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ASPECTOS HISTÓRICOS DA QUÍMICA FORENSE

Um conhecimento imprescindível ao entendimento da Química Forense


é a etimologia da palavra “forense”. Forense vem do latim forensis, que
significa público, ao fórum ou à discussão pública. Dessa forma, ciência
forense é a ciência utilizada em um sistema judiciário, ou seja, para finalidades
da lei.
As ciências forenses são responsáveis pelo apoio científico nas
investigações de danos, mortes e crimes inexplicados; ou seja, aplicam o
conhecimento e a tecnologia da ciência no cumprimento das leis sociais,
utilizando-se de provas materiais recolhidas no momento da perícia criminal.
A Ciência Forense é uma área interdisciplinar na qual estão envolvidas
várias outras ciências, dentre elas a Química Forense, responsável pela
realização de análises voltadas à identificação e constituição dos elementos
como: análises de disparos de armas de fogo, identificação de adulterações em
veículos, revelação de impressões digitais, identificação de sangue em locais
de crime, constatação de substâncias entorpecentes e várias outras
apreciações que contribuem fortemente para solucionar os crimes.
Na Química Forense, todo e qualquer tipo de contato gera um vestígio,
um rastro, uma pista. O trabalho de um químico forense é encontrar essas
pistas e determinar o seus significados. A utilização da prática forense na
investigação criminal é muito antiga e relatos da literatura indicam a China
como berço dessa prática. No século VII, durante a dinastia Tang, Ti Yen Chieh
utilizou a lógica e a prova forense, baseando-se em estudos da cena do crime,
exames das pistas e conversas com testemunhas.
No século XIII, foi publicado na China um livro com explicações de como
realizar o reconhecimento de sinais de afogamento, pela presença de água nos
pulmões, e estrangulamento, pela partição da cartilagem do pescoço, ou
explicações de como feridas podiam revelar o tipo e o tamanho da arma
utilizada no crime. Os sete séculos seguintes foram marcados pelo baixo nível
de desenvolvimento. Uma exceção foi o trabalho do químico belga Jean
ServaisStas (1813 – 1891).
FIGURA - JEAN SERVAIS STAS (1813 - 1891)

FONTE: <http://www.probertencyclopaedia.com>.

Stas, então professor de química na Universidade de Bruxelas e


considerado líder no país por seus experimentos sobre determinação de
venenos vegetais no corpo humano, teve seus conhecimentos solicitados na
busca pelo entendimento de um crime ocorrido. Os órgãos da vítima foram
analisados e pôde ser concluído que havia ocorrido um envenenamento por um
produto natural, no caso a nicotina. Portanto, seus conhecimentos químicos
serviram de prova na solução do crime em questão. Hoje em dia, a detecção
de alcaloides é realizada por testes que utilizam a espectrofotometria.
Em meados do século XIX, iniciou-se o progresso da Química Forense.
Em 1863, o químico Christian Friedrich Schönbein (1799–1868) descobriu o
primeiro método confiável para a identificação de sangue humano. Schönbein
expôs que ao adicionar peróxido de hidrogênio em manchas de sangue, o local
era tomado por uma espécie de espuma. Essa descoberta permitiu um avanço
considerável na época, pois havia muita dúvida na identificação de manchas já
quando secas, pois vários tipos apresentavam o mesmo padrão das de
sangue.

FIGURA - CHRISTIAN FRIEDRICH SCHÖNBEIN (1799 - 1868)


FONTE: Disponível em: <http://www.probertencyclopaedia.com>.

Por mais de séculos o arsênio é conhecido pela sua capacidade de


envenenamento e até o século XIX não era possível a sua identificação no
corpo humano. Vários pesquisadores procuraram a solução para o problema,
porém o primeiro a obter sucesso nesta empreitada foi o químico britânico
James Marsh (1794–1846).
FIGURA - JAMES MARSH (1794 - 1846)

FONTE: Disponível em: <http://www.probertencyclopaedia.com>..

Marsh levou cerca de quatro anos para desenvolver o método infalível


na detecção do arsênio no corpo humano. Para isso construiu um aparato que
ficou conhecido por Aparato de Marsh. Esse método ainda é usado na
atualidade e leva o seu nome, o então chamado Teste de Marsh.

FIGURA - APARATO DO TESTE DE


MARSH

FONTE: Disponível em: <http://www.probertencyclopaedia.com>.


O teste consiste no seguinte: obtida a amostra a ser analisada, deve-se
colocá-la em contato com zinco metálico puro e ácido sulfúrico. Caso a amostra
contenha arsênio, ele irá ser reduzido pelo zinco, conforme a equação abaixo:

As2O3 + 6Zn + 6H+ k 2As3- + 6Zn2+ +


3H2O
Os íons As3– resultantes da reação química acima se combinam com os
íons hidrogênio do ácido sulfúrico, havendo a formação de um gás chamado
arsina (AsH3):

A arsina é decomposta por ação do calor, acarretando na formação de


um filme prateado escuro de arsênio e gás hidrogênio, como pode ser
observada pela equação abaixo:

A determinação quantitativa do veneno está relacionada com o tamanho


do espelho formado. Uma maior quantidade de veneno no corpo é descoberta
por espelhos maiores de arsênio.
Em 1835, Henry Goddard tentou utilizar as marcas de bala encontradas
no corpo de um homem para localizar o seu assassino. Goddard percebeu que
a bala possuía uma inusitada marcação e por meio dessa evidência foi possível
encontrar o criminoso. Atualmente essa prática é muito utilizada nas
investigações criminais pelos padrões de estrias de cada arma.
O avanço tecnológico da ciência, em especial o aprimoramento das
técnicas analíticas, permitiu o desenvolvimento dos equipamentos, métodos e
técnicas que são fundamentais à Química Forense.
A IMPORTÂNCIA DA QUÍMICA
FORENSE

O combate ao crime no Brasil e no mundo conta com o auxílio de várias


áreas científicas na análise das cenas que o compõem. Os vestígios
encontrados devem ser analisados e avaliados pelos peritos e, assim que
possível, identificados para um melhor entendimento do fato criminoso.
Quando, para o entendimento de um crime, for necessária a
determinação da presença ou ausência de alguma substância ou mesmo a
determinação de sua natureza, torna-se imprescindível a utilização de métodos
químicos de análise. Daí a importância da Química Forense como ferramenta
na área criminalística.
Os métodos utilizados pelos químicos forenses são inúmeros e sempre
variam de acordo com a situação específica do crime. Métodos esses que vão
desde simples análises à utilização de equipamentos de alta tecnologia.
A Ciência Forense, em especial a Química Forense, é uma área
bastante avançada nos países desenvolvidos. No Brasil, é uma disciplina ainda
em expansão. Diversas pesquisas científicas estão sendo conduzidas no país e
a criação de cursos universitários específicos na área tende a dinamizar esse
processo na busca pelo aperfeiçoamento.
As principais análises realizadas pela Química Forense são: análise de
resíduos de armas de fogo, análise de manchas de sangue, identificação de
adulteração em veículos e vários outros exames que serão descritos ao longo
deste conteúdo.

A BIOLOGIA MOLECULAR NA
QUÍMICA FORENSE
As técnicas de identificação e análise de DNA foram as responsáveis
pelo avanço da ciência e tecnologia em nível forense na década de 80. Essas
técnicas demonstraram ser uma importante ferramenta na investigação
criminal. A Biologia Molecular é responsável pelo estudo da estrutura e da
função do material genético e também dos produtos gerados na expressão,
que são as proteínas.
O DNA pode ser utilizado na área forense e diversos aspectos, os
principais são:

• Para demonstrar a culpa de criminosos;


• Na exoneração dos inocentes;
• Na identificação de corpos e restos humanos em desastres;
• Na determinação de paternidade;
• Na elucidação de trocas de bebês em berçários;
• Na detecção de substituições e erros de rotulação em laboratórios
de patologia clínica;
• Na distinção de crimes isolados e crimes em série.

O DNA apresenta várias características que permitem que ele seja


utilizado na investigação criminal. As mais importantes são:

• Apresenta alta estabilidade;


• Apresenta alto potencial discriminatório;
• Está presente em todas as células nucleadas do organismo
humano, facilitando a obtenção do mesmo.
• É uma molécula resistente a fatores ambientais.

O DNA pode ser obtido de diversos espécimes biológicos, dentre eles,


amostras de sangue, ossos, sêmen, cabelos, dentes, unhas, saliva, urina e
etc., presentes em quaisquer tipos de substrato na cena do crime. As técnicas
de identificação baseadas no DNA são chamadas de DNA fingerprint ou perfil
de DNA. O perfil de DNA ou DNA fingerprint se baseia no fato de os únicos
indivíduos possuírem cópias idênticas do genoma, ou serem os gêmeos
univitelinos.
Dessa forma, no genoma humano ocorrem vários polimorfismos que
diferem os membros da população. Portanto, cada indivíduo é único. Assim, a
técnica utiliza esse padrão de variação na identificação. Esses polimorfismos
são também chamados de marcadores genéticos e são responsáveis pela
diferenciação dos indivíduos na população.
Dentre os marcadores genéticos mais utilizados, estão os seguintes:

a) VNTRs ou Minissatélites
VNTR significa “número variável de repetições em tandem”. Do inglês
variablenumberof tandem repeats são polimorfismos de DNA que consistem
em uma série de comprimento de repetições de fragmentos de DNA. Uma
região VNTR apresenta cerca de 500 a 100pb (pbpares de bases) repetidas em
sequências e apresentam grande importância nos processos de identificação
humana por exibirem um enorme número de alelos diferentes. A importância
justifica-se no fato de que seja provável que não existam dois indivíduos
aparentados com o mesmo genótipo.

b) STRs ou microssatélites
Do inglês short tandem repeats ou “repetições curtas em tandem” os
STRs ou microssatélites são polimorfismos de até 200pb que apresentam
grande importância na identificação humana por serem muito abundantes no
genoma humano.

c) Marcadores bialélicos
São exemplos de marcadores bialélicos:
• Os SNPs (polimorfismos de substituição de nucleotídeos únicos -
single nucleotidepolymorphisms);
• Os polimorfismos de inserção ou deleção de um ou mais
nucleotídeos (polimorfismos de inserção – deleção; ins/del).
Ambos apresentam a grande vantagem de poderem ser estudados em
produtos de amplificação muito curtos (50 pb ou menos) e, assim, apresentam
distintas vantagens sobre os microssatélites no estudo de DNA extremamente
degradado. Os ins/del são muito mais fáceis de serem tipados porque seus
alelos diferem somente no tamanho.
As principais técnicas moleculares utilizadas na identificação de DNA,
ou seja, na identificação dos polimorfismos acima descritos, são:

Eletroforese

A eletroforese é uma técnica por meio da qual é feita a separação das


moléculas do material genético em função da sua massa (tamanho), forma e
compactação. É uma técnica rápida, sensível e precisa.
O procedimento da eletroforese consiste na migração da molécula em
questão em suportes (géis) por ação de uma corrente elétrica, com diferentes
velocidades, dependendo do seu tamanho e forma. Quando submetidas a um
campo elétrico, as moléculas migram para o polo positivo, pois são carregadas
negativamente, e como força oposta à migração existe o atrito com o suporte
(gel).

FIGURA - ELETROFORESE

FONTE: SKOOG, 2004.


Moléculas maiores promovem maiores atritos com o gel e, portanto,
apresentam uma migração mais lenta. A visualização da migração é realizada
por meio da revelação do gel na presença de compostos intercalantes, como o
brometo de etídio.

FIGURA - PADRÕES DE BANDAS EM GEL REVELADO

FONTE: Disponível em: <http://www.ufla.br>.

Southern blotting

O Southern blotting é uma técnica que utiliza a capacidade de a


nitrocelulose ligar-se fortemente ao DNA fita simples, mas não à fita dupla.
Os passos do Southern blottingsão os seguintes:

1º Passo: Clivagem do DNA genômico com enzimas de restrição;


2º Passo: Realização da eletroforese com o DNA genômico total;
3º Passo: Conversão do DNA na sua forma simples pela ação do NaOH;
4º Passo: Transferência das moléculas do gel para a folha de
nitrocelulose por capilaridade;
5º Passo: Secagem a 80ºC.
6º Passo: Contato da membrana de nitrocelulose com uma sonda
(sequência de DNA conhecida) marcada radioativamente;
7º Passo: Hibridização da sonda à sequência alvo;
8º Passo: Remoção da sonda por lavagem;
9º Passo: Autorradiografia pela exposição a um filme de raio-X.

FIGURA - SOUTHERN BLOTTING

FONTE: SKOOG, 2004.

Reação em cadeia da polimerase (PCR)

A reação em cadeia da DNA-polimerase (do inglês Polimerase Chain


Reaction) é um método in vitro rápido e versátil para a amplificação de
sequências-alvo de DNA definidas, presentes em uma preparação de DNA. A
técnica de PCR promove a amplificação seletiva de uma determinada
sequência de DNA. Para que isso ocorra é necessário o contato entre o DNA
extraído previamente, os primers específicos para a sequência alvo, a DNA
polimerase termoestável e os quatro desoxirribonucleosídeos trifosfatos (dATP,
dCTP, dGTP e dTTP). Esses componentes são colocados em um
termociclador e após um tempo definido ocorre a produção de várias
sequências de DNA idênticas à sequência alvo.

FIGURA - TÉCNICA DE PCR

FONTE: SKOOG, 2004.

A técnica de PCR é uma técnica extremamente simples e de fácil


realização. Permite resultados em pouco tempo, o que garante a sua
preferência pelos pesquisadores, quando comparado ao tempo gasto com a
técnica Southern.
Vantagens da técnica de PCR:
• Velocidade e facilidade de utilização;
• Sensibilidade;
• Robustez;
• Possibilidade de análise de amostras degradadas.

A AMOSTRAGEM E COLETA DE MATERIAL

A identificação humana por meio da análise do material genético envolve


vários processos para que os resultados obtidos sejam fidedignos. O material
em questão deve ser coletado, manipulado e armazenado de forma a não
perder as suas características intrínsecas responsáveis pela identificação.
A coleta é uma etapa extremamente importante em uma investigação
criminal, portanto, deve ser feita por profissionais habilitados e sempre que
possível em até 24 horas após a ocorrência do delito em questão. As
condições adequadas de coleta de vestígios e indícios criminais dependem
também do material utilizado na coleta pelos profissionais.
Esse ponto é de extrema importância para garantir a qualidade da
amostra, ou seja, é responsável por impedir que ocorra qualquer tipo de
contaminação. Diante disso, é necessário que os profissionais da área
possuam um kit próprio de coleta, em que os principais materiais são:

• Maleta – destinada para transporte e armazenamento do material


de coleta;
• Swab e/ou Cotonete (algodão ou dracon) – utilizado na coleta de
material líquido ou em manchas secas. Pode ser utilizado cotonete comercial;
• Água destilada estéril – utilizada para umedecer o swab (ou
cotonete);
• Pinças – coleta de cabelo ou material sólido;
• Luvas descartáveis (de procedimento);
• Máscara cirúrgica;
• Touca cirúrgica;
• Envelopes – transporte e armazenamento das amostras;
• Seringas descartáveis – coleta de líquidos;
• Coletor universal – acondicionamento e transporte de amostras;
• Tubos plásticos – acondicionamento de transporte de amostras;
• Espátula descartável – para coleta de amostras sólidas;
• Estilete (com lâminas descartáveis) – efetuar cortes em tecidos,
couro, etc.;
• Bisturi (com lâminas descartáveis) – efetuar pequenos cortes e
raspagem de amostras secas;
• Tesoura – efetuar cortes em geral;
• Palito de cutícula – para coleta de amostras sob as unhas;
• Algodão hidrófilo;
• Fita adesiva – coleta de amostras;
• Papel (tipo ofício/A4) – coleta e acondicionamento de amostras;
• Isopor (pedaços) – fixar swab ou cotonetes para secar e
transportar;
• Sacos plásticos – transporte e armazenamento de amostras;
• Sacos de papel - transporte e armazenamento de amostras;
• Caixa para transporte de swab;
• Caixa de isopor pequena – transporte das amostras.

O método de coleta depende do estado e das condições da amostra. A


amostra deve ser representativa para que os resultados obtidos sejam
confiáveis. Cada tipo de material biológico exige um método de coleta
específico, daí a importância em se ter profissionais capacitados e material
adequado sempre em mãos.
Os tipos de coleta, portanto, estão relacionados aos tipos de materiais
biológicos. Abaixo serão descritos os métodos de coleta de acordo com cada
tipo de material biológico a ser analisado.
Coleta de Fluidos Corporais

Exemplos: Sangue, esperma, saliva, etc.

Os fluidos corporais em estado líquido, quando em pequenas


quantidades, devem ser coletados por meio de swab estéril. Já em grandes
quantidades devem ser utilizadas seringas descartáveis estéreis. Todo material
de coleta deve ser armazenado em condições adequadas para garantir a
qualidade da amostra. Em situações em que os fluidos corporais estiverem
secos, o procedimento de coleta vai depender do tamanho e do tipo de objeto
em questão. Quando os objetos forem pequenos e de fácil deslocamento, são
enviados inteiros para a análise; exemplos de fluidos encontrados em roupas e
objetos pessoais.
Já quando estiverem em grandes superfícies de metal, paredes e
móveis, devem ser retirados com o auxílio de espátulas e bisturis estéreis e
acondicionados em sacos plásticos estéreis. Muitas vezes, é necessária a
utilização de swab umedecido com água estéril para facilitar a remoção do
fluido. Todo procedimento é documentado, descrito e fotografado para fins da
investigação.

Coleta de Tecidos Ósseos

Exemplos: ossos e dentes.


Os tecidos duros funcionam como fonte de DNA. Todo material ósseo
coletado deve ser armazenado em locais estéreis e submetido a baixas
temperaturas, preferencialmente a -20ºC, para evitar o crescimento microbiano.
Se o congelamento não for possível, o material coletado deve ser armazenado
em local o mais fresco e seco possível para evitar a degradação do DNA.
Coleta de Tecidos Moles

Exemplos: Músculo, gordura, pele, unhas, fios de cabelo, etc.

As amostras devem ser coletadas utilizando-se de pinças estéreis, em


condições controladas, para evitar possível contaminação, e devem ser
armazenadas em condições que limitem a degradação do DNA. Quando
possível, as amostras devem ser submetidas ao congelamento (-20ºC a -80ºC).
Quando essa forma de armazenamento não for possível, as amostras devem
ser armazenadas em locais estéreis em solução de etanol 95% ou soluções
tamponantes comerciais.
A coleta de materiais biológicos deve sempre levar em conta as
questões de biossegurança, visando à proteção do profissional envolvido na
pesquisa e a garantia de resultados fidedignos.

ENTENDENDO O DNA

Em 25 de abril de 1953 foi anunciada uma das maiores descobertas e


que mudaria os rumos da ciência. O norte-americano James Watson e o inglês
Francis Crick desvendaram a estrutura do DNA (ácido desoxirribonucleico).
FIGURA - WATSON E CRICK
DEMONSTRANDO A ESTRUTURA DO DNA
(DUPLA HÉLICE)

FONTE: <http://www.tragodefilosofia.blogspot.com>.

O motivo de essa descoberta ser tão importante está relacionado aos


requisitos abaixo:
1) A estrutura em dupla hélice sugere como o material genético pode
determinar a estrutura das proteínas;
2) Se a sequência de bases do DNA especifica a sequência de
aminoácidos, então é possível uma mutação pela substituição de um tipo de
base por outro em uma ou mais posições;
3) O pareamento específico sugere um mecanismo de cópia para o
material genético.
Com a descoberta da estrutura do DNA e consequentemente o avanço
das técnicas relacionadas à análise e sequenciamento, inúmeras espécies
puderam ter seus genomas sequenciados, inclusive o homem. De acordo com
os estudos de sequenciamento, as informações genéticas humanas podem ser
encontradas em dois tipos de genoma, o genoma nuclear e o genoma
mitocondrial. Portanto, a espécie humana apresenta o DNA nuclear e o DNA
mitocondrial em suas células.
O genoma nuclear está armazenado no núcleo celular e o genoma
mitocondrial encontra-se nas mitocôndrias, organelas citoplasmáticas
responsáveis pela produção de energia.

FIGURA - CÉLULA ESQUEMÁTICA


HUMANA
FONTE: <http://www.webciencia.com>.

O DNA nuclear e o DNA mitocondrial apresentam várias diferenças,


como pode ser observado na Tabela.

TABELA- COMPARAÇÃO ENTRE O DNA NUCLEAR E O DNA


MITOCONDRIAL

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FONTE: Adaptado de BUTLER, 2005.

Neste capítulo serão diferenciados de forma aprofundada os dois tipos


de DNA presentes no genoma humano, demonstrando o papel específico de
cada um nas investigações criminais, ou seja, na prática forense.
O DNA NUCLEAR

O DNA nuclear está armazenado no núcleo das células, compondo os


22 pares de cromossomos autossômicos e um par de cromossomos sexuais –
X e Y. Portanto, toda célula somática humana apresenta um total de 46
cromossomos em sua constituição. Os pares de cromossomos apresentam
variação no tamanho. Dessa forma, cada cromossomo contém uma quantidade
variável de genes.
O genoma humano apresenta cerca de três bilhões de pares de bases e
apenas 1 a 2% desse total é codificado, correspondendo a aproximadamente
30.000 genes. A molécula de DNA é constituída de duas cadeias de
polinucleotídeos compostos por quatro tipos de nucleotídeos (Adenina,
Guanina, Citosina e Timina).

FIGURA - ESTRUTURA DA MOLÉCULA DE DNA

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FONTE: Disponível em: <http://www.webciencia.com>.


Cada uma destas cadeias é conhecida como uma fita de DNA. As duas
fitas de DNA são unidas por pontes de hidrogênio, dando origem à estrutura de
dupla-hélice tão conhecida.
O DNA nuclear pode ser classificado em três tipos:

DNA cópia única ou DNA não repetitivo


Representa apenas 50% do genoma, correspondente a uma cópia por
genoma. É o responsável pela codificação dos genes, que são sequências
ordenadas de nucleotídeos localizadas em posições particulares em um
cromossomo específico que codificam produtos funcionais específicos
(Proteínas e RNAs).
Os genes humanos são classificados em:

Genes de classe I

São os genes responsáveis pela codificação de rRNAs


(RNAsribossomais).

Genes de classe II

São os genes responsáveis pela codificação de mRNAs (RNA


mensageiro) e, consequentemente, proteínas.

Genes de classe III

Os genes de classe III são os responsáveis por codificarem o tRNA


(RNA transportador).

DNA moderadamente repetitivo


Representa 40% do genoma humano; correspondente a um intervalo de
100 a 100.000 cópias por genoma.

DNA altamente repetitivo

Representa em torno de 10% do genoma; correspondente a mais de


100.000 cópias por genoma. O DNA repetitivo não é codificado e pode ser
representado por sequências curtas ou similares. Essas sequências são
encontradas de duas formas:

a) Sequências em tandem (agrupadas)

Exemplos: DNA satélite; microssatélite e minissatélite.


O DNA satélite é uma porção do DNA que se diferencia do restante do
genoma pela composição de bases, apresentando alto conteúdo GC. Existem
vários satélites no genoma humano em diferentes cromossomos, sendo o
principal denominado de alfa ou alfoide.
O DNA satélite pode ser classificado em: minissatélite (VNTRs),
sequências de 5 a 50 pb; e em microssatélites (STRs), sequências de 1 a 4 pb.
E é por meio dessa variação que se torna possível a identificação humana, já
que cada indivíduo apresenta um padrão diferente em seu genoma dessas
repetições.

b) Sequências dispersas

Exemplo: SINEs e LINEs

De acordo com estudos, acreditam que esses tipos de sequências são


originados de genes que perderam sua funcionalidade ou de RNAs que
mantiveram sua capacidade de duplicação e de movimentação pelo genoma.
Exemplos de sequências dispersas são os SINEs (Short Interspersed Nuclear
Elementes), que representam sequências curtas e os LINEs (LongInterspersed
Nuclear Elements), que representam sequências maiores.
O número de cópias dessas sequências no genoma varia, no caso dos
SINEs, correspondem a 7% do genoma. O DNA repetitivo é largamente
utilizado na investigação forense. Os STRs tornaram-se os marcadores
genéticos mais usados devido às seguintes características:

• Abundância no genoma humano;


• Elevado poder discriminativo;
• Robustez e especificidade em multiplex;
• Baixa taxa de mutação;
• Tamanho previsível dos fragmentos de amplificação, na ordem dos
90-500 pb;
• Estudo fácil mediante técnicas de PCR.

Há no mercado diversos kits (multiplex) capazes de genotiparem essas


regiões. No cromossomo Y, apenas a mutação é a causa da diversificação dos
haplotipos de STRs. A principal característica do cromossomo Y é ser exclusiva
de indivíduos do sexo masculino, sendo que a maioria dos crimes mais graves
e violentos é cometida por homens. Em casos de mistura de fluidos corporais
de ambos os sexos, como é o caso das agressões sexuais, a tipagem do
cromossomo Y pode fornecer informação específica da componente masculina.
Há também o interesse na investigação de SNPs (polimorfismos de
nucleótidos únicos) autossômicos por apresentarem, também, uma baixa taxa
de mutação, serem adequados para a introdução de novas tecnologias e
automatização e poderem ser analisados a partir de fragmentos muito
pequenos, ideal para amostras que apresentem o DNA muito degradado. A
grande limitação do uso destes polimorfismos é o fato de ser necessário um
maior número de SNPs, comparativamente aos STRs, para que se consiga um
poder discriminativo semelhante.
O DNA MITOCONDRIAL

A mitocôndria é uma organela presente no citoplasma das células


eucarióticas, responsável pela produção de energia. A produção de energia
ocorre na forma de ATP por meio de um processo chamado de fosforilação
oxidativa. As mitocôndrias apresentam DNA próprio, sendo caracterizado por
apresentar pequena dimensão e ser uma molécula circular de fita dupla. A
distribuição assimétrica de guaninas e citosinas faz com que haja uma cadeia
leve (light chain), constituída maioritariamente por citosinas e uma cadeia
pesada (heavy chain), extremamente rica em guaninas.

FIGURA - MOLÉCULA DE DNA MITOCONDRIAL

FONTE: <http://www.webciencia.com>.

O DNA mitocondrial é constituído por:

a) Região codificante
A região codificante é constituída por 37 genes. Treze desses genes
estão envolvidos na fosforilação oxidativa, 22 são responsáveis por codificarem
tRNAs e dois são responsáveis pela codificação de rRNAs.

b) Região controle ou D-loop

A região controle é também chamada de D-loop ou região hipervariável.


Essa dominação de D-loop está relacionada à fase inicial de replicação,
quando a nova fita recémsintetizada se solta da fita molde formando uma
“bolha” ou “loop”. Essa região é considerada hipervariável, pois acumula
mutações pontuais cerca de dez vezes mais comuns que o DNA nuclear.
Exemplos são as regiões hipervariáveis já descritas em estudos, como: HV1,
HV 2 e HV3. A região controle é a responsável por comandara síntese de RNA
e DNA.
O DNA mitocondrial (mtDNA) possui características genéticas únicas
que o tornam instrumento de grande importância no contexto das investigações
forenses. Dentre as características mais importantes estão:

Hereditariedade materna

O genoma mitocondrial é um genoma haploide, devido ao fato de ter


sido provado cientificamente que o seu DNA apresenta herança
exclusivamente materna. Isso ocorre devido a um mecanismo durante a
fecundação de seletividade de mitocôndrias. Dessa forma, a mãe transmite
para o filho o seu genoma mitocondrial, o que faz com que a descendência da
linha materna tenha sempre o mesmo genoma.
Diante dessa característica de hereditariedade uniparental é possível a
realização de reconstruções de linhas evolutivas por meio do tempo, sem que
haja interferência dos efeitos da hereditariedade biparental e da inerente
recombinação existente no DNA nuclear.
Ausência de recombinação

Outra característica específica do mtDNA é a ausência de


recombinação. Não há evidências da contribuição paterna para o genoma
mitocondrial. Diante disso, o mtDNA é essencialmente constituído por cópias
clonais do genoma mitocondrial materno, comportando-se como um único
locus.

Elevado número de cópias

O mtDNA está presente nas células em um elevado número de cópias,


podendo variar de acordo com o tipo de célula e tecido.

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