e
autoritária, acaba por entrar num caldeirão comum de intencionalida-
des muito diferentes esvaziando seu sentido original. O projeto peda-
gógico autêntico deverá ser, portanto, o documento que expresse as in-
tencionalidades dos professores. Ainda em relação ao papel da escola
na redução das desigualdades sociais, uma das soluções foi a adoção
dos ciclos de aprendizagem. Trata-se de outro exemplo de insuficiente
apropriação de conceitos. A organização e o funcionamento da escola
em ciclos não é uma novidade pedagógica, ele vem do século XVII. No
entanto, pesquisas recentes sobre essa questão apontam para o proble-
ma da implantação: autoritária, de cima para baixo, sem condições ma-
teriais e sem preparo dos professores, sem orientação pedagógica, sem
envolvimento e discussão com os alunos e com os pais. A adoção dos
ciclos acabou por converter-se na aprovação automática, com graves
danos para a qualidade do ensino, funcionando como um processo que
promove a exclusão social dentro da própria escola.
Atender a dimensão quantitativa da escolaridade é muito impor-
tante, sem dúvida, pois deixar as crianças fora da escola é uma manei-
ra de colaborar com a ‘seleção natural’. Manter crianças com fome e
frio na rua, é um passo mais rápido para excluir as crianças da vida.
Mas o atendimento apenas quantitativo não resolve a exclusão social.
A promoção automática pode se tornar em refinamento dessa exclusão
ao empurrar para fora da escola a desigualdade. É com o objetivo de
inverter essa mão de direção que as escolas e os professores precisam
se valer de ideias e conceitos pedagógicos como, por exemplo, a pro-
gressão continuada, o projeto pedagógico, a flexibilização curricular
entre outras.
Em terceiro lugar, outro papel da escola é o de contrapor o respei-
to, enquanto uma perspectiva individual, ao reconhecimento, enquan-
to uma perspectiva coletiva. Essa questão se manifesta em expressões

100 QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores


Capítulo IV]
Políticas públicas, diretrizes e necessidades da educação básica e formação de professores

como: eu respeito o que o meu aluno sabe; respeito tanto que sequer in-
terfiro para mudá-lo. O que é muito diferente de reconhecer: ao reco-
nhecer, já estou me comprometendo a levá-lo adiante. No respeito há o
“eu” e o “aluno”; no reconhecimento há o “nós”. Na escola a perspec-
tiva do “nós” deve prevalecer. Não é o interesse do aluno individual-
mente considerado que se busca atender, mas o interesse dos sujeitos,
do coletivo. O que requer a interpretação do individual no coletivo, que
contempla e ultrapassa o individual, que o alarga, que o leva adiante.
Essa condutas deve se manifestar na atividade cotidiana das escolas,
nas salas de aula, no relacionamento entre os profissionais, entre dire-
ção e professores e alunos e pais; nas formas de avaliação, nas formas
de planejar o curso, na forma de organizar o funcionamento do dia es-
colar, se o portão fica aberto ou fechado. Manifestam-se, também, nas
formas de gestão colocando em xeque o autoritarismo absurdo e arrai-
gado presente nas escolas, bem como nas formas como a escola se rela-
ciona com a comunidade.
Analisar, compreender essas manifestações do cotidiano das es-
colas e indagar o seu significado possibilita enxergarmos caminhos. Por
vezes, estamos tão impregnados desse cotidiano, que não conseguimos
vê-lo. Um exemplo disso é a questão da indisciplina, principal proble-
ma das escolas de qualquer nível social, junto com a violência. O que
está acontecendo? Vamos tomar esse fenômeno em nossas mãos e ana-
lisá-lo para compreender, para ampliar nossa compreensão e, daí, bus-
car caminhos. Quando se diz “indisciplina”, estamos dizendo a mesma
coisa? O que é indisciplina para os professores? E para os alunos? Por
que? Vamos perguntar para cada professor o que é indisciplina. Qual a
concepção que cada um tem de indisciplina. E para a direção, o que é
indisciplina? Vamos perguntar para os alunos. Vamos começar a conhe-
cer esse fenômeno, investigá-lo. Certamente teremos surpresas, colhe-
remos pistas, poderemos juntos encontrar caminhos para superar esse
problema que está se tornando em verdadeiro câncer em nossas escolas.
Parece que não se está conseguindo olhar de frente esse fenômeno. Há
razões, há explicações externas e internas à escola. Quando se conse-
gue fazer esse mapeamento, é possível levantar os diferentes níveis de

QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores 101


Selma Garrido Pimenta

compromisso e de comprometimento. É possível se definir um contra-


to entre alunos, professores, direção, e mesmo com os pais. É possível
também perceber até onde podemos chegar e o que é necessário reivin-
dicar para além da escola. A escola tem uma força, mas há condições
externas que precisam ser buscadas.
O quarto papel da escola é o de proceder à mediação reflexiva
entre as transformações sociais concretas e os indivíduos, entre o que
está acontecendo na sociedade como um todo e os indivíduos, os alu-
nos que estão na escola. A mediação reflexiva, entenda-se, é um traba-
lho de investigação, é um trabalho com o conhecimento. É o relacionar
a atividade de aprender dos alunos aos conhecimentos que permeiam a
sociedade, que foram nela produzidos e a constituem. É o relacionar a
aprendizagem do “eu” à aprendizagem do “nós”. Ao acentuar a impor-
tância do conhecimento nas escolas, entendo que é preciso afirmar as
diferentes formas pelas quais o ser humano conhece: conhecemos com
as teorias, com o conhecimento elaborado, com a nossa experiência.
Mas também conhecemos através das emoções, do olhar instrumenta-
lizado, da sensibilidade, da cognição, do afeto. Conhecer é um ato que
mobiliza o ser humano por inteiro. Mobilizar essas várias formas no
processo de conhecer, permite caminhar na direção de não perdermos a
capacidade de nos indignar. Para a mediação reflexiva na escola, a teo-
ria é fundamental, ela possibilita os elementos para se questionar criti-
camente os modos de pensar, os modos de sentir, os modos de atuar e
os resultados dessa atuação das gerações humanas.
Em síntese, poderíamos dizer que o papel da escola frente às de-
mandas contemporâneas, seria o de recriar a cultura na escola, essa cul-
tura que nos cerca. O que supõe uma concepção democrática dos pro-
cessos de produção e distribuição do saber.

3. Para uma análise das políticas

Após essa clarificação conceitual e a explicitação de alguns prin-


cípios orientadores para as funções das escolas, este tópico trata das
condições necessárias para efetivar esses princípios.

102 QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores


Capítulo IV]
Políticas públicas, diretrizes e necessidades da educação básica e formação de professores

A primeira condição, sem dúvida, é o atendimento da demanda


da escolaridade fundamental, quantitativa e qualitativamente. Essa ban-
deira permanece atual. É preciso oferecer escolaridade para a totalidade
da população e é preciso que essa escolaridade seja de qualidade social.
Neste ponto, começam a se matizar as diferenças entre os discursos, en-
tre o que está sendo divulgado, os projetos de políticas para a área da
educação e o que e como está sendo implantado.
Quantidade e qualidade é o referencial para análise das políticas
que estão em curso para a Educação Infantil, o Ensino Fundamental e
o Ensino Médio. Temos conhecimento das políticas educacionais ex-
pressas em formas da ação governamental em nosso país, introduzindo
um conjunto de inovações em termos de mudanças curriculares com os
Parâmetros Curriculares, de mudança da organização e funcionamento
da escola, de introdução dos ciclos, de sala ambiente. A pergunta é: qual
é o alcance dessas políticas, tendo em vista a qualidade social? Como
podemos identificar a direção de sentido que as embasa?
Uma categoria de análise importante que está emergindo de pes-
quisas realizadas em diferentes países é o exame das formas de implan-
tação, ao lado do exame das condições necessárias para a efetivação das
propostas, como por exemplo, o apoio pedagógico e material aos en-
volvidos, a discussão coletiva para implantação, o estabelecimento de
metas e as providências necessárias para a concretização, a permanên-
cia das equipes escolares na mesma escola e outras. Com esse aporte,
é possível concluir que as reformas que estão sendo praticadas em nos-
so país não estão alterando as condições materiais e de funcionamen-
to para efetivamente implantarem as reformas na dimensão necessária
para que resultem em atendimento de qualidade, para além do atendi-
mento quantitativo. O que nos faz supor que efetivamente se configu-
ram como políticas de ajuste às imposições dos órgãos financiadores,
marcados por uma perspectiva de manutenção das desigualdades entre
os países centrais e os periféricos. Essas políticas têm se apropriado de
conceitos que são também produzidos por educadores que se voltam à
democratização social pela educação, o que tem causado uma certa con-
fusão e volatilização dos mesmos, a ponto de não sabermos quem vai

QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores 103


Selma Garrido Pimenta

para onde. A reflexão que aqui se pretende pode ajudar a clarear essa
área nebulosa.
A segunda condição, vinculada à primeira, consiste em nos per-
guntar: quem somos nós que estamos nas escolas, fazendo as escolas,
quem somos nós que estamos nas universidades formando professo-
res, qual a relação entre a escola e as universidades, qual a relação en-
tre a formação inicial e o trabalho necessário na escola. Ou seja, quais
são as condições do pessoal que trabalha nas escolas. Sobre os progra-
mas de formação contínua, a quais necessidades respondem? Poderiam
ser formulados a partir das necessidades identificadas e analisadas das
escolas, dos profissionais que lá estão, do compromisso que se esta-
belece entre estes, a escola e os resultados da formação contínua para
o trabalho na escola. Quais as condições materiais que a escola preci-
sa para ensinar com qualidade? Não é possível acreditar nas intenções
proclamadas e continuar com uma política que desqualifica as condi-
ções materiais das escolas, que não têm sequer biblioteca, sequer acesso
aos meios de comunicações “tradicionais”, que são a leitura e a escrita.
E, menos ainda, às novas formas de comunicação virtual. Qual o senti-
do das políticas que se apropriam dos novos conceitos nos seus discur-
sos, mas mantêm as escolas na situação de pobreza material, e que não
investem na formação e na carreira docente? Uma escola que se preten-
de parceira num processo de igualdade social, precisa de equipamen-
tos, de apropriar-se da modernização tecnológica para incorporar esses
novos recursos em favor de suas finalidades. Não se a escola tenha um
laboratório que não funciona porque não tem manutenção. Manutenção
e equipagem é responsabilidade do poder público, como o é também o
provimento das condições humanas e do desenvolvimento profissional
dos professores para se colocarem em condições de proporem e gesta-
rem formas criativas de fazer a escola.
Portanto, há que se pensar também nas condições de remunera-
ção, de trabalho, de formação inicial e contínua. Mas, uma formação
que tenha a escola como ponto de partida e como ponto de chegada.
A formação contínua não deve ser apenas para certificar (o certificado
vem junto), mas é uma formação contínua que tenha o lócus escolar e

104 QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores


Capítulo IV]
Políticas públicas, diretrizes e necessidades da educação básica e formação de professores

seus problemas como ponto de reflexão e análise e como análise das te-
orias, como possibilidade de ajudar a fazer o enfrentamento dos proble-
mas na escola.
Há que se pensar, também, na jornada de trabalho dos professo-
res. Uma educação de qualidade social não se consegue com o traba-
lho terceirizado. O modo como as políticas estão tratando a jornada de
trabalho e a fixação dos professores no local na escola, são indicadores
de análise da intencionalidade das mesmas. Para compreender estas,
no caso da escola em ciclos, que é uma proposta interessante, é preci-
so analisar as condições de sua implantação. Não será com professores
funcionários técnicos, executores de tarefas, que se fará uma nova es-
cola. Os professores precisam ser valorizados como parceiros, como su-
jeitos das propostas. Para isso é necessário, no mínimo, ouvi-los.
A relação escola-comunidade e escola-alunos é outro ponto ne-
vrálgico para as mudanças que se pretende. Volto à questão da indisci-
plina. Enquanto não tivermos os nossos alunos como sujeitos do pro-
cesso, enquanto não estabelecermos um contrato de trabalho no interior
da escola, no qual os vários atores se veem representados e, portanto,
os interesses equalizados em direção a uma meta de qualidade social da
escola, dificilmente vamos conseguir resolver o problema da indiscipli-
na. Nesse tema, tenho uma hipótese: um dos grandes fatores da indisci-
plina na escola se deve ao fato de que os alunos não têm uma identifi-
cação com a escola, não a reconhecem como sua. Nela, não há espaço
para colocarem e discutirem suas representações de escola, como ela
entra (ou não) no seu mundo, nos seus sonhos. O que esperam da esco-
la. Penso que essa é também uma questão importante para pensarmos e
repensarmos a política no âmbito da escola.

4. Conceitos, políticas e formação de professores

Para finalizar, trata-se de abordar, ainda que rapidamente, a ques-


tão da formação de professores. Há três temas – projeto pedagógico,
mudanças curriculares e avaliação – que estão perpassando o imagi-
nário, os discursos e as propostas políticas. Esses temas decorrem da

QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores 105


Selma Garrido Pimenta

produção do conhecimento no campo da pedagogia. São estudados


e pesquisados por essa ciência e pelas demais ciências da educação.
Constituem os pilares sobre os quais se assentam as políticas da refor-
ma educacional em nosso país. A análise de como estão sendo implan-
tados, e mesmo o estudo de seus resultados que já se fazem perceber,
evidenciam que a educação está sendo retoricamente valorizada por es-
sas políticas. Portanto, longe de resolver as questões da democratização
quantitativa e qualitativa da educação escolar.
Assim, se percebe o quanto conceitos pedagógicos vão se tornan-
do modas facilmente descartáveis. Por exemplo, consideremos o con-
ceito de professor reflexivo. Esse conceito, descontextualizado das con-
dições que propiciaram a sua gênese (que foi o movimento de demo-
cratização social e política de países europeus), está sendo banalizado
tanto em setores da academia, quanto nas propostas de políticas de for-
mação de professores. É até interessante perceber como nos documen-
tos essa expressão entrou e, em seguida, saiu de alguns documentos de
governos que estão retirando essa expressão, porque perceberam que,
se levado às últimas consequências, esse conceito implica em transfor-
mar significativamente as condições de trabalho dos professores nas
escolas. As propostas políticas e as reformas educacionais dos países
nos quais esse conceito mostrou sua fertilidade para uma nova concep-
ção que valoriza o professor como intelectual crítico, transformaram as
condições de trabalho nas escolas de maneira muito significativa, inves-
tindo na formação e no desenvolvimento dos professores e investindo
nas instituições escolares. Definindo jornada completa e elevação sala-
rial, dignificando o trabalho e a carreira docente, aspectos estes que es-
tão completamente silenciados nas reformas governamentais do nosso
país. Aqui se fala apenas em mudar a formação e não as condições de
trabalho. Lá, as exigências de formação foram significativamente alte-
radas em paralelo às também significativas melhorias nas condições de
exercício profissional dos professores.

106 QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores


Capítulo V

CURRÍCULO E FORMAÇÃO DE PROFESSORES:


NOTAS PARA DISCUSSÃO
Antonio Flavio Barbosa Moreira (UCP/UFRJ)

Introdução

Mundialmente, muitas escolas têm falhado na organização de ex-


periências pedagógicas que possibilitem aos seus alunos as aprendiza-
gens necessárias para viver, sobreviver e conviver no incerto futuro que
os aguarda. Em diferentes partes do globo, requerem-se das instituições
escolares qualidade e eficiência. No caso específico do Brasil, parece
haver uma concordância de que nosso ensino público vai mal. Se o in-
gresso na escola básica está praticamente universalizado e se nela a per-
manência tem sido cada vez mais ampliada, o aprendizado de conheci-
mentos, saberes e culturas ainda não tem ocorrido como seria de esperar.
Segundo Corinta Geraldi e João Wanderley Geraldi (2012), dois
processos de exclusão social têm caracterizado nossa escola: a repro-
vação (que exime os sistemas educativos de qualquer responsabilidade
pelos resultados obtidos) e a aprovação automática (que cria uma falsa
ilusão de acesso aos bens culturais e simbólicos, já que a certificação
não corresponde à aprendizagem verificada). Para os autores, “a obvie-
dade é parte do senso comum e tem sido manchete dos principais jor-
nais escritos e televisionados do país: a educação no Brasil não vai bem;
o ensino público tem muitos problemas” (p. 38).
Referindo-se à escola portuguesa, António Nóvoa (2002) argu-
menta que ela não tem cumprido muitas de suas promessas. Cada vez
mais, alunos a abandonam, carentes de tudo:
Antonio Flavio Barbosa Moreira

sem um mínimo de conhecimentos e de cultura, sem o domínio das re-


gras básicas da comunicação e da ciência, sem qualquer qualificação
profissional. Contrariamente às suas intenções igualitaristas, a escola
continua, tantas vezes, a deixar os frágeis ainda mais frágeis e os pobres
ainda mais pobres (NÓVOA, 2002, p. 1).

A crise pela qual passa a escola, em diversos países, já foi há


muito denunciada, mas parece manter-se sem mudanças significativas.
Segundo Rui Canário (2002), esse sentimento de mal estar geral remon-
ta a um diagnóstico formulado ao final dos anos 1960. Que fazer dian-
te da constatação de uma crise que não tem mais o sabor da novidade?
O autor sustenta, então, que o reconhecimento do caráter histórico e
inventado da escola permite, ao mesmo tempo, prever a sua reinven-
ção. Para isso, porém, faz-se necessário um pensamento prospectivo.
Recorrendo mais uma vez a Nóvoa, pode-se dizer que “falta um pensa-
mento novo, uma filosofia que ajude a imaginar outras lógicas, outros
modelos e outras formas de organização dos espaços educativos” (2002,
p.1). Em última análise, está-se defendendo a reinvenção da escola.
Canário (2002) sugere três princípios que possam desencadear o
processo: (a) repensar o escolar a partir do não escolar, permitindo que
a escola se contamine por outras ideias e práticas; (b) desalienar o traba-
lho escolar, conferindo-lhe um sentido positivo; e (c) pensar a escola a
partir de um projeto de sociedade, de uma ideia do que devem ser a vida
e o devir coletivos. Conforme Nóvoa, trata-se de mudar, “mas mudar
com segurança e coerência. Em tempos de desassossego, mais do que
nunca, é essencial manter o rumo das convicções e recusar as soluções
de moda ou de conveniência” (NÓVOA, 2002, p. 2).
Pode-se afirmar que reinventar a escola requer uma atitude de in-
satisfação com a escola atual, bem como a convicção de que outra es-
cola, qualitativamente distinta da de hoje, é desejável e possível. Para
fomentar essa mudança, parece necessária uma metodologia que se ba-
seie na criatividade das instituições escolares de modo que, ao se trans-
formarem, elas se tornem verdadeiras comunidades de aprendizagem.
Nessa perspectiva, a renovação do trabalho pedagógico e as estratégias
de mudança precisam ser decididas e formuladas com os professores,

108 QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores


Capítulo V
Currículo e formação de professores: notas para discussão

para que sua autonomia profissional e seu controle do trabalho docente


sejam assegurados (CANÁRIO, 2006).
Como consequência da atualização da prática pedagógica po-
de-se esperar o aumento da motivação por parte dos estudantes, fator
crucial para seu sucesso na escola. Segundo Benoit Galand (2011), da
Universidade Católica de Louvain, motivação é concebida como um
conjunto de processos que influenciam o envolvimento do aluno em
uma atividade. As pesquisas mais recentes sobre processos motivacio-
nais destacam a importância de fatores individuais e situacionais na for-
mação de dinâmicas motivacionais variadas. A motivação decorre da
interação desses dois fatores.
Entre os fatores situacionais pode-se destacar, entre outros, as
atividades de ensino, as experiências de aprendizagem, as expectativas
dos professores em relação aos alunos, um ambiente escolar propício
ao trabalho pedagógico. Em síntese, está-se enfatizando que o currícu-
lo constitui uma influência significativa na dinâmica motivadora, par-
ticularmente por meio de seus elementos constitutivos. Ressaltem-se,
ainda, as visões docentes relativas ao sucesso escolar, ao conhecimento
válido de ser ensinado e aprendido, assim como às noções do que sejam
uma boa aula, uma boa resposta, uma boa conduta, um bom desempe-
nho. Ou seja, o que estou argumentando é que o processo de reinvenção
da escola demanda focalizar e renovar o currículo e o trabalho pedagó-
gico, com vistas ao desenvolvimento da dinâmica motivacional dos es-
tudantes. Uma escola reinventada e atualizada é uma escola motivado-
ra, na qual os alunos ingressam, permanecem e aprendem.
Mas, quando se fala em aprendizagem, fala-se inevitavelmente
de professores (NÓVOA, 2007), apropriadamente vistos como elemen-
tos centrais na promoção da aprendizagem, bem como no desenvolvi-
mento de processos de integração que enfrentem os desafios da diversi-
dade e do emprego de novas tecnologias. Conforme Nóvoa, para a qua-
lidade e a equidade da aprendizagem ao longo da vida há que se asse-
gurar o desenvolvimento profissional dos professores.
Em diversos países, inclusive no Brasil, nos quais a reinvenção
da escola e o desenvolvimento profissional dos professores ainda não se

QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores 109


Antonio Flavio Barbosa Moreira

evidenciaram como se desejaria, uma equivocada solução para os pro-


blemas tem implicado o aumento de regulação de professores e esco-
las, com o estabelecimento de padrões nacionais, currículos nacionais
e exames nacionais. Nas reformas que vêm sendo propostas, o recurso
aos mercados livres e à vigilância ampliada tem sido frequente.
Os testes e os indicadores de desempenho têm permitido a clas-
sificação das escolas, a avaliação dos docentes e dos alunos, a defini-
ção de critérios que recompensem ou não o professor. O Secretário de
Educação do Estado do Rio de Janeiro, em entrevista concedida ao jor-
nal O Globo, em 3 de junho de 2013, afirmou: “vamos começar a traba-
lhar com o conceito de certificação dos profissionais, que pode triplicar
os salários de quem estiver disposto a ser avaliado e vai servir como um
incentivo para levar os professores para a sala de aula”. Nesse contexto,
está-se caminhando a passos largos em direção a um maior controle e a
uma maior mercantilização da educação.
Diversos estudos têm denunciado o quanto essas reformas têm
privilegiado os que dominam o capital cultural valorizado pelos siste-
mas escolares. Contudo, para que os estudantes de grupos subalterniza-
dos não sejam ainda mais desfavorecidos, há que se contrapor às pro-
postas que expressam a “guinada para a direita” na educação, uma ela-
boração de políticas e práticas alternativas, críticas, progressistas, de-
fensáveis, articuladas e consistentes no que se refere a currículo, ensino
e formação de professores. Ou seja, fazem-se urgentes e indispensáveis
respostas coletivas e construtivas que desequilibrem as políticas educa-
cionais associadas à chamada restauração conservadora na educação
(APPLE, 2002).
Uma outra escola e um outro professor são apresentados em li-
vro há pouco publicado (SAHLBERG, 2011), que aborda a educação
na Finlândia e examina a situação de excelência que parece caracteri-
zá-la. Indicadores internacionais têm mostrado que naquele país se en-
contram cidadãos muito bem educados, são oferecidas oportunidades
educacionais de forma igualitária e se empregam apropriadamente os
recursos necessários ao desenvolvimento do professor e do processo
educacional.

110 QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores


Capítulo V
Currículo e formação de professores: notas para discussão

Inicialmente, há que se reconhecer que o sucesso ou o fracasso


de um sistema educacional não se explica por um único fator, já que seu
funcionamento depende de um conjunto de elementos sociais, culturais,
políticos, econômicos e educacionais, que se articulam de formas dife-
rentes em distintas situações. Pasi Sahlberg (2011), ao discutir o siste-
ma escolar na Finlândia, argumenta que três aspectos podem responder
por seu bom desempenho. Em primeiro lugar, é corrente no país uma
instigante visão de como deve ser a educação pública. Os finlandeses
evidenciam um vigoroso compromisso com a construção de uma escola
básica para todos os estudantes, publicamente financiada e localmente
governada. Tal compromisso tem resistido a diversas mudanças gover-
namentais e, em função de sua permanência, tem sido denominado de
sonho finlandês.
Em segundo lugar, é preciso ressaltar como o país tem tratado
tanto o auxílio externo quanto a sua própria tradição educacional nas
reformas que tem organizado. Apesar das influências e das transferên-
cias verificadas ao longo do tempo, a Finlândia desenvolveu uma forma
peculiar de criar o sistema educacional hoje existente. Essa modalida-
de finlandesa de agir é nitidamente distinta do movimento das refor-
mas educacionais de viés neoliberal implementadas em inúmeros paí-
ses durante as duas últimas décadas. A modalidade finlandesa de mu-
dança resguarda o melhor de sua tradição e de sua prática pedagógica,
associando-as a inovações oriundas de outros lugares. A promoção da
confiança, a intensificação da autonomia e a valorização da diversidade
constituem exemplos de ideias orientadoras das transformações nas es-
colas finlandesas. Não obstante modelos importados de inúmeros países
(como Estados Unidos, Inglaterra, Austrália, Canadá e outros), o sonho
finlandês é vivido como algo que pertence aos cidadãos, em vez de algo
tomado de empréstimo.
Em terceiro lugar, adequadas condições de trabalho para profes-
sores e gestores são promovidas e oferecidas nas escolas finlandesas.
É evidente o esforço por recrutar jovens promissores para o magisté-
rio. Mas, há que se admitir, nem bons cursos de formação nem bons
salários podem ser considerados suficientes. O diferente, na Finlândia,

QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores 111


Antonio Flavio Barbosa Moreira

é que os professores podem exercer sua capacidade profissional e em-


pregar seu poder de julgamento ampla e livremente nas escolas. Cabem
aos docentes, então, o controle e a operacionalização do currículo, a
avaliação do aluno, o aperfeiçoamento da escola e o envolvimento com
a comunidade.
Sahlberg admite que a experiência finlandesa não pode ser trans-
ferida para outros países. Todavia, sustenta que, em qualquer país, po-
de-se acreditar na competência do professor, adotar-se um clima livre
de ameaças nas salas de aula e promover-se um ambiente de confiança
nas escolas.
Sugiro, então, que se contraponha a experiência finlandesa às re-
formas neoliberais que se pautam pela intensificação do controle e pela
mercantilização na educação. Defendo o uso dessa experiência para in-
centivar a discussão dos processos curriculares. Nas minhas reflexões,
pretendo argumentar que decisões curriculares efetivas e democráticas
vêm a ser facilitadas não pelo aumento de controle dos docentes e dos
alunos, mas sim pela promoção de um clima de confiança e de apoio
nas escolas.
Nessa perspectiva, uma discussão coletiva e teoricamente fun-
damentada do currículo se faz indispensável para a sua reestruturação.
Proponho que o desenvolvimento de uma qualidade negociada via cur-
rículo se paute no diálogo e na cooperação entre diferentes grupos Tal
qualidade deve resultar da transação, da colaboração, da reflexão e da
análise crítica de documentos oficiais e materiais didáticos, bem como
de uma constante discussão entre os diferentes sujeitos participantes do
processo, ou seja, entre os que respondem pela gestão (tanto em nível
sistêmico quanto escolar) e os demais profissionais que, nas escolas e
nas salas de aula, contribuem para o planejamento e o desenvolvimen-
to do currículo.
Organizo o texto da seguinte forma: abordo inicialmente o que
tenho chamado de qualidade negociada via currículo. Apresento prin-
cípios que possam nortear iniciativas voltadas para o desdobramento
de um clima de negociação, apoio e confiança nas escolas. Defendo,
em seguida, a valorização da escola e do ensino. Destaco a importância

112 QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores


Capítulo V
Currículo e formação de professores: notas para discussão

do profissionalismo docente no processo de renovação da escola. Nas


considerações finais, articulo os argumentos apresentados ao longo do
texto e realço o valor de um esforço colaborativo e democrático nas de-
cisões curriculares, para que se chegue a uma atmosfera motivadora e
livre de ameaças no espaço escolar. Procuro, ainda, analisar as relações
entre o processo de intensificação do trabalho docente e o processo de
desenvolvimento profissional.

1. Qualidade negociada via currículo

Considero restritas as visões de qualidade em educação que


priorizam desempenho satisfatório em exames nacionais; domínio de
conhecimentos, habilidades e competências antecipadamente estabe-
lecidas; emprego de tecnologias avançadas; supervalorização da com-
petividade e da produtividade; novos métodos de gerenciar sistemas
e instituições educacionais; procedimentos integrados e flexíveis no
trabalho pedagógico. Como afirmam Antonio Flavio Moreira e Sonia
Kramer (2007),

alguns desses elementos podem integrar uma concepção crítica.


Todavia, não se ultrapassa o nível instrumental quando a noção de qua-
lidade se funda apenas em pressupostos técnicos e se distancia dos ju-
ízos de valor, do compromisso com a justiça social, bem como das
ações e dos interesses dos sujeitos que concretamente a definem e ado-
tam (p. 1044).

Posiciono-me, assim, na contramão das tentativas de conge-


lar o sentido da palavra qualidade, que a associam, fundamentalmen-
te, aos resultados em avaliações nacionais e internacionais e às pers-
pectivas neoliberais que têm norteado recentes reformas educacionais.
Argumento a favor de outra ótica, com base na qual se entenda o senti-
do de qualidade em educação, dominantemente, como uma perspectiva
utópica, como um processo de formulação de alternativas desenvolvido
por sujeitos que interagem, articulando dimensões intelectuais, sociais,
culturais e políticas. Sustento que a abordagem da professora italiana

QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores 113


Antonio Flavio Barbosa Moreira

Anna Bondioli (2004) corresponde a esse ângulo de análise. A autora


sugere uma qualidade negociada, definida com base no diálogo e nas
contribuições de diversos grupos de trabalho. Essa qualidade caracteri-
za-se por sua natureza: (a) transacional; (b) participativa e polifônica;
(c) auto-reflexiva; (d) contextual; (e) processual; (f) transformadora; e
(g) formadora.
Nesse enfoque, a qualidade não é um “ter de ser” previamente
definido, uma ideia que se pretenda impor à realidade, uma tarefa a
ser cumprida ou um projeto a ser materializado na prática. A qualida-
de é uma reflexão sobre a prática, uma reflexão compartilhada. Para
a autora,

fazer a qualidade não implica, pois, somente um agir, mas também um


refletir sobre as práticas, sobre os contextos, sobre os hábitos, sobre os
usos, sobre as tradições de um programa educativo para examinar o seu
significado em relação aos propósitos e aos fins (Bondioli, 2004, p. 15).

Essa visão de qualidade pode, a meu ver, incentivar um processo


contínuo de interação e de inovação, centrado na criatividade dos pro-
fessores e das escolas e na sua capacidade para, constante e coletiva-
mente, definir, avaliar e reestruturar o currículo e o trabalho pedagógi-
co. Qualidade resulta, então, de transação, de cooperação, de reflexão,
de um debate constante entre os diversos atores e grupos sociais inte-
ressados nos distintos aspectos e nas diferentes dimensões do fenôme-
no educativo escolar, entre eles o processo motivacional dos estudantes.
Nesse enfoque, a qualidade pode ser favorecida pela parceria en-
tre escola e governo local, em função de um processo que, me inspiran-
do em Luiz Carlos de Freitas (2007), denomino de qualidade negocia-
da via currículo. Trata-se, em última análise, de aproveitar os subsídios,
o apoio e os recursos oriundos do governo municipal, articulando-os
aos esforços da escola na elaboração e na materialização de seu projeto
político-pedagógico e de seu currículo. Em vez de determinações verti-
cais e autoritárias, estou sugerindo a parceria entre a escola e o gover-
no local, para que ela cumpra a sua função “de ensinar a todos e a cada
um” (FREITAS, 2007, p. 980, itálicos no original).

114 QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores


Capítulo V
Currículo e formação de professores: notas para discussão

À visão de qualidade negociada via currículo pode ser associada


à concepção defendida por Romualdo Oliveira e Gilda Araujo (2005),
para quem, no que se refere ao direito à educação, o desafio do
atual momento é garantir o acesso à escola e uma permanência bem
sucedida, oferecendo ao estudante uma experiência rica, motivadora,
que corresponda a um projeto de emancipação e inserção social. Em
outras palavras, o que os autores sugerem é que o direito à educação
corresponda a um ensino básico de qualidade para todos, que não
reproduza mecanismos de desigualdade e de exclusão social.
Desejo argumentar que essas perspectivas implicam a valoriza-
ção da escola e do professor, a busca de soluções pautadas na realidade
local e o desenvolvimento de um clima motivador e sem ameaças nas
escolas, tal como ocorre na Finlândia. Em cena apresenta-se uma nova
modalidade de ação por parte das secretarias locais, que passam a subs-
tituir iniciativas de regulação por uma postura de cooperação e de soli-
dariedade com as escolas, tanto no que se refere ao currículo quanto à
formação continuada dos professores. Evidencia-se também o esforço
por garantir, além do acesso, a permanência e o sucesso do estudante na
escola. Reiterando que os profissionais dessa escola são capazes de uma
atuação cooperativa e competente, passo a focalizá-la mais detidamente.

2. A importância da escola

Os olhares de muitos estudiosos do currículo já se têm voltado


para outras instâncias e outros processos que também constituem ter-
ritórios educativos, ampliando a própria ideia de currículo. Embora re-
conhecendo que um dos desafios do atual momento seja exatamente
identificar, favorecer e expandir distintos espaços de construção e de re-
construção do conhecimento para neles pensar, de forma renovada, a di-
dática e o currículo (CANDAU, 2000a), opto por privilegiar a escola e
por acentuar a sua capacidade de realização, resistência e transgressão.
Faço-o ciente de que valorizar a escola não significa abordá-la
inocente ou romanticamente. A escola e o currículo estão implicados
no processo de reprodução de desigualdades sociais e de relações de

QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores 115


Antonio Flavio Barbosa Moreira

poder assimétricas. A função reprodutora do processo de escolarização


foi acentuada por Michael Apple (1989), para quem as escolas, na so-
ciedade capitalista, contribuem para os processos de acumulação, legi-
timação e produção. Primeiramente, as escolas auxiliam no processo
de acumulação ao selecionarem, classificarem e prepararem os alunos
com base em seus distintos “talentos”, reproduzindo, assim, uma força
de trabalho hierarquicamente organizada. Em segundo lugar, as esco-
las participam de uma complexa estrutura por meio da qual os grupos
sociais adquirem legitimidade e por meio da qual as visões de mundo e
os significados são recriados, mantidos e continuamente reelaborados.
Finalmente, escolas e universidades contribuem para a produção do co-
nhecimento técnico-administrativo necessário à expansão da indústria
e do mercado.
Mas os processos de acumulação, legitimação e produção repre-
sentam pressões sobre as escolas, não conclusões garantidas, pois se
desenvolvem em meio a contradições, conflitos e resistências. Por esse
motivo, o currículo escolar será sempre o resultado de disputas, alian-
ças e negociações entre grupos econômica e culturalmente poderosos
(que procuram defender seus interesses) e as classes populares (que
buscam tornar o currículo mais adequado às suas tradições políticas e
culturais).
Compreender as vinculações da escola e do currículo com a eco-
nomia e a produção continua a apresentar relevância. Porém, como na
escola se produzem diversas competências, capacidades e habilidades,
faz sentido considerá-la como frente privilegiada de luta de qualquer
estratégia de intervenção cultural do processo de transformação social.
Segundo Tomaz Tadeu da Silva (1996, 1999) esse processo de transfor-
mação não deve se sustentar em qualquer projeto distante, mas deve,
sim, procurar afetar as relações de poder e de dominação presentes em
nossa vida cotidiana.
No que se refere à configuração de nossas identidades sociais, a
escola tem sido vista como um dos mais importantes espaços institu-
cionais na construção de quem somos. É um dos primeiros espaços em
que a criança se situa, distante do convívio e da vigilância da família.

116 QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores


Capítulo V
Currículo e formação de professores: notas para discussão

A criança tem, então, acesso a outros modos de ser e de agir diferentes


dos que encontra no mundo familiar. Expõe-se às diferenças que nos
conformam, o que contribui para desestabilizar as crenças e as condutas
aceitas no âmbito da família (MOITA LOPES, 2002).
A escola pode, então, voltar-se para o movimento e a mudan-
ça, para a abertura e a dissidência, para a transgressão e a subversão
(SILVA, 1996). Pode favorecer a formação de indivíduos não confor-
mistas, questionadores, rebeldes, autônomos, capazes de criticar e de
desafiar os valores dominantes e as identidades celebradas no mundo
da família e na sociedade mais ampla. Pode constituir um território de
lutas, buscas, relações, diálogos, confrontos, desafios e práticas que
anunciem novos tempos (ALVES e GARCIA, 1999; CANDAU, 2000a,
2000b). Pode estimular em seus alunos o compromisso com o desen-
volvimento de seu país. Pode, em síntese, fazer diferença. Daí a neces-
sidade de valorizá-la e de, ao mesmo tempo, renová-la.
Partindo desses pontos de vista, ressaltei, em recente tex-
to (MOREIRA, 2012), a importância da escola como: espaço de crí-
tica cultural, espaço de pesquisa e espaço formativo para o trabalho.
Primeiramente, argumentei que a escola precisa desenvolver no estu-
dante a capacidade de crítica cultural, de crítica do existente, de ques-
tionamento do que parece inscrito na natureza das coisas, com a inten-
ção de mostrar que as coisas não são inevitáveis. Trata-se, em outras
palavras, de tornar evidente que muito do que é visto como natural e
aceito sem questionamento, assim o é por atender à manutenção de pri-
vilégios e vantagens de dados grupos sociais. Cabe, então, desfamiliari-
zar o que a rotina, personagem habitual da vida cotidiana, costuma con-
solidar. Ou seja, há que se colocar em questão as certezas inabaláveis e
os interesses estabelecidos.
Em segundo lugar, sugeri que se concebesse a escola como espa-
ço de pesquisa, construção e reconstrução do conhecimento. Sustentei
que o professor, ao participar do esforço por universalizar bens mate-
riais e simbólicos necessários ao enfrentamento de problemas comuns,
precisa cruzar a fronteira entre o acadêmico e o político, o que exige
sair do confortável terreno acadêmico e entrar em contato com o mun-

QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores 117


Antonio Flavio Barbosa Moreira

do exterior (sindicatos, movimentos sociais e outros grupos). Precisa


inventar o conhecimento engajado (BOURDIEU, 2001) – uma política
de intervenção no mundo político que obedeça às regras e aos métodos
do campo científico.
Esse conhecimento poderá incrementar tanto a crítica às políticas
e decisões que os neoliberais nos apresentam como inevitáveis, quanto
a formulação de alternativas ao que é tido como inquestionável. Tornar
a escola um espaço de pesquisa requer um trabalho cooperativo com
base no qual os docentes se constituam em pesquisadores de temáticas
educacionais, dos conteúdos que ensinam, das práticas que organizam
e coordenam ou, ainda, aprendam a centrar o próprio ensino na habili-
dade de pesquisar. Tornar a escola um espaço de pesquisa pode ser fa-
cilitado pelo apoio da secretaria local e depende, indiscutivelmente, da
salutar parceria entre docentes e gestores. Tornar a escola um espaço de
pesquisa pode contribuir para o aperfeiçoamento profissional dos pro-
fessores; assim como para que os estudantes desenvolvam a curiosida-
de, a criatividade, o interesse pela busca de novos saberes e informa-
ções, o rigor nessa busca, ou seja, o espírito de pesquisa. A meu ver, do
desdobramento desse processo poderão delinear-se incontestáveis mo-
tivos para a maior valorização dos professores no âmbito da sociedade
e da cultura em que atuam.
O espaço de pesquisa que proponho corresponde, também, a um
espaço político (APPLE, 2002; BOURDIEU, 2001). Nele, é proveitosa
a articulação de movimentos que se mobilizem contra a hegemonia, de
tal modo que as lutas educacionais se associem às lutas em outras fren-
tes, com a possível emergência de novas lutas e o fortalecimento das
que já existam nas próprias instituições educacionais. Nesse contexto,
em que cooperação, negociação, participação, polifonia, respeito à di-
ferença, bem como capacidade de ouvir o outro e de dialogar são ine-
vitáveis, pode-se melhor atingir a qualidade negociada via currículo.
Em terceiro lugar, proponho que se conceba a escola como espa-
ço formativo para o trabalho, já que o trabalho é uma das principais ati-
vidades humanas. O que estou sugerindo é tornar a escola um campo de
preparação para futuras escolhas profissionais; um lugar de exercício da

118 QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores


Capítulo V
Currículo e formação de professores: notas para discussão

cidadania; um terreno de produção de bens, serviços e conhecimentos.


Para isso, importa uma clara compreensão do processo histórico de pro-
dução científica e tecnológica, assim como de inovação. Importa uma
análise cuidadosa e criteriosa do processo de trabalho no mundo con-
temporâneo. A intenção é facilitar a aquisição de conhecimentos esco-
lares que constituam instrumentos adequados à compreensão e à trans-
formação da natureza e das situações de vida, bem como ao aprofun-
damento das potencialidades humanas. Em última análise, estou argu-
mentando a favor do preparo do estudante para refletir e agir em relação
à natureza, ao contexto e à organização social.
Ciente de que a escola não se reduz ao ensino e de que não se
aprende apenas na escola, sustento que a ela cabe, fundamentalmente,
organizar e promover o ensino, desenvolvendo a aprendizagem, a cons-
trução e a reconstrução de conhecimentos, habilidades e visões de mun-
do, assim como promover a formação de cidadãos autônomos e respon-
sáveis e contribuir para a construção autônoma de identidades que ve-
nham a se colocar na contramão dos modelos hegemônicos. Valorizar a
escola implica, assim, valorizar o ensino, o docente, o currículo, o co-
nhecimento escolar e as identidades.
Com Apple (2010), considero que as decisões curriculares en-
volvem necessariamente professores, alunos, conhecimentos, salas de
aula, assim como experiências e ambientes de aprendizagem. Ou seja,
vale reiterar: não há como se negligenciar a preocupação com o ensino,
com o currículo, com a forma e o conteúdo do conhecimento escolar,
com os sujeitos implicados no processo O esforço por compreender es-
ses elementos e suas relações, bem como os propósitos que se pretende
que cumpram deve estar na linha de frente de nossa atuação como pro-
fessores e pesquisadores e de nossa proposta de desenvolver um proces-
so motivacional nas escolas. Lamentavelmente, porém, como argumen-
tou o pesquisador norte-americano, muito do que se encontra no cha-
mado campo do currículo distanciou-se dessa perspectiva.
Além da valorização da escola, o sucesso do sistema escolar fin-
landês fundamenta-se no respeito e no desenvolvimento profissional
dos professores, temática a seguir abordada.

QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores 119


Antonio Flavio Barbosa Moreira

3. O desenvolvimento profissional dos professores

Sugiro que o fortalecimento do profissionalismo docente pode


favorecer a autonomia dos professores na implementação de políticas
curriculares e no processo pedagógico. Apoiando-me em Geoff Whitty
(2008), não me preocupo em definir profissionalismo. Segundo o soci-
ólogo, profissionalismo é entendido hoje como um fenômeno em per-
manente mudança. Uma profissão, acrescenta, deve ser analisada con-
forme se apresenta em dado momento. Assim, em vez de cogitar sobre
o que deveria ser a profissão docente, melhor seria examinar suas carac-
terísticas no momento atual. Tal enfoque, com o qual concordo, facili-
ta-me e permite-me abordar o profissionalismo livremente, enfocando,
em primeiro lugar, o conhecimento do professor.
Há que se considerar que o conhecimento especializado do pro-
fessor (e de outros profissionais) se encontra hoje desafiado, tanto por
poderosas forças políticas e econômicas globais, quanto por determina-
das teorizações (certas modalidades de pós-modernismo), para as quais
o conhecimento profissional representa um mero pretexto para a con-
servação de privilégios (YOUNG, 2008). Young indaga: serão os desa-
fios que o conhecimento profissional enfrenta um indicador do fim das
especializações que se baseiam em disciplinas e se desenvolvem nas
universidades? Nesse caso, será o mercado um adequado mecanismo
para decidir se confiamos no conhecimento especializado dos profissio-
nais ou será necessário recorrer à política?
Embora seja possível rejeitar as afirmativas de certas teorizações
e reconhecer a impropriedade do mercado para atuar como definidor
de critérios para avaliar o conhecimento especializado, não é tão fácil,
contudo, rejeitar as forças da globalização e as tentativas de controle do
governo por meio da regulação. Não é fácil, também, lidar com todos
os mecanismos que cada vez mais tornam transparentes e públicos os
“conhecimentos sagrados” de um profissional, antes disponíveis apenas
para os iniciados nos mistérios da profissão.
Essa difusão do conhecimento especializado pode tanto contri-
buir para divulgá-lo e torná-lo mais acessível a um maior número de

120 QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores


Capítulo V
Currículo e formação de professores: notas para discussão

pessoas quanto para fragilizá-lo e desprestigiá-lo. Toda essa controver-


tida situação se mostra mais aguda ainda no caso da docência, que tan-
to custou a ser considerada uma profissão. (Recorde-se o quanto ainda
hoje se acredita que qualquer pessoa pode ensinar, desde que conheça o
conteúdo a ser transmitido).
Ainda que os modelos tradicionais de conhecimento profissional
tenham sido dominantemente conservadores e resistentes à mudança, a
corrente desvalorização do conhecimento profissional desconsidera a
natureza e a base da autoridade dos diferentes conhecimentos especia-
lizados, bem como as condições apropriadas para sua aquisição e sua
produção.
Young recorre a Bernstein para defender o ponto de vista de que
o princípio do mercado, vigente no mundo contemporâneo, tem sido
pouco propício para o desenvolvimento do conhecimento profissional
especializado, bem como das identidades dos que o dominam. Cabe
acrescentar que a identidade do profissional conforma-se, significati-
vamente, por meio do que Bernstein denomina de interioridade, bem
como pela dedicação intensa ao saber. São tais atributos que definem
o acadêmico e que estão sendo desestabilizados pelo mercado e pelos
esforços do governo por controlar os profissionais e reduzir sua au-
tonomia.
O mercado tem provocado uma considerável ruptura entre quem
conhece e o que é conhecido, levando à formação de dois mercados in-
dependentes – um dos criadores e usuários do conhecimento e outro do
próprio conhecimento. Essa descontinuidade acaba desconectando o in-
terior do exterior, em consonância com os princípios do mercado pau-
tados no neoliberalismo.
É da articulação entre interioridade e exterioridade que depende
a construção de nossa identidade como seres sociais e membros da
sociedade e, mais especificamente, como membros autônomos e
competentes de um dado grupo profissional. Interioridade e exterioridade
precisam, então, agregar-se (YOUNG, 2008).
No momento atual, essa articulação tem-se esvaziado e, em mui-
tas situações, os princípios do mercado e da economia passaram a cons-

QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores 121


Antonio Flavio Barbosa Moreira

tituir o critério orientador da seleção dos discursos, de suas vinculações,


de suas formas e, mesmo, de sua investigação. Algumas das consequ-
ências têm sido: a crescente insistência, na escola, em destrezas bási-
cas mensuráveis e, na educação superior e na pesquisa, uma pretensa
descentralização e novos mecanismos de controle estatal Ou seja, nesse
contexto, amplia-se a vigilância e reforça-se o divórcio entre o conhe-
cimento e a interioridade.
Alienando-se o conhecimento da interioridade, do compromis-
so, do esforço pessoal, da estrutura profunda do eu, faz-se possível
trocar as pessoas de posições, substituir umas por outras, bem como
eliminá-las do mercado. Entretanto, concebendo-se o conhecimento
como a expressão de uma relação interior, pode-se garantir sua legi-
timidade, sua integridade, sua dignidade, bem como o status de quem
conhece (MOREIRA, 2009b). É essa última perspectiva que precisa
fundamentar o esforço por promover o desenvolvimento profissional,
por revigorar o profissionalismo docente, se desejarmos contrapô-lo
ao viés neoliberal que tem contribuído para a alienação do trabalho
docente.
Fortalecer o profissionalismo implica, ainda, uma ampla discus-
são dos conhecimentos especializados a serem incluídos na formação
docente. Todavia, ao ressaltar a especificidade e a valorização do saber
profissional do professor não estou me alinhando com os que acirrada-
mente defendem a proeminência da prática nesse saber (embora não a
veja esvaziada de um significado particular, de um conteúdo próprio).
Não me associo, assim, aos que costumam acusar o currículo da forma-
ção docente de excessivamente teórico e descontextualizado. Concordo
com o ponto de vista de que não cabe desmobilizar a teoria, nem dis-
tanciá-la da ação política e da ação prática (DIAS E LOPES, 2009).
Defendo, então, o investimento na formação teórica, considerando-a de
grande importância para a formação e para a valorização do profissio-
nalismo docente.
Para Whitty (2008), o profissionalismo deve corresponder a uma
postura marcada pela colaboração e pelo compromisso com a democra-
cia. O foco na colaboração justifica-se na medida em que os docentes

122 QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores


Capítulo V
Currículo e formação de professores: notas para discussão

não podem hoje constituir um grupo profissional à parte. Ao contrário,


em sua prática, precisam colaborar ativamente com os demais profissio-
nais da educação e com outros sujeitos interessados na escolarização,
bem como com profissionais de diferentes áreas de especialização, ca-
pazes de contribuir para a educação de crianças e adolescentes. O diá-
logo entre diferentes profissionais precisa ocorrer e pode, a meu ver, fa-
cilitar o necessário diálogo nas escolas, entre as escolas e, ainda, entre
as escolas e as secretarias de educação locais.
Quero sugerir que o modelo colaborativo de profissionalismo
pode ser associado à qualidade negociada via currículo que, vale rei-
terar, deriva de transação, de participação, de reflexão, de análise crí-
tica de documentos oficiais, de um debate permanente entre os diver-
sos atores e grupos sociais interessados no processo curricular. Essa
visão de qualidade harmoniza-se com a perspectiva de um profis-
sionalismo centrado na colaboração, tal domo defendido por Whitty
(2008).
O sociólogo inglês enfatiza ainda a pertinência de um mode-
lo democrático de profissionalismo, caracterizado pela sensibilidade
para a diferença e pelo estímulo a um diálogo e a um processo cola-
borativo que não envolvam apenas um grupo fechado de profissio-
nais, o que pode ocorrer quando se valoriza somente a colaboração.
O modelo democrático propõe a inclusão de outras vozes, geralmen-
te excluídas do processo de pensar e organizar a escola e o currículo,
tais como: pais, estudantes, membros da comunidade, representantes
de organizações não governamentais, sindicalistas etc. Em resumo, o
modelo enfatiza a participação, nas decisões administrativas e peda-
gógicas, de todos os que estejam empenhados em construir uma esco-
la mais democrática e, por conseguinte, almejem uma sociedade mais
democrática.
Um profissionalismo marcado por colaboração e democracia não
se desenvolve sem o resgate da autonomia do professor e da escola.
Não se desenvolve sem que se estimule, no professor, a interioridade
necessária ao exercício da profissão.

QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores 123


Antonio Flavio Barbosa Moreira

Considerações finais

Valorizei, neste texto, a importância da escola e de um empre-


endimento colaborativo com vistas à sua renovação. Na defesa de um
processo cooperativo que venha a caracterizá-la, acentuei a importân-
cia dos diálogos entre escola e Secretarias de Educação, e entre os
diferentes sujeitos da escola. Trata-se de promover uma conversação
complicada – expressão cunhada por William Pinar (2004) – entre os
envolvidos no currículo e na gestão: uma conversação pautada pelo
respeito, pela fundamentação e pelo esforço por construir um ambien-
te democrático e livre de ameaças na escola. Insistindo na valorização
do professor, defendi o foco no profissionalismo docente e em seu for-
talecimento.
Cabe levantar a hipótese de que o incremento do profissionalismo
do professor pode aumentar a sobrecarga do trabalho que realiza, con-
tribuindo para maior intensificação desse trabalho e para a fragilização
de sua saúde. Já se destacou, inclusive, como é tênue a linha entre a in-
tensificação do trabalho e o desenvolvimento profissional (OLIVEIRA,
2013). Passo, então, a examiná-la, focalizando inicialmente o processo
de intensificação do trabalho docente.
Em texto publicado há algum tempo, Apple (1986) acentuou o
quanto as tentativas dos burocratas estatais, da indústria e de outros
setores da sociedade de controlar o cotidiano das escolas tornavam-se
cada vez mais sofisticadas. Como consequência, o trabalho docente so-
freu um processo de intensificação, marcado pela separação entre con-
cepção e execução e pela desqualificação desse trabalho.
A intensificação envolveu uma série de sintomas, tanto triviais
quanto complexos, referentes à falta de tempo, tanto para relaxamento e
lazer quanto para acompanhar os avanços no campo de estudos em que
o profissional se especializa. Em síntese, a intensificação evidenciou-se
na crescente sobrecarga de trabalho para o professor.
A intensificação também contribuiu para diminuir a sociabili-
dade do docente, ao dificultar o contato e o diálogo com os colegas.
A ideia de comunidade se modificou, em função das transformações

124 QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores


Capítulo V
Currículo e formação de professores: notas para discussão

no trabalho. Como consequência da redução de tempo para a intera-


ção, o risco do isolamento tornou-se uma forte possibilidade.
Com a sobrecarga de trabalho, ainda que o profissional tentasse
evitar certos “excessos”, eliminando o que julgasse menos importante,
várias habilidades precisaram ser aprendidas ou reaprendidas, faltan-
do tempo para a familiarização com as mudanças no campo de sua atu-
ação. Com isso, o professor deixou de refletir mais autonomamente e
passou a depender mais dos pontos de vista e dos procedimentos divul-
gados por outros “especialistas”.
Mas, certamente, o mais nocivo efeito do processo de inten-
sificação consistiu na redução da qualidade do serviço publicamen-
te prestado. A intensificação, assim, enfraqueceu o compromisso do
profissional com a realização de um trabalho mais sério e de maior
qualidade. Evidentemente, atitudes de resistência por parte dos do-
centes procuraram neutralizar a força desse processo, na busca por
melhor controlá-lo e garantir um tempo de jornada laboral mais justo
e humano. Segundo Apple, todas essas características da intensifica-
ção do trabalho docente já foram equivocadamente vistas como ex-
pressando um crescente profissionalismo. (Essa relação será aborda-
da posteriormente).
Com base em pesquisas realizadas, que incluíram entrevistas
com professores paulistas das últimas séries do ensino fundamental,
experientes e considerados competentes, Gisela Lourencettti (2008)
focalizou o processo de intensificação, destacando a excessiva quanti-
dade de atividades e tarefas a que os professores têm sido submetidos.
Entre as queixas dos docentes, avultaram os numerosos projetos a se-
rem implementados junto aos alunos, impostos pela secretaria de edu-
cação, sem explicações ou prévias negociações. “Como vou trabalhar
dengue, se estou no meio da discussão do imperialismo?”, disse uma
das professoras.
As entrevistas evidenciaram, nas escolas, mecanismos de co-
brança e pressão por resultados, mecanismos cada vez mais presentes
na realidade brasileira, que têm levado alguns docentes a tomarem ati-
tudes contrárias às suas crenças, como promover para a série seguin-

QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores 125


Antonio Flavio Barbosa Moreira

te um aluno sem condições de cursá-la. A pesquisadora percebeu nos


docentes um sentimento de indignação, bem como a ânsia por autono-
mia e respeito.
Observou também outro aspecto que tem fomentado o processo
de intensificação: o baixo salário recebido pelos professores, que os tem
obrigado a uma carga horária semanal elevada, para minimizar a cres-
cente perda do poder aquisitivo. Ganhando mal, há que se aumentar a
jornada de trabalho. Com isso, falta tempo para pesquisar, estudar, pla-
nejar, inovar. Inviabilizam-se o autoinvestimento e o aprimoramento do
próprio trabalho, cuja qualidade termina por debilitar-se.
Já se pode, então, argumentar que a intensificação é capaz de en-
fraquecer o desenvolvimento profissional, ao invés de constituir uma de
suas consequências. Ao mesmo tempo, não há como ignorar que uma
nova proposta que venha a surgir e que se torne objeto de estudo e aná-
lise por parte do professor, ainda que o faça crescer intelectualmente,
pode contribuir para a intensificação, menos pelo esforço que deman-
dar do docente e mais pelas estruturas de trabalho que não se alteram.
Assim, no trabalho docente, processos de intensificação e possibilida-
des de desenvolvimento profissional coabitam o mesmo espaço, dispu-
tando os mesmos sujeitos (OLIVEIRA, 2013).
Está-se, pois, diante de um grande desafio: fazer com que o in-
vestimento docente em seu crescimento profissional não resulte em
mera sobrecarga de trabalho, em mais atividades a serem realizadas, de
forma burocrática, para atender às exigências e determinações de ges-
tores das escolas ou das secretarias. O que se deseja é que esse esforço
represente, sim, um elemento de elevação intelectual e ética dos profes-
sores (OLIVEIRA, 2013).
O estudo de Laurencetti (2008) permitiu ainda concluir que tam-
bém na escola brasileira tem aumentado o isolamento do trabalho do-
cente, tornando cada vez mais rara a possibilidade de atuações coleti-
vas. Em função de todos esses fatores, a pesquisadora afirmou: os pro-
fessores estão exaustos, estão sofrendo, estão irritados, mas, mesmo as-
sim, continuam a preservar a consciência da sua importância e do seu
valor. De dez professores entrevistados, nove não pretendem desistir da

126 QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores


Capítulo V
Currículo e formação de professores: notas para discussão

profissão. Há entre eles, a pesquisadora insistiu, um ponto comum: a


valorização do seu trabalho.
Considerando que o processo de intensificação do trabalho do-
cente movimenta-se por conta de interesses referentes à economia e a
questões de poder e controle, sugiro que se contraponham a esses as-
pectos alguns pontos que defendi, implícita ou explicitamente, ao lon-
go deste texto, bem como outros propostos por Bernstein (citado por
Beck e Young, 2005), voltados para o desenvolvimento profissional do
professor. Destaco, então, a reinvenção da escola, a promoção de prá-
ticas pedagógicas renovadas e motivadoras, o fortalecimento da auto-
nomia docente, a valorização dos conhecimentos capazes de contribuir
para a construção de identidades e lealdades profissionais, o desenvol-
vimento de um código de ética que norteie o trabalho docente, bem
como a intensa socialização dos valores da comunidade profissional e
dos padrões de integridade profissional, ou seja, a criação do habitus
profissional.
Segundo Beck e Young (2005), a promoção dessas condições
pode neutralizar a contaminação dos valores e dos conhecimentos pro-
fissionais por influências externas indesejáveis (tanto oficiais quanto
não oficiais), assim como promover um senso de responsabilidade ética
que consolide o compromisso dos professores com a oferta de um ensi-
no de qualidade à população. Para isso, todavia, deve-se reiterar: urge
repensar e renovar as políticas e os conteúdos da formação docente,
as escolas e as práticas pedagógicas. Urge desenvolver o sonho brasi-
leiro e a modalidade brasileira, assim como garantir as condições ne-
cessárias a um trabalho docente de qualidade. Por fim, cabe considerar
o profissionalismo docente como um profissionalismo especial (Costa,
1995), em que a busca pela valorização e pelo reconhecimento social
não implique a defesa do distanciamento dos interesses e necessidades
da comunidade e da opção de se construir uma educação fundada em
princípios democráticos.

QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores 127


Antonio Flavio Barbosa Moreira

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130 QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores


Capítulo VI

ALGUMAS IDEIAS FORÇA E PONTOS DE TENSÃO


RELACIONAL EM DIDÁTICA, CURRÍCULO E FORMAÇÃO
DE PROFESSORES1
Maria Rita Neto Sales Oliveira (CEFET/MG)

Introdução
1

O objetivo deste texto é o de contribuir para a reflexão e a discus-


são de alguns aspectos teórico-práticos que permeiam o trabalho docen-
te e que são tratados por diferentes campos na área da educação, entre
os quais, a Didática e o Currículo, à luz de diferentes objetivos educa-
cionais. Esses evidenciam a educação como um campo de disputas de
interesses, na formação social brasileira de relações entre grupos, clas-
ses e culturas.
O conteúdo do texto tem como pontos de partida, não dicotomi-
zados, uma motivação teórica, ou seja, as discussões sobre Didática,
Currículo e Formação de Professores, e uma motivação da prática, que
é o contexto de manifestações populares que abalaram o país, espe-
cialmente as que ocorreram ao longo do mês de junho do corrente ano
(2013) praticamente em todos os Estados. Essas manifestações reuni-
ram os mais diversos grupos e classes sociais, as mais diversas culturas,
em prol de direitos, não apenas de cidadania, mas de direitos humanos:
Texto que serviu de base para apresentação sobre o tema no V Encontro Estadual de Didática e Prá-
1

tica de Ensino, em Goiás, em agosto de 2013. O texto envolve conteúdos de outros sobre a temáti-
ca, construídos pela autora, como os textos apresentados no IV Colóquio sobre pesquisa em trabalho
e educação, na UFPe, em junho de 2013 e no Encontro de Educação da PUC-Rio em 1º de julho de
2013, O texto está estreitamente relacionado a estudos realizados no estágio de pós-doutoramento
sênior, realizado pela autora, no Instituto de Educação da Universidade do Minho, com bolsa da Co-
ordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, (CAPES/MEC). Processo BEX 3757/11-0.
Maria Rita Neto Sales Oliveira

de liberdade de expressão e de mobilidade urbana; de participação nos


destinos políticos da nação; de educação e saúde entre outros.
A despeito dos atos de violência e vandalismo realizados por gru-
pos que se aproveitam das manifestações democráticas e pacíficas, ao
lado do provável aproveitamento político dessas manifestações, cujo
alcance ainda não se pode ter claramente perspectivado, as manifesta-
ções populares colocam para nós, pesquisadores e professores, no míni-
mo, algumas questões. Como construir processos formativos escolares,
particularmente no âmbito das disciplinas de didática e de currículo nos
cursos de formação de professores, em prol da cidadania e dos direitos
humanos? Com que contribuições podemos contar para atendermos a
esse desafio? Que finalidades e objetivos educacionais vão ao encontro
dessas preocupações? E, tendo em vista a questão das práticas pedagó-
gicas escolares para o atendimento desses objetivos, tão discutidas nos
campos da Didática e do Currículo, qual a natureza das relações entre
essas práticas e as políticas educacionais?
Obviamente não há como responder a todas essas questões nos
limites deste texto. Os problemas que elas implicam demandam ações
de pesquisa e práticas de ensino que os tenham como foco principal. No
entanto, espera-se que o presente texto forneça subsídios para, no míni-
mo, estimular a continuidade de estudos sobre a matéria.

1. Pressupostos

Para o enfrentamento dos desafios levantados até aqui e o enten-


dimento do conteúdo presente nas questões postas, um dos instrumen-
tos de que dispomos estaria no saber teórico-prático sistematizado na
área da educação. Este pode e deve contribuir para o trabalho escolar
comprometido com a transformação das estruturas que suportam a do-
minação, as injustiças sociais e o par categorial exclusão/inclusão, ou
seja, para um trabalho escolar numa perspectiva emancipatória. Ele se
materializa em processos comprometidos com a formação humana e
vinculados ao avanço da consciência crítica sobre a educação como um
direito, e a importância da formação profissional de excelência na área

132 QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores


Capítulo VI
Algumas ideias força e pontos de tensão relacional em didática, currículo e formação de professores

da docência. E isso não se consegue pelo exercício repetitivo da experi-


ência. Envolve o domínio daquele saber, implica uma construção social
e uma luta pedagógico-política.
Em uma das manifestações populares, em Belo Horizonte, entre
tantos cartazes, havia um, de tamanho pequeno, carregado por um jo-
vem que dizia: o estudo dá medo; deixa estudar! Palavras de ordem do
caminhão do sindicato dos professores estaduais ecoavam “da copa po-
demos abrir mão, mas não da educação”!
Este pressuposto se liga a outro, estreitamente relacionado: o da
importância primordial do saber especializado (disciplinar e pedagógi-
co), no conjunto da pluralidade de saberes da docência, a despeito de
todos os limites epistemológicos e ideológicos desse saber.

2. Aspectos teórico-práticos que permeiam o trabalho docente

2.1 Algumas ideias-força e a qualidade da educação

Inicialmente cabe ressaltar que o presente texto enfatiza mais a


educação escolarizada, mas entendendo que a escola não é o único, mas
um dos espaços possíveis de desenvolvimento da educação.
No capítulo introdutório do livro Currículo, didática e forma-
ção de professores, Candau (2013) identifica ideias-força, que atraves-
sam os capítulos do livro. A autora se refere a uma categoria própria
de ideias, cunhada por Abraham Magendzo, educador chileno, segundo
o qual “ideia força” é uma categoria própria de ideias que têm como
características, entre outras, serem processuais, enraizadas num tempo
histórico e possuírem potencial provocativo.
À semelhança da discussão feita por Candau (2013), este texto
aborda aspectos teórico-práticos do trabalho docente que envolvem po-
sições polêmicas. São aspectos provocativos cujo entendimento teóri-
co-prático pode ser um contributo ao enfrentamento do desafio presente
naquelas questões inicialmente apresentadas.
Têm-se, de início, o caráter complexo do trabalho docente e o
diálogo entre os campos da Didática e do Currículo. Aliás, a rigor, en-

QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores 133


Maria Rita Neto Sales Oliveira

tendo que esse diálogo, em termos de aproximações, tensões e desa-


fios entre os campos mencionados deve ser um dos temas centrais em
encontros de Didática e Prática de Ensino. Junto a isso, não há como
desconhecer a importância de se ter como ponto de partida a questão
da qualidade da educação. E isso no contexto da articulação do campo
geral da educação, no Brasil, com o caráter de internacionalização das
políticas e práticas educacionais, o qual fica evidente nas reformas edu-
cacionais que se consolidaram em nosso país na década de 1990 e cujas
características se têm mantido hegemônicas até o presente.
Nesse sentido, vale registrar, para a educação em geral, a posi-
ção de Oliveira (2011) a propósito da modalidade da educação profis-
sional no país, no contexto das políticas de ajuste da educação à glo-
balização atual, em que se constata o caráter produtivista da educação
e a sua regulação pelo mercado de trabalho. Nesse contexto, que há
muito vem sendo abordado em diferentes estudos na área da educa-
ção em geral, e nos campos da Didática e do Currículo, em particular
(por exemplo: Silva, 2000; Giroletti, 2001; Lima Filho, 2004; Libâneo,
2013; Moreira, 2013), vêm ocorrendo posições de afirmação e negação
do ajuste da educação à globalização, em um quadro de contradições
societárias permeadas por interesses e objetivos distintos. É nesse con-
texto e nessas condições que ganha sentido a retomada da necessidade
de se adjetivar a expressão qualidade da educação.

2.2 A qualidade da educação e o caráter complexo do trabalho docente

A importância da retomada mencionada fica tão mais clara quan-


do, por exemplo, o Parecer CEB/CNE nº 05/2011 (Brasil, 2011) que
acompanha a Resolução CEB/CNE nº 02 de 30/01/2012 (Brasil, 2012)
referente às Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio,
dedica um dos seus itens para explicitar uma educação de qualida-
de social. Ao lado disso, importa lembrar que o documento que está
no Conselho Nacional de Educação sobre as Diretrizes Curriculares
Nacionais sobre a Formação de Professores para a Educação
Profissional, não só não menciona a questão da qualidade como, de

134 QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores


Capítulo VI
Algumas ideias força e pontos de tensão relacional em didática, currículo e formação de professores

resto, apresenta toda uma proposta de formação que, no geral, se opõe


à qualidade social dessa formação.
Com efeito, a qualidade na educação é uma “questão controver-
tida” (Candau, 2013) implicando, para uns, um caráter “apenas” polis-
sêmico, mas que, para nós, envolve disputas semânticas ligadas a con-
flitos de interesses de grupos e classes, porquanto não abstraídas das
relações sociais. Nesse sentido convém retomar, resumidamente, en-
tre outras concepções identificadas pela autora, duas concepções que, a
despeito da sua organicidade com as contradições da realidade social,
vinculam-se a diferentes posições ideológicas, e têm estado presentes,
revestidas de linguagens plurais, nas atuais políticas educacionais. São
elas: a) a educação concebida como um produto para atender às exigên-
cias e demandas do aparato produtivo e do mercado, com o objetivo de
formar empreendedores e consumidores; b) educação, aqui considerada
de qualidade social, ou seja, educação tratada como um direito inegoci-
ável e que se opõe às formas de privatizações da escola. Ou seja, educa-
ção como uma prática social que pode colaborar e se compromete com
processos de transformação estrutural da formação social brasileira, e
objetiva formar sujeitos autônomos, cidadãos lúcidos, críticos e propo-
sitivos nos âmbitos individual e coletivo.
Essa qualidade social da educação e da formação de professo-
res não é um produto acabado, mas é um processo, é uma construção
histórico-social. Assim, nos termos do mencionado Parecer do Ensino
Médio, “a qualidade social da educação brasileira é uma conquista a
ser construída coletivamente” (Brasil, 2011). É óbvio que isso não pres-
cinde da luta político-pedagógica na área.
É essa qualidade social que corresponde a um projeto de forma-
ção de professores que se relaciona com processos formativos numa
perspectiva emancipatória, no âmbito da educação profissional e da
educação em geral. Esta se materializa em processos comprometidos
com a formação humana e vinculados ao avanço da consciência crítica
sobre a educação como um direito, e a importância da formação profis-
sional de excelência na área da docência. Desse modo, educação com
qualidade social relaciona-se com:

QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores 135


Maria Rita Neto Sales Oliveira

− uma rigorosa formação na dimensão teórico-prática na área


profissional específica do trabalho docente integrada com a área peda-
gógica;
− a formação de um professor profissional trabalhador, cidadão
crítico, competente e que domina os fundamentos científicos e sócio-
-históricos do trabalho docente. Um sujeito solidário na construção de
um projeto educativo que seja mediador das relações entre trabalho e
educação em uma perspectiva emancipatória. Ou seja, relacionado à
educabilidade dos que vivem do trabalho e comprometido com a ética,
a superação das condições de desigualdade e dominação econômica,
com o desenvolvimento sustentável e, assim, com a superação do par
categorial inclusão-exclusão;
− construções nos campos da Didática e do Currículo que se
comprometam com essa formação dos professores, aproximando-se da
prática das salas de aula das nossas escolas. E com essa aproximação,
que se construam mediações que favoreçam a relação dos aprendizes
– sujeitos cognoscentes, mas, que são, sobretudo, sujeitos históricos e
culturais – com o conhecimento –, objeto cognoscível, mas, sobretudo,
conjunto de saberes sociais, práticos e também históricos.

Quanto à natureza do trabalho docente, convém reiterar que


ele envolve um alto grau de complexidade, nem sempre reconheci-
do nos discursos e práticas nos campos da Didática, do Currículo e da
Formação de Professores. E essa complexidade é tão maior quanto mais
precárias são as condições da docência, sobretudo nas escolas públicas
de educação básica, em nosso país.
Ressalte-se que o professor não é apenas aquele profissional que
desenvolve o processo de ensino de um dado conteúdo de forma que o
aluno o aprenda, nas condições de um trabalho simplificado, à base de
automatismos sensório-motores e cognitivos, mas repetitivos, e com
baixo grau de abstração, de invenção, criatividade, análise e síntese.
Antes, a docência envolve um trabalho que tem, como todo trabalho hu-
mano, as características de atividade relacional, envolvendo, no caso,
alunos, professores e outros sujeitos intra e extraescolares. O trabalho

136 QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores


Capítulo VI
Algumas ideias força e pontos de tensão relacional em didática, currículo e formação de professores

docente tem características de trabalho reversível, de pensamento com-


plexo, investigativo, e de prática social transformadora, que inclui as-
pectos laborativo, intencional e ético.
Isso significa muito mais do que rejeitar a posição de que para
ensinar basta dominar o conteúdo. Mas significa rejeitar, também, a po-
sição de que para ser professor é preciso apenas o saber-fazer associa-
do, somado, agregado, e, excepcionalmente, integrado ao saber ensinar.
Sobretudo quando este último é traduzido apenas pelo domínio de pro-
cedimentos de didatização do saber científico-tecnológico, considerado
um produto a ser dominado pelos alunos.
Além do mais, na atualidade, não há como desconhecer que a
complexidade do trabalho docente é aprofundada pelas condições de
exercício da docência. Em torno desse trabalho, o discurso oficial afir-
ma sempre a importância do papel do professor até mesmo na garantia
de elevação do nível da educação, desconsiderando as condições de pre-
cariedade do exercício da docência. Verifica-se, também, mecanismos
de controle que cerceiam a autonomia e a construção do profissionalis-
mo dos professores. Temos, ainda, diferentes modelos em disputa para
a formação do professor, e a realidade é que nem sempre há uma con-
tribuição do Currículo e da Didática na formação e na prática docente.
Nesse contexto, o trabalho docente é constrangido por uma gama
de demandas, por exemplo, das instituições de exercício profissional;
dos alunos com quem o professor se relaciona – crianças, jovens futuros
trabalhadores e adultos trabalhadores, com condições escolares, cultu-
rais e de vida diferenciadas –; das formas de que se reveste a educação
escolar e o currículo; das relações que se estabelecem entre os sujeitos
das diferentes disciplinas e áreas de saber; das características da situa-
ção de trabalho em que, não raro, a docência é precarizada; dos movi-
mentos sociais, do mundo do trabalho e do setor produtivo, das caracte-
rísticas da sociedade informacional. Em face da situação descrita, urge
uma formação docente sólida e que busca subsídios no saber teórico-
-prático de campos do Currículo e o da Didática. Essa formação só se
efetiva, entre outros fatores, pelo domínio dos fundamentos científico-
-tecnológicos e sócio-históricos do trabalho docente. Isso não deixa de

QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores 137


Maria Rita Neto Sales Oliveira

implicar um desafio, sobretudo quando constatamos, por exemplo, que


nós não temos, em grau muito extenso e profundo, o domínio desses
fundamentos.

2.3 O diálogo entre os campos da Didática, do Currículo e da


Formação de Professores

A análise dos campos do Currículo e da Didática evidencia, de


um lado, senão a falta, a dificuldade de diálogo entre eles; de outro,
a possibilidade, necessidade e até mesmo desejo de que esse diálogo
ocorra, por parte dos sujeitos desses campos.
Dados sobre os estudos apresentados nos GTs 4 (Didática), 8
(Formação de Professores) e 12 (Currículo) da Anped, nas reuniões de
2009, 2010 e 2011 podem auxiliar no entendimento da questão das re-
lações entre os dois campos mencionados e entre eles e o campo da
Formação de professores. Os dados se referem às palavras-chave uti-
lizadas na identificação dos estudos, com o suposto de que elas sinali-
zam, de forma sintética, os temas que estão sendo pesquisados, na po-
sição dos seus próprios autores. Sabe-se, no entanto, das limitações ób-
vias de se ter uma visão panorâmica dos estudos nos campos menciona-
dos, a partir do recurso das palavras-chave desses estudos. Além disso,
há que se registrar o fato de que, nos três conjuntos, alguns textos não
incluíram palavras-chave e, à época da sua coleta, não se conseguiu ter
acesso a 100% dos textos. Esses limites, ao lado da limitação própria
dos agrupamentos realizados, devem ser considerados para se entender
as hipóteses aqui registradas sobre o diálogo entre os campos, como hi-
póteses exploratórias. Estas deverão ser submetidas a um estudo mais
amplo e profundo para a sua confirmação.
No GT de Didática, no conjunto dos 38 trabalhos, encontraram-
-se 107 palavras-chave. No GT de Formação de Professores, no con-
junto dos 64 trabalhos, encontraram-se 141 palavras-chave, e no GT de
Currículo, em 64 trabalhos, encontraram-se 160 palavras.
Agrupando as palavras em grandes temas e excluída a catego-
ria outros, foram identificados 27 temas no GT de Didática, 25 temas

138 QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores


Capítulo VI
Algumas ideias força e pontos de tensão relacional em didática, currículo e formação de professores

no GT de Formação de Professores, e 24 temas no GT de Currículo.


Considerando-se todos os três grupos, há 19 temas comuns, e 12 não
comuns, entre eles, tal como mostra o Quadro 1.
A partir desses dados, pode-se levantar, pelo menos, quatro hi-
póteses.
a) Nos três casos, há temas dispersos gravitando em torno da
concentração de três grandes temas Aprendizagem e ensino (14 em 107),
Formação dos profissionais da educação (32 em 141) e Currículo... (45
em160). Isso sugere a delimitação identitária dos campos em pauta.
b) Em Didática e Formação de Professores, há a incidência co-
mum de frequências relativamente altas nos temas de Trabalho docen-
te e trabalho pedagógico e Formação dos profissionais da educação.
Já o campo do Currículo parece se aproximar do campo de Formação
de professores pelo tema da Cultura, mas com incidência comum em
menor grau do que no caso anterior. Isso poderia estar indicando uma
maior aproximação entre Didática e Formação de Professores do que
entre Currículo e Formação.
c) Há certo equilíbrio entre a institucionalização de territórios de
pesquisa – Didática, Currículo e Formação de Professores – e a interse-
ção entre eles, ainda que esta se faça mais, em termos de temas disper-
sos, considerando-se o conjunto dos temas em cada campo. De qualquer
forma, isso sugere a possibilidade de um diálogo profícuo entre eles.
d) Considerando-se os três campos, os temas de maior potencial
de diálogo seriam aqueles ligados à educação e cultura, em geral, e à
formação dos profissionais da educação, também em geral.

Completando os dados anteriores, o Quadro 2 registra as pala-


vras-chave, propriamente ditas, nesses dois temas gerais, além do tema
Conceitos, corpos teóricos e autores, em cada um dos campos de estu-
do em questão. Pela análise desse Quadro, podem-se fazer as conside-
rações a seguir.
a) Observa-se, nos três campos, a confirmação das característi-
cas relativas: à dispersão X concentração; à institucionalização de ter-
ritórios de pesquisa X sua interseção pelo tema da Formação docente

QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores 139


Maria Rita Neto Sales Oliveira

propriamente dita. E neste caso, tanto a Didática quanto Currículo esta-


riam pesquisando e contribuindo nessa área.
b) No caso dos dados relativos a conceitos, corpos teóricos ou
autores, verifica-se dispersão. No entanto, outra hipótese de trabalho
que pode ser levantada é a não muita importância à identificação dos
nossos estudos pelos seus fundamentos ou abordagens teórico-metodo-
lógicas.

Tudo isso sugere o desafio da ampliação e do aprofundamento do


diálogo entre os campos em pauta, por exemplo, conduzindo pesquisas
conjuntas. Pela própria natureza desses campos e pelos dados apresen-
tados, as questões relativas à formação docente propriamente dita, pare-
cem favorecer a construção de uma pauta comum de pesquisa, ao lado
das pautas particulares de cada campo. Mais uma vez, tudo isso implica
um grande desafio a ser superado. Aliás, há muito, tem-se o reconhe-
cimento de que Currículo e Didática têm seus graus de validade e legi-
timidade científico-política tão mais elevados quanto mais contribuem
para a formação de professores. A par disso, há que se superar as posi-
ções que se radicalizam nesses campos em torno das seguintes tensões:
identidade de cada campo em relação ao seu objeto de estudo e às suas
raízes epistemológicas; abrangência de cada um e posições sobre a in-
clusão do Currículo na Didática ou desta no Currículo; institucionali-
zação dos territórios de ensino e pesquisa nos currículos dos cursos de
formação de professores, tendo em vista a correlação de forças entre os
sujeitos desses campos; críticas recíprocas com base em divergências
teóricas.
Além da formação de professores como uma finalidade, o
Currículo e a Didática encontram possibilidades férteis de diálogo no
terreno de pontos de convergência entre eles, como, por exemplo, a re-
cusa ao tecnicismo e a uma pedagogia que não considera as diferenças
e a pluralidade cultural em nossas escolas.
Há, também, quer no próprio contexto de cada um desses cam-
pos, quer no contexto das interações entre eles, algumas tensões rela-
cionais sobre as quais há que se refletir.

140 QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores


Capítulo VI
Algumas ideias força e pontos de tensão relacional em didática, currículo e formação de professores

2.4 Tensões relacionais na área

2.4.1 Objetividade ao lado da não neutralidade e do caráter político


do saber pedagógico

Tendo em vista os objetivos do presente texto, importa retomar,


ainda que de forma sucinta, algumas tensões que atravessam os campos
da Didática e do Currículo e que se referem a concepções que há mui-
to vêm frequentando as pautas de discussões, práticas e estudos na área
educacional.
Em primeiro lugar, há diferentes posições defendidas nos cam-
pos em pauta e que se relacionam a práticas escolares não apenas plu-
rais mas, não raro, opostas entre si. Isso poderia ser interpretado como
uma mostra de falta de objetividade do saber nesses campos, o que po-
deria ser considerado como evidência da sua falta de cientificidade e
consequentemente falta de credibilidade na sua contribuição à forma-
ção do professor. Há que se reconhecer, no entanto, que a condição ex-
posta não tem a ver propriamente com a falta de objetividade do saber
pedagógico, mas com o seu caráter não neutro. Em outras palavras,
esse saber envolve diferentes posições ideológicas, compromissadas
com diferentes concepções, objetivos e finalidades da educação, e o seu
valor acadêmico passa pela disputa de espaços nos âmbitos teórico-in-
vestigativo e profissional. Vale lembrar a distinção de Saviani:

(...) a questão da neutralidade (ou não-neutralidade) é uma questão ide-


ológica, isto é, diz respeito ao caráter interessado ou não do conheci-
mento enquanto que a objetividade (ou não-objetividade) é uma ques-
tão gnosiológica, isto é, diz respeito à correspondência ou não do co-
nhecimento com a realidade à qual se refere” (Saviani, 1983, p. 137).

Ligados a essa tensão – objetividade X neutralidade –, estão


os diferentes significados para uma mesma expressão na área educa-
cional como, de resto, em todos os campos científicos, para ficarmos
apenas no terreno desses campos. Isso implica o caráter polissêmico
desses termos. Por exemplo, o uso do próprio termo currículo, em-

QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores 141


Maria Rita Neto Sales Oliveira

pregado ora para indicar um campo de estudo ora para indicar o obje-
to de estudo desse campo. Igualmente, observe-se a ambiguidade do
termo “expectativas de aprendizagem” presente nas novas diretrizes
curriculares nacionais para a educação básica, tal como discutido por
Moreira (2013).
Esse caráter polissêmico dificulta o diálogo entre os campos pe-
dagógicos. Mas não se pode desconhecer que ele é funcional ao enco-
brimento das finalidades de políticas e práticas dominantes e compro-
metidas, não raro, com aquela posição produtivista na educação. Dentro
disso, o caráter vago de termos ou expressões carrega consigo a possi-
bilidade de adesão, por parte de diferentes sujeitos com interesses di-
versos, àquilo que se propõe, com base nesses termos ou expressões.
Nessa discussão, não se pode esquecer de que aquilo que pode
ser considerado como apenas uma questão ambígua não é abstraída das
relações sociais. Aqui, também, se aplicam as afirmações de Frigotto
(2009) quando, na discussão da polissemia da categoria trabalho, afir-
ma que esta tem suas “variações de sentido marcadas pelo desenvolvi-
mento histórico-cultural, por valores, tradições, por concepções ideoló-
gicas e disputas sociais” (p. 178).

2.4.2 Teorias, práticas escolares e políticas curriculares

Trata-se de outra tensão, estreitamente ligada à anterior, cotejan-


do teorias e práticas escolares, tal como aparece nesta citação:

É incômodo aos pesquisadores do campo da didática saber que as teo-


rias e os modelos do processo de ensino-aprendizagem e suas próprias
pesquisas pouco têm afetado o exercício profissional dos licenciados”
(Libâneo, 2013, p. 149).

A análise dessa situação, tão bem lembrada por Libâneo, eviden-


cia não apenas a tensão entre teorias e práticas escolares, mas a possi-
bilidade de uma crise de confiança no conhecimento profissional. No
entanto, há que se entender a situação em pauta no contexto de que os
descompassos entre teoria e prática não indicam a suposta necessidade

142 QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores


Capítulo VI
Algumas ideias força e pontos de tensão relacional em didática, currículo e formação de professores

de coincidências entre elas. Eles indicam a realidade contraditória entre


teoria e prática. E essa contradição é um dos fatores do desenvolvimen-
to da ciência pedagógica e das práticas escolares. Por outro lado, isso
não pode servir de justificativa para posturas de acomodação na nossa
área, que é o que nos alerta o autor.
De fato, não há identidade epistemológico-conceitual entre teoria
e prática. Cada corpo teórico é construído tendo-se em vista o entendi-
mento e a explicação de fenômenos existentes, o que tem a ver com as
práticas existentes; toda teoria tem sua origem e seu fundamento nessas
práticas. No entanto, é verdade, também, que os corpos teóricos são tão
mais potentes quanto mais preveem novas práticas. Ao lado disso, toda
prática representa um teste da teoria que lhe corresponde, mas também
é uma fonte para nova(s) teoria (s). Pode-se dizer que uma dada prá-
tica confirma ou não uma dada teoria, podendo ou não ser fonte para
outra(s) teoria(s). Esta(s), por sua vez, explica(m) ou não uma dada prá-
tica, e projeta(m) ou não uma nova prática.
Em síntese, há uma relação dialética entre teoria e prática, que
pressupõe a autonomia e a dependência simultâneas e recíprocas en-
tre os dois termos. É importante explicitar essa posição, visto defen-
der-se que o conhecimento sistematizado é um contributo importante
para a formação docente. A prática da docência não se materializaria
de forma emancipatória apenas pelo exercício repetitivo da experiên-
cia, a qual, por sua vez, não é uma mera expressão da teoria, e tam-
bém traz contribuição para a construção e reconstrução das sistema-
tizações teóricas.
A tensão entre práticas e políticas educacionais aparece de modo
claro nesta citação:

Vale perguntar: será que as novas determinações (trata-se das novas po-
líticas curriculares no Brasil) afetarão a prática pedagógica nas escolas?
Como se expressarão, então, as relações entre políticas e práticas curri-
culares? (Moreira, 2013, p. 79).

A propósito dessa questão, convêm retomar a discussão de


Oliveira (2011):

QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores 143


Maria Rita Neto Sales Oliveira

As políticas educacionais são políticas sociais de natureza contraditória


e envolvem um amplo conjunto de agentes. Junto a isso, como se pode
concluir pelas discussões de Weber (2003) e Vieira (2002), as reper-
cussões das políticas educacionais passam por “filtros institucionais”
na escola e na sala de aula, que não garantem a sustentação plena des-
sas políticas.

No âmbito da organização curricular há, também, a realidade do fenô-


meno da hibridização, tal como discutido por Lopes (2002). Por ele, a
organização curricular, em suas políticas e práticas, implica um pro-
cesso pelo qual os saberes perdem as marcas das suas matrizes teóri-
cas e se misturam. A rigor, como uma seleção de cultura, o currículo é
um ‘híbrido’, implicando a tradução e a ‘recontextualização’ de discur-
sos, vinculados a diferentes matrizes teóricas, que convivem simultane-
amente, e das quais se desvincula” (Oliveira, 2011, p. 76).

Pelo exposto, no mínimo, o regime de verdades da escola e o ca-


ráter híbrido do currículo que se apresenta também nos documentos que
expressam as políticas educacionais enfraquecem a relação entre polí-
ticas e práticas curriculares. Assim, cabe ao professor o uso dessa situ-
ação a favor de uma pedagogia emancipatória. Além disso, no âmbito
da definição das políticas propriamente ditas, a consideração, pelo pro-
fessor e pelo pesquisador em educação, da tensão aqui expressa pode
potencializar a intervenção e participação crítica nas decisões na área
da educação.

Considerações finais

A superação dos desafios presentes nas questões iniciais e no


conteúdo geral deste texto implica ultrapassar o caráter de denúncia e
caminhar na direção de propostas de reflexão e ação. Primeiro, é preci-
so prosseguir na busca do entendimento de ideias-força e de tensões re-
lacionais nos nossos campos de estudo. Isso poderia possibilitar um di-
álogo profícuo entre seus agentes, tendo em vista a formação de profes-
sores. Esse diálogo terá repercussão nas escolas, entre as escolas e entre
estas e outros espaços formativos, como os movimentos populares, para

144 QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores


Capítulo VI
Algumas ideias força e pontos de tensão relacional em didática, currículo e formação de professores

citar um exemplo. Em segundo lugar, trata-se de encetar a luta individu-


al e coletiva pela rejeição ao produtivismo, ao controle e aos meros trei-
namentos aos quais a escola e nós professores somos submetidos. Isso
pela vivência de práticas de autonomia e de formação integral, tornadas
visíveis pela exploração inteligente e ética dos novos meios de comuni-
cação. Neste caso convém lembrar a nossa não sujeição à on-linização
precarizada e acrítica da formação e do trabalho docente. Finalmente,
é preciso buscar a valorização, no nosso trabalho docente e no trabalho
escolar em geral, do conhecimento especializado e da não desmobili-
zação da teoria, sem subsumir sua importância pela ação política e pela
prática. Aqui salienta-se a condução de ações, na nossa própria forma-
ção e na formação de nossos alunos, ao lado de discursos que nos valo-
rizam enquanto sujeitos históricos de direito, capazes de construção de
projetos político-pedagógicos exitosos, nos limites que nos impõem as
condições objetivas da profissão docente.

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146 QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores


Capítulo VI
Algumas ideias força e pontos de tensão relacional em didática, currículo e formação de professores

Quadro 1: Frequência de temas de trabalhos apresentados nos Gts de Didática (04),


Formação de Professores (08), Currículo (12) - Anped 2009-11.
Tema 04 08 12
Contexto social 2 3 2
Estado e política 1 5 13
Educação, cultura (vários aspectos) 2 6 18
Diferença e identidade 1 1 10
Educação (níveis, formas, modalidades, áreas) 3 8 2
Ensino médio, educação profissional e tecnologia, proeja 5
Instituições escolares (em geral e tipos) 1 6 2
Parceria institucional 1 1
Práticas em educação 4 4 1
Formação dos profissionais da educação 9 32 5
Licenciatura 2 2
Pedagogia 5 4 3
Professores 7
Atividades docentes 3
Trabalho docente, trabalho pedagógico 10 19 1
Profissionalização, professoralidade, desenvolvimento/profissional 4 9
Aprendizagem, ensino 14 3 2
Cotidiano 2 4
Epistemologia, conhecimento 2 5
Saberes 1 3 3
Currículo, categorias curriculares, diretrizes curriculares 2 2 45
Questões ligadas a disciplinas e cursos 3 2 7
Arte, cinema 1 5
Didática 7
Didática no ensino superior 2
Didáticas específicas e práticas de ensino, ensino de 10 2 3
Tecnologia e inovação 3 2 5
Divulgação científica e publicações 1 2 2
Conceitos, corpos teóricos e autores 7 4 13
Pesquisa 7 10 3
Memória como objeto de estudo 1 1
Fonte: Disponível em: www.anped.org.br. Acesso em: maio de 2012.

QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores 147


Maria Rita Neto Sales Oliveira

Quadro 2: Frequência de temas de trabalhos apresentados nos Gts de Didática (04),


Formação de Professores (08), Currículo (12) - Anped 2009-11.
Temas e Palavras-chave 4 8 12 T
EDUCAÇÃO, CULTURA
Educação 2 2 4
Educação democrática 1 1
Educação intercultural, interculturalidade 1 1 2
Multieducação, multiculturalismo 2 2
Qualidade (educação de qualidade) 1 1
Formação (humana) 1 1
Cultura(s), artefatos culturais 2 7 9
Consciência cultural crítica 1 1
Estereótipo 1 1
Imagem(s) 2 2
Terreiros (de Ogum) 1 1
Democratização de saberes e de cultura 1 1
TOTAL 2 6 18 26
FORMAÇÃO DOS PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO
Concepções de formação 1 1
Formação do profissional da educação 1 1
Formação docente 6 19 5 30
Formação docente universitário 1 1
Formação humana de professores 1 1
Formação inicial, formação contínua de professores 1 3 4
Formação de professores a distância 2 2
Formação de professores em serviço 2 2
Programas especiais de formação pedagógica 1 1
Lugares de formação 1 1
Necessidades formativas 1 1
Trajetórias formativas 1 1
TOTAL 9 32 5 46
CONCEITOS, CORPOS TEÓRICOS E AUTORES
Concepções de ciências 1 1
Cuidado de si (Foucault) 1 1
Representação social 1 3 4
Teoria e método (no pensamento e na atividade educativa) 1 1
Teoria da atividade 1 1
Teoria da complexidade 1 1
Discurso, teoria do discurso 1 5 6
Discursos e esporte 1 1
Teorias pós-críticas 2 2
Materialismo histórico dialético 1 1
Paradigma emergente (inversão da racionalidade ocidental) 2 2
Autores: Paulo Freire, Galperin, Homi Bhabha 1 1 1 3
TOTAL 7 4 13 24
Fonte: Disponível em: www.anped.org.br. Acesso em: maio de 2012.

148 QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores


Capítulo VII

DIDÁTICA E FORMAÇÃO DE PROFESSORES


PARA O ENSINO SUPERIOR
Léa das Graças Camargos Anastasiou (UFPr)

Encontramo-nos em um ponto em que o conhecimento científico está


sem consciência. Sem consciência moral, sem consciência reflexiva e
também subjetiva. Cada vez mais o desenvolvimento extraordinário do
conhecimento científico vai tornar menos praticável a própria possibili-
dade de reflexão do sujeito sobre a sua pesquisa (MORIN, 2000, p. 28).

Todos nós, docentes universitários e pesquisadores nas questões


da Educação Superior, temos ciência dos desafios que os professores
universitários enfrentam ao iniciarem a mediação docente no ensino de
graduação. Trabalhando com inúmeros grupos de docentes universitá-
rios1, em processos de formação continuada ou revisão de currículo, a
enumeração destes desafios mantém uma base constante e cresce em
complexidade, à medida que os anos passam.
A questão central fica em torno do despreparo para a profissão
docente, como se os modelos vivenciados como alunos, nos diversos
níveis de ensino cursados, fossem suficientes para a construção de uma
referencia de ação docente, necessária e suficiente para o século XXI.
Diferentemente das demais profissões pelas quais o curso supe-
rior se responsabiliza, não há processos sistemático de formação nem

Trabalhamos desde 1992 com grupos de docentes universitários, inicialmente com a disciplina Me-
1

todologia de Ensino Superior em programas de Mestrado da UFPr e depois com grupos institucio-
nais, públicos e privados, visando tanto a formação inicial ou continuada como revisão de grade para
as diversas aproximações de matriz curricular articulada.
Léa das Graças Camargos Anastasiou

inicial para os recém ingressantes no magistério superior, nem continu-


ada, revelando-se assim uma desvalorização da formação para o exercí-
cio da docência, tanto nos resultados a serem obtidos na mediação cur-
ricular quanto nos processos de acesso e progressão à carreira docente.
Por outro lado, de uma maneira geral, os resultados obtidos no
trabalho mediador do docente não são objeto de reflexão sistemática
pelo sujeito da ação ou por seus pares, nem quanto ao processo efetiva-
do nem quanto aos produtos obtidos; quando se fala de avaliação da do-
cência, isto é imediatamente rejeitado, ou como uma ação “neoliberal”
ou como algo desnecessário, como se uma profissão de tamanha impor-
tância não devesse viver situações sistemáticas de acompanhamento,
tanto institucionais, como pela sociedade e pelos próprios sujeitos do-
centes, além dos pares e estudantes que compartilham as salas de aula.
Isto reflete a visão do trabalho individual e parcelado, presen-
te ainda hoje na universidade sem que se pergunte “a quem serve” este
comportamento, assim como reflete uma visão deturpada do que seria
a comentada “autonomia universitária”, que acaba sendo tomada como
cada um fazendo o que acha e como supõe que deva fazer, desligando-
-se do compromisso com o projeto coletivo que gerou a proposta curri-
cular, no caso do ensino de graduação.
O cenário é similar nas instituições publicas e privadas, com a
diferença que, nestas últimas, se o docente não oferece os resultados
previstos é desligado e substituído. Nas públicas, mesmo que o docente
atue de forma ineficiente na mediação entre o quadro científico do curso
e a aprendizagem dos estudantes, na maior parte das vezes além de não
viver processos de profissionalização para a docência, é mantido, pois
é também “avaliado” por outras atividades, como a pesquisa e publi-
cações; isto, apesar do prejuízo causado ao ensino, à aprendizagem e a
sociedade que, além de pagar pelo trabalho não efetivado, acolhe como
profissionais os formandos que passaram por este docente.
Assim, a questão da formação do docente para a educação supe-
rior continua sendo objeto de discussões, de ações institucionais de me-
nor ou maior vulto, deixando-se por conta de cada uma delas o compro-
misso com esta formação, já que a mesma não é exigida nos concursos

150 QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores


Capítulo VII
Didatica e formação de professores para o ensino superior

de ingresso. Embora a LDBEN 9394/96 indique que esta formação se


fará preferencialmente nos cursos de mestrado e doutorado, ou que as
agencias de fomento tenham criado o estágio da docência para os bol-
sistas, o que se vê são ações isoladas e, na grande maioria, insuficientes
para uma formação profissional para a docência. Segundo Tardif “(...) o
professorado universitário não é concebido como uma profissão. Se ele
constituísse uma profissão, as pessoas que desejam ocupar tal função
deveriam dominar uma base de conhecimentos especializados antes de
assumir, de maneira criteriosa e ética, responsabilidades neste setor de
trabalho” (TARDIF, 2009, p. 61).
Diante deste cenário se colocam as necessidades de formação di-
dática para a docência universitária; didática aqui tomada como “ela-
boração de modelos de inteligibilidade da aprendizagem, apoiados nos
aportes da psicologia cognitiva, portadores – implícita ou explicita-
mente - de valores, abertos a uma operacionalização possível, permi-
tindo integrar as especificidades disciplinares” (Meirieu, 1998, p. 61).
Segundo este autor, para isto é preciso articular quatro pólos: psicoló-
gico, axiológico, praxiológico e o epistemológico; resultando em “(...)
reflexões e propostas sobre as metodologias a serem utilizadas para per-
mitir a apropriação de conteúdos específicos... comportam sempre es-
colha de valores, representação da cultura, do aluno, do educador e de
seu papel” (Meirieu, 1998, p. 185). E, segundo nosso caminhar, neces-
sitando ser complementada com elementos tomados da historicidade,
legislação, neurociência, relação interpessoal e inteligência emocional,
entre outros.
Em nossas vivências com os grupos de trabalho, verificamos ser
determinante a compreensão da historicidade, que fundamenta o mode-
lo de transmissão/audição/memorização presente na aula universitária,
tornando-se muito importante os componentes relativos a historicidade
e a legislação. Embora além do quadro didático, estes são também ele-
mentos essenciais a um maior autoconhecimento e conhecimento do
contexto, que possibilita uma mudança de percepção da própria ação,
da influencia dos modelos docentes que adotamos, na maior parte das
vezes inconscientemente, e dos determinantes resultantes tanto da Lei

QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores 151


Léa das Graças Camargos Anastasiou

5.540/68 e da Lei 5692/72, para a superação da visão do estudante ide-


alizado, que chegaria à universidade com uma formação ótima.

1. Experiências de formação docente continuada

As experiências de formação continuada por nós vivenciadas tem


sido resultantes de demanda ou necessidades institucionais, por solici-
tação dos docentes ou problemas vivenciados nas reformulações cur-
riculares ou ainda como resultado de avaliação de cursos (ENADE).
Neste caminhar, os processos têm numero de encontros variado, geral-
mente com intervalos mensais entre os mesmos, espaço utilizado para
estudos dos fundamentos e da colocação em prática de ações docentes
e discentes analisadas e propostas ao coletivo, no processo. As necessi-
dades colocadas pelos diversos grupos de trabalho são organizadas em
categorias, a partir dos desafios encontrados no exercício da docência e
levantados pelos participantes no primeiro encontro, ao se desenhar co-
letivamente o perfil do grupo de trabalho.
Os elementos mais encontrados são: “o desafio de fazer o aluno
prestar atenção à aula, estar presente no horário, ser pontual na entrega
dos trabalhos, de escrever corretamente e com sequencia lógica, ter que
retomar sempre os conteúdos dos semestres anteriores, de lidar com a
falta de respeito por parte dos alunos, com a falta de base, evitar a cola,
avaliar corretamente, planejar com os colegas, dar o conteúdo na carga
horária prevista e insuficiente, ter tempo para a aula, como diminuir a
retenção sem diminuir a qualidade”, entre outros. Como se pode consta-
tar, a aprendizagem considerada insuficiente está relacionada a atitudes
dos estudante, em sua maioria.
A partir destas necessidades explicitadas inicialmente, é pre-
ciso discutir os princípios que irão nortear o trabalho do grupo, defi-
nir objetivos e conteúdos para o processo, assim como as formas de
acompanhamento. Alguns são trazidos pelos docentes participantes,
outros apresentados como parte de um programa de aprendizagem
para todos e precisam ser avaliados como focos necessários para se-
rem mantidos.

152 QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores


Capítulo VII
Didatica e formação de professores para o ensino superior

Em geral, os objetivos que ficam nos projetos de trabalho coleti-


vo são: identificar os modelos de influência, presentes na própria ação
docente e formas de superação da ação tradicional, aplicando-as e ava-
liando-as na prática cotidiana e no processo do curso; estudar formas
de ensinar e avaliar a aprendizagem, revisando os objetivos de ensino
utilizados e reescrevendo o plano de ensino sob forma de programa de
aprendizagem; discutir formas de romper a lógica de passividade dos
alunos e a lógica tradicional docente, via estratégias integrativas e de-
safiadoras, propondo ações de construção do conhecimento e trabalhan-
do com as categorias de construção do conhecimento, propostas por
Vasconcelos.
Um objetivo fundamental para a superação do trabalho individu-
al e individualizado é retomar o Projeto Político Pedagógico do Curso,
compreendendo-o como norteador de ações docentes, revisando o perfil
profissiográfico do curso e repensando a disciplina, integrando os sabe-
res curriculares que leciona com outros do currículo, discutindo a ação
colegiada com colegas do curso e realizando, em grupos, atividades de
construção um mapa conceitual dos saberes curriculares.
Para isto, é necessário discutir formas de romper a lógica parce-
larizada das disciplinas e a de passividade dos alunos, além da lógica
tradicional docente, via estratégias integrativas e desafiadoras, visando
objetivos referentes a operações mentais em complexidade crescente,
portanto, estudando a função social da universidade quanto a gradu-
ação e os determinantes do funcionamento cerebral e dos processos
cognitivos.
Isto gera uma ampliação da visão do currículo grade para um
quadro teórico-prático, global e articulado, redesenhando e realizando
alterações no currículo e tomando a avaliação como forma de acompa-
nhar e tomar novas decisões de ensinagem2.
São fatores determinantes do caminhar dos grupos de trabalho o
compromisso assumido com sua própria formação para a docência, o

Ensinagem: processo de ensino do qual necessariamente resulte a aprendizagem, em ação de par-


2

ceria e contrato didático entre docentes e discentes; a este respeito vide ANASTASIOU, L. G. C. In:
Processos de Ensinagem. Joiniville, SC: Editora Univille: 2003.

QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores 153


Léa das Graças Camargos Anastasiou

tempo mensal gasto em cada encontro e nos estudos, a analise pessoal


do próprio rendimento, a vinculação do grupo de trabalho, a percepção
ampliada continuamente sobre as ações individuais e o trabalho coleti-
vo e cooperativo, visando trocas continuas e sistemáticas. Isto tem leva-
do a uma abertura de visão, ampliando o ânimo para enfrentar os desa-
fios, alterando o sentimento de solidão com os problemas e vivencian-
do ações de ajuda e colaboração, ampliando identidade e sentimento de
pertencimento a um grupo com desafios específicos.
Neste sentido, é fundamental o respeito à diversidade existente
no atual ser docente, com lógicas diversas e distintas oriundas das áre-
as, partilhando experiências, atitudes e saídas e ampliando a percepção
quanto ao compromisso com a graduação. A ampliação da consciência
de si, diante do próprio sujeito e do grupo leva a percepções e a um de-
senvolvimento da inteligência emocional, necessária quando se discute
– entre outros elementos – as possibilidades integrativas de disciplinas,
gerando um avançar na direção de trabalhos coletivos nos colegiados.
Verificamos que para o avanço na profissionalização docente, é
fundamental sentir-se bem no grupo, aprendendo ou aperfeiçoando o
ato de conciliar a existência sadia e natural do pensamento divergen-
te, gerando oportunidades sistemáticas de crescimento pessoal e grupal
para o trabalho coletivo, o desenvolvimento de processos cerebrais de
mediação e desenvolvimento intencional da habilidade de lidar com o
outro. Confiança é um sentimento essencial a ser desenvolvido então.
O princípio fundante tem sido partir da prática profissional do
grupo de trabalho, levantar os desafios para estabelecer os objetivos
e identificar as principais qualidades para exercer a profissão docente.
Faz-se assim, coletivamente, um perfil também das qualidades valori-
zadas pelo grupo, para o exercício da docência, desafiando-se os parti-
cipantes a se auto avaliarem intimamente quanto às qualidades que tem
altamente desenvolvida e as que gostariam de colocar como metas, du-
rante o processo de profissionalização em curso. Isto possibilita ao gru-
po a construção de uma primeira representação coletiva da docência,
do momento do grupo, como cada um se vê como professor e o que se
constitui desafio na ação docente.

154 QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores


Capítulo VII
Didatica e formação de professores para o ensino superior

Outro elemento fundamental é a problematização sobre o proje-


to de curso onde atua: como foi organizado, suas características, como
se inserem as disciplinas neste contexto (uma vez que a maior parte
dos cursos ainda atua a partir do modelo napoleônico: grade, organiza-
da por justaposição de disciplinas, composta por um ciclo básico e um
profissionalizante), como se dá a articulação destas partes no projeto de
graduação, como se organizam os planos de trabalho docente e discen-
te em relação aos objetivos propostos no curso e em suas diversas eta-
pas e como se dá a abordagem quanto aos conteúdos, no que se refere à
metodologia e a avaliação. Muitas vezes os docentes comentam ser esta
a primeira vez em que, de fato, se debruçam sobre o projeto do curso
como um todo articulado, analisando-o na sua totalidade.
Neste momento de análise do projeto do curso e análise da contri-
buição dos conteúdos que ensina, no percurso de formação profissional
que o universitário efetiva, é possível definir e sistematizar articulações
entre as áreas de conhecimento ou disciplinas, reconstruindo o quadro
teórico prático global do curso, numa visão mais e mais articulada.
A questão da avaliação, sempre destacada como forma de acom-
panhamento, é inserida de forma gradual no percurso do processo de
formação continuada.
Os elementos teóricos do processo são buscados e relacionados
com os dados da prática trazidos pelos docentes, com a experiência em
aula e com as expectativas, através de atividades variadas: discussão,
estudo de textos, preenchimento de quadros, descrição e vivencias de
práticas habitualmente utilizadas, apresentações de sínteses, estudo de
caso, exposição dialogada, vídeos para análise, uso de ferramentas de
comunicação à distância na plataforma que a instituição já utiliza, cons-
trução de mapas conceituais, análise de instrumentos utilizados para ve-
rificação de aprendizagem, entre outros.
Sínteses e produções dos docentes passam a constituírem-se ele-
mentos de revisão e de levantamento de questões, de dúvidas e de busca
de respostas às questões da realidade educacional, funcionando também
como atividade complementar à distância, computando carga horária
para o certificado final do curso.

QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores 155


Léa das Graças Camargos Anastasiou

A reescrita dos Planos de Ensino em Programas de Aprendizagem


possibilita um repensar sistemático da ação docente em pelo menos um
conjunto de saberes, exigindo uma releitura dos mesmos e da ação me-
diadora ali realizada, tomando como foco não mais o que ensinar, mas
como mediar para levar os estudantes a se apropriarem dos conteúdos.
Os conteúdos trabalhados no processo são selecionados a partir
das necessidades e expectativas do grupo de trabalho, mas geralmente
abordam unidades:
•• Determinantes históricos da ação docente, visão moderna e
pós-moderna de ciência. Processo de construção do conhecimento.
•• Organização curricular e o trabalho articulado na matriz inte-
grativa, elementos da teoria da complexidade. Projeto político pedagó-
gico do curso, perfil profissiográfico e a mediação docente.
•• Análise complementar de tópicos dos dispositivos legais
de âmbito nacional (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
9394/96, das Diretrizes Curriculares para os Cursos de Graduação) e os
de âmbito institucional,
•• Análise dos projetos de docência (antigos planos de ensino,
re-escritos com foco na aprendizagem ou apropriação dos estudantes
sobre estes saberes).
•• Análise dos conteúdos que ensina acerca dos aspectos: essen-
ciais, complementares, cognitivos (conceitual e/ou factual), procedi-
mentais e atitudinais3 e níveis de abordagem (introdutória, de funda-
mentos e de aprofundamentos) e construção de unidades significativas.
O ser professor: traduzir, mediar, lidar com o inesperado e o novo.
•• Crenças, o respeito e a valorização do outro, mobilizando e
envolvendo docentes e discentes para a mudança. A questão da inteli-
gência coletiva e a relação professor-estudante: o contrato didático, di-
ficuldades e manejo de classe.
•• Ferramentas de trabalho docente, diferenciando aprender e
apreender. Cérebro, às operações de pensamento e o perfil profissiográ-
fico do curso. Metodologia dialética e as formas de ensinar e apreender.
Classificação adotada de Zabala, V. A. A prática educativa: como ensinar. Porto Alegre, Artmed,
3

1998.

156 QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores


Capítulo VII
Didatica e formação de professores para o ensino superior

•• Visão de ensinar como o dizer o conteúdo e a ação de compu-


tare ou analisar em conjunto e a teoria da complexidade.
•• O corpo docente e o colegiado de curso, gestão de baixa e alta
complexidade. Compreensão histórica da estrutura departamental e or-
ganizacional.
•• Identidade docente: profissional, pessoal e quanto ao curso e
ao colegiado em que atua e seu percurso profissional. Angústia, stress,
depressão nas profissões relacionais e o trabalho invisível.

Desde 2011, verificamos a necessidade de aprofundar a questão


relacional e o autoconhecimento dos participantes, associados à questão
do trabalho invisível, ao adoecimento docente e a resiliencia. Assim,
estudos envolvendo a consciência de si, o autoconhecimento, a meta-
cognição e a resiliencia tem sido acrescentados de forma sistemática ao
longo do processo. E também aprofundamos diretamente a questão da
metacognição, ao discutirmos a função social da graduação, o apreen-
der e o avaliar.

2. O que expressaram os sujeitos dos processos vivenciados

Um elemento chave de processos de profissionalização é ouvir


os participantes, deixar falar e ampliar cada vez mais a participação dos
mesmos nas analises e tomada de posição, trazendo os elementos teó-
ricos como suporte para uma análise cada vez mais próxima de saídas
buscadas.
No final de cada processo, ou seja, dos encontros planejados e
combinados, é feita uma avaliação; consideramos essencial este mo-
mento de fechamento, também para os participantes se reverem e se po-
sicionarem, além da contribuição para o aprimoramento dos processos
através dos dados coletados.
Para esta reflexão, trouxemos dados de aplicação de um instru-
mento com tópicos fechados e também questões abertas, de modo a ob-
ter os elementos buscados, selecionando uma questão para analise.

QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores 157


Léa das Graças Camargos Anastasiou

No instrumento aplicado, as questões objetivas verificam divul-


gação, infraestrutura, organização geral do processo; além disto, verifi-
camos outros aspectos como os conteúdos abordados; as categorias de
preenchimento são: “bem abordado, abordagem insuficiente, auxiliam
na compreensão da docência, mudaram a forma de trabalho em aula”.
Também são verificadas as estratégias utilizadas no processo,
acerca de sua aplicabilidade na aula universitária e a mudança que pos-
sam ter provocado na forma de trabalhar; sobre os textos de estudo uti-
lizados, verificou-se se foram lidos ou não, se são de leitura acessível
ou dispensável, ampliam ou alteram a compreensão sobre a docência
universitária.
Para a questão metodológica nos detemos mais na verificação dos
elementos da metodologia dialética, verificando se o professor compre-
endeu, utiliza parcialmente, utiliza sempre ou não utiliza o processo.
Sobre os vídeos, verificou-se se são dispensáveis, se auxiliam na
compreensão da docência, se possibilitaram mudanças em aula e se fo-
ram assistidos ou não. Verificou-se também o alcance dos objetivos pro-
postos e discutidos na organização do planejamento do processo e tam-
bém foram feitas onze questões abertas sobre ações vivenciadas e seu
reflexo na construção da identidade docente.
Infelizmente, por não estarmos vinculados a instituição, não tem
sido possível fazer o acompanhamento, ao longo do tempo, para aná-
lise do processo e os retornos que se tem são aleatórios e ocasionais,
envolvendo encontros com os colegas participantes e daí recebendo al-
gum feedback eventual. Esta é uma constatação importante: a institui-
ção que investe na formação inicial ou continuada tem condições de re-
alizar o acompanhamento dos participantes e analisar com eles variá-
veis indicativas de maior profissionalidade na docência, o que escapa a
uma consultoria externa.
O acompanhamento contínuo da profissionalização docente da-
ria retornos nos quais a verdadeira significação do processo se materia-
lizaria. No entanto, na avaliação final, entre as várias questões abertas,
havia uma que solicitava a principal contribuição percebida na ação do-
cente, como resultante da participação no processo.

158 QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores


Capítulo VII
Didatica e formação de professores para o ensino superior

As respostas registradas são de extrema importância, pois nos


trazem dados sobre mudanças efetivadas ou não. Um elemento comum
é a possibilidade da apreensão dos saberes pedagógicos, que se mani-
festa na mudança procedimental e atitudinal na docência; qual seria o
elemento chave nas mudanças relatadas?

3. A questão da consciência de si na mudança: continuando o


caminhar

Entre 2011 e 2013, paralelamente aos trabalhos de formação do-


cente e revisão curricular, participamos de um grupo de pesquisa inves-
tigando aspectos metacognitivos e impacto das mudanças curriculares
na graduação em saúde4. O ponto de partida foi analise de currículos
de cursos de Medicina e Enfermagem que, por terem participado do
ProSaude I e II, receberam verbas para realizar mudanças curriculares
visando tomar o estudante como sujeito e responsável pela sua aprendi-
zagem, através da utilização de metodologia ativa.
Um elemento chave que aqui destacamos é o desenvolvimento
do assumir-se aprendiz e conscientizar-se das formas que utiliza para
apreender, conhecendo seu funcionamento; assim, apropriar-se não só
dos conteúdos, mas também dos processos mentais, de forma a poder
utilizá-los com propriedade em novas situações de desafio: desenvol-
ver-se metacognitivamente.
A metacognição não é um processo espontâneo: pode e deve ser
conhecida, introduzida e sistematizada em ações deliberadas por pro-
fessores e estudantes; para isto, vários elementos precisam ser do domí-
nio do docente, no que concerne a mediação que o mesmo efetiva nos
currículos e na aula universitária.
No caso da mediação docente, a clareza dos elementos determi-
nantes do processo de aprendizagem, incluindo o desenvolvimento de

A pesquisa denominou-se “Avaliação de impacto das mudanças curriculares na graduação em sau-


4

de, no Prosaude e Reforgrad: aspectos metacognitivos”. A coordenadora foi a Profa. Dra. Maria Jose
Sparça Salles e participaram também: Dra. Marcia Sakai da UEL e Dr. Ruy Sousa, da UFRO. O relatório
foi recém entregue e já aprovado, aguardando publicação.

QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores 159


Léa das Graças Camargos Anastasiou

processo reflexivo sistemático do estudante e com o estudante, visan-


do inicialmente ação e estabelecimento de metas para a aprendizagem
em cada fase do curso, conforme seus desafios. Isto exige orientação
adequada para as metas, análise de resultados, identificação e supera-
ção de dificuldades, ampliação da consciência pessoal e profissional,
ampliação crescente do domínio do quadro teórico prático da profis-
são, além de diferenciação e associação dos conteúdos cognitivos com
os procedimentais e atitudinais, a vivencia curricular com estratégias
de trocas, exigindo um plano de estudos individual (e coletivo), inten-
cional e direcionado.
Nesta pesquisa, como parte do processo e entre outras atividades,
realizamos grupos focais com docentes e discentes de 6 instituições,
nos dois cursos, Medicina e Enfermagem, num total de 24 grupos focais
e quase seiscentas páginas de material digitalizado.
Na analise pessoal desta experiência vivenciada com equipes da
área de saúde, muito me questionei acerca do papel dos docentes de
todas as áreas e em especial da área educacional, que somos nós, hoje
aqui reunidos neste V EDIPE, em relação aos trabalhos realizados na
formação do docente universitário.
A metacognição exige que o sujeito aprendiz desenvolva vários
aspectos: uma cultura do pensar a si mesmo no processo de aprendiza-
gem e a consciência das operações mentais, revisando aprendizagens
já efetivadas, planejando e facilitando transferências, numa atitude de
conhecer-se e auto-regular-se, identificando regras, normas e planos de
ação. Isto amplia a consciência sobre os processos usados na resolu-
ção de tarefas e clareza na gestão das formas de construir os saberes.
Amplia o conhecimento da autoimagem das próprias habilidades, dos
desafios enfrentados e superados e as próprias possibilidades no apre-
ender. Como será possível mediar estas ações se nós, professores, habi-
tualmente não a executarmos, nós mesmos?
Ao iniciar minha participação na pesquisa já havíamos inclu-
ído elementos referentes à inteligência emocional, adoecimento do-
cente e importância de um relacionamento construtivo e respeitoso
interpares.

160 QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores


Capítulo VII
Didatica e formação de professores para o ensino superior

No entanto, os estudos efetivados durante a pesquisa e os encon-


tros, a coleta e analise de dados possibilitaram identificar elementos
determinantes da ação docente, num contexto de valorização da meta-
cognição, que é encaminhada e facilitada nos currículos centrados na
aprendizagem do sujeito aprendiz, com as mediações necessárias em
auto-avaliação, complementar à hetero-avaliação, uma vez que ela é vi-
venciada em “processos pelos quais se é capaz de exercer controle e a
auto-regulação durante a tarefa (...) permitindo ao sujeito tomar consci-
ência do desenrolar da sua própria atividade” (Davis,C., Nunes M.M.R.
e Nunes C.A.A., 2005).
Retomei então os dados referentes ao curso efetivado com um
dos grupos de trabalho e registrado em avaliação, tomando o tópico que
o docente participante declarou como sendo a principal contribuição
percebida ao longo do curso, referente à ação docente em aula.
Os resultados obtidos nos revelaram que vários elementos desta-
cados são indicadores de metacognição, embora naquele curso especí-
fico, realizado em 2009, não se pontuasse a metacognição como faze-
mos na atualidade.
Dentre os estudiosos sobre a metacognição, citamos Flavel,
(1979); segundo ele, para a monitorizarão cognitiva, quatro aspectos
inter-relacionados são efetivados: o conhecimento cognitivo, referente
a sensibilidade e conhecimento da pessoa, tarefa e estratégia. As expe-
riências cognitivas, com consciência do sucesso ou fracasso das ações
e organização contínua da auto-imagem, delas decorrentes. Os objeti-
vos e o grau ou nível de sucesso, ou seja, o acompanhamento do pró-
prio processo e a construção dos os critérios utilizados neste acompa-
nhamento. E o quarto elemento, citado: as ações, articuladas e resultan-
te dos elementos citados.
Assim, nos processos de formação docente continuada os ele-
mentos da metacognição precisam ser colocados também como alvos,
como objetivo curricular e objeto de estudo para avançarmos nos pro-
cessos de tomada de consciência do e no sujeito.
Consciência, do latim “conscientia”, é conceituada como saber
em comum, ou conhecimento susceptível de ser compartilhado com os

QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores 161


Léa das Graças Camargos Anastasiou

outros (Simha, Andre:2009); em grego “syneidesis”, refere-se à exigên-


cia de avaliação de si mesmo, que pode ser compartilhada, e que se efe-
tiva quando o ser humano se constitui sujeito, do ponto de vista ético e
jurídico. Ela define a humanidade do ser humano, pois pela ação fonte
de sentido e pelas normas, se constitui sujeito, apropriando-se de suas
experiências e comportamentos, criando a identidade do próprio corpo,
capaz de refletir e interiorizar, através de uma ordem, assumida na ex-
periência da responsabilidade.
Ora, os docentes que procuram voluntariamente um processo
de formação continuada já têm, em si, a experiência da responsabili-
dade desenvolvida em alto grau. Mas a profissionalidade docente, ali
buscada, pode auxiliar na construção da identidade profissional, dada
sua relação com identidade pessoal, aqui tomada como consciência
de si no tempo e no espaço social, com caráter prospectivo da respon-
sabilidade.
Como profissional e adulto, o docente já exerce o “perceber-se
como um ser capaz de pensar-se a si mesmo, com percepção e senti-
mento acerca das próprias ações: percebe, percebe que”, (Simha, Andre,
2009: 91). Identifica assim, com relação à docência, o saber em si, o sa-
ber que já sabe e o que precisa ainda saber e o saber por si: é capaz de
gerenciar a consulta a si mesmo e traz estas necessidades para o cur-
so. Mas a ação profissional interpessoal exige não só o aspecto racio-
nal mas também clareza quanto aos sentimentos presentes no processo.
Quanto ao racional, ao pensar, planejar e efetivar ações para
a docência, nem sempre possui a referencia científica, o domínio do
quadro pedagógico para referenciar suas ações profissionais. Sem esta
referencia, conforme veremos em alguns depoimentos a seguir, é difí-
cil efetivar a percepção e construção de si como profissional, pela pró-
pria consciência, como condição da experiência envolvendo pensa-
mento e a linguagem, com poder de síntese, examinando a correspon-
dência entre as idéias e as coisas, a razão e o sentimento, os quadros
científicos norteadores da profissão docente e suas ações comporta-
mentais e atitudinais, como aplicação dos saberes cognitivos, uma vez
que não os domina.

162 QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores


Capítulo VII
Didatica e formação de professores para o ensino superior

Ao atentar, cuidar, reproduzir, assinalar o real, analisando sua


atuação, o sujeito realiza o que experimenta no mundo ou vivencia den-
tro de si, como resultado de escolhas e ações.
Num processo continuo de ação-reflexão-ação, voluntária e deli-
berada de formação profissional, onde as trocas são realizadas num cli-
ma de construção coletiva, com confiança, pode-se pontuar e discutir as
percepções reveladas acerca das ações e realizar um (re)planejamento
das mesmas. Por isto também, tomar a prática docente como ponto de
partida e de chegada tem sido um auxiliar prestimoso no sucesso dos
processos.
Segundo (Simha, Andre, 2009), a formação da consciência hu-
mana inclui este poder de auto-avaliação, planejamento e antecipação
da ação e efeitos, revisões de ação, respondendo no futuro por sua pró-
pria pessoa: “Responder por si é certamente constituir-se como sujei-
to no duplo sentido do termo: sujeitar-se a autoridade da qual assume o
papel de obrigado e é dotar-se, a si mesmo, daquele poder especifico do
humano, o de apreender-se como agente livre ao qual deve ser atribuí-
do o comportamento, comportamento assumido, porque desde o inicio
projetado, ou ao menos antecipado, como comportamento do qual se
terá que prestar conta” (Simha, Andre, 2009:134).
A reflexão, como desdobramento intencional acerca das ações
vividas, das atividades experienciadas na docência, possibilita captar
a apreensão de si, superando modelos de representação e imaginação,
num esforço entre o ego e o movimento, que não me afasta de mim, mas
pode ser extremamente revelador a mim mesmo. Razão e sentidos pas-
sam a ser melhor conhecidos.
No cérebro, a consciência implica um horizonte de opção e li-
berdade, escolhas, uma direção da evolução divergente, o que leva ao
humano, quando o comportamento não é mais capaz de responder a
um programa estritamente determinante; revisar modelos de influencia,
formas e movimento cerebral, redes relacionais dos conteúdos do cur-
so e da disciplina ou módulo onde leciona, possibilita ver-se neste todo
articulado, assim como perceber causas e consequências, no conjunto
das ações possíveis sobre as coisas, resultante de escolhas e decisões.

QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores 163


Léa das Graças Camargos Anastasiou

São espaços inclusive de recuperação de autoestima, que segun-


do Souza, C.S.,2009, ativam processos de ampliação de resiliencia, na
medida em que se sentem cuidados e solidários, por não receberem re-
ações negativas às problemáticas que apresentam ao grupo, ampliando
seu nível de respostas e bem estar, diante dos desafios5.
Assim, os processos de formação continuada ou inicial incluem
processos reflexivos que contemplem a autoconstrução e autogestão do
sujeito, uma auto responsabilização para o processo de construção de si
e de sua performance profissional. Trocas e discussões permitem ana-
lisar se, nas ações narradas, demonstramos articulação e aplicação dos
elementos citados, identificamos saberes próprios em relação ao conhe-
cimento existente na área em discussão, se nos colocamos em relação
aos demais, ampliando a inteligência emocional e a criticidade crescen-
te, para a profissão docente.
Registramos aqui, então, a fala dos colegas participantes do pro-
cesso. Constatamos que, embora se trate de uma questão aberta (qual
a principal contribuição), muitos dos elementos citados referem-se à
construção de si como professor e seus determinantes. O docente sen-
te a força do grupo, a força das analises sobre quem é o estudante real
com quem compartilha a aula, sobre ações colegiadas, sobre quem é ou
deve ser o adulto na relação professor-estudante, sobre como funciona
o cérebro e determinantes da aprendizagem e seu papel na construção
coletiva do curriculo.
Percebe também que pontua ampliar a compreensão da institui-
ção, dos valores e ações que ali se efetivam, conhecendo melhor a cul-
tura institucional. Apreende a rever o conteúdo que ensina sob novos
enfoques e analisar as redes de conhecimento próprias aos saberes com
os quais trabalha.
Neste registro, organizamos então as falas em quatro grupos, em-
bora muitas delas pudessem ser colocadas em vários grupos; vamos
destacar inicialmente, as referentes aos processos de produção colegia-
A este respeito, vide os estudos de resiliencia na educação superior realizados por Sousa, Carolina
5

Silvia, da Universidade de Algarve, publicados no texto “Resiliencia na Educação Superior”. In: ISAIA
S. M. A. e BOLZAN, D. P. de V, na obra Pedagogia Universitária e desenvolvimento profissional docen-
te, Porto Alegre, EDIPUCRS, 2009.

164 QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores


Capítulo VII
Didatica e formação de professores para o ensino superior

da ou pelo menos, inter-pares, seguido de ação problematizadora, au-


to-conhecimento e ampliação da autonomia como profissional docente.
Acreditamos ser fundamental o espaço coletivo para analisar os
processos de produção colegiada ou pelo menos, interpares; neste as-
pecto, podemos organizar tópicos referentes à: crescente cooperação,
troca e participação no coletivo, melhor conhecimento de si nas apren-
dizagens em grupo, mobilização nas situações enfrentadas e problema-
tizadas.
Quanto aos processos de produção colegiada ou pelo menos, in-
terpares:

“Como docente, olhar o conteúdo ensinado pela visão do discente.


Respeitar limites e abrir espaços para a integração entre os dois la-
dos”.
“Sou outra pessoa, me sinto mais preparada e gostaria de manter en-
contros de troca de experiência à medida que se colocar em prática o
conteúdo apreendido; sentirei falta destes encontros.”
“Primeiramente quero dizer que adquiri conhecimentos que não tinha
nenhuma idéia sobre, assim o curso me estimulou a alterar a visão tra-
dicional incorporada há anos, e buscar novas estratégias para minis-
trar aulas para que haja o processo de ensino e aprendizagem na nos-
sa disciplina.”
“Aumento da interação com os estudantes, não só para gerar um am-
biente agradável, mas sim amigável efetivo para a aprendizagem (dos
estudantes e do docente).”
“A possibilidade de conviver com a divergência e tentar construir a
ponte do que é comum nas diferenças”.
“Mudar a postura em sala de aula, não centralizar todo o processo no
professor”.
“Vou tentar modificar minha maneira de ensinar. Acho que agora te-
nho uma visão melhor de como lidar com os alunos e do que fazer em
situações diversas”.
“Coragem para atuar no campo da discussão sobre o PPP. Atuar e ten-
tar articulação com os colegas. Retomada dos saberes pedagógicos”.
“Meu papel como mediador (com alunos) e meu papel como dissemi-
nador dos novos conhecimentos (com meus pares).
“Nunca mais serei a mesma na sala de aula e na relação com os alu-
nos! Poderei não me tornar a melhor professora do mundo, mas pelo
menos terei a consciência de que é possível melhorar sempre”.

QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores 165


Léa das Graças Camargos Anastasiou

“A contribuição não apenas na disciplina na sala de aula, mas tam-


bém junto aos colegas da disciplina e à faculdade, entendendo o todo”.
“Ampliação dos conhecimentos sobre pedagogia e USP”.

Quanto a ação problematizadora, a analise pode focar se o do-


cente vê os problemas como algo significativo para a própria aprendiza-
gem, busca determinantes essenciais das situações e elaboração mental
da tarefa, com esquemas, mapas conceituais, resumos, realizando uma
estruturação consciente e planificada do objeto. A reorganização dos
conteúdos que ensina foi uma tarefa fundamental, neste caso. Pode-se
constatar a busca da solução de questões e o enfrentamento de novos
desafios em crescente complexidade, se realiza conexões entre os fa-
tos para hipóteses e teorias (indução), significando e categorizando fa-
tos para propor a solução, controlando do evento (indução); se aplica
idéias ou conceitos gerais a situações específicas ou particulares (dedu-
ção) e usa previsão e planejamento para a solução do problema (dedu-
ção), transferindo vivências para solucionar situações similares ou no-
vas. E também, verifica-se a articulação de conceitos, princípios, sín-
teses, ideias gerais, de formas de atuar, de analogias, a identificação de
elementos similares e efetivação de antecipação ou previsão.
Assim, ao vivenciar os processos de profissionalização inicial ou
continuada, o professor se percebe sujeito da ação docente, refletindo
intencionalmente sobre os próprios processos mentais, ampliando auto-
conhecimento e construção da identidade pessoal e profissional, identi-
ficando o saber em si, o saber que já sabe e o que precisa ainda saber e
o saber por si, portanto, gerenciando a consulta a si mesmo.
Das citações destacamos algumas acerca destas percepções:

“Necessidade e desejo de mudar, agora com mais embasamento con-


ceitual, cientifico e prático de uma área não conhecida por mim (pe-
dagogia).”
“Mudança de aula expositiva tradicional para estratégias ainda não
experienciadas, por exemplo tempestade de ideias e expositiva dialo-
gada”.
“No cotidiano em sala de aula e no contato com alunos e orientandos
tento incorporar o que foi aprendido no curso”.

166 QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores


Capítulo VII
Didatica e formação de professores para o ensino superior

“Muitos são os desafios, mas muitas são também as possibilidades de


enfrentá-los.”
“Ampliar a visão sobre o ensino e consequente melhora do mesmo”.
“Flexibilidade e menos estresse com as cobranças que eu me fazia.
Agora sei que, para a reescrita do PPP posso ainda achar a melhor
forma pra encaminhar o curso.”
“Conhecer as diferentes realidades vivenciadas na USP.”

Quanto ao autoconhecimento, poderemos focar tópicos referen-


tes à: identificação, em si mesmo, de áreas fortes e frágeis, interesses e
atitudes evidenciando conhecimento de si e consciência das formas de
apropriar-se dos saberes e de transferências de saberes ou processos,
clareza de fins e resultados – projetando o fazer.
Assim, o docente se constitui sujeito pela apropriação de suas
experiências e comportamentos, refletido e interiorizando, assumindo a
experiência da responsabilidade e percepção de ser capaz de pensar-se
a si mesmo, com sentimento acerca das próprias ações, identificando as
escolhas que realiza no conjunto das ações possíveis sobre as coisas,
atuando como agente livre e responsável pelo comportamento, compor-
tamento assumido, porque projetado ou, ao menos, antecipado.
Estes elementos não fizeram parte da questão, formulada de for-
ma aberta (que se referia às principais contribuições), mas destacamos
vários depoimentos que se referem a ele, direta ou indiretamente:

“Pensar no estudante como um futuro profissional, com todas as suas


implicações (conceitos e atitudes) e adotar outras técnicas de ensina-
gem e avaliação.”
“Fundamentação teórica das ações pedagógicas já realizadas intuiti-
vamente.”
“Minha autoavaliação como docente, com tomada de posição e ação
para melhorias.”
“Que é necessário mudar”.
“Tomar maior consciência de minhas ações e do meu papel perante o
aluno e o curso”.
“Caminhos para um processo maior de prazer. Possibilidades de arti-
culação.”
“Não há mágica, o aprendizado é complexo. Precisamos de paixão,
boas intenções e absoluto bom senso”.

QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores 167


Léa das Graças Camargos Anastasiou

“Mudança de paradigma docente”.


“Encontrei o que queria, mas não sabia onde achar”.
“Fundamentação teórica das ações pedagógicas já realizadas intuiti-
vamente”.
“Despertar de ideias, perceber que a qualquer momento sempre existe
oportunidade de crescer.”
“Perceber que muito do que venho aplicando tem fundamentação cien-
tifica. Fiquei feliz de perceber que minha exercitação não é infundada”.
“Não sou absoluta”.
“Ampliação da compreensão do papel docente na atualidade e grande
motivação para mudar a práxis da docência.”
“Reflexão e exercício (tentativa) de mudança.”
“O destaque para a necessidade de realizar mudanças para a práxis
docente, superando dogmas, reconhecendo aspectos vários, e muito en-
volvido no processo de construção do conhecimento docentes e discen-
tes, continuado.”
“A conscientização do que me incomodava, mas sem o conceito para
sua compreensão. Essa contribuição resultou em práticas e novas for-
mas do fazer docente”.
“Ser capaz de ver o curso de graduação como um todo e não apenas
“no pedaço” que dou aula”.
“Sair do imobilismo, avançar em novas estratégias”.
“Entender o papel docente e ampliar a minha formação para desempe-
nhar melhor este papel”.
“Deu-me maior segurança pedagógica e capacidade de analisar meus
defeitos e aprimorar qualidades”.
“Questionar conceitos e métodos tradicionalmente usados e levantar
novos modos de atuação.”
“Foram muitas, desde voltar a sala de aula como aluno, numa área do
conhecimento extremamente importante, mas pouco conhecida pelos
docentes sem formação pedagógica, até a descoberta de um mundo que
precisa ser revelado o mais ampla e rapidamente possível”.
“Perceber que estou no caminho certo na busca para ser uma docen-
te melhor”.

Quanto à ampliação da autonomia como profissional docente,


podemos colocar como foco o maior conhecimento de si nas aprendi-
zagens individuais, a gestão da própria aprendizagem, auto regulando-
-se; a ampliação da autoimagem em relação aos saberes e processos de
aprendizagem efetivados, a autoavaliação gerando consciência de fra-

168 QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores


Capítulo VII
Didatica e formação de professores para o ensino superior

gilidades e planos de ação para superação e também se capta ou faz a


relação entre os fins e resultados, despertando as ações mentais, direcio-
nando-se ao objeto, realizando a reflexão para a ação. Referentes a estes
aspectos, destacamos as citações acerca das contribuições percebidas:

“O ensino de graduação pode e deve ser mais valorizado e que o pro-


fessor que se dedica a ele com igual peso ao das outras atividades-fim
(pesquisa e extensão) também deve ser valorizado, ao contrário do que
se percebe em algumas unidades da USP.”
“São tantas... mas sem pensar muito eu diria que o curso me deu as ba-
ses e as referencias de iniciativas, que eu já tenho tido”.
“Reforçar e fundamentar pontos de vista que eu já tinha. Aprofundar
possibilidades de aplicação.”
“Reflexão sobre algumas ações que eram tomadas”.
“Um maior embasamento teórico posto em prática”.
“A melhora no aprendizado dos alunos”.
“Mais segurança para contribuir na implementação do currículo”.
“Sempre me preocupei muito com as questões de aprendizagem, li bas-
tante sobre o assunto. Mas eu tinha insegurança, pois sempre foi uma
atividade muito individual. Aqui no curso pude ver que estava no ca-
minho certo, ter novas inspirações, ter mais segurança para poder ten-
tar influenciar outros colegas do instituto, pois agora tenho subsídios
“acadêmicos”, o que eles tanto valorizam”.

Considerações complementares

A fala dos participantes é rica e suficiente para entendermos a im-


portância da didática, como parte essencial dos saberes, também para os
docentes da educação superior.
As experiências de trabalhos com os grupos são ricas em trocas,
em desafios, portanto, em níveis complexos de aprendizagem. Os gru-
pos de trabalho iniciam o percurso com certo distanciamento e defesa
em suas colocações, mas logo percebem o espaço de confiança e trocas
e o enriquecimento mutuo entre os participantes.
Aparecem os extremamente interessados na docência, com espa-
ço e disposição para discutir as questões referentes aos sujeitos dos pro-
cessos e aos demais determinantes, assim como aparecem os que já es-

QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores 169


Léa das Graças Camargos Anastasiou

tão descrentes de que se possa fazer algo. Em todos os grupos tivemos


um percentual de desistência, muitas vezes justificadas pelo excesso de
atribuições que o docente assume. Não fizemos ainda um estudo deste
aspecto, o que muito me interessaria.
Tenho observado desde 1992, minha primeira experiência no
contexto de formação do docente da educação superior, que novas des-
cobertas, novos elementos vão se tornando essenciais ao processo,
como ocorreu nos últimos anos sobre a questão do adoecimento docen-
te6, da inteligência emocional, as características do trabalho imaterial
que efetivamos e a sistematização dos saberes sobre metacognição em
relação ao projeto de curso de graduação e ações docentes decorrentes.
Novos autores vão sendo trazidos pelos próprios participantes dos gru-
pos, que passam a ampliar seus estudos também na área pedagógica.
As frequentes atividades grupais são espaço de aproximação e
trocas, estudos e sistematizações de saberes. O grupo, antes distante,
começa a “conversar7” de forma cada vez mais amadurecida, desenvol-
vendo tolerância e inteligência emocional. A percepção do trabalho do-
cente como trabalho material8 também em sido auxiliar no entendimen-
to do “embrulho” vivido hoje na universidade, onde também as ques-
tões de poder se manifestam e criam distanciamento e na qual o profes-
sor participa de um departamento que não planeja o curso, mas exerce
ação docente no curso, que alias não precisa do departamento para me-
lhor executar sua função social.
Temos também encontrado um grande numero de colegas docen-
tes que vão direto da graduação para o pós e voltam à sala de aula com
o doutorado efetivado, sem ter tido tempo de evoluir igualmente nas
questões pedagógicas; jovens e inexperientes, constituem uma força ex-
traordinária de novas energias e vontade.
6
A este respeito, vide ESTEVE, J. M. O mal-estar docente: a sala de aula e a saúde dos professores. São
Paulo: Editora EDUSC; 1999.
7
Conversar: palavra formada de duas outras, versar, que quer dizer mudar e o com, junto. Assim, a
verdadeira atividade de conversar é aquela que possibilita mudanças a partir de trocar de lugar com
o outro, ouvi-lo e entende-lo, evidenciando amadurecimento emocional e flexibilidade mental.
8
A respeito do trabalho imaterial como categoria para análise do trabalho docente, vide Costa, Rogé-
rio da, Inteligência Coletiva: comunicação, capitalismo cognitivo e micropolítica. In: Revista FAME-
COS, Porto Alegre, n.37. Dezembro de 2008.

170 QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores


Capítulo VII
Didatica e formação de professores para o ensino superior

A didática da educação superior precisa ser elemento formador


da ação docente, visando proporcionar aos jovens que buscam sua for-
mação profissional na graduação, um espaço de construção de si e dos
saberes, de forma a melhor contribuir para as atualizações e mudanças
que nossa sociedade necessita nesta fase da História.

Os sujeitos ao produzirem ações sofrem efeitos, percebem tanto a per-


manência quanto as transformações, as possibilidades de vir-a-ser, le-
vando o cérebro a estabelecer novas estratégias de ação, de negociação
e de compartilhamento, facilitando o vínculo e a troca. A dinâmica obti-
da pelos elementos da teoria e da prática, em articulação, amplia a visão
de totalidade e possibilita novas tomadas de posição (ANDALOUSSI,
2004, p. 132).

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Léa das Graças Camargos Anastasiou

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172 QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores


Capítulo VIII

FORMAÇÃO DE PROFESSORES, TRABALHO


DOCENTE E QUALIDADE DO ENSINO
Sandra Valéria Limonta1 (UFG)
Kátia Augusta Curado Pinheiro Cordeiro da Silva2 (UnB)

12

Apresentamos aqui uma reflexão sobre a qualidade do ensino


fundamentada numa concepção crítico-emancipadora de formação de
professores e de trabalho docente, por sua vez construída numa base te-
órico-metodológica marxista. A partir da compreensão da dialética for-
mação-trabalho, buscaremos explicitar que, para um ensino de qualida-
de, se faz necessária a constituição de uma sólida base teórico-episte-
mológica no percurso do processo formativo que se materializa no pro-
cesso de trabalho.
A formação e o trabalho dos professores na perspectiva crítico-
-emancipadora formam uma unidade, um único processo de desenvol-
vimento pessoal, intelectual, técnico e político-social e a qualidade do
ensino se constitui nesta dialética formação-trabalho, que deve ser o fio
condutor tanto dos cursos de formação (inicial ou continuada) quanto
dos processos de ensino na escola. Buscamos constituir um contraponto
às atuais políticas e concepções de formação e de ensino, que se consti-
tuem com base na intensificação de uma visão pragmatista e tecnicista
tanto do conhecimento quanto do trabalho pedagógico, dissociando-os.
1
Doutora em Educação, professora da Faculdade de Educação da UFG no curso de Pedagogia e no
Programa de Pós-Graduação em Educação. Líder do grupo de pesquisa Educação, Espaço e Tempo e
coordenadora da Linha de Pesquisa Educação e Marxismo do Núcleo de Pesquisas e Estudos Socie-
dade, Subjetividade e Educação.
2
Doutora em Educação, professora da Faculdade de Educação da UnB na graduação e no Programa
de Pós-Graduação em Educação. Líder do grupo de pesquisa Formação e Atuação de Professores/
Pedagogos.
Sandra Valéria Limonta
Kátia Augusta Curado Pinheiro Cordeiro da Silva

As licenciaturas têm levado a um tipo tão superficial e frágil de


formação que se assiste a uma exploração cada vez maior e mais inten-
sa do trabalho dos professores na escola, chamados à responderem por
si mesmos e em si mesmos tanto à continuidade de sua formação quan-
to aos problemas de ensino e aprendizagem enfrentados no cotidiano.
Às escolas e aos professores têm sido oferecidos inúmeros programas e
projetos de formação e de ensino, verdadeiros “pacotes” que vulgarizam
o trabalho a ser realizado em sala de aula e tornam ainda mais o frágil
o conhecimento dos professores, apresentando-lhes “fórmulas” rápidas
para resolver históricas questões que necessitam de muito estudo, conhe-
cimento, investimento e tempo para planejar e a realizar um bom ensino.
As proposições e provocações que trazemos neste texto foram
elaboradas para que se possa tomar posição frente às concepções aqui
criticadas, a fim de possibilitar uma reflexão voltada à construção da
emancipação e da autonomia dos professores. A formação, seja inicial
ou continuada, possui sua gênese no trabalho, não podendo ser compre-
endida como resultado de iniciativas individuais para aperfeiçoamento
próprio ou necessidade pessoal. A formação é direito que compõe jun-
to com melhores condições de trabalho nas escolas, carreira, jornada de
trabalho numa só escola e remuneração compatível com as demais pro-
fissões de nível superior, os elementos mínimos e indispensáveis para o
ensino de qualidade que tanto tem sido cobrado apenas dos professores
em suas salas de aula.
A formação frágil e as difíceis condições de trabalho têm condu-
zido a um fenômeno que estamos aqui denominando de “tecnificação”
do ensino. O que temos vivenciado em nosso trabalho como formado-
ras de professores e em nossos estudos e pesquisas ultrapassa o neotec-
nicismo denunciado há vários anos por Freitas (1992 e 1995) e recente-
mente analisado por Saviani (2007).
As teorias pedagógicas e psicológicas e a didática são reestrutu-
radas, nos programas e projetos que acima criticamos, sob a forma de
técnicas puras, e esta “tecnificação” não alcança nem os níveis mais ele-
mentares de uma formação baseada na reflexão sobre a prática, confor-
me a “epistemologia da prática”, concepção de formação e de trabalho

174 QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores


Capítulo VIII
Formação de professores, trabalho docente e qualidade do ensino

por meio da pesquisa e da reflexão sobre o fazer do professor que este-


ve muito em evidência na década passada nas políticas de formação e
de ensino em nosso país, como já denunciamos em outro texto (SILVA
e LIMONTA, 2012).
Para que possamos nos contrapor a estas concepções analisamos
aqui quatro categorias fundamentais para pensarmos um projeto de for-
mação de professores e de trabalho docente oposto ao da “tecnificação”
e baseado numa perspectiva crítico-emacipadora que poderá contribuir
para a tão almejada qualidade do ensino: trabalho docente; relação te-
oria e prática; ensino como práxis e pesquisa. Finalizamos o texto com
uma breve discussão sobre a qualidade do ensino a partir da dialética
formação-trabalho.

1. Trabalho docente, relação teoria e prática e ensino como práxis

O trabalho é o elemento essencial de constituição da sociabili-


dade ao constituir o ser humano. Na superação dos limites biológicos
impostos pela natureza por meio do trabalho se torna possível o desen-
volvimento superior do homem. É por meio do trabalho que o homem
se relaciona com os outros homens e com a natureza, transformando-
-a e transformando a si próprio e produzindo cultura (MARX, 1984;
LUKÁCS, 1989).
Para Mascarenhas (2002), a centralidade do trabalho, e conse-
quentemente, das classes sociais e da classe trabalhadora para a com-
preensão dos fenômenos humanos da atualidade é indispensável. Não
se pode falar em “fim do trabalho” num momento em que os trabalha-
dores são expropriados de seus direitos e explorados no grau máximo
de suas capacidades laborativas. A partir das sempre renovadas rela-
ções entre capital e produção, novas formas de exploração vão surgin-
do, como é o caso das atuais “mudanças” no mundo do trabalho acarre-
tadas pelas novas tecnologias da produção e da informação. As tecnolo-
gias podem até trazer consigo novas formas de relação entre natureza,
ciência e produção, mas as relações entre capital e trabalho permane-
cem sendo de exploração.

QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores 175


Sandra Valéria Limonta
Kátia Augusta Curado Pinheiro Cordeiro da Silva

O trabalho docente, por sua condição histórica, está inserido


numa lógica de produção (tanto na formação quanto no exercício do
trabalho) que o subordina aos critérios do mercado capitalista. Tal su-
bordinação tem se agravado na medida em que se aprofunda a divisão
do trabalho na escola e as complexas relações entre formação e traba-
lho são ocultadas numa simples equação: o professor precisa apenas
adquirir capacidade de transmissão de certas informações via determi-
nadas técnicas.
Os paradigmas de conhecimento e produção que surgem no fi-
nal do Século XX e início do Século XXI nas dimensões econômica,
política, social e, consequentemente, na educação, nos levam a perce-
ber que à medida que ascende o neoliberalismo e a perspectiva pós-
-moderna de Ciência, novas habilidades e competências são exigidas
dos trabalhadores. Assim, para a formação de professores, coloca-se
em curso a construção de uma nova Pedagogia e, portanto, de outro
perfil de professor.
Nesse processo, a ênfase desloca-se da dimensão técnica e recai
sobre a dimensão prática do trabalho docente. Questiona-se a formação
demasiado teórica e tecnicista dos cursos de Licenciatura, afirmando-se
que o futuro professor deverá entrar em contato real com a escola desde
o início do curso, desenvolvendo, o quanto antes, habilidades cogniti-
vas e práticas que lhe permitam dar conta da complexidade social e das
demandas educativas contemporâneas. Não se propõe revolucionar a
escola que temos para que esta se adeque à uma formação de professo-
res científica e exigente, mas o contrário, deve-se precarizar a formação
para adequá-la a uma escola precarizada.
As diretrizes curriculares para os cursos de Licenciatura indicam
claramente que a necessária articulação teoria e prática têm valorizado
mais o saber prático em detrimento do teórico. A relevância da prática
passa a ser decisiva, atribuindo-se à formação teórica, um papel que, se
não inócuo, é pelo menos de menor importância.
A concepção de formação e de trabalho baseada na perspectiva
crítico-emancipadora vê a indissociabilidade teoria e prática na práxis
– atividade humana que transforma o mundo natural e social para fazer

176 QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores


Capítulo VIII
Formação de professores, trabalho docente e qualidade do ensino

um mundo humano. A práxis contém as dimensões do conhecer (ativi-


dade teórica) e do transformar (atividade prática), ou seja, teoria e prá-
tica são indissociáveis: “(...) fora dela fica a atividade teórica que não se
materializa (...) por outro lado não há práxis como atividade puramente
material, sem a produção de finalidades e conhecimentos que caracteri-
za a atividade teórica” (VAZQUEZ, 1968, p. 108).
Compreendemos a práxis como ação humana transformadora,
prática eivada e nutrida de teoria, e por isso capaz de superar os primei-
ros estágios do pensamento – constatação e compreensão da realidade
– para constituir um pensamento novo, que ao ser colocado em práti-
ca, pode transformar esta realidade. Nesse sentido, o trabalho docente é
práxis. A complexidade da ação educativa necessariamente a torna uma
práxis social e, portanto, o trabalho docente não pode ser pensado sem
que se considere as relações de produção nas quais ele se insere.
Entendemos o ensino como o conceito que melhor expressa qual
a função social do professor, aqui tomado numa visão de totalidade –
na relação entre formação, trabalho e educação. O trabalho educativo,
que se materializa no ensino, é “(...) o ato de produzir, direta e inten-
cionalmente, em cada indivíduo singular, a humanidade que é produ-
zida histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens” (SAVIANI,
1997, p. 21).
O ensino caracteriza historicamente o trabalho do professor
como função específica de ensinar conhecimentos, ou melhor, saber fa-
zer aprender alguma coisa a alguém (ROLDÃO, 2007). Quando de-
fendemos que a especificidade do trabalho docente refere-se ao ensi-
no, entendemos que ensinar não é apenas transmitir informações, mas
proporcionar ao aluno o conteúdo cultural produzido pela humanidade
e as habilidades cognitivas que possibilitam o conhecer: a capacidade
de estabelecer relações, de construir sínteses e de refletir criticamente
– o que Vigotski (2001) denomina de funções psicológicas superiores.
Ensinar, nesta perspectiva, não é apenas conhecer os conteúdos
e expô-los num determinado momento aos alunos, mas sim realizar a
mediação pedagógica, o que exige do professor um amplo leque de co-
nhecimentos: da história e das finalidades sociais e políticas da edu-

QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores 177


Sandra Valéria Limonta
Kátia Augusta Curado Pinheiro Cordeiro da Silva

cação escolar, dos conteúdos escolares, dos processos psicológicos de


aprendizagem e dos métodos e técnicas didáticas adequadas. No ato de
ensinar, estas dimensões do ensino se materializam, permitindo ao edu-
cando apropriar-se e reelaborar o conhecimento, junto com os outros
educandos e com o professor.
Além disso, ensinar tem como valor e objetivo final dar opor-
tunidade para o outro apropriar-se do conhecimento produzido social-
mente, desvelar as contradições da realidade e assim fazer valer seus
direitos e buscar a transformação social. Ao construir a docência tendo
esta perspectiva do ensino como fundamento, é possível que o profes-
sor se reconheça em seu trabalho e encontre sentido no ato de ensinar,
um fazer intencional, uma dialética construtiva em busca da libertação
humana por meio de um conhecimento que eleve moral e intelectual-
mente o homem, levando-o do senso comum para a consciência filosó-
fica (GRAMSCI, 2000).
A partir dessa concepção de trabalho docente, relação teoria e
prática e ensino como práxis, apontamos a pesquisa como atividade
fundamental tanto da formação quanto do trabalho dos professores,
uma vez que para ensinar é necessário que o professor saiba também
como produzir o conhecimento.

2. A pesquisa como atividade de formação e de trabalho dos


professores

Muito se tem discutido, no Brasil, sobre a pesquisa como prin-


cípio formativo, como método de formação, ou ainda como eixo ar-
ticulador entre teoria e prática nos cursos de formação e no traba-
lho dos professores da Educação Básica (GERALDI et. all., 1998;
ANDRÉ, 2001; LÜDKE, 2001; DEMO, 2003; DURAND, SUARY e
VEYRUNES, 2005; PIMENTA e ANASTASIOU, 2005; PIMENTA e
FRANCO, 2008).
O movimento da formação pela pesquisa é eivado de diversas te-
orias e concepções, no entanto, há um conjunto de teorias que se articu-
lam numa concepção que tem se destacado nas políticas, documentos,

178 QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores


Capítulo VIII
Formação de professores, trabalho docente e qualidade do ensino

propostas e projetos e que pretendemos trazer para o debate da dialé-


tica formação-trabalho. No início do texto fizemos uma breve menção
à “epistemologia da prática”, concepção de formação e de trabalho por
meio da pesquisa e da reflexão sobre o fazer do professor, que preten-
demos analisar um pouco mais detidamente neste momento e também
apresentar um contraponto a esta visão – a “epistemologia da práxis” –
nossa concepção de pesquisa como atividade de formação e de trabalho
dos professores.
As denominações professor reflexivo, professor crítico-reflexi-
vo, professor pesquisador, professor investigador, ensejam diferentes
pontos de vista, mas para nós têm a epistemologia da prática como ma-
triz original, o que no nosso entendimento se coaduna e reafirma a for-
mação e o trabalho em bases pragmatistas e neotecnicistas. Busca-se
articular o individual e coletivo na ilusão de que, ao se conscientizar de
suas práticas por meio da pesquisa/reflexão, o professor criará condi-
ções de transformar a si mesmo, melhorar sua própria prática e, conse-
quentemente, a qualidade da aprendizagem escolar.
Geraldi, Fiorentini e Pereira (1998) apontam as contribuições de
Zeichner (1993) como referência para se pensar a pesquisa como pro-
cesso constituinte da formação de professores. Para este autor, a prática
reflexiva é a necessidade de se esboçar hipóteses e tentar resolver dile-
mas da prática. Nesse sentido, a pesquisa-ação torna-se instrumento de
desenvolvimento profissional, permitindo que o professor busque estra-
tégias de transformação, com vistas ao aprimoramento da prática.
Elliot (1990) alerta para a necessidade de não se identificar a
idéia de professor reflexivo com a de professor pesquisador. O autor
faz uma distinção entre a reflexão-na-ação, que, muitas vezes tem sido
confundida com pesquisa-ação, e a pesquisa-ação propriamente dita.
Aponta para a necessidade de articulação entre a pesquisa acadêmica
e a pesquisa dos professores das escolas, para não incorrer no risco, já
existente, de que tais pesquisas sejam consideradas de segunda ordem.
Para este autor, não pode ser muito grande a distância entre os conhe-
cimentos produzidos pelos investigadores e aqueles produzidos pelos
professores.

QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores 179


Sandra Valéria Limonta
Kátia Augusta Curado Pinheiro Cordeiro da Silva

Nesse sentido, Carr e Kemmis (1988) colocam a possibilidade


da pesquisa-ação na prática pedagógica como forma de compreender o
ensino enquanto um permanente processo de construção coletiva, po-
dendo (a pesquisa-ação) constituir-se num meio de reconstrução dos
conhecimentos profissionais, aliando reflexão sistemática sobre a práti-
ca ao estudo teórico.
A pesquisa-ação pode contribuir com a transformação de uma
determinada situação, a partir de um processo em que tanto os sujeitos
envolvidos quanto o problema em questão se modificam em função das
intervenções feitas. Este tipo de pesquisa pode também reforçar a pos-
tura colaborativa entre professores e alunos, contribuindo para o redi-
mensionamento da ação pedagógica e para que o professor se constitua
em um pesquisador de sua prática, mobilizando e (re)construindo sabe-
res, realizando a relação teoria e prática.
Lüdke (2001) adverte para o uso demasiado abrangente do con-
ceito de reflexão, colocando que o recurso da teoria é sempre impor-
tante para que o professor possa compreender e ultrapassar os proble-
mas que limitam seu trabalho. A autora também analisa critérios para a
validação de uma pesquisa, salientando a necessidade da identificação
de critérios que sejam compatíveis com a diversidade de pesquisas que
têm sido realizadas, caso contrário corre-se o risco da pesquisa do pro-
fessor ser considerada de segunda categoria. Nesse sentido, assim como
Elliot, aponta a colaboração entre os dois tipos de pesquisadores, da es-
cola e da universidade, como um caminho possível.
Em sintonia com o atual momento da produção capitalista e da
filosofia neoliberal, há na proposta de formação do professor pesquisa-
dor/reflexivo uma concepção de pesquisa que enfatiza qualidades in-
dividuais e subjetivas materializadas em sua capacidade de realização
pessoal, desconsiderando que o fazer do professor é o resultado de uma
relação orgânica entre formação e condições efetivas de trabalho, ou
seja, a ação docente se dá num conjunto de condições e mediações que
tem sido sistematicamente ignoradas quando se aventam, nas políticas
educacionais, os ideais de formação.

180 QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores


Capítulo VIII
Formação de professores, trabalho docente e qualidade do ensino

Entende-se a prática como objeto de pesquisa do professor, como


ponto de partida e de chegada de um movimento dialético do pensa-
mento, onde ocorre, também, a reflexão sobre os problemas mais urgen-
tes e imediatos. Mas é preciso superar a constatação da realidade, não
basta ter uma atitude investigativa, é necessário teorizar sobre a prática
contextualizada. Caso contrário, a atitude investigativa permanece no
campo da subjetividade.
O pensamento não é dialético, é linear e segue linear até que
seja pensada uma técnica ou uma ação pedagógica, quase um insight,
válido apenas para um determinado problema urgente e imediato. No
nosso entendimento, esse tipo de cognição subjaz à complexidade da
ação educativa, portanto, a atitude investigativa não pode ser entendi-
da como pesquisa e muito menos como teorização. Não concordamos,
portanto, que a reflexão sobre a própria prática seja pesquisa, pois como
bem situam os autores, refere-se a uma atitude investigativa, que resga-
ta o subjetivo no sentido de escolha e experimentação. Nessa forma de
investigar a realidade, a primazia é do sujeito sobre o objeto, é o sujeito
que conhece e cria a realidade (SILVA e LIMONTA, 2012).
Parece-nos, desta forma, que dificilmente o professor rompe
com o senso comum e transforma a realidade. O conhecimento gera-
do e adquirido no senso comum, por sua condição histórica, é capaz de
apreender apenas uma parte do fenômeno, é um saber não sistematiza-
do, que orienta a vida cotidiana e que, portanto, é válido como formula-
ção imediata. O conhecimento científico busca nesse saber informação
para suas pesquisas e, muitas vezes, o conhecimento cotidiano é infor-
mado pelo científico. No entanto há um limite histórico entre o conhe-
cimento científico e o conhecimento cotidiano, uma vez que o conheci-
mento científico busca a superação do senso comum e é este movimen-
to que permite revelar as contradições da realidade (DUARTE, 1996 e
ARCE, 2005).
Os problemas do cotidiano escolar não se originam ou são resul-
tado da (má) organização do cotidiano escolar, muito ao contrário, são
bem mais amplos, são históricos, políticos e sociais. Dificilmente serão
superados em si mesmos e apenas pela ação do professor. Parece-nos

QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores 181


Sandra Valéria Limonta
Kátia Augusta Curado Pinheiro Cordeiro da Silva

que a pesquisa, nesses termos, corre sério risco de ficar no campo da


retórica (nas políticas e documentos) e no campo do voluntarismo (na
ação do professor).
Defendemos a pesquisa no sentido estrito científico como princí-
pio da formação e do ensino. Pesquisar é lançar-se à criação de um cor-
po de conhecimentos sobre certo assunto, com características específi-
cas; não se busca qualquer conhecimento, mas um conhecimento que
ultrapasse a imediaticidade do senso comum e desvele o que há por trás
das aparências da realidade. Pesquisa é elaboração de ciência, de um
conjunto estruturado de conhecimentos que permitam compreender em
profundidade aquilo que se apresenta à primeira vista, utilizando crité-
rios rigorosos baseados em um método de investigação.
É em Gramsci (2000) que nos apoiamos para melhor compreen-
der a importância e a necessidade da pesquisa na formação e na ação
do professor como tarefa epistemológica. A pesquisa permite ao sujei-
to a conquista de um conhecimento crítico, autônomo e criativo, cru-
cial para a liberdade e a afirmação de sentido do trabalho. É necessário,
em primeiro lugar, respeitar o saber popular sem deixar de fazer uma
avaliação crítica das opiniões e crenças aí disseminadas, de modo a es-
tabelecer uma relação dialética com o bom senso, presente na maior
parte dos conhecimentos do cotidiano. Ao mesmo tempo é importante
criar um distanciamento crítico do saber acumulado e transmitido ofi-
cialmente, que não é óbvio e nem natural, mas selecionado, organizado
e administrado por uma classe que visa a precisos objetivos políticos.
A partir desta consciência, as classes populares e seus intelec-
tuais passam a demarcar os elementos de ruptura e superação em re-
lação às concepções dominantes, a operar uma nova síntese, na me-
dida em que adquirem “uma progressiva consciência da própria per-
sonalidade histórica” (GRAMSCI, 1995, p. 54). É indispensável que
a classe trabalhadora e se aproprie e construa o saber elaborado, indi-
cando também que muita energia e trabalho humano são necessários
para esta tarefa.
A formação de professores e o trabalho docente necessitam da
atividade de pesquisa para se constituírem plenamente: como disciplina

182 QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores


Capítulo VIII
Formação de professores, trabalho docente e qualidade do ensino

de estudo; ampliação do domínio em diferentes campos do saber cien-


tífico e pedagógico; criação de técnicas apuradas de ensino e avaliação;
desenvolvimento da capacidade de formular e comunicar conceitos cla-
ros e precisos; reconhecimento dos processos psicológicos de aprendi-
zagem, entre tantos outros conhecimentos importantes para o ensino de
qualidade. Para nós, esta é a concepção de pesquisa que deve nortear a
formação e a ação docente, a “epistemologia da práxis”.
A pesquisa, nestas bases, pode realmente contribuir para a forma-
ção de sujeitos críticos e autônomos, capazes de intervir com qualida-
de e autonomia na realidade das escolas. Nossa concepção de pesquisa
aproxima-se, portanto, do que Gramsci (1995) denomina de emancipa-
ção humana, resultado de um processo intelectual, político, histórico e
social em que o homem conhece a si mesmo no exercício consciente de
produzir sua própria vida e a história.

3. A dialética formação-trabalho e a qualidade do ensino

Nos estudos e pesquisas a respeito da qualidade da educação,


parte-se do entendimento de que a universalização do acesso ao Ensino
Fundamental foi uma conquista política e social para a Educação Básica
pública brasileira, é preciso atentar, agora, para a qualidade da educa-
ção e para a universalização da Educação Infantil e do Ensino Médio
(ALVES e BONAMINO, 2007; FREITAS, 2007; OLIVEIRA, 2007;
DOURADO e OLIVEIRA, 2009; ARAÚJO, 2012).
Entretanto, é preciso ter clareza que a permanência, aprendiza-
gem, progresso, término do nível fundamental na idade-série corres-
pondente e ingresso do estudante no Ensino Médio, conjunto de proces-
sos relacionados entre si e que para nós são indicadores de uma educa-
ção de qualidade, ainda parece estar num horizonte distante. Conforme
Araújo (2012) instituiu-se em nosso país, nas últimas três décadas, um
conceito de qualidade da educação “(...) prisioneiro do desempenho dos
alunos em testes, que só reforçou uma lógica meritocrática e excluden-
te” (p. 191). As avaliações em larga escala do rendimento dos alunos
em testes padronizados, que compõem o Índice de Desenvolvimento da

QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores 183


Sandra Valéria Limonta
Kátia Augusta Curado Pinheiro Cordeiro da Silva

Educação Básica (IDEB), para o autor traduzem concepções oriundas


dos valores e da lógica do mercado e não ajudam as escolas a pensar e a
fazer a qualidade da educação entendida como “qualidade socialmente
referenciada” do ensino e da aprendizagem.
Parece óbvio, mas é preciso afirmar que os testes não produzem,
por si mesmos, avanços na qualidade do ensino e melhoria da aprendi-
zagem dos conteúdos escolares. Tais testes produzem não apenas resul-
tados, mas novas formas de exclusão, ao estimular a competição entre
escolas e entre pares e forçar o professor a desenvolver um trabalho
didático muito próximo do “treinamento”. Acreditar que a qualidade
da educação é o resultado alcançado pelos alunos na Provinha Brasil,
Prova Brasil e ENEM e comparar os IDEBs das escolas, coroa aquilo
que chamamos de “tecnificação do ensino” no item anterior.
Há uma contradição fundamental entre a universalização da
Educação Básica pública e tal concepção de qualidade. Para Oliveira
(2007), a democratização do acesso poderá ser inócua se a agenda po-
lítica e econômica não priorizar altos investimentos na infraestrutura
das escolas e nos professores (formação inicial e continuada, salário
e carreira) – escolas com uma infraestrutura impecável, com profes-
sores preparados e motivados – são esses os indicadores de qualidade
que nossos governantes deveriam buscar. Caso contrário, teremos um
quadro que na verdade já começa a se apresentar: todas as crianças e
jovens estarão na escola, mas não estarão aprendendo e os professores
serão os únicos responsabilizados por isso, encontrando no treinamen-
to para os testes a única forma de “elevar” a qualidade do ensino em
suas escolas.
Há hoje um grande contingente de alunos, procedentes das camadas po-
pulares que vivem o seu ocaso no interior das escolas, desacreditados
nas salas de aula ou relegados a programas de recuperação, aceleração,
progressão continuada e/ou automática, educação de jovens e adultos,
pseudo-escolas de tempo integral, cuja eliminação da escola foi suspen-
sa ou adiada e aguardam sua eliminação definitiva na passagem entre
ciclos ou conjunto de séries, quando então saem das estatísticas de re-
provação, ou em algum momento de sua vida escolar onde a estatística
seja mais confortável (FREITAS, 2007, p. 968).

184 QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores


Capítulo VIII
Formação de professores, trabalho docente e qualidade do ensino

Ainda segundo Freitas (2007), é preciso que a qualidade da edu-


cação seja constituída compreendendo-se a dialética entre os fatores pe-
dagógicos internos à escola e as condições sociais externas a esta. As
políticas educacionais que intentam a melhoria da qualidade da educa-
ção necessariamente devem estar associadas às políticas de redução das
desigualdades sociais. Sem um pesado investimento, uma vez que “(...)
educação (de qualidade) para todos e cada um é cara (...)” (p. 980), cor-
remos o risco de mascarar a baixa qualidade da educação pública op-
tando pelos testes como critério e por seus resultados como padrão de
qualidade. Há muitas variáveis que precisam ser consideradas, o rendi-
mento dos alunos em testes padronizados nacionalmente é apenas uma
delas e a que menos pode nos dizer sobre a qualidade do ensino, pois é
pontual e analisa o produto, não o processo.
Nesse pequeno texto lançamos algumas luzes e direções para en-
frentarmos a questão da qualidade do ensino a partir da dialética forma-
ção-trabalho numa perspectiva crítico-emancipadora. Lutar por uma for-
mação científica rigorosa que emancipe intelectualmente o professor de
tal forma que este seja capaz de ensinar os conteúdos escolares com cla-
reza, construir suas próprias técnicas e avaliações, na contramão dos “pa-
cotes”, apostilas e testes padronizados é lutar por um ensino de qualidade,
por uma educação pública de qualidade, pela dignidade do nosso povo.

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QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores 187


Capítulo IX

DIDÁTICA NA EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA


– UMA REFLEXÃO NECESSÁRIA
Mirza Seabra Toschi (UEG)

Introdução

Fazer um MOOC gratuito, sem notas e certificados, usando REA,


em universidades famosas e com professores de renome, é uma possi-
bilidade concreta para pessoas dotadas de fluência digital, ou seja, que
têm familiaridade com as ferramentas do mundo digital, além de uma
boa conexão à Internet e gosto pelos estudos. Há universidades que ofe-
recem tais cursos, com tutoria e certificado. Nesse tipo de curso, porém,
o mais importante não é a certificação, mas sim o acesso ao conheci-
mento disponível na rede mundial de computadores, bem como a rela-
ção do cursista com esse conhecimento.
MOOC é a sigla referente à Massive Open Online Course, ao
passo que REA resume um termo cunhado pela Unesco em 2012 –
Recursos Educacionais Abertos –, que

são materiais de ensino, aprendizado e pesquisa em qualquer suporte


ou mídia, que estão sob domínio público, ou estão licenciados de ma-
neira aberta, permitindo que sejam utilizados ou adaptados por tercei-
ros. O uso de formatos técnicos abertos facilita o acesso e o reuso po-
tencial dos recursos publicados digitalmente. Recursos Educacionais
Abertos podem incluir cursos completos, partes de cursos, módulos, li-
vros didáticos, artigos de pesquisa, vídeos, testes, software, e qualquer
outra ferramenta, material ou técnica que possa apoiar o acesso ao co-
nhecimento (Unesco/Commonwealth of Learning com colaboração de
Comunidade REA-Brasil, 2011).
Mirza Seabra Toschi

Segundo Mota e Inamorato (2012, p. 7), “a ideia dos MOOC foi


precedida pelo movimento global de Recursos Educacionais Abertos
(conhecido por REA) e que vem ganhando espaço no cenário nacional e
internacional”, como uma possibilidade de criar bens educacionais per-
tencentes à humanidade e que circulem pela Internet.
Cursos MOOC caracterizam-se por dois aspectos: a) acesso aber-
to, sem a exigência de matrícula em uma escola nem de pagamento de
taxas; e b) escalabilidade, que significa que o curso é projetado para su-
portar um número indefinido de participantes, já que é massivo. Embora
algumas instituições possam cobrar taxas de manutenção, esses cursos
são, em princípio, gratuitos e abertos ao público interessado.
Assim, um MOOC é um curso online, aberto e sem pré-requisi-
tos, que usa as redes sociais e diferentes plataformas da web 2.0. Sua
essência, de acordo com Mattar (2012), é o espírito de colaboração.
Utiliza conteúdos já disponíveis gratuitamente na Internet e outra parte
dos materiais pode ser compartilhada pelos participantes, durante o de-
senvolvimento do curso, em posts, blogs ou fóruns de discussão, recur-
sos visuais, áudios e vídeos, dentre outros formatos. (http://joaomattar.
com/blog/2012/03/24/mooc/)

Um MOOC é, pois, um curso online com a opção de inscrição aberta e


livre, um currículo compartilhado publicamente, e que gera resultados
com finais imprevisíveis. Os MOOC integram rede social, recursos on-
line acessíveis e são facilitados por profissionais especialistas na área
de estudo. Mais significamente, os MOOC são construídos por meio do
engajamento dos aprendizes, que auto-organizam sua participação de
acordo com seus objetivos de aprendizado, conhecimento prévio e inte-
resses comuns [...] Os MOOC compartilham algumas das convenções
de um curso regular, como um cronograma pré-definido e tópicos se-
manais para estudo. Geralmente não há cobrança de taxas, não há pré-
-requisito além do acesso à Internet e interesse, não há expectativas pré-
-definidas para participação e nenhuma acreditação formal (há várias
instâncias de MOOCs que são afiliadas a uma universidade e proveem
aos aprendizes uma opção de se inscreverem formalmente no curso e
participar de avaliações para obter créditos) (MCAULEY, 2010, apud
INUZUKA e DUARTE, 2012, p. 197-8).

190 QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores


Capítulo IX
Didática na educação a distância – uma reflexão necessária

Por conta dessa liberdade, conforme Mattar (2012), há também


problemas e desafios a serem superados, nos MOOC:

(...) a falta de estrutura e objetivos de aprendizagem pode gerar uma


sensação de confusão e falta de orientação; a falta de interação cons-
tante com o professor pode resultar numa sensação de falta de guia e
direção; a falta de domínio básico de informática e mesmo do uso de
ferramentas distribuídas em rede podem exigir uma curva de aprendi-
zado inicial; o alto nível de ruído de conversas simultâneas pode gerar
uma sobrecarga cognitiva; e o alto nível de autonomia e autorregulação
da aprendizagem exigido dos alunos pode impulsionar a evasão (termo
que, entretanto, talvez nem faça sentido utilizar, no caso dos MOOCS,
já que os alunos podem se interessar apenas por parte do curso). (http://
joaomattar.com/blog/2012/03/24/mooc/)

Antonio Dias de Figueiredo (2012), discorrendo sobre os MOOC,


defende que esse tipo de curso é disruptivo, ou seja,

A exploração dos cMOOC1 na periferia dos sistemas conservadores vi-


gentes, e o impacto mediático que têm vindo a atrair, conferem-lhes ele-
vado potencial disruptivo. Uma inovação  é disruptiva quando nasce à
margem dos mercados ou sistemas sociais tradicionais e se afirma pela
conquista gradual de clientes ou de utentes que toleram as suas imper-
feições iniciais e contribuem para a sua superação. É exemplo de inova-
ções disruptiva o computador pessoal, que nasceu como brinquedo para
crianças e famílias e que, em cerca de vinte anos, evoluiu ao ponto de
eliminar dos mercados os computadores profissionais. Outro exemplo é
a Internet, que nasceu como mera rede para cientistas, com falhas e ano-
malias frequentes, e se transformou em poucos anos na mais poderosa
rede (de redes) do mundo. (http://moocead.blogspot.com.br/2012/10/
moocs-virtudes-e-limitacoes.html)

Os MOOC já são amplamente usados em outros países, e o


“MOOC EaD” é o primeiro MOOC realizado em língua portuguesa
(http://moocead.blogspot.com.br/#). Seu tema é a Educação a Distância.
Lançado simultaneamente no Brasil e em Portugal, o MOOC EaD tem
curadoria de Paulo Simões (Portugal) e de João Mattar (Brasil) e apoio
Há duas variantes de MOOC, os cMooc e os xMooc. Os primeiros são mais livres, abertos, sem cer-
1

tificação e os xMooc são mais tradicionais, centrados nos conteúdos (FIGUEIREDO, 2012).

QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores 191


Mirza Seabra Toschi

do TIDD (Programa de Pós-Graduação em Tecnologias da Inteligência e


Design Digital) da PUC-SP (Brasil) e da ABED – Associação Brasileira
de Educação a Distância.
Ele foi desenhado como uma experiência orientada e colaborati-
va de construção do conhecimento, com início em outubro de 2012 e,
em maio de 2013, ainda estava em movimento. Usa ferramentas como
o Google Docs, o Moodle, o blog, o Twitter, o YouTube, o Diigo e o
Facebook.
Os materiais do curso têm licenciamento aberto de conteúdo pela
Creative Commons2.
Em outro formato, mas com a mesma intenção de divulgar co-
nhecimentos e socializar gratuitamente seus materiais e cursos, a Unesp
divulga em seu Portal os cursos gratuitos que disponibiliza. Há cursos
abertos, sem acompanhamento de tutoria, sem avaliação e sem certifi-
cação, das áreas de Exatas, Humanas e Biológicas, além de e-books.
O Portal Unesp Aberta (http://www.unesp.br/unespaberta) foi
lançado em meados de 2012, e nele já estão disponibilizados mais de
17 mil itens publicados, entre vídeos, textos, slides, cursos online com-
pletos e e-books, além do fórum ‘comunidades de aprendizagem’. A in-
tenção da universidade, segundo consta em seu site, é que o portal seja
alimentado com todo o material de seus próprios cursos.
Embora não ofereça tutoria nem certificação, a universidade re-
cebeu, no primeiro semestre do programa, mais de 13 mil inscrições (ht-
tps://www.institutoclaro.org.br/blog/portal-lancado-pela-unesp-divul-
ga-cursos-gratuitamente/). São dez cursos da área de Ciências Exatas,
59 da área de Humanas, um da de Ciências Biológicas e nove e-Books
dessa área, além de 13 e-books da área de Exatas, dezenas de e-books
da área de Humanas, biblioteca digital e acervo digital.

Creative Commons é uma entidade sem fins lucrativos criada para permitir maior flexibilidade na
2

utilização de obras protegidas por direitos autorais. A ideia é fazer com que um autor/criador per-
mita o uso mais amplo de seus materiais por terceiros, sem que estes o façam infringindo as leis
de proteção à propriedade intelectual. Com a licença Creative Commons, um compositor pode per-
mitir que outros artistas utilizem algumas de suas composições criando uma mistura de ritmos, por
exemplo. Um escritor pode disponibilizar um artigo e permitir que outros autores o utilizem, seja
publicando em outros meios, seja aplicando parte do conteúdo em um novo texto, seja utilizando o
original, mas efetuando mudanças, enfim. (http://www.infowester.com/creativecommons.php)

192 QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores


Capítulo IX
Didática na educação a distância – uma reflexão necessária

Com o nome de VEDUCA (http://www.veduca.com.br/), a


Universidade de São Paulo iniciou, em junho de 2013, o primeiro
MOOC de nível superior da América Latina, com duas disciplinas:
Física Mecânica Básica e Probabilidade e Estatística. Os alunos são
inscritos numa disciplina com começo, meio e fim, com exercícios a
completar e grupos com os quais deverão interagir. Além disso, podem,
se cumprirem todas as aulas e atividades, submeter-se a uma prova pre-
sencial e receber certificados.
Esses exemplos do MOOC EaD, da Unesp Virtual e do MOOC
no VEDUCA da USP demonstram as mudanças pelas quais passam as
possibilidades de ensino e aprendizagem depois das perspectivas inte-
rativas da rede de computadores. A mediação do professor na relação
aluno/conhecimento pode ou não existir. A certificação não é o mais im-
portante, como tem sido para muitos alunos de cursos presenciais, mas
o que muda intensamente é a noção do tempo e do espaço, e a neces-
sidade de conexão com a Internet. Se para cursos presenciais é preciso
que professores e alunos estejam ao mesmo tempo num mesmo local
previamente combinado, num curso a distância online ou MOOC, a co-
nexão à Internet para fazer o curso precisa ser ótima.
Hoje em dia, cursos podem-se realizar cursos não apenas sem
sair de casa, como também em qualquer momento. Harasim et alii
(2005) observam que a natureza assíncrona das redes aumenta ainda
mais o acesso a bibliotecas, professores, grupos de pesquisa e recursos
de aprendizagem. Dizem ainda que professores e alunos podem contro-
lar o tempo e o ritmo de sua participação, o que difere muito da presen-
cialidade que marca tempo e local de encontro para alunos e professo-
res. A qualidade das trocas acadêmicas, segundo análise de Harasim et
alii, é realçada pela oportunidade de se refletir sobre as mensagens re-
cebidas. Afirmam os autores:

A oportunidade de todos os membros do grupo participarem ativa e


frequentemente não é possível em aulas presenciais, com hora mar-
cada, assim como nem sempre é possível aos alunos refletir e com-
por uma resposta a uma questão ou estudar nas melhores horas para si
(HARASIM et alü, 2005, p. 339).

QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores 193


Mirza Seabra Toschi

O que vale destacar dessa afirmativa é que não se pode abdicar


das relações entre alunos e docentes, mesmo que ocorram de forma vir-
tual, ou até mesmo pela preparação cuidadosa dos materiais, como os
disponíveis nos cursos da Unesp Virtual. Os materiais didáticos de cur-
sos a distância incorporam em si mesmos a comunicação, que é funda-
mental em processos educativos.
Nos espaços virtuais de aprendizagem, as ações pedagógicas di-
ferem daquelas experimentadas nos espaços presenciais, que nos são
mais familiares. Esse novo espaço cognitivo (PETERS, 2009, p. 129),
permeado de tecnologias, justamente pelo uso intensivo delas, não pode
subestimar os processos relacionais nele vividos.
Na CMC - Comunicação Mediada por Computador (HARASIM
et alii, 2005), também chamada de educação online, os espaços de apren-
dizagem têm sido em geral os Ambientes Virtuais de Aprendizagem3
(AVA). Compreendidos como salas de aula virtuais, são espaços de en-
sinamento, aprendizagem, comunicação, relações e trocas.
Os AVA, como ambientes virtuais no ciberespaço4, apresentam,
em relação às salas de aulas físicas, algumas inovações nas formas de
relações educativas, assim como as formações realizadas nas famílias
se modificaram com a existência de escolas, tais como as conhecemos
na modernidade.
Como observa Peters (2009), “o espaço não existe sem a pessoa
que o ‘vivencia’” (p. 135), o que nos remete à compreensão de que a
percepção do espaço, seja ele real, seja físico, concreto, ou virtual, in-
terfere na maneira como se vivencia esse espaço e de como se dão as
relações nele.
Muitos aspectos se alteram nos ambientes das aulas virtuais, pois
estas, em geral, são assíncronas, ou seja, não se marcam horários para
os encontros, sendo que cada aluno acessa a sala no momento mais ade-
3
São vários os Ambientes Virtuais usados no Brasil, tais como o WebAula (pago), o TelEduc (software
livre e gratuito) e o mais usado na atualidade é o Moodle (Modular Object Oriented Dynamic Lear-
ning Environment - software livre e gratuito). Os AVA podem também ser usados como apoio ao en-
sino presencial.
4
Ciberespaço, conforme Lévy (1999, p. 92), é “o espaço de comunicação aberto pela interconexão
mundial dos computadores e das memórias dos computadores”, num processo comunicativo de ‘to-
dos para todos’.

194 QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores


Capítulo IX
Didática na educação a distância – uma reflexão necessária

quado a ele, individualmente. Não há locais específicos, não há a ‘tur-


ma do fundão’, nem ‘os aplicados das carteiras da frente’. Não há fren-
te nem fundo e o professor nem sempre tem local de destaque, pois os
debates entre os alunos podem ser mais ricos que suas exposições. Não
há um livro didático a ser seguido capa a capa, nem um quadro de giz
no qual se anotam as explicações docentes.
Nos AVA que se usam atualmente, as relações ocorrem por meio
da escrita e da leitura, num rompimento com a tradição oral da escola
que conhecemos melhor. Os textos a serem lidos, bem como os víde-
os a serem vistos, estudados e debatidos, podem estar no espaço res-
trito de um AVA, ou disponíveis em toda a rede de computadores, no
ciberespaço, numa amplitude inimaginável. Sem as limitações típicas
das bibliotecas das escolas físicas, esses estudantes têm, a sua dispo-
sição, todas as bibliotecas virtuais que possam acessar, tanto por sua
vontade de estudar, como pela busca do domínio de diferentes línguas.
Entre os idiomas mais utilizados na Internet estão o inglês, seguido
pelo chinês (mandarim), o espanhol e o japonês. O português é o quin-
to idioma mais utilizado na Internet - mais de 82,5 milhões de pessoas
(3,9% do total) utilizam a língua portuguesa para se comunicar e nave-
gar pela web (http://agenciabrasil.ebc.com.br/). No entanto, isso não
garante que os idiomas utilizados nos conteúdos obedeçam a essa or-
dem. Existem, atualmente, mobilizações com o intuito de ampliar os
conteúdos culturais digitais em língua portuguesa na Internet (http://cg-
-conteudos.cgi.br/), uma vez que “cerca de 80% das informações conti-
das em todos os computadores do mundo estão em inglês” (http://www.
sk.com.br/sk-perg16.html#407). Com isso, os internautas que não do-
minam línguas estrangeiras – em especial a inglesa – perdem muito do
que a Internet pode oferecer em termos de textos, vídeos, filmes, músi-
cas, jogos, softwares e objetos educacionais os mais variados possíveis,
a despeito dos tradutores disponíveis no mundo virtual.
Peters (2009) assinala que “a existência da internet e da infovia
permite que todas as distâncias terrestres sejam vivenciadas em fra-
ções de segundo. Espaços digitais de aprendizagem podem de fato abar-
car o mundo [...]” (p. 141). Observa ainda que há autores, como Rolf

QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores 195


Mirza Seabra Toschi

Schulmeister, que usam a expressão “mundos de aprendizagem” (p. 141),


para irem além dos espaços físicos de aprendizagem e mostrar a extensão
ilimitada que as aprendizagens podem ter em tempos de Internet.
Pode ser benéfico e mesmo necessário, destaca Peters (2009),
que os processos de aprendizagem sejam drasticamente inovados, pois,
quando se usa a rede, apenas adaptações não são suficientes, pondera ele.

2. Distância transacional

Nessa linha de raciocínio, segundo o qual existem, entre o ensi-


no presencial e o a distância, diferenças pedagógicas importantes, que
devem ser levadas em conta na elaboração e execução de cursos dessa
natureza, Moore e Kersley (2007) assinalam que a distância geográfi-
ca não é o fator mais relevante nos processos pedagógicos a distância,
embora seja ela que exige posturas mais diferenciadas na relação entre
professor, aluno e conhecimento. Ou seja, a distância produz, nos estu-
dantes, efeitos que precisam ser levadas em conta por quem se propõe
a atuar nesse tipo de ensino. A Teoria da Interação a Distância (2007, p.
239-240) compreende que a distância exerce efeitos não apenas no en-
sino, na aprendizagem e no currículo, mas também no planejamento e
na gestão do curso.
A primeira ideia básica de Moore e Kersley (2007) é de que a dis-
tância é um fenômeno não apenas geográfico, como também pedagó-
gico. Porém, essa “distância física conduz a um hiato na comunicação,
um espaço psicológico de compreensões errôneas entre os instrumentos
e os alunos, que precisa ser suplantado por técnicas especiais de ensi-
no – isso é a Interação a Distância” (p. 240). Esse conceito é apresenta-
do em outras traduções como Distância Transacional e entendido como
espaço psicológico e comunicacional que afeta tanto o ensino com a
aprendizagem.

É um conceito que descreve o universo de relações professor-aluno que


se dão quando alunos e instrutores estão separados no espaço e/ou no
tempo. Este universo de relações pode ser ordenado segundo uma ti-
pologia construída em torno dos componentes mais elementares deste

196 QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores


Capítulo IX
Didática na educação a distância – uma reflexão necessária

campo – a saber, a estrutura dos programas educacionais, a interação


entre alunos e professores, e a natureza e o grau de autonomia do aluno
(MOORE, 2002, p. 2).

Segundo Moore (2002), embora a distância transacional exista


em qualquer programa educacional – até mesmo em cursos presenciais
–, na educação a distância ela é significativamente importante e, por-
tanto, requer estratégias pedagógicas especiais, que compreendam um
conjunto de três elementos: o diálogo, a estrutura do curso e a autono-
mia dos alunos. Ou seja, esses elementos são dependentes da concepção
pedagógica de quem elabora e executa os cursos, a natureza interativa
neles e o nível de autonomia dos estudantes. O diálogo se refere à inter-
-relação de palavras e ações nas interações entre os agentes do processo
educativo. Possui qualidades positivas, pois tem finalidades construti-
vas. Acontece de maneira respeitosa e ativa, e assinala que pode haver
interações negativas ou neutras. Considera diálogo, porém, apenas as
interações positivas, que são direcionadas para a compreensão mútua,
na qual o ouvinte, respeitoso e ativo, elabora e adiciona algo à contri-
buição da outra parte do diálogo.
A estrutura refere-se a elementos do curso, quais sejam: “objeti-
vos aprendizagem, temas do conteúdo, apresentações de informações,
estudos de caso, ilustrações gráficas e de outra natureza, exercícios,
projetos e testes” (p. 242). O autor chama atenção para a importância
de se valorizarem mais esses aspectos do que os meios de comunica-
ção usados nos cursos. Para ele, o projeto do curso, a seleção e forma-
ção dos docentes, assim como o estilo de aprendizagem dos alunos, são
variáveis mais importantes do que os meios usados. No entanto, reco-
nhece que os meios usados, como a televisão, o vídeo, o impresso, o
computador, podem definir o tipo de diálogo. Afirma o autor o seguinte:

(...) meios de teleconferência eletrônica, altamente interativos, espe-


cialmente, meios que utilizam computadores pessoais e audioconferên-
cia, permitem um diálogo mais intenso, pessoal, individual e dinâmico
do que aquele obtido por um meio gravado. Programas que usam tais
meios têm, por isso, maior probabilidade de transpor a distância transa-
cional de maneira mais eficaz do que programas que usam meios grava-
dos (MOORE, 2002, p. 4).

QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores 197


Mirza Seabra Toschi

Entretanto, não são os meios eletrônicos, com potencial alta-


mente colaborativo, que fazem um bom curso a distância, mas sim ou-
tras variáveis, como o projeto do curso e a disposição dos agentes para
o diálogo, bem como a política da instituição que oferece o curso, uma
vez que cursos dialógicos têm custos mais altos do que os massivos,
sem diálogo.
A autonomia, por seu turno, refere-se à escolha a ser feita pelos
alunos, durante o processo de ensino-aprendizagem, acerca dos objeti-
vos, das experiências de aprendizagem e da avaliação. Moore (2002)
destaca que a autonomia do estudante depende de vários fatores, como
a capacidade de diálogo dos docentes, a estrutura do curso e o meio usa-
do. Quanto maior a distância transacional – salienta Moore – mais a au-
tonomia do aluno é requerida.
Entretanto, o mesmo autor assinala que os novos meios eletrôni-
cos, tanto pela sua capacidade de interação, como pelo fato de propor-
cionarem cursos menos estruturados, ampliam a capacidade de diálogo,
justamente por possibilitarem interações de todos para todos, aumen-
tando assim a autonomia dos estudantes. Ou seja, falar em cursos onli-
ne, mediados por computador, com alunos mais autônomos, é um bom
pretexto tema para discussão sobre a didática a ser utilizada pelos do-
centes nesses cursos.

3. Ambientes abertos de aprendizagem

Rocha (s/d), ao refletir sobre o conceito de Ambiente de Gestão


da Aprendizagem – o conceito AGA, ou H, no qual o ambiente de
aprendizagem é toda a Internet –, adverte que esses processos mais
abertos podem causar duas situações. Uma delas é o caso de estudan-
tes inábeis, ainda muito dependentes dos professores e tutores e que,
portanto, requerem muito tempo deles. Outra situação é o inverso, ou
seja, estudantes com maior desenvoltura tecnológica, que se esquivam
da mediação docente e tentam converter o curso em auto-instrucional.
Ambos os casos, diz o autor, requerem atenção e representam um de-
safio ao método H.

198 QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores


Capítulo IX
Didática na educação a distância – uma reflexão necessária

Esses dois casos são desafios também aos cursos mais livres, nos
quais todos os objetivos não são antecipadamente traçados e se deixa
espaço para o exercício da autonomia do aluno. Chartier (1999) alerta
que “a proliferação textual pode se tornar obstáculo ao conhecimento.
Para dominá-la, são necessários instrumentos capazes de triar; classi-
ficar; hierarquizar” (p.99). Em virtude desse oceano de informações,
Dowbor (2001) destaca como essencial que se saiba realizar uma ‘bus-
ca’ às informações presentes nos sites, a fim de encontrar o de que se
necessita, evitando se ‘afogar’ em tantas informações. Espera-se que
esses instrumentos sejam oferecidos pelos professores e discutidos com
os alunos. Segundo Dowbor, essa importante e acelerada dissemina-
ção da informação traz, à educação, desafios e oportunidades (2001).
Desafios, porque o universo de conhecimento está sendo revoluciona-
do de forma tão profunda, que a mudança é questão de sobrevivência.
E oportunidades, porque o conhecimento, matéria prima da educação,
está no centro do desenvolvimento moderno e mais democraticamen-
te disponível.
Pode-se argumentar que na Internet não se tem conhecimento,
mas sim apenas informações. Há dúvidas a respeito disso, pois temos
bibliotecas como a de Londres (http://www.bl.uk/), a segunda maior do
mundo, cujo acervo é todo digitalizado, inclusive livros raros, dos quais
se pode fazer download. As revistas científicas, teses, dissertações e re-
latórios de pesquisa estão disponíveis online para consulta ampliada.
Embora toda essa produção seja considerada conhecimento acadêmico,
não se pode abdicar da reflexão conjunta sobre o que se lê e se estuda.
É no debate e na reflexão conjunta que se atribuem significados aos
conteúdos que se encontram nos sites da Internet. Por isso, mesmo os
cursos online mais abertos não podem abrir mão do diálogo entre pro-
fessores e alunos, alunos e alunos, convidados e alunos. É nesse debate
e na reflexão que se dá sentido aos conhecimentos. Dessa forma, cur-
sos online não podem ser pouco dialógicos, sob pena de perder a essên-
cia do ato educativo, que é parte essencial do ato de aprender e ensinar.
Peters (2009) analisa que nos cursos online não se aprende de
modo sistemático e linear, como ocorre na aprendizagem tradicional

QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores 199


Mirza Seabra Toschi

presencial, e sim de modo ao acaso e intuitivo, hipertextual, ao ‘passar


os olhos’ nos textos a que se tem acesso, entrar nos links que encontra,
levantar questões e ir, por si próprio, em busca das respostas a elas.
A ideia de um currículo prescrito e inflexível não cabe em um
curso a distância online, uma vez que num curso pela web o estudan-
te navega por um oceano de informações que, num curso de concepção
mais aberta, deve prever a possibilidade de sua autonomia na busca a
outras informações, para trazê-las para debate e reflexão com colegas e
professores. Esse aspecto altera radicalmente a concepção de currículo
para cursos a distância (TOSCHI, 2005).
Assim, Peters (2009) conclama os professores a serem protetores
de seus alunos, defendendo-os da ganância dos que fazem educação a
distância para ampliar os lucros e salientando que o exagerado entusias-
mo tecnológico desumaniza o processo de ensino-aprendizagem, além
de não estimular o debate e as relações, o que é prejudicial à educação.
Todavia, frente às condições de vida – em geral – precárias do autor,
que é dos docentes de EAD, nem sempre o professor tem tido condi-
ções de promover esse enfrentamento, de sorte que tanto ele como os
estudantes têm ficado à mercê de empresários de cursos a distância que
visam apenas ao lucro fácil (TOSCHI, 2012).
Ao abordar a maneira como as tecnologias e os diferentes cursos
online são ofertados em ambientes virtuais, Peters (2009) observa que
tanto alunos como docentes são afetados por essa nova forma de fazer
educação.
Para ele,

[...] os estudantes devem estar prontos para e serem capazes de reco-


nhecer metas e possibilidades concretas de aprendizagem com base nas
modificações que podem causar em suas vidas e no trabalho, estar dis-
postos a planejar e organizar sua aprendizagem de forma independente
e a absorvê-la e organizá-la em grande parte independente dos profes-
sores (p. 185).

A conectividade, para Peters (2009), é a característica mais espe-


cífica da educação a distância, uma vez que não ocorre no ensino pre-

200 QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores


Capítulo IX
Didática na educação a distância – uma reflexão necessária

sencial, e permite conexões com outros professores e alunos, transpon-


do o tempo e o espaço, possibilitando a comunicação e a colaboração e
tirando o estudante do isolamento, apontado como um fator negativo da
educação a distância.
O autor lamenta, no entanto, o fato que ele chama de ‘perda
da substância pedagógica’, propiciada pelo contato presencial e di-
reto e num determinado espaço físico dotado de significados, como,
por exemplo, o ambiente de uma universidade. Reconhece, todavia,
que a cultura está se modificando, como se alterou na passagem da
era agrícola para a industrial e na da industrial para a da informação.
Certamente, as novas gerações compreendem essas perdas de uma for-
ma diferente.
Vale destacar, entretanto, que tem sido comum, mesmo nos cur-
sos online, a existência de um polo presencial de apoio aos estudantes,
com tutores também presenciais, que atendam a esses usuários nos en-
contros presenciais, em geral, semanais. Os tutores presenciais esta-
belecem vínculos afetivos com os alunos, mesmo que falhem nos pro-
cessos de sanar dúvidas acerca de conteúdos do curso. Esse contato é
valorizado pelos estudantes de cursos a distância, uma vez que a his-
tória deles como estudantes inclui a figura de um docente para ouvir e
perguntar.
O autor, apesar dessa análise, não perde o otimismo e lembra que
estudantes digitais

viverão e aprenderão alternadamente no espaço virtual e no real. Os


dois terão diferentes efeitos sobre a formação, alteração e proteção de
suas identidades. Os espaços virtuais na verdade oferecem possibilida-
des que não são encontradas em espaços reais (p. 192).

Dessa forma, pelo fato de as mudanças tecnológicas serem rá-


pidas demais, muito mais rápidas do que todas as existentes anterior-
mente, como a escrita, a tipografia, o rádio, o cinema e a televisão,
está havendo uma mudança pedagógica considerável, uma vez que os
espaços virtuais provocam uma ruptura com os espaços concretos de
aprendizagem.

QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores 201


Mirza Seabra Toschi

Percebe-se a necessidade de saber ensinar e aprender, simultane-


mamente, nesses dois ambientes.
Em pesquisa realizada em dez universidades europeias, Imbernón
(2008) concluiu que a maioria dos cursos usava um padrão misto, que
mesclava presencialidade e comunicação mediadas por computador.
Esse padrão era denominado b-learning.
Explicando o significado da expressão, escreve o autor:

O blended learning (ou aprendizado misto) é o resultado do desenvol-


vimento da educação a distância e a incorporação das TIC na educação.
Ele combina os pontos fortes da formação presencial (atitudes de traba-
lho direto e habilidades sociais, assim como a capacidade de estabele-
cer relações interpessoais entre professor-aluno e aluno-aluno), com o
melhor da formação virtual (interação, velocidade, acesso a recursos de
todos os tipos e flexibilidade), dando protagonismo ao contato presen-
cial, que se perde nas ofertas formativas totalmente virtuais. Ao integrar
vários canais de formação, o b-learning permite flexibilidade no proces-
so educacional, adequando-o às necessidades e características dos des-
tinários e permitindo várias formas de interação, tanto de maneira pre-
sencial como virtual (p. 20, tradução da autora desse texto)5.

4. Aprendizagem colaborativa em rede

Educação a distância mediada por computador em rede. Esse é


um termo que define melhor o novo tipo de educação do qual estamos
falando e que propõe a aprendizagem colaborativa, devido às possibi-
lidades tecnológicas existentes. Todavia, as tecnologias existentes e os
modelos pedagógicos inovadores nem sempre caminham lado a lado.
Há exemplos variados de cursos online em que se utilizam modelos pe-
dagógicos nada dialógicos.
El blended learning (o aprendizaje mixto) es el resultado del avance de la enseñanza a distancia y de
5

la incorporación de las TIC’s a la educación. Combina los puntos fuertes de la formación presencial
(trabajo directo de actitudes y habilidades sociales así como la posibilidad de establecer relaciones
interpersonales entre profesor-estudiante y estudiante-estudiante), con lo mejor de la formación
virtual (interacción, rapidez, acceso a recursos de todo tipo y flexibilidad), devolviendo protagonis-
mo al contacto personal-presencial que se pierde en las ofertas formativas completamente virtua-
les. Al integrar distintos canales de formación, el b-learning permite flexibilizar el proceso educativo,
adecuándolo a las necesidades y características de los destinatarios y permitiendo diversas modali-
dades de interacción, tanto de manera presencial como virtual.

202 QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores


Capítulo IX
Didática na educação a distância – uma reflexão necessária

Em obra considerada clássica, Harasim et alii (2005), pioneiros


da educação online nos Estados Unidos e no Canadá, antes mesmo de a
Internet chegar ao Brasil, em meados de 1990, explicam que “as redes
de aprendizagem são grupos de pessoas que utilizam as redes de comu-
nicação mediada por computador (CMC) para aprender juntas, no ho-
rário, local e no ritmo mais adequado para elas e para a tarefa em ques-
tão” (p. 21).
Os autores observam que as rápidas mudanças tecnológicas, que
têm efeitos na economia, no mundo do trabalho e na vida social, cul-
tural e afetiva, “tornaram o aprendizado perpétuo não apenas possível,
mas necessário”, levando as pessoas a buscarem a comodidade dos cur-
sos online.
Devido à diversidade e à infinidade de informações e conheci-
mentos disponíveis na rede de computadores, esclarecem os autores:

Os professores não precisam mais servir de fonte de informações e co-


nhecimento. Embora reconheçam o papel do professor como autorida-
de em informação, vários sistemas modernos de aprendizagem em rede
procuram dar aos alunos mais controle e instrumentos no processo de
construção do conhecimento. As redes também permitem que a educa-
ção se torne interinstitucional, expandindo imensamente o acesso de alu-
nos e professores a recursos de informação e a conhecimento especiali-
zado em todo o mundo, nas melhores instalações disponíveis (p. 339).

A oferta de cursos MOOC, como apresentada no início deste tex-


to, é um indicativo dessa realidade. O Portal VEDUCA disponibiliza
aulas e cursos das 16 universidades mais bem classificadas no ranking
internacional de instituições universitárias, como Berkeley, Harvard,
Oxford, Michigan e outras.
A natureza textual6 e assíncrona da educação online, conforme
salientam Harasim et alii (2004), “permite a cada participante trabalhar
segundo seu próprio ritmo, levando o tempo que for necessário para ler,
refletir, escrever e revisar antes de compartilhar perguntas, insights e
informações com os outros”. (p. 20). A aprendizagem é ativa, segundo
Os Ambientes Virtuais de Aprendizagem oferecem o texto escrito como principal recurso de comu-
6

nicação e interação.

QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores 203


Mirza Seabra Toschi

eles, porque, para ser visto e estar presente, é preciso escrever, e o tem-
po de interação não é limitado como em aulas presenciais7.
Processos educativos colaborativos em rede, embora despertem a
autonomia dos estudantes, não dispensam a mediação docente, como os
processos pedagógicos ensinam. Todavia, essa mediação já não se faz
de forma isolada na relação do aluno com o conhecimento. Analisar as
mediações na perspectiva dos processos de ensinar e aprender implica
entendê-las em sua dupla mediação: a do professor e a do meio a que o
estudante tem acesso (TOSCHI, 2010, p. 6).
Tem ocorrido na atualidade um resgate do aluno como centro
do processo educativo, tal como na escola nova. Todavia, se se fala em
rede, esta não tem centro e isso a caracteriza. Assim, embora a direção
do processo educativo online seja, ainda, creditada ao professor, não
faz sentido apontar um centro para a educação mediada por computa-
dor, cujo processo não se centra no professor nem no aluno. São nós
que estão, ambos, em rede e se relacionam em diferentes direções e ti-
pos de relações.
Se precisar indicar um centro, este seria a comunicação, fator
fundamental nos processos educativos, em especial, mediados por uma
máquina, a segunda mediação. Em cursos com mediação eletrônica, a
mediação docente – a comunicação – precisa primar pela qualidade, ser
mais efetiva, ser “turbinada”.
Ter uma pedagogia da virtualidade (GOMEZ, 2004) pode ser
uma alternativa possível. Essa pedagogia supõe conectividade e solida-
riedade em rede, ou seja, ampla, plural, aberta, rápida, rizomática e li-
bertadora. Detalha a autora Gomez (2004, p. 47):

A Internet oferece ao movimento educativo a possibilidade de atuar


em uma rede solidária ao permitir conexões inéditas, deixando visua-
lizar o poder político dos encontros educativos. É mais do que um en-
contro de massa, quando se percebe que a educação, como ato políti-
co, permite participar na esfera de governo por meio de proposições e
decisões (p. 47).

Os autores alertam, no entanto, que, para cumprir todo esse potencial, são necessários grandes in-
7

vestimentos em infraestrutura, bem como a garantia de conectividade gratuita ou a preços baixos.

204 QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores


Capítulo IX
Didática na educação a distância – uma reflexão necessária

Não apenas em cursos – a distância ou presenciais – os estudan-


tes acessam a Internet, independentemente das orientações docentes.
E sentem prazer nisso. Assim, pode-se dizer que o computador, meio
de acesso aos conteúdos da Internet, torna-se mediação no processo
de aprender. Daí se falar em dupla mediação no processo de aprender:
a mediação do professor e a possibilitada pela máquina conectada à
Internet. Assim, aos professores cabem tarefas mais complexas do que
a transmissão de saberes. Compete-lhes atuar neste espaço de mediação
complexa (TOSCHI, 2010).

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206 QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores


Capitulo X

EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA E DIDÁTICA:


ANOTAÇÕES SOBRE ESPECIFICIDADES
Kátia Morosov Alonso (UFMT)

Ao iniciar os escritos do presente texto pretendia alheamento da


discussão: uso de tecnologias digitais da informação e comunicação -
TDIC – e sua vinculação a modalidade de educação a distancia - EaD.
Isso como decorrência do reducionismo a que se tem submetido à aná-
lise das TDIC nos processos educativo-formativos como de recurso ex-
clusivo da modalidade de EaD, sem considerar suas potencialidades e
limites pedagógicos num âmbito mais amplo e plural. Na perspectiva
do grupo de pesquisa que coordeno – “Laboratório de Estudos sobre
as Tecnologias da Informação na Educação – LêTECE” e coadunando,
por exemplo, idéias trabalhadas por Marí Saez (1999), o reducionismo
antes referido é motivado pelo entendimento predominante que outor-
ga saber instrumental às aquisições de conhecimento. Ademais do cará-
ter instrumental que parece pressupor o uso das TDIC nos processos de
formação, Zuin (2006) aponta também para o fetiche que os artefatos
técnicos assumem no modo de produção atual.
Da mesma maneira, Zuin (2006) chama atenção para “pulveri-
zação da autoridade pedagógica” quando a “comunicação secundária”
se sobrepõe a “comunicação primária”, que no caso da EaD é exer-
cida, como apontado por Scheibe (2006, p. 206) “por profissionais
que realizam fragmentariamente partes da formação, ou seja, quem
não tem condições de interagir com alunos/docentes que delas parti-
cipam”. A autora denuncia a recente experiência brasileira com a EaD
Kátia Morosov Alonso

no ensino superior que ao se apoiar no uso mais intenso das TDIC traz
à cena a desqualificação dos profissionais que, em princípio, acompa-
nhariam os alunos em seus estudos, imputando qualidade duvidosa aos
resultados da formação.
Para o escopo do debate a ser apresentado a definição do mode-
lo ora mencionado é importante para entendermos a natureza massifi-
cadora do ensino disposto pela maioria dos programas/projetos que se
utilizam da modalidade de EaD no país, mais particularmente dos que
se utilizam das TDIC, fazendo retomar discussão do “modelo industrial
de EaD”. Também a questão sobre ser possível ou não aprendizagens
“a distância” é crucial para se compreender diferentes opções institu-
cionais na organização de sistemas para essa oferta, bem como o atra-
vessamento das TDIC no “não presencial”, justamente por não ocorrer
numa relação face-a-face em todo o tempo da formação.
Com isso pretende-se “localizar” a natureza das reflexões aqui
propostas, considerando, em primeiro, lugar, que as teorias clássicas
de aprendizagem não foram transformadas (ao menos até o momento)
pelo uso mais intenso das TDIC como afirmado por Blikstein e Zuffo
(2001). Ao contrario, é por meio da compreensão delas, ou melhor, é
com base em seus princípios que vimos experiências bastante distintas
seja na oferta da EaD ou no uso das TDIC.
Para dar conta então das reflexões em pauta traz-se à cena al-
guns elementos/aspectos tidos como relevantes na discussão sobre uma
“didática na ou da EaD”, com argumentos em favor da constituição de
espaços próprios de ensino/aprendizagem, estes porém como consequ-
ência de escolhas/opções institucionais que ensejam, necessariamente,
concepções, metodologias, instrumentos e técnicas que se associam a
modelos mais ou menos industrializados de EaD.
Além disso, e como veremos mais adiante, a modalidade de en-
sino parece importar pouco se pensarmos os processos de formação
1

associados às mediações necessárias para a constituição de saberes/co-


No texto a referência a “modalidade de ensino” acompanha o que é denominado na legislação em
1

vigor para a EaD. Conforme exposto em trabalho já publicado (ALONSO, 2010) a EaD não consistiria
em “modalidade de ensino”, mas em sistema cuja estruturação/organização traria elementos pró-
prios, estes integrados aos fazeres institucionais.

208 QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores


Capitulo X
Educação a distância e didática: anotações sobre especificidades

nhecimentos significativos e não instrumentalizadores. As pesquisas


parecem mostrar que, por mais informação que venhamos consumir,
não temos garantido a “transformação” dela em conhecimento, existem
processos como Marí Saez (1999) nos ensina que requerem, sim, a in-
tervenção de um outro, ou como o dito por Zuin (2006), que exigem a
“presentificação” do professor. Não se trata aqui de discutir a ação pro-
fissional do professor, mas de assegurar para o aluno elaborações críti-
cas dos conteúdos/informações que chegam até ele.
É, pois, com base no até o momento problematizado que o texto
será desenvolvido.

1. Educação a Distância versus Tecnologias Digitais da Informação e


Comunicação

O advento da globalização, mais precisamente a partir da déca-


da de 1980 do século XX, com o chamado paradigma da sociedade da
informação (Ianni, 1996), para outros a sociedade do conhecimento
(LÉvy, 1993), terminou por impregnar nossas vidas. Seus defensores
propõem novo princípio de estratificação social, porém agora a relação
com os meios de produção não seria o fator relevante para a determi-
nação das relações sociais, as diferenças seriam marcadas pela rique-
za ou carência de informação e conhecimento que possua cada pessoa.
Tal pensamento faz com que o problema da formação, principalmente
a técnica e profissional, seja valorizado, e se institui o uso das “novas
tecnologias” como nova panacéia educativa. Porém, como nos alerta
Martín Rodriguez (1999), na sociedade da informação (e informatiza-
da) as TDIC constituiriam elemento chave e sua incorporação aos con-
textos educativos, em função do modelo econômico atual, implicaria
usos mecânicos e eficientistas, definhando suas potencialidades de uso
mais criativo.
Transcendendo os elementos vinculados às transformações
econômicas, o uso mais intenso das TDIC implica outros tipos de
fundamentos e planejamento nos processos de formação. Na deno-
minada sociedade da informação e do conhecimento a escola per-

QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores 209


Kátia Morosov Alonso

deu o monopólio de transmissora de saber (Martín Rodriguez,


1999), assim, as fontes onde crianças, jovens e adultos buscam e en-
contram informações são muito diversas. Em muitos casos, com o
uso da informática e das redes de comunicação, as informações são
transmitidas com grande eficácia. Parece claro que a escola e os cen-
tros educativos poderiam descobrir ou ressignificar seus papéis ou
funções, de forma que as próprias TDIC fossem usadas com maior
eficácia pedagógica.
A utilização educativo-pedagógica das TDIC, vistas como re-
cursos e materiais, seria congruente com a necessidade de incorporar
aos processos de ensino/aprendizagem codificações diferentes que es-
tariam sendo elaboradas nas distintas manifestações da cultura em nos-
sos dias. A ocorrência de tal fato possibilitaria a constituição de pro-
cessos de mediação cultural mais amplos e variados que os conhecidos
tradicionalmente, primeiro pela transmissão oral e, depois, pela trans-
missão escrita.
Na sequência de tais pensamentos, tem-se posto também que os
novos processos comunicacionais produziriam percepções e constru-
ções diferentes quanto à produção e socialização dos conhecimentos
historicamente acumulados. Ouvimos falar e falamos cada vez mais so-
bre grupos ou comunidades de aprendizagem. (Jonassen, 1995).
Tais mudanças implicam transformações profundas nas insti-
tuições escolares. Transformações que dizem respeito aos processos
mais “operativos” de viabilizar processos de formação que coloquem
em relevo questionamentos sobre a natureza do trabalho docente e
sobre a cultura escolar que possam determinar novo “olhar” sobre a
educação. Se esse é um campo em que se verificam demandas cres-
centes por formação, se as reformas propostas seguem, quase sem-
pre, uma idéia de qualidade fundada na racionalidade administrativa,
mais que na qualidade dos conhecimentos, se é urgente avaliar os ní-
veis de formação da população escolar, se a utilização das TDIC apa-
recem como inexorável, a pergunta é: Qual alternativa seria possível
para, se não solucionar, ao menos minimizar os efeitos dos desafios
até aqui apontados?

210 QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores


Capitulo X
Educação a distância e didática: anotações sobre especificidades

A EaD aparece, cada vez mais, no contexto das sociedades con-


temporâneas, como uma modalidade de educação adequada e desejável
para atender às novas demandas educacionais resultantes das mudanças
na nova ordem econômica mundial.
Nesse sentido, a EaD é muitas vezes entendida como sinônimo
de flexibilidade ou de, por meio dela, se organizarem processos de for-
mação marcados pela autonomia do aluno no processo de ensino/apren-
dizagem em razão da sua característica de separação física entre alunos
e professores. Esse tipo de equívoco está presente em muitas pesquisas
ou estudos sobre a denominada EaD, implicando concepções bastante
confusas sobre o papel do professor e dos processos de autoaprendiza-
gem. (ALONSO, 2008).
O fato é que, com o desenvolvimento da pesquisa e com as trans-
formações impostas pelas novas demandas educacionais, tanto as ins-
tituições que trabalhavam e trabalham com a EaD como as instituições
presenciais tiveram de revisar seus processos educativos, readequando-
-os organizativa e funcionalmente. Assim é que, se a EaD esteve, du-
rante mais de vinte anos, circunscrita às instituições que ofereciam es-
tudos, única e exclusivamente, por meio dela (caso da Open University/
Inglaterra, UNED/Espanha, Téluq/Canadá, entre outras), nos últimos
dez anos temos assistido a uma “explosão” dos denominados sistemas
mistos ou integrados, que combinam atividades de formação presen-
ciais e a distância com uso intenso das TDIC, sem a presença do “pro-
fessor tradicional”, uma vez que nesse tipo de sistema a busca pelo co-
nhecimento seria de responsabilidade de equipe multiprofissionais tra-
balhando em colaboração. (MILL; RIBEIRO; OLIVEIRA, 2010).
Logo, as idéias de um mercado econômico em expansão, de efi-
ciência e eficácia dos sistemas educativos, de imposição de políticas
de acesso e permanência do alunado, do uso mais intenso de TDIC e
de que a escola deva atender, prioritariamente, à sociedade denomina-
da como da informação, aparecem como elementos significativos no
repensar o setor educacional nos dias atuais. É desse lugar que a EaD
surge como modalidade promissora para a implementação de processos
alternativos de formação.

QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores 211


Kátia Morosov Alonso

Mesmo que as reflexões apontadas definam um campo interes-


sante de discussão, é necessário compreender como foi constituído.
Nesse caso, seria preciso sintetizar alguns dos aspectos mais importan-
tes que caracterizam a EaD, trazendo seus conteúdos, conceitos e defi-
nições, bem como a expressão dos debates mais importantes sobre esse
tema, considerando possibilidades e limites em seu desenvolvimento.

2. Educação a Distância e alguns de seus modelos

Uma visão geral das grandes questões presentes no campo da


EaD indica a presença de paradigmas econômicos, institucionais e pe-
dagógicos de qualidade e acessibilidade do alunado como Garrison
(1993) já havia proposto. Não é pretensão esgotar aqui tais discussões.
Contudo, colocar em evidencia campos e elementos que, na atualidade,
são debatidos com maior ênfase no tocante à EaD seria tarefa esclare-
cedora para os fins do presente debate. É, então, com base nessa con-
vicção, que seguimos para definições mais pontuais sobre a modalida-
de de EaD, tentando compor um cenário com aspectos relevantes sobre
esse assunto.
Nas três últimas décadas muito se produziu, falou e se fez na
EaD, tendo como pressuposto, para seu desenvolvimento, modelos de
ensino gerados na economia e sociologia industriais, sustentados pelos
paradigmas fordistas e pós-fordistas de produção. A importância do de-
bate sobre esse tema é essencial, pois são esses modelos que vêm in-
fluenciando desde a elaboração de propostas teóricas até a definição de
políticas e práticas nessa modalidade educativa. Além de influenciar,
também, a proposição de estratégias que afetam a organização do traba-
lho docente e acadêmico, o que inclui a própria elaboração de materiais
didáticos para serem aí utilizados.
O debate sobre os modelos fordistas e pós-fordistas ocorre desde
os anos de 1980 e têm por base o trabalho de Otto Peters. Já nos anos
de 1970, Peters havia desenvolvido análises sobre as características da
EaD, partindo de comparações e analogias com a produção industrial
que seria também identificada no modo de fazer a EaD. Ele estabeleceu

212 QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores


Capitulo X
Educação a distância e didática: anotações sobre especificidades

características que seriam, em sua perspectiva, uma EaD de caráter for-


dista: racionalização, divisão do trabalho, mecanização, linha de mon-
tagem, produção em massa, planejamento, formalização, estandardiza-
ção, mudanças funcionais, objetivação, concentração e centralização.
(Peters, 1989; Belloni, 1999).
Para Peters (1989), o “ensino industrializado”, fundamentado
nas formas técnicas e pré-fabricadas de comunicação, seria a essência
mesma da EaD. Segundo ele, essa modalidade romperia com as carac-
terísticas “artesanais” do ensino presencial na medida em que assimi-
lasse um processo de produção industrial ao trabalhar com dinâmicas
fortemente massificadoras no campo educativo.
Na visão de Stevens (1996), os debates sobre a EaD nos anos
de 1980 refletiriam dois tipos de orientações teóricas predominantes
no campo educacional: por um lado um estilo fordista de educação de
massas e, de outro, a proposição de ofertas educacionais mais abertas e
flexíveis. Belloni (1999) está de acordo com essa análise e acrescenta
ao debate a idéia de que na lógica industrialista, as concepções beha-
vioristas e de educação de massas seriam a base do desenvolvimento de
propostas pedagógicas que permitiriam a criação de sistemas de EaD
fundados na e com base nos conceitos de concepções teóricas de natu-
reza fordista.
Os sistemas formativos ou as formas organizativas de caráter
industrial seriam desenvolvidos com base em um provedor centrali-
zado, operando com exclusividade no ensino a distância, com abran-
gência nacional, realizando economia em escala por oferecer cursos
e programas de ensino estandardizados para um mercado massifica-
do. Um sistema assim organizado exigiria controle administrativo
e divisões de trabalho mais intensos, pois, na perspectiva de Peters
(1989), a produção educativa se fragmentaria em um número cres-
cente de tarefas.
As críticas sobre as formas centralizadas de produção e dos
modelos eficientistas de educação parecem ser bem conhecidas.
(Edwards, 1995; Rumble, 1995; e Sewart, 1993 e 1995). Esses
modelos seriam gerados por um imenso reducionismo pedagógico e

QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores 213


Kátia Morosov Alonso

criativo, na medida em que se perde a consciência do amplo leque de


teorias de aprendizagem e sociais que poderiam embasar experiências
muito diferentes daquelas vivenciadas pela maior parte das instituições
dedicadas à EaD.
A crítica a essa forma de pensar a EaD vem como consequ-
ência de uma série de fatores, entre os quais se destacam: os fracas-
sos educacionais das instituições que fundamentaram seu ensino na
forma industrial de produzir a EaD, manifestados em suas altas ta-
xas de abandono, fator que determina a improdutividade desses siste-
mas (Paul, 1999); as novas pautas educacionais postas a partir dos
anos de 1990, sobretudo as relacionadas às múltiplas competências
que exige o mundo do trabalho na atualidade; a demanda por forma-
ção continuada; as possibilidades de intercâmbios trazidas pelo uso
mais intenso das TDIC que convida pensar processos de formação
mais cooperativos e colaborativos; e, por último, os aportes da teoria
cognitivo/construtivista.
Os processos educativos na atualidade exigiriam, portanto, no-
vos “pactos pedagógicos” com base, sobretudo, na natureza e na fre-
qüência da comunicação entre aluno e professor e as que ocorrem en-
tre os próprios alunos. Nesse caso, trata-se não somente de “oferecer
cursos”, trata-se de que os cursos possam oferecer aos alunos a “opor-
tunidade de compactuar objetivos de aprendizagem que os animem a
empreender análises críticas dos conteúdos que lhes interessem e, fi-
nalmente, que referendem o conhecimento elaborado com o diálogo e
ação.” (Garrison, 1993, p.134).
Para além de tais problemáticas seria necessário entender tam-
bém os processos de trabalho/comunicação que possibilitassem, efeti-
vamente, romper com a característica estandardizada da EaD, buscando
estabelecer diálogo que reconhecesse, em primeiro lugar, as mediações
quando de projetos/programas de formação e, em segundo, as bases co-
municacionais que isso implica.
Se há, portanto, alguma perspectiva de tornar possível a realiza-
ção de processos efetivos de aprendizagem, ainda que não presenciais,
temos de considerar, como faz Zuin (2006), mediações técnicas e o lu-

214 QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores


Capitulo X
Educação a distância e didática: anotações sobre especificidades

gar da “autoridade pedagógica” que concorresse para intervenções ati-


vas por parte dos sujeitos em formação. E, nesse caso, as manifestações
técnicas, bem como a identificação dos mediadores não como recursos,
mas como participantes responsáveis por aprendizagens, definem outro
“modelo” de ensino. Este bastante distanciado do isolamento/solidão e
da autonomia entendida como laissez-faire.
São esses elementos que permitem tratar então do uso mais in-
tenso das TDIC, entendendo-as como recurso metodológico, uma vez
que a organização do trabalho docente e as políticas de formação se al-
teram não pela influência delas, elas se alteram em função dos proces-
sos de transformações complexos por que passa o trabalho de uma for-
ma geral, incluindo aí o do docente. (SOUZA, 2009). Nesta perspecti-
va, a intensificação do uso das TDIC, expressa, em parte, novas dinâ-
micas sociais e a necessidade da assimilação de diferentes códigos e
linguagens na produção e socialização do conhecimento.
Nesse cenário mutante é possível observar a ruptura de dois tipos
de tradições quando há referencia aos sistemas educativos e à profissão
docente. Por um lado rompe-se com a ideia de que toda a transmissão
do saber se daria, predominantemente, por meio da oralidade e da escri-
ta; supondo a invenção de processos de renovações metodológicas em
consonância com as linguagens atualmente utilizadas. A produção e a
socialização do conhecimento suporiam assim novas formas e suportes
nas quais seja possível o uso de diferentes linguagens e códigos utili-
zados, já há algum tempo, por outros agentes de informação e sociali-
zação que não a instituição escolar, independentemente do nível com o
qual atue.
Por outro lado, a ideia do professor como “depositário do sa-
ber” é outra tradição que se rompe. Mesmo que tivéssemos diferentes
organizações do trabalho docente, as instituições escolares, em função
da “instauração” da escola moderna, se organizavam e se organizam
de maneira a “expressar” a centralidade do professor. Com o uso das
TDIC, somos “convidados” a pensar em um “fazer” docente que possa
transcender o “instituído” da verdade possuída, conhecida e transmiti-
da como tal.

QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores 215


Kátia Morosov Alonso

A consciência de que existe uma ruptura singular na forma de se


produzir e socializar o conhecimento e que não existe mais alguém que
possa deter, em si mesmo, o conhecimento produzido ou em produção,
são fatores que determinam enormemente, o ressignificar das práticas
educativas instituídas.
É, então, nessa ruptura que podemos situar as transformações por
que passa o trabalho do docente e consequentemente as práticas edu-
cativas.
Zuin (2006, p. 945) perguntou: “Pode um processo educacional/
formativo ser desenvolvido a distancia?” – no sentido de não se ter
aproximados professores e alunos. Por outro lado, Maraschin (2000,
p.23) perguntara se seria possível aprender a distância. Naquele mo-
mento a autora, apoiando-se em Maturana, já indicava a necessidade de
haver “não-distância” nos processos de ensino/aprendizagem, propon-
do a idéia do encontro como expressão de transformações nos modos de
interagir, conviver e pensar. Compreendendo aprendizagem não como
modificação estrutural do comportamento, mas, sim, de convivência. A
autora traz o uso das TDIC como espaço “possibilitador” de interações,
portanto, de convivências necessárias ao processo antes mencionado.
Esses elementos implicam assim numa conexão forte entre trabalho em
equipe, acompanhamento didático, intervenção pedagógica, aprendiza-
gens individuais e coletivas, e, sobretudo, comunicação “virtual” enten-
dida como potencializadora de “estar com o outro”, no sentido aponta-
do por Lévy (1993).
Se a comunicação virtual concretiza-se em comunicação secun-
dária por não ser presencial (ZUIN, 2006), há, no entanto, nos proces-
sos de formação, um “quê fazer”, diremos docente, que implica, sim,
questionar, posicionar-se, “estar presente” por meio das mediações téc-
nicas que poderia tornar-se algo próximo de uma comunicação primá-
ria, ainda que não “olho no olho”. O ensinamento posto é o de que es-
tas mediações permitiriam aproximação, espaços de convivência, pro-
jeção em comum de saberes e fazeres mesmo que não acompanhadas da
presença “materializada” do outro. Destarte tais elementos, e segundo
Giolo (2008), temos assistido a expansão da EaD no Brasil por impera-

216 QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores


Capitulo X
Educação a distância e didática: anotações sobre especificidades

tivo econômico, com a busca de novos nichos de mercado, sobretudo,


pelas novas demandas educacionais da população que não poderia arcar
com os custos de uma “educação presencial”, redundando em modelos
bastante estandardizados de EaD, convergindo para criação do que de-
nomina de “megauniversidades”. Assim, cada vez mais são “normali-
zados” modelos que não reconhecem no outro “sua autonomia intelec-
tual”, perdendo-se de vista que a relação pedagógica ativa implica ação
do professor no sentido de estabelecer a comunicação necessária para o
desenvolvimento da formação.
Na esteira da expansão da formação por meio da EaD a conse-
quência mais evidente é da oferta de cursos que buscam reduzir cus-
tos, redundando em modelos industriais e industrializados orientados
para uma estandardização que condiciona, igualmente, as relações en-
tre alunos e professores, bem como o modo em que são organizados os
sistemas de ensino. Se em outras experiências com a EaD, mais e mais
são valorizados elementos que coadunem processos efetivos de fazer
conviver e de “presentificação” dos atores de uma formação, por con-
ta da possibilidade de interação e interatividade apoiados pelo e no uso
das TDIC, cria-se, por outro lado, a ilusão de que os processos de tra-
balho intrínsecos a esse uso seriam facilmente customizados, advindo
daí a chance de personalizar uma oferta educativa. Com já nos alerta-
ra Blikstein e Zuffo (2001) experimentamos atualmente ao que os au-
tores denominam de “commoditização” da função educacional, princi-
palmente no ensino superior, que transforma o trabalho do docente em
“linha de produção” especialmente quando dedicado a EaD. Isso tradu-
zido nos pacotes instrucionais e no sobretrabalho acarretado pelo uso
intenso das TDIC.
Para Cecílio e Santos (2009) a emergência das tecnologias antes
mencionadas, constitui novas, outras e diferentes sociabilidades

“[...] como que a confirmar e expressar padrões novos de subjetivida-


des. Novas relações com sociedade em termos de aprendizagem e de-
saprendizagens insinuam-se e confirmam-se. Para muitos, não se tra-
ta de apenas aprender o novo. É mais que isso. Há de se desaprender
o velho. É aí que reside uma das grandes diferenças trazidas pela era

QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores 217


Kátia Morosov Alonso

digital. Para alguns, elas carregam um sentido de ruptura como exis-


tente e de renovação radical. São tecnologias revolucionárias. Elas su-
põem esquecer antigos hábitos, enfrentar o desafio da separação de já
consagrados suportes que davam ao fazer cotidiano uma tranquilidade
aparentemente sem limites. Nessa perspectiva, e de certa forma, para
muitos, as tecnologias viram pelo avesso algumas certezas travestidas
de hábitos e até mesmo consagradas como valores. E isso custa, prin-
cipalmente aos mais velhos e aos migrantes. Aos não nativos da era di-
gital. São outras relações com a informação, são outros os modos de
construir e buscar saberes e conhecimentos.”(Cecílio; Santos, 2009,
p. 192-193).

Se a EaD, como toda e qualquer “educação”, exige trabalho que


congregue aprendizagem individual e coletiva, se há a possibilidade
de presentificação dos atores da formação pelo uso intenso das TDIC,
considerando a necessária convivência e encontros para que se efetive
aprendizagens, pensar nessas novas sociabilidades seria passo impor-
tante rumo a constituição de processos cuja especificidade residiria, na
possibilidade histórica de transgredir tempos e espaços cristalizados na
e pela sala de aula materializada na modernidade.
O que se advoga aqui é a necessidade de se pensar uma EaD que
tenha como principal traço a superação daquilo que não se corporifica
no face a face, mas naquilo que seria essencial ao ensinar e aprender:
as interações entre os sujeitos que aprendem. Daí que uma didática da
EaD mais que problematizar pela distância convida a pensar em como
superá-la, colaborar e cooperar são os verbos que tornam-se a “carne”,
“músculos” mesmo do sentido do aprender. Isso como plausível pelo
uso intenso e transgressor das TDIC.
A EaD não seria, por conseguinte, algo “generalizável” a todo
e qualquer projeto, mas ancorados em determinados fundamentos e
princípios, sua organização, visando integrar o aluno em rede de for-
mação e no insubstituível diálogo para a ocorrência da aprendizagem,
fundaria os preceitos insubstituíveis em sua consolidação.
Nesse movimento de consolidação surgem algumas perguntas
importantes para o “desenho” de sistemas de EaD: Como estabelecer o
encontro que permita o diálogo? Como trabalhar processos que impli-

218 QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores


Capitulo X
Educação a distância e didática: anotações sobre especificidades

quem apropriação e reelaboração de conhecimentos? Como acompan-


har e avaliar estes processos? Entre as principais.
Pensar, pois, em EaD e didática envolve definições que transcen-
dem modelos mais estandardizados, porque não face a face, de oferta
educativa, demandando procedimentos e processos de trabalho que re-
querem compreensão das bases de um aprender ativado pelo sujeito e
das novas sociabilidades como indicado por Cecílio e Santos (2009).
É esse contexto que enleia atributos e qualidades da EaD, expondo uma
de suas especificidades: o atravessamento do uso intenso das TDIC não
mais como elemento de tornar plausível sua consecução, mas o, de fato,
fomentar e instigar a gênese de processos do ensinar e aprender em co-
munidade, numa relação de colaboração e cooperação.

Reflexões finais

Evidente que as proposições em pauta são resultado de reflexões


que consideraram, antes de tudo, apenas os aspectos/elementos vincula-
dos ao uso mais intenso das TDIC na organização de sistemas de EaD,
há outros sem dúvida. A sugestão é a de que o V EDIPE - Encontro
Estadual de Didática e Prática de Ensino, que trouxe a discussão so-
bre a EaD e Didática provoque seus participantes a pensar a EaD como
possibilidade real de oferta educativa, de democratização e de alterna-
tiva importante na formação em nível superior em nosso país. Isto em
consonância com uma qualidade de ensino socialmente emancipadora.
Para tanto a organização das ofertas, longe dos modelos industriais e es-
tandardizados de ensino, conclamam os educadores e, mais particular-
mente nós que com ela trabalhamos, referendar e prever processos que
tragam em si a possibilidade de presentificação com afirmado por Zuin
(2006), ensejando, pelo uso mais intenso das TDIC, maneiras distintas
de participação social, de constituição de identidades e subjetividades
como visto anteriormente.
É, pois, nesse contexto que se pretendeu considerar que ao se in-
troduzir as TDIC no processo do ensinar e aprender elas não se apresen-
tam como coadjuvantes, nem substituem, como afirma Peixoto (2009),

QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores 219


Kátia Morosov Alonso

práticas pedagógicas em uso. Elas permitem na visão da autora, intro-


dução de modos particulares de comunicação na relação professor/alu-
no, saber e instâncias educativas. “Nem instrumento e nem fim em si
mesmas, as TIC podem ser classificadas como elementos fundantes do
processo educacional”. (Peixoto, 2009, p. 226).
Não se trata, por enquanto, de argumentar favoravelmente, ou
não, pelo uso da EaD justamente pela natureza bastante conservadora
que os projetos e programas implementados no ensino superior brasi-
leiro apresentam no momento. A maior parte das instituições trabalha
com base em modelos de natureza fordista e as políticas para o setor in-
dicam para esse tipo de “arquitetura” pedagógica como o é o Sistema
Universidade Aberta do Brasil.
O que se tem apontado como possibilidade é a ideia de não mais
tratar as mediações tecnológicas com exclusividade, mas como alterna-
tiva de estender e amplificar a ação educativa, repensando, nesse con-
junto, práticas pedagógicas. Neste caso, as que reforçam o caráter trans-
missivo da educação e as fundadas em sistemas altamente centralizados
e centralizadores.
O que se tem posto é que se o uso mais intenso das TDIC vier
acompanhado de projetos educativos que referendem visões menos ins-
trumentais da formação e que reconheçam a elaboração do aluno como
parte disso, haveria “lugar”, efetivamente, para tratar das mediações
tecnológicas.
Conforme hipótese apontada por Zuin (2006): a de que se há
êxito em processos de formação ditos “não presencias” isto seria de-
corrente da aproximação, por meio de mediações técnicas, dos agentes
educacionais. Faz relevar também a idéia de “encontro” como espaço
de convivência possibilitado, da mesma maneira, pelas mediações téc-
nicas. Isso requer trabalhar com pequenos grupos, com professores/me-
diadores “presentes” e atentos à elaboração crítica dos alunos. Um fa-
zer pedagógico que enseja mais “presença”, menos centralização e es-
tandardização. A tecnologia que parece “funcionar” é a que se explicita
nas relações estabelecidas entre e pelos agentes educacionais, mesmo
que mediadas tecnicamente.

220 QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores


Capitulo X
Educação a distância e didática: anotações sobre especificidades

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222 QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores


Sobre os Organizadores e Autores

Antonio Flavio Barbosa Moreira


Licenciado em Química pela Universidade Federal do Rio de
Janeiro (1971). Graduado em Pedagogia pela Sociedade Universitária
Augusto Motta (1974). Graduado em Química Industrial pela
Universidade do Brasil (1967). Mestre em Educação pela Universidade
Federal do Rio de Janeiro (1978). Doutor em Educação pelo Instituto
de Educação da Universidade de Londres (1988). Realizou Estágio
Senior Pós-Doutoral no Instituto de Educação da Universidade de
Londres nos períodos de janeiro a março de 2011, fevereiro a março de
2012 e fevereiro de 2013. Foi professor titular da UFRJ, instituição na
qual se aposentou em 2003. Em 8 de outubro de 2012 recebeu o título
de Professor Emérito da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Foi
Vice-Presidente da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa
em Educação (de 2006 a 2009). Foi Secretário Geral da mesma
Associação (2010-2011). É professor titular da Universidade Católica
de Petrópolis, RJ: onde coordena o Programa de Pós-Graduação em
Educação e exerce o cargo de Coordenador Geral de Pós-Graduação
e Pesquisa. Tem experiência na área de educação, com ênfase em cur-
rículo, atuando principalmente nos seguintes temas: escola, teorias de
currículo, prática curricular, história do currículo, multiculturalismo e
formação de professores.
Sobre os organizadores e autores

Elianda Figueiredo Arantes Tiballi


Possui graduação em Pedagogia pela Universidade Católica
de Goiás (1978), mestrado em História pela Universidade Federal de
Goiás (1990) e doutorado em História e Filosofia da Educação pela
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1998). Atualmente é
professora titular do Programa de Pós-Graduação em Educação da
Pontifícia Universidade Católica de Goiás. Tem experiência na área
de Educação, com ênfase em teorias e processos pedagógicos, atuando
principalmente nos seguintes temas: educação, aprendizagem – pro-
cessos e dificuldades, avaliação, fracasso escolar e desigualdade edu-
cativa, educação e imagem.

José Carlos Libâneo (Organizador)


Graduado Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo (1966), mestrado em Filosofia da Educação (1984) e doutorado em
Filosofia e História da Educação pela Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo (1990). Pós-doutorado pela Universidade de Valladolid,
Espanha (2005). Professor Titular aposentado da Universidade Federal
de Goiás. Atualmente é Professor Titular da Universidade Católica
de Goiás, atuando no Programa de Pós-Graduação em Educação, na
Linha de Pesquisa Teorias da Educação e Processos Pedagógicos.
Coordena o Grupo de Pesquisa do CNPq: Teorias e Processos educa-
cionais. É membro do Conselho Editorial das seguintes revistas: Olhar
de Professor (UEPG), Revista de Estudos Universitárias (Sorocaba),
Educativa (UCG), Espaço Pedagógico (UPF), Interface- Comunicação,
Saúde e Educação (Unesp Botucatu), parecerista da Revista Brasilera
de Educação e Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Membro do
Conselho Editorial da Editora Unijui. Pesquisa e escreve sobre os se-
guintes temas: teoria da educação, didática, formação de professores,
ensino e aprendizagem, organização e gestão da escola. Atualmente
desenvolve pesquisas dentro da teoria histórico-cultural, com ênfase
na aprendizagem, ensino e organização da escola. É membro do GT
Didática da ANPEd-Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação
em Educação.

224 QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores


Sobre os organizadores e autores

Kátia Augusta Curado Pinheiro Cordeiro da Silva


Possui graduação em Pedagogia, Mestrado em Educação
Brasileira pela Universidade Federal de Goiás (2001) e Doutorado
em Educação pela Universidade Federal de Goiás (2008). É professo-
ra adjunto - DE da Universidade de Brasília - UnB no Departamento
de Administração e Planejamento - PAD da Faculdade de Educação
e no Programa de Pós-graduação em Educação. Desenvolve e orien-
ta pesquisas na área de Educação, com ênfase em Políticas Públicas,
Formação de Professores e produção do conhecimento científico (pes-
quisa). Coordena o grupo de pesquisa GEPFAPe - Grupo de Pesquisa
sobre Formação e Atuação de Professores/Pedagogos.

Kátia Morosov Alonso


Possui Graduação em Pedagogia pela Universidade Federal de
Mato Grosso (1985), Mestrado em Educação pela Universidade Federal
de Mato Grosso (1992) e Doutorado em Educação pela Universidade
Estadual de Campinas (2005). Atualmente é professora adjunta da
Universidade Federal de Mato Grosso. Docente do Programa de Pós-
Graduação em Educação - PPGE - do Instituto de Eucação da UFMT.
Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Educação a
Distância, atuando principalmente nos seguintes temas: experiências
em EAD/ tecnologias, uso das tecnologias da informação e comunica-
ção - TIC - na educação. Trabalha, atualmente, com pesquisa sobre as
TIC, com foco nos processos de interação e mediação.

Léa das Graças Camargos Anastasiou


Graduada em Pedagogia pela Universidade de São Paulo (1975),
com especialização em Tecnologia Aplicada ao Ensino Superior e
Psicodrama Pedagógico, mestrado em Educação pela Universidade
Federal do Paraná (1990), doutorado em Educação pela Universidade
de São Paulo (1997) e pós-doutorado em Educação pela Universidade
de São Paulo (2002). Professora aposentada pela Universidade Federal
do Paraná, atuou como consultora para reforma curricular em ma-
triz integrativa do Curso de Medicina da Universidade Federal de

QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores 225


Sobre os organizadores e autores

Santa Catarina, na Estadual de Londrina, na Unochapecó e no Curso


de Enfermagem da USP. Atuou no Curso de Pedagogia Universitária
para docentes, coordenadores e assessores pedagógicos na USP, de
2007 a 2009. Em 2011 atuou junto ao Curso de Medicina da UFG,
de Enfermagem e Medicina da Famema e cursos da área de Saúde da
UNB. Participa da Pesquisa Avaliação das Mudanças Curriculares e
Indicadores de Metacognição na graduação em Saúde, e pesquisa tam-
bém reorganização de currículos em processos integrativos, em parceria
com corpo docente institucional. Tem experiência na área de Educação,
com ênfase em Métodos e Técnicas de Ensino, atuando principalmente
nos seguintes temas: ensino superior, processo de ensinagem, diretrizes
curriculares, aprendizagem e metodologia, metodologia de ensino su-
perior e formação continuada do docente universitário e papel pedagó-
gico das coordenações de curso.

Maria Rita Neto Sales de Oliveira


Possui graduação em Pedagogia (Bacharelado e Licenciatura)
pela Universidade Federal de Minas Gerais (1970), graduação em
Comunicação Social pela Faculdade de Filosofia da Fundação Cultural
de Belo Horizonte (1990), mestrado em Educação – Metodologia de
Ensino pela Universidade Federal de Minas Gerais (1980) e doutora-
do em Filosofia (Phd.) com concentração em Instructional Design, e
dominio conexo em International Intercultural Development Education
- Florida State University (1985). Realizou estágios de pós doc e pós
doc sênior na PUC/SP, áreas: Currículo, Ensino e Educação profissio-
nal (Trabalho e Educação) e na Universidade do Minho em Portugal,
na área de ensino e currículo. Professora Titular aposentada da UFMG,
é Professora Associada do Centro Federal de Educação Tecnológica
de Minas Gerais. Tem experiência na área de Educação, com ênfa-
se em Ensino-Aprendizagem e Educação Profissional e Tecnológica,
atuando principalmente nos seguintes temas: formação de professo-
res da educação profissional, teoria da didática e formação tecnológi-
ca. Entre suas produções tecnicas principais encontram-se: participa-
ção na Comissão de Avaliação (Pós-graduação) da CAPES, participa-

226 QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores


Sobre os organizadores e autores

ção no Comitê Científico da área de Educação do CNPq. De 2003 a


2010, esteve participando em equipes de consultoria do MEC/SETEC,
para definição de políticas publicas na área da Educação Profissional
e Tecnológica. Também desde 2003, desenvolve pesquisas sobre
Formação de Professores da Educação Profissional e Tecnológica, a
maioria com financiamento do CNPq e da FAPEMIG. Em 2007, co-
ordenou o Projeto interinstitucional Formação e produção científica e
tecnologica na Educação Profissional integrada à Educação de Jovens
e Adultos, envolvendo: CEFET-MG, FaE-UFMG, UFV, UEMG e o
CEFET de Januária, no âmbito do Programa de Apoio ao Ensino e à
Pesquisa Científica e Tecnológica em Educação Profissional Integrada
à EJA - PROEJA - CAPES/SETEC. Em 1º de outubro de 2011, foi no-
meada membro da Câmara de Assessoramento (CHA) da FAPEMIG.

Marilza Vanessa Rosa Suanno (Organizadora)


Professora e pesquisadora da Universidade Estadual de Goiás
- UEG e da Universidade Federal de Goiás - UFG. Graduação em
Pedagogia pela Universidade Federal de Goiás (1994). Mestrado em
Educação Superior pela Universidad de la Habana (Cuba/2003) re-
validado pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (2006).
Doutorado sanduíche na Universidad de Barcelona (UB). Membro
da Rede Internacional de Ecologia dos Saberes: uma comunidade de
conhecimento para uma nova consciência (RIES Coord. UCB/Brasil
e UB/Espanha). Coordenadora de Projetos de Pesquisa do Comitê
Executivo da Rede Internacional de Escolas Criativas: construindo a
escola do século XXI (RIEC Coord. UB/Espanha). Tem experiência na
área de Educação, atuando principalmente nos seguintes temas: edu-
cação, educação superior, didática, formação de professores, políticas
públicas, estágio supervisionado, Epistemologia da Complexidade e
transdisciplinaridade.

QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores 227


Sobre os organizadores e autores

Mirza Seabra Toschi


Possui graduação em Comunicação Social (habilitação Jornalismo)
pela Faculdade de Comunicação Social Casper Líbero/SP (1981), gra-
duação em Ciências Sociais pela Faculdade de Filosofia de Passos/MG
(1988), mestrado em Educação pela Universidade Federal de Goiás (1993)
e doutorado em Educação pela Universidade Metodista de Piracicaba/
SP (1999). Atualmente é docente de ensino superior da Universidade
Estadual de Goiás, onde coordena o Mestrado Interdisciplinar em
Educação, Linguagem e Tecnologias da Unidade Universitária de
Ciências Socioeconômicas e Humanas. Faz parte do Conselho Editorial
das revistas: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos (REBEP/INEP),
Plurais (UEG Anápolis), Inter-ação (FE/UFG Goiânia) e Verbus Digital
(UFT). Foi coordenadora do GT Educação e Comunicação da ANPEd
(2001-2002). Tem experiência na área de Educação, com ênfase em
formação de professores, atuando principalmente nos seguintes temas:
educação distância, tecnologias na educação, jovens e as tecnologias e
políticas educacionais. Em 2010, fez estágio de pós-doutoramento, na
FE/UnB, com a supervisão de Ilma Passos A. Veiga, pesquisando a do-
cência nos ambientes virtuais de aprendizagem. 

Olinda Evangelista
Possui graduação em Filosofia pela Universidade Federal
do Paraná (1980), mestrado em Educação: História e Filosofia da
Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1988)
e doutorado em Educação: História, Política, Sociedade pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo (1997). Realizou Estudos Pós-
doutorais na Universidade do Minho, Portugal, em 2004. Atualmente
é Professora Associada III da Universidade Federal de Santa Catarina.
Leciona no Curso de Pedagogia e no Programa de Pós-Graduação em
Educação do Centro de Ciências da Educação-UFSC. Tem experiên-
cia na área de Educação, com ênfase em Política da Educação, atuan-
do principalmente nos seguintes temas: política educacional, Curso de
Pedagogia e formação docente. Coordena o Grupo de Estudos sobre
Política Educacional e Trabalho GEPETO/CED/UFSC.

228 QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores


Sobre os organizadores e autores

Sandra Valéria Limonta (Organizadora)


Licenciada em Pedagogia pela Universidade Federal de Mato
Grosso do Sul (UFMS, 1998); mestre em Educação pela Universidade
Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP-Marília, 2001); dou-
tora em Educação pela Universidade Federal de Goiás (UFG, 2009).
Professora adjunta da Faculdade de Educação da Universidade Federal
de Goiás (UFG) no curso de Pedagogia e no Programa de Pós-Graduação
em Educação (linha de pesquisa Formação, Profissionalização Docente
e Práticas Educativas). Áreas de ensino e pesquisa: Trabalho docente e
formação de professores; Didática; escola de tempo integral. 

Selma Garrido Pimenta


Possui graduação em Pedagogia pela Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo (1965), mestrado em Educação: Filosofia da
Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1979)
e doutorado em Educação: Filosofia da Educação pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo (1985). Atualmente é Professor
Titular da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo
- FE-USP. Coordena (em parceria) o GEPEFE - Grupo de Estudos
e Pesquisas sobre Formação do Educador desde 1989, junto ao pro-
grama de Pós Graduação em Educação - FEUSP. Foi coordenadora
do Programa de Pós Graduação em Educação na FE-USP (1997/99)
e Diretora da FE-USP (2002-2005). Foi Pró Reitora de Graduação
da USP (2006-2009). Atuou como Membro do Comitê de Avaliação
da área de Educação junto à CAPES (2001-2003). É Membro do
GT Didática da ANPEd - Associação Nacional de Pós Graduação e
Pesquisa em Educação, do qual foi coordenadora (1996-1999) e re-
presentou-o como Membro do Comitê Científico da ANPEd (por qua-
tro anos). Como pesquisadora, atua nos seguintes temas: formação de
professores, didática, pedagogia e pesquisa educacional. As pesquisas
mais recentes são no campo da Pedagogia Universitária e Docência no
Ensino Superior. É Pesquisador 1 A CNPq.

QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: Políticas educacionais, didática e formação de professores 229


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