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C.S.B.Matosinhos., Rev. Bras. Crimin.

0(0), 0-0, 2000

v. 0, n. 0, p. 0-0, 2000
ISSN 2237-9223

DOI:

O papel da hematologia forense como agente colaborador nas


investigações periciais
C.S.B. Matosinhos a, *
a
Centro Universitário Metodista Izabela Hendrix, Minas Gerais (BH), Brasil

*Endereço de e-mail para correspondência: cristianbraz@outlook.com.br. Tel.: +55-31-986229798.

Resumo

Nos últimos anos a hematologia forense tornou-se um poderoso elemento nas investigações periciais. Diversas técnicas para detecção
de sangue são utilizadas nas investigações forenses como, por exemplo, o teste de Takayama, Kastle-Meyer e o luminol, sendo
cruciais na elucidação de crimes. Este estudo tem por objetivo detalhar as principais técnicas da hematologia forense utilizada nas
investigações. Para isso, foi realizada uma revisão de literatura sobre essas técnicas descritas. Devido aos diversos avanços
tecnológicos e os contínuos aprimoramentos das técnicas, observou-se uma grande ascendência dessa área, sendo cada vez mais
utilizada nas soluções de casos. Isso demonstra a enorme importância de trabalhos dentro deste contexto, visto que aprimoram o
desenvolvimento e a difusão de conhecimentos acerca da Hematologia forense.
Palavras-Chave: Perícia Criminal; Sangue; Hematologia forense; Testes de presunção; Tipagem sanguínea

Abstract

Forensic hematology has become a powerful element in criminal investigations in recent years. Several techniques for detecting
blood are used in forensic investigations, such as the Takayama test, Kastle-Meyer, and luminol, being crucial in the elucidation of
crimes. This study aims to detail the main techniques used in forensic hematology investigations. Therefore, literature was review
describing these techniques. Due to the various technological advances and the continuous improvement of techniques, there has
been a great ascendancy in this area, being increasingly used in case solutions. This demonstrates the enormous importance of works
in this context, as they improve the development and dissemination of forensic hematology knowledge.
Keywords: Forensic expertise; Blood; Forensic hematology; Presumptions tests; Blood typing

1. INTRODUÇÃO hematologia forense. Informações valiosas podem ser


obtidas em apenas uma única gota de sangue, podendo ser
A perícia criminal é um importante instrumento na crucial nas investigações periciais. Analisando a
elucidação de crimes ou acidentes que envolvem morte. composição química e suas características morfológicas, é
Através de estratégias técnico-científicas é possível possível revelar o DNA dos envolvidos, características do
identificar, com relativa precisão, se uma pessoa esteve ou agressor como altura, força utilizada na agressão e ainda
não na cena de crime a partir de uma simples impressão determinar o local da agressão a partir dos padrões de
digital ou através de vestígios biológicos deixados na cena manchas observados [1].
[1]. O objetivo deste trabalho foi descrever e detalhar,
A sorologia forense é o estudo individualizado de através de uma revisão bibliográfica, as principais
diversos fluidos corpóreos, como sangue, sêmen, saliva, técnicas de hematologia forense utilizada nas
urina, vômito e matéria fecal, encontrados em cenas de investigações periciais.
crime, estabelecendo relação direta, seja com a vítima ou
com o criminoso e possuindo relativa importância na
resolução de casos [2].
A ciência que está por trás de coletar, analisar, e
relacionar o sangue a casos criminais é denominada

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2. METODOLOGIA e apresentam como principal função a geração da resposta


imune no ser humano. Já os trombócitos, também
A metodologia de pesquisa adotada para o denominados de plaquetas, são pequenos fragmentos
desenvolvimento do trabalho consiste em uma revisão anucleados em forma de disco, derivados de uma célula
bibliográfica através de artigos científicos publicados em chamada megacariócito e são responsáveis pela
periódicos nacionais e internacionais, utilizando as coagulação do sangue [6].
plataformas como Scielo, Google acadêmico, PubMed e As hemácias possuem em sua superfície uma
Revista Brasileira de Criminalística. importante proteína de membrana denominada antígeno.
Esses antígenos são responsáveis pelo fenômeno da
3. HEMATOLOGIA FORENSE fenotipagem sanguínea [7]. Em 1937 cientistas
descobriram mais de 100 antígenos e cerca de 23 tipos
3.1. Coleta de material biológico sanguíneos [8]. Com os avanços da ciência, em 2014 a
sociedade internacional de transfusão de sangue
Atualmente a identificação humana por DNA forense reconheceu a presença de 33 antígenos [9]. Alguns desses
é aceita em processos judiciais no mundo todo, sendo antígenos são bastante raros, sendo assim a tipagem
possível através da coleta correta dos materiais biológicos sanguínea mais comum utilizada hoje em dia é o sistema
a identificação da vítima ou do autor do crime, por meio ABO, o qual foi descoberto por Lendsteiner em 1900. O
da comparação de perfis genéticos ou marcadores sistema ABO é formado pelo antígeno A, pelo antígeno B
baseados em DNA [3]. São necessários critérios rigorosos e seus respectivos anticorpos. E através desse sistema
para a coleta dos materiais, visto que diversos fatores conseguimos definir 4 tipos sanguíneos (A, B, AB, O)
podem influenciar diretamente na qualidade da amostra [10].
como, por exemplo, quantidade reduzida da amostra,
degradação, exposição prolongada ao meio ambiente e
contaminação bacteriana. Esses materiais são
considerados evidências físicas e podem de forma
independente e objetiva, estabelecer o nexo causal de um
suspeito/vítima à cena de um crime, contestar um álibi, ou Sangue tipo A Sangue tipo B
direcionar para outra linha de investigação, alguns casos
podendo refutar testemunhas oculares ou não confiáveis.
A coleta de sangue deve ser realizada de forma criteriosa,
seguindo procedimentos importantes para a preservação
da amostra e do profissional, como por exemplo, o uso de
vestimenta adequada, luvas descartáveis, registro do
Sangue tipo O Sangue tipo AB
material coletado e embalagem correta de
armazenamento. [4] Figura 1: Tipos de sangue definidos no sistema ABO. [10]

3.2. Sangue Os tipos sanguíneos não possuem a capacidade de


serem usados como provas para determinar um culpado,
O sangue é uma das partes mais importantes no visto que diversas pessoas possuem o mesmo tipo
sistema de transporte do corpo humano, possuindo como sanguíneo. Entretanto, através da tipagem sanguínea é
função a distribuição de nutrientes, oxigênio e hormônios possível inocentar um suspeito, caso ele possua uma
para todo o corpo. É composto por elementos tipagem diferente da amostra encontrada na cena de crime
corpusculares suspensos em um líquido amarelo claro [8].
denominado plasma. O plasma representa cerca de 55% 3.3. Testes de Presunção
do volume sanguíneo, sendo 90% da sua composição
água e os outros 10% são compostos por proteínas, Nas cenas de crime, o sangue fresco pode ser
nutrientes, gases e produtos residuais formados durante o facilmente identificado pelo perito responsável, porém
metabolismo [5]. caso o sangue esteja seco ou não esteja visível, sua
Os elementos figurados são formados por eritrócitos, identificação não é tão fácil assim. Nestes casos o perito
leucócitos e trombócitos. Os eritrócitos, são células criminal pode conduzir os testes de presunção e assegurar
anucleadas, com o formato de disco bicôncavo e sua que a amostra coletada é realmente sangue. Os principais
principal função é o transporte de oxigênio através da sua métodos químicos utilizados para a identificação de
ligação a molécula de hemoglobina. Os leucócitos, ou sangue são os testes de cristais, baseados na habilidade da
glóbulos brancos, são células nucleadas um pouco molécula heme em reagir com reagentes e os testes
maiores do que as hemácias, porém são menos numerosas

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catalíticos, que se baseiam na propriedade catalítica da que oxida o substrato presente, gerando uma mudança de
molécula heme em quebrar o peroxido de hidrogênio [11]. cor ou fluorescência. Os substratos mais utilizados são a
fenolftaleína (reagente de Kastle-Meyer), luminol (3-
3.3.1Cristais aminoftalhidrazida), ortotoluidina e verde malaquita. No
passado era comum o uso da benzidina (reagente de
O princípio básico do teste de cristais vem da Adler-Ascarelli), porém caiu em desuso já que a
capacidade das moléculas heme presentes nas hemácias benzidina possui capacidades cancerígenas [12].
em reagir com certas substâncias formando derivados da
hemoglobina como cristais de hematina, hemina e 3.3.2.1 Fenolftaleína (teste de Kastle-Meyer)
hemocromogênio observados ao microscópio óptico.
Teichmann, em 1853, foi o primeiro a produzir cristais de O teste de Kastle-Meyer é um dos testes mais
hemina e a partir disso o teste de cristais começou a ser utilizados na detecção de sangue, sendo um teste rápido e
comumente utilizado na identificação de sangue. Porém, eficaz na sua detecção. Este teste requer duas soluções
esse teste não era muito eficaz, já que quando a amostra para a identificação de sangue. A primeira solução é de
era submetida a altas temperaturas, gordura, ou ferrugem peróxido de hidrogênio de vinte volumes. A segunda
ocorria alguma alteração na composição do sangue, o solução é composta por fenolftaleína, hidróxido de
teste não era bem-sucedido. Sendo assim, isso deu potássio e água destilada. O teste se baseia na mudança de
margem para pesquisadores estudarem melhor o método cor da amostra devido a uma oxidação catalisada pela
de Teichmann, e em 1909, Donogany e Burker hemoglobina. Em uma amostra de sangue, a hemoglobina
descobriram que a piridina poderia ser usada para a irá decompor o peróxido de hidrogênio em água e
produção de cristais de hemocromogênio para a detecção oxigênio. O oxigênio liberado irá oxidar a fenolftaleína
de sangue [10]. promovendo a mudança de cor, deixando a amostra em
A piridina quando utilizada sozinha apresentava um tom rosa, evidenciando ao perito a presença de
resultados falso negativo. Pensando nisso, em 1912, sangue.
Takayama desenvolveu uma solução contendo 10% de
hidróxido de sódio, piridina, solução saturada de dextrose
e água destilada, que quando submetida a uma amostra
que continha moléculas heme e ao calor, formam cristais
de piridina ferroprotoporfirina de cor rosada. A forma
desses cristais varia de acordo com o quão fresco é a
amostra, mas comumente apresentam formato de bastão
ou pena e agrupam-se em feixes, podendo também
aparecer em forma de agulha, quando submetido a
amostras de sangue já decomposto. Esta técnica é
conhecida até hoje como método de Takayama. [11].

Figura 3: Resultado positivo do teste de Kastle-Meyer. [1]

3.3.3.2 Luminol

O luminol é um teste de quimiluminescência muito


utilizado em laboratórios forenses, e se baseia na
oxidação do reagente luminol, que ao oxidar forma íons
de aminoftalato em um estado excitado, que emite luz
quando o elétron retorna ao estado fundamental. A reação
é muito rápida e requer escuridão total para a observação
da luminescência [13].
Quando se trata de locais onde o sangue não está
Figura 2: Cristais de hemocromogênio em formato de bastão. [11] visível, pois a cena de crime pode ter sido limpa, utiliza-
se o luminol. A vantagem da utilização desse reagente é
3.3.2 Catalíticos que ele é capaz de reagir com quantidades ínfimas de
sangue, mesmo que já tenha se passado longos períodos,
Os testes catalíticos são baseados na atividade além de fornecer um rápido resultado. A sensibilidade do
catalítica do grupo heme da hemoglobina. A quebra do teste pode chegar a 1/1.000.000.000 [11].
peróxido de hidrogênio produz uma espécie de oxidante

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Assim como em outros testes catalíticos, o luminol avanços nas técnicas hematológicas, contribuindo
não pode ser considerado específico para sangue, já que o consideravelmente na elucidação de casos periciais, já que
seu resultado pode dar positivo ao reagir com enzimas através do seu uso correto por um profissional experiente,
vegetais, agentes oxidantes e metais. Cabe a um usuário é possível identificar se a amostra obtida é ou não sangue.
experiente de luminol distinguir essas reações daquelas Além de conseguir visualizar possíveis manchas de
dadas pelo sangue, uma vez que existe diferença no brilho sangue em locais onde houve limpeza, podendo assim
e na duração da quimiluminescência da amostra [14]. estabelecer de forma independente e objetiva a identidade
Em um estudo realizado por Sergio Quispe (2014), da vítima e a ligação do suspeito com o caso.
onde o luminol foi aplicado em diferentes amostras,
como, papelão, roupas de algodão, madeira, metal, entre AGRADECIMENTOS
outros (Fig. 4, 5 e 6) demonstraram a eficácia do luminol
na detecção de manchas de sangue e a sua colaboração Eu gostaria de expressar a minha gratidão aos meus
para as investigações forense. Atualmente, estão professores, meu orientador Dr. Hudson Andrade, meus
disponíveis no mercado kits com a solução do luminol amigos, minha namorada e a todos que me ajudaram em
pronta, facilitando os profissionais na revelação das todo esse processo.
manchas de sangue [15].
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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[2] Pokupcic, K. Blood as an Important Tool in Criminal
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Figura 4: A esquerda é a amostra de papel carbono com manchas de 3. (2017).
sangue humano de 6 anos atrás vista a luz natural. A direita é a [3] Sousa J. M.; Queiroz P. R. M.; Coleta e preservação
observação em ambiente escuro da reação de quimiluminescência logo
de vestígios biológicos para análises criminais por DNA
após a aplicação do luminol. [15]
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Naturwissenschaften. (5):181-8. (1997).
Figura 5: A esquerda é um calçado esportivo com manchas de sangue [8] Harbison, C.; ABO Blood Type Identification and
humanas e que foi submetido a 3 lavagens com detergente. A direita o Forensic Science (1900-1960); Embryo Project
mesmo calçado em ambiente escuro logo após a aplicação do luminol.
Encyclopedia. (2016).
[15]
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as an analytical tool in forensic science. IJSREM Journal.
(2021).
[11] Ventura R. M.; Silva D. A. N. D.; Vanzeler V. N.
Figura 6: A esquerda é uma serra metálica com manchas de sangue
Hematologia Forense: Teste de Sensibilidade e
humano, logo após ser exposta a diversos produtos de limpeza por 4 Especificidade do Método de Takayama. Atas de Ciências
meses. A direita é a mesma serra logo após a aplicação do reagente da Saúde, 3(4), (2016).
luminol. [15] [12] Henry C. Lee.; Identification and grouping of
bloodstain, University of New haven connecticut
4. CONCLUSÕES state police.
[13] ALMEIDA, J. P.; Influência dos testes de triagem
De acordo com a pesquisa realizada, verificou-se que para detecção de sangue nos exames imunológicos e de
ao longo do tempo a hematologia forense obteve diversos genética forense. Dissertação de Mestrado. Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul. 2009.

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sangre mediante la Prueba de Luminol en la investigación
forense. Rev.Cs.Farm. y Bioq, La Paz, v. 2, n. 1, p. 83-91,
2014. Disponible en
<http://www.scielo.org.bo/scielo.php?
script=sci_arttext&pid=S2310-
02652014000100010&lng=es&nrm=iso>. acesso em: 23
nov. 2022.

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