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CARDEAL CAETANO

ANALOGIA DOS NOMES

Capítulo 1.
Quantas analogias existem, junto com a declaração do
primeiro modo.
1. Enviado tanto pela obscuridade do assunto quanto pela carência de
livros profundos quanto a ele na nossa época, pretendo fazer um tratado, por
conta desta carência, sobre a analogia dos nomes. Mesmo assim, é tão
necessária a sua ciência que, sem ela, ninguém poderia aprender sobre
metafísica, e muitos procederiam erroneamente em outas ciências. Mas se
em qualquer tempo houve falta do conhecimento da analogia, é claramente
a situação de agora, quando os autores fazem com que a analogia consista
duma indisjunção, ou duma ordem, ou dum conceito prociso com unidade,
ou duma participação desigual... Pois será evidente a partir do que será dito
que tais opiniões desviam-se abruptamente da verdade.
2. A palavra “analogia” significa agora certa proporção ou
proporcionalidade (como tomamos dos gregos). Ainda assim, ela é tão
sujeita a distinções e tão abrangente que chamamos muitos nomes de
análogos de forma abusiva, e a confusão se manifestaria ao tentarmos unir
estas tantas distinções. Ainda assim, para que não negligenciemos o
principal objetivo por uma investigação do que é apenas duma importância
secundária (e sermos acusados de usar uma terminologia peculiar),
incluiremos todas as variações sob uma tríplice divisão, e procederemos
destes termos que são menos propriamente análogos aos que são mais
verdadeiramente análogos.
3. Portanto, todos os análogos se reduzem a três modos de analogia,
a saber: à analogia de desigualdade, analogia de atribuição, e a analogia de
proporcionalidade. Contudo, segundo a verdadeira propriedade da palavra e
o uso de Aristóteles, somente o último modo constitui analogia, e o primeiro
é completamente estranho ao conceito de analogia.
4. Chamam-se análogos segundo a analogia aquelas coisas cujo nome
é comum e a razão segundo aquele nome é completamente a mesma, mas é
desigualmente participada. E falamos da desigualdade de perfeição, como o
nome “corpo” é comum aos corpos inferiores e superiores, e a razão de todos
os corpos (enquanto são corpos) é a mesma. Pois se alguém nos perguntasse
o que é o fogo enquanto corpo, deveríamos lhe dizer “uma substância sujeita
a três dimensões”, e a mesma resposta a quem pergunta “o que é o céu
enquanto corpo” etc. Ainda assim, a razão da corporeidade não está nos
corpos inferiores e superiores segundo uma igual perfeição.
5. Tais análogos o lógico chama de unívocos, e o filósofo de
equívocos, uma vez que aquele considera as intenções dos nomes, e este as
naturezas. Donde no X Metafísica text. ult. Aristóteles diz que nada há de
comum e unívoco ao corpo corruptível e incorruptível, desprezando a
unidade de razão ou do conceito somente. E no VII Física text 13. é dito que
na analogia segundo o gênero escondem-se as equivocações, porque tal
analogia não dita uma natureza simplesmente una com uma unidade de
conceito, mas abrange sob si muitas naturezas que têm uma ordem entre si,
como evidente entre as espécies de qualquer gênero, as especialíssimas e as
mais subalternadas, pois todo gênero pode ser chamado de análogo deste
modo (ainda que não seja muito comum e apropriado chama-lo assim),
como evidente da quantidade e da qualidade nos predicamentos, e no corpo,
etc.
6. Santo Tomás chama esta analogia no I Sent. dist. 19 de analogia
segundo o ser somente, já que os analogados se igualam na razão significada
através daquele nome comum, mas não se igualam no ser daquela razão.
Pois a razão de qualquer gênero tem o ser mais perfeito em um sujeito que
em outro, como frequentemente vemos na metafísica. Pois não somente a
planta é mais nobre que os minerais, mas a corporeidade na planta é mais
nobre que a corporeidade dos minerais, e etc.
7. Averróis também no XII metafísica text. 2 dá testemunho desta
analogia, dizendo que a unidade do gênero permanece com a anterioridade
e posterioridade daquelas coisas que estão sob o gênero. Portanto, estes aí
são chamados de análogos porque aquele nome comum lhes é dito segundo
o anterior pela ordem de perfeição, considerados na perfeição desigual dos
inferiores, é claro. E por isso é quase que sinônimo dizermos que algo é dito
analogicamente e segundo o anterior e posterior.
Mesmo assim, nisto consiste o abuso das palavras, já que ser dito
segundo o anterior e o posterior é mais amplo que ser dito analogicamente.
Mas o modo como se encontram nestes análogos a unidade, a abstração, a
predicação, a comparação, a demonstração etc. não é necessário determinar,
pois são unívocos segundo a verdade, e as regras dos unívocos lhes se
aplicam e servem.

Capítulo 2.
A analogia de atribuição: o que é, por quantos modos
ocorre, e quais suas condições.
8. Os análogos segundo a atribuição são aqueles cujo nome é comum,
a razão segundo aquele nome é a mesma segundo o termo, e diversa segundo
as relações a ele: assim, “saudável” é um nome comum ao medicamento, à
urina e ao animal, e a razão de todos enquanto são saudáveis dita relações
diversas a um só termo (à saúde, a saber). Pois se alguém assignasse o que
é o animal enquanto é são, diria “é o sujeito da saúde”, porém que a urina
enquanto saudável é o sinal da saúde, e o medicamento enquanto saudável
é a causa da saúde. Onde é claramente é evidente que a razão de “saudável”
nem é completamente a mesma, nem completamente diversa, mas a mesma
segundo algo [o termo] e diversa segundo outro [as relações àquele termo].
9. Esta analogia pode ocorrer de quatro maneiras, segundo os quatro
gêneros das causas) chamando por agora de causa exemplar a causa formal).
De fato, acontece de muitas coisas se relacionarem diversamente a um fim,
a um eficiente, a um exemplar e a um sujeito segundo uma só denominação
e atribuição: como evidente a partir dos exemplos de Aristóteles no IV
Metafísica 2: pois à causa final pertence o exemplo do saudável no III
Metafísica text 2., à eficiente o exemplo do medicinal, à material a analogia
do ente posta no mesmo lugar, e à exemplar a analogia do bem, posta no I
Ética cap. 7.
10. Atribuem-se a esta analogia muitas condições que se ordem entre
si subsequentemente: a saber, que esta analogia seja segundo a denominação
extrínseca somente, de modo que somente o primeiro dos analogados seja
formalmente isto e os outros sejam denominados isto somente
extrinsecamente. Pois o animal é formalmente saudável, mas a urina, o
medicamente e etc. são denominados saudáveis não pela saúde inerente
neles, mas extrinsecamente por aquela saúde do animal, significativamente
ou causalmente, ou de outro modo. E semelhantemente o mesmo do
medicativo e da substância, que estão formalmente no primeiro, porém nos
outros é denominado por uma significação denominativa e extrinsecamente.
A razão do bem também se conserva n’Aquele que é bom por essência, em
exemplar do qual os outros são denominados bons, e se encontra
formalmente só no primeiro bom, porém nos outros são chamados bons
segundo aquele bom por uma denominação extrínseca.
11. Mas devemos advertir diligentemente que esta condição de tal
analogia, a saber, que não seja segundo o gênero da causa formal inerente
mas sempre segundo algo extrínseco, deve ser entendida formalmente e não
materialmente: isto é, não deve ser entendido em virtude de que todo nome
que é análogo por atribuição seja comum aos analogados de modo que
convenha formalmente sempre e somente ao primeiro, e nunca aos outros,
senão e somente e sempre por denominação extrínseca, como acontece com
o são e o medicinal: pois esta universal é falsa, como evidente do ente e do
bem, pois não pode se tomar dos ditos senão materialmente entendidos. Mas
isto deve ser entendido como se todo nome análogo por atribuição enquanto
tal (enquanto análogo), é comum aos analogados enquanto tais, que convém
formalmente ao primeiro, e aos outros por denominação extrínseca.
Por conseguinte, isto é verdadeiro segundo um entendimento formal
do que já foi dito, e se segue manifestadamente disso. Pois o ente, ainda que
convenha formalmente a todas as substâncias acidentes etc., ainda assim,
segundo uma razão, enquanto são chamados de entes pelo ente considerado
subjetivamente enquanto tal, somente a substância é ente formalmente, e os
outros porque são atributos e gerações do ente; mas segundo uma outra
razão, todos podem ser chamados entes formalmente.
12. E desta condição frequentemente infere-se outra, a saber: que
aquilo, ao qual as relações diversas em tais analogados terminam, é uno não
somente pela razão, mas numericamente. Isto pode ser entendido de duas
maneiras, à medida em que os analogados podem ser assumidos de duas
maneiras: a saber, universalmente e particularmente.
Pois se os analogados são assumidos particularmente, aquele termo é
necessariamente numericamente uno verdadeiramente e positivamente. Se,
porém, são assumidos universalmente, aquele termo é necessariamente uno
numericamente negativamente, isto é, não é numerado naqueles analogados
enquanto tais, ainda que em si seja algum universal e não numericamente
uno. Por exemplo, se nós tomamos esta urina saudável, este medicamento
saudável e este animal saudável, todos estes são chamados de saudáveis pela
saúde que está neste animal, a qual consta que é numericamente una
verdadeiramente, pois Sócrates é chamado de saudável porque tem esta
saúde, e o medicamento porque faz esta saúde de Sócrates, e a urina porque
significa a mesma saúde, etc.
Se, porém, assume-se o animal saudável em universal, e a urina
saudável em universal, e o medicamento saudável em universal, assim,
formalmente falando, a saúde pela qual tais são chamados saudáveis não
numericamente una em si, já que causas universais devem ser comparadas a
efeitos universais, como dito no II Física text. 39. E o mesmo dos sinais, dos
instrumentos e dos conservativos, etc.; mas é negativamente una nos
analogados, pois a saúde não se multiplica pelo animal, a urina e a dieta, já
que não há uma sanidade na urina, e outra no animal e outra na dieta.
13. E esta condição se segue da precedente, já que o comum segundo
a denominação extrínseca não enumera aquilo pelo qual a denominação é
assumida nos denominados, diferente do unívoco que é multiplicado em
seus univocados: e por conta disto é chamado de uno somente pela razão, e
não numericamente uno em seus univocados. Pois uma é a animalidade do
homem, e outra a do cavalo, e outra a do boi, mas se unem pelo nome de
animal em uma só razão.
14. Desta condição infere-se outra, a saber: que o primeiro analogado
é posto na definição dos outros segundo aquele nome análogo, já que os
outros não recebem aquele nome senão por atribuição ao primeiro em que
formalmente se realiza a razão dele. Portanto, a saúde do animal cai na razão
do medicamento, da dieta, da urina enquanto são saudáveis: e sem aquela
saúde, os outros não poderiam ser entendidos. E o mesmo se diga dos outros.
15. Desta condição se segue outra, que o nome considerado enquanto
análogo não tem um certo significado comum a todos os modos parciais
dele, ou a todos os analogados. E consequentemente, nem tem um conceito
objetivo nem um conceito formal que abstraia dos conceitos dos analogados;
mas somente a voz, que possui uma identidade de um nome diversamente
relacionado, é que é comum: de modo que, já que nesta analogia há três
elementos, a saber, a voz, o termo e as diversas relações a ele, o nome
análogo significa distintamente o termo, como o saudável a sanidade, mas
importa diversas relações dum modo tal indeterminado e confuso que
demonstra o primeiro distintamente ou quase-distintamente, porém os
outros confusamente e por redução ao primeiro. Pois o saudável confunde
em uma só voz que implica distintamente na saúde as diversas relações a
ela, como possuí-la, significa-la, causa-la, etc., de maneira que signifique
distintamente a primeira relação, a saber, a de posse ou a de estar sujeito
(pois chamamos de absolutamente saudável o que tem a saúde, como um
sujeito), e importa as outras relações indeterminadamente e por atribuição à
primeira, como do sobredito resulta.
16. E por conta disto três coisas são ditas de tal análogo: a saber, 1.
que é comum a todos os analogados não segundo a voz somente, e 2. que,
se usado simplesmente, toma-se para o analogado primário, e 3. que nada
há de anterior ao primeiro analogado, em que se realiza formalmente toda a
sua razão. O termo análogo, significa o analogado primário numa maneira
mais especial e não possui um significado que transcende todos os
analogados.
17. esta analogia é dividida por Santo Tomás em analogia de dois a
um terceiro, como da urina e do medicamento ao animal saudável, e em
analogia de um a um outro, como da urina ou do medicamente ao animal
saudável.
18. E esta divisão não tem outros membros diferentes dos que já
foram ditos, pois esta abrange a analogia segundo todos os gêneros das
causas. Ela é feita para demonstrar que o termo análogo é tomado numa
maneira diferente quando, por um lado, o analogado primário é postulado
como um extremo e os outros analogados como o outro, e quando, por outro
lado, um dos analogados secundários é postulado como um extremo e o
outro como outro extremo, não importando de acordo com que gênero de
causalidade a analogia se toma. Pois ao analogado primário e os outros o
termo análogo é comum de tal maneira que não postule ou signifique nada
anterior a eles, e por esta razão é chamado de analogia de um a outro,
diferente do analogado primário sendo identificado com o um. Aos
analogados secundários, contudo, o nome análogo é comum de modo que
ponha algo anterior a eles: a saber, aquilo primeiro ao qual todos os outros
secundários são atribuídos. E é chamado de analogia de dois a um terceiro,
ou de muitos a um, porque não há uma atribuição entre si, mas a um
primeiro.
19. Estes análogos são chamados pelo lógico de equívocos, como no
princípio do Categorias, onde o animal é chamado de equívoco ao animal
verdadeiro e à pintura do animal. Pois a pintura dum animal não é chamada
de animal num sentido puramente equivoco, mas por atribuição ao animal
real. E é certamente evidente que na razão da pintura dum animal enquanto
é animal, um animal verdadeiro é inteligido. Pois àquele que pergunta “o
que é o animal pintado enquanto animal?” responderíamos: “a imagem do
animal verdadeiro”.
20. Porém pelos filósofos gregos, as expressões de um, em um e para
um jazem entre os termos equívocos e unívocos, como muitas vezes é
evidente no Metafísica, e expressamente no I Ética tais nomes se distinguem
dos análogos, como será dito com maior atenção abaixo. Porém pelos latinos
são chamados de análogos ou equívocos por conselho.
21. Santo Tomás chama esta analogia no I Sent. dis. 19 q. 5 a. 2 ad 1
de analogia segundo a intenção e não segundo o ser: já que o nome análogo
não é aqui comum segundo o ser, isto é, formalmente, mas segundo a
intenção, isto é, segundo a denominação. Pois é evidente a partir do que foi
dito que nesta analogia o nome comum não se realiza formalmente senão no
primário, porém é dito dos outros por denominação extrínseca. E por isso,
entre os latinos, é chamado de analogia: porque ditam proporções diversas
a uma coisa, estendendo o nome “proporção” a toda relação. Ainda assim, a
locução é abusiva, ainda que menos que a primeira.
22. Como, porém, há ciência de tais analogados, é evidente, por causa
de Aristóteles, as contradições e demonstrações, as consequências e outras
coisas como tais que se dizem deles, pois é necessário distinguir antes as
significações diversas (e por conta disso foram chamados pelos árabes de
ambíguos), e assim proceder de um a outro, como se procede do centro à
circunferência por diversos caminhos.

Capítulo 3.
Da analogia de proporcionalidade: o que é, quantas é, e
qual é a única chamada propriamente de analogia.
23. Portanto, subindo dum uso abusivo da analogia à uma analogia
própria, dizemos: chamam-se análogos segundo a proporcionalidade
aqueles cujo nome é comum e a razão segundo aquele nome é
proporcionalmente a mesma. Em outras palavras: chamam-se análogos
segundo a proporcionalidade aqueles cujo nome é comum e a razão segundo
aquele nome é similar segundo a proporção, como o ver pela visão corporal
e o ver intelectualmente são chamados pelo mesmo nome comum de “ver”,
porque assim como o inteligir apresenta a coisa para a alma, assim também
ver o faz para o corpo animado.
24. Porém ainda que a proporção seja certa relação duma quantidade
a outra, em razão do qual dizemos que o quatro tem uma proporção dupla
ao dois, e a proporcionalidade é chamada a semelhança de duas proporções,
segundo o qual dizemos que o oito está para o quatro como o seis está para
o três: pois cada um é uma dupla proporção etc.; ainda assim, os filósofos
estenderam o nome de proporção a toda relação de conformidade, medida,
capacidade, etc. E consequentemente, estenderam a proporcionalidade a
toda similitude de relações. E assim nos utilizamos das palavras no
propósito.
25. Há dois modos desta analogia: a metafórica e a própria. A
analogia metafórica é quando aquele nome comum tem absolutamente uma
razão formal, que se encontra em só um dos analogados, e é dito do outro só
por metáfora, como o rir tem secundum se uma razão, e ainda assim é
metaforicamente análogo com respeito ao verdadeiro sorriso e ao prado
verdejante ou à boa fortuna, pois assim significamos que estes se tomam
como um homem que ri. E tal analogia é abundante na Sagrada Escritura
trazendo-nos metaforicamente um conhecimento de Deus.
26. A própria é quando aquele nome comum é dito em cada um dos
analogados sem metáforas, como o princípio se realiza no coração com
respeito ao animal, e no fundamento com respeito à casa. O que, como
Averróis diz no VII com. ao I Ética, é proporcionalmente dito deles.
27. Esta analogia é preposta às outras pela dignidade e pelo nome.
Pela dignidade, porque esta acontece segundo o gênero da causa inerente, já
que predica aquelas coisas que inerem em cada sujeito, porém as outras são
segundo uma denominação extrínseca.
28. Pelo nome, porque os nomes análogos entre os gregos (dos quais
tomamos a palavra) são somente desta analogia

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