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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE


ESCOLA DE EDUCAÇÃO FÍSICA E DESPORTOS

Trabalho final à disciplina Educação Física Escolar e Formação para/na


Diversidade

Um novo olhar sobre a perspectiva inclusiva na


educação

Suellen Letiere de Moraes

Prof(a).: Michele Fonseca

Rio de Janeiro, 2018


Este trabalho é fruto da experiência adquirida na disciplina eletiva “Educação Física
Escolar e Formação na/para Diversidade”, regida pela professora e doutora Michele Fonseca,
cursada na minha formação de professora em Educação Física escolar. O objetivo aqui é unir as
leituras, vivências e diálogos de aulas às minhas experiências pessoais e práticas da formação.
Particularmente, optei por trazer uma discussão e reflexão sobre a própria formação de professores,
no que diz respeito as práticas inclusivas.
Primeiramente, preciso mencionar que essa disciplina abriu portas para minha reflexão
sobre diversas práticas, tanto escolares quanto do dia a dia. Uma nova forma de pensar que veio
desarrumando aqueles antigos conceitos que eu possuía antes de entrar na graduação. Desde o meu
primeiro contato com uma educação inclusiva durante a disciplina obrigatória “Educação Física
Adaptada”, meu olhar para essa discussão se tornou diferenciado. Com essa nova visão de educação
e de respeito ao próximo, situações que possuem práticas e pensamentos excludentes e
preconceituosos realmente me causam incômodo e em quase todas as vezes, se não todas, tristeza.
É realmente difícil estar num local onde as pessoas não são valorizadas pelo que são e sim
julgadas e afetadas negativamente pelo que não são, impondo um padrão social onde aqueles que
não se encaixam ficam de fora. E esse tipo de situação acontece com várias pessoas dentro das
escolas, com base na deficiência, religião, etnia, rendimento, gênero. classe e etc. A perspectiva
inclusiva aparece com essa nova visão, colocando-se no lugar desses grupos, não vitimando-os, mas
buscando direitos previstos por todos na lei, o direito de ser respeitado, de ter sua crença, de viver
da forma que bem entender, de exercer a liberdade. E foi por conta desse incômodo que busquei a
disciplina, como uma forma de entender mais sobre essas questões e assim conseguir ser uma
profissional que não pensa de forma individual e sim coletiva. Nada mais justo para um professor
compreender o outro, já que sua vida será baseada na relação com ele.
Essa ampliação da lente, do olhar para novos horizontes, permite a aplicação de práticas
inclusivas, propondo uma participação efetiva de todos os alunos nas aulas. Essa, na verdade, já
deveria ser a visão de professor: olhar a individualidade de cada aluno e adaptar seus métodos de
ensino de acordo com isso. É o que Fonseca (2010) diz ao mencionar a Declaração de Salamanca de
1994, onde todas as crianças são únicas, independente do quanto diferente elas sejam, e não são elas
que precisam se adaptar e sim os métodos e programas de ensino. A autora ainda completa esse
pensamento ao dizer que as “[…] práticas de inclusão se refere às participações sociais efetivas em
relação a inclusão, ao fazer pedagógico de maneira a atender à diversidade de estudantes, ao que se
constrói e se desconstrói dia após dia no âmbito institucional” (p. 54).
Hoje, após esse período refletindo e discutindo sobre estas questões, consigo reconhecer a
importância do que foi dito por Fonseca (2014) no que diz respeito a formar professores reflexivos
em sua prática, onde por meio da criticidade se torna possível desenvolver o pensamento e a ação.
São aprendizagens que ocorrerão dia após dia, conforme a experiência. Essa formação pautada na
valorização das diferenças é extremamente positiva quando se trata da sociedade como a nossa, que
é composta por diversidade social, política e cultural. É importante leva isso para dentro das aulas.
Não se pode omitir essa diversidade e os preconceitos e esteriótipos a ela relacionados.
Durante toda a minha formação primária estudei em escola pública do Município do Rio de
Janeiro, e o que mais acontecia do lado de dentro e de fora da escola, eram situações
preconceituosas e desrespeitosas, tanto com alunos quanto professores e funcionários. Nas aulas de
Educação Física, por exemplo, as meninas não podiam se misturar com os meninos, e o privilégio
de atividades, que sempre eram aquelas do “quadrado mágico”, eram sempre deles. E o professor
nisso tudo? Todos agiam como se fosse normal, como se não houvesse situação de privilégio. E isso
era pouco! Diversas situações de bullying, agressões e xingamento acontecia com a maior
facilidade, não somente nas aulas de Educação Física mas em todas as aulas. E eu passei por isso.
Sempre fui uma aluna estudiosa, que buscava alcançar boas notas e realizar trabalhos
voluntários para a escola. Isso afetou muito negativamente na minha socialização com os colegas.
Por eu ser assim todos me apelidavam de “nerd”, “cdf” e me chamavam de “queridinha da
diretora”. Dificilmente eu era incluída em alguma conversa, além dos colegas serem poucos.
Quando apareciam era por interesse em provas e trabalhos, ou então até socializavam comigo, mas
eu era sempre a chata do grupo. Essas questões marcaram muito a minha infância, e acredito que
tenha sido esses uns dos motivos por eu querer ter esse olhar diferente e me encontrar na educação
inclusiva.
Essa situação que narrei acontece muito dentro das escolas, quis trazê-la para falar um
pouco sobre o preconceito de forma geral, o julgar da pessoa sem conhecê-la, sem entendê-la, sem
saber de onde ela vem, o local que foi criada, de como foi educada e etc, e que encontra espaço nas
escolas por conta da falta de intervenção escolar e práticas diversificadas, que promoveria a união
dos alunos e a compreensão do outro.
A disciplina sobre a diversidade me fez olhar mais detalhadamente para o preconceito, indo
além só da deficiência, que é o que geralmente atribuem aos conceitos de exclusão e inclusão. Esse
preconceito acontece de diversas formas, em situações de bullying como essa mencionada, de
gênero na divisão de menino e menina nas aulas de Educação Física, o racismo, a sexualidade, tudo
isso está dentro da escola. E por estar lá ele não deve passar despercebido, é preciso reconhecê-lo e
trabalhar em cima dele para que as ações sejam mais respeitosas. O professor é o que mais possui
contato com o aluno e é através dele que essa mediação frente ao preconceito precisa acontecer.
O documentário “Uma aula prática de discriminação” me mostrou exatamente isso, o
lugar que o professor deve ocupar frente a essas situações. Essa discriminação e preconceito são
resultados da segregação de dois grupos que se consideram distintos, categorizando as pessoas, o
negro e o branco, o rico e o pobre, o inteligente e o menos inteligente, o flamenguista e o vascaíno e
etc (LEME, 2015). Sobre essas situações, a autora mencionada entende que a escola deve ser
“sensível às diferenças e, com isso, retire o ponto final dos esteriótipos e preconceitos e coloque
uma vírgula no texto da vida para que o amanhã seja escrito com a diferença e pela diferença, e
assim, possamos nos tornar pessoas melhores” (p. 71). Por que apagar as diferenças? Por que não
mostrá-las? A diferença não é ruim, pelo contrário, ela mostra que cada indivíduo não se assemelha
ao outro, seus pensamentos são diferentes, práticas diferentes e assim a sociedade vai se formando e
tendo novas descobertas. A luta é pela valorização das diferenças e não pela eliminação delas.
Essa luta acontece comigo dentro da minha própria casa. Cada membro da minha família
possui diferentes formas de pensar, no qual respeito, mas o que me deixa incomodada é a forma de
agir e falar quando se trata, por exemplo, do gay, da lésbica, do travesti. Somos uma família
religiosa, mas isso não significa que eu deva tratar mal o outro por ele ser diferente de mim. Eu já
tinha essa visão no começo da minha graduação, mas ao discutir e aprender mais sobre a
diversidade, pude levar toda essa experiência para dentro de casa. E digo que não está sendo fácil!
Cada discordância minha com o meu pai, principalmente, acarreta em discussão não saudável, por
falta de compreensão do outro. Mas como eu disse, é uma luta. O que eu tento fazer é mostrar um
pouco de toda essa vivência para que as pessoas tenham pelo menos o mínimo de respeito ao
próximo. Não digo concordar, mas respeitar, até porque opinião cada um tem a sua. Mas acredito
ser nesses mínimos detalhes, todos os dias, cada dia um pouco, que as pessoas começam a ter novas
visões e deixam de ser menos preconceituosas.
O documentário mencionado e o texto escrito por Erika Souza Leme mostra a importância
de passar pela experiência. É triste saber que as pessoas só conseguem entender o quão difícil é
viver como o outro quando elas precisam inverter os papéis e ocupar a posição dele. Baseado em
Benjamin, o antídoto contra o preconceito acaba se tornando a experiência. Essa experiência traz
uma outra visão de mundo, conhecendo uma nova forma de pensar. Nada mais é do que a vivência,
do que viver no lugar do outro. Independente da visão de cada um, é preciso conhecer a realidade e
desconstruir essa única forma de ver e pensar. No caso do meu pai, é exatamente isso. Ele possui
uma única forma de ver as coisas, enraizada em sua cultura, transmitida pela família e sociedade, e
por conta disso o preconceito aparece. Esse preconceito ganha espaço à medida que se descobre que
uma pessoa não se aproxima de sua idealização. A vivência propicia uma compreensão, dita pela
fala de um dos alunos que sofria bullying no documentário: “é como se a experiência fosse para
aprender a se pôr no meu lugar”.
Nesse sentido, a escola se torna importante para abordar determinados assuntos que a
família não consegue, fornecer uma informação ampla que “dê conta” da sociedade. Quando essa
visão não acontece dá-se origem a uma hegemonia, como é o caso das histórias dos índios que
vemos nos livros didáticos, desvalorizando toda a cultura indígena e também a afro, transmitindo
apenas os pontos ruins das culturas, os sofrimentos.
Estudando, discutindo, debatendo e refletindo sobre as práticas tradicionais que existem na
Educação Física escolar e comparando-a com essa nova visão, pude realmente perceber a diferença
entre elas, do ponto de vista da participação dos alunos, da vontade do professor, dos conteúdos
trabalhados, das situações inclusivas ou excludentes que acontecem e etc. Vivi um pouco dessa
experiência mais crítica e inclusiva nesse último período, durante o meu estágio acadêmico no
Colégio de Aplicação da UFRJ, e consegui comparar situações que acontecem nele com situações
que vivenciei na minha formação escolar.
As turmas do meu estágio possuem deficientes, negros, brancos e todos se respeitam,
inclusive os professores. Essa importância da escola ser global, mostrando todas as experiências e
conhecimentos possíveis permite que os alunos sejam mais amigos, compreensivos, unidos. É isso
que eu vejo lá. São trabalhados com os alunos conteúdos relacionados a cultura indígena e afro,
mostrando toda essa diversidade, além de se tornar muito prazeroso para eles. Isso acontece, porque
para além do apenas fazer, há um modelo de aula que contextualiza e discute, mostrando as
riquezas, os feitos marcantes, as conquistas e etc, como forma de valorizar esses povos, sem deixar
que as crianças conheçam apenas o que está nos livros de sala de aula. Dessa forma conseguem
desenvolver no aluno uma criticidade para sua autonomia, se tornando muito distante da Educação
Física que eu tive na minha formação escolar.
Vemos o quão importante é discutir esse tema na escola, respeitando e valorizando a
pluralidade da sociedade. Especialmente nas aulas de Educação Física esse espaço se torna mais
ampliado pelo fato de trabalhar com a Cultura Corporal do Movimento, a partir de jogos, lutas,
danças, esportes e etc. (FONSECA e RAMOS, 2017). Essa forma de organizar a aula presente no
colégio no qual estagio é uma perspectiva de currículo inclusivo, diferente da escola no qual estudei
toda a minha vida, que não possuía nenhum objetivo pedagógico, era somente o fazer pelo fazer.
Quando o professor permite que as meninas fiquem de fora das “atividades”, simplesmente
porque os meninos as consideram incapaz de jogar com eles, entendemos que a deficiência não é o
único público excluído com frequência nas aulas, e sim todos aqueles que não se enquadram no
padrão de movimento. (FONSECA e RAMOS, 2017). Sobre isso os autores dizem:

[…] nenhum aluno pode ser dispensado da aula pelo professor, salvo se
for por determinação médica. Dessa maneira, as deficiências, as
dificuldades, os distúrbios coordenativos, as doenças crônicas, bem como
as diferenças quanto a etnia, gênero, religião, cultura, condições sociais e
psíquicas por si só não podem constituir o motivo de não participação do
aluno na aula. (p. 190).

Se temos um amplo e vasto conteúdo para aplicar nas aulas, significa que é possível que
todos os alunos sejam beneficiados por isso, permitindo que todos participem. Óbvio que isso não
acontece quando o foco é voltado apenas para um dos conteúdos, como o Esporte, que é
competitivo e altamente padronizado. É importante entender que alguns alunos vão preferi-lo e
outros não. Essa diversificação dos conteúdos garante a todos os alunos a prática corporal no qual
têm direito, ampliando as chances de identificação deles nessas aulas e dessa forma tornando-a
prazerosa. Além, é claro, de junto aos conteúdos, abordar diversos temas e contextualizar de forma
crítica sobre a realidade, para que assim sejam construídos pensamentos mais inclusivos.

Referências Bibliográficas:

FONSECA, Michele Pereira de Souza da. Formação de professores de Educação Física e seus
desdobramentos na perspectiva dos processos de inclusão/exclusão: reflexões sobre Brasil e
Portugal. Rio de Janeiro, 2014. Tese (Doutorado em Educação). Faculdade de Educação,
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2014.

LEME, Erika. Mediações possíveis frente ao preconceito. In: SILVA, K & AMPARO, F (orgs).
Criatividade e Interculturalidade. Série: Desafios, possibilidades e práticas na Educação Básica.
Curitiba: CRV, 2015.

FONSECA, Michele Pereira de Souza da; RAMOS, Maitê. Inclusão em movimento: discutindo a
diversidade nas aulas de educação física escolar. In: PONTES JUNIOR, José Airton de Freitas
(Org.). Conhecimentos do professor de educação física escolar [livro eletrônico]. Fortaleza, CE:
EdUECE, 2017, p 184-208.

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