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UNIDADE I FUNDAMENTOS FISIOLÓGICOS

1. PSICOLOGIA E FISIOLOGIA: MECANISMOS FISIOLÓGICOS


DO CIRCUITO S-R

2. MECANISMO PERIFÉRICO DA RESPOSTA

3. SISTEMA NERVOSO CENTRAL

4. FISIOLOGIA DO NEURÓNIO

5. MEIO INTERNO
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CAPÍTULO I A PSICOLOGIA E A FISIOLOGIA

O ser humano no seu dia-a-dia, realiza inúmeras actividades, das mais


simples às mais complexas. Considerando uma actividade
aparentemente simples, mas que só é possível mediante o concurso de
numerosos e variados actos: a leitura – pegar o livro, abri-lo num
determinado assunto, ver as palavras e relacioná-las umas com as outras
de forma a terem sentido, voltar as folhas, sem esquecer a atitude
corporal mais cómoda para a realização do acto de ler que, por sua vez, é
acompanhado de um sentimento de agrado ou desagrado pela leitura.

Para que a leitura se realize de forma agradável, o organismo deve estar


em perfeito funcionamento em termos físico e psicológico; caso
contrário, a leitura seria fastidiosa. Por isso podemos dizer que os actos
psicológicos são condicionados por toda uma actividade fisiológica que
lhe serve de suporte. O corpo representa a base somática dos fenómenos
psíquicos e, como tal, não podemos conceber a interpretação de um texto
ou a emoção que acompanha a leitura, independentemente da estrutura
orgânica que as torna possíveis.

Para além do corpo nos surgir como lastro fisiológico sem o qual a
actividade psicológica seria impensável, a qualidade desta actividade é
ainda determinada pelo bom ou mau funcionamento do organismo, o
encararmos no seu conjunto, sem relegar para o plano secundário a
componente biológica. Torna-se indispensável que a psicologia se
interesse pela fisiologia, a fim de recolher dados do seu campo e que
constituem contributos preciosos para a melhor compreensão das
condutas humanas.

1.1 Os mecanismos fisiológicos do circuito S-R

Ao efectuar toda gama de comportamentos desde os mais simples aos


mais complexos, o organismo conta com o funcionamento de certos
mecanismos que lhe permite reagir (R) dos estímulos do meio (S).

Exemplo: O que acontece quando viajamos de automóvel, ao voltar de


uma curva, o sol nos bate de frente? A pupila contrai-se, diminuindo a
espessura do feixe luminoso que penetra no interior do globo ocular.
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Posteriormente, colocamos a mão sobre os olhos, baixamos a pala do
carro ou tiramos do porta-luvas uns óculos de sol, a fim de nos
subtrairmos ao incómodo dos raios solares.

Podemos constatar que aqui temos duas actividades distintas: uma


simples: reflexa, mecânica e independente da vontade (contracção da
pupila); outra mais complexa e organizada exigindo actos voluntários
para escolher meios de proteger os olhos.

Estimulação Coordenação Resposta

Retroacção (S) (R)

Sendo assim, o organismo conta com três mecanismos para realizar os


diferentes tipos de actividades.

- Mecanismos de recepção que têm a função de receber os estímulos


provenientes do meio através dos órgãos dos sentidos sem os quais
seria impossível contactarem as situações.

- Mecanismos de reacção - são os efectores dos actos


comportamentais através das glândulas e dos músculos.

- Mecanismos de conexão – Estabelecem a coordenação entre os


órgãos receptores e efectores, isto é, interpretam as excitações e
ditam as respostas que lhes são adequadas ou comandam as
instruções de respostas. São os órgãos constitutivos do sistema
nervoso responsáveis por estas funções.

Todos os comportamentos dependem deste sistema orgânico, cujo


trabalho nem sempre é
fácil de conhecer, em especial no que toca o sistema nervoso. Tal como
um computador não faz
nada sem o teclado ou sem ecrã, também o sistema nervoso, isolado é
inútil, porque por si
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próprio, é incapaz de agir. Mas estando ligado, dum lado aos órgãos
sensoriais e aos músculos
por outro, é ele que torna possível toda gama de actos humanos desde os
reflexos simples até aos
processos complexos do pensamento.

O sistema nervoso é estreitamente ligado a todas as partes do corpo,


recebendo informações
acerca do mundo exterior e decidindo o que fazer. Ao conhecermos
como apenas duas células
nervosas associadas funcionam no reflexo simples, termos uma
compreensão de como os
outros milhares de milhões de células nervosas efectuam o seu trabalho.

1.2 O acto reflexo

Quando a pupila se contrai, devido a intensidade de raios solares,


quando a mão ao queimarmo-nos numa chama ou quando levantamos o
pé ao pisarmos um prego, ocorrem actos reflexos. Trata-se de uma
resposta simples, automática e involuntária anterior a qualquer
aprendizagem; é uma reacção mecânica e imediata do organismo a um
estímulo do meio.

Actuando nos órgãos dos sentidos, os estímulos activam os receptores


sensoriais onde existem terminações de fibras nervosas que em estado de
repouso, possuem uma carga eléctrica mais na membrana e negativa no
interior da mesma. O estímulo exterior agindo nessas terminações
provoca a inversão da localização das cargas. Esta alteração propaga-se
pela fibra nervosa e chega no órgão de conexão. A medula espinhal que
determina a resposta conveniente que é enviada por outra fibra nervosa
nos órgãos efectores, que por sua vez ao receberem a corrente eléctrica,
contraem-se, efectuando o movimento adequado.
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CAPÍTULO II MECANISMO PERIFÉRICO DA


RESPOSTA

O mecanismo fisiológico do comportamento é muitíssimo complexo.


Em princípio, contudo, é simples. É constituído de receptores, de um
sistema nervoso central (cérebro e medula espinhal, encerrados dentro
de uma estrutura óssea), de nervos motores que transportam os impulsos
oriundos do sistema nervoso central e, finalmente de diversos efectores
como os músculos e as glândulas. Temos ai as partes essenciais
envolvidas nos ajustamentos do homem e dos animais aos seus meios.

Neste capítulo e no seguinte, estes aspectos serão considerados com


pormenores, a fim de fornecer uma ampla base para o conhecimento das
estruturas envolvidas no comportamento.

2.1. As funções das células

Em 1665, Robert Hooke fez uma descoberta importantíssima, tendo


observado pela primeira vez que um organismo inferior como a cortiça
era constituído de células. Posteriormente, diversos investigadores
observaram células em todos os tipos de tecidos. Hoje, reconhece-se que
a doutrina da célula (1838) se aplica a todos os animais e plantas. A
célula é a unidade fundamental dos organismos vivos. Portanto devemos
primeiramente, estudar a célula para teremos uma ideia de como é
construído o mecanismo do comportamento.

Distingue-se três partes principais e importantes na célula: a membrana,


o citoplasma e o núcleo. Elas se inter-relacionam, isto é, o que ocorre
numa das partes afecta os eventos que acontecem nas outras. Cada uma
delas tem um papel importante a desempenhar na vida da célula e é
responsável, primordialmente, por algumas das propriedades das células.
(Figura 1.1)

2.1.1. A membrana

Ç-A membrana é o limite da célula. Ela é porosa, permite que algumas


coisas a atravessem, e essas coisas, no caso, são as moléculas químicas
ou os íons, elementos das moléculas, carregados positiva e
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negativamente. Uma das prioridades básicas da membrana é a
manutenção do equilíbrio de pressão e de íons nos dois lados. Alguns
íons e moléculas exercem pressão de fora para dentro, outros, de dentro
para fora. Alguns entram, outros saem. A pressão e o movimento,
tendem a manter-se numa espécie de equilíbrio.

A irritabilidade e a condutividade são propriedades sempre inter-


relacionadas nas funções celulares. Quando a membrana permanece em
equilíbrio e polarizada, qualquer perda de íons ou mudança na sua carga
de um lado rompe ou perturba o equilíbrio. Um estímulo mecânico, por
exemplo, pode expulsar alguns íons do interior da membrana; ou um
estímulo químico, composto, digamos de íons negativos, pode
neutralizar os íons positivos; ou um estímulo eléctrico negativo ou
positivo, pode neutralizar os íons; nestes e em outros casos, o equilíbrio
da membrana é perturbado. Pode acontecer por qualquer razão, os íons
atravessar a membrana e causar um certo desequilíbrio. Essa
propriedade da membrana se denomina: irritabilidade.

2.1.2. O citoplasma

O citoplasma é a massa principal da célula. Constituí a área geral da


célula dentro da membrana e fora do núcleo. O citoplasma varia
enormemente quanto à estrutura e a constituição química.

Pode conter vários grânulos e estruturas diminutas, algumas das quais


são de grande auxílio para o anatomista e para o fisiologista na distinção
entre as diferentes espécies de células e dos estados de saúde das
mesmas.

A primeira propriedade do citoplasma é a secreção. As diversas


substâncias químicas do citoplasma podem reagir entre-si de tal modo
que venham a formar novas substâncias não encontradas fora da célula.
Estas podem permanecer dentro da célula para uso interno ou podem
atravessar a membrana e vir a ser empregadas por outras células.

Uma segunda propriedade geral do citoplasma é a contratibilidade ou a


contracção. É também produto de algumas reacções químicas. É através
dessas mudanças que as células podem se mover por si mesmas ou, em
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organismos altamente desenvolvidos, mover outras células do
organismo, e assim deslocá-lo como um todo.

Uma terceira propriedade geral do citoplasma, é o metabolismo. É um


conjunto de reacções químicas através das quais as moléculas das
substâncias alimentícias se convertem em diversas formas químicas que
são armazenadas e liberadas como energia.

2.1.3. O núcleo

O núcleo da célula é o lugar de duas actividades importantes: a


supervisão das actividades metabólicas e a reprodução das células.
Ambas se centralizam em torno dos cromossomos e seus componentes,
os genes. Estes últimos consistem numa substância complexa, o ácido
desoxirribonucleico (DNA), cuja estrutura diversificada é portadora do
código genético. Este código é levado pelo mensageiro RNA (ácido
ribonucleico) às fábricas de proteínas descritas.

Na reprodução de uma célula, os cromossomas se dividem em dois.


Quando isso ocorre, em geral o resto do núcleo, o citoplasma e a
membrana se dividem em dois, cada parte levando consigo a sua quota
de cromossomas. Assim dois organismos são reproduzidos a partir de
um. Na reprodução sexuada, duas células diferentes devem se juntar,
seus cromossomas agir entre si antes que se inicie o processo
reprodutivo. Em todo caso, a função principal do núcleo e dos
cromossomas é a reprodução da célula ou das células que constituem o
organismo. Na realidade as actividades de todas as partes da célula estão
interligadas e envolvidas directa ou indirectamente em suas diversas
propriedades com consequente elaboração de respostas adaptativas do
organismo visando o seu bem-estar, a sua sobrevivência e a sua espécie.
As características que tornaram os seres vivos mais aptos a respostas
adaptativas são:

a) A excitabilidade ou a irritabilidade – propriedade de ser


sensível a estímulos ambientais com diferentes formas de
energia, traduzindo-os em uma linguagem própria das células,
caracterizada por alterações eléctricas e químicas.
b) A condutibilidade – possibilita que essas alterações sejam
conduzidas ou distribuídas por toda célula.
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c) A secreção – que resulta na produção de substâncias que
funcionam como mensageiros químicos entre as células,
possibilitando a transmissão das alterações desencadeadas pelos
estímulos ambientais a várias células.

d) A contractibilidade ou a contractilidade – propriedade que


possibilita o organismo um comportamento motor ou a
produção de uma substância química como resposta ao estímulo
ambiental. As células nervosas se especializaram em
excitabilidade, condutibilidade e secreção; e as células
musculares em contractilidade. (Cosenza, 2005; Ribas, 2006).

2.2. Diferenciação celular

Há três classes de células que apresentam maior interesse para os


psicólogos fisiologistas. São elas os receptores, os neurónios de
ajustamento e os efectores. Os três tipos de células (receptores,
neurónios de ajustamento e efectores) mudaram bastante durante a
evolução e são encontrados sob as mais diversas formas ao longo da
escala evolutiva. Como as formas encontradas entre os mamíferos são de
maior interesse para nós, serão descritas nas próximas secções.

2.2.1. Os receptores

Os receptores dos mamíferos se especializaram em responder a quatro


tipos de estímulos: térmicos, mecânicos, químicos e luminosos. Os
receptores térmicos são os de frio e calor da pele. Os receptores
mecânicos incluem a audição, o equilíbrio e o tacto. Os receptores
químicos são os do gosto, do olfacto e da sensibilidade química da pele;
e por fim, os receptores da luz se encontram no olho.

Essa especialização é mais relativa do que absoluta. O receptor da luz no


olho responde a estímulos térmicos e químicos se forem bastante
intensos; um receptor mecânico responde da mesma maneira a estímulos
químicos intensos. Aliás todos os receptores têm a faculdade de
responder a estímulos eléctricos. Este facto é vantajoso para o
experimentador porque os estímulos eléctricos são facilmente
produzidos e controlados. Por isso são empregados com frequência na
experimentação. Como consequência desta especialização bidireccional,
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há ao todo três variedades de receptores: o neurónio não-especializado, a
combinação especializada de célula-epitelial-neurónio e o neurónio
especializado.

O neurónio não especializado aparece na visão e no olfacto. Estruturas


combinadas de neurónio e células epiteliais especializadas são
encontradas na audição, no equilíbrio, no gosto, no tacto e
provavelmente também nos sentidos térmicos. Os receptores não
especializados servem ao tacto, à dor, à sensibilidade térmica.

2.2.2 Os neurónios

Os neurónios, embora fazendo parte de estruturas de receptores, são


encontrados sobretudo no grande mecanismo de ajustamento, o sistema
nervoso, que une receptores e efectores. Em geral, quando falarmos em
neurónio sem outra qualificação, estaremos nos referindo aos neurónios
de ajustamento do sistema nervoso. (Figura 1.3)

Quanto à estrutura, como mostra a Figura 1.4, o neurónio possuí três


partes: os denritos, o corpo celular e o axónio. O corpo celular é
frequentemente chamado de soma, que significa corpo. Ao dendrito ou
axónio podemos denominar, indistintamente, de fibra.

Os dendritos e axónios têm estruturas diversas e podem ser distinguidos


sob três aspectos diferentes:

1) Os dendritos se encontram em posição tal que possam ser


excitados pelos estímulos ambientais ou pela actividade de
outras células, quer sejam epiteliais, quer outros neurónios. O
dendrito representa a terminação receptora do neurónio. O
axónio, por outro lado, liga-se aos efectores ou a outros
neurónios aos quais transmite os impulsos nervosos que
transporta.

2) Os dendritos se afinam à medida que se afastam do corpo


celular, de modo que é difiícil dizer quando termina a célula e
começa o dendrito. Contudo, o local de onde o axónio emerge
do soma é visivelmente assinalado por uma pequena elevação
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do soma a partir da qual o cilindro nervoso se projecta para fora
com um diâmetro uniforme.

3) Um neurónio, em geral, tem vários dendritos que se esgalham


como uma árvore; por outro lado, apenas um axónio deixa o
soma, embora o axónio possa mandar colaterais ou ramos
(ramificações), e possuir diversas terminações conhecidas por
telodendria.

Existem neurónios de vários tamanhos e formas, segundo os estudos


feitos por microanatomistas, classificaram-nos e deram lhes nomes,
como ilustra a Figura 1.5. Temos o motoneurónio encontrado em vários
músculos do corpo; seu soma acha-se na medula espinhal da porção
mais baixa do cérebro e suas fibras formam os nervos motores. Outros
neurónios, que se assemelham um pouco com o anterior, formam longas
linhas de conexão nas vias sensoriais ou motoras.Os outros neurónios da
Figura 1.5 são neurónios internunciais, isto é, neurónios de ajustamento.
Um deles é o neurónio piramidal gigante cujo soma se localiza na área
motora do cérebro e envia sua longa fibra até os motoneurónios. O outro
é internuncial, com axónio curto e muitas ramificações que entrelaçam
diversos neurónios entre si; é encontrado geralmente no cérebro. Um
terceiro tipo, a célula arborescente, é um interneurónio cujos dendritos
“colectam”os impulsos de fontes diferentes mas passam-nos adiante
através de um único axónio.

Observa-se na Figura 1.4 que o axónio tem uma capa. Na realidade tem
duas capas: uma fina membrana de um lado denominada neurilema, e
entre esta fibra uma camada gordurosa denominada bainha de mielina.
O neurilema se encontra quase exclusivamente, nos axónios fora do
sistema nervoso central.

Participa na regeneração dos axónios quando sofrem uma ou são


cortados. Falando de maneira geral, somente os axónios que se
encontram fora do sistema nervoso central podem regenerar, enquanto
os outros não. A bainha de mielina se encontra fora e dentro do sistema
nervoso central. De facto, encontra-se em geral nos axónios maiores
com mais de um mícron de diâmetro, denominados axónios fibras
mielinizadas: aquelas fibras menores que não a possuem, chamam-se
não-mielinizadas. A bainha de mielina, como podemos observar na
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Figura 1.4, é segmentada e interrompida a intervalos regulares pelos
nódulos de Ranvier.

Embora não exista neurilema no sistema nervoso central, cérebro e


medula espinhal, observa-se ali um tipo parecido de célula: a neurogglia
ou apenas glia. Na realidade, existem várias espécies de neuroglias, são
bastante numerosas; na verdade, mais numerosas do que os neurónios.
Foram consideradas células de sustentação, células que mantêm os
neurónios agrupados e no lugar; pois geralmente, se entremeiam e se
entrelaçam com as células nervosas e com os vasos sanguíneos que as
irrigam. Alguns pesquisadores sugerem que elas também podem ser
importantes na excitação e condução dos impulsos nervosos e mesmo na
actividade como aprendizagem.

2.2.3 Os efectores

Os efectores são os instrumentos pelos quais o organismo responde ao


seu mundo. As células efectoras, como quaisquer outras, diferenciaram-
se quanto à estrutura e à função. Nos vertebrados há duas classes
principais de efectores, os músculos e as glândulas.

Os músculos - São de três tipos como mostra a Figura 1.6. Um o mais


primitivo menos diferenciado, é o de célula muscular lisa ou não-
estriado, tipicamente fusiforme. Contém fibras de uma substância
especial, as fibrilas que, ao mudar de forma, fazem os músculos se
contraírem. Uma segunda classe, a dos músculos estriados, tem uma
forma mais elaborada. Têm células muito mais compridas do que as dos
músculos lisos. Essas células são envolvidas por uma membrana
elástica, o sarcolema. Dentro dela encontram-se as fibrilas que se
contraem e se diferenciam em duas substâncias, uma das quais é mais
escura do que a outra. Porque as fibrilas se alternam regularmente em
toda a célula muscular, fazem com que o músculo, quando visto ao
microscópio, se apresente estriado ou listrado.

Finalmente, há uma terceira espécie de músculo, o músculo cardíaco,


que é apenas um tipo especial de músculo estriado. Distingue-se
sobretudo, porque suas fibras não são dispostas paralelamente como nas
células dos músculos estriado e nem tampouco são encerradas dentro de
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uma membrana, mas se ramificam e se unem formando um retículo ou
sincício.

As glândulas – Na maioria dos casos, mas não em todos, as glândulas


recebem os neurónios efectores do sistema nervoso e são por isso
classificadas como efectores. Têm como função segregar substâncias
químicas importantes para a vida do organismo. Assim, as glândulas
mantêm o equilíbrio do meio interno, como os músculos efectores
mantêm o ajustamento do organismo com o meio externo.

Há diversas glândulas: algumas delas serão consideradas posteriormente.


Aqui nos limitaremos a fazer referência a dois tipos: as glândulas
dotadas de ducto e as que não o possuem. As primeiras libertam as
secreções nas cavidades do corpo, por exemplo, as glândulas do trato
digestivo; enquanto as segundas enviam as secreções directamente ao
sangue. Pelo facto de circularem no sangue, as glândulas sem meato têm
um efeito mais profundo sobre o corpo como um todo e, principalmente,
sobre a actividade nervosa.

2.2.4 O sistema nervoso periférico

O sistema periférico, por ser tão complexo e estar envolvido em todos os


receptores e efectores, requer uma descrição mais pormenorizada. Em
termos de organização geral, vamos abordar a terminologia empregada
para descrever o sistema nervoso e a classificação de suas partes.

2.2.4.1 Definição de termos

Apresentar mesmo os aspectos gerais da neuroanatomia não é tarefa


simples; certamente precisamos lançar mão de todos os meios para
podemos compreendê-la. Um deles é o sistema terminológico
desenvolvido para lidar com o sistema nervoso central e periférico. Esta
terminologia emprega o cérebro e a medula espinhal como pontos de
referência, mas é necessária e útil também quando lidamos com o
sistema nervoso periférico, como ilustra a Figura 1.7.
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Os termos anterior e posterior, que é melhor limitar ao cérebro, referem-
se à parte da frente e de trás da cabeça, respectivamente. Rostral e
caudal, por outro lado, significam posições próximas à cabeça ou à
cauda, respectivamente. Dorsal, refere-se ao alto da cabeça ou à parte de
trás da medula espinhal, enquanto ventral é empregado para indicar a
parte inferior do cérebro ou o lado da medula espinhal mais próximo da
cavidade abdominal. Medial é o que se encontra na direcção da linha
média do corpo, e lateral, distanciado desta. Finalmente, proximal e
distal indicam, respectivamente que está perto e longe de uma posição
dada. Todos esses termos indicam direcção ou posição relativa e de
forma alguma referem-se a locais específicos.

2.2.5 Substância cinzenta e substância branca

Outro aspecto geral do sistema nervoso que é conveniente conhecer é a


cor. Os neurónios parecem naturalmente cinzentos. Muitas fibras
nervosas, no entanto estão cobertas de uma bainha de mielina que
mencionamos atrás, que é branca. Quando qualquer parte do sistema
nervoso parece branca, sabemos imediatamente que é constituída no
todo ou em parte de fibras mielinizadas. Os corpos celulares ou soma
dos neurónios, por outro lado, nunca são revestidos de mielina e são por
conseguinte sempre cinzentos. Portanto quando vemos substância
cinzenta no sistema nervoso, sabemos que é constituída de corpos
celulares. Substância branca e substância cinzenta são termos
convenientes para distinguirmos os aglomerados de corpos celulares dos
tratos ou nervos constituídos de fibras.

2.3. Centros e vias

Outros termos serão utilizados com frequência, aplicam-se também aos


corpos celulares e às fibras. Esses últimos se acham separados dentro do
sistema nervoso. Um aglomerado de corpos celulares é denominado ora
um gânglio, ora um núcleo. O gânglio, em geral, se encontra fora do
cérebro ou da medula espinhal, e o núcleo, em geral, nem sempre, dentro
deles. Por outro lado quando as fibras nervosas se reúnem em feixes são
chamadas de nervos ou tratos. Nervos, quando esses se acham fora do
sistema nervoso central, e tratos, quando dentro do mesmo. Embora
existam muitos termos empregados em psicofisiologia, mas os termos
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gânglio, núcleo, trato e nervo são os mais comuns e servem para os
objectivos desta cadeira.

2.4. Divisões do sistema nervoso (SN)

Terminando abordar todos esses conceitos, vamos estudar o sistema


nervoso, principalmente, o sistema nervoso periférico. Há duas maneiras
principais de considerar as divisões gerais do sistema nervoso. Uma
delas, o cérebro e a medula espinhal juntos constituem o sistema nervoso
centra distinto do sistema nervoso periférico, que inclui todos os
gânglios (grupos de corpos celulares) e os nervos (fibras nervosas) fora
do cérebro e da medula. Classificando-os de outra maneira pode
distinguir os sistema nervoso somático e sistema nervoso autónomo
constituídos por componentes centrais e periféricos, mas distinguem-se
quanto às partes do corpo a que serve.

O sistema nervoso autónomo inclui aquelas partes do sistema nervoso


central e periférico que estão envolvidos nas respostas: 1) dos músculos
lisos dos intestinos, do trato urogenital e dos vasos sanguíneos; 2) dos
músculos do coração; 3) daquelas glândulas endócrinas que recebem um
suprimento nervoso. Geralmente o sistema nervoso autónomo controla o
meio interno. No

sistema nervoso somático incluem-se todas aquelas partes do sistema


nervoso central e periférico que conduzem os impulsos provenientes dos
órgãos sensoriais, organizam-nos no cérebro e enviam impulsos motores
para a musculatura esquelética do corpo e dos membros. Apesar da
distinção existente entre os dois sistemas, não existe uma nítida
separação entre eles no sistema nervoso central e mesmo nos troncos
principais dos nervos periféricos.

Alguns centros do sistema nervoso central por outro lado relacionam-se


principalmente quer em funções autónomas quer com actividades
somáticas. Contudo essa divisão das funções é apenas questão de grau,
pois ambos os processos se coordenam mutuamente. Pois os
ajustamentos do meio interno do sistema nervoso são sempre essenciais
ao ajustamento somático e vice-versa; portanto os dois mecanismos
devem manter-se interligados.
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2.4.1. O sistema somático periférico (SSP)

É composto de nervos e gânglios, divide-se em duas partes: cranial e


espinhal dependendo de onde partem os gânglios e os nervos. Os somas
das fibras motoras dos nervos crianianos e espinais encontram-se dentro
do sistema nervoso central, habitualmente na região ventral próxima ao
ponto de saída das fibras. As fibras sensoriais, por outro lado quase
sempre, têm seus corpos celulares nos gânglios que ficam fora do
sistema nervoso central.

2.4.1.1Os nervos cranianos

Geralmente distinguem – se doze conjuntos de nervos cranianos. A


tabela 1.1 resume os nomes e as funções principais desses nervos
enquanto a figura 1.8 mostra a sua disposição. Os dois primeiros, o
olfactivo e o óptico têm somente funções sensoriais. Não são na verdade,
nervos no sentido real, pois em regra, o nervo é constituído de apenas
fibras que saem do sistema nervoso. Esses nervos representam porções
do tecido cerebral que migraram do sistema nervoso central para formar
a retina do olho e membrana olfactiva, mantendo – se, entretanto ligados
ao cérebro.

Três outros nervos, o terceiro, o quarto e o sexto são constituídos


exclusivamente de fibras motoras que enervam os músculos dos olhos e
são responsáveis por seus movimentos. Os núcleos centrais desses
nervos constituem um centro importante de controlo dos movimentos
oculares.

O quinto, o trigémeo, é o nervo mais importante das sensações e


movimentos da boca. Veicula sensações tácteis da face, da língua e é o
principal responsável pela mastigação. No entanto nas funções de
mastigação, de movimento da língua e de deglutição, cooperam com ele
outros dois nervos: o glossofaríngeo (IX) e o hipoglosso (XII).

O sétimo (facial) toma também parte no controlo dos movimentos


faciais. Alguns desses nervos estão envolvidos no gosto. O mais
importante deles é o facial (VII) que serve quase a dois terços da língua.
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Mas o glossofaríngeo (IX) e o vago, auxiliam também a enervação das
papilas gustativas da raiz da língua e da garganta. Para complementar a
lista, observa – se que o oitavo nervo é apenas sensorial e transporta os
impulsos auditivos e vestibulares do ouvido interno.

2.4.1.2 Os nervos somáticos espinhais

Estão dispostos de maneira mais regular e têm função mais uniforme do


que os nervos cranianos. O homem possui trinta e um pares, dispostos ao
longo da medula espinhal, podem ser classificados em seis grupos de
acordo com a parte da medula à qual estão associados (Ver Tabela 1.2).
Antes de penetrar na coluna, os nervos espinhais se dividem em duas
raízes, (Ver Fig. 1.9). Uma delas, a raiz dorsal é sensorial e outra, a raiz
ventral é motora (embora haja excepções à regra). Em cada raiz dorsal
existe um pequeno intumescimento, o gânglio dorsal espinhal,
constituído dos corpos celulares das fibras sensoriais que vêm dos
órgãos dos sentidos e se dirigem para a medula.

Os elementos sensoriais dos nervos se originam nos receptores tácteis,


térmicos e da dor na pele, nos receptores da pressão e da dor dos
músculos, tendões e juntas, e até certo ponto nos receptores internos do
trato digestivo e das cavidades corporais. As raízes sensoriais dos nervos
actuam como intermediários na sensibilidade da maior parte do corpo,
com excepção da face. Do mesmo modo, embora a distribuição de cada
nervo se limita à uma área relativamente pequena do corpo, as porções
motoras dos nervos espinhais controlam todos os músculos estriados dos
braços das pernas, do corpo com excepção da cabeça e do pescoço.

2.5 O sistema autónomo periférico (SAP)

O sistema autónomo encarrega – se sobre tudo do ajustamento do meio


interno do organismo, enquanto o sistema somático tem como função o
ajustamento do organismo com o meio externo. Eis o carrelacionamento
dos papéis diferentes desempenhados pelos dois sistemas referentes à
estrutura e actividade.

1) O sistema somático abraça tanto as actividades motoras como as


sensoriais, enquanto o sistema autónomo é considerado apenas
como um sistema motor. Há contudo fibras sensoriais que enervam
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as vísceras denominadas aferentes viscerais, relacionadas com as
funções autónomas.

2) Todas as conexões do sistema somático, com excepção dos casos


especiais da retina e do bulho olfactivo, são encontradas dentro do
sistema nervoso central, por outro lado, o sistema autónomo tem
como característica notável a localização de diversas sinapses e
gânglios fora do sistema nervoso central.

3) Quanto à organização das funções, o sistema autónomo opera mais


como um todo e de maneira mais diferenciada do que o somático.

4) Diferem também quanto à distribuição de fibras, o sistema


autónomo enerva as glândulas e os músculos lisos das vísceras e
dos vasos sanguíneos, enquanto que o sistema somático motor se
distribui entre os músculos estriados do esqueleto.

2.6 Divisões do sistema nervoso autónomo (SNA)

Distinguem – se dois canais de fluxo da actividade do sistema nervoso


autónomo (Ver Fig.1.10).

1) O fluxo simpático que se acha nas regiões torácicas e lombares da


medula espinhal e que por isso, é as vezes mencionado como
sistema toracolombar.

2) O parassimpático que se origina nas regiões cranial e sacral do


sistema nervoso central e que por isso, pode ser chamado do
sistema crânio-sacral.

O sistema simpático e parassimpático produzem efeitos antagónicos. Em


geral, o sistema simpático mobiliza os recursos do organismo para
enpregá – los no trabalho e em casos de emergência; ao passo que o
sistema parassimpático conserva e armazena as energias do corpo. Em
outras palavras, o primeiro contribui para despender as energias e o
segundo para economizá – las. Esta afirmação embora válida em sentido
amplo, não é válida para alguns casos específicos.
18
Geralmente, os dois sistemas nunca agem de forma independente um do
outro, mas mentem uma actividade correlata em grau diferente, de
conformidade com as exigências do mundo externo impostas ao
organismo. Através desta acção antagónica mas coordenada, o meio
interno mantém um equilíbrio relativamente estável sob as mais diversas
condições de trabalho e de repouso.

2.6.1 O sistema nervoso simpático

Existem vias espinais de condução tanto para o sistema autónomo como


para o sistema motor. As células do sistema autónomo tendem a se
localizar mais na porção lateral da substancia cinzenta do que nos cornos
ventrais onde estão os neurónios motores somáticos. Nos segmentos
toracolumbares da medula espinhal, os axónios das células autónomas
constituem com os axónios motores somáticos as raízes ventrais. Há no
homem vinte dois gânglios simpáticos dispostos regularmente ao longo
da medula espinal constituindo a chamada “cadeia simpática” ou
“cordão ganglionar”.

Nos gânglios desta cadeia, terminam as fibras que se originaram na


medula, como já foi referenciado anteriormente. Estas fibras são
denominadas fibras pré-ganglionares. Como são em grande parte
mielinizadas, o feixe que formam, quando abandonam o nervo espinhal,
é chamado ramo comunicante branco. Os corpos celulares de gânglio
enviam fibras axónicas de volta para os nervos espinhais, como mostra a
Figura 1.11, e como estas não são mielinizadas, formam o que se
denominou ramo comunicante cinzento, e são chamadas fibras pós-
ganglionares.

2.6.2 O sistema nervoso parassimpático

Já vimos que o sistema simpático possui os gânglios na região da


medula espinal ou na proximidade dos órgãos que enerva. O
parassimpático contudo, tem os gânglios apenas nesta última posição.
Suas fibras pré-ganglionares provêm quer do cérebro, quer da divisão
sacral da medula espinhal e se estende até aos gânglios parassimpáticos,
próximos sempre dos tecidos que enervam. Portanto, não há uma cadeia
de gânglios parassimpáticos capaz de inter – relacionar seus efeitos. A
partir desta diferença estrutural dos dois sistemas podemos antever uma
19
diferença funcional: o simpático tende a agir de maneira mais difusa e
como um todo, enquanto o parassimpático é um sistema altamente
diferenciado cujas partes são partes capazes de uma actividade mais
independente.

Os neurologistas distinguiram várias subdivisões, cada uma das quais


com tarefa própria, no parassimpático que tem diversas funções bastante
específicas. Apesar de existirem várias

subdivisões, apenas duas divisões amplas merecem menção. São as


partes cranianas e sacrais do parassimpático. A porção craniana compõe
- se de todos os nervos e saídas que estão associados com o cérebro e a
cabeça: enerva a íris do olho, as glândulas salivares e o coração. A
porção sacral se encontra na extremidade inferior da medula espinhal,
serve à bexiga, ao cólon, ao reto e às artérias dos órgãos genitais.

O parassimpático tem como função a conservação das energias e a


formação do corpo. Seus impulsos provocam a constrição da pupila,
resposta que protege o olho contra a luz excessiva. Inibe os batimentos
cardíacos e provoca a vasodilatação, diminuindo assim a pressão
sanguínea, reduzindo o gasto de “combustível” do corpo. Participa da
digestão, um processo de construção de várias maneiras: aumentando a
frequência e a quantidade de secreção salivar, aumentando as
contracções do estômago, provocando assim a secreção se sucos
digestivos. Ademais, através da descarga sacral, o parassimpático liberta
o coro de matérias indesejáveis e talvez, venenosas, provocando o
esvaziamento do cólon e da bexiga.
20

CAPÍTULO III SISTEMA NERVOSO CENTRAL· (SNC)

O sistema Nervoso Central é um órgão contido na caixa craniana e na


coluna vertebral, que pode ser subdividido e denominado de diversas
maneiras, dependendo do agrupamento particular de estrutura a que nos
queremos referir. Uma divisão mais ampla, fácil de ser notada, é a do
cérebro ou encéfalo e a medula espinhal. O cérebro, por sua vez se
subdivide em outras subestruturas funcionais: o prosencéfalo que nos
mamíferos e, sobretudo, no homem ocupa a maior parte do encéfalo; o
mesencéfalo e o rombencéfalo. O mesencéfalo e o rombencéfalo
constituem junto o tronco cerebral ou encefálico, pois constituem uma
espécie de tronco ou coluna para o prosencéfalo. Desenho

Vamos abordar as estruturas principais do SNC adoptando um critério


hierárquico de funções. Pode-se considerar que existem centros
superiores que comandam centros inferiores, que por sua vez,
comandam outros ainda inferiores, e assim sucessivamente. Assim
sendo, o bolbo raquidiano (a medula oblonga) e o cerebelo representam
o cérebro posterior; ao sistema activador reticular como cérebro médio;
ao sistema límbico e tálamo, são áreas subcorticxais do cérebro anterior.
Pelo papel preponderante que desempenha nos comportamentos
humanos, o córtex cerebral merecerá um tratamento à parte mais
aprofundado.

3.1. Medula espinal

A medula espinal é uma massa nervosa situada ao longo da coluna


vertebral que lhe serve de protecção, medindo aproximadamente de 40
cm de comprimento. A parte interior é constituída por uma substância
cinzenta; a exterior formada por neurónios com bainha mielínica, é a
substância branca. A medula espinal tem duplo papel:

a) É um centro coordenador das actividades reflexas, põe exemplo:


o reflexo rotuliano. Por isso, a medula espinal é um importante
mecanismo de defesa contra as agressões do meio, na medida
que as respostas medulares são rápidas, directas e automáticas,
ocorrendo antes de qualquer decisão cerebral.
21
b) É também um centro condutor. Os impulsos provenientes do
cérebro e os que para ele dirigidos circulam através da medula
espinal, pelo que intervêm também em comportamentos
voluntários. Qualquer decisão para andar, falar, ou fazer
qualquer outro movimento requer uma mensagem do cérebro
para a medula espinal e desta ao cérebro. As pessoas com lesões
na medula espinal perdem grande parte do controlo muscular.
Se a lesão for na parte inferior da medula, a pessoa deixa de
controlar as pernas, os intestinos e a bexiga; enquanto aquela
que ocorre na parte superior, o indivíduo perde o controlo dos
braços.

Uma das funções principais da medula espinal é a de conduzir os


impulsos provenientes do cérebro e para ele dirigidos. Embora os
impulsos possam entrar e dele sair através dos nervos cranianos, os
impulsos sensoriais provenientes de todas as partes do corpo, com
excepção da cabeça, atingem-no através da medula espinhal. Da mesma
forma, o controlo das acções do corpo, exceptuando-se a face e o
pescoço, é exercida pelo cérebro através das vias de condução que
percorrem a medula espinhal ou dela saem. Nesta, portanto, encontram-
se as vias ascendentes e descendentes entre o encéfalo e as várias saídas
e entradas dos nervos espinhais. A condução é a função primordial da
medula espinhal. Além disso, entretanto serve de centro integrador de si
mesmo e é intermediária de diversos actos reflexos complexos quase
sem intervenção do cérebro.

3.2. O tronco cerebral

O tronco cerebral compõe-se do mesencéfalo e do rombencéfalo. Há


uma estrutura que atravessa essas duas áreas e chega até o diencéfalo; é
a formação reticular que será considerada à parte.

3.2.1. O rombencéfalo· (Metencéfalo – Cérebro posterior)

As principais porções do rombencéfalo são a medula oblonga ou bolbo


raquidiano, a ponte, o cerebelo e aparte do IV ventrículo; mas vamos
enfatizar apenas o bolbo raquidiano e o cerebelo. O bolbo raquidiano
une a medula espinhal com as porções superiores do cérebro. Sua
importância deriva do facto de que a maioria dos nervos cranianos sai e
22
entram por ela. Há probabilidade que ela contenha vários núcleos de
corpos celulares, associados àqueles nervos. Ademais, ali se encontram
os núcleos autónomos relacionados com a respiração, com os
batimentos cardíacos e com a pressão sanguínea; razão pela qual a
medula oblonga é, as vezes chamada de centro vital do cérebro. Sem a
mesma, os processos fundamentais da respiração e da actividade
cardíaca não poderiam prosseguir.

Acima da medula oblonga, encontramos o cerebelo que é uma estrutura


que se assemelha aos hemisférios cerebrais, pois a substância cinzenta
se localiza na superfície externa e a substância branca, juntamente com
os núcleos, localiza-se no interior. O papel principal desempenhado
pelo cerebelo é o de atenuar e coordenar os impulsos responsáveis
pelos movimentos musculares; deve, portanto ser considerado
primordialmente como órgão de coordenação motora.

3.2.2. Bolbo raquidiano ou medula oblonga

O bolbo raquidiano é uma das áreas do cérebro posterior, é o


prolongamento superior da medula espinhal, ligando-a ao encéfalo.
Possuí funções semelhantes às da medula, na medida em que constituí
um centro de actividade reflexa e conduz as impressões à parte
superioras do cérebro. O bolbo raquidiano recebe informação sensorial
proveniente da cabeça como por exemplo: o paladar, a audição, o tacto
no corno cabeludo e envia os impulsos de controlo motor à cabeça como
por exemplo: mastigar e engolir. Também intervém no ritmo respiratório
e cardíaco e noutras funções ligadas a preservação da vida, como o sono.

3.2.3. Cerebelo

Também faz parte do cérebro posterior e é formado por dois hemisférios


ligados entre si na parte inferior. Possuí, entre outras, funções ligadas à
manutenção da posição e equilíbrio do corpo e ao controlo da actividade
muscular. O desempenho destas funções pelo cerebelo explica o seu
grande desenvolvimento nas aves, o que lhes permite um equilíbrio
extraordinário durante o voo.

O cerebelo divide-se em quatro partes: a) uma ventral recebe as fibras


que fizeram relé nos órgãos sensoriais de equilíbrio; b) os canais
23
semicirculares, o utrículo e o sáculo; c) as porções anterior e
posterior que recebem principalmente fibras sensoriais da medula
espinal; d) e a porção dorsal, conhecida por neocerebelo, que mantém
um grande número de conexões com os núcleos da ponte e também
como os lóbulos frontais do córtex cerebral. O papel principal
desempenhado pelo cerebelo é o de atenuar e coordenar os impulsos
responsáveis pelos movimentos musculares; deve portanto ser
considerado como um órgão de coordenação motora. O cerebelo tem
também um papel especialmente activo no controlo dos actos motores
complexos e rápidos, como tocar piano ou jogar basquetebol.

3.3. Sistema Activador Reticular (SAR)

O SAR ou mesencéfalo, é a área que se encontra no cérebro anterior,


estende-se por todo tronco cerebral, desde o bolbo raquidiano até ao
tálamo e é formado por uma fina rede de nervos cuja função é a de
despertar as diversas áreas do cérebro, de modo a estarem aptas a
descodificar as mensagens e a emitir a resposta adequada. Se este
sistema não funcionar, ainda que as informações atinjam o cérebro, este
não as descodifica tem a função de alertar o cérebro, discriminando entre
as mensagens, aquelas que convém que atinjam este órgão.

Por exemplo podemos afirmar que a habituação ao tic-tac do despertador


ou ao barulho dos automóveis na rua depende do bom funcionamento do
SAR. Tal papel seleccionador de estímulos protege o cérebro, evitando
que ele seja bombardeado por informações irrelevantes.

3.4 Prosencéfalo

É a área que representa o cérebro anterior; para o psicólogo é a parte


mais importante do cérebro porque possuí virtualmente as partes
implicadas na sensação, na percepção e na coordenação de todas as
formas de comportamento, inclusive da emoção, motivação,
aprendizagem, linguagem e pensamento. Segundo os neuranatomistas
distinguem-se em geral duas partes principais no prosencéfalo: o
telencéfalo e o diesencéfalo. Elas representam etapas mais adiantadas da
diferenciação do prosencéfalo. Ocasionalmente, mas nem sempre, nos
referimos a estas duas divisões, por isso é útil citar o que incluem (Ver
Fig. 2.2) Desenho
24
O diencéfalo compreende o tálamo, os tratos ópticos, a retina do olho, a
pituitária ou hipófise, os corpos mamilares, o hipotálamo e o terceiro
ventrículo. O telencéfalo compreende o bulbo olfactivo, os hemisférios
cerebrais e os gânglios basais. Apesar de existirem várias estruturas no
prosencéfalo, apenas interessam-nos o tálamo e aquelas que fazem parte
do sistema límbico.

3.4.1. Sistema límbico

O sistema límbico é uma estrutura nervosa nas áreas subcorticais na


fronteira interna dos hemisférios cerebrais. Desta rede nervosa fazem
parte o hipotálamo, a amígdala, o hipocampo, a área do septo, o corpo
caloso e o giro cingulado. Dos seis elementos constituintes deste
sistema, somente os três primeiros serão enfatizados devido às suas
implicações aos actos comportamentais.

3.4.1.1 O hipotálamo

Uma outra parte importante do diencéfalo é o hipotálamo e as estruturas


a ele associadas. Estas, têm funções importantes e incomuns, ligadas ao
Sistema Nervoso Autónomo Periférico e por isso destacam-se das outras
estruturas do cérebro que vimos analisando. O hipotálamo tem as
seguintes funções:

a) Regula os comportamentos motivados e emotivos

b) Preside à vigília e ao sono, à satisfação de necessidades básicas


associadas à fome, à sede, ao desejo sexual e à agressividade
instintiva.

c) Controla a circulação sanguínea e a distribuição do sangue no


cérebro

d) É responsável pela temperatura do corpo. Quando o corpo


necessita de perder calor, o hipotálamo provoca a vasodilatação,
aumentando o suor e reduzindo o metabolismo causando
25
uma baixa de temperatura. Através de mecanismos opostos, isto é,
provocando a vasoconstrição aumentando a temperatura corpórea.

Apesar da zona hipotalámica não ser maior do que um amendoim, é um


centro de controlo de tantas funções vitais que é muitas vezes designado
por “guardião do corpo.

3.4.1.2. A amígdala

Uma outra estrutura de relevância que faz parte do sistema límbico; além
de controlar uma parte do sistema imunológico, influencia nos animais
os comportamentos de agressão, de cólera e de medo. Nos seres
humanos intervém no comportamento social. Um indivíduo com uma
lesão nesta área tem dificuldades em identificar o conteúdo emocional
pelas expressões faciais das outras pessoas. Para os animais, uma lesão
da amígdala pode causar uma sexualidade indiscriminada.

3.4.1.3. O hipocampo

A terceira área de referência do sistema límbico que tem um papel


fundamental no armazenamento das lembranças. Tem implicações no
processo de aprendizagem e da memória. Uma lesão a nível desta
estrutura, num indivíduo, tem repercussões graves na memória com
manifestações de uma amnésia anterógrada. A pessoa lembra do que
aconteceu antes da lesão, mas não tem capacidade de conservar novos
factos ou experiências.

3.5. O tálamo

Uma zona que fica situada por cima do tronco cerebral e é formada por
duas estruturas ovalóides , constitui o principal centro de coordenação
das impressões sensoriais. Recebe a informação dos neurónios sensitivos
e encaminha-a para as regiões superiores do cérebro que lidam com a
visão, a audição o paladar e o tacto. Também recebe respostas das áreas
do cérebro que envia para o cerebelo e o bolbo raquidiano.
26
3.6. O córtex cerebral - Estrutura e funcionamento

No sentido etimológico, o córtex cerebral significa casca e, de facto


refere-se à superfície externa do cérebro anterior e que nos seres
humanos constituí cerca de 90% da totalidade do cérebro. O córtex é a
estrutura que assegura ao homem a sua superioridade, isto é, a sua
enorme capacidade de processar informações. De entre os animais, o
homem é o organismo mais capaz de comportamentos inteligentes, facto
explicável em grande parte pelo tamanho e complexidade do córtex.

3.6.1. Os lobos cerebrais

O córtex humano é atravessado por uma fissura longitudinal, que o


divide em metades quase simétricas, denominadas hemisférios. Cada
hemisfério é responsável pelo controlo sensorial e motor do lado oposto
do corpo. O córtex que cobre cada hemisfério está dividido em quatro
regiões ou lobos: frontal, parietal, temporal e occipital. (Figura)

Os lobos são regiões geográficas delimitadas por sulcos marcantes, mas


são unidades que funcionem separadamente, desempenhando cada um
deles muitas funções e algumas funções exigem a acção conjunta de
vários lobos. Quanto à organização funcional, os lobos são bastante
semelhantes entre si, podendo distinguir-se em cada um deles dois tipos
de áreas: primárias e secundárias.

a) Áreas primárias - Também chamadas áreas de projecção,


funcionam como estações receptoras de informação sensorial ou
como centros de transmissão de ordens motoras. As áreas
sensoriais representam as regiões corticais onde em primeiro lugar
são recebidas ou projectadas as mensagens provenientes dos órgãos
dos sentidos. As impressões ligadas à visão, à audição, ao tacto, ao
sentido da dor, do calor, do frio etc., são acolhidas netas áreas antes
de receberem qualquer tratamento posterior. Também se incluem
nas áreas primárias as chamadas áreas motoras que são regiões
corticais de onde partem as ordens para os músculos efectuarem os
movimentos.

b) As áreas secundárias - São também chamadas áreas de


associação, coordenam e integram a informação recebida nas áreas
27
primárias. As áreas secundárias ou de associação estabelecem a
ligação entre os diversos dados sensoriais e as informações
armazenadas na memória, o que constituí aspecto primordial do
processo de pensamento. Ocupam no homem 75% do córtex
cerebral, enquanto a recepção da informação sensorial e o comando
das respostas musculares (áreas motoras) só ocupam os restantes
25%. As áreas secundárias interpretam, integram e organizam a
informação processada pelas áreas primárias.

3.6.1.2. Lobo occipital

É a área especializada em diferentes aspectos da visão tais como: visão


de forma do objecto, da cor e dos movimentos. Em caso de lesão a nível
da área visual primária, o indivíduo perde a capacidade de ver, isto é,
passa a sofrer de uma cegueira cortical. (Figura)

A danificação a nível da área visual secundária permite ao indivíduo de


continuar a ver, mas perde a capacidade de reconhecer e identificar o
que vê. Neste caso a anomalia designa-se por agnosia visual. É uma
agnosia que se manifesta nas perturbações da percepção das cores, das
formas, dos movimentos, da localização espacial etc.,

A área visual das palavras faz parte desta região; é da sua competência a
capacidade de ler. A cegueira verbal ou alexia provocada pela lesão
dessa zona faz com que a pessoa, embora vendo os sinais gráficos
constitutivos das palavras se torna incapaz de os compreender. (Figura)

3.6.1.3 Lobo temporal

É a principal área da audição, contribuindo também para alguns aspectos


mais complexos da visão. Se houver uma lesão na área auditiva
primária, o indivíduo deixa de ouvir os sons, sofrendo de surdez
cortical. Naquela lesão que se verifica na área auditiva secundária, o
sujeito fica sofrer de uma agnosia auditiva; continua ouvir os sons,
embora seja incapaz de os reconhecer, mesmo aqueles lhe são familiares
como por exemplo: o cantar dos pássaros, o barulho da chuva cair, a
música ou os passos de uma pessoa.
28
Na fronteira do lobo temporal com os lobos parietal e occipital, situa-se
uma área de Wernick, cuja designação se deve ao nome de um
psicofisiologista que a identificou no século XIX. É a área auditiva da
linguagem, cuja lesão implica perturbações complexas a nível da
linguagem que incluem a surdez verbal. O ouvido continua a funcionar,
captando as palavras, mas a pessoa é incapaz de lhes interpretar o
significado.

3.6.1.4 Lobo parietal

Na parte posterior deste lobo fica uma faixa especializada nas sensações
do corpo que incluem o tacto, a dor, a temperatura e a consciência da
localização das partes do corpo. É o chamado córtex somatossensorial
que através dos neurónios sensitivos, se mantém em ligação com as
diferentes partes do corpo. É de notar que as partes mais sensíveis do
corpo como os lábios e as mãos ocupam áreas muito maiores do córtex
sensorial do que as partes menos sensíveis como o abdómen ou as
costas.

Uma lesão em qualquer parte do córtex sensorial compromete a


sensibilidade táctil, térmica ou álgica da parte correspondente do corpo.
Esta incapacidade de sentir as estimulações designa-se por anestesia
cortical. Se a lesão tiver lugar na área somatossensorial secundária, a
pessoa apresenta dificuldades diversas, normalemente em relação à
localização das sensações tácteis ou térmicas no corpo, à distinção de
sensações de diferentes qualidades e intensidade etc. Nalguns casos, o
sujeito mantém a sensibilidade táctil, reconhecendo a forma, a dimensão
e a textura de um objecto como por exemplo um lápis mas sem o ver, é
incapaz de o reconhecer e identificar. Trata-se de distúrbios
genericamente designados por agnosias somatossensoriais ou
assomatognosias.

3.6.1.5. Lobo frontal

Inclui a área primária importante no controlo dos movimentos finos


como mover um dedo de cada vez. É a área que foi descoberta nos finais
do século XIX por fisiologistas que ao estimularem electricamente o
córtex de cães, verificaram a ocorrência de movimento em diferentes
partes do corpo. Outra descoberta feita na mesma altura a de que
29
estimulando pontos específicos dessa área motora no hemisfério direito
ou no esquerdo, as partes específicas que se moviam eram as do lado
oposto.

Uma lesão na área motora primária provoca paralisia cortical que


implica perturbações a nível da execução da motricidade fina de
algumas partes específicas do corpo; e a lesão verificada na área motora
secundária, a pessoa passa a sofrer uma apraxia, isto é, de uma
incapacidade de organizar actos voluntários. Não organiza sequências de
movimentos, pelo que não pode executar tarefas que quer e julga ser
capaz. A dificuldade reside na selecção dos elementos correctos e no seu
ajustamento sequencial; por exemplo: acender um cigarro, escrever uma
carta.

Na área motora secundária localizam-se duas áreas importantes cuja


lesão ou supressão acarreta a impossibilidade de o indivíduo exprimir o
seu pensamento. Trata-se da área da escrita e da área motora da
linguagem. A primeira faculta ao homem o poder de transmitir as suas
ideias através da linguagem escrita. A danificação desta área provoca a
agrafia que impede o indivíduo de transmitir o que pensa por meio de
sinais gráficos.

A segunda é responsável pela linguagem oral. A afasia é a doença do


indivíduo cujo centro motor da linguagem foi lesado e, por
consequência, a diminuição ou a abolição total da possibilidade de
expressão oral. Nos meados do século XIX, a partir da autópsia realizada
num doente com perturbações profundas na linguagem, Paul Broca
descobriu na terceira circunvolução do lobo frontal esquerdo uma zona
que, lesada, impedia que o indivíduo fosse capaz de se exprimir,
falando; tal região cerebral ficou na história de fisiologia conhecida por
centro de Broca. (Quadro das doenças nas áreas primárias e
secundárias).

3.6 1.6 Área pré-frontal

Nas secções anteriores do lobo frontal existe área denominada de área


pré-frontal ou córtex pré-frontal, parece desempenhar papel
fundamental no controlo dos comportamentos que se consideram
unicamente humanos. É a área responsável pelo pensamento abstracto,
30
pela capacidade de planear antecipadamente e pela manutenção de uma
constância em termos de personalidade.

Um exemplo do caso Elliot: ele sofreu danos no córtex pré-frontal


devido a uma intervenção cirúrgica para remoção de um tumor. Como
consequências pós cirúrgicas, notou-se a alteração de sua personalidade,
perdendo a capacidade de sentir emoções, não mostrava impaciência
nem sentimentos de frustração, não sentia prazer com a música ou com
qualquer outra forma de arte, raramente se encolerizava ou zangava.
Descrevia a intervenção cirúrgica a que fora submetido e a deterioração
da sua vida com sereno distanciamento como se tivesse relatar
acontecimentos alheios. Para além do deficit emocional, manifestava
profundas dificuldades em fazer planos ou em seguir planos feitos por
outrem.

Um outro exemplo de alterações provocadas por lesão cerebral na zona


pré-frontal estudado por Brickner, um neurologista norte-americano. Um
sujeito corrector da bolsa que antes da lesão era cordial, afável,
trabalhador e manifestava comportamento social mas passou a revelar
uma personalidade profundamente alterada, fazia comentários
desrespeitosos acerca das pessoas conhecidas ou desconhecidas,
incluindo a mulher; vangloriava-se das suas façanhas físicas
profissionais e sexuais; mas na realidade não praticava nenhum
desporto, não trabalhava e a sua actividade sexual tinha-se extinguido.

Em suma as secções anteriores do lobo frontal desempenham papel


fundamental em processos mentais superiores tais como organização,
planificação, execução de tarefas que impliquem projecto prévio,
processamento de lembranças e de linguagem, imaginação. Pensamento,
consciência reflexiva, tomada de decisões e integração da personalidade.
E graças à actividade
das áreas pré-frontais que os homens têm podido dedicar-se á
especulação abstracta e consequentemente realizar obras-primas a nível
da arte e fazer assombrosas descobertas a nível da ciência. (Quadro dos
efeitos das lesões localizadas)
31

3.7. Os hemisférios cerebrais

Embora do ponto de vista anatómico os dois hemisférios sejam muito


semelhantes, mas com funções distintas. Acidentes, tromboses e tumores
no hemisfério esquerdo provocam distúrbios na leitura, na escrita, na
fala, no raciocínio aritmético e, em geral na capacidade de compreender.
As lesões semelhantes no hemisfério direito não têm efeitos tão
dramáticos. Sabe-se também que o hemisfério esquerdo comanda a
sensibilidade e os movimentos do lado direito do corpo, e nas pessoas
esquerdinas o controlo é, geralmente feito pelo hemisfério direito.

3.7.1. Funções de cada hemisfério

Os sistemas de processamento da informação são diferentes em cada


hemisfério.

- O hemisfério esquerdo é especializado em simbologia e lógica e ocupa-


se do pensamento
maianalítico (separar as ideias, linear -um passo a seguir ao outro) e
verbal (escrito e falado);
constrói frases e resolve equações; faculta ao homem a ciência e a
tecnologia.

- O hemisfério direito é responsável pela organização das percepções


espaciais e encarrega-se do
pensamento mais sintético (associar as ideias), holístico (encontra as
relações num só passo
intuitivamente) e imagístico (rege-se por imagens). O ouvir a música e
aperceber-se da
trimensionalidade dos objectos. É responsável pela arte e pela
imaginação.

Apesar das diferenças constatadas no processamento de informação


entre os dois hemisférios, os

estudos revelam que eles funcionam coordenadamente desempenhando


papéis complementares.
32
De acordo com a afirmação de um estudioso, a razão humana está
dependente não de um único
centro cerebral, mas de vários sistemas cerebrais que funcionam de
forma concertada ao longo
de muitos níveis de organização neuronal. Tanto as regiões cerebrais de
alto nível como as de
baixo nível, desde as áreas pré-frontais até ao hipotálamo e ao tronco
cerebral, cooperam uma
com as outras na feitura da razão.

O desenvolvimento das neurociências tem vindo, segundo mo estudioso


António Damásio, a
mostrar que os princípios básicos que regem o modo como o cérebro
funciona são dois:

Especialização – significa que o cérebro não funciona como um todo


indiferenciado, havendo
zonas que dão o seu contributo específico para o comportamento. Mover
a mão, percepcionar a
cor, o movimento ou a profundidade depende de cadeias nervosas
especializadas.

Integração - são funções complexas como a linguagem, a memória, a


aprendizagem, o amor
envolvem a coordenação de muitas áreas do cérebro. Apesar da
especialização se subsistemas
cerebrais definidos, localizados em regiões particulares de cérebro, este
actua também como
todo unificado.

Quando se diz que há uma unidade funcional do cérebro, isto significa


que duma forma global,
ela resulta da actuação diferenciada ou especializada, mas sincronizada,
dos diferentessistemascorticais e subcorticais

Para uma melhor sistematização das doenças que temos vindo a referir,
apresentamos dois esquemas: um, relativo às áreas primárias ou de
projecção: outro, relativo às áreas secundárias ou de associação; como
33
ilustra o Quadro I; enquanto o Quadro II mostra os efeitos das lesões e
sua localização.
34

CAPÍTULO IV FISIOLOGIA DO NEURÓNIO

4.1 Os potenciais dos neurónios

A estrutura típica do neurónio já foi referenciada anteriormente. Tem o


corpo celular, um ou mais dendritos e um axônio. Tem uma membrana
e, as vezes, mas nem sempre, uma bainha de mielina que envolve suas
fibras. Há várias diferenças entre a fisiologia do corpo celular, a dos
dendritos e a do axõnio. Mas para os três, a chave para compreender
suas funções está na membrana celular. Uma das propriedades básicas
da membrana é a manutenção do equilíbrio de pressão e de íons nos dois
lados.

4.1.1 Potencial de repouso

As membranas das células como vimos no capítulo I podem se polarizar,


isto é, pode haver mais íons de um determinado tipo positivo ou
negativo, de um lado da membrana do que do outro. Quando isso ocorre
estabelece-se um potencial electroquímico. Isto se dá com a membrana
dos neurónios. No estado de repouso, estabelece-se uma diferença de
potencial electroquímica entre os dois lados da membrana que
chamamos de potencial de repouso.

Geralmente ela vai de -50 a -100 milivolts embora possa ser menor. O
sinal menos indica que o potencial é negativo considerando o interior da
membrana como ponto de referência. O exterior da membrana tem mais
íons positivos do que negativos; enquanto o interior, um excesso de íons
negativos. (Figura 3.1)

Sempre levantou-se a questão do porquê existe um potencial de repouso


e porque este potencial é tal que o interior da membrana é negativo
relativamente ao exterior? Os pesquisadores das neurociências
quebraram a cabeça para resolver este problema e fizeram inúmeros
experimentos para encontrar a solução.

Actualmente a teoria mais aceite é a do sódio. Presume-se que a


membrana em estado de repouso, não porém, nos outros estados, torna-
se relativamente impermeável ao sódio, enquanto deixa passar a maioria
35
dos outros íons, como o potássio (K+) e o cloro (Cl-). Como sabemos que
há uma quantidade maior de íons fora da membrana do que no seu
interior durante o estado de repouso e presume-se que esse excesso é
responsável pela polarização da membrana e, portanto pelo potencial de
repouso. (Figura 3.2)

4.1.2 Potencial de ponta

O potencial de ponta é, na realidade uma mudança muito brusca de


potencial, primeiro num sentido e depois no sentido oposto, voltando
finalmente ao nível de repouso. Exemplo: se a gente estiver registando
um potencial de repouso de por exemplo de – 70 milivolts, e estimular
então electricamente a fibra nervosa com um estímulo suficientemente
intenso, o voltímetro se desloca rapidamente de -70 milivolts para zero e
tipicamente ultrapassa esse índice chegando até +30 milivolts, voltando
depois ao nível de repouso.

4.1.3 O impulso nervoso

A resposta emitida pelos neurónios assemelha-se a uma corrente


eléctrica transmitida ao longo de um fio condutor: uma vez excitados
pelos estímulos, os neurónios transmitem essa onda de excitação
chamada de impulso nervoso por toda sua extensão em grande
velocidade e em curto espaço de tempo. Esse fenómeno deve-se à
propriedade de condutibilidade.
A membrana plasmática do neurónio transporta alguns íons activamente,
do líquido extracelular para o interior da fibra, e outros, do interior, de
volta ao líquido extracelular. Assim funciona a bomba de sódio e
potássio, que bombeia activamente o sódio para fora, enquanto o
potássio é bombeado activamente para dentro. Porém, esse
bombeamento não é equitativo: para cada três íons de sódio bombeados
para o líquido extracelular apenas dois íons de potássio são bombeados
para o líquido intracelular. Somando-se a esse facto, em repouso a
membrana da célula nervosa é praticamente impermeável ao sódio
impedindo que esse íon se mova a favor de seu gradiente de
concentração (de fora para dentro); porém, é muito permeável ao
potássio, que favorecido pelo gradiente de concentração e pela
permeabilidade da membrana, difunde livremente para o meio
extracelular.(Figuras)
36

CAPÍTULO V O MEIO INTERNO

O conceito do meio interno foi formulado há mais de um século pelo


fisiologista francês Claude Bernard (1813-1878). Este conceito refere-se
a todas as situações químicas, térmicas e do estímulo encontradas dentro
do corpo, formando um meio para os seus órgãos. Tal meio interno
consiste em sua maior parte, no sangue, sua composição química e suas
relações químicas com os vários tecidos. O conceito contraste com o do
meio externo, o qual consiste em todas as condições externas que
actuam sobre o corpo. Algumas condições do meio interno afectam
profundamente o comportamento. Em consequência disso, torna-se
necessário considerar, pelo menos superficialmente as características
gerais do meio interno.

Para uma melhor compreensão do meio interno, quatro secções serão


abordadas:

O mecanismo metabólico, dentro do qual falaremos das etapas básicas


na regulação do metabolismo
Os hormónios, sua identidade e funções gerais
A homeostase, sua natureza e influência na regulação do comportamento
As drogas psicoactivas; estas últimas, embora não serem parte do meio
interno, mas sua acção no organismo é exercida através da corrente
sanguínea e consequentemente do meio interno.

5.1 O mecanismo metabólico

O homem e os animais obtêm substâncias para a nutrição, naturalmente


do meio externo sob a forma de carboidratos, gorduras e proteínas. Estas
substâncias são inicialmente ingeridas e, quando no trato alimentar,
decompostas de forma que possam, a partir das paredes do intestino ser
absorvidas pela corrente sanguínea. Depois são distribuídas pelas
diferentes partes do corpo.

No fígado e em outros tecidos, os componentes complexos são


transformados em compostos mais simples, que podem ser usados nas
reacções químicas das células do corpo como uma fonte de energia.
Simultaneamente esses compostos mais simples podem ser utilizados
37
para a produção de várias substâncias complexas de que o corpo
necessita. Estes dois processos – a decomposição e a produção de
substâncias complexas são aspectos do metabolismo mais importante
para esta secção.

5.1.1 Elementos essenciais da dieta

Embora o organismo possa elaborar várias das substâncias que lhe são
necessárias, é indispensável a existência de certos compostos que
funcionam como elementos básicos para o desenvolvimento de suas
actividades de síntese. Existe em consequência, um grande número de
elementos dietéticos essenciais, sem os quais a maioria dos animais
superiores não pode sobreviver. A lista desses elementos inclui dez
aminoácidos essenciais, três ácidos gordurosos indispensáveis, todas as
vitaminas e alguns elementos inorgânicos.

5.1.2 O metabolismo de carboidratos

O facto de existir três tipos de substâncias alimentícias (carboidratos,


proteínas e gorduras), implica considerarmos também três tipos de
metabolismo. Dos três, o metabolismo dos carboidratos é o principal sob
dois aspectos:

1) Ele é a fonte primária de energia para o corpo como um todo e,


particularmente para o cérebro e os músculos com os quais está mais
relacionado
.
2) Os produtos do metabolismo das proteínas e gorduras, como
veremos mais tarde, vão envolver-se com as cadeias do metabolismo dos
carboidratos. Eis a razão de começarmos com destaque pelo
metabolismo dos carboidratos.

As fontes de carboidratos na alimentação consistem ordinariamente em


amidos e em açúcares complexos. No entanto estas fontes não se
encontram em sua forma apropriada para a absorção e uso na corrente
sanguínea. Elas adquirem esta forma quando são decompostas no trato
digestivo, com ajuda das enzimas, em glicose que é um açúcar mais
simples. Nesta forma atinge a corrente sanguínea onde circula, sendo
ordinariamente mantida em nível relativamente constante (40-110
38
miligramas por milímetro de sangue). A partir do sangue ou melhor, do
plasma, que é a parte do sangue que não possui corpúsculos, a glicose
circula até aos vários órgãos onde é utilizado. (Figura 4.1)

5.1.2.1Armazenagem de energia

Nas reacções exteriores ao corpo, a oxidação de uma substância que


contenha carbono e hidrogénio decompõe eventualmente a substância
em dióxido de carbono e a água, liberando simultaneamente a energia.
Tal energia se encontra geralmente sob a forma de calor. Isto é que
acontece quando a madeira é queimada. O mesmo ocorre, de certa
forma, quando os carboidratos são oxidados dentro do corpo. O calor do
corpo aumenta pela queima dos carboidratos.

Entretanto, outros tipos de trabalho, além de liberação de calor devem


ser feitos no corpo e feitos rapidamente. Nos músculos este trabalho é
mecânico: os músculos contraem-se; no sistema nervoso o trabalho é
eléctrico e químico através dos impulsos nervosos que transmitem as
mensagens entre si e para os neurónios. Estes dois processos são
extremamente rápidos.

No desempenho de tais trabalhos, o corpo possui uma etapa


intermediária que envolve um composto conhecido como adenosina-
trifosfato, ou ATP. Este composto é formado por ácido adenílico e
fosfato inorgânico, pela decomposição da glicose e outros carboidratos.
Sua característica é conter duas moléculas de fosfato
surpreendentemente ricas de energia. Nesta molécula é armazenada a
energia liberada nos carboidratos (e outras formas), do metabolismo;
energia que pode, quando necessário, ser liberada “imediatamente”. Por
esta razão, o ATP é conhecido como o “depósito de energia” do corpo

O ATP pode reagir rapidamente com um grande número de compostos


para liberar esta energia. Quando isto acontece, ele se decompõe em um
composto intermediário, a adenosina disfosfato (ADP), ou volta à forma
de ácido adenílico e fosfato inorgânico. A partir desses estágios, pode
ser novamente reelaborado através do metabolismo dos carboidratos, a
fim de, quando necessário fornecer energia instantaneamente. Deste
modo, a decomposição relativamente lenta do carboidrato armazena, no
39
ATP, energia que pode ser rapidamente liberada na contracção muscular
ou nos impulsos nervosos.

É interessante notar, de passagem, que é necessária energia para formar


o glicogénio a partir da glicose. Tal energia também provém do ATP,
que a consegue da decomposição da glicose, ácido láctico, ácido
pirúvico, ou uma das outras etapas intermediárias do metabolismo.

5.1.3 Metabolismo das gorduras e das proteínas

Existem como já salientamos antes interconversões entre as três classes


de actividades. De acordo com a Figura 4.3, podemos constatar que
tanto as gorduras como as proteínas podem entrar nas etapas do
metabolismo de carboidratos em pontos diferentes. Além disso, as
substâncias encontradas no

metabolismo podem ser convertidas em gorduras e proteínas. O ponto


essencial é que as gorduras e proteínas servem como sistemas
armazenadores que podem, quando necessário liberar material para o
metabolismo dos carboidratos, para oxidação e a liberação de energia.

As gorduras são fontes de energia muito concentradas.


Comparativamente, elas contêm mais energia que os carboidratos ou
proteínas. Esta energia é usada tipicamente no organismo bem nutrido,
como sistema de reserva. A gordura que entra na corrente sanguínea a
partir do trato digestivo é depositada no tecido adiposo, nas regiões
subcutâneas onde permanece até ser necessária.

Se o corpo despende energia maior que fornecida pelos carboidratos, ela


é mobilizada e utilizada da maneira indicada na Figura 4.3. Parte da
gordura armazenada nos tecidos subcutâneos pode ser, por causa da
interconversão das substâncias alimentícias, derivada do metabolismo
dos carboidratos e proteínas. As proteínas ingeridas na alimentação têm
uma história diferente. Inicialmente, sob a influência das enzimas do
trato digestivo, são decompostas em vinte ou mais aminoácidos
diferentes. Destes cerca de dez são essenciais para a alimentação, pois o
corpo não pode elaborá-los. Os outros podem ser elaborados pelo corpo
a partir de aminoácidos essenciais. As proteínas podem ser estocadas em
diversos lugares, sendo os depósitos principais, o fígado e os músculos.
40
Nestes lugares elas podem, quando necessário, ser mobilizadas para
fornecer energia. Fazem-no através dos aminoácidos, como mostra a
Figura 4.3.

5.1.4 As enzimas

As etapas envolvidas no metabolismo são extremamente complexas. E


esses vários passos estão sendo continuamente executados de forma
ordenada e rápida. Envolvido em virtualmente todo passo está um
material chamado enzima. É um catalisador biológico, substância que
acelera uma reacção química. Não fosse a ajuda das enzimas, as etapas
químicas no metabolismo se processariam num ritmo excessivamente
lento ou nem teriam lugar. As enzimas são elaboradas pelo corpo a partir
de matéria sintetizados alimentos.

5.1.5 Os genes e as enzimas

Os genes são as unidades básicas da hereditariedade. Eles determinam a


estrutura de um organismo e, em grande parte, as actividades que nele se
desenvolvem. Recentemente ficou comprovado que os genes
desempenham seu papel através das enzimas controlando as reacções
químicas que se processam no corpo. Existe uma ligação bioquímica
bastante estreita entre os genes e as enzimas, sendo que os genes
transmitem, com frequência, características hereditárias que afectam os
sistemas enzimáticos.

Um exemplo interessante para os psicólogos, a oligofrenia fenilpirúvica.


A oligofrenia fenilpirúvica é um tipo de defeito mental hereditário
relativamente raro. Deve-se a um tipo de gene recessivo mutante. Esse
gene torna deficiente uma enzima do fígado, necessária para

metabolizar um aminoácido, a fenilalanina. Consequentemente, tal


aminoácido não é normalmente metabolizado (em tirosina). Ao
contrário, é convertido em ácido fenilpirúvico. Certos metabolitos desta
substância são acumulados em excesso e aparecem na urina. Por esta
razão, uma simples exame de urina pode ser usado para determinar a
presença da condição. Para o nosso objectivo, o que interessa é que um
defeito mental particular resulta de um defeito enzimático que, por sua
vez, está ligado a um defeito genético.
41
5.1.6 Vitaminas

As vitaminas são compostas químicos essenciais para o crescimento e


para outros processos vitais. Daí, seu nome. O motivo de serem elas tão
“vitais” é o facto de funcionarem como coenzimas – a parte activa de
uma enzima – na catálise de reacções controladas por enzimas. Por
conseguinte, quando faltam vitaminas na dieta de um indivíduo, as
reacções controladas por enzimas essenciais para a dieta são bloqueadas,
causando assim um desarranjo no metabolismo. Tal bloqueio causa
sempre alguns sintomas de deficiência característica.

Como as vitaminas não são relacionadas entre si, não é fácil classificá-
las. A maneira mais comum de fazê-lo é o de dividi-las em vitaminas
solúveis em água e solúveis em gorduras. As solúveis em gorduras são:
A, D, E e K. As substâncias solúveis em água são as vitaminas B que
incluem a tiamina, riboflavina, ácido nicotínico, B6, ácido pantotênico,
biotina, ácido fólico , B12, p-ácido aminobenzóico, inositol, colina e a
vitamina C, ácido ascórbico.

5.1.7 As hormonas

Os hormónios são substâncias segregadas pelas várias glândulas de


secreção interna, as glândulas endócrinas. O termo hormónio vem do
grego que significa activar ou colocar em movimento. Ele é requerido
em quantidades bastante pequenas e serve de regulador de certas
actividades metabólicas específicas. A forma como cumpra esta função
reguladora não está muito clara. De qualquer forma influencia, sem
dúvida, a eficácia de um ou mais sistemas enzimáticos mas
provavelmente não funciona directamente como catalisador, no mesmo
sentido em que funciona uma enzima. De qualquer maneira, os
hormónios são reguladores importantes das taxas de actividade e têm em
vários casos, um papel importante no comportamento.

As principais glândulas endócrinas são: a hipófise (ou pituitária), a


tiróide, a paratiróide, os supra-renais, o pâncreas, os ovários e os
testículos. Fazendo-se referência aos efeitos principais que provocam
algumas hormonas, bem como a sua origem, eis o quadro representativo.
42
5.1.8 Homeostase

A ênfase deste capítulo tem sido posta no metabolismo intermediário e


em como os compostos complexos são formados no corpo, e a energia é
armazenada e liberada. Mas é também desejável que examinemos
aspectos mais amplos do meio interno e ver como este se organiza para
formar um ambiente favorável às tarefas normais das várias células do
corpo.

Todas as células devem ter um equilíbrio favorável entre elas e seu


meio. Por um lado, a maioria das reacções que ocorrem nas células
necessita de fornecimento constante de substâncias. Por outro lado, essas
reacções produzem por si só variações na temperatura, pH, pressão
osmótica, etc. do meio interno, variações estas que poderiam ser
prejudiciais à função celular quando não

controladas ou contrabalançadas. Os fisiologistas empregam o termo


homeostase para referir-se a constância do meio interno ou mais
precisamente à manutenção celular normal.

5.1.9 Nível de açúcar no sangue

Na maioria dos mamíferos, a concentração de açúcar (glicose) no sangue


varia de 60 – 100 mg por 100 centímetros cúbicos de sangue integral. A
hipoglicemia ou depressão do açúcar do sangue abaixo deste limite
inferior priva as células dos carboidratos que lhes são necessários, já que
a proporção em que a glicose penetra nas células depende, em parte da
quantidade em que ela existe na corrente sanguínea.

Em consequência, um animal com hipoglicemia entra em coma e morre


caso não sejam tomadas providências para rectificar o metabolismo. A
situação inversa, hiperglicemia isto é, elevação do nível de açúcar no
sangue acima do limite superior da concentração normal, tem efeitos
menos dramáticos no sistema nervoso e nas funções celulares em geral.
Contudo, a hiperglicemia acentuada e prolongada pode levar a distúrbios
metabólicos graves e, especificamente aos sintomas da diabete.

5.1.10 Função do fígado


43
A actividade do fígado é um factor importante na manutenção do açúcar
no sangue a um nível adequado (Figura 4.7). Em primeiro lugar, o
fígado pode armazenar quantidades bastante grandes de carboidratos,
sob forma de glicogénio. Em segundo lugar, sob estimulação apropriada
pode converter o glicogénio e segregá-lo no sangue sob forma de
glicose, ou remover a glicose do sangue e armazená-la como glicogénio.
Estas duas actividades dependem de influências endócrinas específicas e
da quantidade de carboidrato fornecido ao fígado.

Havendo uma alimentação normal, a maioria do glicogénio do fígado


vem do carboidrato absorvido através do intestino. Mas o fígado pode
converter gorduras e proteínas em carboidratos, processo este regulado
pelos hormónios do córtex supra-renal, da pituitária anterior e da
glândula tiróide.

5.1.11 Concentração de íon de hidrogênio

Várias das relações metabólicas desenvolvidas no corpo produzem


ácidos e bases relativamente fortes. A dissociação de ácidos e bases na
água dá origem a íons de hidrogênio (H+) e íons de hidroxilo (OH-),
respectivamente, sendo que o excesso de um ou de outro torna o meio
ácido ou alcalino. É comum referir-se à acidez ou alcalinidade de um
meio em termos de sua concentração de íons de hidrogênio ou pH. Os
valores de pH são determinados em uma escala logarítmica na qual os
valores baixos representam a acidez e os altos a alcalinidade. O ponto
neutro em tal escala é 7,0, sendo interessante notar que o pH normal do
sangue é cerca de 7,4, isto é ligeiramente alcalino. Os limites extremos
de variação do pH do sangue são 7,8 e 6,8 acima ou abaixo de tais
valores, as funções celulares, particular
ente aquelas do sistema nervoso são tão prejudicadas que sobrevém a
morte. Assim, é essencial que a concentração de íons de hidrogênio do
meio interno permaneça estável.

O corpo tem três maneiras de manter a estabilidade do pH. Uma delas é


um conjunto de barreiras no sangue estas são substâncias químicas que
podem “amarrar”, ou prender os íons ácidos. Uma segunda forma é a
44

excreção dos ácidos dos rins. Tais ácidos são barrados temporariamente
no sangue e excretados pelos rins. Há finalmente, os pulmões, pelos
quais escapa o dióxido de carbono. Este é ácido em solução, sendo o
produto final do metabolismo dos carboidratos.

Se o nível de ácido carbónico no sangue tornar-se muito alto, há duas


maneiras de acelerar sua liberação pelos pulmões. Uma, pelo aumento
da taxa de respiração; outra, pelo aumento da circulação de sangue nos
pulmões. Existem mecanismos neurais para fazer estas duas coisas. Num
caso, o ácido carbónico do sangue excita o “centro respiratório”na parte
posterior do cérebro para acelerar respiração. No outro, o dióxido de
carbônio contido no sangue excita os centros vasomotores de tal forma
que as veias são constringidas, a pressão sanguínea aumenta e o sangue
flui mais rapidamente pelas artérias dos pulmões. Este é um bom
exemplo da inter-relação entre o sistema nervoso e o meio interno, a fim
de manter o último tão constante quanto possível.

5.2 Drogas psicoativas

As drogas são substâncias químicas que podem ser administradas para


algum efeito benéfico no homem ou nos animais. As substâncias
químicas que têm efeitos nocivos são denominadas venenos. No entanto,
todas as drogas, quando administradas em doses suficientemente grandes
têm efeitos tóxicos. As drogas podem ser substâncias que ocorrem
naturalmente em minerais ou plantas, ou podem ser substâncias
sintetizadas. Até recentemente, quase todas as drogas eram
administradas para combater doenças ou aliviar alguma condição
biológica não relacionada com o estado mental ou qualquer aspeto
psicológico.

Nos últimos anos têm sido usados frequentemente as drogas


psicoactivas, cujo objectivo específico é modificarem as condições
psicológicas. As drogas psicoativas são também conhecidas como
drogas psicotrópicas, agentes psicofarmacológicos ou agentes
neurofarmacológicos. O termo psicofarmacologia compreende o campo
geral das drogas psicoactivas. As drogas psicoactivas, uma vez
introduzidas no corpo, tornam-se parte do meio interno, circulando no
sangue e actuando em certos órgãos. Elas agem primeiramente, no
45
sistema nervoso ou em certas vias ou conexões deste. As drogas
psicoactivas podem ser consideradas sob quatro títulos principais: 1)
Sedativos; 2) Tranquilizantes; 3) Activadores e 4) Drogas
psicomiméticas

5.2.1 Sedativos

São drogas que, dadas em doses suficientes, produzem sono. Algumas


vezes denominados hipnóticos. Os sedativos mais comummente
empregados são os barbitúricos tais como sodiomital e o pentobarbital
(Nembutal). As substâncias deste grupo são as vezes, usados na
psicoterapia com objectivo de fazer o paciente se expresse com menos
embaraço. Em geral deprimem o limiar dos neurónios, reduzindo assim
a actividade nervosa. Por esta razão, tem sido muito usados como
anticonvulsivos no caso da epilepsia ou para combater os efeitos de
drogas convulsivas. Parece que os sedativos têm um efeito depressor
especial no sistema reticular e, consequentemente, na actividade cortical.

5.2.2 Tranquilizantes

São drogas que têm um efeito calmante, sem levar a pessoa a dormir e
sem interferir seriamente no funcionamento mental normal. As vezes são
denominadas ataráxicos - implicando uma paz mental ou neurolépticos
– referindo-se à quietude do sistema nervoso. De acordo com a sua
estrutura química podem ser divididos em quatro grupos principais.

5.2.3 Activadores

São aquelas drogas que têm efeitos opostos aos dos tranquilizantes, são
chamados indistintamente de estimulantes, activadores, energéticos
físicos ou antidepressores. Elas podem ser divididas em três classes
gerais: 1) Analépticos; 2) Inibidores da Monoaminoxidase; 3) Drogas
colinérgicas.

5.2.4 Drogas psicomiméticas

São drogas que produzem de certa forma alguns sintomas de uma


psicose. Duas drogas de correspondência natural que pertencem a esta
categoria são a mescalina e o haxixe. Actualmente a droga psicométrica
46
que mais atenção tem despertado é a dietilamida do ácido lisérgico ou
LSD-25. Além do LSD-25 existe um grande número de drogas para as
quais foram relatados efeitos psicomiméticos. Algumas delas já vêm
sendo preparadas e consumidas há séculos por povos primitivos; como
por exemplo, a mescalina também chamada mescal, uma substância
preparada com certos cactos e usada inicialmente pelos índios
mexicanos e americanos em cerimónias ritualísticas.
47

UNIDADE II FUNÇÕES SENSORIAIS

1. SENTIDOS QUÍMICOS

2. SISTEMA VISUAL

3. PERCEPÇÃO VISUAL

4. AUDIÇÃO

5. SENTIDOS SOMÁTICOS
48

CAPÍTULO I SENTIDOS QUÍMICOS

Distinguem-se três sentidos químicos: o gosto, o olfacto e a


sensibilidade química comum. Sabe-se menos em relação a eles
sobretudo em relação ao olfacto e a sensibilidade química comum do
que em relação aos demais sentidos. As diferenças estruturais dos três
tipos de órgãos sensoriais já foram apontadas no primeiro capítulo da
primeira unidade como mostra a Figura 1.3. Serviram de ilustração aos
três modos pelos quais os receptores se diferenciam para desempenhar
as suas funções. O receptor da sensibilidade química comum é uma
terminação nervosa livre, relativamente indiferenciada; o receptor
olfactivo é um neurónio altamente especializado e o receptor do gosto
consiste numa célula epitelial especializada provida de fibras de um
neurónio.

1. Sensibilidade química comum

Os receptores da sensibilidade química comum estão mais dispersos pelo


corpo do que dos outros sentidos químicos. De facto o problema que se
apresenta é o de distinguir esses receptores dos da pressão e da dor que
também se encontram distribuídos livremente na pele. As terminações
nervosas livres, associadas às células epiteliais podem funcionar como
receptores tanto da dor como da pressão ou da sensibilidade química
comum.

Os receptores químicos comuns distribuem-se amplamente pelo corpo,


especialmente nas superfícies húmidas expostas, como as da boca e da
garganta. Estas são servidas por fibras de vários nervos cranianos e
espinhais, mas não parece que estejam representadas no sistema nervoso
central por vias ou centros especiais. Os estímulos mais eficazes para os
quimio-receptores da sensibilidade comum são as soluções diluídas de
ácidos, de álcalis e de sais.

1.2 Receptores do gosto

Foi observado atrás que os receptores do gosto, contrariamente aos do


olfacto, valem-se de células epiteliais munidas de terminações nervosas.
Estas células são chamadas células receptoras do gosto ou
49
simplesmente células gustativas. Estas células se localizam em
estruturas celulares mais complexas, chamadas gomos gustativos. As
células do gosto são estimuladas quando soluções químicas penetram
nos poros do gomo gustativo e nos espaços entre as células gustativas.
Estas estruturas mostradas na Figura 5.1, são como frascos ou cachos
em botão incrustados nas saliências (papilas) da língua.

1.2.1 Sensibilidade gustativa

Mesmo uma observação casual da estrutura dos gomos gustativos torna


claro que deve haver dois estágios no processo de excitação dos
receptores gustativos. O primeiro é a penetração do estímulo químico no
gomo; o segundo é a reacção química através da qual, presumivelmente,
se desencadeiam os impulsos nervosos. Ambos são importantes para a
sensibilidade gustativa.

A penetração é um factor do tempo necessário para a apreciação de


estímulos gustativos. Se por exemplo aplicarmos uma solução de sal de
três N de concentração, decorrerão perto de dez segundos antes que a
sensação de sal atinja um máximo de intensidade. A penetração é um
factor importante neste atraso. O mesmo factor também influi na
sensibilidade relativa a diferentes espécies de substâncias.

O segundo factor determinante da sensibilidade gustativa parece


consistir nos diferentes tipos de receptores gustativos destinados a
diferentes estímulos.

1.2.2 Qualidades gustativas

Como aconteceu com o olfacto, a visão, o ouvido e os sentidos cutâneos,


muitos teóricos e pesquisadores se esforçaram em aplicar a clássica
doutrina da energia específica também em relação ao problema da
sensação do gosto. Eles supuseram que existem umas espécies básicas
de sensação de gosto, e todas as outras sensações seriam misturas destas
espécies admitindo igualmente que tais espécies dependem de um
número correspondente de receptores gustativos específicos.

Por causa de inumeráveis provas a favor dessa ideia, admitiu-se durante


muito tempo a existência de quatro espécies fundamentais de gosto:
50
ácido, salgado, doce e amargo. A Figura 5.2. mostra as áreas da língua
em que falta a sensibilidade ao sabor doce, amargo, salgado e ácido.

1.2.3 Bases químicas das qualidades gustativas

Despendeu-se considerável esforço para determinar precisamente quais


os grupos químicos que estão correlacionados com as espécies de
experiência gustativa A unanimidade de muitos pesquisadores em
afirmar que o íon de hidrogénio dos ácidos é responsável pelo gosto
“ácido” deixa a margem a pouca discussão relativamente à sua
importância neste tipo de gosto. O salgado entretanto não é tão simples,
porque mais de um íon ou átomo pode eliciá-lo. Geralmente, os sais
inorgânicos e, em particular, os halógenos (cloreto, iodeto e brometo) de
sódio, potássio, amónio, lítio e magnésio são mais eficientes e sugeriu-se
que os halógenos em forma ionizada seria os responsáveis pela sensação
de “salgado”.

Em desacordo com esta generalização existe todavia o facto de nitratos


(NO3 -) e os sulfatos
(SO4 -) serem também capazes de provocar o gosto “salgado” talvez
fosse melhor dizer que o íon negativo (ánion) serve de base química
para o “salgado”, mas esta afirmação sofre, por sua vez, algumas
excepções e não sabemos se elas podem ser atribuídas aos factores de
penetrabilidade acima observados.

O amargo está ligado muito perto a uma família de substâncias químicas


complexas conhecidas como alcalóides. As suas propriedades básicas
parecem devidas a grupos amínicos (NH2) ou a átomos de nitrogénios
trivalentes (N3-). Mas por outro lado, muitas substâncias que são
alcalóides e que com estes não podem ser correlacionadas
quimicamente, também provocam o gosto de “amargo”. Alguns sais
inorgânicos são exemplos disso. Portanto nenhuma propriedade química
simples pode ser tida como base do “amargo”.

As mesmas afirmações aplicam-se ao “doce”; os açúcares são a classe


de substâncias mais notáveis por sua doçura. Para complicar as coisas
um pouco mais, existe o facto de que a mesma substância, em diferentes
graus de concentração pode dar o sabor tanto de doce como de salgado.
51
É o que acontece com o cloreto de sódio e de potássio, como pode ver na
Tabela 5.1.

O insucesso de não se ter descoberto até hoje um número limitado de


propriedades químicas correspondentes às qualidades sensoriais não nos
deve surpreender, pois também ignora-se quais as substâncias receptoras
existentes nas células gustativas. Há provas de que os receptores da

gustação, ou melhor dito, certas porções de suas membranas possuem


sensibilidade química específica. Enquanto não tivermos maiores
conhecimentos a respeito dessa especificidade, não poderemos esperar
compreender perfeitamente as propriedades dos estímulos, pois elas
devem ser determinadas pela natureza química das substâncias
receptivas nos receptores.

1.1.1 O olfacto

O conhecimento sobre sentido do olfacto é, talvez menor do que sobre


qualquer outro sentido; isto é devido em parte, no facto de ter recebido
menos atenção dos experimentadores. Por outro lado, este sentido
revelou-se difícil de ser estudado. Como sempre acontece quando
determinado campo de pesquisa apresenta poucos factos de pouca
importância, a olfacção foi objecto de numerosas teorias elaboradas para
explicar a maneira pela qual os estímulos activam os receptores
olfactivos e provocam a experiência sensorial. Em geral podemos dividir
essas teorias em dois grupos diferentes mas relacionadas: aquelas
relativas às qualidades da experiência e as teorias do mecanismo de
estimulação do receptor. Como nenhuma delas satisfaz plenamente, não
forneceremos pormenores mas apenas indicamos de forma geral o que
são.

Qualidade da experiência – A psicofísica admitiu que existe um número


limitado de qualidades experimentadas em cada sentido. Para a maioria
dos sentidos há uma concordância quanto à determinação das qualidades
primárias. Isto entretanto não ocorre com a olfacção. Nenhuma
classificação de odores satisfez todas as circunstâncias.

Propriedade dos estímulos – Intimamente relacionada com o problema


da classificação dos odores está a questão de como os estímulos excitam
52
os receptores olfactivos. Provavelmente existe uma conexão entre
ambos. Substâncias de determinada estrutura devem provocar certo tipo
de experiência.

Os órgãos olfactivos aninham-se no tecto das cavidades nasais. (Figura


5.9). Para atingir os receptores, os gazes devem percorrer as narinas e ser
reflectidos para a região olfactiva pelos ossos que se projectam dentro
das fosses nasais. Apenas uma pequena fracção dos gazes e do ar que
chegam ao nariz atinge os receptores olfactivos Tal facto foi a dor de
cabeça dos pesquisadores para conseguir que os estímulos olfactivos
chegassem aos receptores em quantidades conhecidas.

O epitélio olfactivo (Figura 5.10) tem no homem cerca de 500


milímetros quadrados e pode distinguir-se pelos limites bem delineados,
embora irregulares, que forma com o epitélio adjacente, e pela sua
coloração tipicamente amarelada ou em alguns animais – marrom.
Compõe-se de três tipos de células:

1) As células colunares pigmentadas que se


encontram incrustadas entre as células olfactivas e
cuja função consiste exactamente em servir de
apoio às últimas;
2) As células basais que se apresentam em blocos e
estão localizadas na superfície mais interna do
epitélio, servindo de base para o resto de epitélio;
3) As células olfactivas propriamente ditas, que são as
mais numerosas. A parte exterior desses neurónios
olfactivos consiste em delgados filamentos ou
“cílios”; a parte média é o corpo celular; e a mais
interna adelgaça-se nos axónios que conduzem a
excitação para a fora do epitélio.

A parte eterna do epitélio banha-se num fluido mucoso segregado pelas


células epiteliais das cavidades do nariz. Parece bastante provável que
todos os gazes devam ser solúveis neste fluido para serem capazes de
excitar os receptores olfactivos e que a excitação se verifique nos cílios
desses receptores.
53
54

CAPÍTULO II SISTEMA VISUAL

O sentido mais estudado foi o da visão. Não somente se lhe conhecem


bem os centros e as vias, mas também os neurónios e as conexões
sinápticas forma descritas com pormenores. Além disso, métodos
fisiológicos modernos, sobretudo de registo eléctrico forneceram
informações sobre os eventos fisiológicos que se dão no sistema visual.
Ademais, a habilidade de controlar os diversos aspectos da estimulação
visual permitiu agrupar um vasto conjunto de informação estritamente
quantitativa com relação a percepção visual.

Para resumir os conhecimentos que temos dos mecanismos fisiológicos


da visão foram necessários dois capítulos. Neste capítulo vamos nos
debruçar sobre a anatomia e fisiologia do sistema visual e o segundo
capítulo versará sobre os mecanismos fisiológicos da sensação e
percepção.

2.1 O olho

A principal característica da anatomia do olho é o facto de ser ele


construído de forma a desempenhar as funções de uma câmara
fotográfica (Ver Figura 6.1) em seu interior encontra-se uma lamina
fotossensível, a retina e, protegendo-a da luz directa, uma camada dum
tecido pigmentado, a coróide, que envolve todo olho com excepção da
parte anterior que é transparente e se chama córnea; esta deixa passar a
luz. A luz passa como acontece numa câmara fotográfica, através de
uma pequena abertura, a pupila e, em seguida através da lente
(cristalino), cujas superfícies são curvas, de modo que a luz é focalizada
sobre a retina fotossensível.

Ao contrário da câmara fotográfica, a luz ao se dirigir da córnea à retina,


tem que atravessar um humor, semifluido e transparente. O olho, além
disso é mais adaptável do que uma máquina fotográfica, pois músculos
controlam o tamanho da pupila e a curvatura do cristalino e, portanto a
quantidade de luz admitida e a nitidez da imagem rétinica, quer o
objectivo se encontra perto ou longe.
55
A estrutura da retina constitui-se de células de suporte e de neurónios
como mostra a Figura 6.2; porém somente estes últimos têm
importância para nós. Há três grupos principais dispostos em três
camadas. O primeiro grupo é constituído de uma camada de neurónios
receptores primários, as células sensitivas voltadas para fora do globo
ocular; a parte receptiva dessas células adoptou formas altamente
especializadas, os cones e bastonetes, que contêm as substâncias
químicas sensíveis à luz.

Na segunda camada, fazendo sinapse com os neurónios sensíveis, temos


as células bipolares, que por sua vez enviam os impulsos para os
neurónios do terceiro grupo, as células ganglionares. Os axónios destas
últimas se estendem sobre a superfície interna da retina, de onde deixam
o globo e prosseguem como nervo óptico em direcção ao0s centros do
tálamo e do mesencéfalo. Portanto, o órgão da visão é constituído,
essencialmente, de neurónios fotorreceptores de células bipolares
intervenientes e de células ganglionares que transmitem as mensagens
directamente ao cérebro.

O conhecimento de outros pormenores da estrutura da retina também é


necessário para compreender as funções visuais. A retina, como foi
referenciada anteriormente é excrescência do cérebro, e um estudo
cuidadoso de sua estrutura mostrou plenamente esse parentesco. Todas
as células da retina descritas acima são verdadeiros neurónios e suas
diversas conexões sinápticas tão complexas como as do cérebro. Em
primeiro lugar, as células bipolares reúnem diversos

bastonetes e cones que também convergem sobre inúmeras células


bipolares; portanto os efeitos nervosos que nascem nos cones e
bastonetes se transmitem tanto de uma forma convergente como
divergente às células ganglionares.

Há pelo menos dois tipos de células de “associação” que também


servem para interconectar a actividade das células receptoras: as células
horizontais que recebem os impulsos de alguns receptores e os enviam a
outras células; e na porção mais interna da retina, as células amácrinas,
que difundem os efeitos deflagrados pelas células bipolares a diversas
células ganglionares ou em alguns casos devolvem a excitação dos
elementos bipolares aos receptores.
56

O sistema funcional criado por estas diversas interconexões, como o


leitor pode inferir, permite todo tipo de influências mútuas entre as
diversas camadas e partes adjacentes da retina. Sob este aspecto a retina
parece-se muito com o cérebro.

2.1.1 Bastonetes e cones

Entretanto em outros pormenores da retina podemos notar que os


bastonetes e os cones constituem dois tipos de células receptoras. As
conexões que têm com as células bipolares e horizontais, contudo,
indicam claramente que eles não formam dois sistemas distintos como se
admitiu frequentes vezes. As células bipolares, como também as células
horizontais, recebem impulsos tanto dos cones como dos bastonetes (Ver
a Figura 6.2). Pode-se concluir que as actividades dos bastonetes e dos
cones estão intimamente relacionadas nas funções visuais.

Embora em muitos olhos de vertebrados a diferença entre os bastonetes


e cones seja bastante clara, nem sempre isso ocorre; existe de facto uma
variação considerável na estrutura dos bastonetes de dos cones entre o
homem e outros vertebrados, como ilustra a Figura 6.3.

2.1.2 O estímulo visual

Embora se possa considerar o estímulo da visão, a luz, como formada de


corpúsculos, é em geral muito mais útil considerá-la como uma energia
vibratória. Todos os tipos de luz podem ser qualificados em termos de
duas variáveis: a amplitude de vibração ou intensidade, e a frequência
das vibrações ou o seu inverso, o comprimento de onda, derivado por
divisão da velocidade da luz pela frequência.

A luz que estimula o olho, naturalmente, não consiste apenas num


comprimento de onda mas em vários. A luz, contudo, pode ser sempre
especificada; se dispuser de equipamentos adequados para análise em
termos de intensidade e comprimento de onda dos respectivos
componentes que juntos constituem a composição da luz.

A unidade comummente empregada para designar o comprimento de


onda é o milimicro que representa a milésima parte do milímetro.
57
Falando de maneira geral, o olho do vertebrado é sensível a
comprimentos de onda entre 380 a 760 milimicros.

2.1.3 A imagem retiniana

O olho como vimos, funciona como uma câmara fotográfica e é


constituído de maneira que a imagem dos objectos externos seja formada
na retina. A imagem retiniana é mantida em foco

quando o objecto está longe ou perto, bem ou mal iluminado, façanha


que é cumprida por dois mecanismos, a pupila e o cristalino (lente).
Como numa câmara fotográfica, quanto mais estreita a abertura, mais
perfeita a focalização da imagem retínica. Por isso a focalização é
melhor quando a iluminação é intensa, e a pupila em consequência se
contrai. Mesmo com esses mecanismos de ajustamento, a focalização da
imagem retiniana não é tão perfeita como deveria ser. Há pelos menos
três maneiras diferentes de a imagem, embora bem focalizada, tornar-se
indistinta por causa da difusão da luz. (Figura 6.4):

1) O meio interno do olho difracta a luz, exactamente como a


humidade do ar distorce e torna turva a aparência dos objectos;

2) A retina e a superfície interna do olho são levemente coloridas e


podem reflectir a luz para outras partes do globo ocular;

3) Certa quantidade de luz pode penetrar no olho através de suas


paredes. Em consequência, há sempre uma boa quantidade de
luz dispersa que afecta desfavoravelmente a nitidez da imagem
retiniana.

2.1.4 Fisiologia da retina

Por que a luz que atinge o olho origina uma sensação visual? Por que
vemos a luz?
A resposta mais geral é que impulsos nervosos são desencadeados na
retina e se dirigem para o cérebro, exactamente como todos os órgãos
sensoriais iniciam impulsos que constituem mensagens ou sinais.
Contudo, entre o momento em que o estímulo incide sobre o receptor e o
início do impulso nervoso ocorrem ainda, um ou mais eventos
58
intermediários. Na visão temos os eventos fotoquímicos. Além disso
podemos medir várias espécies de fenómenos eléctricos.

Em relação aos campos receptores, os axónios das células ganglionares


constituem as fibras do nervo óptico, não há qualquer diferença que o
registo seja feito nas fibras do nervo óptico ou nos corpos das células
ganglionares. Se as células forem as mesmas, as respostas serão
idênticas. Historicamente, foi simplesmente por conveniência ou por
disponibilidade de uma técnica de registo que os eléctrodos foram
colocados ora sobre os corpos celulares, ora sobre as fibras do nervo
óptico.

Do ponto de vista anatómico, há apenas uma área do córtex visivelmente


associada ao sistema visual. É o chamado córtex visual primário ou
córtex estriado, onde se projectam as fibras do núcleo geniculado. O
método dos potenciais provocados empregado para mapear as áreas
corticais que correspondem a estímulos luminosos, confirma as
expectativas baseadas na anatomia de que é realmente o córtex visual
primário. Foi denominado Visual I. Além dele, o método dos potenciais
provocados determinou a existência de uma outra área lateral à anterior,
em animais como o gato, o macaco e o coelho. Esta última que se
superpõe às áreas a que os anatomistas chamam de pré-estriadas foi
denominada Visual II.
59
CAPÍTULO III PERCEPÇÃO VISUAL

Emprega-se o termo “percepção” no seu sentido mais alto para incluir


tanto a sensação como a percepção. De maneira específica abarcaria os
seguintes tópicos que constituirão as partes principais do capítulo:
luminosidade, visão de cores, adaptação, visão de luz intermitente, visão
de espaço e visão de brilho. Das cinco partes acima referenciadas, vamos
abordar apenas a da visão de cores.

Existem algumas teorias da visão que se relacionam com o problema da


visão de cores. Há dois grupos de teorias acerca da função do olho na
visão de cores. Um deles se refere às actividades respectivas dos
bastonetes e cones e se chama teoria da duplicidade.

Enunciada no final do século dezanove por von Kries e, hoje


amplamente aceite, ela pressupõe a existência de dois tipos de receptores
formando dois sistemas na visa, cada um com características próprias.
Supõe que os bastonetes sejam responsáveis pela visão nocturna,
quando a iluminação é precária. São muito sensíveis do que os cones e
são empregados quando há pouca luz.

Os cones são considerados receptores de luz diurna, operando quando a


iluminação é elevada. Os cones vêem cor; os bastonetes somente
tonalidades de preto e branco. Os bastonetes são sensíveis na faixa
esverdeada do espectro, os cones na amarela. Estes últimos são mais
numerosos na porção central do olho, as conexões que mantêm com os
neurónios do sistema visual são mais “ponto a ponto”e estão por isso
envolvidos na percepção de espaço e na acuidade visual.

Os bastonetes, por outro lado são mais numerosos na periferia do olho


convergindo em maior número sobre o pequeno número de células
ganglionares da retina e, por conseguinte são especializados, não para a
visão espacial, mas para a intensidade e para a sensibilidade a estímulos
fracos. Estas afirmativas todas fazem parte de uma proposição geral da
teoria da duplicidade. Todas são verdadeiras até certo ponto, porém há
tantas excepções à algumas delas que nos fazem duvidar que a teoria da
duplicidade apresentada sob esta forma simples e direita seja verdadeira.
Algumas das excepções serão citadas neste capítulo e no seguinte.
60

O outro abrange as teorias relativas aos tipos de receptores que tomam


parte na visão da cor. Geralmente, admite-se que os cones são os
receptores da cor. A questão é saber quantas espécies diferentes existem
e como estão distribuídas as suas sensibilidades. Quanto a este aspecto,
há duas teorias mais relevantes: a teoria tricromática e a teoria dos
processos opostos.

Teoria tricromática - Admite que existem três e apenas três espécies de


cones; uma mais sensível à zona azul do espectro; o outro ao verde; e o
terceiro ao vermelho. Para simplificar os receptores serão designados
com as iniciais dos nomes daquelas cores: A, V e Vm . Para que os cones
possam ter um mecanismo de discriminação das cores, torna-se apenas
necessário que o receptor Vm seja mais sensível ao do que os outros
dois, o V mais sensível ao verde do que os outros dois e assim também o
receptor A.

Na teoria tricromática não há um receptor específico para a


luminosidade – receptor que indique apenas o branco ou o preto com
excepção dos bastonetes. Admite-se que a percepção do branco provém
da simples adição dos impulsos dos três receptores. Quando esses
impulsos são aproximadamente iguais, o organismo vê o branco. Esta é
uma diferença importante, e talvez crucial entre a teoria tricromática e a
dos processos opostos.

Teoria dos processos opostos – A versão original desta teoria admitia


também três conjuntos de cones, contudo neste caso, um dos conjuntos
se compõe dos receptores de luminosidade que funcionam somente no
continuum do branco e preto. Os dois outros seriam receptores de cor.
Um deles forneceria a base para a percepção do amarelo e do azul; o
outro, para a do vermelho e do verde. Admitia-se que o receptor
funcionaria de duas maneiras, enviando um tipo de mensagem para uma
das cores, põe exemplo, para o amarelo; e outro tipo de mensagem para
o outro membro do par, digamos o azul.
61
3.1 Cegueira às cores

Certa cegueira às cores é bastante comum sendo encontradas em cerca


de 6% nos homens e 0,5 % entre as mulheres. A cegueira às cores foi
muito estimulada com intuito de recolher indícios sobre o mecanismo
fisiológico da visão da cor. E certamente, qualquer teoria sobre o
mecanismo deve explicar tanto a cegueira como a visão normal das
cores.

A cegueira às cores pode ser classificada de vários modos e a mais


comum se baseia na mistura dos três estímulos de cor. As pessoas
normais necessitam de três comprimentos de onda para combinar todas
as cores que percebem; por isso são chamadas tricromatas. O tipo mais
comum de indivíduos cegos para as cores é o dicromata, porque neste
caso, apenas dois comprimentos de onda são necessários para dar conta
de todas as cores que eles podem ver. São relativamente raros (0,003%);
os que são totalmente cegos para as cores, os chamados monocromatas.
Cada um destes tipos de cegueira fornece certa informação relevante
para o mecanismo fisiológico da visão das cores.

3.1.1 Dicromatismo (Dicromatopsia, Daltonismo)

Os diromatas foram classificados em quatro tipos. Dois deles são cegos


ao vemelho-verde, confundem o vermelho com o verde; os dois outros
são cegos para o amarelo-azul, confundem o amarelo com o azul. Os
cegos para o vermelho e o verde são consideravelmente em maior
número do que os dois outros e por isso foram muito mais estudados.

Os indivíduos cegos para o vermelho e o verde são conhecidos como


protonopos e deuteranopos, respectivamente. Uma vez estabelecido que
a pessoa é cega para o vermelho e o verde, para determinar a sua
subclassificação basta medir a função fotópica de luminosidade. Se ela
decresce na região do vermelho, em outras palavras, se por comparação
com indivíduos normais se mostra relativamente insensível ao vermelho
– ela é classificada como protonopo. Por causa de sua deficiência em
detectar o vermelho, o protonopo foi muito tempo considerado carente
de receptores para o vermelho ou pelo menos carente de um processo de
recepção para os comprimentos de onda na faixa do vermelho do
espectro.
62

Num exame superficial, a função de luminosidade do deuteranopo


parece normal. Por esta razão pensou-se durante muito tempo que nada
faltasse ao deuteranopo. A deficiência estaria antes nas conexões, ou
mais especificamente, os impulsos dos processos associados ao
vermelho se fundiria com os do verde. Contudo existem diferentes
opiniões sobre o assunto

A cegueira para o amarelo e o azul é muito mais rara do que a cegueira


para o vermelho – verde. Pelo que se sabe até agora as duas variedades
são semelhantes à cegueira para o vermelho – verde. Essas duas espécies
foram chamadas tritanopia e tetranopia.. Esta última parece apresentar
uma função da luminosidade do amarelo e do azul. O tritanopo, por
outro lado sofre uma perda de luminosidade na região azul e, por isso
parece ter deficiência de pigmento azul.

3.1.2 Monocromatismo

Os indivíduos totalmente cegos para as cores vêem somente o branco, o


preto ou tonalidades de cinza. O aspecto importante neste caso, para a
teoria fisiológica da visão, é que o monocromata tem uma função de
luminosidade aproximadamente normal. Não apresenta as corcovas que
podem ser observadas em indivíduos normais, mas sua aparência total é
a de uma função de luminosidade fotópica. É o facto contra a teoria
tricromática que afirma que a percepção do branco resulta da soma das
actividades dos três receptores da cor.

Por outro lado, aceitando-se que os três receptores de cor existem, mas
não estejam ligados entre si de tal forma que as contribuições individuais
de cada um não possam ser percebidas, o teórico da tricromia pode
rebater essa objecção. Mas do ponto de vista de seu valor aparente, a
função fotópica de luminosidade observada nos monocromatas parece
favorecer a teoria dos processos opostos que admite um processo
independente para a luminosidade.
63

CAPÍTULO IV AUDIÇÃO

O progresso na compreensão das funções sensoriais depende em grande


parte da habilidade em controlar de maneira precisa em nível
experimental os aspectos físicos dos estímulos. Esta habilidade foi
adquirida na audição, principalmente através dos passos de gigante
dados pela electrónica, ao desenvolver sobretudo osciladores,
amplificadores e diversos medidores de tempo. Estes instrumentos
tornaram possível produzir estímulos acústicos, bem como analisar e
registrar os vários aspectos fisiológicos da audição. Em consequência,
um avanço considerável se deu tanto na psicologia como na fisiologia da
audição.

4.1 Estimulação sonora

As ondas sonoras são os estímulos da audição. Há vários tipos de ondas


sonoras. Algumas são simples e relativamente puras como a nota de um
piano ou violino. Outras extremamente complexas como a fala e o som
de uma arma de fogo. Dar uma descrição física completa da natureza de
todos estes sons seria uma tarefa bastante complexa. Para os nossos
propósitos, bastam alguns aspectos básicos.

4.2. Natureza do som

O som é a vibração de um meio elástico. As ondas sonoras são como a


vibração de um automóvel ou de um objecto sólido qualquer com
excepção de que se dão no ar e também nos meios fluidos. Podem
ademais ter uma frequência muito mais alta do que as vibrações
mecânicas comuns. No ar ou na água, a onda sonora consiste em
primeiro lugar numa compreensão, seguida de uma expansão que se dá
com as moléculas do meio avançando no ar acerca de 1.000 pés (uns 300
metros) por segundo (760 milhas por hora até morrer inteiramente.

O outro aspecto do som é o de poder ser sempre analisado em seus


componentes mais simples, por mais complexo que seja. Análise esta
que pode ser feita matematicamente, se se conhecer a forma precisa da
onda sonora com o auxílio de uma fórmula conhecida como teorema de
Fourier
64
Na prática os engenheiros e os pesquisadores dispõem de aparelhos
especiais que podem ser empregados para fazer a análise.

De qualquer forma, a onda sonora simples à qual podem se reduzir as


mais complexas, é uma onda senoidal. Elas representam a compreensão
e a expansão das partículas. A compreensão cresce sempre mais até
atingir um pico e, em seguida diminui suavemente. Mas como o
pêndulo, ultrapassa a marca expandindo-se até o máximo e, em seguida,
retornando ao zero. Cada onda senoidal tem dois aspectos: intensidade e
frequência, empregadas para medir e caracterizar os sons.

4.2.1. Intensidade

A intensidade corresponde a magnitude da oscilação da onda senoidal.


As ondas com picos elevados são muito intensas, as de pequena
oscilação são fracas. Esse aspecto da onda senoidal pode ser expresso de
duas maneiras. Uma, em termos de pressão a distância entre qualquer
ponto do gráfico da onda senoidal à linha de base representa a pressão
sobre as partículas do ar num instante dado. A pressão muda
constantemente no decurso de onda senoidal, por isso, o som é o que é:
uma pressão que se altera rapidamente. Se se quiser medir a intensidade
de uma onda sonora, em termos de pressão, temos que levar em conta o
pico da onda; é o ponto de pressão máxima. Há unidades chamadas
unidades de pressão sonora, para medir esses picos que são empregadas
na pesquisa sobre a audição.

4.2.2. Decibéis

Por diversas razões que nos precisamos abordar aqui, emprega-se escala
logarítmica para medir as intensidades. Essa escala é útil não somente
para a engenharia do som como para compreender os próprios
mecanismos da audição. Uma escala logarítmica é constituída de acordo
com os expoentes de um número básico, que é, em geral, dez. Portanto,
um som que é dez vezes teria um valor dois; um eu fosse mil, o valor 3;
e assim por diante. A unidade da escala logarítmica da intensidade
chama-se bel.O bel é o logaritmo de uma razão de dez. Na maioria dos
trabalhos sobre a audição, o bel é uma unidade muito grande. Precisa-se
de uma unidade mais refinada. Por isso, ele é dividido em dez partes
chamadas decibéis. O decibel é um décimo do bel.
65
4.2.3. Frequência

O segundo aspecto importante da onda senoidal que devemos descrever


com precisão é a sua frequência. As alterações de pressão que
constituem as ondas senoidais podem ser muito lentas, até menos do que
duas ou três por segundo, ou rápidas, várias centenas de milhares por
segundo. Mas a onda senoidal pura tem sempre uma frequência que
devemos conhecer. As frequências ou ondas sonoras, envolvidas na
audição humana, estão entre 20 e 20.000 ciclos por segundo. Alguns
animais ouvem frequências maiores ou menores do que estas.

Conhecendo a frequência e a intensidade, podemos especificar todos os


sons, quer sejam simples ou complexos. Estes últimos compõem-se de
diferentes frequências que ocorrem simultaneamente, mas é possível
descrevê-las especificando a frequência e indicando a intensidade de
cada onda senoidal do componente. Na verdade, encontramos raramente
ondas senoidais puras no quotidiano, embora sejam produzidas no
laboratório com finalidades científicas precisas. Na maioria dos
experimentos a serem citados foram empregadas ondas senoidais puras,
cujas frequências se conheciam.

4.3. Medidas da audição

Neste como nos outros capítulos, a maioria dos experimentos analisados


foram realizados com animais. Conquanto os seres humanos possam
emitir qualquer tipo de julgamento sobre os estímulos auditivos, os
animais são mais limitados. Mesmo assim, inventaram-se métodos para
medir as reacções dos animais que são paralelas às das pessoas.

4.3.1. Cliques

Tanto na audição como nos outros sentidos, foram empregados métodos


eléctricos como os registos de massa e os micro-eléctrodos, para
localizar e mapear as respostas auditivas no cérebro. Para isto empregou-
se, frequentemente um clique, pois, este estímulo breve e súbito provoca
respostas eléctricas muito mais definidas no cérebro.
66
A

4.3.2. Estimulação “on-off”

Se quisermos saber se um organismo ouve ou não, pode-se escolher um


som razoavelmente intenso, apresentá-lo e retirá-lo e observar se ocorre
qualquer resposta a ele. Essa estimulação “on-off” foi empregada com
frequência, tanto nos estudos das respostas nervosas como no
treinamento de animais. Neste último caso, o animal é em geral
condicionado a dar uma resposta simples, como levantar a pata, girar
uma roda, passar de um lado de uma caixa para o outro, quando se
introduz um determinado som.

4.3.3. Discriminação de intensidade

Se apresentar a um organismo um par de tons ou de cliques, sendo um


deles mais forte do que o outro, e o organismo puder estabelecer a
diferença, temos então uma medida da discriminação de intensidade. Ao
trabalhar com animais, estes são treinados a emitir uma resposta para
indicar se o segundo membro do par é mais intenso do que o primeiro,
ou suspender qualquer resposta se ambos os membros do par têm a
mesma intensidade. Isto significa que o animal deve apreender a não
responder ao mesmo e responder ao diferente.

4.3.4. Discriminação de frequência

Exatamente o mesmo método, com leve diferença, pode ser empregado


para medir a discriminação de frequência. A alteração consiste em tornar
os dois membros do par diferentes na frequência e não na intensidade.
Quando se trata tanto da discriminação de frequência como da
intensidade, podemos estabelecer os limiares diferenciais reduzindo as
diferenças até que se elimine a discriminação. Embora isso seja feito
ocasionalmente, é muito mais comum apresentar estímulos muito
diferentes para verificar se o animal é capaz ou não de discriminar.
67
4.3.5 Discriminação de padrões

É um tipo especial de discriminação, mas muito mais fácil do que os


anteriores. Neste caso, o par de tons é apresentado numa ocasião, nesta
sequência: forte-fraco-forte, e numa outra, fraco-forte-fraco. O animal é
treinado a responder positivamente à sequência forte-fraco-forte e não à
sequência fraco-forte-fraco.

4.3.6. Localização de som

A maioria das pessoas e dos animais de laboratório são relativamente


capazes de localizar a direcção de uma fonte sonora. Esta localização do
som pode ser medida experimentalmente. Treinando um animal a se
dirigir (na busca de alimento) para uma dentre duas caixas, conforme a
localização da “cigarra”. O som pode variar a esmo entre as duas caixas,
de uma tentativa para outra. Tanto os seres humanos como inúmeros
animais podem localizar a direcção de um som com alto grau de
precisão. Essa capacidade é denominada localização de som. É um
fenómeno biauricular, dependente das diferenças nas características de
um som que atinge separadamente os dois ouvidos. Vejamos o que se
sabe a respeito dos fundamentos fisiológicos deste fenómeno. Para
abordar o assunto, devemos rever rapidamente os indícios auditivos
envolvidos.
Reconhece-se a existência de três tipos diferentes de indícios
biauriculares que pelo menos em teoria servem para a localização do
som: 1) intensidade; a fase; 3) o tempo de chegada (Woodworth e
Schlosberg, 1954).

4.3.7. Sistema auditivo

Foi com grande dificuldade que o homem pôde inventar instrumentos


para analisar o som. No entanto o ouvido humano é um mecanismo
capaz de realizar essa análise com grande precisão, embora não perfeita.
Relacionadas com esta análise, existem estruturas intricadas do ouvido
externo, médio e interna e para dar sentido à experiência humana há
vários centros e vias auditivas no cérebro. Nesta secção descrevemos os
principais aspectos desta estrutura. E numa secção ulterior veremos
como se relacionam com a experiência auditiva.
68

4.3.7.1. Ouvido externo

Aquilo se denomina de ouvido é, para o anatomista, apenas o pavilhäo


do ouvido externo. Nos animais, como no cäo, o pavilhäo tem certa
utilidade, pois pode ser orientado em direccöes diferentes para colectar
as ondas sonoras, mais do que o poderiam fazer as pessoas. No homem
contudo, os pavilhöes näo passam de um enfeite que mosta onde se
escondem os verdadeiros ouvidos. Ao lado do pavilhäo é que se
encontram as duas partes importantes do ouvido externo. Uma delas é o
meato externo, o canal que avanca para dentro; o outro é a membrana
timpânica, localizada na extremidade do meato externo e servindo de
limite ao ouvido externo. O som é produzido através destas partes do
ouvido externo para o médio e o interno. (Figura 8.2)

4.3.7.2. Ouvido médio

--Colocada oblicamente na extremidade do meato externo, a membrana


timpânica, é um cone cujo ápice aponta para dentro. Fortemente ligado
ao tímpano está o martelo, um dos três ossículos do ouvido médio.
Ligamentos compactos ligam o martelo à bigorna, o segundo dos três
ossículos. Este por sua vez se articula com o estribo, terceiro ossículo. É
através desta série de ossinhos que os sons säo conduzidos do ouvido
externo ao ouvido internam.

Associados aos ossículos. Temos dois músculos, o estapédio e o tensor


do tímpano. O último está ligado ao martelo de tal maneira que, ao se
contrair, ele exerce uma tensão sobre a membrana do tímpano. O
músculo por outro lado, está ligado ao estribo do ponto próximo em que
esse se liga à bigorna e quando se contrai, freia o movimento do estribo,
reduzindo ou atenuando a amplitude da vibração deste último.

Uma cavidade cheia de ar envolvendo os ossículos do ouvido médio


onde a pressão de ar nesta cavidade é, geralmente mantida ao mesmo
nível que o ar externo por meio da trompa de Eustáquio que se
comunica com a cavidade bucal.O ouvido médio está contido no osso
temporal do crânio que constitui parte das paredes dessa cavidade.
69
4.3.7.3. A cóclea

O ouvido interno é parte de um sistema de cavidades, localizadas num


labirinto ósseo que se comunicam entre si. Compõem-no a cóclea, os
canais semi-circulares e os sáculos vestibulares. Das três estruturas, na
audicäo é a cóclea que interessa nos por ser o órgäo primário da audição
(Ver Figura 8.2). Recebeu este nome por causa de sua estrutura
helicoidal. No homem, a cóclea tem vinte e três a vinte e quatro de
espiras.
70

CAPÍTULO V OS SENTIDOS SOMÁTICOS OU


SOMESTESIA

Por volta de 1830, Johannes Muller enunciou a doutrina da energia


específica do nervo. Afirma ela que as qualidades da experiência são
determinadas pelos receptores que respondem aos diferentes tipos de
estimulação. De acordo com a teoria, sentimos dor porque determinado
receptor responde à dor; vemos vermelho, porque determinado receptor,
e não outro, responde aos “comprimentos de onda do vermelho”

Durante mais de um século e um terço, desde que Müller expôs a sua


doutrina, o peso da opinião científica pendeu para esse lado. A doutrina
ajudou a inspirar grande parte do trabalho feito em fisiologia e
psicologia durante todo aquele período. Por outro lado teve também
sérios opositores, particularmente no campo dos sentidos cutâneos, e
vivas controvérsias puseram em xeque a validade da ideia. Os opositores
procuraram qualquer espécie de sistema sinalizador nas vias sensoriais
que transmitissem informações a respeito da natureza dos estímulos; por
exemplo por meio da duração ou padronização dos impulsos. Agora
podemos dizer com confiança, graças principalmente aos registros feitos
em unidades simples, que o princípio de Müller é essencialmente
correcto.

Pode haver ainda uma pequena margem para dúvidas com relação a
certos casos especiais, mas, de qualquer maneira existem boas provas de
que os diferentes receptores respondem de maneira única, ou segundo
uma combinação única às diferentes espécies de estimulação e que esta
“codificação”de informações é ´, de qualquer forma transmitida ao
córtex cerebral.

O termo “somestesia”no sentido em que aqui o empregamos, refere-se


aos diversos sentidos cutâneos e ao sentido do movimento, ou mas
resumidamente, aos sentidos cutâneos e cinestésicos. A expressão
sentida somática é também empregada neste sentido e como sinónimo de
somestesia.
71
5.1. A experiência cutânea

A primeira e a mais importante questão que nos devemos propor com


relação aos sentidos somáticos é esta: Quantos são? Quais são as
qualidades fundamentais nascidas da experiência corporal? Uma
segunda questão intimamente relacionada com a anterior, é a seguinte:
Quais os receptores responsáveis pelas qualidades de sensação? Quais os
mecanismos receptores de transmissão da informação qualitativa do
sistema nervoso central?

Considerando a experiência quotidiana, que espécie de experiências


acusa as pessoas, habitualmente, quando são tocadas, arranhadas,
picadas ou estimuladas de qualquer outro modo na pele ou no corpo? Se
as contarmos todas, teremos numerosas experiências desse tipo, ou, pelo
menos nomes variados para elas. Há sensações de quente e frio, de
pruridos e comichões, há dores agudas e passageiras, dores leves mas
prolongadas. Há sensações de pressão ou de tacto e de vibração. Há
muitas outras palavras em nosso vocabulário para as experiências
somáticas, mas todo mundo admitirá que esta lista cobre a maioria delas.
Vejamos agora como é que essas experiências estão relacionadas umas
com as outras. No momento referir-nos-emos apenas aos sentidos
cutâneos e, posteriormente trataremos também as experiências relativas
aos músculos ou aos movimentos.

5.1.1. Pontos de sensibilidade

O primeiro passo a classificação das qualidades cutâneas fundamentais,


nos tempos actuais, foi a descoberta de pontos de sensibilidade cutânea
feita em 1883-1884 (Ver Boring, 1942). Observou-se que a pele näo era
uniformemente sensível a toda sorte de estímulos, mas que havia lugares
muito mais sensíveis, ladeados por áreas da sensibilidade relativamente
pobre. Se por exemplo tocarmos as costas da mão com uma hasta
quente, existem alguns pontos que a sentem como quente, ao passo que
outros transmitem apenas a impressäo de que alguma coisa tocou a mäo.
Este fenómeno foi denominado sensibilidade cutânea ponctuada. Este
fenómeno tem muitas implicacöes que levavam mais longe as pesquisas.
Uma delas é a possibilidade de descobrir quais säo as qualidades
fundamentais da sensacäo cutânea.
72

5.2. Qualidades sensoriais

De facto, este é o resultado e a conclusão da confecção de mapas


relativos aos estímulos quentes e frios (Ver Woodworth e Schlosberg,
1954). Muitos pesquisadores o demonstraram várias vezes. É portanto,
absolutamente certo que o frio e o calor são sensações diferentes. Se
mapearmos com um alfinete, por meio de leves picadas, os pontos de
área da pele nos quais o sujeito acusa uma sensação de dor e, depois
fizermos um mapa semelhante para a sensação de tacto, valendo-nos um
estilete levemente colocado sobre a pele, os dois mapas serão bastante
diferentes, o que prova que os dois sentidos também são diferentes. A
comparação de mapas relativos ao frio e ao calor demonstra que também
eles são diferentes. Assim fica patente que há pelo menos quatro
diferentes espécies básicas de sensação cutânea: táctil, dolorosa, de frio
e calor.

5.3. Receptores somáticos

Se há quatro diferentes espécies de experiências subjectivas, parece


plausível existirem quatro diferentes espécies de receptores, cada um dos
quais responsável por uma das qualidades. Na realidade, provavelmente,
isto não é lógico, mas assim pareceu e, pensando a respeito, os
investigadores se lançaram à busca de receptores específicos para
confrontá-los com as diversas experiências. Nas figuras 9.1 e 9.2,
podemos ver as principais estruturas que eles descobriram.

5.3.1. Estrutura

Há muitas variantes nas estruturas mostradas na ilustração. Na verdade,


algumas delas são, provavelmente, variantes umas das outras. Para o
nosso objectivo, essas estruturas podem ser classificadas em três
categorias gerais: (1) terminações nervosas livres, não associadas a
qualquer órgão especializado, as quais, depois de muitas ou algumas
ramificações, vão terminar nas células epiteliais ou na parede interna dos
tecidos somáticos; (2)folículos pilosos nos quais a base do folículo é
servido por uma terminação nervosa; (3) órgãos terminais
encapsulados, de vários tipos, nos quais a fibra nervosa termina numa
73
espécie de concha provida de parede interna, e talvez de outras
estruturas complexas.

Pelo facto de os órgãos terminais variarem tanto de tamanho e estrutura,


os pesquisadores sentiram-se tentados a classificá-los. Um tipo de
corpúsculo (Ver Fig 9.1) é chamado corpúsculo de Meissner; um outro,
bulbo terminal de Krause (Fig. 9.1); um terceiro cilindro de Ruffini
(Fig. 9.2). Todos eles se encontram relativamente próximos da
superfície da pele. Em maior profundidade encontram-se os corpúsculos
de Pacini (Fig. 9.2), os órgãos tendinosos de Golgi (Fig. 9.1) e o órgão
muscular fusiforme Ver páginas 324). Essa classificação,
particularmente com relação aos tês últimos, têm certa utilidade mas
duvida-se que haja uma linha divisória precisa entre os três primeiros
tipos de receptores e outras variações não mencionadas (Ver página 308)

5.3.2. Distribuição

Oitenta anos atrás, os pesquisadores eram ingénuos. Mostravam-se


inclinados a pensar que existiam apenas alguns poucos tipos simples de
órgãos terminais. Um deles, von Frey tentou correlacionar cada uma das
qualidades cutâneas com um tipo de órgão terminal (ver Dallenbach,
1939). Para descobrir alguns indícios, comparou a distribuição dos
diferentes corpúsculos com a diferença de sensibilidade cutânea numa
região. Pareceu-lhe que os corpúsculos de Meissner eram mais
numerosos nas regiões do corpo em que a sensibilidade aos estímulos
tácteis era maior.

O bulbo terminal de Krause aparece mais profusamente nos locais em


que é maior a sensibilidade ao frio. E um outro corpúsculo, o cilindro de
Ruffini, parecia-lhe correlacionado com a distribuição da sensibilidade
ao calor. Finalmente, as terminações nervosas livres não-capsuladas
estavam associadas à sensibilidade à dor. Von Frey proôs então, que o
corpúsculo de Meissner deveria ser considerado órgão do tato; o bulbo
terminal de Krause , o órgão do frio; o cilindro de Ruffini, o órgão do
calor e as terminações nervosas livres, o órgão receptor da dor.
74
5.4. Conclusões

A despeito desses resultados são poucos os enunciados positivos O


corpúsculo de Pacini é igualmente um órgão da pressão, mas, neste caso,
da pressão profunda. Os corpúsculos de Pacini são em geral, muito
maiores que os órgãos cutâneos encapsulados. Consistem numa cápsula
feita de várias camadas de tecido fibroso no qual se ramificam as
terminações nervosas. (Ver Fig. 9.2) São largamente distribuídos pelo
corpo nas bainhas dos tendões e músculos, nas paredes internas de
vários órgãos do corpo e no tecido adiposo subcutâneo. São órgãos da
sensibilidade à pressão profunda e excitam-se pela deformação do tecido
no qual se encontram. São servidos pelas fibras mielinizadas maiores,
cuja importância será indicada mais tarde.

Finalmente não pode haver dúvida de que os fusos musculares


observados na região equatoral do músculo, como também os órgãos
tendinosos de Golgi, sejam órgãos da “pressão.” Entretanto, os sinais
provenientes dos fusos musculares nunca são apreciados como sensação,
têm apenas importância nas funções reflexas. Por outro lado, a dor é
nitidamente servida pelas treminações nervosas livres.

5.5. Pressão e dor

A pressão e dor são duas qualidades da experiência claramente distintas.


Quando alguém se deixa picar por uma agulha, é, ao mesmo tempo,
tocado, sentindo a pressão como a dor. Somente por meio de métodos
realmente engenhosos é que se pode separar os mecanismos sensoriais
das duas experiências, tanto em animais como no homem.

Segundo os estudos realizados por histologistas, observou-se um grande


número de ramificações e entrelaçamentos das terminações nervosas.
Pequenos grupos de fibras abandonam o tronco principal do nervo na
camada adiposa da pele. Na derme, esses pequenos grupos de fibras se
separam em fibras nervosas isoladas. Em seguida, na parte superior da
derme e na epiderme, cada fibra se divide em inúmeros ramos. Esses
ramos voltam a se agrupar e a se dividir novamente, formando um plexo
ou anastomose. Deste plexo é que surgem as inúmeras e diminutas
terminações que servem aos receptores cutâneos.
75
5.6. Sentido cinestésico

A cinestesia é um sentido somático pelo qual se percebem os


movimentos musculares, o peso e a posição dos membros, cujos
receptores se encontram nos músculos, tendões e articulações. Embora
raramente tenhamos consciência deles, são importantes. Ao contrário
dos receptores cutâneos, que são estimulados por energias que provêm
de fora do corpo, os receptores cinestésicos são sempre estimulados a
partir do próprio corpo e estão envolvidos em todo movimento corporal.

5.6.1. Os receptores cinestésicos

Além das terminações nervosas livres dos vasos sanguíneos, existem


duas classes gerais de órgãos terminais cinestésicos: os fusos musculares
e os receptores das juntas.

O fuso muscular é uma estrutura um tanto quanto complexa que se


localiza na região equatorial do músculo (Ver Fig. 9.7), compõe – se de
fibras musculares inervadas pelas terminações nervosas sensoriais,
encerradas num tecido fluido e numa cápsula de tecido conectivo. No
fuso muscular existem terminações nervosas de dois tipos, cada uma
designada com nomes mais ou menos conformes com a respectiva
aparência: 1) as terminações ânulo-espirais e 2) as terminações
em em “cacho”. As primeiras são terminações de fibras grandes,
dispostas em espiral em torno das fibras musculares. As segundas são
terminações de fibras menores e menos mielinizadas que terminam em
arborizações semelhantes a um borrifo sobre as fibras musculares.
Ambos os receptores estão dispostos de tal maneira que são estimulados
quando o musculo se distende; por esse motivo são chamados
“receptores aferentes de extensão”.

Na verdade, não são os músculos e sim as articulações que fornecem


informações cinestésicas a respeito dos movimentos e da posição dos
membros. Em vez da sensação muscular como a denominam muitos
livros, deveríamos chamá-la mais propriamente sensação articular, pois
é nas articulações que se localiza a sensação.

As juntas contêm dois tipos de órgãos terminais. O tipo mais comum é o


de “borrifo”bastante parecido com o órgão de Ruffini mencionado
76
anteriormente. Estes receptores estão localizados em diferentes pontos
da articulação ao longo do percurso do movimento, de modo que sempre
haverá algum em funcionamento qualquer que seja a posição do
membro. Os receptores entram em acção quando o membro se move,
mas também apresentam uma taxa constante de actividade quando o
membro se encontra numa posição estável ou móvel.

O segundo tipo de receptores chama-se órgão terminal de Golgi que se


encontra nos ligamentos das juntas. Os dois tipos de receptores das
articulações adaptam-se muito lentamente às estimulações contínuas.
Um terceiro receptor, o corpúsculo de Pacini participa também da
sensação dos movimentos e da posição; é encontrado nos tecidos mais
profundos e frequentemente estimulado pelas “pressões”todas vezes que
se dá uma mudança na posição do corpo ou de um membro. As
terminações nervosas livres são também receptoras cinestésicas;
informam-nos sobre certos eventos que ocorrem nos tecidos profundos e
nos músculos do corpo.

5.6.2. Tipos de fibras cinestésicos

Há uma boa correlação entre os dois tipos de fibras cinestésicas e os


órgãos receptores a que servem. Depreendeu-se isto de experimentos em
que os impulsos nervosos eram registados nos nervos enquanto se
estimulavam os receptores de várias maneiras. As fibras nervosas
cinestésicas podem ser divididas em quatro grupos principais (Matthews,
1933). Foram chamadas A1, A2, B e C. Estas letras foram empregadas por
conveniência; não correspondem às fibras A e C dos nervos cutâneos. De
facto, as fibras cinestésicas A, B e C não incluem nenhuma fibra
dolorosa equivalente às fibras cutâneas C. No conjunto, são muito
espessas, mais mielinizadas e conduzem os impulsos mais rapidamente
que as fibras médias dos receptores da pele. As fibras B têm um limiar
mais elevado do que as fibras A2 e A1, conduzem mais lentamente e têm
diâmetros menores. Admite-se, com base em boas provas, que elas
sirvam aos receptores das articulações. A taxa de respostas- impulsos
nervosos- dessas fibras aumenta tanto com uma contracção activa como
com estiramento passivo dos músculos. Portanto, as fibras B podem ser
chamadas registadores de tensão. As fibras C estão associadas aos
corpúsculos de Pacini e são fibras pouco menores e mais lentas do que
as fibras A ou B.
77

UNIDADE III FUNÇÕES MOTORAS

1. SISTEMA MOTOR

2. EMOÇÃO
78
CAPÍTULO I SISTEMA MOTOR

Começando com o trabalho clássico de Sherrington (1906), a maior


parte da neurofisiologia moderna se desenvolveu em torno das funções
motoras e reflexas. Os reflexos espinais são respostas convenientes para
se estudar. Elas, juntamente com os métodos electrofisiológicos de
estimulação e registo, receberam grande atenção. Os pormenores deste
trabalho não interessam ao psicofisiologista, pois não estão relacionados
com a percepção, a aprendizagem e a motivação. De acordo com isto, o
tratamento que daremos aos reflexos e às funções motoras será
superficial, uma visão muito geral.

O sistema motor para reflexos, postura e coordenação compreende os


músculos estriados, os nervos e diversas estruturas da medula espinal e
do cérebro.

O músculo estriado é um grupo de fibras musculares em forma de feixe.


O feixe é recoberto por bainhas de tecidos conjuntivos e se liga aos
ossos por meio de tendões, também de tecido conjuntivo. Em algumas
instâncias, os músculos estão ligados uns aos outros.

1.1 Unidades motoras

As fibras musculares são servidas por neurónios motores e sensitivos. Os


corpos celulares dos neurónios motores se encontram nos cornos
ventrais da medula espinhal ou, no caso dos músculos da cabeça, nos
núcleos motores do tronco cerebral. Desses pontos do sistema nervoso
cerebral, os axónios atingem vários músculos do corpo. Um pouco antes
de atingi-los, os axónios se dividem em inúmeras neurofibrilas. Cada
fibrila termina sobre uma fibra muscular, e cada fibra muscular recebe,
em geral, apenas uma fibrila do axónio. Assim um neurónio motor tem
controlo completo de certo número de fibras musculares. Uma unidade
motora funcional é constituída de um neurónio e de certo número de
fibras musculares. As diversas fibras de uma unidade motora podem não
se ajuntar, podem estar separadas por fibras musculares ou por outra
unidade motora mas são assim mesmo, uma unidade porque são todas
servidas por um único neurónio.
79
O tamanho de uma unidade motora varia no corpo, de lugar para lugar.
Esse tamanho nos é dado pela razão de inervação: proporção entre as
fibras musculares e os axónios do nervo. Em algumas partes do corpo
essa razão pode alcançar até 150:1; em outras é bem baixa, 3:1.Essas
proporções são significativas, pois um impulso, no primeiro caso, poderá
provocar uma contracção relativamente grande se a compararmos com o
de um axónio que inerva apenas um pequeno número de fibras
musculares. Assim nos grandes músculos do corpo, responsáveis pelo
andar e pelos movimentos amplos e grosseiros, aquela razão é bastante
elevada. Nos pequenos músculos, como os dos olhos e dos dedos que
executam ajustamentos precisos, a razão de inervação é, de preferência
baixa. Portanto este índice está relacionado com a precisão e
refinamento dos movimentos.

1.2. Inervação do músculo

Esse tipo de inervação que acabamos de descrever é apenas um dos tipos


possíveis. É chamado inervação alfa. As fibras que a servem são
relativamente grossas, variando entre 9 e 13 micros de diâmetro.
Constituem cerca de 70 por cento das fibras motoras. Os impulsos nestas
fibras provocam contracções das fibras musculares em todos os seus
comprimentos e são, por isso, responsáveis pelas contracções que
formam os diversos padrões do comportamento motor. Os músculos são
também inervados por outros grupos de fibras, chamadas eferentes
gama. São menores, variando entre 3 e 6 micros; constituem
aproximadamente 30 por cento das lfibras motoras. Estes eferentes
descobertos apenas recentemente, têm uma função especial. Vão ter a
um dos dois tipos de estruturas receptoras encontradas no músculo, a
saber, os fusos musculares. Quando descarregam os impulsos, provocam
contracções minúsculas nas fibras existentes no receptor, afectando a
sensibilidade do mesmo. A função delas não é portanto, a de provocar
grandes contracções mas apenas a de afectar a informação sensorial que
retorna ao músculo. Desta forma, constituem um mecanismo de
retroacção que regula a entrada da informação cinestésica. Juntamente
com a inervação motora, os músculos possuem uma inervação sensorial.
Além de receptoras da dor, nas regiões dos vasos sanguíneos e dos
corpúsculos de Pacini, encontrados em tecidos próximos aos músculos,
os principais órgãos sensoriais ligados aos músculos são (1) os órgãos
tendinosos de Golgi e (2) os fusos musculares.
80

Os órgãos tendinosos de Golgi estão mergulhados nos tendões perto da


conexão destes com o músculo. Quando o tendão sofre uma tensão, eles
são estimulados; são portanto registadores de tensão. O fuso muscular,
por outro lado, é disposto “em paralelo” com o músculo. Contém umas
poucas fibras musculares chamadas intrafusais, distintas de um outro
grupo maior de fibras , as extrafusais. Devido a este arranjo, a
contracção de fibras extrafusais regulares reduz a tensão nas fibras
intrafusais, diminuindo a pressão sobre os receptores do fuso. Ao
contrário quando os músculos relaxam ou, mais comummente, quando
são estirados pela acção dos músculos antagonistas, as fibras intrafusais
são estiradas, exercendo por isso pressão sobre os receptores do fuso
muscular. Conclui-se que o fuso muscular é um receptor de estiramento,
respondendo geralmente à distensão e não à contracção do músculo.

1.3. Grupos de músculos

Os músculos estriados do corpo formam um sistema de equilíbrio no


qual a contracção de um músculo provoca o estiramento de outro, e vice-
versa. Os músculos assim relacionados denominam-se antagonistas (Ver
a Fig. 10.3). Os exemplos mais nítidos desse antagonismo são
encontrados nos membros em que um conjunto de músculos, chamados
flexores, faz com que ele se dobre, enquanto o outro conjunto,
extensores, faz com que o membro se estenda ou endireite. Os músculos
extensores, em geral, servem de suporte para o corpo, enquanto os
flexores são empregados em reacções defensivas a estímulos nocivos.
Os dois trabalham alternadamente ou conforme padrões complexos e são
responsáveis pela locomoção ou manipulação de objectos.

Em geral, qualquer actividade de flexão ou extensão envolve mais do


que um músculo. Aqueles que funcionam simultaneamente são
chamados sinergistas. Por exemplo, todos os responsáveis pela extensão
de um membro inferior são sinergistas.

1.4. Mecanismos cerebrais

Dentro do cérebro, distintos dos da medula espinhal, existem três


sistemas relacionados com os reflexos, a postura e o movimento: (1)
o sistema piramidal; (2) o extrapiramidal e
81
(3) um sistema centralizado em torno do cerebelo, mas ,envolvendo
conexões com várias outras estruturas. Os três sistemas serão discutidos
nesta secção.

1.4.1. Sistema piramidal

O sistema piramidal compõe-se de neurónios que se originam no córtex


e descem pelo tronco cerebral e pela medula espinhal. Não são
interrompidos por sinapses. Os axónios dos corpos celulares, localizados
no córtex, terminam nos motoneurónios do cérebro e da medula espinhal
que se ligam directamente com os músculos periféricos. O sistema
piramidal tira o nome do facto

De que os tratos piramidais cruzam a medula, formando uma estrutura


com a forma de pirâmide. Algumas células de origem cortical, por mera
coincidência têm a forma piramidal, muitas outras não têm. Na verdade,
não existe uma característica consistente quer de localização, quer de
células de origem do trato que o distinguiriam de outros sistemas
motores é apenas definido pelo facto de suas fibras cruzarem as
pirâmides medulares. Porque é quase inteiramente um sistema cruzado, a
actividade oriunda de um lado do córtex é acompanhada de movimentos
do lado oposto do corpo.

A única área cortical que dá a maior contribuição para o sistema


piramidal é chamada área motora. Nos primatas, localiza-se
imediatamente na frente do sulco central e também é chamada giro pré-
central ou, no sistema de Brodmann, a área 4.

1.4.2. Sistema extrapiramidal

O sistema extrapiramidal contrastando com a simplicidade do sistema


piramidal, o sistema extrapiramidal é bastante complexo. Por definição,
ele se compõe de todas as vias descendentes oriundas do córtex, não
contidas, porém no sistema piramidal. É caracterizado pelos relés
encontrados em várias estruturas do cérebro. Para nossos fins, basta –
nos citar apenas duas das mais importantes estruturas subcorticais do
sistema, os gânglios basais, que incluem o corpo estriado e a formação
reticular. Ambas recebem projecções descendentes do córtex e por sua
vez enviam projecções de volta ao córtex. Ambas dão origem a vias
82
descendentes que percorrem o tronco cerebral e a medula espinhal,
terminando nos motoneurónios.

1.4.3. Organização somatotópica

A característica mais saliente do córtex estimulável é sua organização de


forma a representar as diferentes partes do corpo (Ver Fig. 10.7). Esse
arranjo é bastante semelhante ao das áreas somestésicas que se
encontram exactamente atrás do córtex piramidal, no giro pós-central
Nos animais que possuem cauda (A Fig. 10.7, foi obtida num macaco-
aranha, exactamente para ilustra reste aspecto). A estimulação desta
porção fará o rabo mexer. Em seguida, se o estímulo eléctrico for
deslocado para as partes mais laterais do córtex piramidal,
encontraremos por ordem, a área da perna, uma pequena área para o
tronco, uma área para o braço e finalmente, no sector lateral e ventral
extremos, a área para a face. A estimulação destes sectores provoca
movimentos das partes correspondentes do corpo.

É interessante notar quanto espaço é reservado aos movimentos das


diversas partes do corpo. Na Fig. 10.7, podemos observar que elas não
são representadas de acordo com o seu tamanho. Ao contrário, o espaço
é proporcional à habilidade e precisão dos movimentos controlados
pelos respectivos sectores. Foi a utilização desta técnica que permitiu a
Penfield e seus colaboradores aperfeiçoarem representações gráficas do
cérebro já existentes chegar ao traçado dos homúncul. como ilustra bem
este facto a figura da página a seguir. O tronco, cujos movimentos são
amplos e grosseiros, tem uma área pequena. As pernas,
comparativamente, mais; porém as mãos que são empregadas em
movimentos delicados e hábeis, é reservada uma área maior que a do
tronco ou das pernas. Em seguida, na cabeça, os olhos, queixo, lábios e
cordas vocais ocupam, proporcionalmente, muito mais espaço. Isto está
de acordo com o facto de que os olhos executam movimentos
extremamente precisos ao fixar e perseguir um objecto; e os lábios, a
língua e as cordas vocais estão envolvidos nos movimentos muito mais
precisos da linguagem.
83
1.4.4. Cerebelo

O cerebelo é o último mecanismo cerebral a ser mencionado. É uma


estrutura extremamente complexa com muitas conexões internas e
externas. Tem como função geral regular as outras estruturas corticais e
subcorticais já citadas. Recebe impulsos aferentes de todos sentidos e
mantém conexões recíprocas com as estruturas dos sistemas piramidal e
extrapiramidal.

Os principais impulsos que recebem são provenientes dos sentidos


somáticos e vestibulares. O cerebelo é, com efeito, a estação terminal da
informação que chega dos receptores vestibulares, localizados na porção
vestibular do ouvido interno, e cujas fibras formam a parte vestibular do
VIII nervo craniano. Estas fibras se juntam às auditivas e, em seguida,
apenas fora da medula oblonga, algumas se separam, formando núcleos
vestibulares da medula e outras se dirigem ao cerebelo. Por outro lado,
os núcleos vestibulares enviam também fibras ao cerebelo, de modo que,
directa ou indirectamente, os impulsos vestibulares terminam naquela
estrutura.

O cerebelo é também a estação terminal do maior trato ascendente da


medula espinhal, o trato espino-cerebelar. Este conduz informações
propriorreceptores, principalmente, dos músculos. Além disso, todos os
outros sentidos, através de uma via ou doutra, enviam fibras para o
cerebelo. Este facto foi estabelecido por meio de registo de potenciais
provocados pela estimulação sensitiva. O cerebelo recebe também
impulsos de diversas áreas do córtex cerebral, e envia de volta fibras
àquelas áreas. A relação entre o cerebelo e o córtex cerebral é recíproca.
Parte do cerebelo é ligada reciprocamente com a área somatossensitiva I;
outra com a SII. Em cada um destes casos existe um razoável grau de
organização somatotópica. Devemos notar, finalmente, que o cerebelo
envia fibras à maioria das estruturas do sistema extrapiramidal, inclusive
à formação reticular. Envia outrossim fibras através do trato vestíbulo-
espinal à medula espinhal.

Apresentamos um resumo brevíssimo de um conjunto complexo de


relações que serve aos nossos objectivos. Vemos que o cerebelo não é
em si mesmo um sistema motor. Seu papel é o de coordenar a
informação sensorial aferente e estabelecer ligações entre os sistemas
84
motores do cérebro. Portanto, ele funciona como um regulador ou
modificador das actividades sem que ele próprio as controle
directamente.

1.5. Coordenação motora

Podemos fazer uma distinção, embora não muito subtil, entre


movimentos reflexos involuntários, de um lado, e movimentos
voluntários, do outro. As secções precedentes trataram do primeiro tipo
de movimentos; nesta, consideraremos o segundo. Em primeiro lugar,
abordaremos os mecanismos necessários para a execução dos
movimentos coordenados. Finalmente, estudaremos os problemas
relacionados com a recuperação da função depois de uma lesão do
sistema nervoso.

1.6. Execução de movimentos

Inúmeras estruturas do cérebro estão envolvidas de uma forma ou de


outra na coordenação motora. Como era de prever, algumas estão
também implicadas nos reflexos e na postura, mas outras desempenham
um papel de certa maneira único nos actos coordenados como o controle
do ritmo ou da precisão do movimento. Em primeiro lugar ocupar-nos-
emos da maneira como os movimentos coordenados são executados.
Quais as estruturas responsáveis e como elas os levam a cabo por esses
movimentos.

Desenvolvimento filogenético - Para responder a estas questões,


devemos saber de que espécie está tratando. A corticalização das
funções motoras ocorre nos níveis superiores das séries filogenéticas da
mesma forma que a corticalização das outras funções. As funções
motoras são transferidas dos níveis subcorticais para os corticais durante
a evolução dos mamíferos, a saber, do rato ao homem. Essa
transferência de funções inclui, em geral, a habilidade de manipular. Ela
é importante para compreendermos como os movimentos são executados
pelo cérebro. Nos ratos, gatos e cães, as áreas motoras não são muito
desenvolvidas, nem a habilidade manipuladora. Quando removemos
estas áreas, na realidade quando se destrói uma grande porção do córtex
cerebral, não se produz um efeito prolongado apreciável sobre a função
motora.
85

Os animais podem permanecer de pé, andar e fazer quase tudo o que os


animais normais fazem. Entretanto, quando se remove áreas pequenas,
mas bem delimitadas do córtex motor dos macacos, dos símios e do
homem, provoca-se uma paralisia acentuada e que perdura por muito
tempo. Em geral, a paralisia é maior no homem do que nos macacos.

Áreas corticais - ·Nos primatas, o córtex cerebral são necessárias


para a realização dos movimentos coordenados que são diferentes dos
reflexos posturais básicos. De todas as áreas corticais, a área 4,
denominada a área motora ou giro pré-central, é a mais importante. A
remoção desta área provoca uma paralisa flácida, isto é, os músculos
envolvidos se relaxam e não podem ser movimentados. As pessoas ou os
macacos atingidos naquela área, mantêm os braços ou as pernas flácidos
e parece-lhes difícil, movê-los voluntariamente

A área motora, contudo, não é a única a estar envolvida na execução dos


actos. Uma paralisia mais ampla e mais duradoura ocorre quando áreas
maiores do córtex forem envolvidas, incluindo a área pré-motora (6 de
Brodmann) e as áreas motoras suplementares Quando a lesão só se dá na
área pré-motora, ou em conjunto com a área motora, a paralisia tende a
ser espástica. Os movimentos voluntários são dificultados, mas, em vez
de o corpo ficar flácido, ele se torna tenso, quase como ocorre na rigidez
extensora.

Os sistemas motores- Como as lesões das áreas motoras pré-centrais


provocam uma paralisia mais ampla, quando comparadas com as das
lesões em outras áreas e como elas são a origem de numerosas fibras do
trato piramidal, pensou-se, outrora, que a destruição do sistema
piramidal era o factor-chave da paralisia flácida que se seguia à lesão
cortical. Sabe-se hoje que as fibras piramidais nascem em diversas áreas
do córtex e que as fibras extrapiramidais também emergem do córtex
motor. Além disso, os tratos piramidais foram seccionados
experimentalmente ao nível das pirâmides, separando, pois, a
contribuição destes da do sistema extrapiramidal.

Estes diversos estudos anatómicos e comportamentais permitiram obter


as seguintes conclusões com relação às contribuições dos sistemas
motores paramidais e extraparamidais Algumas paralisias mas nem
86
todas, são devidas à interrupção das vias piramidais Esta última secção
não provocam perda tão grande como as lesões corticais
correspondentes. A paralisia atribuída ao

sistema piramidal é a flácida. A destruição do sistema extrapiramidal


também provoca certa paralisia e quando associada à lesão do sistema
piramidal aumenta a gravidade desta. As lesões extrapiramidais causam
uma paralisia espástica e um exagero nos reflexos profundos
(musculares).

Composição do movimento - É possível distinguir diferentes


aspectos na coordenação motora e apontar os vários centros e vias por
eles responsáveis. Um aspecto importante da coordenação motora é a
composição do movimento, isto é, a sequência e padrão dos movimentos
que compõem do acto. Há duas áreas de importância primordial na
composição dos movimentos em actos coordenados: a área pré-motora
e o neocerebelo.

- A área pré-motora - Como já vimos, a área pré-motora, (área 6)


por achar-se em frente do giro pré-central é uma importante fonte do
sistema extrapiramidal. Este sistema, como também já foi referenciado,
está envolvido nos reflexos posturais, mas, visto que postura e
movimento são inseparáveis, ele está envolvido, além disso, a integração
dos movimentos dos actos coordenados. Para provar que a área pré-
motora contribui bastante para a composição dos movimentos hábeis,
basta removê-la. Sem as áreas pré-motoras, os macacos ou chimpanzés
apresentam vários deficits naqueles movimentos. Primeiramente, o
animal requer uma prática prolongada para recuperar a eficiência dos
movimentos de manipulação (por exemplo, na resolução de uma caixa-
problema) adquirido antes da operação.

Algumas das habilidades nunca são recuperadas inteiramente. Um


padrão de comportamento como, por exemplo aquele de fazer a
“toilette” fica notavelmente afectado. O animal torna-se desajeitado
quando tenta espantar as moscas do corpo e tem particular dificuldade
em coordenar o polegar e o indicador quando se coça. No homem, a
lesão das áreas pré-motoras também torna os movimentos desajeitados e
dificulta notavelmente a aproximação do polegar do indicador, o abotoar
uma camisa ou o dedilhar de um instrumento.
87
- O neocerebelo - Todo o cerebelo está, de uma forma ou de outra,
ligado aos aspectos motores do comportamento. Uma parte dele está
mais relacionada com as reacções posturais, que já consideramos. A
porção mais importante do cerebelo, relacionada com a coordenação
motora, é o lóbulo dorsal ou o neocerebelo. Do ponto de vista evolutivo,
é a parte mais nova e está altamente desenvolvida nos primatas. O
neocerebelo contribui de várias formas para a coordenação motora, mas
uma das maneiras é semelhante à do córtex pré-motor, entrando na
composição do movimento. Suas funções aparecem mais nitidamente
quando é removido, quer experimentalmente nos macacos ou
chimpanzés, quer por contusão no homem.

Os distúrbios do padrão ou da composição do movimento são


particularmente visíveis nas lesões do neocerebelo. Se solicitarmos a um
paciente com tal lesão que corra o dedo do alto da cabeça até a ponta do
nariz, ele poderá mover a espádua e o antebraço antes de começar a
flexionar o cotovelo, o que é muito desajeitado. Se for solicitar a colocar
o calcanhar sobre o joelho oposto, poderá virar a coxa completamente
antes de dobrar o joelho. Em seguida, levantará o calcanhar muito alto e
o baixará sobre o joelho. Ao tentar alimentar-se sozinho, o paciente
poderá fixar, primeiramente, o cotovelo de lado e mover a colher em
direcção à boca, dobrando apenas o cotovelo. Frequentemente, esses
pacientes mantêm os braços ou as pernas muito rígidos quando tentam
alcançar ou tocar um objecto.

Estes são apenas alguns exemplos colhidos na literatura clínica ou


experimental. Com lesões tanto na área pré-motora como no
neocerebelo, é difícil apontar para o que, realmente está errado no
paciente. Contudo, em ambos os casos, os vários componentes do
movimento, que tornam o acto coordenado, parecem não se agrupar de
forma correta.

Contenção do movimento - O fator mais importante da


coordenação do movimento é provavelmente a sua contenção ou
inibição. Há vários fatores diferentes em funcionamento na coordenação
motora que se incluem nesta categoria.

Cinestesia - Já vimos como os aferentes cinestésicos estão


envolvidos no comportamento reflexo. Através de seus efeitos
88
inibidores, que impedem que os reflexos iniciam ou terminem
abruptamente, em geral, “amaciam” o reflexo para que sirva melhor a
seus fins. A cinestesia desempenha um papel semelhante no
comportamento voluntário. No homem ou nos primatas, uma lesão das
vias cinestésicas que impeçam os impulsos aferentes de atingir o cérebro
provoca sérios distúrbios na coordenação motora, denominada ataxia
voluntária. Os indivíduos afetados por este mal têm dificuldade, por
exemplo, de se alimentar ou de realizar outras atividades específicas. Os
membros dessas pessoas, geralmente, ultrapassam o objeto e parecem
“não saber para onde vão”. Isto porque os impulsos cinestésicos são
necessários para guiar os movimentos coordenados.

As perturbações que ocorrem quando faltam os impulsos cinestésicos


afetam diferentemente os diversos membros e partes do corpo. Os
efeitos são tais como poderíamos prever pela análise do homúnculo. Em
geral, as partes do corpo, como a boca, a face e os dedos que estão mais
envolvidos numa coordenação precisa, são muito mais afetados com
interrupção dos impulsos cinestésicos. O deficit sofrido pelas coxas é
pequeno, é mais assinalado nas juntas distais e tão grande nos dedos que
estes se tornam, virtualmente, inúteis,

Os aspetos neurológicos do papel da cinestesia na coordenação motora


não são simples. As fibras do sistema cinestésico se projetam
diretamente no córtex motor (área 4). O giro pós-central, que é a área
cortical principal que recebe impulsos sensoriais, também está implicado
nas funções motoras. Portanto, existe uma informação aferente direta
fornecida ao córtex cerebral o tempo todo. Além disso, parte das
influências cinestésicas na coordenação motora é conduzida via
cerebelo. Esse órgão foi outrora chamado “grande gânglio
proprioceptivo”. Embora essa descrição exagere a situação, os impulsos
cinestésicos chegam numerosos ao cerebelo e este, por sua vez, exerce
uma influência sobre o córtex motor.

O neocerebelo- É também responsável pelo controlo dos movimentos.


De facto, os movimentos não controlados, de amplitude excessiva. São
reconhecidos como sintomas de que está ocorrendo algum distúrbio no
neocerebelo. Por exemplo, quando um paciente com lesão neocerebelar
tente tocar o nariz com o dedo, parece que bate violentemente contra o
próprio queixo. Ou um macaco, ao andar, pode levantar a pata muito
89
mais acima do chão e baixá-la com muita força. A ideia geral é a de que
o neocerebelo, quando em funcionamento normal, envia impulsos que
moderam os movimentos excessivos e os torna precisamente
compassados e coordenados.

Tremor- Quando as pessoas tentam enfiar uma linha numa agulha ou


fazer um movimento extremamente delicado, os dedos ou nas mãos, em
geral, tremem um pouco. Podemos tremer bastante quando nos tornamos
excitados ou emocionados. Contudo, não trememos muito se formos
pessoas normais. Mas, em determinadas formas de lesão cortical, os
movimentos coordenados podem apresentar tremor de certa magnitude.
Essa lesão ocorre com muita frequência no cerebelo.

Dois tipos de tremor aparecem nas doenças do sistema nervoso. Um


deles é o tremor de repouso. Os neurologistas o observam amiúde na
doença de Parkinson, que envolve diversas lesões subcorticais.
Desenvolve-se quando o paciente fica com as mãos ou a cabeça paradas,
mas desaparece quando se realiza movimentos voluntários delicados.
Outro tipo de tremor é o intencional. É um tremor que chama atenção e
aparece quando se fazem movimentos delicados e desaparece quando a
mão ou a cabeça estão em repouso. Esse tremor resulta da lesão do
cerebelo. Inúmeros circuitos diferentes estão implicados no
amaciamento e coordenação dos movimentos e no impedimento do
tremor. Um grupo de circuitos inclui o sistema extrapiramidal e uma via
que desce pelo tronco cerebral e volta ao córtex. Parece que o tremor de
repouso, observado no parkinsonismo, é devido a uma falta de
interferência nestes circuitos. Outro circuito vai do córtex cerebral,
principalmente do córtex pré-central e frontal, para o cerebelo e volta
para o córtex ceerebral. As lesões naqueles circuitos provocam o tremor
intencional. De facto, os neurologistas servem-se deste tremor para
diagnosticar a presença de lesão no circuito cérebro-cerebelar.
90

CAPÍTULO II EMOCÄO

Este capítulo constitui uma ponte entre o precedente e os seguintes. A


razão é que, por um lado, a emoção tem aspectos sensoriais e motores; e,
por outro lado, aspectos motivacionais. Conhece-se relativamente pouco
do aspecto sensorial ou de experiências, porque sempre foi difícil um
estudo quantitativo do fenómeno. Conhece-se mais a respeito de seus
aspectos motores e motivacionais.

2.1. Mecanismos emocionais

Consideramos em primeiro lugar, os problemas no estudo da emoção.


De conformidade com este plano, apresentaremos de forma breve alguns
pontos que precisam ser estabelecidos; e, em seguida, o assunto será
apresentado numa perspectiva que nos permitirá entrar em pormenores.
Nesta secção serão abordados: 1)as espécies de emoção; 2) os aspectos
da emoção; 3) as teorias da emoção e 4) os métodos de estudá-la.

2.1.1. Espécies da emoção

Se considerarmos as emoções conforme as observamos na vida


quotidiana, parece nos óbvio que elas se apresentem sob muitas
tonalidades e intensidades. Há inúmeras palavras em vernáculo, para
denotar essas variedades de emoção. Talvez algum dia venhamos a
descobrir a base fisiológica de algumas dessas variedades. Agora
estamos limitados a apenas algumas categorias. Par os nossos objectivos,
são suficientemente adequados os métodos de classificação que se
seguem.

Uma maneira muito antiga de classificar as emoções é a de dividi-las em


três categorias: prazer, medo e cólera. As duas últimas são emoções
perturbadoras. Implicam em tensão e distúrbios das respostas do
organismo, tanto internas como externas. A cólera é uma reacção de
“luta”; o medo, uma reacção de “fuga”; ou de “susto”. O prazer não se
classifica com a mesma facilidade. Em parte, constitui um
apaziguamento do medo e da cólera, por isso traz calma para o
91
organismo. Em parte pode envolver excitação. Mas pelo menos, quando
se conhece a situação que lhe dá origem, pode ser distinguido da cólera e
medo.

2.1.2. Aspectos da emoção

Ao iniciarmos este capítulo, dissemos que a emoção tem três aspectos: o


sensorial., o motor e o motivacional. Dito de outra forma, a emoção
pode ser uma experiência, um tipo de comportamento ou motivo.

Comportamento emocional - Existem numerosas espécies de


comportamento abrangidas pelo termo emoção. Alguns envolvem
principalmente a musculatura corporal. No homem por exemplo,
algumas das reacções somáticas emocionais são: o sorriso, a gargalhada,
o choro, o grito, uma fuga, sobressaltos, a sons fortes repentinos e as
várias expressões faciais da emoção. Os animais mostram algumas
dessas mesmas reacções, mas também algumas próprias, como: rosnar,
ronronar, latir, mover o rabo, crispar as garras , salivar e as reacções
faciais ou corporais que as acompanham.

Tanto nos animais como no homem, a emoção se compõe também de


grande variedade de respostas autónomas. Há o empalidecer de medo,
no qual o sangue tende abandonar a cabeça. Há o desmaio, que é um
caso de extremo de alteração na circulação, acompanhado de perda da
consciência e da alteração na postura do corpo. Aumento ou diminuição
dos batimentos cardíacos ou da pressão sanguínea também ocorre na
emoção. A secreção de várias glândulas pode aumentar ou diminuir,
donde resultam modificações no metabolismo. Resumidamente são
dentre algumas reacções emocionais autónomas que abordaremos com
mais detalhes posteriormente.

Experiência emocional- As pessoas e os animais não só agem


emocionalmente, mas se “sentem”emocionados. As pessoas podem
fazer relatos verbais de tais experiências emocionais, enquanto nos
animais, elas só podem ser inferidas a partir do comportamento deles.
Além disso, existem muitas formas de experiência emocional. As
pessoas podem sentir-se temerosas. zangadas, felizes, excitadas,
deprimidas, tranquilas; tais palavras poderiam ser multiplicadas
indefinidamente. Por causa de tantos padrões e tonalidades de
92
experiência emocional, foi sempre muito difícil trabalhar cientificamente
com ela, ou, mais especificamente, compreender-lhe as bases
fisiológicas. Consequentemente, discutiremos este problema com
brevidade, referindo-nos particularmente aos mecanismos da dor e da
somestesia.

A relação da dor com o desagradável é óbvia. Prazer e dor são, muitas


vezes, na terminologia hedonística, empregados como sinónimos de
agradável e de desagradável, respectivamente. Não se sabe de que
maneira os estímulos dolorosos são directamente apreciados na
experiência. Um ponto parece claro: o efeito da dor, na experiência,
amplia-se através do comportamento que ela desencadeia; isto por sua
vez, excita outros receptores da dor no interior do corpo. A dor acarreta
uma tensão muscular específica e também reflexos que podem dar uma
impressão desagradável. Ocasiona ainda alterações na actividade das
glândulas, nos músculos lisos, na respiração, na pressão sanguínea e no
tamanho dos vasos sanguíneos. A partir desses efeitos, provocam-se
impulsos nos vários interoceptores, particularmente nos receptores da
dor que servem os órgãos envolvidos. Assim o comportamento eliciado
pelo estímulo doloroso original acrescenta também um pouco mais de
estimulação dolorosa.

Embora os mecanismos sensoriais da dor desempenhem um papel


importante na sensação, não constituem os únicos sentidos periféricos
envolvidos. O tacto ou a pressão, o calor, o frio e as cócegas têm
também consequências afectivas. O calor e as cócegas possuem um
carácter agradável; a pressão e o frio são, frequentemente,
desagradáveis. As sensações eróticas são também um aspecto da
questão. Nessas, a sensação parece originar-se nos receptores tácteis das
zonas erógenas, e o efeito é geralmente como sendo agradável.

Respostas autónomas. - Muitos experimentadores dedicaram-se aos


estudos das emoções , buscando saber se a diferença entre o agradável e
o desagradável não poderia estar baseada nas excitações oriundas,
respectivamente, dos dois tipos de actividade autónoma: as respostas do
parassimpático e do simpático (Ver Allport, 1924,; Arnold, 1945). Há
argumentos em favor desta distinção. Um deles é que a estimulação de
calor, quando não é intensa a ponto de produzir dor, em geral é
agradável . Essa estimulação, como a descarga parassimpática, produz a
93
dilatação dos vasos sanguíneos. Várias funções ligadas ao comer são
governadas parassimpaticamente e estas são geralmente agradáveis. A
secreção salivar que se antecipa ao alimento e a do suco gástrico na
fome, por exemplo, são actividades parassimpáticas. No comportamento
sexual, a vasodilatação e certas respostas que conduzem ao orgasmo têm
origem parassimpática.

Há por outro lado, excepções evidentes contra a afirmação de que a


actividade parassimpática serve de base ao agradável (Gellhorn, 1961).
O chorar é parassimpático. Os maus odores, como também a boa
comida, eliciam salivação parassimpática e contracções gástricas tão
fortes que podem causar vómitos. A actividade motora da bexiga e do
recto, que pode ser grandemente aumentada em caso de medo, também é
parassimpática. Fica , então evidente que não há uma simples relação
entre a actividade das partes autónomas e a experiência (ou
comportamento) emocional. Todavia deve existir a possibilidade de se
distinguir bioquimicamente as actividades simpáticas envolvidas no
medo e na fome.

2.2. Teorias da emoção

A emoção foi objecto de muitas teorias, talvez devido ao facto de ser


difícil de compreender . As teorias que foram desenvolvidas referiram-se
a vários aspectos da emoção, mas geralmente nem todos os aspectos
foram abrangidos por uma teoria. Algumas focalizaram o
desenvolvimento evolutivo e o modo como ele serve para a
sobrevivência do organismo. Outros especularam sobre o papel do
cérebro e do sistema nervoso. Outras mais lidaram com os estímulos que
produzem emoções e as suas causas. Quatro das mais notáveis teorias
relacionadas com os mecanismos fisiológicas serão revistas aqui.

2.2.1. Teoria de James-Lange

Uma teoria que esteve em cena por muitos anos e que ainda é muito
cotada foi a desenvolvida separadamente por Lange e James (Ver
Gellhorn, 1961). O que a teoria pretendia explicar, em termos gerais, era
como o comportamento emocional e a experiência emocional se inter-
relacionam fisiologicamente. No tempo de sua maior popularidade.
Pouca coisa era conhecida a respeito dos mecanismos cerebrais. O ponto
94
importante por ela estabelecido foi que a resposta emocional chega
primeiro, sendo a experiência emocional um resultado daquela resposta.
Ou, como o via James, um estímulo emocional provoca respostas
autónomas nos vasos sanguíneos, nas glândulas, etc., tanto quanto nos
efectores esqueléticos. Essas respostas actuam como estímulos nos
receptores internos, que desenvolvem os impulsos para o sistema
nervoso.
Esses impulsos dão origem à experiência emocional. Por isso, afirma
James “estamos com medo porque corremos; não corremos porque
estamos com medo”.

2.2.2. Teoria Cannon-Bard

Em se trabalho clássico sobre os reflexos, Sherrington (1906) combateu


a teoria de James-Lange baseado no que observou em animais privados
de uma boa parte das estruturas corporais que servem de suporte à
actividade sensorial. Posteriormente, Cannon e Bard prepararam gatos
nos quais o sistema simpático havia sido seccionado ao longo de toda a
medula espinhal, privando assim os animais das respostas autónomas
habituais na emoção. Bard também demonstrou o papel do hipotálamo
na expressão da emoção.

Sabedores desses factos e também de que as vias aferentes têm pontos


de parada no tálamo, Cannon e Bard postularam a assim chamada teoria
talámica da emoção. Segundo esta, a experiência emocional era
entendida como tendo origem cortical a partir de processos talámicos ao
mesmo tempo que se liberava o comportamento emocional ao nível do
tálamo. Assim os dois – isto é, tanto a experiência emocional como o
comportamento emocional originavam-se da mesma fonte e não um do
outro. Todavia, não existe na prática nenhuma prova de que a
experiência emocional, com excepção da dor ou da experiência sensorial
primária nasce do tálamo. De facto, o modo exacto como nasce a
experiência emocional continua um mistério. Hoje em dia, o que se
abandona da teoria de Cannon-Bard é justamente a ênfase dada à
expressão hipotalámica da emoção. Mas como veremos adiante, partes
do tálamo estão envolvidas na emoção.
95
2.2.3. Teoria de Lindsley

Pouco depois de ter ficado demonstrada a importância do sistema


reticular na excitação, Lindsley (1951) desenvolveu uma teoria da
activação da emoção. Ele aceitou naturalmente o hipotálamo como
centro primário da organização da expressão emociona, mas também
salientou o facto recentemente demonstrado de que o sistema reticular
deve estar activo para que tenha algum significado comportamental
expressivo. Como veremos, os animais que tenham boa parte do sistema
reticular danificado tornam-se sonolentos, apáticos e, definitivamente,
não-emotivos. Ele considerou, pois, o sistema reticular como a fonte de
excitação geral ou tensão, dentro da qual algumas formas particulares de
emoção podem expressar-se através.

Lindsley tinha razão, ao enfatizar os aspectos da activação na emoção,


como factos então reconhecidos e hoje claramente demonstrados. Por
outro lado talvez tenha exagerado o papel do sistema reticular. Mas,
recentemente, demonstrou-se que o hipotálamo, além de ter como parte
integrante a substância reticular, tem as suas próprias formas de
activação, tanto por suas conexões com o córtex cerebral como através
de actividades autónomas que, em retorno, provocam a activação do
sistema reticular. Assim a teoria da activação integra essencialmente o
sistema reticular, bem como a instigação comportamental e a activação
que acompanha a sua actividade, na configuração dos mecanismos
cerebrais da emoção.

2.2.4. Teoria de Papez-MacLean

Em 1937, o neurologista Papez publicou um trabalho especulativo que


atingiu os limites do inacreditável. Propôs ele uma teoria da emoção que
envolvia muitas estruturas cerebrais consideradas, até então, como
tendo primariamente uma função olfactiva, ou reconhecidas com
clareza como não tendo absolutamente qualquer função. Tais estruturas
abrangiam o hipocampo, o fórnix, os corpos mamilares do hipotálamo, o
giro cingular – numa palavra as estruturas hoje incluídas no sistema
límbico. Ele associou tudo isso de acordo com a neuro-anatomia
conhecida em seu tempo. Isto, complementando, posteriormente, com
mais estudos, demonstrou pertencer a um único sistema. Depois, com os
96
estudos experimentais começavam a indicar que havia algo de verdade
na teoria de Papez e MacLean desenvolveu-a ainda mais.

Há algumas diferenças nos pormenores entre as teorias desenvolvidas


por Papez e MacLean. Tais diferenças , todavia são relativamente
insignificantes e, na maioria, referem-se às bases ainda desconhecidas da
experiência emocional. Ambas atribuem ao sistema límbico como um
todo a mediação da experiência e a expressão emocional. Ambas
apontam as relações significativas do sistema com hipotálamo e o papel
deste na expressão das emoções. Ambas ressaltam a localização
estratégica do sistema límbico para a correlação entre as sensações,
principalmente as que provêm dos órgãos internos. Embora ainda nos
falte um conhecimento preciso do modo pelo qual tais estruturas afectam
a experiência, sabe-se actualmente que estão de facto envolvidas nessa
experiência. A teoria de Papez-MacLean é hoje muito mais que uma
simples teoria. É uma descrição geral daquilo que a experiência já
conseguiu estabelecer, particularmente do facto de que o sistema límbico
constitui o sistema central da emoção.

2.3. Métodos de estudo

Antes de entrar nos pormenores da pesquisa sobre a emoção,


consideraremos duma forma resumida os métodos empregados em tal
pesquisa. Estes são como empregados em várias outras áreas da
psicofisiologia. Consistem principalmente de: (1) ablações e lesões do
sistema nervoso; (2) estimulação e registo, geralmente eléctrico, da
actividade das várias partes do cérebro; (3) métodos comportamentais.

2.3.1. Lesões

O método mais empregado é do praticar lesões e ablações no sistema


nervoso. Nos primeiros trabalhos da década de trinta, empregaram-se
transacções completas do cérebro, em níveis que variam desde a medula
espinhal até o tálamo, para obter-se uma ideia da maior contribuição das
diferentes partes do cérebro. Posteriormente, fizeram-se ablações mais
selectivas, algumas limitadas a uma única estrutura, outras, a uma
combinação de estruturas. Mais recentemente, com a perfeição das
técnicas estereotáxicas, muitas vezes se praticaram lesões em zonas
limitadas de uma ou duas estruturas.
97
2.3.2. Estimulação e registo

Outros métodos, sem ser o da ablação, tiveram uso mais limitado. O da


estimulação, entretanto, vem sendo cada vez empregado, principalmente
depois que a técnica da implantação crónica de eléctrodos foi
aperfeiçoada e adoptada por numerosos experimentadores. Métodos de
registar eventos, como o da respiração, das pulsações, das respostas
galvânicas da pele e de outras respostas autónomas já existiam há algum
tempo, mas só recentemente, e numa extensão muito limitada, é que se
fizeram alguns registos de eventos centrais eléctricos na emoção.

2.3.3. Métodos comportamentais

A maioria das pesquisas sobre o cérebro e a emoção foi realizada em


cães e gatos, e algumas também em ratos e macacos. Consideramos os
tipos de comportamento emocional que podem ser observados nesses
animais.

É relativamente fácil identificar padrões de emoção em animais. A


reacção de cólera no cão, por exemplo, manifesta-se pelo agitar da
cauda, ou arquear do tronco, o estender ou retrair dos membros, a
protrusão e movimento das unhas, o rosnar, os movimentos da cabeça de
um lado para outro, tentativas de morder e uma respiração muito rápida
e ofegante. Uma descrição um tanto parecida e bem definida pode ser
feita relativamente ao rato, ao gato e ao macaco.

A reacção de medo, no gato, manifesta-se pelo salto em forma furtiva ou


precipitada, pelo miado choroso, pelo tremor, ou pelo ato de se esconder
atrás de qualquer objecto a seu alcance. Em geral, o medo nos animais
pode ser identificado como um comportamento paralisante, ou uma fuga
do objecto temível em direcção a qualquer canto ou ponto que lhes dê
cobertura (ou os esconda). A reacção de prazer em cães e gatos é
familiar ao leigo. O sinal mais evidente nos cães é o abanar a cauda e
nos gatos, o ronronar. Outras reacções, tais como as de afagar e
acariciar, são também sinais de agrado. Esses vários padrões de reacção
emocional fazem com que ela seja aproveitável para o estudo da emoção
nos animais.
98
Os primeiros estudos sobre a emoção pretendiam simplesmente
determinar se os tipos familiares de reacção, ou parte deles, estavam
presentes ou ausentes. Neles foi possível obter também um grosseiro
limiar da resposta emocional. Com que força o rabo devia ser apertado
para aliciar a reacção de cólera; quantos gestos ameaçadores deviam ser
emitidos para provocar o medo ou a cólera, com que presteza um animal
se achegava ao experimentador para receber mimos e carícias, e outros
sinais semelhantes foram tomados como índices de mudanças nos
limiares da resposta emocional.

Medidas mais precisas da emotividade foram usadas ocasionalmente.


Uma delas foi uma escala de classificação destinada a expressar
numericamente o grau de emotividade. Seis ou sete diferentes
componentes da emotividade podem ser escolhidos, sendo cada um
deles distribuído numa escala de quatro pontos; ou então, numa de sete
pontos. Os componentes seleccionados incluem geralmente a resistência
à captura e / ou ao contacto manual, a vocalização durante a prova, as
reacções de sobressalto e de ataque ao se mostrar um lápis, a micção e a
defecação durante a manipulação do animal. Esses componentes
ocorrem com uma frequência bastante alta e, por isso, fornecem uma
medida bastante satisfatória da emotividade.

Um outro método abrange o condicionamento de uma resposta


emocional e se denomina resposta emocional condicionada (CER:
conditioned emocional response.) Um medo condicionado ou, mais
exactamente, uma resposta emocional condicionada, pode ser observada
também mais objectivamente e com mais precisão ao se estudarem os
seus efeitos sobre um outro aspecto de comportamento medido
quantitativamente. O comportamento utilizado com este objectivo foi o
de pressionar uma barra numa câmara de Skinner. O animal, em geral.
Um rato, é primeiramente treinado, durante algum tempo, num
procedimento de condicionamento clássico, em que se apresenta, ao
mesmo tempo, o som de um clique e um choque. Em cada tentativa, o
clique funciona, digamos, durante três minutos. No fim deste tempo,
aplicam-se um ou dois choques intensos. São necessários somente três a
seis tentativas desse tipo para estabelecer uma resposta emocional
duradoura e forte ao clique. O animal, daí por diante, ao ouvir o clique,
“fica petrificado” ou manifesta através de uma outra forma qualquer,
uma “resposta de medo”.
99
2.4. Estruturas nervosas envolvidas na emoção

Existem várias estruturas nervosas envolvidas no comportamento


emocional. Não serão abordadas com pormenores, somente as citaremos,
são elas: os centros inferiores, o tálamo, o córtex cerebral e o sistema
límbico. É de salientar que dentro do sistema límbico encontramos uma
estrutura chamada hipotálamo que é considerada como “sede da
emoção”.Tal expressão pode ser equívoca, mas aponta para o facto de
ser o hipotálamo o principal centro no qual os vários componentes da
reacção emocional são organizados em esquemas definidos. O
hipotálamo está sujeito a poderosas influências, tanto de excitação como
de inibição, provenientes de outras estruturas do sistema límbico; há
também influências corticais sobre o hipotálamo. Sem dúvida, o
hipotálamo é o foco e a estrutura organizadora do comportamento
emocional.

2.5. Alterações somáticas da emoção

Desde muito tempo, sabe-se que o sistema autónomo tem participação


nas reacções emocionais. De facto, os efeitos do sistema autónomo, bem
como as modificações corporais por eles acarretadas, foram dos
primeiros aspectos fisiológicos da emoção a serem cuidadosamente
estudados. Recentemente, fizeram-se tentativas para empregar certos
efeitos autónomos como medidas de perturbação emocional, de
condicionamento e da personalidade. Também se voltou a atenção para
os efeitos psicossomáticos do stress emocional prolongado.

2.5.1. Alterações autónomas

Como foi referenciado anteriormente, o sistema autónomo apresenta


duas divisões principais: o simpático e o parassimpático. O sistema
simpático é, em geral mais difusa em seus efeitos do que o
parassimpático; certos reflexos parassimpáticos podem ocorrer sem o
envolvimento de outras partes do sistema parassimpático, ao passo que o
sistema simpático tende a descarregar-se como um todo. Mas os dois são
geralmente antagónicos; os efeitos de um deles sobre um órgão são o
contrário dos efeitos do outro. Mas isso é uma super simplificação, pois,
em muitos casos, os dois trabalham conjuntamente, em sequência ou
complementação um do outro. Também o equilíbrio da acção resultante
100
pode ir numa ou outra direcção, predominando ora o simpático ora o
parassimpático. Todavia, os dois sistemas tendem a crescer e a decrescer
juntos. Donde se infere que, ao vermos maior actividade do simpático,
podemos esperar e ver também ao mesmo tempo ou depois de curto
intervalo, maior actividade do parassimpático.

2.5.2. Emoção intensa

A maioria das observações sobre os efeitos autónomos foi realizada em


condições de emoção intensa, geralmente de cólera ou de medo. Na
emoção intensa, o sistema simpático tende a predominar de tal modo que
a maioria das alterações verificadas são desse sistema. Essas alterações
podem ser resumidas como se segue: Alterações proeminentes ocorrem
nos tratos urinário e gastrintestinal. A salivação restringe-se ou cessa;
disto se origina a experiência da secura da boca, nos momentos de susto.
Inibem-se os movimentos do estômago, a secreção de sucos gástricos e
os movimentos peristálticos do intestino. O cólon e a bexiga não se
esvaziam tão facilmente como de costume, donde a possibilidade de uma
prisão de ventre. Em algumas situações, quando os efeitos têm um
rápido avanço, pode haver breve período de surgimento de impulsos
parassimpáticos compensadores, dando origem a defecção ou urinação.

Nas emoções fortes aparecem alterações também no sistema circulatório.


Impulsos simpáticos enviados ao coração aumentam a rapidez das
pulsações. Acarretam igualmente a constrição dos vasos sanguíneos
intestinais e controlam a corrente sanguínea de tal modo que maior
quantidade de sangue é enviada ao cérebro e aos músculos. Aumentando
a rapidez das pulsações e constringindo os vasos sanguíneos,
simultaneamente, a pressão sanguínea eleva-se. Por outro lado a rápida
elevação de pressão sanguínea pode estimular os receptores do seio da
carótida, disso resultando a entrada em acção dos reflexos
parassimpáticos. Como consequência, em lugar de aumentarem as
pulsações e a pressão sanguínea, ambas podem baixar repentinamente o
batimento cardíaco pode diminuir e chegar às vezes à paralisação.

 Outros efeitos simpáticos podem ser observados nas fortes


emoções, como os que seguem: as glândulas sudoríporas podem
entrar em acção; o suor então secretado, ajuda a dissipar o calor
produzido por uma actividade muscular exagerada e pelo aumento
101
do metabolismo. Contraem-se os músculos da base dos folículos
capilares, ocasionando a erecção dos cabelos e os arrepios da pele.
Pode haver também profundas alterações na respiração, mas isto
não segue uma ordem padronizada. Respiração ofegante, falta de
ar, palpitações, suspiros estão entre as modificações que podem
ocorrer. Os impulsos simpáticos também dilatam os bronquíolos
dos pulmões, provocando a troca de oxigénio e de dióxido de
carbono. Dilatam-se as pupilas, e, finalmente, há mudanças na
resistência eléctrica da pele, mudanças essas que estão estritamente
associadas com a actividade das glândulas sudoríparas, mas não
são idênticas a elas.

Na emoção forte há também mudanças glandulares. De uma ou outra


forma, várias glândulas podem ser afectadas; mas as modificações
importantes ocorrem na glândula supra-renal. A medula desta glândula é
directamente inervada pelo sistema simpático e descarrega no sangue as
suas secreções. Estas, são de dois tipos: a epinefrina e a norepinefrina. A
epinefrina tem efeitos muito gerais em vários órgãos do corpo, tais como
os que são directamente afectados pelo sistema simpático; ela é, assim,
simpático-mimética. A norepinefrina, por seu turno, tem efeitos mais
restritos; o principal deles é a contracção dos pequenos vasos
sanguíneos, que aumenta a resistência da corrente sanguínea.

Com sobrecarga prolongada, o córtex supra-renal e seus hormônios


também ficam estimulados. Neste caso, entretanto, não há inervação
simpática e o agente da estimulação é mesmo glandular.
Especificamente, trata-se do hormónio adrenocorticotrófico (ACTH) da
glândula pituitária; e esta é estimulada, directa ou indirectamente pela
acção do hipotálamo. É a secreção do córtex da supra-renal que é
responsável por alguns dos efeitos psicossomáticos que serão discutidos
posteriormente.

2.5.3. Reacções psicossomáticas

Admitiu-se por muito tempo, que estados emocionais, principalmente


quando persistem por longo período, podem afectar profundamente
vários órgãos corporais, danificando-os, às vezes, directamente e, outras
vezes, predispondo-os à infecções ou deficiência, quando não houver
causas precipitadoras. Para a nossa abordagem, nesta secção, somente
102
dois tópicos interessam-nos: um deles é a síndrome de adaptação geral
dos organismos em resposta à situação de stress; o outro, um trabalho
experimental sobre úlceras psicogénicas.

2.5.3.1. Síndrome de adaptação geral

Algumas mudanças corporais que ocorrem na emoção também ocorrem


em outros tipos de stress: sobrecarga do trabalho, exposição prolongada
ao frio e ao calor, queimaduras graves ou dores, devastações da doença.
As respostas autonómicas a todos esses casos, incluindo a emoção, são
por demais parecidas. Do ponto de vista fisiológico, todas podem ser
consideradas como reacções à situação de stress. De facto, tornou-se
hábito designar pelo nome de stress qualquer condição que faz com que
o corpo mobilize seus recursos e queime mais energias do que
geralmente acontece. Foram distinguidos três estágios na reacção
corporal ao stress. Tomados em conjunto, denominam-se síndrome de
adaptação geral (Figura 11.6). O primeiro estágio, chamado reacção de
alarme, consiste nas mudanças corporais típicas da emoção, acima
descritas. Mas se o stress continuar por algum tempo, o organismo passa
para o segundo estágio, chamado resistência ao stress. Neste estágio, o
organismo se recupera de suas primeiras explosões de emergência e
tolera o stress da melhor forma possível. Eventualmente, se o stress é
grave e perdura bastante, atinge-se o terceiro estágio, o de exaustão.
Neste, o organismo pode debilitar-se e morrer.

A síndrome de adaptação geral apresenta a defesa do organismo contra o


stress. Ao realizar tal defesa, muitos factos complicados ocorrem, que
aqui não examinaremos. O principal desses eventos é a secreção da
glândula supra-renal. Neste caso, é o córtex da glândula supra-renal que
é mais envolvido. Durante o estágio de resistência, esta parte da glândula
segrega uma quantidade de hormónios corticais muito maior do que a
normal. Isto se dá através do hormónio pituitário (ACTH). Uma
secreção cortical excessiva pode causar ou agravar doenças como a
hipertensão ou distúrbios cardíacos. Nos últimos estágios da síndrome,
quando os recursos se exaurem, as secreções corticais caem abaixo do
normal, causando ou agravando, então doenças como o reumatismo e o
artritismo. Essas afirmações provêem da experiência médica, mas as
reacções fisiológicas ao stress foram determinadas em laboratório tendo
ratos como pacientes.
103
2.5.3.2. Úlceras psicogénicas

Entre os distúrbios que se prendem ao stress emocional está a produção


de úlceras gástricas e duodenais. Trata-se de um distúrbio que pode ser
produzido em animais experimentais por diferentes maneiras, inclusive
por administração de drogas e hormónios; e também por meio de lesões
ou por estimulação do hipotálamo. A produção de úlceras através do
stress psicológico, que abranja reacções autonómicas, é que tem maior
interesse para nós.

As úlceras gastrintestinais são erosões da mucosa estomacal ou


intestinal, produzidas por certa combinação de ácidos, pepsinas (enzima
digestiva) e pela acção abrasiva de substâncias no estômago. Em
condições semelhantes, quanto maior a produção de ácido no estômago
tanto maior a possibilidade de lesões por úlceras.
104

UNIDADE IV MOTIVAÇÃO

1. SONO, DESPERTAR E ACTIVIDADE

2. FOME E SEDE

3. COMPORTAMENTO SEXUAL

4. COMPORTAMENTO INSTINTIVO
105

CAPÍTULO I SONO, DESPERTAR E ACTIVIDADE

Este capítulo diz respeito ao sono, à instigação, à prontidão e atenção, e


à actividade geral do corpo. De relance, estes tópicos não parecem estar
relacionados, é assim que se pensou durante muito tempo. As pesquisas
recentes, contudo, os agruparam porque determinados mecanismos
fisiológicos, particularmente o sistema reticular, são comuns a todos
eles. Por isso serão tratados juntos nesta obra. Começaremos com sono,
prosseguiremos com a prontidão e a atenção e terminaremos com a
actividade somática geral.

1.1. Características do sono

Os organismos adormecidos diferem dos que estão despertos sob


diversos aspectos. Entre eles, citamos: (1) actividade somática
grandemente reduzida; (2) aumento dos limiares de diversos reflexos e
diminuição de respostas a um grande número de estimulação; (3) no
homem, perda da consciência de modo que o organismo não tem
conhecimento da estimulação e é incapaz de se lembrar dos eventos que
ocorrem durante o sono; e (4) o organismo adormecido pode ser
despertado por uma estimulação sensorial forte, ao contrário do que
ocorre com aquele que se encontra num estado patológico devido a
drogas, com as contusões da cabeça.

1.1.1 Actividade somática

Há duas alterações salientes no comportamento que são sinais de que o


organismo está prestes a dormir: (1) os músculos que suportam o corpo
relaxam e o organismo geralmente se deita; (2) há uma acentuada
tendência para os olhos se fecharem. Essas duas mudanças somáticas
são, comummente, tomadas como sinais de sono ou sonolência. Ambas
representam a eliminação das principais fontes de impulsos aferentes
que de outra forma tenderiam a manter o organismo acordado.

Uma vez adormecido, o organismo se mantém relativamente quieto, mas


a actividade somática não está completamente ausente. De facto, durante
o sono ocorrem frequentes surtos de actividade dispersos entre períodos
de quietude. O período médio de descanso ininterrupto não passa de
106
alguns minutos. Nos adormecidos relativamente “irrequietos”, ocorrem
mudanças na posição do corpo cada cinco a dez minutos; nos outros,
podem ocorrer somente a cada vinte a vinte e cinco minutos.

1.1.2. Actividade autónoma

Ao contrário da actividade somática, a actividade autónoma contínua,


quer se durma quer não; porém sofre algumas alterações acompanhando
o sono: (1) os batimentos cardíacos são significamente reduzidos, em
alguns casos em até vinte ou trinta batidas por minuto. Essa mudança,
contudo, é quase a mesma que ocorre sob condições de relaxamento
muscular. (2) A pressão sanguínea também tende a diminuir no sono de
vinte a trinta milímetros. Geralmente, a pressão sanguínea alcança um
mínimo depois de aproximadamente quatro horas de sono, aumentando
um pouco depois e “saltando” ao despertar. (3) A respiração é um
pouco mais lenta, e tem mais profundidade no sono do que no estado de
vigília, mas sua principal alteração consiste na maior regularidade. (4)
A temperatura do corpo é mais baixa. Essa diminuição é devida a um
ciclo de vinte e quatro horas, no qual o pico é atingido no estado de
maior instigação, podendo ser elevado de um grau ou mais do que o
mínimo atingido durante o sono

profundo. (5) As contracções gástricas e a actividade alimentar


continuam iguais, quando não com um vigor bem maior.

Essas diversas alterações autonómicas não parecem ser provocadas pelo


sono em si. Antes, são mudanças iguais às que podem ser observadas
quando um organismo descansa por um período prolongado de tempo
sem dormir. Representam uma queda nas exigências de energia durante
o descanso e a inactividade.

1.1.3. Excitabilidade reflexa

Em geral, é mais difícil eliciar reflexos durante o sono do que no estado


de vigília. Essa característica do sono, entretanto, não se aplica
igualmennte bem a todos os reflexos. Enquanto o limiar para eliciar
reflexos proprioceptivos é elevado, os reflexos cutâneos são quase
normais. O reflexo patelar, por exemplo, desaparece durante o sono; esse
reflexo resulta de uma súbita estimulação dos órgãos tendinosos de
107
Golgi (Capítulo IX). A estimulação cutânea, por outro lado, parece
provocar antes uma resposta normal. Tocar de leve a face, por exemplo,
produz uma careta, os estímulos que produzem cócegas podem eliciar
movimentos de coçar.

1.1.4. O sono e a atividade fisiológica

Nenhum aspecto do sono foi mais estudado do que as mudanças que


ocorrem no electroencefalograma (EEG). As diferentes fases do sono e
do estado de vigília reflectem-se no EEG. Este facto permite que se use
o EEG como um indicador objetivo do estado em que se encontra uma
pessoa. Pode fingir estar adormecida ou protestar que não está com
sono; o seu EEG, entretanto, pode dizer ao pesquisador qual é a verdade.

Os registos do EEG, feitos sobre o crânio, durante diversos estados,


desde a vigília excitada até um sono profundo, podem diferir sob três
aspectos: a amplitude (voltagem) das ondas registadas; sua frequência e
a regularidade (sincronização) ou irregularidade de frequência (Figura
12.1). Por agora, nós nos preocuparemos somente com as alterações que
ocorrem entre uma vigília com relaxamento e o sono profundo. Os
estágios envolvidos foram rotulados de maneira diferente pelos diversos
investigadores, mas há uma concordância geral quanto àquilo que ocorre
(Figura 12.1 e 12.2).

Quando se está desperto e relaxado, é provável que o registo consista


principalmente em ondas alfa sincronizadas de voltagem moderada; no
homem, são aproximadamente 10 por segundo. O aparecimento de
ondas alfa regulares, no registo, é um bom sinal de que a pessoa está
acordada. À medida que a pessoa se torna sonolenta, a amplitude das
ondas alfa se reduz, e aparecem ondas ocasionais lentas de baixa
amplitude conhecidas como ondas delta. Essa ocorrência denomina-se,
às vezes, padrão irregular de baixa voltagem

No sono leve, as ondas alfa desaparecem, as ondas lentas (ondas delta de


1 a 4 por segundo) tornam-se maiores; além disso, aparecem jorros de
pontas com uma frequência de cerca de 14 por segundo. O aparecimento
dessas pontas (picos) é geralmente um bom sinal de que a pessoa está no
sono leve No decorrer da primeira hora aproximadamente, o sono vai se
tornando mais profundo. No sono profundo, os jorros de pontas
108
desaparecem e o registo se caracteriza por séries de ondas amplas e
lentas (delta).
Recentemente, descobriu-se uma outra fase neurofisiologicamente
singular do sono. Ela ocorre durante uma noite de sono normal em
aproximadamente cada 11/2 a 2 horas após o começo do sono. Olhando-
se apenas o registo de EEG, essa fase pode ser confundido com a da
sonolência, pois o registo aparece-se muito com o de uma pessoa que
está preste a dormir Há, entretanto, diferenças importantes entre este
estádio e a sonolência. Por isso, ele é, às vezes, chamado de sono
paradoxa”l. Uma das diferenças é o aparecimento de rápidos
movimentos dos olhos que podem ser registados que podem ser
registados objectivamente; por esta razão, foi denominado também de
estágio REM (de rapid eye moviments).

Ademais, durante esse estágio, se a pessoa for acordada, provavelmente


relatará sonhos. De facto, os sonhos têm uma elevada correlação com o
estágio do REM. Ao mesmo tempo, é mais difícil despertar uma pessoa
nesse estágio do que na fase de ondas lentas do sono profundo. Portanto
não é apenas o despertar da pessoa adormecida. A conclusão geral a se
tirar é a de que o estágio REM difere dos outros pelo facto do córtex
cerebral ser muito mais activo do que no sono profundo, enquanto os
limiares para os estímulos sensoriais são tão altos quanto no sono
profundo.

1.1.5 Estádios do sono

Estes registros fisiológicos demonstram que existem dois tipos de sono


bastante diferentes. O primeiro tipo, é chamado sono de ondas lentas,
ocorre logo a seguir a adormecermos; o segundo tipo, chamado sono
REM, ocorre intermitentemente ao longo da noite. Comecemos pelo
sono de ondas lentas que apresenta diversos estádios, com base nos
padrões de EEG do indivíduo que dorme. Na hora de dormir, à medida
que o participante se começa a relaxar na cama e a ficar sonolento, o seu
padrão de EEG tende a lentificar-se, por comparação com as frequências
da vigília, e apresenta um ritmo alfa acentuado. Encontra-se agora num
estado de sono leve, a dormitar, de que é facilmente acordado e durante
o qual tem uma imagética fugaz do tipo sonho diurno; este é o estádio
mais leve ou Estádio 1 do sono de ondas lentas (Fig 3.22.)
109
Após alguns minutos no Estádio 1, o participante passa “um ponto sem
retorno” no qual se sente cair no sono ( talvez com algumas contrações
musculares). Isto sinaliza o início do Estádio 2 do sono de ondas lentas.
Na hora seguinte, à medida que o sono se torna mais profundo, passa do
Estádio 3 e 4 do sono de ondas lentas. A sua frequência cardíaca e
respiratória lentificam-se e os olhos movimentam-se lentamente e não já
de forma conjugada. Nesta altura, o indivíduo está virtualmente imóvel,
dobrado numa posição semifetal e é dificilmente acordado. De facto,
tentar acordar uma pessoa do sono de ondas lentas exige um esforço
mantido, a pessoa protestará, parecerá, parecerá desorientada,
murmurando incoerentemente ou virando-se mesmo se for abanada ou se
lhe gritar. Alguns indivíduos entram espontaneamente num estado
confuso, meio sono, meio vigília, o que explica perturbações do sono de
ondas lentas, como o sonambulismo e os terrores noturnos da infância.

1.1.6 Funções do sono

Porque será que o sono apresenta uma arquitetura tão complexa? Que
funções são servidas pelo sono de ondas lentas e pelo sono REM?
Surpreendentemente as respostas ainda são desconhecidas. Mas as
tentativas de encontrar respostas progridem.

1.1.6.1 Privação de sono

Um modo de avaliar os benefícios do sono consiste em observar as


perturbações que sobrevêm da sua privação. Esta é a lógica das
experiências de privação de sono, nas quais homens e animais são
mantidos acordados durante dias seguidos. Os resultados confirmam que
a necessidade de dormir é extremamente poderosa. Quando privados de
sono, procuramos dormir tal como procuramos alimentos quando temos
fome. Quando o sono é finalmente permitido, caímos na cama mais
próximo e tentamos compensar o sono perdido. O indivíduo privado de
sono não precisa apenas de dormir; precisa também de quantidades
adequadas, quer de sono de ondas lentas, quer de sono REM.

A privação do sono é claramente um problema grave, o que torna ainda


mais preocupante que somente 5% das pessoas com insónia crónica
procurem apoio profissional, muito embora esta seja um transtorno
tratável. Alguns casos de insónia reagem prontamente a simples regimes
110
de sono: tornar os quatro silenciosos e escuro; adormecer e acordar
sempre à mesma hora; abster-se de exercícios físicos rigorosos,
pensamentos stressantes ou de estimulantes como cafeina ou nicotina,
após a refeição da noite. Mesmo o álcool, que, para a maior parte de
pessoas , causa sonolência, de facto produz um sono perturbado,
fragmentado e resulta num tempo total de sono menor.

De quanto sono precisamos realmente? A resposta varia de pessoa para


pessoa e seguramente varia com a idade. As crianças dormem sestas
breves, ao longo do dia, passando 50% do sono em períodos REM (em
média dormem dezasseis horas por dia, oito das quais em períodos
REM). Apenas entre os quatro e os seis meses de idade os bebés
começam a consolidar o sono num período noturno. À medida que
crescem, precisam de dormir menos tempo e dormem menos em REM
(Rosenzweig et al., 1996). Os adolescentes dormem em média oito horas
por noite, duas das quais são sono REM; os adultos mais velhos, por sua
vez, dormem em média seis horas por noite das quais apenas uma é
gasta em REM (Rosenzweig et al., 1996) Estes números são apenas
médias; alguns indivíduos precisam de dormir mais, outros menos.
Exemplo: Um investigador encontrou uma enfermeira de setenta anos
que relatava fidedignamente que dormia apenas uma hora por noite;
apesar disso, era atenta e afável e aparentemente não sofria qualquer
efeito perturbador de algo que, para a maioria de nós, constituiria uma
privação de sono aguda.

1.1.7 Sono como processo reconstituinte

As experiências de privação de sono sugerem que existe de facto


necessidade de dormir, mas não nos dizem porquê. Uma possibilidade é
que o sono seja reconstituinte, im período durante o qual alguma
substância vital seja reabastecida no sistema nervoso. De alguma forma,
esta posição foi defendida pelo menos no Renascimento. Shakespeare
via o sono como “o bálsamo das almas doridas” que “entretece o fio
solto da inquietação”. Mas se o sono é reconstituinte, o que é que há a
reconstituir?

Alguns investigadores realçam as funções reconstituintes do sono de


ondas lentas (particularmente, estádios 3 e 4), pois as provas sugerem
que o sono de ondas lentas aumenta em estados de fadiga física. Por
111
exemplo, os corredores da maratona dormem mais nas duas noites
seguintes à corrida devido principalmente a passarem mais tempo em
sono de ondas lentas (Shapiro et al., 1981)Quais as funções desta
observação? Alguns indicadores provêm do facto de que uma hormona
de crescimento, que promove a síntese de proteínas (e contribui assim
para a substituição de tecidos do corpo), é segregada principalmente
durante o sono de ondas lentas (Takahashi, 1979). Mas se esta hormona
(ou qualquer outra forma de reparação corporal) é a chave para a função
do sono é um assunto controverso, pois o exercício físico intenso leva
também a um aumento do metabolismo cerebral e, assim pode ser que
seja o cérebro, mais do que o corpo, que necessita de repouso e
reconstituição (Horne, 1988).

Estamos longe de uma resposta definitiva acerca das funções do sono


REM. Segundo alguns teóricos, a observação de que as crianças têm o
mais longo sono REM não acontece por acaso, pois a atividade neuronal
mais intensa durante o sono REM pode contribuir para estabelecer
conexões neuronais corretas no cérebro em desenvolvimento. Outra
possibilidade é o sono REM ajudar a que o sujeito consolide o que quer
que seja que aprendeu no dia anterior. Sob este ponto de vista, o que
acontece durante o sono REM seria análogo ao que se passa numa
biblioteca após o encerramento das salas de leitura: os livros são
catalogados e arrumados, a fim de se poderem procurar e encontrar no
dia seguinte.

1.1.8 Sono como processo dirigido por relógio

Mesmo que o sono seja restaurado, esta não é a única explicação por que
dormimos, pois, mesmo quando estamos fisicamente exaustos, a nossa
necessidade de dormir depende da hora do dia. Quando as pessoas são
privadas do sono continuam a sentir-se mais cansada ao anoitecer e mais
despertas pela manhã. Este facto mostra que o sono é um processo
movido por relógio (ver Fig 3.25). Neste aspeto, assemelha-se a diversos
outros ritmos biológicos que parecem depender de relógios internos
inatos. Alguns destes ritmos estendem-se durante o ano inteiro, como os
padrões sazonais que determinam a migração, o acasalamento e a
hibernação em muitos animais. Outros são bastante mais curtos, como os
ritmos de respiração e do batimento cardíaco.
112
O ciclo vigília-sono tem uma dimensão intermédia, durando as vinte e
quatro horas do dia e, por isso, é chamado ritmo circadiário (do latim
circa, “à volta de” e dies, “dia”). Origina-se provavelmente a partir dos
circuitos-relógio do hipotálamo e da glândula pineal, cujo
funcionamento implica a hormona melatonina; estes relógios parecem
ser regulados por aferências do nervo óptico que informa o sistema sobre
se é dia ou noite (Morgan e Boelen, 1996). Na verdade, os efeitos
debilitantes ocasionados pelas longas viagens de avião são devidos á
rutura desses relógios, provocada pelo facto de os viajantes verem os
seus amanhecer e anoitecer chegarem demasiado cedo ou demasiado
tarde.

Os intervalos de 90 a 100 minutos entre períodos de sono REM parecem,


também, indicar um ciclo separado, chamador ritmo ultradiário (por
ocorrer muitas vezes por dia). Ritmos similares parecem caracterizar a
ocorrência de sonhos diurnos, os processos de digestão e de secreção de
hormonas, e de desempenho de certas tarefas mentais (Kripke, 1982;
Armitage, Hoffmann e Moffit, 1992; Rosenweig, et al., 1996)

1.1.9 Profundidade do sono

Uma das vantagens do emprego do EEG para o estudo do sono é a de


que ele não perturba o adormecido. Até certo ponto, como vimos, pode
indicar estágio do sono da pessoa. Entretanto não diz tudo. Outro
método, amplamente utilizado antes que o emprego do EEG fosse
divulgado, era o de determinar a profundidade do sono pela intensidade
do estímulo exigido para acordar a pessoa, ou, pelo menos, para
despertá-la. Empregava-se, geralmente, um estímulo sonoro para isso.

Quando se emprega o limiar auditivo de instigação para medir a


profundidade do sono, verifica-se que esta não é uniforme durante o
sono de uma noite ou mesmo por períodos muito longos. (Ver Figura
12.3) Ao contrário, a pessoa passa ciclicamente por estágios de sono
leve e profundo. Estes ciclos duram dez a trinta minutos, mas variam
grandemente de um indivíduo para outro, até de uma noite para outra, no
mesmo indivíduo. Nenhuma generalização estatística parece ter sentido.
O certo é que a profundidade do sono varia continuamente.

1.1.10 Ritmo do sono


113

A maioria das pessoas adultas dorme durante um logo período diário.


Entretanto, no começo da vida não foi assim. Como todos sabem, os
bebés começam a vida dormindo durante cinco a sete períodos por dia,
consistindo cada um em três ou quatro horas de sono. Dito de outra
maneira, o adulto é monofásico e a criança é polifásica. Durante os
primeiros meses de vida, as crianças mudam gradativamente do tipo
polifásico para o monofásico, embora a transição não seja completa
senão quando a sesta da tarde é finalmente abolida na idade de ir para o
jardim-de-infância. (Ver Figura 12.4).

Alguns animais são monofásicos e outros polifásicos. Os ratos, os


coelhos e a maioria dos roedores são polifásicos. Os canários, as cobras
e o homem são monofásicos. A diferença se baseia, em grande parte, no
grau de controlo que o ciclo luz-escuro exerce sobre a actividade. Os
organismos que são muito activos na luz e vivem de forma a ficar
sempre expostos à luz, tendem a ser monofásicos; aqueles que vivem em
tocas ou se escondem rapidamente da luz tendem a ser

polifásicos. Esta generalização, contudo, tem várias excepções. Outros


factores, como a disponibilidade de alimentos e a temperatura do
ambiente, desempenham também o seu papel.

1.1.11 Tipos de vigília

Anos atrás, Kleitman (1939), agrupando os factos disponíveis sobre o


sono, inclusive os sumariados nas duas secções precedentes, propôs o
que chamou de uma teoria evolutiva do sono.
“Evolutiva” porque encarava as formas de sono e de vigília como
dependentes do desenvolvimento evolutivo do córtex cerebral, sobretudo
entre os mamíferos. Distinguia-se entre uma vigília de necessidade,
dependente em todos os animais da estimulação aferente, e uma vigília
de escolha, dependente do córtex cerebral. Resultou que a distinção feita
por Kleitman se ajustava perfeitamente aos dados neurofisiológicos mais
recentes que descreveremos adiante (Ver Kleitman, 1963).

A vigília de necessidade é caracterizada por uma alternação polifásica


do sono e da vigília que deparamos nos animais descorticados, nas
114
crianças recém-nascidas e em muitos tipos de animais primitivos.
Sempre que um desses organismos está relativamente livre da
estimulação dos impulsos aferentes provenientes de estímulos do mundo
externo ou da própria atividade muscular, se reduz a atividade das
estruturas subcorticais relacionadas com a vigília. Porém, quando os
estímulos se originam da distensão da bexiga, das contrações gástricas
ou dos distúrbios que ocorrem no mundo externo, essas estruturas são
excitadas e o organismo desperta. Quando relaxa e escapa dos estímulos
externos, o fluxo dos impulsos aferentes é reduzido. Desta forma, passa
por ciclos alternados de sono e vigília.

Nos animais de córtex muito mais desenvolvidos, a alternação torna-se


uma função conjunta das estruturas subcorticais e corticais. A vigília de
necessidade é mantida pelas estruturas subcorticais mas sobrepondo-se a
ela ocorre a vigília de escolha mantida direta ou indiretamente pelos
efeitos da atividade cortical sobre os mecanismos de despertar
subcorticais. Aquela atividade cortical sugeriu Kleitman, é grandemente
determinada por processos de ajustamento aprendidos e não-aprendidos
do animal ao ciclo luz-escuro do mundo. Desta forma, o sono pode ser
proposto e um ritmo e um ritmo monofásico do sono e da vigília pode
desenvolver-se. Os animais passam a dormir à noite e permanecem
despertos durante o dia.

Uma vez estabelecido o ciclo monofásico, torna-se um ritmo genuíno do


cérebro. Esse ritmo prossegue, quer o indivíduo durma, quer não. A
temperatura do corpo e a atividade, por exemplo, sofriam uma baixa à
noite e aumentavam durante o dia. Portanto, o mecanismo do sono
possui uma periocidade mesmo quando a vigília é forçosamente
prolongada além do período normal.

1.2 Mecanismos neuronais do sono e despertar

Até uns trinta anos atrás, eram várias as teorias sobre o sono, nenhuma
das quais enfeixava satisfatoriamente todos os fatos. Alguns teóricos se
inclinavam para uma teoria química do sono. Uma certa substância
(hipnotoxina) seria a causa, ao acumular-se durante as horas de vigília e
ao dissipar-se durante o sono. As atenções voltaram-se, primeiramente,
de maneira nítida para os ritmos cerebrais e se desviaram dos
mecanismos químicos quando ficou demonstrado que os gêmeos
115
siameses que possuíam dois cérebros e os animais com circulação
cruzada podiam dormir independentemente (Kleitman. 1939). Pesquisas
ulteriores mostram, de forma razoavelmente clara, quais eram os
mecanismos cerebrais. A principal estrutura relacionada com o despertar
é o sistema reticular ativador (RAS). Este aspeto será realçado ao
descrevermos as funções das diversas estruturas cerebrais.

1.2.1 Córtex cerebral

Os estudos sobre o córtex cerebral, realizados em cães, quer em sujeitos


humanos, tornam claro que ele é o responsável pelos ciclos monofásicos
do sono ou, conforme os termos de Kleitman, pela vigília de escolha
(ver Kleitman e Camille, 1932; Kleitman, 1952). A prova nos é dada
pelo comportamento de dormir e de acordar dos organismos
descorticados. Embora os cães adultos normais façam “sesta”, os
padrões de sono deles é geralmente parecido com o dos seres humanos;
são primordialmente monofásicos. Quando pequenos são como os bebês
humanos, polifásicos. Quando privados de córtex cerebral, voltam a
apresentar padrões de sono igual ao dos filhotes, acordando
ocasionalmente para serem alimentados ou para cuidar de suas
necessidades fisiológicas, voltando, depois, rapidamente a dormir (ver
Fig 12.4).

Acidentalmente, nascem crianças sem córtex que sobrevivem por um ou


dois anos. Essa crianças mantêm um ciclo polifásico durante toda a vida,
nunca chegando a um monofásico. Portanto, conclui-se que o córtex
cerebral, nos mamíferos como o cão e o homem, é necessário para o
desenvolvimento de uma vigília monofásica de escolha.

1.2.3 Hipotálamo

Os fatos que descritos acima descritos eram conhecidos por volta dos
anos de 1930. Apontavam para estruturas subcorticais como
responsáveis pela vigília de necessidade enquanto distinta da de escolha.
Provas clínicas da época pareciam indicar o hipotálamo como a estrutura
subcortical provavelmente relacionada com o sono e a vigília
polifásicos. Tumores e inflamações na região do hipotálamo foram
comumente associados com tendências anormais para o sono
(sonolência).
116

Lesões foram feitas em inúmeras regiões do tálamo e do hipotálamo de


macacos (Ranson, 1939).O tálamo não parece estar envolvido, pois até
mesmo destruições bilaterais bastante amplas nessa região não
provocaram distúrbios do sono e da vigília normais. Por outro lado, se as
lesões se restringiam à parte posterior do hipotálamo, resultava uma
sonolência profunda. Os macacos dormiam quase continuamente durante
quatro a oito dias após a operação e mostravam-se sonolentos durante
vários meses. Sempre podiam ser instigados por meios de estimulações
sensoriais intensas, mas, imediatamente caíam no sono de novo. As
lesões nas partes mais anteriores do hipotálamo não produziram
sonolência. Como a vigília parecia depender tão crucialmente da
integridade do hipotálamo posterior, essa área foi designada como
centro da vigília.

Os mesmos resultados foram duplicados no rato, com a exceção de que


se determinou, ademais, um centro de sono, situado na parte mais
anterior do hipotálamo (Nauta, 1946). As lesões de controlo em núcleos
subcorticais diferentes dos do hipotálamo não afetaram o sono. Como
nos estudos anteriores sobre o macaco, as destruições bilaterais na
vizinhança imediata dos corpos mamilares, contudo, produzam um sono
profundo, do qual os animais eram despertados somente com o emprego
de estímulos intensos. Os animais com lesões bilaterais do hipotálamo
anterior mantinham-se continuamente despertos. Depois que se
recuperavam da operação, mantinham uma atividade normal, comiam e
bebiam livremente e mantinham a temperatura normal do corpo.

Mas, observou-se que nunca dormiam. Depois de vinte e quatro horas,


esses ratos começaram a mostrar sinais de fadiga. Começaram à vacilar,
não mais comiam nem bebiam. Em cerca de três dias, caíra em estado de
coma, do qual não puderam ser recuperados e morreram logo depois.
Com base nesses resultados, conclui-se que há um centro de vigília no
hipotálamo posterior e um centro de sono no hipotálamo anterior. O
único fato determinado pela pesquisa sobre o hipotálamo é o de que
existe uma região no hipotálamo posterior que, destruída, causa sono ou
sonolência. Provavelmente é apenas uma parte de um sistema mais
amplo que controla o estado de vigília
1.2.4 O sistema reticular ativador
117
Na época em que se realizavam os experimentos com descorticação e
com hipotálamo, o significado da formação reticular do cérebro não era
conhecido. Havia sido observado (Bremer,1935), que a descorticação ao
nível do mesencéfalo causava uma sonolência profunda acompanhada de
uma conversão do padrão EEG cortical normal em um de sono. Naquele
tempo, pensou-se que o efeito de secionar o pedúnculo cerebral era
devido ao fato de se terem cortado as vias dos sistemas sensoriais
específicos. Mais tarde, mostrou-se (Lindsley e colaboradores, 1950)
que ao secionar esse sistema, poupando outras vias mesencéfalicas, não
se produzia aquele efeito. Os animais privados das vias sensoriais
específicas e clássicas dormiam e acordavam exatamente como os
normais. Ao que parece, a sonolência produzida pela seção do
mesencéfalo está relacionada com a porção ascendente do sistema
reticular ativador (RAS).

A descoberta da importância deste sistema verificou-se em duas etapas


relacionadas entre si, uma electrocortical e a outra, comportamental.
Mostrou-se, primeiramente, que a estimulação elétrica da formação
reticular provoca uma “ativação” do EEG cortical (Moruzzi e Magoun,
1949). Quando se estimulava desta forma um gato desperto, as ondas
sincronizadas de repouso, características de um estado de vigília com
relaxamento, apresentavam uma atividade rápida e de baixa voltagem ou
um EEG de pouca amplitude. Essa alteração do EEG é chamada
indiferentemente de ativação, dessincronização ou instigação. Ocorria
também quando um novo estímulo era apresentado com relaxamento.
Esse resultado indica que o RAS era responsável pela vigília.

Essa conclusão foi confirmada por estudos dos comportamentos durante


a estimulação ou após lesões provocadas na formação reticular (Lindsley
e colaboradores, 1950). A mesma estimulação que causava o padrão de
ativação no EEG também instigava um gato adormecido. Estudos
semelhantes com macacos (Segundo e colaboradores, 1955)
demonstraram também qua animais adormecidos são facilmente
despertados pela estimulação reticular. Por outro lado, as lesões na
formação reticular provocam simultaneamente o aparecimento de sinais
electrocorticais e comportamentais de sonolência. Hoje há dezenas de
estudos que replicam esses resultados com animais diferentes, e resta
pouca dúvida de que a formação reticular é o principal centro de vigília
do cérebro.
118

A essa altura, alguém poderá perguntar se existem dois conjuntos de


centros de vigília, um no hipotálamo e outro no pedúnculo cerebral. Há
pontos de vista levemente divergentes sobre esses assunto, um dos quais
atribui maior importância ao hipotálamo (Gellhorn, 1957) e outro
enfatizando a formação reticular (Lindsley, 1960). Contudo, o fato
anatômico importante é o de que a área hipotalâmica posterior está
intimamente ligada com a formação reticular que uma parte dela é,
realmente, considerada uma extensão daquela formação. Há, sem dúvida
alguma, algumas diferenças funcionais entre as porções hipotalâmicas e
as do pedúnculo cerebral do RAS. De qualquer forma, im ponto de vista
plausível é o de que as duas em conjunto formam um centro de vigília
(Lindsley, 1960).

1.2.5 Tálamo

Intimamente relacionado com RAS do tronco cerebral, existe um grupo


de núcleos do tálamo que se projeta difusamente no córtex cerebral (Ver
p. 48). Às vezes, ele é classificado como uma extensão talâmica da
formação reticular, mas como apresenta algumas propriedades que são
diferentes das do RAS do pedúnculo cerebral, aquele grupo é citado
separadamente como um sistema de projeção talâmica difuso
(DTPS=difuse thalamic projection system). Os fatos essenciais sobre o
DTPS são os seguintes:

Estimulação elétrica desse sistema, com frequências entre 6 e 12 ciclos


por segundo, suscita a chamada resposta de recrutamento em diversas
áreas do córtex (Morison Dempsey, 1942). Cada choque estimulador
provoca uma resposta no córtex, mas à medida que os choques são
repetidos, a magnitude da resposta aumenta além das três ou quatro
estimulações. É o aumento gradativo da magnitude da resposta que se
denominou de recrutamento.

Com respeito à ativação e à vigília, a estimulação do DTPS pode


provocar ambas como a estimulação do RAS (ver Lindsley, 1960).
Contudo, o efeito é mais transitório ou menos persistente do que a
estimulação do RAS. Alem disso, o efeito parece depender da frequência
da estimulação. Altas frequências provocam respostas de alerta, mas se a
frequência for mais baixa, pode induzir exatamente o efeito oposto, isto
119
é, induzir o sono (Akert e colaboradores, 1952). O efeito ativador do
RAS parece mais forte do que o do DTPS, tomando-lhe a dianteira.
Quando este último é destruído ou separado do córtex, a estimulação do
RAS ainda chega a provocar uma reação de instigação.

ORAS e DTPS são afetados de uma forma diferente pelos hormônios e


anestésicos. Os anestésicos barbitúricos, por exemplo, afetam
grandemente o RAS, mas não bloqueiam o DTPS. De fato, o sono
induzido pelos barbitúricos é amplamente, senão exclusivamente,
causado pela

ação destes sobre o RAS. Por outro lado, a porção mesencefálica


superior do RAS é sensível ao hormônio epinefrina, enquanto o DTPS
não o é. Na verdade, o efeito geral de instigação ou de ativação da
epinefrina é devido muito à estimulação específica do RAS do que aos
efeitos periféricos do hormônio (Courville e colaboradores, 1962). Além
dessas diferenças a relação exata do DTPS com o RAS não ficou ainda
bem esclarecida. O melhor resumo que se pode fazer é o seguinte: o
RAS fornece um mecanismo básico e geral de instigação, determinando
estados persistentes de sono e de vigília, enquanto o DTPS é um
mecanismo auxiliar que participa em incrementos mais transitórios na
instigação e atenção. Empregando as mesmas palavras com que
descrevemos diferenças paralelas nas atividades motoras (ver p, 360s), o
RAS do pedúnculo cerebral tem a funções tônicas de longa duração,
enquanto o DTPS apresenta funções mais fásicas.

1.3 Atividade

Esta seção representa a atividade somática de um orgaismo (ver Roeder,


1955). Durante as horas de vigília, um organismo pode engajar-se numa
grande diversidade de atividades, como explorar, farejar, coçar, procurar
e perseguir coisas. Com propósito de fazer mensurações, contudo, a
maioria destas atividades podem ser classificadas como atividades
locomotoras ou agitação.

Na atividade locomotora, o animal vai para determinados locais,


movendo-se de uma posição espacial para outra. Esse tipo de atividade é
das mais frequentemente medidas, em uma espécie de roda de atividade
na qual a progressão do animal faz a roda movimentar-se e um contador
120
que a ela ligado registra o número de rotações desses movimentos (ver
Young e Spector, 1957).

A agitação é uma atividade em que o animal realiza movimentos mas


sem andar distâncias apreciáveis. É medida por meio de um
estabilímetro ou “gaiola de balanço”. Consiste numa plataforma que
balança ao menor movimento do animal, e por meios pneumáticos ou
eletrónicos o balançar é registrado. Os dois tipo de medida se
superpõem, mas a roda de atividade não registra a maior parte de
agitação e o estabilímetro não permite distinguir, ou só bem pouco, a
atividade locomotora da agitação. Geralmente, os dois tipos de atividade
se correlacionam; um animal bastante ativo no sentido locomotor, o é
também do ponto de vista da agitação. Há entretanto, ocasiões, por
exemplo em casos de subnutrição, em que o animal se mostra agitado,
mas apresenta baixa atividade locomotora. Na maior parte do que será
discutido abaixo, a atividade locomotora é a que está sendo medida, a
não ser que se afirme o contrário.

1.3.1 Ritmos de atividade

Uma das características de atividade medida na roda de atividade é a


variação regular na quantidade de atividade que o animal desenvolve no
tempo. Ou por outra, a atividade apresenta ritmos característicos. E não
existe apenas um ritmo; ao contrário, há diversos ritmos superpostos.
Cada um deles tem uma causa diferente, quer sejam condições
fisiológicas internas, quer fatores de estimulação do meio. No caso do
rato, quatro fatores diferentes foram identificados: fome, luz,
temperatura e secreções gonadais.

Fome - A atividade somática e a fome estão intimamente


relacionadas. Os ratos, se têm livre acesso ao alimento, apresentam
ritmos regulares de atividade e de comer, que ocorrem, em média, cada
quatro horas (Richter, 1927). A atividade quase sempre começa antes, e
somente depois de ocorrer durante alguns minutos é que o animal
começa a comer. Em seguida, a atividade logo cessa. Este ciclo é o ritmo
polifásico do sono e da vigília descrito atrás. A vigília,

neste ciclo, é a “vigília de necessidade” e a necessidade está ligada à


fome, ao comer e a outros impulsos biológicos.
121

Luz - Sob condições de iluminação natural diversos animais


apresentam flutuações regulares diárias na atividade quando o meio
muda de luz para a escuridão. Essas variações cíclicas são claramente
vistas no rato, que é um animal noturno e realiza quase 70 por cento de
sua atividade no escuro. Os ratos distribuem sua atividade da mesma
maneira quando sujeitos a esquemas de iluminação artificial, mesmo
quando aqueles se desviam grandemente das condições naturais
(Browman, 1942). Os pássaros e outros organismos diurnos dormem
durante os períodos escuros e mostram-se mais ativos durante o dia. Em
qualquer dos casos, a atividade da maioria dos pássaros e mamíferos está
intimamente relacionada com os ciclos de luz e escuro.

Temperatura - Embora a luz seja o mais importante dos fatores a


manter os ciclos de atividade diária, a temperatura ambiental
desempenha também o seu papel. Alternando regularmente períodos de
frio e de calor, pode-se induzir ritmos de atividades em ratos cegos
Browman, 1944). Em geral, os animais são mais ativos durante os
períodos e frio e menos ativos durante os períodos de calor. Esta
generalização, no entanto, depende das temperaturas, e varia com o
animal. Se a temperatura se torna muito fria, quase todos o animais
procuram um lugar onde possam se aquecer e nele permanecem quietos.

Impulso sexual - A atividade somática não específica pode também


estar relacionada, em alguns casos, com o impulso sexual. A fêmea do
rato apresenta um ciclo sexual no qual a ovulação e a recetividade sexual
ocorrem com certa regularidade em intervalos de quatro a cinco dias.
Correlaciona-se a este ciclo um ritmo saliente de atividade somática,
visível na mensuração do número de rotações na roda de atividade (ver
Fig. 12.7). No pico do ciclo, a fêmea pode percorrer mais de 10 milhas
por dia, enquanto nos outros dias, percorre somente uma fração de
milha.

O período de maior atividade corresponde ao da recetividade sexual. Se


neste tempo a fêmea for fecundada, não serão mais observados períodos
de cio no decorrer de toda gravidez (cerca de vinte e um dias); durante
esse período a atividade se reduze a um nível muito baixo. Esta relação
entre o impulso sexual e a atividade somente ocorre na fêmea. Os
machos não sofrem os mesmos ciclos hormonais da fêmea. Além disso,
122
não existe nenhuma ou então pouca, correlação entre atividade geral e a
intensidade do impulso sexual do macho, quando medido pela prontidão
com que ele se aproveita da recetividade da fêmea (Stone e Barker,
1934).

1.4 Fatores nutricionais

Ó estado de nutrição do animal, é um dos fatores fisiológicos que afeta o


nível da atividade. Um grande número de experimentos foi feito para
relacionar a dieta alimentar dos animais com o nível de sua atividade, Os
resultados são bem complicados, mas não entraremos em pormenores.
Uma regra geral que vale para muitos mas não para todos os tipos de
privação alimentar, é que, nas primeiras etapas da privação, a atividade
aumenta, porém com o enfraquecimento do animal, decorrente da
privação, a atividade diminui. Essa relação tem um significado
adaptativo, pois significa que o acréscimo de atividade que a princípio
acompanha a privação aumenta as chances do animal encontrar a comida
(ou a água) necessária para suprir a deficiência. Eis alguns pormenores.

Quando os animais são privados de todo alimento ou de água, a


atividade tende a aumentar na proporção da severidade da privação
(Wald e Jackson, 1944). Quando privados semente de

alimento, tornam-se mais ativos à medida que a privação progride.


Depois de cinco dias de completa privação, sua atividade é
aproximadamente cinco vezes maior do que a de nível normal. Após um
número de dias iguais de privação de água e alimento para provocar a
elevação da atividade a cinco vezes. Os efeitos dos dois tipos de
privação parecem aditivos grosso modo.

A composição da dieta afeta a atividade. A dieta pode ser alterada de


forma a ser constituída de apenas um tipo de substância alimentar, como
proteína, gordura ou carboidratos. Neste caso, depois de um aumento
inicial na atividade, dá-se um decréscimo, mas uma dieta só de proteínas
provoca uma enorme depressão, enquanto uma dieta só de carboidrato,
uma mínima depressão (Richter e Rice, 1942). Podemos também, dar
aos animais alimentos deficientes em vitaminas. Neste caso, não há
regras gerais, a não ser que a deficiência seja severa demais para
prejudicar a saúde do animal quando, então, a atividade declina (Wald e
123
Jackson, 1944). Com algumas deficiências, entretanto, ocorre um
aumento inicial de atividade (complexo B). Em outros casos, a atividade
cai continuamente enquanto os animais são mantidos em uma dieta
deficitária (A e D).

1.5 Fatores endócrinos

Como a maioria das glândulas endócrinas estão relacionadas de uma


forma ou de outra com o metabolismo energético, é lógico esperar-se
que se relacionem com a atividade, o que realmente ocorre (ver Reed,
1947). O tamanho relativo das gônadas e das glândulas suprarrenais
estão, nos ratos, correlacionadas com a atividade. Quanto maior as
glândulas, mais elevado o nível de atividade (Riss e colaboradores.
1959). Por outro lado, a remoção de qualquer uma das glândulas
endócrinas provoca uma redução na atividade geral.

A remoção dos ovários, no rato, reduz aquela atividade a um quinto do


normal e elimina completamente o ciclo de quatro a cinco dias. Mesmo
no macho, a castração é acompanhada de uma redução na atividade de
locomoção. A remoção total de qualquer uma das glândulas
suprarrenais, das tiróides, do pâncreas ou da pituitária (hipófise) conduz
a uma redução substancial da atividade. No caso das glândulas
suprarrenais, o fator importante parece se encontrar nom seu córtex, pois
depois de sua extirpação o tratamento com extratos reconduz a uma
atividade normal.

A maior parte dos trabalhos relacionados com os fatores endócrinos


foram realizados com ratos domésticos. Os efeitos da extirpação das
glândulas provavelmente dependem, até certo ponto, do animal
empregado. Determinadas glândulas são mais importantes para a
atividade em alguns animais do que em outros. Por exemplo,
compararam-se os efeitos da adrenalectomia a da gonadectomia em ratos
domésticos e selvagens (Richter e Uhlenhuth, 1954). As glândulas
suprarrenais dos ratos selvagens são, normalmente, maiores do que as
dos domésticos e fisiologicamente mais importantes, pois, enquanto os
domésticos podem sobreviver após a adrenalectomia se receberam uma
quantidade maior de sal no alimento, os selvagens não sobrevivem
qualquer que seja a quantidade deste. Por outro lado, enquanto a
gonadectomia reduz a atividade do rato doméstico, como dissemos
124
acima, ela não tem qualquer efeito significativo sobre o rato selvagem.
Baseados nestes e em outros fatos correlatos, concluiu-se que nos ratos
selvagens a atividade é primordialmente controlada pelas glândulas
suprarrenais, enquanto no rato doméstico, ela é controlada pelas
gônadas.

1.6 Córtex frontal

Há diversos estudos dos efeitos de lesões corticais sobre a atividade


geral. Não concordam em todos os pontos, mas permitem-nos tirar
algumas conclusões definitivas (ver French, 1959); Isaac e de Vito,
1958).Uma delas é que o córtex frontal é a única região cortical que,
quando lesada, provoca alterações na atividade. Não ocorrem mudanças
coerentes quando se destroem outras áreas (mas veja Stern, 1957). As
lesões frontais, contudo, são acompanhadas de um aumento de atividade
(ver Zubek e de Lorenzo, 1952). Em geral, quanto maior for a lesão
frontal – que tem que ser bilateral – maior será o efeito sobre a atividade.
Portanto, existe certa equipotencialidade da função do córtex frontal (ver
capítulo XVIII). Mas, nas áreas que contribuem para este efeito, existe
uma área com importância maior do que as outras. No rato, é o polo
frontal e, particularmente, a superfície orbital (inferior). No macaco, ela
se encontra na posição orbital mas não muito para a frente.

Os estudos sobre macacos sugerem que as lesões da área orbital mais


importante não apenas aumentam a atividade do animal. Mudam seu
caráter (Ruch e Shenkin, 1943). As atividades ao acaso e as espontâneas
não aumentam pela lesões. Ao contrário, o comportamento complexo e
variado dos macacos normais (não-operados) nas gaiolas é substituído
por um andar metódico e incessante ou por ir e vir de um extremo a
outro da gaiola. Esse comportamento estereotipado foi registrado
durante períodos de duas ou três horas com pausa apenas momentâneas.
Foi descrito como uma” compulsão” (Kennard e colaboradores, 1941).
Assim, embora a atividade total seja quantitativamente aumentada,
qualitativamente, ela é reduzida e substituída por uma atividade
locomotora.

1.7 Os sonhos
125
O desejo de dormir é motivo poderoso e cerca de vinte e cinco anos de
um tempo de vida médio é-lhe devotado. Apesar de sabermos muito
cerca do sono, persistem numerosas questões. Como notamos,
continuamos sem saber para que serve o sono (para um debate, ver
Webb, 1979; Horne, 1988). O mesmo se pode dizer em relação a uma
das características mais salientes do sono, nomeadamente, o sonho.

1.7.1 Sonho no sono de ondas lentas e no sono REM

As pessoas sonham não só durante o sono de ondas lentas, mas também


durante o sono REM, mas os sonhos são consideravelmente diferentes.
Quando acordados do Estádio 2 do sono de ondas lentas, cerca de 60 %
dos participantes relatam ter estado a sonhar (o despertar dos estádios 3
e 4 dá lugar a menor número de relatos). Mas, solicitados a descrever os
seus sonhos, só produzem breves resumos, notando que, na verdade,
estavam apenas “a pensar sobre algo” ou que os sonhos eram “
maçadores”. Raramente relatam o tipo de drama colorido, cheio de
acontecimentos que normalmente consideramos um sonho. Por outro
lado, quando participantes adormecidos são despertados durante o sono
REM, cerca de 80% relata um sonho pictórico: uma série de episódios
pictóricos que os incluía como personagens e que, na altura, lhes
pareciam reais (Cartwright, 1977; Armitage et al., 1992).

Significa isto que sonhamos mais ou que os nossos sonhos são


diferentes, no sono REM e no sono de ondas lentas? Com frequência,
afirma-se isto, mas é difícil prova-lo porque todas as provas se baseiam
em relatos produzidos pelos participantes da investigação, após terem
sido acordados. Como os participantes acordados do sono de ondas
lentas estão desorientados e

lentos, enquanto os acordados do sono REM ficam quase


instantaneamente alerta, talvez as diferenças entre o tipo de sonhos
relatados sejam mais indicadores do estado de quem dorme, ao ser
acordado, do que da natureza do próprio sonho. Isto foi sugerido por um
estudo em que os participantes foram acordados quer do sono REM, quer
do Estádio 2 do sono de ondas lentas, sendo-lhes imediatamente pedido
que recordassem o seu sonho ou que descrevessem uma breve história de
banda desenhada que tinham observado imediatamente antes de
adormecer. Os participantes acordados do sono REM lembravam-se
126
muito mais quer dos seus sonhos, quer das bandas desenhadas
(Rosenblatt, Antrobus e Zimler, 1992).

Os estudos dos relatos do sonho a partir do sono REM também nos


confirmam a noção de condensação do sonho, a ideia de que os eventos
do sonho ocorrem instantaneamente diante de nós. Os investigadores,
verificaram antes, que os participantes acordados cinco minutos após o
início do REM tendiam a descrever sonhos mais curtos do que os
sujeitos acordados quinze minutos depois do início desse mesmo
período. Em geral, os eventos dos sonhos parecem durar exatamente o
mesmo tempo que durariam a vida real (Dement e Wolpert, 1958;
Dement e Kleitman, 1957).

Mas ainda que os sonhos ocorram em tempo real, eles não capturam a
experiência sensorial completa da vida vígil. Por exemplo, raramente ou
nunca experimentamos dor nos nossos sonhos. Possivelmente a melhor
explicação para isto é a de que temos de nos manter aptos a reagir à dor
real, mesmo quando estamos a dormir. É preferível que uma pessoa
adormecida acorde imediatamente se for mordida por um lobo. Se, em
vez disso, incorporar a dor na narrativa do sonho, arrisca-se a não
acordar mais (Symons, 1993).

Embora em média os adultos sonhem algumas horas por noite, algumas


pessoas afirmam sonhar apenas ocasionalmente e outras dizem que
nunca sonham. Porquê? Isto deflecte possivelmente o fato de que os
sonhos são, normalmente, esquecidos alguns minutos após terem
ocorrido. Num estudo, os participantes foram acordados durante o sono
REM e cinco minutos após um período do sono REM. Na primeira
condição, e 85% dos despertares, obtiveram-se narrativas
pormenorizadas; na segunda nenhuma (Wolpert,e Trosman, 1958)

Porque será que os sonhos deixam recordações tão frágeis? Uma


possibilidade diferente resulta do caráter visual dos sonhos do sono
REM. Este modo de sentir pode ser bastante diferente do do pensamento
vígil, tornando difícil recordar uma a partir da perspetiva da outra. E, de
fato, estes aspetos do sonhar podem realmente ser úteis, defendendo-nos
de confundiram as memórias do nosso passado vígil com
acontecimentos que foram apenas sonhados. Poderíamos, no entanto,
referir que, mesmo com estas proteções, este tipo de confusão pode
127
acontecer e, por vezes, acontece (Goodenough, 1978; Johnson e Raye,
1981).

1.7.2 Terão os sonhos uma função?

Por que sonhamos? Os antigos pensavam que os sonhos eram proféticos.


Nos nossos dias. Vários teóricos defendem que as funções dos sonhos se
relacionam com os problemas pessoais do sonhador. A teoria de
Sigmund Freud foi a mais influente, defendia que todos nós guardamos
desejos, impulsos primitivos e proibidos que a mente normalmente
mantém no inconsciente. Durante os sonhos, porém, a nossa autocensura
afrouxa-se só um pouco, permitindo que esses \impulsos comecem a
emergir através da consciência, mas apenas de forma distorcida e
censurada. Para Freud isto explica por que razão os nossos sonhos
parecem tão frequentemente estranhos e sem sentido. Na sua perspetiva,
a estranheza está apenas no exterior, sob a superfície,

encontra-se os significados disfarçados e os desejos inaceitáveis


inteligentemente escondidos (Freud, 1900).

Apesar da popularidade da razão de Freud, tem surgido um número cada


vez mais maior de provas que suscitam dúvida sobre a sua teoria dos
sonhos (e a sua teoria global; para detalhes, ver Cap. 17). Hoje, muitos
autores supõem que os sonhos do sono REM não são proféticos nem
reveladores do inconsciente. Em vez disso, subscrevem a hipótese da
síntese-ativação, que defende que o sonho é apenas um reflexo do
estado de ativação do cérebro durante o sono REM. Durante este
período, o córtex cerebral está ativo e consideravelmente isolado da
estimulação externa. Nestas circunstâncias, as imagens da memória
tornam-se mais proeminentes do que no estado vígil, porque não têm de
competir com o imediatismo dos sentidos.

Que imagens da memória ocorrem? As experiências recentes são mais


facilmente evocadas e por sua vez ativarão uma série de memórias
relacionadas. O córtex está suficientemente ativo para ligar e interpretar
estes materiais para que tenhamos uma narrativa interna. Por último,
devemos lembrar que os sonhos não são uma reprodução objetiva dos
eventos diurnos. São antes coloridos pelas nossas necessidades, conflitos
128
e preocupações. Enquanto sonhamos, não estamos ligados às
experiências sensoriais que nos mantêm em estreito contato com os fatos
do mundo objetivo. Assim, os nossos pensamentos, memórias e desejos
acerca do mundo (que nem sempre são tão realistas) podem vir para a
frente. Os sonhos compostos por tais elementos subjetivos podem ter um
significado pessoal profundo. Mas essa significação não tem que
implicar impulsos e fantasias inconscientes; em vez disso, reflete
simplesmente esse fato de que, para cada um de nós, muitos dos nossos
pensamentos, memórias e desejos- mesmo aqueles de que estamos
inteiramente conscientes- têm um significado pessoal profundo.

CAPÍTULO II FOME E SEDE


129
2.1 Introdução

A fome e a sede estão intimamente relacionadas, de dois modos. Em


primeiro lugar, consistem ambas em necessidade de ingestão de
substâncias no trato alimentar. A única diferença entre ambas, a esse
respeito, é que a sede se refere à água, ao passo que a fome se refere a
substâncias sólidas e fluídas. Isto faz com que a sede seja realmente um
tipo apenas especial de fome. Em segundo lugar, os usos de água e de
alimento no corpo estão interrelacionadas. A água é exigida para o
metabolismo da maioria dos alimentos. Donde se deve esperar que a
ingestão de água vai depender em grande parte da ingestão de alimento.
Tal é, de fato, o caso, conforme ficou demonstrado em numerosos
experimentos.

Um dos experimentos mais completos a esse respeito é ilustrado na


Figura 13 .1 (Cizek, 1959). Por ela se vê que, mantendo-se constante a
dieta alimentar, aparece uma relação linear entre a quantidade de
alimento consumido e a quantidade de água ingerida. Este experimento
foi realizado em cães, fazendo-se variar a quantidade de alimento
disponível no período de um dia, e permitindo-se que os animais
bebessem à vontade. O gráfico mostra que, ao se dar mais alimento,
aumenta proporcionalmente a água ingerida. De fato, boa parte de água
consumida, quando os suprimentos de alimento são adequados, é
ingerida com o objetivo de atender às necessidades de água ocasionadas
pela ingestão do alimento. Por outro lado, há também uma necessidade
básica de água independente da alimentação, pois, durante períodos em
que nenhum alimento é ingerido, ainda há consumo de água.

A proporção em que água e alimento tomados se interrelacionam


depende, naturalmente, do tipo de alimento ingerido. Se, por exemplo, o
alimento contém grande quantidade de sal ou mineral, será bebida maior
quantidade de água do que normalmente, como sabe muito bem quem
quer que tenha comido uma quantidade bastante de presunto salgado.
Existem diferenças semelhantes entre outras espécies de alimentos. O
ponto importante, todavia, é que há um nível básico de sede, e, por
conseguinte, de ingestão de água, que existe independentemente do
alimento. Mas, fora isso, a sede depende da ingestão de alimento.
130
Em consequência da estreita relação entre a ingestão de alimento e a
sede, é natural que a fome e a sede estejam fisiologicamente muito
relacionadas. E isto é verdade, como veremos. Encontraremos casos em
que um mecanismo ultrapassa ou envolve o outro. Para clareza da
exposição, devemos tratar da fome e da sede separadamente,
considerando primeiramente a fome, depois, a sede.

Todos os animais têm de comer e grande parte das suas vidas gira à
volta da comida procurando-a, ingerindo-a e fazendo o possível por não
ser comidos por outros. Não há dúvida de que a alimentação está, em
última instância, ao serviço da homeostase, pois, seja qual for o alimento
ou a forma como é obtido, a consequência biológica é sempre a mesma,
manter no meio interno do animal provisões nutrientes adequadas. Mas
quais são os mecanismos que determinam o momento em que o homem
ou o animal vai comer ou parar de comer.

2.2 Peso do corpo, Nutrição e Energia

Através do processo de digestão, os nutrientes são extraídos da comida e


depois transformados, quando necessário, em energia que supre o calor
do corpo, permite a contração dos músculos e, de um modo geral,
sustenta todas as funções vitais (Rosenzweig et al., 1996). Animais com
cérebros grandes dedicam também uma energia considerável, cerca de
20% à manutenção do potencial de repouso nos neurónios.

Os animais variam consideravelmente na velocidade com que


“queimam” comida – isto é, na sua taxa metabólica basal – de modo a
adquirirem energia e materiais básicos de que necessitam. Com os
metabolismos mais rápidos, os endotérmicos, que comem quase
constantemente, necessitam de uma quantidade de comida muito maior
do que os exotérmicos, cujos intervalos entre as refeições chegam a ser
de semanas ou meses. Além disso, os animais mais pequenos costumam
ter metabolismos mais rápidos do que os maiores, o que significa que
têm que comer uma quantidade de alimento proporcionalmente maior
para manter o seu peso normal.

Quando a comida está disponível, os animais adultos costumam comer


uma quantidade adequada de modo a satisfazer exatamente as suas
131
necessidades nutritivas e a manter um peso do corpo aproximadamente
constante. Por sinal, a “quantidade adequada” aqui não se refere ao
volume de comida, mas à quantidade de calorias – e portanto à energia
metabólica potencial nela contida. Demonstrou-se isto num estudo em
que o experimentador variou o nível calórico da dieta fornecida a ratos,
adulterando-a com celulose não nutritiva. Quanto mais diluído era o
alimento, tanto mais era comido, numa quantidade aproximadamente
adequada para manter constante o conteúdo calórico total (Adolph,
1947). Mas o que acontece se a comida não estiver disponível? Também
aqui observamos a participação dos mecanismos homeostáticos. Os
animais baixam imediatamente as taxas metabólicas e os níveis de
atividade, de modo a conseguirem satisfazer as suas necessidades
corporais e a manter o peso do corpo normal tanto tempo quanto
possível (Keesey e Powley, 1986). (Mais adiante analisaremos as
implicações óbvias disto para indivíduos em dieta).

2.3 Os sinais para alimentação

O que nos faz ter fome e querer comer? O que nos faz sentir saciados e
querer parar? Quase nenhum de nós sobe para uma balança, verifica o
peso do corpo e regula d4epois a ingestão de alimentos (seguramente
não o fazem os animais não humanos). Em vez disso, mantemos o peso
do corpo mediante a nossa reação aos numerosos sinais internos sobre o
nosso estado nutritivo. Alguns sinais indicam o estado das nossas
reservas de energia de curta duração, usadas em emergências ou em
outros surtos de atividade, outros indicam o estado das reservas de longa
duração, necessárias para o esforço sustentado.

2.3.1 Sinais do fígado

Uma fonte importante de informação sobre as nossas necessidades


nutritivas é o fígado, que tem a função de gerir e controlar o principal
nutriente usado na energia de curta duração: o açúcar do sangue
conhecido como glicose. Imediatamente após uma refeição, a glicose é
abundante. Embora alguma seja usada de imediato, grande parte dela é
convertida em glicogénio (frequentemente chamado amido animal) e em
diversos ácidos gordos que são armazenados, para ser usada mais tarde.
Posteriormente, quando esta energia armazenada for necessária, este
132
processo será revertido e o glicogénio e os ácidos gordos serão de novo
transformados em

glicose utilizável. O fígado gere este processo reversível de conversão e


informa outros órgãos sobre a direção de transação metabólica, da
glicose para depósitos de glicogénio ou vice-versa. Se o equilíbrio se
inclinar para o armazenamento (o abastecimento excede, geralmente, as
necessidades e o excesso pode ser convertido em glicogénio), o fígado
enviará sinais de saciedade e o animal parará de comer; se o equilíbrio se
inclinar para a produção de glicose (as exigências excedem o
abastecimento de modo que as reservas são usadas), o fígado enviará
sinais de fome e o animal comerá. (Ver fig. 3.6). As provas acerca da
função do fígado provêm de estudos realizados com cães esfomeados
que foram injetados com glicose. Se a injeção era dada na veia que se
dirige para o fígado, os animais paravam de comer. Se era dada em
qualquer local, não se verificava efeito semelhante (Russek, 1971;
Friedman e Stricker. 1976)

Note-se, aliás, que este sistema regulador deve lidar com um intervalo de
tempo considerável. Imagine-se que o fígado esperava até que os
abastecimentos de glicose estivessem baixos e, apenas nessa altura,
enviasse sinais para iniciar a alimentação. Como o metabolismo da
comida é um processo lento, teriam decorrido muitos minutos entre o
momento em que o sinal de “É preciso glicose!” tivesse sido dado e o
instante em que finalmente chegassem os abastecimentos. Esta situação
poderia ser muito perigosa para o animal e por isso deve ser evitada. O
fígado deve antecipar as necessidades futuras do corpo de modo a
iniciar-se a alimentação com avanço. Deste modo, os nutrientes
chegarão a horas.

Como consegue o fígado fazer isto? Realiza-o reagindo à descida e


subida características do nível de glicose: quando o organismo não come
há já algum tempo, o nível de glicose no sangue começa a baixar. Antes
que estes níveis desçam demais, o fígado desencadeia a ação de
converter algum glicogênio armazenado em glicose. Em consequência,
os níveis de glicose no sangue voltam ao normal. Esta sequência de
eventos produz um padrão facilmente identificável , uma descida
gradual dos níveis dos níveis de glicose, que dura normalmente muitos
133
minutos, seguida de uma rápida subida devida à ação compensatória do
fígado.

Este padrão de descida lenta e subida rápida não indica que as reservas
estejam esgotadas; antes, indica que o organismo está a usar suas
reservas; sendo a altura de fazer um depósito. Quando este padrão dos
níveis de glicose ocorre em ratos, o animal começa a comer (Campfield
e Smith, 1990 a,b) . Quando ocorre nos homens, eles dizem que têm
fome e desejam comer alguma coisa (Campfield e Rosebaum, 1992).

O fígado é apenas um componente que regula a ingestão de alimentos.


Muitos investigadores pensam que o cérebro contém células sensíveis
aos níveis de glicose no sangue, achando-se estas células concentradas ,
uma vez mais, na estrutura do cérebro responsável pela homeostase, o
hipotálamo. As provas destes recetores da glicose provém de estudos em
que se injetava o hipotálamo de substância química que tornava as suas
células incapazes de reagir à glicose. O resultado era uma alimentação
voraz. Este tratamento possivelmente silenciou os glicorrecetores; o seu
silêncio foi depois interpretado como indicando uma deficiência de
combustível o que levou ao ato de se alimentar (Miselis e Epstein,
1970).

2.3.2 Sinais do estômago e dos intestinos

Apresentamos, até agora, o que leva um animal a iniciar a ingestão de


alimentos, mas o que o faz cessá-la? Os recetores no cérebro não podem
ser a causa porque eles reagem a uma falta de combustível na corrente
sanguínea que não é corrigida até que a refeição tenha sido, pelo menos
parcialmente, digerida.. Não obstante, o homem e outros animais
terminam a refeição muito antes. Porquê?

A crença do senso comum de que comemos até nos sentirmos repletos é


apenas em parte verdade. Um animal parará de comer mesmo que o seu
estômago esteja apenas parcialmente cheio, desde que tenha ingerido
uma substância nutritiva; se o estômago estiver cheio de um volume
idêntico de substâncias não nutritivas, o animal continuará a comer. Isto
sugere que as paredes do estômago têm recetores que são sensíveis às
substâncias nutritivas dissolvidas nos sucos digestivos. Eles dão sinal ao
134
cérebro de que as provisões de nutrientes estão no seu caminho e o
resultado é a saciedade (Deutsch, Puerto e Wang, 1978).

2.3.3 Sinais do intestino delgado

Outros sinais de saciedade originam-se no duodeno, a parte inicial do


intestino delgado Quando a comida passa do estômago para os
intestinos, o duodeno começa a libertar uma hormona da sua parede
mucosa. Há provas convincentes de que esta hormona, a
colecistoquinina ou CCK, envia mensagens de “parar de comer” para o
cérebro (Gibbs e Smith, 1984). Se injetar CCK, na cavidade abdominal
de ratos cães com fome, eles pararão de comer; se administrada a
pessoas produzirá a sensação de saciedade (Stacher, Bauer e Steinringer,
1979). Se um animal ingerir a comida que contenha CCK, o animal
aprenderá rapidamente a evitar essa comida (Chen, 1993. Os ratos
também cessarão a ingestão de alimentos, se estes tiverem um cheirodo
tipo comida que ingeriram, quando foram injetadoscom CCK (Weller et
al., 1995). Infelizmente, quem está em dieta não aprecia tomar CCK; os
indivíduos que já ingeriram esta hormona sentem incómodo abdominal,
náusea e por vezes vómitos (Miaskiewicz, Stricker e Verbalis, 1989).

2.3.4 Sinais do tecido adiposo

Como os animais não podem estar seguros de que disporão de alimento


da próxima vez que precisem de energia, eles não comem apenas para a
ocasião. Comem, então o suficiente para satisfazer as necessidades do
momento e para criar um armazém de nutrientes potenciais para mais
tarde. Uma parte deste armazém destina-se a um futuro próximo, pelo
que a comida é transformada em glicogénio que pode ser rapidamente
transformado em glicose, quando for necessário. Outra parte deste
armazém é para guardar durante muito tempo.

Os animais usam as células gordas ou células adiposas do seu corpo


para armazenamento de longa duração. Estas células absorvem os ácidos
gordos criados pelo fígado e aumentam de volume no processo. Quando
as provisões de glicogénio do animal se esgotam, estas reservas de longa
duração passam a ser utilizadas. Os ácidos gordos são drenados das
células adiposas para a corrente sanguínea e transformados em glicose.
Embora o tecido adiposo tenda a ser visto como um tipo de depósito
135
inerte, parece agora que as células adiposas desempenham uma função
na regulação da fome. As células adiposas sintetizam uma substância
química chamada leptina, que segrega na corrente sanguínea, onde é
sentida pelos recetores do hipotálamo e áreas próximas dos ventrículos
cerebrais (Maffei, et al., 1995); McGregor et al., 1996).

Há quem considere que a leptina constituí um sinal indicador de que


existem suficientes adipócitos no armazém e que, portanto, não é
necessário acrescentar mais, o que pode reduzir a ingestão dos
alimentos. A verificação de que certas descendências de ratos
geneticamente obesos perdem quantidades significativas de peso,
quando recebem injeções de leptina apoia esta suposição (Pelleymounter
at al., 1995). Está em curso investigação para determinar como atua a
leptina no hipotálamo, e se a leptina ou outros compostos químicos
relacionados podem ser benéficos no tratamento de alguns tipos de
obesidade.

2.3.5 Os sinais dos estímulos exteriores

Os seres humanos e os animais comem para manter a homeostase, por


outras palavras, comem porque os seus corpos precisam de comida. Mas
comem também por outras razões. Por exemplo, estímulos externos,
como o cheiro de uma pizza, podem ser indutores poderosos para iniciar
a ingestão de alimentos. A hora do dia também é importante: os animais,
mais provavelmente, comerão à hora habitual da refeição. Ainda a outra
influência é a companhia de comensais. Uma galinha que tenha acabado
de comer uma quantidade suficiente de grãos recomeçará a refeição, se
acompanhada por outras galinhas que ainda tenham fome (Bayer, 1929).

Mas a eficácia destes indicadores externos depende do estado interno do


organismo. Se tivermos acabado de ingerir uma refeição substancial, ou
se ainda tivermos o estômago cheio, mesmo a sobremesa mais saborosa
deixará de ser tentadora. Estas observações do senso comum podem ser
confirmadas no laboratório. Num conjunto de estudos, os investigadores
implantaram microeléctrodos em neurónios do hipotálamo de macacos
em vigília e verificaram que alguns neurónios dispararam quando se
apresentava ao animal amendoim ou uma banana. Mas estas células só
disparavam quando o animal tinha fome. Se o animal fosse primeiro
alimentado até á saciedade e só depois fossem apresentados os mesmos
136
alimentos, os neurónios hipotalâmicos não reagiam. Parece assim que,
pelo menos no que respeita ao hipotálamo, ele não tem mais olhos do
que barriga (Mora, Rolls e Burton, 1976; Rolls, 1978).

A verificação de que a atratividade da comida depende da fome remete-


nos uma vez mais para a forma como todos os motivos funcionam,
potenciando determinadas respostas. Afinal, os animais não têm
qualquer forma de saber com exatidão aquilo de que os seus corpos
precisam num determinado momento; nem eles, nem a maior parte de
nós, leram alguma vez qualquer tratado sobre a fisiologia da digestão.
Felizmente, a natureza incorporou essa informação nos seus (e nos
nossos) sistemas nervosos, de tal modo que necessidades específicas
guiam a perceção tornando a comida particularmente atraente quando
temos fome. A observação de que a mais deliciosa sobremesa se pode
tornar insuportavelmente enjoativa, depois de duas ou três porções, é
outra demonstração do papel potenciador dos motivos, que determina o
que sentimos não menos do que aquilo que fazemos.

2.3.6 Centros hipotalâmicos de controlo

Existem muitos sinais diferentes para a ingestão de alimentos, alguns


originam-se no fígado, outros no intestino e no tecido adiposo e outros,
ainda, dependem do nível de nutrientes existente na corrente sanguínea.
Supôs-se, naturalmente, que as diversas mensagens seriam todas
integradas numa região do sistema nervoso responsável pela decisão
final de comer ou de não comer. Durante muitos anos, o candidato
natural para un tal centro” centro de alimentação” foi o hipotálamo que.
Como se sabe, aloja comandos de regulação da temperatura e do
equilíbrio de líquidos. Os psicólogos fisiologistas elaboraram uma teoria
do centro dual do controlo hipotalâmico da alimentação, análoga à do
sistema de regulação da temperatura. Postula a existência de dois centros
antagonistas, um correspondendo à fome, o outro à saciedade.

2.3.6.1 Centros duais da alimentação

Segundo a teoria do centro dual, o hipotálamo dispõe de um posto de


comando ativador e de outro inibidor para o ato alimentar. Considerou-
se, como hipótese, que o centro ativador se localiza na região lateral do
hipotálamo; disse-se que funciona como um centro da fome cuja
137

ativação leva ao ato de comer. O centro inibidor localizou-se,


hipoteticamente, na região ventromediana e foi encarado como o “centro
de saciedade”, cuja estimulação suspendia o ato alimentar.

A demonstração destas asserções veio do estudo dos efeitos de diversas


lesões cerebrais. Ratos cujos hipotálamos laterais foram destruídos
sofriam de afagia (do Grego, “não comer”). Recusavam-se a comer e a
beber e morreriam de fome se não fossem alimentados artificialmente,
com tubos, durante algumas semanas. (Teitelbaum e Stellar, 1954).
Curiosamente, dá-se finalmente uma certa recuperação da função. Após
algumas semanas, os animais recomeçam a comer, sobretudo se tentados
por algum alimento que os delicie (Tieitelbaum e Epstein, 1962).

As lesões na zona ventromediana produzem efeitos em muitos aspetos


opostos. Animais com este tipo de lesões sofrem de hiperfagia (do
grego, “comer em excesso”. Se a lesão for suficientemente extensa,
podem tornar-se extraordinariamente obesos, acabando por atingir pesos
três vezes superiores aos seus níveis pré-operatórios. Tumores na região
hipotalámica (embora muito raro) tem os mesmos efeitos nos seres
humanos (Miller, Bailey e Steveson, 1950; Teitelbaum, 1955, 1961).

Embora as lesões ventromedianas conduzem a um rápido aumento de


peso, este aumento desaparece ao fim de um mês ou dois. A partir daí, o
peso dos animais torna-se estável num novo e certamente, muito
superior nível. O animal come o suficiente para manter este peso mas
não mais (Fig. 3.7, Hoebel e Teitelbaum, 1976). Isto sugere que a lesão
produziu um desvio, para cima, no ponto fixo de regulação do peso – o
ponto que define uma espécie de valor-alvo que v etermina a ingestão
de alimentos. Como veremos, es -a interpretação pode ser relevante para
explicar alguns dos fenómenos da obesidade humana (Nisbet, 1972).

2.3.6.2 Os centros duais reconsiderados

A teoria do centro dual da alimentação ocupou um lugar de destaque


durante muitas décadas. Atualmente, tem sido posta em causa, em parte
porque a investigação sobre as substâncias neuroquímicas implicadas na
alimentação mostrou que era excessivamente simples. Considera-se, por
exemplo, a função do hipotálamo lateral na alimentação. É verdade que
138
algumas substâncias químicas chamadas orexígenas iniciam o ato
alimentar, quando são injetadas no cérebro, e são segregadas no
hipotálamo lateral (Sakuriam et al., 1998). Mas uma outra substância
neuroquímica chamada neuropeptídeo Y (NPY), revela-se ser o
estimulador do apetite mais forte que se conhece (Gibbs, 1996), tão
potente que, quando é injetado no cérebro, consegue fazer com que ratos
completamente saciados recomecem a comer (Stanley, Magdalin e
Leibowitz, 1989). Mas o NPY exerce os seus efeitos mais fortes fora do
hipotálamo lateral, o que sugere que esta região não pode ser o principal
centro de alimentação (Leibowitz, 1991)

Um outro problema diz respeito aos efeitos de lesões ventromedianas.


Segundo a teoria original do centro dual, os ratos com tais lesões comem
em excesso, em consequência da lesão do centro inibidor da
alimentação. Mas pode haver uma melhor maneira de pensar sobre essa
alimentação excessiva. Um efeito das lesões ventromedianas é o de
produzirem uma híper-reação de alguns ramos do sistema
parassimpático. Isto desencadeia uma hipersecreção da hormona
insulina, que, por sua vez, aumenta a proporção de nutrientes
aproveitáveis, principalmente a glicose, que são transformados em
gordura e guardados como tecido adiposo. O problema é que a
quantidade que é armazenada é tão elevada que não sobra nada para
combustível metabólico. Por consequência, o animal continua com fome
e necessita de comer mais para conseguir o combustível de que
necessita. Mas como quase tudo o que come é armazenado, o processo
prossegue e o animal tem de continuar comer. Tudo se passa como se o
indivíduo rico e avarento tivesse enterrado todos os seus bens e, por isso,
não lhe restasse dinheiro para viver. A demonstração provém de estudos
que mostram que os animais com lesões ventromedianas ficam mais
gordos do que os normais, mesmo quando ambos os grupos são
alimentados com uma quantidade idêntica de comida (Stricker e
Zigmond, 1976).

Assim pode pensar que o hipotálamo ventromediano não é de todo o


centro da saciedade. Lesões desta região pode causar uma alimentação
excessiva, não porque tivessem destruído o centro ”parar de comer”,
mas porque perturbaram gravemente modo como o corpo usa (e
guarda)os nutrientes que ingeriu. A pouco e pouco, estas e outras provas
puseram em causa a ideia de dois centros hipotalâmicos que controlam a
139
alimentação. Certamente estes locais cerebrais são importantes para
ingestão de alimentos, mas não a regulam num sentido direto e simples.

Existem, provavelmente, múltiplos sistemas da fome e da saciedade,


alguns especializados para necessidades de energia de curta duração e
outros para o armazenamento de longa duração. Tudo isto constitui um
exemplo da elegância sofisticação da homeostasia, que dispõe de um
conjunto rico e muitas vezes redundante de mecanismos que controlam,
de um modo preciso e poderoso, o estado interno do organismo.

2.4 Obesidade

Todos estes determinantes da ingestão de alimentos são relevantes para


um problema que foi em parte criado pela abundância da sociedade
industrializada moderna – a obesidade. A obesidade é, por vezes,
definida como um peso do corpo que excede o valor médio, para uma
determinada altura, em mais de 20 porcento. Segundo este critério, cerca
de 35 porcento das mulheres e 31 porcento dos homens americanos, com
cerca de vinte anos, são obesos. Segundo este mesmo critério, cerca de
25 porcento das crianças e adolescentes americanos são também obesos
(Stern et al., 1995). Mesmo se adotássemos um critério menos inclusivo,
subsistiria o fato de que um grande número de indivíduos prefeririam ser
mais magros, e esse seu grande desejo tem proporcionado um mercado
fácil para uma grande quantidade de alimentos dietéticos.

Em parte, a razão é a saúde (pelo menos é o que algumas vezes se diz).


Mas, mais importantes são os padrões sociais da atração física. Não há
ídolos do cinema corpulentos, nem deusas do sexo anafadas (Stunkard,
1975). Há várias razões para as pessoas se tornarem obesas. Em alguns
casos, a causa é uma condição somática, por vezes relacionada com
fatores genéticos. Em outros é apenas uma questão de comer em
excesso.

2.4.1 Fatores corporais da obesidade

Geralmente tomamos como certa a ideia de que o peso do corpo é uma


função simples de ingestão calórica e do dispêndio de energia. Até certo
ponto é verdade, mas esta é apenas uma parte da história. Fatores
constitucionais podem predispor um indivíduo a tornar-se obeso, mesmo
140
que não coma mais (nem pratique menos exercício) que o seu
semelhante elegante. Que fatores são esses? Uma razão pode ser um
aparelho digestivo proficiente, pois um indivíduo que seja capaz de
digerir uma maior quantidade do alimento que ingere ganhará
necessariamente

mais peso do que os companheiros com uma digestão menos eficiente.


Outra razão poderá ser um nível metabólico mais baixo; quanto menor
for o dispêndio de combustível nutritivo maior será a quantidade que
fica para o armazenamento de gordura. Ainda em outros indivíduos,

grande parte de nutrientes ingeridos podem ser transformados em


gordura, sobrando pouco para ser gasto como combustível metabólico.
Estas e outras diferenças constitucionais pode ajudar a explicar por que
certas pessoas adquirem peso mais facilmente do que outras (Sims,
1986; Friedman, 1990a, b).

Como explicar estes fatores constitucionais? Parte da resposta são os


fatores genéticos, e a dotação genética de cada um tem uma grande
influência na predisposição para a obesidade. As provas provêm de
estudos de gêmeos idênticos criados separadamente, cujos pesos eram
tão semelhantes como os dos gêmeos que viveram juntos (Price e
Gottesman,1991). Além disso, um tipo específico de obesidade grave no
homem parece ser devido a um defeito num gene que regula a produção
de leptina, quer nos ratos, quer no homem (Reed et al., 1996).

2.4.2 Fatores comportamentais

Em algumas pessoas, a obesidade é claramente uma condição


constitucional. Mas, em muitas outras, a sua causa tem a ver com o
comportamento: comem em excesso. E porquê? É certo que não existe
uma resposta única, pois o excesso crónico de comida não tem uma mas
muitas causas.

A hipótese da externalidade : Há alguns anos, um grupo de


investigadores subscreveu a hipótese de externalidade que defendia que
as pessoas obesas não reagem comparativamente ao seu próprio estado
interno de fome, mas são muito influenciadas por sinais relacionados
com a comida provenientes do exterior (Schachter e Rodin, 1974).
141
Seguramente que somos regularmente tentados pela aparência e pelo
cheiro da comida ou por indicadores associados à comida (Schachter,
1971). Se alguém fosse particularmente sensível a estes indicadores
externos e similarmente insensível ao fato de que, nesse momento, o seu
corpo não precisava de calorias, poderia comer em excesso e acabar por
tornar-se obeso.

Efetivamente numerosos estudos demonstraram que participantes obesos


são bastante sensíveis a sinais externos e, em particular, às propriedades
sensoriais da comida. Quando se lhes oferece um gelado de baunilha de
boa qualidade, comem maior quantidade do que os sujeitos normais.
Mas, se o gelado de baunilha tiver sido adulterado com o sabor de
quinino, comerão uma quantidade menor do que os normais (Nisbett,
1968; ver Fig. 3.11). De acordo com a hipótese da externalidade, os
participantes obesos, embora comam mais, são também mais seletivos
quanto ao que comem.

Mas estudos mais recentes levantaram dúvidas sobre a hipótese de


externalidade. Em primeiro lugar, a prova de uma maior sensibilidade a
estímulos externos, por parte dos obesos, revela-se bastante
inconsistente. E na medida em que esta hipersensibilidade exista de fato,
a sua aplicação pode ser muito diferente da que foi dada no início; ele
pode ser mais um efeito da obesidade do que a sua causa (Nisbett, 1972;
Rodin, 1980, 1981).

Na nossa sociedade, pessoas com excesso de peso tentam


voluntariamente restringir a sua alimentação. Como a obesidade cria
dificuldades sociais, as pessoas tomam resoluções, cumprem dietas,
compram alimentos com baixo teor de calorias e fazem todo o possível
por refrear o seu desejo intenso de comer. Mas este refreio é difícil de
manter, pois qualquer estímulo exterior de comer ameaçará a decisão de
fazer dieta (Herman e Polivy, 1980).

Estas ideias levam a uma perspetiva diferente sobre a “seletividade”


muitas vezes observada nos obesos. A sua resolução de não comer é
fácil de manter, quando a comida não é tentadora. Mas,

se forem expostos a comidas saborosas, tornam-se presas de uma


tentação muito forte- talvez a mesma tentação forte que os tornou
142
obesos. Assim, aquilo que parece ser seletividade pode, na verdade,
refletir o modo como os participantes lidam com a tentação e não uma
sensibilidade excessiva aos indicadores externos.

A hipótese do ponto fixo: O que torna algumas pessoas obesas enquanto


outras magras, independentemente daquilo que comem? Uma hipótese é
que as pessoas diferem quanto aos seus pontos fixos do peso. Estes
pontos podem refletir diferenças na constituição, que, por sua vez, pode
ser em parte, determinadas geneticamente (Ver também Foch e
McClearn, 1980).

A possibilidade de haver uma predisposição para um determinado peso é


sugerida pela observação de que pessoas obesas que cumprem dietas
rigorosas voltam rapidamente ao seu peso anterior, imediatamente após
terem terminado a dieta. Além disso, tais pessoas em dieta não perdem
tanto peso como seria de esperar, tendo em conta a redução da ingestão
calórica. A situação é ainda pior com o “iô-iô” das dietas, em que os
indivíduos repetidamente cumprem dietas, interrompem as dietas,
recuperam o peso inicial e recomeçam a dieta (Carlson, 1991). Embora
as provas sejam contraditórias, para estes indivíduos, podem haver uma
redução metabólica adicional, com cada dieta sucessiva, tal que leva
cada vez mais tempo a alcançar o peso desejável (Brownell et al., 1986).

2.4.3 Tratamento da obesidade

Que pode fazer-se para ajudar as pessoas com excesso de peso? As


diversas tentativas para tratar a obesidade abrangem a psicanálise, várias
formas de terapia comportamental ou melhor terapia cognitivo-
comportamental ( técnicas de modificação de comportamento individual
através do uso sistemático de certos princípios da aprendizagem; grupos
de autoajuda. Debate-se bastante até que ponto qualquer destes métodos
conduz a mudanças a longo prazo, embora haja indícios de que os
grupos de autoajuda obtêm bons resultados, sobretudo em casos de
obesidade ligeira (Booth, 1980; Stuart e Mitchell, 1980; Stunkard, 1980;
Wilson, 1980).

As revisões sugerem que “cumprir uma dieta” é o método mais comum


de controlo do peso. Nos Estados Unidos da América, estar em dieta é
quase a norma, pois, em qualquer altura, cerca de 40% das mulheres e
143
25 % dos homens referem que estão tentando perder o peso (National
Intitutes of Health, 1995). Outros aumentam a quantidade média de
exercício físico. Uma opção preferível pois promove maior perda de
gordura, reequilibra o peso corporal e tem efeitos positivos na saúde e na
expetativa de vida (Blair, 1993).

Em casos extremos, os médicos podem recorrer a medidas mais


drásticas, afirmando que ter excesso de peso constitui um perigo para a
saúde que tem de ser tratado medicinalmente, se as intervenções
psicoterapêuticas ou comportamentais não funcionarem. Certamente,
que a obesidade excessiva causa normalmente a morte precoce e, para
casos extremos, os médicos recorrem a procedimentos cirúrgicos, como
grampear o estômago (para limitar a sua capacidade) ou cortar uma
porção do intestino delgado (para reduzir a absorção calórica da
comida). Com uma frequência muito maior, os médicos prescrevem
medicações supressoras de apetite que podem produzir perdas de peso
intensas, mas todas têm efeitos secundários que, em circunstâncias raras,
chegam a ser mortais. Além disso, essas drogas mostram até que ponto o
nosso corpo preserva um ponto fixo para o peso, pois as medicações só
são eficazes enquanto são tomadas; quando se suspendem, sucede-se um
apetite voraz e a recuperação rápida do peso perdido. Pondo de lado os
casos extremos de obesidade, a relação entre o excesso de peso e a
esperança de vida é ainda um assunto em debate (Fitzgerald, 1981; Uma
dificuldade na

interpretação das provas é a de que a obesidade está associada com


inatividade que é ela mesma um fator de risco para a saúde. De fato, um
estudo seguiu cerca de 25.000 homens e 7.000 mulheres durante oito
anos e verificou que os homens obesos, fisicamente bem constituídos,
tinham taxas de mortalidade mais baixas do que dos homens com peso
normal mas sedentários. Um resultado similar (embora menor) foi
encontrado para as mulheres (Kampert et al., 1996).

Alguns autores afirmam, pois, que a obesidade é mais um problema


social e estético do que um problema de saúde física. Isto aplica-se
sobretudo às mulheres, que tendem, muito mais do que os homens, a
ver-se com excesso de peso (Gray, 1977; Fallon e Rozin, 1985). Visto
deste modo, ser magro é apenas um ideal social e defendido apenas por
algumas sociedades. Outras culturas têm padrões totalmente diferentes.
144
As mulheres pintadas por Rubens, Matisse e Renoir eram consideradas
belas pelos seus contemporâneos, que achariam os supermodelos de hoje
excessivamente magros e pouco atraentes. Também uma mulher
moderna que se aproximasse do ideal de Rubens seria simplesmente
considerada obesa.

Evidentemente que as forças que mantêm o peso corporal ideal da


sociedade – incluindo as incessantes imagens dos media que reforçam a
ideia de que o corpo ideal é um corpo magro – são forças que têm um
poder enorme. Isto torna muito difícil que indivíduos com excesso de
peso aceitem o seu corpo tal como é. Podem reconhecer que não existe
qualquer fundamento para o ideal do peso do corpo da sociedade e que
não existe qualquer lei ( ou razão médica) que justifique que cada
indivíduo alcance esse ideal. Mas este conhecimento é frágil face a um
mundo cheio de pressões sociais. As imagens de Hollywood e os
anúncios de moda celebram um nível de magreza que, para maioria de
nós, não é natural e provavelmente pouco saudável (para maior
aprofundamento, ver Smith, 1996).

2.5 Anorexia Nervosa

Em alguns casos, o desejo de ser magro é tão excessivo que se torna um


distúrbio alimentar cujo dano para a saúde é bastante mais grave do que
o excesso de peso. Uma destas condições é a anorexia nervosa, que
atinge 1 porcento dos jovens nas sociedades industrializadas. A sua
característica definidora é uma “incessante procura da magreza pela
fome até a morte” (Bruch, 1973, p.4). Cerca de 90 por cento dos
anoréxicos são mulheres. Normalmente o distúrbio tem início nas idades
intermédias da adolescência e é mais comum nas sociedades em que a
comida é abundante, mas a magreza é o ideal de a atração (Associação
Americana de Psiquiatria, 19949.

Os anoréxicos estão intensa e persistentemente preocupados com o medo


de se tornarem gordos. Comem apenas alimentos hipocalóricos, quando
comem. Além disso, podem induzir vómitos para purgar o que quer que
seja que tenha ingerido e podem usar laxantes para aumentar a perda do
peso. Com frequência, praticam também exercícios extenuantes, por
vezes, durante muitas horas por dia. Este regime leva evidentemente a
uma perda de peso extrema, que chega a atingir 50 por cento inferiores
145
ao ideal estatístico. Outros sintomas incluem a cessação da menstruação,
hiperatividade, perturbações do sono e evitamento do sexo.

Para 40 por cento dos anoréxicos, o tratamento – que pode variar entre o
tratamento em ambulatório até ao internamento compulsivo e
alimentação intravenosa – é realizado com sucesso. Infelizmente, em
uma grande percentagem a doença é crónica. De uma forma mais
trágica, em talvez 10 por cento dos casos, o resultado final da privação
auto-imposta é a morte (Andreasen e Black, 1996).

Quais são as causas da anorexia nervosa? Muitos autores supõem que


as principais causas são psicológicas e centram-se na comida e em não
comer, devido à nossa obsessão moderna com a magreza (Logue, 1986).
Em alguns pacientes, a principal causa pode ser o medo da sexualidade.
Em outros, o conflito principal envolve uma rebelião contra os pais e um
desejo intenso de autonomia e de controlo. Nas palavras de um
paciente:” Quando uma pessoa se sente muito infeliz e sem saber como
realizar seja o que for, ter o controlo do seu próprio corpo torna-se uma
façanha suprema. Fazer do seu corpo o seu próprio reino onde é o tirano,
o ditador absoluto (Bruch, 1978, p.61)

Outros autores supõem que o principal problema é orgânico e implica


algumas das vias reguladoras do hipotálamo. O fato dos anoréxicos
tenderem a apresentar níveis anormalmente baixos de hormonas sexuais
e de crescimento, bem como níveis anormais de alguns
neurotransmissores, apoiam esta perspetiva. Até agora, não sabemos
ainda se os desequilíbrios hormonais são o efeito ou a causa dos
problemas psicológicos e da autoprivação (Garfinkel e Garner, 1982).
Mas um indicador de que os problemas hormonais podem ser básicos é o
fato de cerca de um quinto das mulheres anoréxicas cessaram a
menstruação antes de perderem o peso (Andreasen e Black, 1996).

Quer que venha aprovar que a causa da anorexia nervosa é orgânica,


quer que a causa é psicológica, parece provável a existência de uma
predisposição genética. Entre aproximadamente 6 a 10 por cento dos
familiares do sexo feminino de anoréxicos sofrem também a mesma
doença. A mesma percentagem também se aplica aos descendentes de
146
indivíduos anoréxicos. Para gêmeos idênticos, se um dos gêmeos sofre
de anorexia nervosa, o outro tem mais de 50 por cento de probabilidade
de também ser anoréxico (Andreasen e Black, 1996).

2.6 Bulimia

Outro distúrbio alimentar é a bulimia nervosa que se caracteriza por


repetidos acessos de alimentação excessiva, seguidos de tentativas de
purgar as calorias ingeridas, pela indução do vómito ou pelo uso de
laxantes. Ao contrário dos anoréxicos, os bulímicos têm um peso
aproximadamente normal, mas sofrem física e emocionalmente dos seus
repetidos acessos e purgas. Os acessos repetidos podem provocar
perturbações do equilíbrio eletrolítico que, em última instância, poderão
originar doenças cardíacas e renais, bem como infeções urinárias.

A autoindução do vómito, causa frequentemente a erosão das unhas e do


esmalte dos dentes. A maior parte dos indivíduos com bulimia sofrem
também de depressão grave, e as medicações antidepressivas, como o
Prozac, são normalmente bem-sucedidas, não apenas no alívio da
depressão, mas também no tratamento do comportamento da bulimia-
purga (Grupo de Estudo Colaborativo Fluoxetina Bulimia Nervosa,
1992).

A bulimia é bastante frequente em estudantes universitários; uma revisão


apurou-a em 19 por cento das mulheres e 5 por cento dos homens. O
ciclo de acesso-purga é uma expressão perfeita das nossas atitudes
contraditórias face à comida e ao comer. Por um lado, os anúncios
comerciais estimulam-nos constantemente a consumir alimentos
hipercalóricos, que são facilmente acessíveis e são formulados
quimicamente para a palatabilidade; por outro lado, lembram-).nos
constantemente de que, para sermos sexualmente atraentes, devemos ser
magros (Logue, 1986).

Em conjunto, as perturbações da alimentação mostram que, apesar do


apertado ajustamento homeostático, que regula a ingestão de alimentos,
a nossa espécie é muito suscetível a fatores
147
sociais e psicológicos que, em alguns casos, levam a que estes
mecanismos falhem, causando graves danos para o corpo e
eventualmente a morte.

2.7 Sede

O que é válido para a temperatura aplica-se também à maior parte das


regulações homeostáticas. Um exemplo é a provisão de água no corpo
que é fundamental para o funcionamento normal. Perdemos água
continuamente- sobretudo através da urina, mas também através da
respiração, sudação, defecação e, ocasionalmente, por hemorragia ou
vómito. O corpo deve, assim, advertir cuidadosamente da perda de água
e desencadear ações, se for caso disso, para substituir a que foi perdida
e conservá-la sempre que os suprimentos são baixos.

Como sabe o corpo de quando precisa de água? A resposta do senso


comum é quando as nossas bocas se tornam secas. Acontece, porém, que
a boca seca é apenas uma parte da sede. Verificou-se que assim é através
de estudos em que se implantavam tubos que drenavam a água do
estômago de ratos com uma velocidade igual àquela com que a água era
ingerida. Os ratos continuavam a beber apesar de as suas bocas estarem
húmidas (Blass e Hall. 1976).

As provas indicam que o corpo dirige, de modo independente, dois


aspetos separados do equilíbrio interno de água. Um é o volume de água
que existe no interior das células. O outro é o volume dos fluídos que
circulam fora das células, nos fluídos corporais como a saliva, o sangue,
a linfa, o fluido cerebrospinal, e por ai adiante. Cada um destes aspetos
do equilíbrio de água-extracelular ou intracelular- é controlado pelo seu
próprio conjunto de recetores e desencadeia o seu próprio conjunto de
ajustamentos homeostáticos internos.

2.7.1 Volume de água extracelular

As células que detectam os volumes dos fluídos extracelulares estão


distribuídas por todo o corpo. Todavia, os recetores mais importantes
encontram-se no coração e nos vasos sanguíneos. Estes recetores
detectam baixas na pressão sanguínea que ocorrem sempre que há
reduções na quantidade de fluídos corporais. Estes recetores de pressão
148
enviam mensagens, através dos respetivos axónios, diretamente para o
cérebro, que orquestra então diversas ações para recuperar a pressão
sanguínea normal. Uma principal para esta recuperação é através de uma
hormona chamada vasopressina ( também chamada hormona
antidiurética), que é sintetizada pelo hipotálamo e segregada pela
pituitária na corrente sanguínea. A vasopressina faz com que os vasos
sanguíneos se contraiam e, assim, aumenta a pressão sanguínea e, faz
também, com que os rins retenham, em vez de expelirem, maior parte de
água.

Os recetores de pressão têm também um efeito comportamental, como se


mostrou em estudos realizados com cães, em que se inseriram pequenos
balões na veia principal do coração. Quando se enchia o balão, os cães
bebiam abundantemente. O balão impedia que o sangue fluísse para o
coração, o que produzia uma baixa na pressão de líquidos e, deste modo,
os recetores de pressão enviavam um sinal para o cérebro iniciar o
comportamento de beber (Fitzsimons e Moore-Gillow, 1980; Rolls e
Rolls, 1982).

Outros recetores localizados no rim detectam o volume de fluídos


extracelulares. Enviam indiretamente mensagens ao cérebro pela
modulação da quantidade de uma hormona, chamada angiotensina II,
que circula na corrente sanguínea. Uma vez no cérebro, esta hormona
parece

atuar em recetores que se localizam imediatamente em frente do


hipotálamo e na região que rodeia os ventrículos do cérebro cheios de
fluído (Epstein, Fitzsimons, e Rolls, 1970; Epstein, 1982; Rosemweig et
al., 1996). Quer seja injetada na corrente sanguínea quer diretamente no
cérebro, a angiotensina II é um motivador do beber extremamente
poderoso e imediato.

2.7.2. Volume de água intracelular


149
Ainda outro grupo de recetores verifica o nível de água no interior das
células do corpo. Estes recetores dependem do processo químico de
osmose e por isso chamam-se osmorrecetores. Obteve-se uma prova das
funções destes recetores em estudos com ratos, em que se injetava água
salgada em determinadas regiões do hipotálamo ou próximo. A injeção
levava de imediato a que os ratos bebessem água. Alterava a
concentração de iões de sódio no fluído que rodeia a célula recetora, o
que induzia a saída de água por osmose (de modo a igualar a
concentração de água nas duas áreas), com consequente redução do
volume das células e ativação do recetor ( Blass e Epstein, 1971; Rolls e
Rolls, 1982).

Por que razão existem tantos sistemas recetores que verificam os níveis
de fluídos corporais? Neste caso, como no caso da regulação da
temperatura, pensa–se que a evolução natural dotou-nos de defesas
múltiplas e assim, se um sistema falhar, outro poderá substituí-lo. Tal
como na regulação da temperatura, os reajustamentos compensatórios
internos podem apenas, até certo ponto, restaurar o equilíbrio do corpo.
Finalmente, as medidas corretoras devem implicar algum
comportamento através do qual o organismo atinja o mundo exterior. No
caso da sede, o comportamento é obviamente beber – no caso do homem
em média um a dois litros e meio por dia.
150
CAPÍTULO 3 COMPORTAMENTO SEXUAL E
ALGUMAS DISFUNÇÕES SEXUAIS

3.1. A sexualidade humana

A sexualidade, desejo fundamental do ser, ocupa um lugar central em


nossa condição existencial. Ela compreende três dimensões básicas: uma
biológica, uma psicológica e outra cultural. A dimensão biológica
corresponde ao impulso sexual, determinado por processos fisiológicos,
cerebrais (sistema límbico, principalmente) e hormonais; a psicológica
corresponde aos desejos eróticos subjetivos e à vida afetiva intimamente
implicada na vida sexual; finalmente, a dimensão cultural corresponde
aos padrões de desejos, comportamentos e fantasias sexuais criados e
sancionados historicamente pelas diversas sociedades e grupos sociais.
Estas três dimensões manifestam-se, de modo geral, de forma conjunta
na vida sexual.

O impulso sexual visa à procriação e à manutenção da espécie. As


dimensões psicológicas e culturais dizem respeito ao desejo erótico, às
fantasias sexuais e à dimensão subjetiva de prazer que a vida sexual
pode produzir. Enquanto o impulso sexual é relativamente restrito em
seu repertório, pois sustenta-se sobre aspetos instintivos e biológicos que
têm um fim bem determinado (a reprodução), o desejo erótico é
extremamente plástico, comportando uma infinidade de variações.
Assim a vida sexual é extremamente vinculada à vida afetiva do sujeito,
à personalidade total e aos símbolos culturais que gerem e conformam as
fantasias e práticas sexuais mais variadas.

Segundo Carmelo Monedero (1973) a sexualidade não é uma simples


tensão orgânica anónima; muito pelo contrário, toda vivência humana
está carregada de intencionalidade, de desejos que buscam a satisfação.
A forma específica, diz ainda Monedero, pela qual cada um realiza a sua
sexualidade, é também específica de sua existência no mundo. Portanto,
para ele, a sexualidade é um daqueles terrenos, um daqueles palcos onde
se lançam todos os conflitos da existência humana.

3.2. Fases do ciclo sexual


151

Atualmente costuma-se estudar a sexualidade humana discriminando-se


quatro fases distintas do ciclo sexual: fase do desejo sexual, fase de
excitação, o orgasmo e a fase de resolução.

Fase do desejo sexual é a mais complexa do ponto de vista psicológico,


a menos fisiológica, mais dependente do mundo das fantasias eróticas,
das representações sociais e dos símbolos culturais relacionados à
sexualidade (Kaplan, 1983). Apesar disso, o desejo sexual tem também
um componente biológico, influenciado por fatores hormonais e
neuronais. Na fase do desejo, o indivíduo pode já ter sensações físicas
relacionadas à atração que uma pessoa ou objeto lhe desperta. Parece
que o desejo sexual do homem responde mais a estímulos visuais e nas
mulheres o desejo é afetado por fatores afetivos e não necessariamente
“sensoriais”; tal diferença relaciona-se mais a fatores culturais do que a
biológicos.

A fase da excitação é a fase inicial da relação sexual propriamente dita,


com modificações corporais preparatórias do intercurso sexual. O
homem apresenta vasodilatação reflexa e preenchimento sanguíneo dos
corpos cavernosos penianos, aumento do saco escrotal e do tamanho do
pênis. Pela uretra começa a ser expelido um líquido lubrificante que
facilita a penetração. Na mulher ocorre uma congestão sanguínea e
aumento do volume dos genitais externos, aumento do tamanho do
clitóris (semelhante à ereção do pênis), secreção de um líquido
lubrificante da vagina, preparando-a para receber o pênis. A excitação
aumenta no homem pelo toque do pênis, as mulheres, por sua vez,
podem sentir-se excitadas pelo toque dos mamilos ou

de outras áreas erógenas, entretanto, podem, também, sentirem-se


desconfortáveis se forem tocadas no clitóris antes de um certo nível de
excitação.

A fase de orgasmo no homem surge após a estimulação peniana,


principalmente da glande e do prepúcio. No homem ocorrem dois
reflexos coordenados: a emissão e ejaculação. Na emissão, que não é
necessariamente prazeroso, há contração reflexa dos músculos,
provocando o depósito do fluido seminal na uretra posterior. Ocorre
152
neste momento, a sensação difusa de “inevitabilidade ejaculatória.” Na
ejaculação propriamente dita ocorre a contração dos músculos da base
do pênis, que impulsionam o fluido seminal para fora do pênis em
alguns poucos jatos sucessivos, provocando intensa sensação de prazer.

No orgasmo feminino ocorrem três a doze contrações rítmicas em volta


da entrada da vagina, acompanhadas de forte sensação de prazer. A
resposta de orgasmo feminino pode ser encontrada até que surjam as
contrações musculares involuntárias. Em ambos sexos há,
frequentemente, contrações involuntárias do esfíncter anal interno e
externo.

A fase de resolução é uma fase de retorno às condições do organismo,


voltando a frequência cardíaca, respiratória, a pressão arterial e as
condições dos genitais gradativamente ao estado anterior ao ato sexual.
O homem tem um período refratário após o orgasmo, no qual a ereção e
a resposta orgástica estão inibidas por um certo período de tempo,
independentemente de sua vontade. Na mulher, o período refratário não
é tão determinado, podendo ocorrer com mais facilidade vários
orgasmos sucessivos. Após o orgasmo, tanto o homem como a mulher
sentem, frequentemente, uma sensação de relaxamento, de paz e, às
vezes, de sono ou depressão.

3.3 Transtornos sexuais

3.3.1 Transtornos do desejo e da resposta sexual

Em qualquer momento do ciclo de desejo e resposta sexual podem


ocorrer transtornos que comprometam a atividade sexual satisfatória. Os
transtornos mais comuns são:

O desejo sexual inibido é caracterizado pela inibição persistente de


qualquer tipo de desejo de natureza sexual, de fantasias sexuais ou
interesse por temas ou pela atividade sexual. A avaliação da inibição
deve levar em conta os padrões culturais, a faixa etária e a situação de
vida da pessoa acometida. É relevante, do ponto de vista prático, quando
a ausência de desejo sexual desperta sofrimento no sujeito ou em seu
parceiro. Fatores relacionados ao desejo sexual inibido são os
determinados por conflitos intrapsíquicos, por repressão exacerbada
153
relacionada à temática sexual, por padrões educacionais e culturais que
associam fortemente a sexualidade ao pecado, à culpa e à “sujeira”,
assim como por conflitos interpessoais, particularmente a hostilidade no
relacionamento do casal que acaba de se converter em inibição do
desejo. Disfunções

fisiológicas (hormonais, metabólicas, medicamentosas, etc.) também


podem fazer parte do cortejo de fatores envolvidos na inibição do desejo
sexual.

Excitação e Orgasmo feminino inibido (Frigidez)

Na mulher a ausência de excitação sexual, designada no passado como


frigidez, manifesta-se pela dificuldade ou incapacidade em obter uma
resposta de intumescência e lubrificação da vagina associadas ao desejo
e às carícias sexuais. A ausência do orgasmo feminino manifesta-se

quando, após uma fase de excitação normal, a mulher não consegue


obter o orgasmo. Tal fenómeno é relativamente comum, provavelmente
associado a questões culturais relativas à sexualidade feminina.

Relacionados a dificuldades ou ausência de excitação e orgasmo


feminino identificam-se fatores intrapsíquicos como ansiedade,
diminuição da autoestima, frustrações crónicas, sentimentos de medo, de
culpa, irritabilidade e depressão e fatores interpessoais, geralmente da
relação íntima do casal, como hostilidade inconsciente ou consciente,
luta pelo controle e por poder na relação conjugal, desprezo pelo
parceiro, etc. Particularmente importante é a qualidade do
relacionamento afetivo do casal.

De modo geral, é comum a insensibilidade do homem em relação aos


desejos, fantasias e “ritmo” de resposta sexual da mulher. Normalmente,
o homem alcança a ejaculação e o orgasmo bem mais cedo que a mulher
e “abandona “ a relação sexual, bem antes de a mulher ter alcançado o
grau de excitação suficiente para que sejam desencadeadas as reações
fisiológicas e emocionais do orgasmo. O parceiro masculino muitas
vezes não sabe ou não consegue acarinhar e excitar a mulher, não quer
ou não consegue esperar que ela alcance, no seu ritmo, o patamar de
154
excitação necessário ao orgasmo. Podem contribuir para a disfunção de
excitação e/ou do orgasmo feminino fatores orgânicos como dor pélvica
ou abdominal, corrimentos ou pruridos vaginais, assim como o uso de
medicamentos, tais como sedativos e antidepressivos (principalmente os
serotoninérgicos) que podem inibir a excitação e o orgasmo na mulher.

3.3.2 Ejaculação precoce

A ejaculação ocorre de forma rápida, antes da pessoa desejá-la, por


dificuldade significativa no controle voluntário mínimo que o homem
tem sobre a sua ejaculação durante a atividade sexual. A causa da
ejaculação precoce é de base psicológica e psicodinâmica, na grande
maioria dos casos. Uma expectativa enorme em relação ao ato sexual e
um forte componente de ansiedade podem ter papel importante na
gênese da ejaculação precoce.

Em adolescentes e jovens, o fato de o indivíduo ter as suas primeiras


relações sexuais em circunstâncias estressantes, rodeado de medos e
tabus, é, em muitos casos, um elemento ansiogênico que “apressa” a
ejaculação, “resolvendo-se”, assim, a ansiedade em relação a ter ou não
ter a relação sexual. É comum o adolescente, amadurecido após algum
tempo no que concerne à sua sexualidade, suas expectativas e temores
em relação à mulher, e, mesmo, por um certo treino e aprendizado em
lidar com suas reações físicas no ato sexual, “aprender” a adiar a
ejaculação e alcança-la quando deseja. Em adultos com parceiras
estáveis, a ejaculação precoce pode estar associada ao medo ou a raiva
da parceira, à falta de prazer na relação e aos sentimentos de solidão e
isolamento.

3.3.3 Disfunção erétil

O termo disfunção erétil (antes chamada impotentia coeundi) tem sido


preferido a impotência sexual, visando não confundir a dificuldade em
se obter uma ereção, devido, geralmente, a ansiedade e aos conflitos
psicológicos ou às doenças orgânicas, com as conotações do termo que
podem sugerir ser “fraco”, um “frouxo”, “impotente” perante a vida.
Tais conotações, além imprecisas, podem ser muito desmoralizantes
para o homem em nosso contexto cultural. Pode-se definir a disfunção
155
pela falha parcial ou total do homem em alcançar e manter a ereção até o
final do ato sexual.

A ereção reflexa é controlada pelo plexo sacral, pelos nervos pudendo e


erigente. A ereção mediada por mecanismos “psicogénicos”, por sua
vez, é influenciada pela córtex cerebral, pelos plexos simpáticos
toracolombares e parassimpáticos sacrais. Também o sistema límbico
desempenha importante papel na ereção, explicando a potente ação
inibitória da ansiedade sobre a ereção.

Classificamente diferencia-se uma disfunção erétil de base psicogénica


daquela de base orgânica. Entretanto, sabe-se que em muitos casos há
um somatório dos dois componentes. Aquelas de base psicogénica
tendem a ser mais situacionais e transitórias, as orgânicas mais
constantes e inespecíficas. De modo geral, a disfunção erétil persistente
resulta de uma interação complexa de atores psicológicos, neurológicos,
vasculares, endócrinos e mecânicos.

É comum a ocorrência transitória (e normal) de episódios ou períodos de


dificuldade ou incapacidade erétil em uma grande percentagem dos
homens. Frequentemente quando um indivíduo está muito ansioso, com
muitas expectativas em relação ao ato sexual, a ansiedade acaba por
produzir intensa inibição sobre o reflexo de ereção e ele não obtém a
ereção. Quanto mais deseja e se “esforça”, maior a ansiedade e maior a
inibição do reflexo. Além disso, os fatores como hostilidade
inconsciente em relação à parceira, sentimentos de culpa, de
inferioridade ou de pressão podem contribuir significativamente para as
dificuldades eréteis do homem.

Quadro ilustrando as causas orgânicas mais frequentes de disfunção


erétil
156

Diabete (neuropatia diabética, cistograma


1 Endócrinas anormal), difunções do eixo hipofisário
(hipogonadismo, adenomas secretores de
prolactina), obesidade patológica.

2 Álcool (principalmente pela neuropatia


Drogas ou periférica associada ao alcoolismo crónico),
medicamentos drogas com ação anticolinérgica ou
simpaticolítica, anti-hipertensivos, sedativos
de modo geral.

3 Vasculares Aterosclerose, arterites,


priapismo ,tromboembolismos, etc

4 Sequelas de cirurgias Prostatectomia radical, cistectomia,


ressecção abdominal do reto, esficteromia
externa, etc.

5 Disfunções medulares Trauma ou tumores

6 Outros transtornos Doença de Parkinson, esclerose múltipla,


neurológicos sífilis

7 Disfunções Síndrome de Shy-drager, Síndrome Riley-day


autonômicas não-
diabéticas
8 Outras causas Uretrites, prostatites, cistites, fimose,
urológicas hidrocele, ruptura de uretra.

9 Outras causas Neoplasias

3.4 Transtornos da identidade do gênero


157
Por identidade do gênero entende-se o senso íntimo, pessoal, de
perceber-se, sentir-se e desejar como uma pessoa do sexo feminino ou
do sexo masculino. Um número significativo de pessoas, embora
pertençam anatomicamente a determinado gênero, desenvolve e
apresentam uma identidade de gênero conflitante com a biologia. Há
muita polêmica em relação a considerar-se tais condições como
“patológicas” ou “psiquiátricas”, principalmente no caso de pessoas
que se sentem plenamente identificadas com a sua identidade
“discrepante” e afirmam sentirem-se felizes e realizadas assim.
Atualmente, a psiquiatria tende a ocupar-se de tais condições apenas
quando elas representam, para as pessoas que as têm, fonte de
significativo sofrimento e desconforto psicossocial.

a) O transexualismo constitui-se na identidade do gênero invertida


em indivíduos inequivocamente pertencentes ao outro gênero, do
ponto de vista anatómico e fisiológico. Um homem, apesar de ter o
corpo de um homem, sente-se completamente, dos pontos de vista
psicológico e social, como se fosse uma mulher. Esse homem,
(anatomicamente) sempre foi, sentiu e comportou-se como uma
mulher. No caso das transexuais femininas, são mulheres
(anatomicamente) que desde os primeiros anos de vida têm o senso
de serem realmente homens, querendo mudar seus corpos,
utilizando roupa e modos culturalmente masculinos. Os transexuais
são, quase sempre, exclusivamente homossexuais em relação ao
sexo anatômico (ou heterossexuais quando se considera o gênero
psicossexual)

b) O transvestismo é definido como a condição na qual o indivíduo


obtém a excitação sexual utilizando roupas, adornos e atitudes do
sexo oposto. É quase exclusivo do sexo masculino (homens
biológicos que se excitam sexualmente apenas utilizando roupas,
adornos e comportamentos femininos). Nem todo travesti é
homossexual, sendo muitos predominantemente heterossexuais,
exercendo profissões e esportes “masculinos”, usando roupas
masculinas no dia-a-dia, etc.

c) Intersexualidade é o termo utilizado para um conjunto de


síndromes genéticas e endocrinológicas. São casos em que, embora
158
o indivíduo aparentemente pertença a um gênero, tem vários
aspetos anatómicos ou psicológicos claramente do sexo oposto.
Em certos quadros, há uma “ambiguidade” em relação à anatomia
dos genitais e dos caracteres sexuais secundários. Como exemplo
temos as síndromes de Turner (XO), de Klinefelter (XXY), a
síndrome adrenogenital, o pseudo-hermafroditismo masculino, etc.

d) A homossexualidade refere-se à condição na qual o interesse e o


desejo sexual orientam-se em direção a pessoas do mesmo sexo. É
geralmente um padrão duradouro de organização do desejo sexual,
geralmente vitalício. Um grande número de indivíduos
homossexuais não é transexual, estando bem identificados com o
seu gênero; apenas desejam sexualmente pessoas do mesmo sexo.
Um certo número de indivíduos com interesses e práticas
homossexuais também tem atividade heterossexual, sendo,
portanto, nesse sentido, bissexuais. A homossexualidade e a
bissexualidade não são atualmente, por si só, consideradas
transtornos mentais. Apenas nos casos em que elas representam
uma fonte de sofrimento significativo para o indivíduo, a chamada
homossexualidade egodistônica, é que a psiquiatria e a psicoterapia
buscam algum alívio para tal sofrimento.

3.5 Parafilias

As parafilias (assim como os transtornos da identidade do gênero) eram


chamadas “perversões sexuais”, termo que tende a ser abandonado, já
que na linguagem leiga a palavra “perversão” é rapidamente assimilada
à “maldade”, “ruindade”, erro moral. As parafilias são transtornos do
comportamento sexual caracterizados por padrões de fantasias e práticas
sexuais particulares, em certas condições muito lesivas ao paciente e aos
demais. Elas podem envolver apenas a fantasia, a masturbação solitária
e/ou a atividade sexual com um parceiro.

Também no caso das parafilias as fronteiras entre o normal e o


patológico são um tanto arbitrárias, posto que entre o gostar e integrar
determinada fantasia ou prática, em meio à atividade sexual geral, e o
fixar-se de forma intensa a um padrão sexual exclusivo e potencialmente
lesivo para si ou para os outros, nem sempre é fácil a discriminação.
159

a) O exibicionismo, enquanto transtorno do comportamento sexual (e


não como traço de personalidade ou elemento comportamental
normal) é mais comum em homens. Caracteriza-se pela compulsão
e pelo prazer em mostrar o corpo nu, com ênfase nos genitais, a
uma pessoa estranha, que geralmente está desprevenida e sente tal
exposição como uma violência.

b) O voyeurismo é a compulsão em observar uma pessoa (geralmente


uma mulher) despindo-se ou mantendo relações sexuais. O
individuo (geralmente um homem) busca repetitivamente as
situações propícias ao exibicionismo ou ao voyeurismo.

c) No sadismo, o prazer e a excitação sexual encontram-se ligados ao


ato de produzir, na realidade ou na fantasia, a dor, humiliação no
parceiro ou abusar dele e subjuga-lo.

d) No masoquismo, a experiência é inversa, havendo prazer e


excitação sexual ao ser subjugado, humilhado, torturado ou
ameaçado pelo parceiro.

e) A pedofilia é, dentre todas as parafilias, uma das mais frequentes e


mais perturbadoras do ponto de vista humano. Caracteriza-se pela
preferência em realizar, ativamente ou na fantasia, práticas sexuais
com crianças. Pode ser homossexual (pederastia) ou heterossexual
(pedofilia propriamente dita), ocorrendo no interior da família e
conhecidos ou estranhos. A pedofilia pode incluir apenas o brincar
jogos sexuais com a criança (observar ou despir a criança ou
despir-se na frente dela), a masturbação ou a relação sexual
completa (geralmente o estupro).

f) O fetichismo caracteriza-se pela obtenção de prazer e excitação


por meio de um uso particular de roupas, adornos ou objetos.
Geralmente o fetichista exige e utiliza, na masturbação ou no ato
sexual, objetos relacionados ao corpo, como sapatos, meias,
lingerie, luvas, etc., masturbando-se ao contacto de tais objetos.
160
g) Na zoofilia um ou mais animais são utilizados para atividade
sexual, que pode incluir a masturbação, o contacto oral-genital ou
o coito completo.

Existem tantas outras parafilias como urinofilia, necrofilia,


coprofilia, cleptofilia, matronofilia, etc.

3.6 Problemas relacionados à sexualidade

O abuso sexual e o estupro são fenómenos trágicos e dolorosos que


integram a vida diária da maior parte das sociedades atuais. Por
parte do agressor, é uma forma de descarregar a tensão, a
agressividade ou o sadismo sobre uma vítima que não lhe pode
oferecer resistência. A maior parte das vítimas são mulheres
adolescentes ou jovens, sendo o agressor muitas vezes homens
conhecidos delas, às vezes parentes (pais, padrastos, tios, etc.).
Durante o estupro, a vítima geralmente sente grande medo e
pânico, podendo experimentar um “estado de choque”. Dias a
meses depois do estupro, ela pode sentir-se muito envergonhada,
deprimida, humilhada, com raiva e medo. Estudos recentes
indicam uma forte relação entre ter sofrido abuso sexual na
infância e transtornos de conduta na adolescência, e, na vida
adulta, transtornos de personalidade (bordeline ou histriônico, em
especial), depressão, transtornos alimentares e abuso de drogas.

CAPÍTULO 4 COMPORTAMENTO INSTINTIVO

Não se define facilmente o comportamento instintivo. No passado,


infelizmente, o termo instinto era aplicado, indiscriminadamente, a
161
qualquer comportamento complexo que não era bem
compreendido. Por fim, a categoria dos instintos se tornou tão
ampla que perdeu o significado. A certa altura da história, foi
quase completamente abandonada.

Anos depois, o conceito de comportamento instintivo foi


reabilitado (Lashley, 1938; Lorenz, 1937). Teve uma importância
particular nos trabalhos dos etologistas europeus (ver Tinbergen,
1957; Ewer, 1957). Conforme estes últimos, o termo
comportamento instintivo refere-se a padrões de comportamento
que (1) são inatos ou se desenvolvem através da maturação; (2) são
próprios a cada espécie, pois são encontrados, geralmente, em
todos os membros de uma espécie e, portanto, caracterizam-na e
(3) são desencadeados por determinados padrões de estimulação.
Há objeções contra esse conceito, até certo ponto definido de
maneira bastante clara (ver Lehrman, 1953), mas ele foi
empregado com tanta precaução que se evidenciou útil. No
decorrer do presente capítulo, devemos ter em mente o conceito de
comportamento instintivo tal como é usado pelos etólogos.

Mesmo assim, não há uma linha demarcatória clara entre o


comportamento instintivo e os outros tipos de comportamento. O
comportamento sexual, por exemplo, é considerado, às vezes,
instintivo, outras não e, em algumas espécies, parece se enquadrar
melhor na definição de comportamento instintivo do que em
outras. Por conveniência da organização dos capítulos deste livro,
optamos por incluir os seguintes tópicos na área do comportamento
instintivo: o comportamento parental, incluindo a construção de
ninhos e o cuidado dos filhotes; a migração; a hibernação e o
armazenamento.

Evidentemente, não é uma lista completa, mas cobre aqueles


tópicos, não abordados nos capítulos precedentes, de cujos fatores
fisiológicos se conhece alguma coisa. Salientamos, sobretudo,
neste capítulo, o comportamento paternal cujas bases fisiológicas
são mais conhecidas.
162

UNIDADE V PATOLOGIAS CEREBRAIS

CAPÍTULO I ALGUNS DISTÚRBIOS CEREBRAIS


163

CAPÍTULO II ALGUNS DISTÚRBIOS DA PERSONALIDADE

CAPÍTULO I ALGUNS DISTÚRBIOS CEREBRAIS

1.1 Introdução
164
Até o momento, quase todos os experimentos citados foram realizados
com animais como sujeitos. Isso, como vimos apontando repetidamente,
porque não podemos submeter seres humanos a métodos experimentais
cirúrgicos ou fisiológicos. Contudo, ocasionalmente, referimo-nos a
dados obtidos com sujeitos humanos, afetados por doenças cerebrais ou
com disfunções glandulares. O principal objeto deste capítulo serão
esses distúrbios e, sobretudo, os distúrbios do cérebro. Assim
procederemos a fim de focalizar a atenção sobre aquilo que se sabe a
respeito das funções psicológicas do cérebro humano e também porque
há inúmeros fatos que, por um motivo ou outro, não caberiam em outros
capítulos.

Este capítulo não será longo, porque nossos conhecimentos são


limitados. De fato, tudo o que dissermos servirá apenas para mostrar
quão pouco se sabe da área e porque é difícil tirar conclusões sólidas.
Além de introduzir nova matéria, o presente capítulo servirá de meio
para resumir vários pontos mencionados ao longo do livro.

1.2 Deficit psicológico

Nesta secção, consideraremos alguns tipos de deficits psicológicos


observados em lesões do cérebro. Por ora, não nos ocuparemos do local
em que se deu a lesão, pois às vezes, é difícil determiná-lo e mesmo
conhecê-lo e, portanto, reservaremos para este problema um outro
parágrafo. O deficit psicológico pode ser determinado tanto através dos
sintomas clínicos como de testes de desempenho. Durante muitos anos,
o único meio de que podiam lançar mão os neurofisiologitas, na prática,
eram os sintomas clínicos apresentados pelos pacientes: alterações
patológicas do EEG ou dos reflexos, queixas do paciente ou defeitos
mais visíveis no comportamento destes. Recentemente, com a ajuda dos
psicólogos. Inúmeros testes foram desenvolvidos com o fim de
determinar os deficits ocasionados pelas lesões cerebrais.

1.3 Sintomas clínicos

Deixando de lado os sinais patológicos, que não pertencem ao nosso


campo, podemos classificar os sinais de deficiência observados, vez por
outra, em pacientes com lesões cerebrais em três categorias gerais:
165
distúrbios sensoriais e motores, distúrbios da memória e de habilidades
aprendidas, diferentes da linguagem, e distúrbios da linguagem.

1.3.1 Distúrbios sensoriais e motores

O que tínhamos a dizer sobre este ponto já o dissemos. Quando as lesões


atingem as áreas sensoriais primárias, aparecem alguns distúrbios
bastante visíveis. O paciente apresenta um escotoma no campo visual, é
incapaz de discriminar adequadamente com o tato, ou tem dificuldade
em ouvir. Este último é um sinal, pouco frequente de lesão cerebral. Em
cada caso, o sintoma corresponde ao que se esperava quando a área
sensorial primária do córtex foi danificada. Da mesma forma, as lesões
da área motora e pré-motora são acompanhadas de paralisia flácida ou
espástica. (ver p. 376 s.), conforme o caso.

1.3.2 Reconhecimento e habilidades

Acima do nível da capacidade sensorial e ao nível da memória está o


reconhecimento do significado dos objetos. Se vemos uma banana,
sabemos que é para comer. Ou sabemos que portas são para abrir e
passar por elas. Ou, de maneira geral, sabemos o que fazer ou o que
podemos fazer quando um determinado estímulo nos é apresentado. Um
caso muito simples de reconhecimento de objetos ocorre no
condicionamento de um animal quando aprende a responder a um sinal
ou a escolher entre dois estímulos para a obtenção de alimento. Mesmo
esse tipo de memória pode, naturalmente, tornar-se bastante complicado
no homem.

Quando a capacidade de reconhecer objetos familiares é perdida após


uma lesão, temos a agnosia. Existem muitos tipos de agnosia. Os
principais são óbvios: agnosia visual, auditiva e tátil. Teoricamente,
podem haver agnosias olfativas e gustativas, mas raramente são

relatadas como sintomas clínicos. Por outro lado, podem dar-se agnosias
específicas dentro de uma modalidade, por exemplo, agnosia de cores,
agnosia do dedo, das formas, etc. As agnosias recebem diversos nomes,
alguns dos quais são citados e definidos na Tabela 19.1
166
No mesmo nível do reconhecimento dos objetos, sob o aspeto motor,
encontramos a memória dos atos e das habilidades. Estes consistem em
agrupar determinados movimentos num padrão a fim de realizar algo.
Um rato ou um gato, colocados numa caixa fechada com taramela,
aprendem, por exemplo, a se dirigir a uma extremidade, puxar uma
corda e empurrar uma porta com cabeça.

Os indivíduos com lesões cerebrais podem esquecer os hábitos ou atos


deste tipo sem estarem, contudo, paralisados ou mostrarem maiores
sinais de distúrbio motor. Quando isto se dá, dizemos que sofrem de
apraxia, que significa “incapacidade de fazer coisas”. O paciente
apráxico pode, por exemplo, não se lembrar como fazer coisas que fez a
vida inteira, como abotoar a camisa, dirigir um carro, abrir uma porta,
comer com o garfo e a faca, etc.

Há descrições e nomes diferentes para as várias apraxias; algumas são


apresentadas na Tabela 19.1. Pode-se notar ali a definição de apraxia de
construção: “uma dificuldade em dispor varetas de acordo com um
desenho apresentado, em construir servindo-se de blocos, em
desenhar”. Este tipo de apraxia presta-se a testes sistemáticos e é,
frequentemente, estudado nas lesões cerebrais (McFie e Zangwil, 1960).

Tabela 19.1 - Um resumo dos distúrbios da memória

AFASIA SENSORIAL

Afasia auditiva (surdez para as palavras): dificuldade de entender o


sentido das palavras e da linguagem quando ouvida.

Afasia visual (cegueira para as palavras, alexia): distúrbios da


perceção do significado da linguagem escrita.

AFASIA MOTORA

Afasia manual (agrafia): dificuldade em escrever a linguagem.


167
Continuação

Afasia da fala (mudez para as palavras): incapacidade de expressar-se


oralmente ou pensar em termos ora. Head distingue quatro tipos de
afasia da fala:

Verbal: “incapacidade de formar palavras para uso quer externo quer


interno”

Sintática: “ falta do equilíbrio perfeito e do ritmo necessário para tornar


os sons articulados facilmente compreensíveis”. Os artigos e as
preposições que associam entre si as palavras tendem a ser eliminados
ou engolidos.

Nominal: incapacidade de empregar as palavras como nomes e


insucesso na apreciação do carácter nominal das palavras.

Semântica: distúrbios da sequência encadeada da expressão oral e


escrita.

AGNOSIA: distúrbios na perceção do significado dos estímulos


sensoriais ou deficiência da imaginação.

Astereognosia: “dificuldade de reconhecer os objetos ou as formas pelo


tato”.

Agnosia auditiva: “surdez psíquica para ruídos e surdez musical”


(amusia sensorial).

Agnosia visual: distúrbios no reconhecimento visual de

1. Objetos ou quadros
2. Cor – não é cegueira para cor, ou deficiência na perceção de cor,
mas “dificuldade em compreender as cores enquanto qualidades do
objetos, carência de um conceito de cor e incapacidade de evocar
imagens coloridas”.
3. Indícios visuais que orientam a pessoa no espaço.
168
APRAXIA: distúrbios da memória dos movimentos

Melocinética: o paciente “aprecia a natureza do movimento, mas não


pode realizá-lo com a destreza normal”. Pensa-se que é uma perda dos
traços de memória para formas complexas de movimento.

Ideomotora: uma desordem atribuída a uma cisão entre os processos


cinéticos e outros do cérebro; consiste na perda da memória de como
realizar os movimentos.

Ideatória: conceção imperfeita dos movimentos como um todo. O


paciente, por exemplo, é incapaz de riscar um fósforo.

De construção: “Nos casos típicos, o paciente sente dificuldade em


dispor varetas de acordo com um desenho apresentado, em construir
servindo-se de blocos, em desenhar”, etc.

1.3.3 Distúrbios de linguagem

O último nível da memória a ser estudado, neste contexto, é o da


linguagem. Com o termo “linguagem”, queremos significar todos os
estímulos simbólicos e as respostas aprendidas e empregadas tanto pelo
homem como pelos animais, mas sobretudo pelo homem. Diversos tipos
de sinais e gestos cabem dentro da esfera desse termo. A Aritmética, a
Álgebra e as Matemáticas superiores. Qualquer forma de
comportamento pode ser chamada de comportamento linguístico se
constituir um símbolo para outro comportamento. E qualquer estímulo
pode também ser chamado de linguístico se substituir outro estímulo. É
o simbolismo que torna a linguagem uma função mnemônica de ordem
superior.

A linguagem, naturalmente, tem níveis próprios de complexidade. Há


alfabetos a aprender, palavras a soletrar, nomes a aprender, palavras a
agrupar em sentenças em sentenças. Pode-se,
169
simplesmente, reconhecer o sentido das palavras e sentenças. Portanto, o
comportamento linguístico tem todos os aspetos de qualquer outro tipo
de comportamento. É simplesmente uma variedade de comportamento
no qual homem se especializou e que se tornou uma parte
surpreendentemente grande de suas lembranças, bem como de seu
repertório de ajustamentos ao mundo.

Qualquer distúrbio da linguagem que resulta de uma lesão ou doença


cerebral chama-se afasia. Há diversos graus e variedades de afasia. São
divididas em duas categorias gerais: afasias sensoriais e motoras. As
primeiras incluem a afasia auditiva, que consiste na dificuldade de
compreender a palavra ouvida, e a afasia visual, às vezes chamada de
alexia, que é um deficit na capacidade de ler. Do lado motor, qualquer
dificuldade no falar é chamada de disfasia; a afasia verbal refere-se à
dificuldade em formar e pronunciar palavras; e a afasia nominal consiste
na incapacidade de nomear pessoas e objetos. Para os outros tipos de
afasias ver Tabela 19.1

1.3.3.1 Distúrbios de receção

Uma maneira grosseira de classificar os distúrbios resultantes de lesões


cerebrais é a de dividi-los em distúrbios de receção e de expressão
(Weisenburg McBride, 1935). Os distúrbios de receção incluem as
agnosias e as afasias sensoriais descritas anteriormente. A maioria dos
estudos deste tipo indica que as lesões se situam principalmente na parte
posterior do córtex cerebral (Conrad, 1954). Na Fig. 19.2, por exemplo,
temos um mapa das posições cranianas dos ferimentos apresentados por
inúmeros indivíduos com lesões cerebrais que exibiam distúrbios de
receção. Quase todos os casos se situam no córtex posterior.

Podemos ir mais longe e afirmar que existe alguma localização de


diferentes tipos de distúrbios recetivos (Zamgwil, 1960). Pacientes que
apresentam dificuldades com relação aos aspetos visuais da linguagem,
por exemplo na leitura, têm mais frequentemente do que nunca lesões no
córtex parietal posterior. Por outro lado, os que têm dificuldade em
compreender as palavras e com aqueles aspetos de fala que dependem de
indícios auditivos tendem a apresentar lesões no córtex parietotemporal.
Entretanto, a localização não é muito definida.
170
1.3.3.2 Distúrbios de expressão

Os distúrbios de expressão consistem de apraxias e de afasias motoras,


isto é, qualquer dificuldade na execução de atos e no falar. Em regra
geral, os pacientes com esses sintomas apresentam lesões nos lóbulos
frontais (ver Fig. 19.2). Há exceções, mas mesmo estas não se

afastam muito do córtex anterior. Ao fazer esta afirmação, é necessário


distinguir a afasia nominal, dificuldade de nomear as coisas, de outros
tipos de afasia motora. As lesões que causam a afasia nominal acham-se,
bastante frequentemente, no córtex parietal e temporal. Isto talvez
porque o ato de nomear seja tão complexo que depende das capacidades
tanto sensoriais como motoras e mesmo, em alto grau, da habilidade de
abstração.

1.3.3.3 Estimulação do cérebro

É lógico, nesse ponto de exposição, correlacionar os dados obtidos pelo


método de estimulação do cérebro com os analisados anteriormente. Já
mencionamos (p.340) o emprego deste método para estudar as
experiências sensoriais provocadas por estimulação cortical.
Acrescentaremos aqui mais dois aspetos. Um diz respeito à fala e o
outro, às lembranças.

A estimulação eléctrica do córtex cerebral humano, quando afeta a fala,


pode fazer o sujeito parar de falar se estiver falando ou provocar
vocalizações involuntárias (Fig. 19.3). A vocalização, quando ocorre, é
um som de vogal prolongado que não pode ser inibido voluntariamente
pelo paciente. Essa vocalização ocorre, como é de esperar, quando se
estimula as áreas da boca nos giros pré e pós-central. É um puro efeito
motor. Pode também ocorrer, às vezes, quando se estimula o lóbulo
frontal dorsal, como indica a Figura 19.3.

Há também pontos nos lóbulos frontal, parietal e temporal (Ver Fig.


19.3) em que a fala é detida, mas a causa não parece ser um interferência
sobre as actividades motoras. Antes, a lesão causa uma amnésia verbal,
isto é, um distúrbio da capacidade de encontrar ou lembrar as palavras.
Por isso foi chamado de impedimento afásico para diferenciá-lo de
impedimento de fala. O fenómeno se dá em determinadas áreas, mas a
171
localização não é muito precisa. Ademais, não existe apenas uma, mas
três áreas de localização.

Dos estudos da estimulação cerebral resultou, ocasionalmente, um outro


fato interessante, quando os pacientes eram epiléticos (Penfield, 1959).
Dava-se uma indução de lembranças. Em geral, o local de estimulação
era o córtex temporal, Ao ser estimulado, o paciente é “invadido” por
uma “revoada” de imagens que lembram de maneira vivida as
experiências passadas de sua vida. É como se o elétrodo pusesse em
funcionamento a fita nervosa em que se registrou o passado.
Surpreendentemente, o fenómeno não e obtido em todos os pacientes.
Porém, o resultado está de acordo com os trabalhos realizados em
animais (que examinamos no Capítulo XVII) e indica existir alguma
localização de funções no córtex temporal.

CAPÍTULO II ALGUNS DISTÚRBIOS DA


PERSONAIDADE

2.1 Introdução
172
O ponto de vista que prevalece em relação aos distúrbios de
personalidade, como neuroses e psicoses “funcionais”, é o de que eles se
desenvolvem na experiência com o meio. De acordo com esse ponto de
vista, hábitos aprendidos de reagir às situações de stress e de conflito
constituem a base do comportamento neurótico e psicótico. Por outro
lado já há várias décadas muitos pesquisadores procuraram, e
frequentemente relatam haver encontrado, uma base fisiológica para
distúrbios de personalidade. Os dois pontos de vista não são
necessariamente contraditórios, visto que diferenças fisiológicas entre as
pessoas podem, em parte, explicar porque reagem, como o fazem, aos
stress (Meehl, 1962). Esta é a suposição que aceitamos, mas, como este é
um livro sobre a psicologia fisiológica, nos restringiremos aos factores
fisiológicos dos distúrbios de personalidade.

2.2 Predisposição genética

Se há uma diferença fisiológica responsável em parte pelos distúrbios de


personalidade, essa diferença deveria ser refletida num elo genético.
Essas diferenças podem, naturalmente, surgir durante o desenvolvimento
embriológico ou mesmo através de um trauma ou dos efeitos de uma
dieta sobre o desenvolvimento. Todavia, diante da ampla incidência
desses distúrbios, a hipótese mais plausível é a de que são as diferenças
genéticas que determinam as várias diferenças fisiológicas, subjacentes a
tais distúrbios.

É difícil realizar estudos de genética dos seres humanos de forma a


separar os efeitos desta última dos efeitos ambientais. Temos uma prova
circunstancial proveniente do estudo da incidência de distúrbios de
personalidade em famílias. Uma prova ainda mais convincente deriva de
estudos de gêmeos. Apresentaremos um resumo de ambos os tipos de
provas. Estas foram alvo de críticas algumas das quais justificáveis, sem
dúvida. E os resultados podem parecer mais convincentes do que
deveriam ser, mas não resta dúvida alguma que eles provam a existência
de um componente genético nos distúrbios de personalidade.

2.3 Esquizofrenia nas famílias

Todas as psicoses funcionais mais comuns foram estudadas do ponto de


vista genético. Dispomos de dados sobre as psicoses maníaco-
173
depressivas, a melancolia misantrópica e a esquizofrenia. (Ver tabela
20.1). Os dados são mais extensos, contudo, em relação à mais
predominante das três doenças mentais, à saber, a esquizofrenia, com
que ilustraremos os pontos a serem abordados aqui.

Tabela 20.1 Incidência de esquizofrenia.

Estudos anteriores de Kallmann


Amplitude das taxas de
Morbidade, de
outros
pesquisadores.

__________________________________________________________
___________________________________

Incidência de esquizofrenia na população em geral 0,85


0,3-1,5

Incidência de esquizofrenia em grupos consanguíneos


relacionada com:

Caso de um índice comum

Sobrinhos e sobrinhas 3,9


1,4-3,9
Primos e irmãos - 2,6
Netos 4,3
Meio-irmãos 7,6
Pais 10,3 7,1-9,3
Irmãos 11,5 4,5-
11,5
Filhos 16,4 8,3-
9,7

Casos de dois índices comuns


Irmãos 20,5 20,0
Filhos 68,1 53,0
174

Caso de um índice gêmeo


Gêmeo dizigótico 12,5
14,9
Gêmeo monozigótico 81,7
68,3

Numa série de estudos (Kallman, 1946), foram examinados cerca de


1.000 esquizofrénicos e 9.000 parentes destes últimos. Este trabalho,
além de outras informações de importância, não deixa dúvida de que a
esquizofrenia ocorre muito mais frequentemente entre os que têm
parentesco de sangue do que entre a população em geral. Por exemplo,
embora a esquizofrenia ocorra em apenas 0,85 por cento da população,
há uma taxa de cerca de 4 por cento entre os parentes distantes e de 10 a
12 por cento entre os pais e irmãos dos esquizofrénicos. É ainda mais
frequente naquelas famílias em que se sabe haver dois indivíduos
afetados pela doença. Quando apenas um dos pais é esquizofrénico, por
exemplo, cerca de 16 por cento das crianças são atingidas, mas quando
ambos os pais o são, cerca de 68 por cento dos filhos são
esquizofrênicos.

2.3.1 Esquizofrenia em gêmeos

O papel dos fatores genéticos e do meio se distinguem ainda mais


nitidamente nos gêmeos. Quando se estudam os gêmeos fraternos dos
esquizofrênicos, chega-se à conclusão de que eles não têm maior
predisposição à esquizofrenia do que os outros irmãos. É o que se
poderia esperar se os fatores genéticos fossem importantes, pois os
gêmeos fraternos não são muito mais semelhantes quanto à carga
genética do que os irmãos. Por outro lado, entre os gêmeos idênticos, a
incidência da esquizofrenia é de 81,7 por cento. O fato mais interessante
a ser apontado é o de que a esquizofrenia ocorre entre os gêmeos
fraternos e univitelinos quase tão frequentemente quando são criados em
meios diferentes quanto quando crescem sob o mesmo teto.
175
Baseados nestes estudos, podemos concluir que a esquizofrenia é
hereditária e, provavelmente, depende de fatores genéticos específicos.
Contudo, todos reconhecemos que ao se estabelecer uma base genética
para a esquizofrenia não se responde à pergunta sobre a causa que leva
os indivíduos predispostos a desenvolverem esse distúrbio. Sem dúvida,
devem existir diferenças estruturais ou metabólicas no sistema nervoso,
bem como causas ambientais precipitadoras.

Os Transtornos de Personalidade, também referidos como


Perturbações da Personalidade, formam uma classe de transtorno
mental que se caracteriza por padrões de interação interpessoais tão
desviantes da norma, que o desempenho do indivíduo tanto na área
profissional como em sua vida privada pode ficar comprometido. Na
maior parte das vezes os sintomas são vivenciados pelo indivíduo como
"normais" (eu-sintónico), de forma que a diagnose somente pode ser
estabelecida a partir de uma perspectiva exterior[1] .

Mais do que outros transtornos mentais, os transtornos da personalidade


apresentam o perigo de uma estigmatização do paciente. Isso se deve
sobretudo à terminologia, que sugere um transtorno de toda a
personalidade do indivíduo e, muitas vezes, está ligada a juízos morais
com relação ao paciente. Os atuais sistemas de classificação (DSM-V e
CID-10) - que utilizam o método descritivo e não etiológico -
permitiram o desenvolvimento de novas abordagens, que procuram
descrever tais transtornos como transtornos da interação interpessoal e
levaram ao desenvolvimento de novos tratamentos psicoterapêuticos[1] .

2.4 Critérios de diagnóstico de acordo com DSM-IV-TR

o Critérios gerais de diagnóstico


o Lista de transtornos de personalidade definidos no DSM-IV-
TR
o 2.1 Grupo A (Transtornos Excêntricos ou Estranhos)
o 2.2 Grupo B (Transtornos Dramáticos, Imprevisíveis ou
Irregulares)
o 2.3 Grupo C (Transtornos Ansiosos ou Receosos)

Transtornos de personalidade fazem parte do Eixo II do manual


psiquiátrico DSM-IV-TR, da Associação Americana de Psiquiatria.
176
- Critérios gerais de diagnóstico

O diagnóstico de um transtorno de personalidade deve satisfazer os


critérios abaixo, juntamente com os critérios específicos do transtorno
em consideração.

A. Comportamento e experiências que se desviam consideravelmente do


que a cultura vigente espera. Esse padrão é manifestado em duas (ou
mais) áreas seguintes:

 1. cognição (percepção de si mesmo, dos outros ou de eventos)


 2. afeto (o alcance, a intensidade, a maleabilidade e a conveniência
das respostas emocionais)
 3. funcionamento interpessoal
 4. controle do impulso

B. O comportamento é inflexível e invasivo, com alcance em ampla


gama de situações pessoais e sociais.

C. O comportamento leva clinicamente a um significante desconforto e


prejuízo nas áreas de funcionamento social e ocupacional, ou outra área
importante de funcionamento.

D. O padrão é estável, de longa duração e deve iniciar, pelo menos, na


adolescência ou início da idade adulta.

E. O comportamento não pode ser identificado como uma manifestação


ou consequência de outra doença mental.

F. O comportamento não pode ser identificado como uma manifestação


ou consequência de causas fisiológicas como abuso de substâncias ou
uma condição médica geral tal como dano cerebral.

Pessoas menores de idade que alcancem o critério de um transtorno de


personalidade não são, usualmente, diagnosticadas como tendo tal
transtorno, ainda, elas podem receber um diagnóstico correlacionado.
Para se diagnosticar um indivíduo menor de idade com um transtorno de
personalidade, os sintomas devem estar presentes por, pelo menos, um
ano. O transtorno de personalidade antissocial não pode, por definição,
ser diagnosticado em pessoas menores de 18 anos.
177
2.5 Lista de transtornos de personalidade definidos no DSM-IV-
TR

Grupo A (Transtornos Excêntricos ou Estranhos)

Os indivíduos que estão neste grupo, costumam ser apelidados como


esquisitos, isolados socialmente, frios emocionalmente, inexpressivos,
distantes e muito desconfiados. Este grupo está mais propenso a
desenvolver sintomas psicóticos.

 Transtorno de personalidade esquizoide ― Indivíduos


isolados socialmente, não expressam ou vivenciam emoções
como alegria ou raiva, frios emocionalmente, indiferentes e
não fazem questão de manter laços afetivos com outras
pessoas, sendo assim, vistos como independentes
emocionalmente. São muito introspectivos, e muitas vezes
não têm amizades. Não anseiam por tais relacionamentos e
geralmente preferem viver sozinhos e isolados. (Não
confundir com depressão nervosa grave.)

 Transtorno de personalidade esquizotípica - Pessoa com as


mesmas características ao esquizoide, contudo, está mais
próximo à esquizofrenia.

 Desconfiados, alguns podem acreditar que têm poderes


especiais, outros podem ser supersticiosos e cheios de
"manias", sendo que geralmente possuem crença excessiva
ou fanatismo religioso. Frequentemente participam de seitas
excêntricas, ou acabam por se apegar excessivamente a
alguma forma de "ocultismo" ou religiosidade, muitas vezes
tornam-se fanáticos religiosos que passam a vida a "pregar"
seus conceitos de forma exagerada, acreditando serem
escolhidos por alguma entidade divina ou, ocasionalmente,
acreditam sentir presença ocultas, ouvir vozes e chamados do
além, entre outros comportamentos próximos às psicoses.
(Não confundir com esquizofrenia.)

 Personalidades paranoide -São pessoas demasiadamente


desconfiadas e paranoicas. Não conseguem confiar em
178
outros, sempre alegam que vão ser passados para trás ou que
estão tramando e conspirando algo contra ele. Em momentos
de estresse, essas características tendem a piorar e são
essencialmente rancorosos, com dificuldade em perdoar os
erros e fracassos das outras pessoas. Atribuem isso sempre às
supostas tramoias, conspirações, perseguições etc. São frios
emocionalmente e podem se manter distantes às outras
pessoas porque acreditam estar sempre sendo enganados, às
vezes reagindo com hostilidade por motivos
incompreensíveis aos olhos de outros. (Não confundir com
esquizofrenia ou delírio.)

 Grupo B (Transtornos Dramáticos, Imprevisíveis ou


Irregulares)

Pessoas que convivem intimamente costumam perceber um quê de


anormal no comportamento dos indivíduos que compõem este grupo,
frequentemente sendo apelidados como "problemáticos". Nele, estão
presentes os indivíduos que são vistos aos olhos de outros como
manipuladores, rebeldes, com tendência a quebrar regras e rotinas,
irritantes, "maus", inconstantes, impulsivos, dramáticos, sedutores,
imprevisíveis, egoístas e muito intolerante às deceções. Neste grupo, os
sintomas inflexíveis dos distúrbios afetam muito mais as pessoas em sua
volta, do que o próprio indivíduo.

 Transtorno de personalidade antissocial ― São sociopatas,


indivíduos egocêntricos desde a adolescência e que mesmo
na idade adulta mantêm comportamentos persistentes de
desrespeito as normas, regras ou leis sociais. Causam
prejuízos e transtornos significativos as pessoas próximas em
seu círculo social. Frequentemente surgem ocorrências de
transtorno de conduta e histórico de problemas em relação
conjugal devido sua propensão para adultério e infidelidade.
Não desenvolvem empatia e tendem a ser insensíveis, cínicos
e a desprezar os sentimentos, direitos e sofrimentos alheios.
Impera o egoismo. Enganam, seduzem e manipulam as
pessoas a fim de obter vantagens pessoais ou prazer. São
capazes de fingir um comportamento exemplar e se fazer
179
passar por vitima com maestria. Distorcem fatos e
acontecimentos verídicos a fim de convencer quem lhes dá
atenção. (O diagnóstico de antissocial não está relacionado a
evitar socializações, algo mais provável no transtorno de
personalidade esquiva.)

 Transtorno de personalidade histriônica ― São pessoas muito


emotivas, hipersensíveis, exageradas, superficiais,
emocionalmente instáveis, dramáticas, muito preocupadas
com a aparência física (vaidosos e provocativos) e com
notável tendência a exigir excessiva atenção para si a todo
momento. Caso contrário, sentem-se profundamente
incomodados, podendo expressar suas emoções de forma
exagerada, como rompantes de choro ou raiva por coisa

mínima. Geralmente vestem-se de maneira chamativa,


sobretudo sexualmente provocante e costumam estar sempre
à caça de elogios a respeito de sua aparência física. Tendem a
infidelidade contumaz, são muito manipuladores, sedutores,
controlando pessoas e circunstâncias para conseguir atenção.
Fazem uso da manipulação emocional e sedutora,
frequentemente vestindo-se de maneira chamativa,
provocando, encantando e seduzindo outras pessoas. (Não
confundir com Transtorno Afetivo Bipolar.)

 Transtorno de personalidade borderline ― Distúrbio


comparável a uma "doença do amor", uma vez que seus
sintomas tornam-se muito exacerbados quando apaixonam-
se. São indivíduos muito inconstantes, exagerados,
constantemente insatisfeitos, intolerante às deceções e
frustrações, com pensamento extremista 8-80 (totalmente
bom ou totalmente mau: não conseguem ver lado bom e ruim
numa mesma pessoa ou situação), não conseguindo
relacionar-se de maneira saudável com seus familiares e
pessoas íntimas, tratando-as frequentemente de maneira
estúpida, agressiva ou rebelde. Quando apaixonam-se por
uma pessoa, tratam-na como um deus, entretanto, à menor
contrariedade ou sinal de rejeição percebida, acreditam
erroneamente estar sendo ignorados e abandonados,
tornando-se irritantes, insuportáveis e autodestrutivos
180
passando drasticamente do amor idealizado para o ódio,
tratando cruelmente o parceiro como um verdadeiro
demônio, sendo assim, com notável tendência a terminar
relacionamentos de forma raivosa.

Essas relações íntimas são frequentemente intensas, mas


caóticas e instáveis, terminando sempre em chantagens,
manipulações, ameaças suicidas ou autodestrutivas. Essas
pessoas têm profundos sentimentos de raiva e vazio crônico,
são emocionalmente instáveis, com surtos de carência afetiva,
mostrando-se também controladoras e muito ciumentas.
Além disso, têm tendência suicida e, a fim de se libertar do
sentimento de vazio e rejeição, podem engajar-se em
comportamentos compulsivos como automutilação, comer
compulsivamente, gastos em excesso etc. São irritadiças
quando estão com pessoas muito íntimas e se sentem
merecedoras de cuidados e atenção especial a todo momento.
Muitas vezes não conseguem controlar fortes emoções como
a raiva. Sentem-se sempre mal amados, rejeitados e ignorados
por motivos banais, o que causa um gatilho para
agressividade e manipulações. São pessoas manipuladoras,
uma vez que temem ser rejeitados em seus relacionamentos
amorosos, fazendo esforços totalmente desproporcionais para
evitar o abandono. (Não confundir com Transtorno Afetivo
Bipolar.)

 Transtorno de personalidade narcisista ― Pessoas arrogantes,


orgulhosas e que se acham superiores e mais especiais que os
outros. De primeira, esses indivíduos passam uma grande
impressão de que são metidos, egoístas ou antipáticos,
demonstram pouca empatia para com os outros, não se
importam com sentimentos alheios e podem ser frios
emocionalmente. Quase sempre se acham "os melhores", "os
mais lindos", "os mais ricos" etc. e exigem ser atendidos
pelos melhores médicos, pelos melhores professores e outros
"melhores" profissionais por causa de seu sentimento de
superioridade. Diferentemente do histriônico, narcisistas
podem se cuidar em excesso (vaidosos) para mostrar às
outras pessoas o quanto são mais "bonitos" e anseiam por
elogios não para receber atenção, mas apenas para mostrar
181
que são supostamente superiores às outras pessoas. (Não
confundir com megalomania.)

Grupo C (Transtornos Ansiosos ou Receosos)

Os indivíduos que compõem este grupo são vistos como medrosos,


ansiosos, frágeis, dependentes, fóbicos e com tendência a serem
submissos, organizados, obedientes e, ao contrário do grupo B, evitam
quebrar regras ou rotinas. Neste grupo, frequentemente os traços
inflexíveis dos transtornos prejudicam muito mais o próprio indivíduo,
do que as pessoas à sua volta. Este grupo está mais propenso aos
transtornos de ansiedade.

 Transtorno de personalidade dependente ― Pessoas muito


dependentes emocionalmente e fisicamente, sempre
dependendo de outras pessoas para fazer qualquer coisa.
Notavelmente carentes, elas não conseguem viver só e estão
sempre à procura de um relacionamento íntimo para se
manter dependente. Com frequência, são submissos às
pessoas por quais mantêm um laço afetivo, podendo
demonstrar muita empatia ou altruísmo por outras pessoas e
pouca preocupação consigo mesmo. Não costumam
contrariar as outras pessoas e emoções como raiva e desgosto
frequentemente são reprimidas e disfarçadas, pois têm medo
excessivo em magoar o outro. Com medo da perda e
abandono, esses indivíduos pensam muito mais nas outras
pessoas do que em si, deixando de fazer coisas que gostam,
para satisfazer aos outros.

Eles são propensos a envolverem-se em relacionamentos


perturbadores, com tendências sadomasoquistas, muitas vezes
aceitando atitudes abusivas contra si. Por isso, a insatisfação
é constante e o sentimento crônico de tristeza é comum
nessas pessoas, uma vez que tornam-se pessoas
excessivamente submissas aos outros, muitas vezes deixando-
se ser vítimas de maus tratos por parte de outras pessoas por
quais mantêm dependência. Geralmente, possuem medo de
machucar o outro e têm dificuldade em romper tais
relacionamentos. Quando terminam, sentem-se culpados e
182
frequentemente partem desesperadamente em busca de um
novo relacionamento. (Não confundir com distimia.)

 Transtorno de personalidade esquiva ― Indivíduos que são


excessivamente tímidos, com grande ansiedade na vida
social, sendo que frequentemente carregam um sentimento de
inferioridade em relação às outras pessoas. Via de regra, têm
uma baixa auto-estima e temem serem ridicularizados ou
criticados em público. Na realidade, anseiam contato íntimo
entre as pessoas, mas com medo de serem ridicularizados,
envergonham-se e se isolam socialmente. Eles podem evitar
festas, lugares cheios de pessoas e outras ocasiões sociais que
poderão ser o centro das atenções, sendo que muitas vezes
não têm amigos. Por vezes, carregam grande sofrimento pois
têm uma grande vontade de se relacionar com outros, mas
não conseguem por conta da vergonha e timidez excessiva
que enfrentam ao deparar-se com outras pessoas. (Não
confundir com depressão nervosa grave, fobia social e
transtorno de ansiedade generalizada.)

 Transtorno de personalidade obsessivo-compulsiva ― São


pessoas teimosas e inflexíveis, excessivamente organizadas,
temendo descuidos, desorganizações, sujeira ou qualquer
outra forma de "bagunça". Elas priorizam o correto e
organizado, podendo gastar muito tempo trabalhando,
estudando ou limpando, deixando de lado relacionamentos,
diversão e lazer. Além disso, elas tendem a fazer seus
deveres a sós porque temem que outras pessoas não irão fazer
corretamente. Nos seus relacionamentos, eles podem ser um
pouco distantes ou

 isolados e aparentar frieza emocional. Com frequência têm


dificuldade em desfazer-se de velharias e coleções, podendo
acumular muitos utensílios, móveis e objetos antigos. Via de
regra, se sobrecarregam em suas atividades, algumas vezes
desenvolvem compulsão desenfreada para o trabalho. (Não
confundir com Transtorno obsessivo-compulsivo [TOC].)
183

v • e
Transtornos mentais e comportamentais
Demência (Doença de Alzheimer,
Demência por infartos múltiplos, Doença
de Pick, Doença de Creutzfeldt-Jakob,
Doença de Huntington, Doença de
Neurológicos/sintomáticos
Parkinson, Demência na doença do vírus
da imunodeficiência humana, Demência
Frontotemporal) · Delirium · Síndrome
pós-traumática  · Síndrome de Monglin

Ácool (embriaguez, alcoolismo, delirium


tremens, Síndrome de Korsakoff) ·
opióides (Dependência de opióides) ·
Substância psicoativa sedativo/hipnótico (Sindrome de
abstinência de benzodiazepina) · cocaína
(Dependência da cocaína) · geral
(Intoxicação, Drogadição, Dependência
física, Síndrome de abstinência)

Esquizofrenia (Esquizofrenia
desorganizada) · Transtorno de
Transtornos psicóticos
personalidade esquizotípica · Transtorno
delirante · Transtorno delirante induzido ·
Transtorno esquizoafetivo
Mania · Transtorno bipolar · Depressão
Transtornos de humor (afetivo)
nervosa · Ciclotimia · Distimia
Transtorno da ansiedade (Agorafobia,
Transtorno do pânico, Ataque de pânico,
Transtorno de ansiedade generalizada,
Transtornos neuróticos, Fobia social) · TOC · Reação aguda ao
relacionados estresse · Transtorno de estresse pós-
com stress e somatoformes traumático · Transtorno de adaptação ·
Transtornos dissociativos (Síndrome de
Ganser) · Transtornos somatoformes
(Transtorno de somatização,
184
Dismorfofobia, Hipocondria, Nosofobia,
Síndrome de Da Costa, Transtorno
doloroso somatoforme)  · Neurastenia
Transtornos alimentares (anorexia nervosa,
bulimia nervosa), (TCAP)  · Distúrbios do
sono (dissonia, insônia, hipersonia,
Relacionados a disfunções parassonia, terror noturno, pesadelo) ·
fisiológicas/físicas Disfunção sexual (disfunção erétil,
ejaculação precoce, vaginismo,
dispareunia, hipersexualidade) · Depressão
pós-parto
Transtorno de personalidade ·
Transtorno dissociativo de identidade ·
Comportamento passivo-agressivo ·
Personalidade e comportamento
Cleptomania · Tricotilomania ·
do adulto
Voyeurismo · Transtorno factício ·
Síndrome de Munchausen · Orientação
sexual egodistônica · Fetichismo

Retardo mental Retardo mental


Transtorno específico da articulação da
fala: Fala e linguagem Transtorno do
desenvolvimento da linguagem (afasia,
Transtorno expressivo de linguagem,
Transtorno receptivo da linguagem,
Balbucio, Síndrome de Landau-Kleffner,
Desenvolvimento psicológico
Sigmatismo) · Habilidades escolares
(dislexia, agrafia, Síndrome de
Gerstmann) · Função Motora (Transtorno
específico do desenvolvimento motor)
Invasivo/Global: Autismo · Síndrome de
Rett · Síndrome de Asperger · Savantismo
TDAH · Desvio de conduta · Transtorno
desafiador opositivo · Transtorno ligado à
Comportamental e emocional, angústia de separação · Mutismo eletivo ·
infância e adolescência Distúrbio reativo de vinculação da
infância · Tique · Síndrome de Tourette ·
Fala (Gagueira · Ceceio)
185

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