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Quando eu era criança, parecia que iria viver pra sempre.

Pensar sobre a minha morte


não passava pelos meus pensamentos. Claro, era algo tão distante. Pensava sim sobre a
morte dos meus avós, porque eles eram bem mais velhos do que eu. Hoje, estou com 37
anos e me sinto na metade do caminho e a morte já me assusta um pouco. Foi tão rápido
chegar até aqui. O que é mais um salto de 37 anos para a frente? Óbvio que eu já vivi
muita coisa, mas, mesmo assim, tenho a impressão de que foi muito rápido.

Nestes momentos de angústia, tento pensar na frase de Epicuro: “A morte não é nada
para nós, pois, quando existimos, não existe a morte, e quando existe a morte, não
existimos mais.” Mesmo concordando com ele, pensar que, se nada de trágico ocorrer,
vou viver mais ou menos o mesmo tempo que eu já vivi até agora é assustador.

A angústia faz parte da nossa existência e quando pensamos sobre a temporalidade, ou


somos muito resolvidos e “vivemos uma vida autêntica”, conforme Heidegger disse, ou
somos seres de angústia. Para o filósofo, tem vida autêntica quem a assume como
própria, quem a forja e a constrói segundo um plano próprio e quem aceita a morte.

Possuímos o desejo de viver, de aproveitar a vida e de não a desperdiçar, mas este


anseio de ser nos remete ao não-ser, ao nada e, portanto, à morte. Tememos o nada. E o
que podemos fazer diante deste medo, desta angústia? Superá-la! Como? Manifestando
o nosso poder de transcendência sobre nós mesmos e sobre o mundo.

Sim, podemos transcender e isso ocorre dando um sentido ao ser. Na palestra proferida
na Universidade de Freiburg, em 1929, intitulada O que é metafísica, Heidegger disse:
“Ao contemplar cuidadosamente o Nada em si mesmo, começamos a perceber a
importância e a vitalidade de nossos próprios humores. Acima de tudo, o Nada é o que
produz em nós um sentimento de angústia”.

Somos um ser-para-a-morte, diz Heidegger. Temos consciência e certeza de que vamos


morrer um dia. O perpétuo projetar não é um eterno projetar: é constante por toda a vida,
mas dura apenas enquanto durar esta última. Sem termos consciência e certeza da
morte, não teríamos urgência nem de projetar nem de realizar os nossos projetos. Mas a
urgência só se mantém porque ter consciência e certeza da morte não implica ter
consciência e certeza da data da morte. Podemos ser jovens e morrer amanhã, ou ser
velhos e viver mais trinta anos. O que nos pressiona a realizar nossos projetos é
justamente a consciência e a certeza de uma morte certa em data incerta.
É comum criarmos mecanismos para bloquear a força opressora da morte, gerando o
esquecimento de nossa mortalidade inevitável. A angústia, para Heidegger, reconecta o
homem com seu ser-para-a-morte e faz com que se lembre da sua incontornável
condição de finitude, de temporalidade. O fato de que deixaremos de ser é um aspecto de
nossa experiência humana. É possível, assim, definir a vida por meio da morte e o ser por
meio do nada. O ser não se opõe ao nada e a morte não se opõe à vida, mas são dois
estados paralelos e relacionados.

A vida passa muito rápido. É comum, no início dela, pensarmos que temos todo o tempo
do mundo. Mas quanto mais avançamos, a “régua” vai diminuindo. No início dela, temos
infinitos planos e sonhos: de estudos, de viagens, de aventuras, de coisas pra fazer, de
encontros, enfim, de experiências, mas, com o encurtar da “régua”, percebemos que não
temos todo este tempo. Vamos preenchendo nossos dias com nossas atividades
cotidianas e, do nada, mais um ano se passou e deixamos, mais uma vez, de fazer
aquela viagem, de marcar aquele jantar...

Finalizo este texto com a seguinte dica: busque uma vida autêntica. Como? Assumindo-a
como sua, construindo-a segundo o seu plano e aceitando a morte, até porque a vida é
um sopro.

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