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PERÍCIA FORENSE:

GENÉTICA FORENSE

autores
CÉSAR CARRIÇO
REBECCA LEAL CAETANO
ZENEIDA TEIXEIRA PINTO

1ª edição
SESES
rio de janeiro  2019
Conselho editorial  roberto paes e gisele lima

Autores do original  zeneida teixeira pinto, rebecca leal caetano e césar carriço

Projeto editorial  roberto paes

Coordenação de produção  andré lage, luís salgueiro e luana barbosa da silva

Projeto gráfico  paulo vitor bastos

Diagramação  bfs media

Revisão linguística  bfs media

Revisão de conteúdo  angela barral bouzas e andre de lima brito

Imagem de capa  matej kastelic | shutterstock.com

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida
por quaisquer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em
qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Editora. Copyright seses, 2019.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip)

C318p Carriço, César


Perícia forense: genética forense / César Carriço; Rebecca Leal
Caetano; Zeneida Teixeira Pinto.
Rio de Janeiro: SESES, 2019.
120 p: il.

isbn: 978-85-5548-710-1.

1. DNA Forense. 2. Investigação Criminal. 3. Identificação Humana.


4. Perfil Genético. I. Caetano, Rebecca Leal. II. Pinto, Zeneida Teixeira.
III. SESES. IV. Estácio. cdd 341.272

Diretoria de Ensino – Fábrica de Conhecimento


Av. das Américas, 4.200 – Barra da Tijuca
Campus Tom Jobim – Rio de Janeiro – RJ – CEP: 22640-102
Sumário
Prefácio 5

1. Introdução à Genética e Biologia Molecular 7


Conceitos básicos em Genética 9

Leis mendelianas 13
Experimentos de Mendel 13
Primeira Lei de Mendel 14
Segunda Lei de Mendel 15

Estrutura do DNA, dos cromossomos e genes 16

2. História do desenvolvimento da
Genética Forense 27
História do desenvolvimento da Genética Forense 29

3. Evidências biológicas em locais de crimes 51


Evidências biológicas em locais de crimes 52
Cadeia de custódia 53
Coleta e preservação de vestígios 56
Coleta de amostras 66
Extração e quantificação de DNA 69

4. Enzimas de restrição e DNA fingerprint 77


Enzimas de restrição e DNA fingerprint 78

Polimorfismos genéticos: VNTRs, STRs e SNPs 79


VNTRs (Variable Number of Tandem Repeats) 79
STRs (Short Tandem Repeats) 80
SNPs (Single Nucleotide Polymorphisms) 82

Marcadores genéticos usados na genética forense 82


Reação em cadeia da polimerase (PCR) – princípios gerais e
tipos de PCR 85

Análise de polimorfismos genéticos – eletroforese capilar 91

Análise de marcadores uniparentais – DNA mitocondrial e


STRs do cromossomo Y 94

5. Banco de dados de perfis genéticos 99


Banco de dados de perfis genéticos 101

Métodos estatísticos aplicados à genética forense 105


Teorema de Hardy-Weinberg 105
Quadro de Punnett aplicado ao teorema de Hardy-Weinberg 108
Aplicação do teorema de Hardy-Weinberg nos cálculos forenses 109

Estudo de caso em genética forense 114


Prefácio

Prezados(as) alunos(as),

A genética é a área da ciência forense que teve grande evolução, com um


substancial crescimento dos seus domínios de intervenção e um notável aumen-
to dos conhecimentos que integram os seus diversos ramos. Ela utiliza o DNA
para apoiar e auxiliar a justiça a desvendar casos sob investigação policial ou do
Ministério Público. Essa área científica se destina a investigar crimes de ordem bio-
lógica (análises de manchas de sangue encontradas em locais dos crimes, de sêmen
deixados nas vítimas de crimes sexuais, de pelos ou cabelos suspeitos de crimino-
sos); identificação biológica de parentesco (paternidade) e identificação genética.
O uso da identificação genética pelo DNA é uma técnica superior a todas
as técnicas preexistentes, inclusive às impressões digitais. O DNA pode ser en-
contrado em todos os fluidos e tecidos biológicos humanos. Os estudos dos seus
polimorfismos (regiões do genoma que existem variações entre pessoas sadias),
permitem construir um perfil genético do indivíduo específico. Os diferentes tipos
de polimorfismos genéticos existentes, bem como as técnicas, as metodologias e
os equipamentos a serviço da comunidade científica permitem uma variedade de
resultados. É uma ciência com características muito particulares e importantes
para a justiça.
É mediante a obtenção de perfis genéticos de um indivíduo ou indivíduos e de
perfis genéticos obtidos a partir de amostra ou amostras problema, e, sobretudo,
mediante a análise e estudo comparativo de todos os perfis, que resultará o relató-
rio pericial de genética forense.
A Genética Forense é uma área de extrema importância no apoio à justiça,
pois é formada por múltiplas especificidades que devem ser apreendidas e percebi-
das por aqueles que vão interpretar os relatórios periciais.
Nesse contexto, a presente obra, Intitulada Perícia Forense – Genética
Forense traz informações sobre os principais tópicos referentes a essa área do co-
nhecimento, bem como sua importância dentro do processo investigativo e pro-
dução de prova, mostrando uma série de tópicos importantes para uma investiga-
ção judicial.
Os autores desejam a todos uma excelente leitura e que este livro contribua
para que a Genética Forense seja mais facilmente compreendida.

Bons estudos!

5
1
Introdução à
Genética e Biologia
Molecular
Introdução à Genética e Biologia Molecular
A Genética é um ramo da área das Ciências Biológicas, que cresceu de ma-
neira exponencial devido ao método científico, tornando-se indispensável em
praticamente todas as pesquisas científicas, como as investigações forenses.
Procedimentos tecnológicos modificados e novos permitiram o domínio de técni-
cas como: testes de paternidade, sequenciamento do genoma humano e de outras
espécies, clonagem e várias outras. Isso só foi possível devido à associação entre
ciência e tecnologias.
Os primeiros estudiosos em genética tinham a preocupação em saber como
determinadas características poderiam ser transmitidas dos progenitores para a
próxima geração, por exemplo, a cor dos olhos. O nobre Imre Festetics foi o pri-
meiro que utilizou a terminologia genética em seu livro e descreveu algumas regras
sobre os princípios básicos da mutação e herança genética.
©© WIKIMEDIA.ORG

Figura 1.1  –  Gregor


Mendel (1822-1884).

Em meados do século passado, o monge Gregor Mendel (figura 1.1) fez o seu
aporte à ciência moderna, realizando experimentos de cruzamentos entre linhagens
de ervilhas, demonstrando que a hereditariedade ocorria de maneira previsível por
meio de “fatores” distintos, que eram transmitidos dos progenitores para a prole
durante a reprodução.
No ano 1900, Hugo de Vries, na Holanda, Carl Correns na Alemanha, e
Erich Von Tschermak, na Áustria tiveram a oportunidade de conhecer o trabalho
de Gregor Mendel. Em busca de dados que apoiassem suas próprias teorias sobre
hereditariedade, cada um deles descobriu que a análise detalhada que haviam feito

capítulo 1 •8
e as conclusões essenciais a que haviam chegado já tinham sido apresentadas mui-
to antes por Mendel. As ideias de Mendel foram sendo cada vez mais divulgadas
na comunidade científica, permitindo criar as bases da ciência que hoje conhece-
mos como Genética.
Em 1909 W. Johannsen propôs o termo “gene” para substituir a palavra “fa-
tores” proposta por Mendel, caindo em uso comum. Em 1930, devido ao reco-
nhecimento dos genes como entidades físicas e entendendo-se que poderiam ser
estudados por métodos biofísicos e bioquímicos, surgiu um novo ramo na genéti-
ca, chamado de Biologia Molecular.

OBJETIVOS
•  Conhecer algumas das ideias pré-mendelianas para explicar a hereditariedade;
•  Compreender que a Genética é uma ciência essencialmente experimental que deve seu
rápido avanço à utilização de procedimentos científicos;
•  Reconhecer o contexto histórico em que se deu a descoberta e a redescoberta das leis
fundamentais da hereditariedade;
•  Compreender os experimentos que levaram Gregor Mendel a formular a 1a e a 2a leis
de Mendel;
•  Compreender a construção da teoria cromossômica da herança.

Conceitos básicos em Genética

Genética é o termo usado para indicar estudos em hereditariedade. Entender


alguns conceitos básicos nessa área é importante para o estudo mais aprofundado
dessa parte da Biologia que explica como os genes são transmitidos. Dessa forma,
segue uma lista dos principais termos que devem ser compreendidos por você para
um maior entendimento da Genética.
•  Conceitos de fenótipo e genótipo: geneticistas usam o termo fenótipo (do
grego phenos, “evidente”, e typos, “características”) para se referir às características
observáveis de um ser vivo, sejam elas físicas, bioquímicas ou comportamentais.
Já o termo genótipo (do grego genos, “origem”, e typos, “característica”), por sua
vez, designa o conjunto de genes de um indivíduo. Quando observamos a cor da
flor de uma espécie de planta ou o tipo sanguíneo de uma pessoa, estamos nos

capítulo 1 •9
referindo ao fenótipo. Quando referimos à constituição genética de uma planta
para ter flores de determinada cor ou os genes responsáveis pelo tipo sanguíneo de
uma pessoa, estamos falando de genótipo.
•  Alelos: são as formas alternativas de um gene. Para polimorfismos de se-
quência, os alelos se referem ao nucleotídeo específico adenina (A), timina (T),
guanina (G) e citosina (C) encontradas em determinada posição no cromossomo.
Para polimorfismos de inserção-deleção, dois alelos são possíveis, o alelo maior (L)
e o alelo menor (S).
•  Amplificação: em biologia molecular, é a produção de múltiplas cópias de
uma sequência de DNA.
•  Autossomo: nas células humanas estão presentes 46 cromossomos. Há 22
pares de autossomos, que são herdados dos dois genitores. Os outros dois cromos-
somos (44 + 2 = 46), ditos sexuais, são o cromossomo X e o cromossomo Y.
•  Células diploides: são aquelas cujos cromossomos se organizam em pa-
res de cromossomos homólogos (2n), e assim, para cada característica existem
pelo menos dois genes, estando cada um dos genes localizado em um cromosso-
mo homólogo.
•  Células haploides: é o número de cromossomos característico das células
germinativas (gametas) e é representado por n. No caso da espécie humana, n
corresponde a 23 cromossomos.
•  Códon de término (stop códon): um dos três códons (UAG, UAA e UGA)
que termina a síntese de um polipeptídeo. Também chamado de códon finalizador.
•  Cromátides-irmãs: cada um dos filamentos de um cromossomo duplicado
é uma cromátide-irmã. O ponto em que as cromátides-irmãs estão unidas é o
centrômero.
•  Cromossomo: estrutura encontrada nos núcleos das células constituídas
de DNA condensado em associação com proteínas. O genoma humano consiste
de um conjunto de 23 cromossomos. Cada um de nós herdou um conjunto do
pai e outro da mãe. Cada cromossomo contém uma única molécula de DNA – os
segmentos deste DNA são os genes.
•  Cromossomos homólogos: um par de cromossomos: um herdado do pai,
o outro herdado da mãe, que formam par durante a meiose I, sofrem crossing-over
e separam-se na anáfase I da meiose. Os cromossomos homólogos em geral têm
tamanhos e formas similares quando vistos ao microscópio e contêm os mesmos
locus, exceto pelos dois cromossomos sexuais nos homens (X e Y), que são apenas
parcialmente homólogos.

capítulo 1 • 10
•  Crossing-over: a troca recíproca de segmentos entre cromátides de cromos-
somos homólogos, uma característica da prófase da primeira divisão meiótica. O
crossing-over desigual entre cromátides mal alinhadas pode levar à duplicação do
segmento envolvido em uma cromátide e à deleção no outro e é causa frequente
de mutação.
•  DNA: ácido desoxirribonucleico. O DNA (deoxyribonucleic acid) é a molécula
que armazena a informação genética e consiste de duas cadeias de nucleotídeos uni-
das pela interação das bases complementares adenina e timina e citosina e guanina.
•  DNA mitocondrial (DNAmt): um DNA circular localizado na mitocôn-
dria que contém informação genética diferente daquela encontrada no DNA nu-
clear. Cada mitocôndria contém múltiplas cópias deste pequeno DNA que tem
apenas 16.569 pares de base de comprimento.
•  DNA polimerase: enzima que pode sintetizar um novo filamento de DNA,
usando um filamento de DNA previamente sintetizado como molde.
•  Dominante: uma característica é dominante se for fenotipicamente expres-
sa nos heterozigotos (Aa) e nos homozigotos (AA).
•  Éxon: segmento de DNA de um gene que representa o código para a for-
mação das proteínas. Esse código é transportado pelo RNA mensageiro.
•  Fator de transcrição: uma grande classe de proteínas que regula a transcri-
ção e forma grandes complexos com outros fatores de transcrição e RNA polime-
rase. Estes complexos então se ligam a regiões regulatórias de genes para promover
ou inibir a transcrição.
•  Fenocópia: imitação de um fenótipo que geralmente é determinada por um
genótipo específico, produzida pela interação de algum fator ambiental com um
genótipo normal.
•  Fenótipo: características bioquímicas, fisiológicas e morfológicas observa-
das de um indivíduo, determinadas por seu genótipo e pelo ambiente no qual se
expressa.
•  Filamento codificante: na dupla-hélice de DNA, o filamento que tem o
mesmo sentido 5' – 3' (e sequência, exceto no RNAm que U substitui T) que
o RNAm. O filamento codificante é o filamento que não é transcrito pela RNA
polimerase. Também chamado de filamento com sentido.
•  Filamento não codificante: o filamento de DNA não codificante, que é
complementar ao RNAm e serve como molde para a síntese do RNA, também é
chamado de filamento transcrito.

capítulo 1 • 11
•  Genes homólogos: referem-se a genes em uma única espécie, ou em espé-
cies diferentes, que têm sequências de DNA similares, com funções bioquímicas
correlatas e que surgiram de um gene ancestral comum. Os genes ortólogos e pa-
rólogos são tipos de genes homólogos, mas seu significado é mais restrito.
•  Genoma: o DNA em um conjunto haploide (23 cromossomos) humano.
Uma célula humana contém dois genomas: um paterno e um materno.
•  Genótipo: a constituição genética de uma pessoa, mais especificamente a
combinação dos alelos de um locus em um dado indivíduo (A1A1, A1A2, A2A2),
ou dos alelos de vários loci (A1A1B1B2).
•  Locus gênico (loco): local, no cromossomo, onde se encontra o gene.
•  Nucleotídeo: subunidades informacionais que, quando unidas em cadeia,
constituem o DNA. Existem quatro subunidades diferentes: adenina (A), guanina
(G), timina (T) e citosina (C). A adenina e a timina se pareiam especificamen-
te, assim como a guanina e a citosina. Os nucleotídeos também são chamados
de bases.
•  Par de bases (pb): um par de bases nucleotídicas complementares, como
na dupla-hélice do DNA. Usado como unidade de medida do tamanho de uma
sequência de DNA.
•  Pirimidina: um tipo de nucleotídeo ou base que faz parte da molécula de
DNA. As pirimidinas são a citosina (C) e a timina (T).
•  Polimorfismo: a ocorrência conjunta em uma população de dois ou mais
genótipos alternativos, cada um com uma frequência maior do que a que pode ser
mantida apenas pela mutação recorrente. Um loco é arbitrariamente considerado
como sendo polimórfico se o alelo mais raro tiver uma frequência de 0,01, de
modo que a frequência de heterozigotos seja de pelo menos 0,02. Qualquer alelo
mais raro que isto é uma variante rara.
•  Primer: um oligonucleotídeo curto destinado a hibridizar-se a um molde
unifilamentar de DNA e criar uma ponta de DNA livre, à qual a DNA polimerase
pode adicionar bases e sintetizar um DNA complementar ao molde.
•  Purina: tipo de nucleotídeo ou base que faz parte da molécula de DNA. As
purinas são a adenina (A) e a guanina (G).
•  Reação em cadeia da polimerase (PCR): uma técnica poderosa que per-
mite a replicação de um segmento de DNA no tubo de ensaio. O método faz uso
de reagentes químicos para duplicar o DNA em um ciclo de temperatura. Vários
ciclos podem ser automatizados em um “ciclador térmico” levando a um aumento

capítulo 1 • 12
exponencial do número de moléculas. Com 30 ciclos, consegue-se uma amplifica-
ção teórica de um bilhão de vezes.
•  Recombinação: formação de novas combinações de alelos em acoplamento
por crossing entre seus locus.
•  RNA (ácido ribonucleico): ácido nucleico formado sobre um molde de
DNA, contendo ribose em vez de desoxirribose. O RNA mensageiro (RNAm) é o
molde no qual são sintetizados os polipeptídeos. O RNA transportador (RNAt),
em cooperação com os ribossomos, traz aminoácidos ativados para a posição ao
longo do molde do RNAm. O RNA ribossômico (RNAr), um componente dos
ribossomos, funciona como um sítio inespecífico de síntese de polipeptídio.
•  RNA polimerase: enzima que sintetiza RNA em um DNA molde.

Leis mendelianas

Desde a Pré-história, a humanidade teve interesse pela herança biológica, po-


rém os conhecimentos de genética só se desenvolveram no século XIX, a partir da
descoberta de regras básicas de hereditariedade propostas em meados de 1865 pelo
monge Gregor Mendel. Seu trabalho com ervilhas, que ajudaram a desvendar as leis
fundamentais da herança, é considerado um marco na história da ciência moderna.

Experimentos de Mendel

O material escolhido para desenvolver os seus experimentos foi a espécies de


ervilha Pisum sativum. Espécie ornamental utilizada por hibridizadores de plantas
em virtude de apresentar características favoráveis como: cultivo, ciclo de vida, ob-
tenção de várias gerações em pouco tempo e “cor da semente”. A flor das ervilhas
é hermafrodita, consequentemente, os gametas femininos de uma flor são quase
sempre fecundados por seus próprios gametas masculinos, processo denominado
autofecundação.
Para cruzar plantas diferentes, Mendel realizou a fecundação cruzada por meio
da polinização artificial (figura 1.2).

capítulo 1 • 13
Figura 1.2 – Representação esquemática da polinização artificial em ervilha.

Mendel concentrou-se em sete características, com dois estados bem contras-


tantes de fácil distinção: cor da flor, posição da flor no caule, cor da semente,
textura da semente, forma da vagem, cor da vagem e estatura da planta.
Ao longo do tempo, Mendel foi realizando diversos tipos de cruzamentos com
objetivo de verificar como as características eram herdadas ao longo das gerações.
Com isso, ele estabeleceu as suas leis, que também ficaram conhecidas por gené-
tica mendeliana.

Primeira Lei de Mendel

A Primeira Lei de Mendel também recebe o nome de Lei da Segregação dos


Fatores ou Mono-hibridismo. Ela tem o seguinte enunciado: “Cada caráter é
determinado por um par de fatores que se separam na formação dos gametas, indo
um fator do par para cada gameta, que é, portanto, puro” (figura 1.3).
Essa lei mostra que cada característica é determinada por dois fatores, que se
separam na formação dos gametas.
Mendel chegou a essa conclusão quando percebeu que linhagens diferentes,
com os diferentes atributos escolhidos, sempre geram sementes puras e sem altera-
ções ao longo das gerações. Ou seja, plantas de sementes amarelas sempre produ-
ziam 100% dos seus descendentes com sementes amarelas.

capítulo 1 • 14
Assim, os descendentes da primeira geração, denominada de geração F1, eram
100% puros. Como todas as sementes geradas eram amarelas, Mendel realizou
a autofecundação entre elas. Na nova linhagem, geração F2, surgiram sementes
amarelas e verdes, na proporção 3:1 (amarelas:verdes). Com isso, Mendel concluiu
que a cor das sementes era determinada por dois fatores. Um fator era dominante
e condicionava sementes amarelas, o outro era recessivo e determinava semen-
tes verdes.
A Primeira Lei de Mendel se aplica para o estudo de uma única característica.
Porém, Mendel ainda estava interessado em saber como ocorria a transmissão de
duas ou mais características em simultâneo.

VV X vv Geração parental

Geração F1
Vv X Vv
Autofecundação

Geração F2
VV Vv Vv vv
3 amarelas: 1 verde

Figura 1.3  –  Representação esquemática da segregação dos fatores.


V_: dominante (cor amarela); vv: recessivo (cor verde).

Segunda Lei de Mendel

A Segunda Lei de Mendel também conhecida com o nome de Lei da


Segregação Independente dos Genes ou Di-hibridismo. Ela tem o seguinte
enunciado: “As diferenças de uma característica são herdadas independentemente
das diferenças em outras características” (figura 1.4).
Nesse caso, Mendel também realizou o cruzamento de plantas com diferentes
características. Ele cruzou plantas com sementes amarelas e lisas com plantas de
sementes verdes e rugosas. Mendel já esperava que a geração F1 seria composta
por 100% de sementes amarelas e lisas, pois essas características apresentam cará-
ter dominante.

capítulo 1 • 15
Por isso, fez o cruzamento dessa geração, pois imaginava que iriam surgir
sementes verdes e rugosas e ele estava certo. Os genótipos e fenótipos cruzados
eram os seguintes: V_: dominante (cor amarela); R_: dominante (forma lisa);
vv: recessivo (cor verde) e rr: recessivo (forma rugosa). Mendel descobriu na gera-
ção F2 diferentes fenótipos, nas seguintes proporções: 9 amarelas e lisas; 3 amare-
las e rugosas; 3 verdes e lisas; 1 verde e rugosa.

Geração
X
parental
VVRR vvrr

Geração F1
X
Autofecundação
VvRr VvRr
Geração F2

VVRR VVRr VvRR VvRr

VVRr VVrr VvRr Vvrr

VvRR VvRr vvRR vvRr

VvRr VvRr vvRr vvrr

Figura 1.4  –  Representação esquemática da segregação dos fatores.


V_: dominante (cor amarela); vv: recessivo (cor verde).

Estrutura do DNA, dos cromossomos e genes

Antes de a estrutura do DNA ser elucidada, vários estudos genéticos indica-


vam que o material genético deveria ter três propriedades principais:
•  Como essencialmente cada molécula do corpo de um organismo tem a mes-
ma constituição genética, a replicação fiel do material genético é crucial. Dessa
forma, as características estruturas do DNA devem permitir uma replicação fiel;
•  Como ele deve codificar inúmeras proteínas expressas em um organismo, o
material genético tem que ter conteúdo informacional;

capítulo 1 • 16
•  Como as mutações fornecem a matéria-prima para a seleção evolutiva, o
material genético deve ser capaz de mutar em raras ocasiões. A estrutura do DNA
deve ser estável, para que os organismos possam se basear em sua informação
codificada.
Watson e Crick reuniram os resultados de experimentos anteriores para for-
mar um modelo estrutural tridimensional, conhecido como modelo da dupla-hé-
lice, que conferiu a estes pesquisadores o Prêmio Nobel de Medicina em 1962.
Para compreender como fizeram, primeiro você precisa conhecer os resultados que
estavam disponíveis para os dois pesquisadores em 1953.
O primeiro resultado era o conhecimento dos blocos estruturais básicos do
DNA: (1) fosfato, (2) um açúcar chamado desoxirribose e (3) quatro bases nitro-
genadas (adenina – A; guanina – G; citosina – C; timina – T). Duas das bases, A
e G, têm estrutura de dois anéis característica de um tipo de substância chamada
purina. As outras duas bases, C e T, têm estrutura com um só anel chamada piri-
midina. Os componentes químicos do DNA são dispostos em grupos chamados
nucleotídeos, cada um composto de um grupo fosfato, uma molécula de desoxir-
ribose e qualquer uma das quatro bases (figura 1.5).

Figura 1.5  –  Estrutura química da molécula de DNA.

capítulo 1 • 17
O segundo resultado usado por Watson e Crick veio de um trabalho feito an-
terior por Erwin Chargaff. Estudando uma grande seleção de DNA de organismos
diferentes, Chargaff estabeleceu algumas regras empíricas sobre as quantidades de
cada tipo de nucleotídeo encontrado no DNA:
•  A quantidade total de nucleotídeos pirimidínicos (T + C) é sempre igual à
quantidade total de nucleotídeos purínicos (A + G).
•  A quantidade de T é sempre igual à quantidade de A, e a quantidade de C é
sempre igual à quantidade de G. Mas, a quantidade de A + T não é necessariamente
igual à quantidade de G + C. Essa proporção varia entre organismos diferentes, mas
é praticamente a mesma em tecidos diferentes do mesmo organismo (tabela 1.1).

A+T
ORGANISMO TECIDO ADENINA TIMINA GUANINA CITOSINA
G+C
Escherichia coli
– 26,0 23,9 24,9 25,2 1,00
(K12)

Diplococcus
– 29,8 31,6 20,5 18,0 1,59
pneumoniae

Mycobacterium
– 15,1 14,6 34,9 35,4 0,42
tuberculosis

Levedura – 31,3 32,9 18,7 17,1 1,79

Paracentrotus
lividus Espermatozoide 32,8 32,1 17,7 18,4 1,85
(ouriço-do-mar)

Arenque Espermatozoide 27,8 27,5 22,2 22,6 1,23

Rato Medula óssea 28,6 28,4 21,4 21,5 1,33

Humano Timo 30,9 29,4 19,9 19,8 1,52

Humano Fígado 30,3 30,3 19,5 19,9 1,53

Espermato-
Humano 30,7 31,2 19,6 18,8 1,62
zoide

Tabela 1.1  –  Propriedades molares das bases* DNA de várias fontes. *Definidas em mols
de constituintes nitrogenados por 100 gramas de átomo de fosfato em hidrolisados. E. Char-
gaff and J. Davidson, eds., The nucleic acids. Academic Press, 1955.

O terceiro e mais importante resultado veio das difrações de raio x da estrutura


de DNA realizadas por Rosalind Franklin (figura 1.6). Em tais experimentos, os
raios x são disparados nas fibras de DNA e as dispersões dos raios nas fibras são

capítulo 1 • 18
observadas captando os raios em um filme fotográfico, no qual os raios x produzem
ponto. O ângulo de dispersão representado por cada ponto no filme dá informações
sobre a posição de um átomo ou alguns grupos de átomos na molécula de DNA.
Os dados disponíveis sugerem que o DNA é longo e fino e que tem duas
partes similares que são paralelas umas as outras e correm ao longo da molécula.
Os dados de raio x mostraram que a molécula é helicoidal. Sem que Rosalind
Franklin soubesse, sua melhor imagem de raio x foi mostrada a Watson e Crick e
esse foi o resultado principal que lhes permitiu deduzir a estrutura tridimensional,
que podia explicar os padrões de pontos nos raios x da molécula de DNA.

Figura 1.6  –  Rosalind Franklin (esquerda) e seu padrão


de difração de raio x do DNA (direita).

Os resultados das pesquisas de Watson e Crick foram publicados na revista


Nature em 1953. Como você já viu, a composição geral do DNA era conhecida,
mas como suas partes se reuniam não era conhecida. A estrutura preenchia os
principais requisitos de uma molécula hereditária: habilidade de estocar informa-
ção, a habilidade em se replicar e a habilidade em mutar.
A estrutura tridimensional decifradas por Watson e Crick é composta de duas
cadeias lado a lado (filamentos) de nucleotídeos torcidos na forma de uma dupla-
-hélice (figura 1.7). Os filamentos de nucleotídeos são mantidos juntos por pontes
de hidrogênio entre as bases da cada filamento, formando uma estrutura, como
uma escada em espiral (figura 1.8).

capítulo 1 • 19
Figura 1.7  –  James Watson e Francis Crick
com seu modelo da dupla hélice do DNA.

Figura 1.8  –  Modelo simplificado mostrando a estrutura helicoidal do DNA,


destacando o empilhamento de pares de bases e os sulcos maior e menor.

O arcabouço de cada filamento é formado de unidades alternadas de fosfato


e desoxirribose que são conectadas por ligações fosfodiéster. Essas ligações podem
ser utilizadas para descrever a maneira como uma cadeia de nucleotídeos é orga-
nizada. Os átomos de carbono dos grupamentos açúcar são enumerados 1’ a 5’. A
ligação fosfodiéster conecta o átomo de carbono 5’ de uma desoxirribose ao átomo
de carbono 3’ da desoxirribose adjacente.

capítulo 1 • 20
Cada ligação açúcar-fosfato é dita como tendo um sentido 5’ para 3’ (figura 1.9),
sendo necessário para a compreensão de como o DNA preenche os seus papéis.

CH2 O B

Te
m
H H

pl
at
H 3’ H

e
str
a nd
O H
–O P O
5’
O CH2 O B
H H
H H
Ligação
Fosfodiéster OH H

Figura 1.9  –  Ligação fosfodiéster conectada ao átomo de carbono 5’ de uma


desoxirribose ao átomo de carbono 3’ da desoxirribose adjacente. Fonte: Ebah.

O empilhamento de bases forma uma dupla-hélice com dois tamanhos distin-


tos de sulcos: o sulco maior e o sulco menor (figura 1.8). A maioria das associações
DNA-proteína ocorre nos sulcos maiores. O DNA é uma hélice com giro para a
direita; ou seja, de forma simplificada, pode ser visto como um parafuso que seria
colocado no lugar usando o movimento de giro horário. Watson e Crick concluí-
ram que cada par de bases consistia em uma base purina e uma base pirimidina,
pareadas da seguinte forma: G pareia com C e A pareia com T. O par G + C tem
três pontes de hidrogênio, já o par A + T só tem duas (figura 1.5).
Os resultados de Watson, Crick e Rosalind são considerados por alguns como
a descoberta biológica mais importante do século XX. Seus embasamentos são
utilizados em várias áreas das ciências, incluindo a genética forense.
O genoma é um conjunto único e completo de informações genéticas de um
organismo. Nos eucariontes, a maior parte do DNA de um genoma é encontrada
no núcleo de cada célula, e apenas 10% no genoma mitocondrial.
O DNA nuclear é dividido em unidades chamadas cromossomos. Em um nú-
cleo diploide, como no caso dos seres humanos, os dois membros de um par de
cromossomos são chamados de cromossomos homólogos. As sequências de DNA
de membros de um par de homólogos quase sempre são iguais, às vezes pequenas
variações de sequência podem estar presentes, o que é a base da variabilidade genéti-
ca dentro de uma espécie. Essa variação é o que nos permite distinguir um do outro.

capítulo 1 • 21
O DNA está compactado em um cromossomo ao redor de estruturas mole-
culares chamadas nucleossomos. Cada nucleossomo é composto de proteínas cha-
madas histonas. O DNA e os nucleossomos associados constituem a cromatina.
A cromatina, geralmente, é encontrada ao redor do centrômero; a mais densa é
chamada de heterocromatina e a menos densa é chamada de eucromatina.

Carió�po humano feminino Carió�po humano masculino

1 2 3 4 5 1 2 3 4 5
Grupo A Grupo B Grupo A Grupo B

6 7 8 9 10 11 12 6 7 8 9 10 11 12
Grupo C Grupo C

13 14 15 16 17 18 13 14 15 16 17 18
Grupo D Grupo E Grupo D Grupo E

19 20 21 22 xx 19 20 21 22 xy
Grupo F Grupo G Par Grupo F Grupo G Par
Sexual Sexual

Figura 1.10  –  Cariótipo humano feminino (XX) e masculino (XY).

Outra característica do conjunto cromossômico é o organizador nucleolar,


uma região única que contém várias repetições de genes codificando RNA ribos-
somal. Para completar essa estrutura, é necessário mencionar os telômeros e as
bandas cromossômicas.
Uma variação entre as espécies é a prevalência e o tamanho dos íntrons (re-
giões não codificantes que interrompem os segmentos codificantes de um gene).
O tamanho da região codificante de um gene é constante, variando de 1 a 3 qui-
lobases (Kb) entre as espécies. A presença de grandes números de íntrons pode
tornar enorme o tamanho aparente do gene.
Os genes estão localizados em estruturas chamadas cromossomos. Os seres
humanos apresentam 23 pares de cromossomos, dos quais, um tem origem ma-
terna e o outro, origem paterna. Os pares cromossômicos 1 a 22 são conhecidos
como cromossomos autossômicos (não sexuais). Os cromossomos do par 23 são
conhecidos como os cromossomos sexuais, o par XX determina o sexo feminino,
e o par XY determina o sexo masculino em seres humanos. O conjunto de cro-
mossomos de um núcleo de uma célula é denominado de cariótipo (figura 1.10).

capítulo 1 • 22
O padrão de herdabilidade em sentido amplo pode ser resumido como:
•  Herança autossômica: determinada por genes situados nos cromossomos au-
tossômicos, ou seja, aqueles que são igualmente compartilhados por machos e fêmeas;
•  Herança ligada ao X: determinada pelos genes situados na porção do cromos-
somo X que não apresenta nenhuma homologia com o cromossomo Y, o que provoca
uma diferença significativa na forma como esta se distribui entre machos e fêmeas;
•  Herança ligada ao Y: o cromossomo Y tem alguns genes que lhe são exclu-
sivos, na porção encurvada que não é homóloga ao X. Esses genes, também conhe-
cidos como genes holândricos, caracterizam a chamada herança restrita ao sexo.

ATIVIDADES
01. O fato de Mendel ter optado pelo uso da ervilha Pisum sativum para o seu estudo gené-
tico se deve aos aspectos favoráveis a seguir citados, exceto:
a) o ciclo de vida curto.
b) a facilidade de cultivo.
c) a estrutura da flor que favorece a fecundação cruzada.
d) as variedades facilmente identificáveis por serem distintas.
e) o alto índice de fertilidade nos cruzamentos de variedades diferentes.

02. Para que ocorra a divisão celular, é necessária a duplicação dos cromossomos. Os dois
cromossomos idênticos produzidos ficam unidos por proteínas. As cópias associadas de um
cromossomo são chamadas de
a) telômero.
b) centrômero.
c) nucleossomo.
d) gene.
e) cromátides-irmãs.

03. Todas as informações a respeito de um organismo podem ser encontradas no DNA. A


porção de DNA que apresenta as informações necessárias para a produção de uma proteína
é denominada de
a) genoma.
b) cromossomo.
c) cromátide.
d) gene.
e) centrômero.

capítulo 1 • 23
04. Sabe-se que, em determinada raça de gatos, a pelagem preta uniforme é condicionada
por um gene dominante B e a pelagem branca uniforme, pelo seu alelo recessivo b. Do cru-
zamento de um casal de gatos pretos, ambos heterozigotos, espera-se que nasçam
a) 100% de gatos pretos.
b) 100% de gatos brancos.
c) 25% de gatos pretos, 50% de malhados e 25% de brancos.
d) 75% de gatos pretos e 25% de gatos brancos.
e) 100% de gatos malhados.

05. Marque a alternativa que indica corretamente o nome da unidade básica da heredita-
riedade.
a) Gene.
b) Cromossomo.
c) Alelos.
d) RNA.
e) Nucléolo.

06. Durante um processo de duplicação do DNA, nucleotídeos livres encontrados no núcleo


da célula vão se emparelhando sobre a fita molde. O emparelhamento obedece a algumas
regras, a base adenina, por exemplo, só se emparelha com
a) citosina.
b) uracila.
c) guanina.
d) timina.
e) adenina.

07. Leia as afirmações a seguir, relativas à transmissão dos caracteres na reprodução sexuada.
I. Os caracteres são transmitidos dos pais para os filhos devido a informações contidas no
sangue dos pais, que se concentram no esperma do homem e nas excreções vaginais da mulher.
II. Os caracteres são transmitidos dos pais para os filhos devido a informações contidas no
interior das células reprodutoras masculinas e femininas, chamadas gametas, que se unem
na fecundação.
III. Os cromossomos existem aos pares nas células e os genes ocupam um lugar definido
no cromossomo, chamado locus gênico, assim, os genes também existem aos pares. Os
pares de cromossomos semelhantes são chamados cromossomos homólogos, e os pares de
genes que ocupam um mesmo locus nestes cromossomos são chamados genes alelos.

capítulo 1 • 24
Das afirmações anteriores, está(ão) correta(s)
a) I, apenas. c) III, apenas. e) I, II e III.
b) II e III, apenas. d) II, apenas.

08. Que bases e que açúcares estão presentes no DNA?

REFLEXÃO
Em 1865, Mendel apresentou os resultados de sua pesquisa com hibridação em Pisum
sativum. A partir daí, as ideias de Mendel foram sendo cada vez mais divulgadas na comuni-
dade científica, que passou a utilizá-las na formulação de hipóteses. A partir de suas obser-
vações, Mendel formulou sua primeira lei, também conhecida como Lei da Segregação dos
Fatores ou Lei da Pureza dos Gametas, que pode ser expressa como se segue: “O princípio
básico da herança biológica estabelece que as características hereditárias são determinadas
por fatores que ocorrem aos pares. Na formação dos gametas, os fatores membros de cada
par se segregam, isto é, se separam de forma que cada gameta só recebe um membro de
cada par de fatores, sendo, portanto, sempre puro.” A Genética deu um grande passo com a
descoberta de que os fatores hereditários, hoje conhecidos como genes, são parte de estru-
turas celulares específicas, os cromossomos.
No início do século XX, começaram a surgir as primeiras evidências do envolvimento de
cromossomos na determinação dos sexos. Essas evidências foram mais um ponto a fortalecer
a ideia de que os cromossomos são a base da hereditariedade. Embora o conceito tradicional
de gene esteja em discussão, de forma geral, podemos dizer que cada gene é um segmento de
uma molécula de DNA que contém as informações necessárias para a produção de um RNA
ou de uma proteína. Diversos genes se distribuem ao longo das moléculas de DNA que consti-
tuem o genoma de um organismo. Cada molécula de DNA está associada a uma série de pro-
teínas, formando o que chamamos cromossomos. Chamamos genoma a um conjunto completo
de cromossomos da espécie. Embora as leis que regem a transmissão da herança em ervilhas
ou humanos possam ser semelhantes, os métodos utilizados para seus estudos são diferentes.
O estudo da herança de caracteres na espécie humana constitui um ramo especial da
Genética conhecido como Genética Humana. Nos estudos da determinação do padrão de
herança de características humanas, não podemos realizar cruzamentos experimentais. As
análises são feitas a partir do levantamento do histórico familiar, o que permite avaliar se
determinada característica é ou não hereditária e de que modo é herdada.

capítulo 1 • 25
MULTIMÍDIA
Indicação de filmes
Discovery Science. As 100 maiores descobertas da história genética [completo].
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=cObzlgkCzOM>. Acesso em: dez.
2018.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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SNUSTAD, D. P.; SIMMONS, M. J. Fundamentos De Genética. 4. ed. Rio de Janeiro: Guanabara
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em: maio 2018.
YANOFSKY, C. Gene Structure and Protein Structure. Scientific American, 1967, 216(5), 80-95.

capítulo 1 • 26
2
História do
desenvolvimento da
Genética Forense
História do desenvolvimento da Genética
Forense

A identificação humana por meio das técnicas de genética forense teve gran-
de avanço entre as décadas de 1970 e 1980, devido ao surgimento de técnicas e
protocolos moleculares criados em diferentes países, tornando esta ciência uma
ferramenta na investigação criminal. Nesse período, três técnicas tiveram grande
destaque: sequenciamento de DNA, análises de minissatétiles e o aprimoramento
da técnica de reação em cadeia da polimerase (PCR).
O primeiro teste de paternidade com a molécula de DNA, para a investigação
de paternidade, era feito através pelo sistema de antígeno leucocitário humano
(HLA), porém o resultado era de apenas 89% de certeza, o que gerava muitos pro-
cessos judiciais. Então, na década de 1980 o geneticista Alec Jeffrey desenvolveu
um sistema que foi chamado de “Impressão Digital do DNA”. Com o passar do
tempo, a utilização destes polimorfismos moleculares mostrou-se uma ferramenta
de grande utilidade para a identificação humana e investigação criminal.
No Reino Unido foi onde, pela primeira vez, foi efetuada a análise do DNA
com aplicação médico legal. Em 1988 o FBI (Federal Bureau of Investigation)
solucionou casos por DNA. Na década de 1990, houve uma grande evolução
tecnológica e científica que levou à popularização da técnica da PCR e um desen-
volvimento de técnicas cada vez mais sensíveis, capazes de identificar a origem de
amostras biológicas com pouco DNA.
A área jurídica foi muito favorecida, com a introdução de provas obtidas atra-
vés da molécula de DNA, permitindo elucidar diversas problemáticas judiciais na
área civil e criminal. Do ponto de vista técnico e criminalístico, o DNA pode ser
coletado da maioria das espécies biológicas, pois sendo uma molécula estável em
ambiente seco e frio, se armazenado em tais condições, tem grandes chances de
resultados confiáveis.

OBJETIVOS
•  Conhecer as principais contribuições da Genética ao logo da história da humanidade para
o surgimento da Genética Forense;

capítulo 2 • 28
•  Reconhecer que a Genética Forense é uma ferramenta confiável, que pode ser aplicada na
elucidação de diversos crimes;
•  Conhecer os principais casos elucidados com auxílio da Genética Forense de repercussão
internacional e nacional.

História do desenvolvimento da Genética Forense

Embora a ciência da genética seja jovem – quase que totalmente um produto


dos últimos 100 anos –, as pessoas têm usado os princípios de genética há milhares
de anos.
A primeira evidência de que os humanos compreendiam e aplicavam os prin-
cípios de hereditariedade é encontrada na domesticação de plantas e animais, que
começou há aproximadamente entre 10000 e 12000 anos. Os primeiros nômades
dependiam de caça e colheita para sua subsistência, mas, à medida que as popula-
ções humanas cresceram, a disponibilidade de alimentos selvagens declinou. Este
declínio criou uma pressão para desenvolver novas fontes de alimento. Assim, as
pessoas começaram a manipular plantas e animais selvagens, dando origem ao
início da agricultura e aos primeiros assentamentos.
Inicialmente, as pessoas simplesmente escolhiam e cultivavam plantas e cria-
vam animais selvagens que tinham características desejáveis. A evidência arqueo-
lógica da velocidade e direção do processo de domesticação demonstra que as pes-
soas aprenderam rapidamente uma simples, mas crucial regra da hereditariedade:
os descendentes eram iguais aos genitores. Selecionando e cruzando plantas ou
animais com características desejadas, eles podiam produzir estas mesmas caracte-
rísticas nas gerações futuras.
Acredita-se que a primeira agricultura do mundo foi desenvolvida no Oriente
Médio, no que hoje é a Turquia, o Iraque, o Irã, a Síria, a Jordânia e Israel, onde
as plantas e os animais domesticados eram importantes componentes de dieta
de muitas populações há 10000 anos. Os primeiros organismos domesticados
incluíam trigo, ervilhas, lentilhas, cevada, cães, cabras e ovelhas. Os cruzamen-
tos selecionados produziram cabras e ovelhas com mais lã e mais manuseáveis,
e sementes de cereais que eram maiores e mais fáceis de colher. Há 4000 anos,
técnicas genéticas sofisticadas já estavam em uso no Oriente Médio. Os assírios
e babilônios desenvolveram várias centenas de variedades de palmáceas que dife-
riam no tamanho do fruto, na cor, no sabor e no tempo de amadurecimento. Um
baixo relevo assírio de 2880 anos representa o uso da fertilização artificial para

capítulo 2 • 29
controlar cruzamentos entre palmáceas (figura 2.1). Outras colheitas e animais
domesticados foram desenvolvidos por culturas na Ásia, África e nas Américas no
mesmo período.

Figura 2.1  –  Escultura assíria em baixo-relevo mostrando a polinização


artificial de trigo na época do rei Assurbanirpal II, que reinou em 883-
859 a.C. Fonte: Livro Fundamentos de Genética.

Os escritos antigos demonstram que os primeiros humanos estavam cientes de


sua própria hereditariedade. Escritos sagrados hindus datados de 2000 anos atri-
buem muitas características ao pai, e sugerem que as diferenças entre irmãos po-
dem ser atribuídas a efeitos da mãe. Estes mesmos escritos advertem que devemos
evitar cônjuges potenciais com características indesejáveis que podem ser passadas
para os filhos. O Talmude, livro judaico das leis religiosas com base em tradições
orais, originado há milhões de anos, apresenta uma compreensão estranhamente
precisa da herança da hemofilia. Ele diz que se uma mulher tiver dois filhos que
morreram de sangramento após a circuncisão, os próximos filhos que ela tiver não
devem ser circuncidados; nem os filhos de suas irmãs, embora os filhos de seus ir-
mãos sim. Isso reflete precisamente o padrão de herança ligada ao X da hemofilia.
Os gregos antigos tiveram uma cuidadosa consideração com a reprodução
humana e a hereditariedade. O médico grego Alemaeon (por volta de 520 a.C.)
fez dissecações de animais e propôs que o cérebro era não só o principal local da
percepção, mas também a origem do sêmen. Esta proposta desencadeou um longo

capítulo 2 • 30
debate filosófico sobre onde era produzido o sêmen e seu papel na hereditarieda-
de. O debate culminou no conceito de pângenese, o qual propôs que pequenas
partículas, chamadas gêmulas, levavam informações de várias partes do corpo para
os órgãos reprodutivos, de onde eram passados para o embrião no momento da
concepção. Embora incorreto, o conceito de pangênese foi altamente influente e
persistiu até o final dos anos 1800.
A pangênese levou os gregos antigos a propor a noção da herança de caracteres
adquiridos, na qual as características adquiridas durante a vida tornam-se incor-
poradas à informação hereditária e são passadas adiante para a prole. Por exemplo,
as pessoas que desenvolvem habilidade musical por meio de estudos diligentes
teriam filhos inatamente dotados de habilidade musical. A noção de herança de
caracteres adquiridos também não é mais aceita, mas tornou-se popular através do
século XX.
O filósofo grego Aristóteles (384-322 a.C.) era muito interessado na here-
ditariedade. Ele rejeitou os conceitos tanto da pangênese quanto da herança de
caracteres adquiridos, indicando que as pessoas às vezes se assemelham a ancestrais
mais do que com seus genitores, e que as características adquiridas, tais como
partes mutiladas do corpo, não são transmitidas. Aristóteles acreditava que tanto
os homens quanto as mulheres faziam contribuições para a prole, e que havia uma
luta entre as contribuições femininas e masculinas.
Embora os romanos antigos tivessem contribuído pouco para a compreensão
da hereditariedade humana, eles desenvolveram com êxito várias técnicas para
cruzamentos entre animais e plantas. As técnicas tinham bases em ensaio e erro,
em vez de algum conceito geral de hereditariedade. Poucas novidades foram adi-
cionadas à compreensão da genética nos 1000 anos seguintes. As ideias antigas de
pangênese e herança de caracteres adquiridos, juntamente com técnicas de cruza-
mentos vegetais e animais, persistiram até o surgimento da ciência moderna, nos
séculos XVII e XVIII.
Os fabricantes holandeses de óculos começaram a montar microscópios sim-
ples no final dos anos 1500, permitindo a Robert Hook (1653-1703) a descoberta
de células em 1665. Os microscópios deram aos naturalistas uma nova e excitante
visão da vida, e talvez tenha sido o entusiasmo excessivo por esse novo mundo mi-
croscópico que deu origem à ideia do pré-formismo. De acordo com o pré-formis-
mo, dentro do ovócito ou espermatozoide existe uma pequena miniatura do adul-
to, um homúnculo, que simplesmente aumentaria durante o desenvolvimento.

capítulo 2 • 31
Os ovulistas diziam que o homúnculo residia no ovócito, enquanto os espermicis-
tas insistiam que ele estava no espermatozoide.
Pré-formismo significava que todas as características seriam herdadas apenas
de um genitor – do pai se o homúnculo estivesse no espermatozoide ou da mãe,
se estivesse no ovócito. Embora muitas observações sugerissem que a prole possui
uma mistura de características de ambos os genitores, o pré-formismo permaneceu
um conceito popular durante grande parte dos séculos XVII e XVIII.
Outra noção antiga de hereditariedade foi a herança pela mistura, a qual pro-
punha que a prole é uma mistura de características parentais. Esta ideia sugeriu
que o próprio material genético se mistura, como os pigmentos azul e amarelo se
misturam para dar a cor verde. Uma vez misturadas, as diferenças genéticas não
podiam ser separadas nas gerações futuras, como o verde não pode ser separado
em pigmentos azul e amarelo. Algumas características “parecem” exibir herança
por mistura. Entretanto, hoje sabemos que os genes individuais não se misturam.
Nehemiah Grew (1641-1712) relatou que as plantas se reproduzem sexual-
mente com o uso de pólen das células sexuais masculinas. Com esta informação,
vários botânicos começaram a experimentar cruzamentos de plantas e criar híbri-
dos. De destaque, dentre estes primeiros criadores estava Joseph Gottleib Kolreuter
(1733-1806), que fez vários cruzamentos e estudou o pólen ao microscópio. Ele
observou que muitos híbridos eram intermediários às variedades parentais. Como
ele cruzou plantas que diferem em muitas características, Kolreuter não foi ca-
paz de discernir nenhum padrão geral de herança. A despeito dessa limitação, o
trabalho de Kolreuter estabeleceu a fundação do estudo moderno da genética.
Subsequentemente a seu trabalho, vários outros botânicos começaram a experi-
mentar a hibridização, incluindo Gregor Mendel (1822-1884), que descobriu os
fundamentos básicos da hereditariedade. As conclusões de Mendel, que não foram
apreciadas por 35 anos, criaram a fundação de nossa moderna compreensão da
hereditariedade, e ele é hoje reconhecido como o pai da genética.
Os desenvolvimentos em citologia nos anos 1800 tiveram forte influência so-
bre a genética. Robert Brown (1773-1858) descreveu o núcleo celular em 1833.
Apoiado no trabalho de outros, Matthis Jacob Schleiden (1804-1881) e Theodor
Schwann (1810-1882), propôs o conceito da teoria celular em 1839. De acordo
com esta teoria, toda a vida é composta de células preexistentes, e a célula é a
unidade fundamental da estrutura e função nos organismos vivos. Os biólogos co-
meçaram a examinar as células para ver como as características eram transmitidas
no curso da vida celular.

capítulo 2 • 32
Charles Darwin (1809-1882), um dos mais influentes biólogos do século XIX,
lançou a teoria da evolução por meio da seleção natural, e publicou suas ideias
em A origem das espécies, em 1856. Darwin reconheceu que a hereditariedade era
fundamental para a evolução, e fez amplos cruzamentos genéticos com pombos
e outros organismos. Entretanto, ele nunca compreendeu a natureza da herança,
e esta falta de compreensão foi uma grande omissão em sua teoria da evolução.
Na última metade do século XIX, a invenção do micrótomo (para cortar fa-
tias finas de tecido para o exame microscópico) e o desenvolvimento de melho-
res corantes histológicos estimularam uma onda de pesquisas citológicas. Vários
citologistas demonstraram que o núcleo tinha um papel na fertilização. Walter
Fleming (1843-1905) observou a divisão dos cromossomos em 1879, e publicou
uma descrição da mitose. Em 1885, foi reconhecido que o núcleo contém a infor-
mação hereditária.
Próximo ao final do século XIX, August Weismann (1834-1914) derrubou
por fim a noção da herança de caracteres adquiridos. Ele cortou a cauda de ca-
mundongos ao longo de 22 gerações consecutivas e mostrou que o tamanho da
cauda permaneceu longo. Weismann propôs a teoria do germoplasma, a qual diz
que as células dos órgãos reprodutivos têm um conjunto completo de informações
genéticas que é transmitido aos gametas.
O ano de 1900 foi fundamental na historia da genética. A publicação fun-
damental de Gregor Mendel, em 1866, sobre os experimentos com ervilhas, que
revelaram os fundamentos da hereditariedade, foi redescoberta. O significado de
suas conclusões foi reconhecido, e outros biólogos imediatamente começaram a
fazer estudos genéticos similares em camundongos, galinhas e outros organismos.
Os resultados dessas investigações mostraram que muitas características de fato
seguem as regras de Mendel.
Walter Sutton (1877-1916) propôs, em 1902, que os genes estão situados nos
cromossomos. Thomas Hunt Morgan (1866-1945) descobriu o primeiro mutante
genético nas moscas das frutas em 1910, e usou as moscas das frutas para revelar
muitos detalhes de genética de transmissão. Ronald A. Fisher (1890-1962), John
B. S. Haldane (1892-1964) e Sewall Wright (1889-1988) fundaram a genética de
populações nos anos 1930.
A genética começou a usar bactérias e vírus nos anos 1940. A reprodução
rápida e os sistemas genéticos simples destes organismos permitiram um estudo
detalhado da organização e estrutura dos genes. Mais ou menos nessa época, acu-
mularam-se evidências de que o DNA era o repositório da informação genética.

capítulo 2 • 33
James Watson e Francis Crick descreveram a estrutura tridimensional do DNA em
1953, entrando na era da genética molecular.
Em 1966, a estrutura química do DNA e o sistema pelo qual ele determina a
sequência de aminoácidos das proteínas tinham sido desenvolvidos. Os avanços
na genética molecular levaram aos primeiros experimentos de DNA recombinante
em 1973, os quais levaram a outra revolução na pesquisa genética. Walter Gilbert
e Frederick Sanger desenvolveram métodos para sequenciamento do DNA, em
1977. A reação em cadeia da polimerase, uma técnica para a rápida amplificação
de pequenas quantidades de DNA, foi desenvolvida por Kary Mullins e outros,
em 1983. Em 1990, a terapia gênica foi usada pela primeira vez para tratar doen-
ças genéticas humanas nos EUA e foi iniciado o projeto genoma humano. Em
1995, foi determinada a primeira sequência completa de DNA de um organismo
de vida livre, a bactéria H. influenzae, e a primeira sequência completa de um or-
ganismo eucariótico (levedura) foi relatada um ano depois. No começo do século
XXI, foi determinada a sequência do genoma humano, iniciando uma nova era
na genética.
Todos esses avanços permitiram o surgimento da Genética Forense, área da
genética que trata da utilização dos conhecimentos e das técnicas de genética e
de biologia molecular no auxílio à justiça. Apesar de o ramo mais desenvolvi-
do da Genética Forense ser a identificação humana pelo DNA e sua aplicação
mais popular ser o teste de paternidade, a Genética Forense não se limita a isso
e pode ser aplicada na identificação ou individualização de animais, plantas e
micro-organismos.
Devido à ética e à privacidade concedidas aos envolvidos (e seus respectivos
familiares) nos casos em que a Genética Forense é utilizada, não é possível encon-
trar tantos casos descritos detalhadamente na literatura.
Na década de 1980, o geneticista Sir Alec Jeffreys analisou um trecho curto
de DNA repetitivo que se encontrava disperso por todo o genoma, em uma se-
quência curta (cerca de 15 nucleotídeos). Ao utilizar essa sequência como sonda,
marcada com uma molécula radioativa e revelar usando um filme de raios x sob
a folha de náilon, registrou os padrões dos pontos radioativos e identificou que
existia variação entre uma amostra e outra, sendo possível diferenciar um indiví-
duo do outro.
Em 1985, Jeffreys publica suas descobertas em um artigo na revista Nature.
Ele chamou as regiões dos pontos radioativos de minissatélites, e escreveu que,
por meio delas, um especialista poderia identificar uma pessoa com “quase 100%

capítulo 2 • 34
de certeza”. Ele também chamou essas regiões de “impressões digitais de DNA”
(DNA fingerprinting).
A utilização dessas “impressões digitais de DNA” dispersas pelo genoma em
casos forenses tem base na premissa de que não existem duas pessoas com repeti-
ções idênticas. Exceto gêmeos idênticos, não existem duas pessoas com genomas
de mesmas sequências de nucleotídeos. O genoma contém cerca de 3 × 109 pares
de nucleotídeos. Além disso, duplicações e deleções de sequências de DNA e ou-
tros rearranjos cromossômicos contribuem para a divergência evolutiva dos geno-
mas. Essas “impressões digitais de DNA” fornecem uma ferramenta pela qual estas
diferenças podem ser identificadas e registradas. Para análise dessas impressões, é
preciso uma quantidade pequena de amostra de sangue, bulbos capilares, sêmen,
tecido ou outras células.
O pesquisador Alec Jeffreys foi o primeiro a perceber que essas “impressões
digitais de DNA” poderiam ser usadas para estabelecer a identidade de um in-
divíduo humano e foi o primeiro a usar os polimorfismos de DNA em testes de
paternidade, casos de imigração e assassinatos (figura 2.2).

Figura 2.2  –  Sir Alec Jeffreys examinando as impressões digitais do DNA em


seu laboratório na Universidade de Leicester, Inglaterra. Fonte: INTHELOOP.

Oficialmente, o DNA forense foi utilizado pela primeira vez em 1985 para so-
lucionar um problema relacionado à imigração. Um jovem residente da Inglaterra,
ao regressar de uma viagem ao seu país de origem, Gana, teve sua entrada proibida
no Reino Unido sob a suspeita de documentação falsa. Alec Jeffreys, solicitado pelo

capítulo 2 • 35
governo, empregou sua então recente descoberta de impressões digitais do DNA para
solucionar o caso. Por meio da análise do DNA comprovou-se que a família biológica
do rapaz realmente residia na Inglaterra, permitindo assim o regresso do mesmo ao lar.
Outro caso também é reportado na literatura como um dos primeiros elucida-
dos pelo uso de DNA. Trata-se do Caso Pitchforck.
Em 21 de novembro de 1983, no vilarejo de Narborough, no condado de
Leicestershire, Inglaterra, Lynda Mann, uma jovem de 15 anos (figura 2.3), dei-
xou sua casa para visitar a casa de um amigo. Ela não voltou. Na manhã seguinte,
Lynda foi encontrada estuprada e estrangulada em uma trilha deserta conhecida
localmente como o Black Pad. A polícia colheu amostras do sêmen deixado no
corpo da vítima pelo estuprador. Usando técnicas disponíveis na época, foi possí-
vel concluir que a amostra pertencia a uma pessoa com sangue tipo A e um perfil
enzimático que correspondia a apenas 10% dos homens. Sem outras pistas ou
evidências, o caso foi deixado aberto.
Em 31 de julho de 1986, outra garota de 15 anos, Dawn Ashworth (figura 2.3),
tomou um atalho em vez de tomar a rota normal para casa. Dois dias depois, seu
corpo foi encontrado em uma área arborizada perto de uma trilha chamada Ten
Pound Lane. Como Lynda Mann, Ashworth também foi estuprada e estrangula-
da. O modus operandi correspondia ao do primeiro ataque anos antes, e as amos-
tras de sêmen coletadas revelaram o mesmo tipo de sangue.

Figura 2.3  –  Fotos de Lynda Mann (à esquerda) e Dawn Ashworth


(à direita) na época do assassinato. Fonte: ITV.

capítulo 2 • 36
Nesse período, a polícia tinha como principal suspeito um jovem local de
17 anos, Richard Buckland, que revelou conhecimento do corpo de Dawn e ad-
mitiu o crime sob questionamento, mas negou o primeiro assassinato.
A polícia recorreu aos conhecimentos de Jeffreys que, ao confrontar as amos-
tras de sêmen de ambos os assassinatos contra uma amostra de sangue de Richard,
provou conclusivamente que ambas as meninas foram mortas pelo mesmo ho-
mem, mas que esse homem não era Richard Buckland. A polícia então contatou o
Forensic Science Service (FSS) para verificar os resultados de Jeffreys e decidir em
qual direção levar a investigação. Richard Buckland tornou-se a primeira pessoa a
ser inocentada pelas impressões digitais de DNA.
Sobre o caso, Alec Jeffreys disse mais tarde: “Não tenho dúvidas de que ele
teria sido considerado culpado se não fosse por provas de DNA.”. Essa foi uma
ocorrência notável.
A polícia de Leicestershire e o FSS realizaram então, uma campanha onde
homens locais foram convidados a voluntariar amostras de sangue e/ou saliva. A
campanha durou seis meses, e apesar de o DNA de quase 5000 homens, com ida-
de entre 14 e 40 anos, ter sido analisado não foram encontradas correspondências.
Em 1988, uma mulher contou à polícia que tinha ouvido uma conver-
sa, na qual um homem chamado Ian Kelly, um funcionário de uma padaria de
Narborough, disse que, na campanha de doação de sangue de dois anos antes, ele
havia entrado na fila para doar sangue no lugar de um colega padeiro, chamado
Colin Pitchfork (figura 2.4).

Figura 2.4  –  Colin Pitchforck, autor dos assassinatos de


Lynda Mann e Dawn Ashworth. Fonte: ITV.

capítulo 2 • 37
A polícia, então, prendeu Pitchfork e, ao coletar uma amostra com DNA,
provou que o material genético encontrado nas cenas dos crimes era dele. Ele
foi preso em 19 de setembro de 1987, e condenado à prisão perpétua em 22 de
janeiro de 1988 (figura 2.5). Pitchfork recorreu da sentença e conseguiu reduzi-la
para 30 anos.

Figura 2.5 – Notícia de primeira página do jornal The Guardian em 1988


noticiando a condenação de Colin Pitchforck. The Guardian.

Em 2009, sua pena de 30 anos foi reduzida em dois anos por “progresso excep-
cional” – uma decisão que foi fortemente criticada pelas famílias de suas vítimas.
Outros casos de repercussão internacional também puderam ser desvendados
com o auxílio da genética forense.
Um assassino em série aterrorizou o Condado de King, em Washington, du-
rante as décadas de 1980 e 1990. Somente em dois anos (1982/83), 36 mulheres
estranguladas foram encontradas na margem ou perto do Green River, um rio que
corta o condado de Washington.

capítulo 2 • 38
Tudo começou em meados de julho de 1982, quando o primeiro corpo foi
encontrado flutuando no rio. A vítima era Wendy Lee Coffield, de 16 anos, uma
adolescente problemática que tinha experimentado poucas alegrias na vida antes
de ser estrangulada até a morte com sua própria calcinha e jogada na borda rasa
do rio.
Sem muita evidência para continuar, seu assassinato permaneceu sem solução,
e a pessoa responsável foi apelidada de “The Green River Killer” (figura 2.6).

©© WIKIMEDIA.ORG
©© WIKIMEDIA.ORG

Figura 2.6  –  Gary Ridgway, o assassino do Green River.

O departamento de polícia do King County não tinha como saber que


Coffield representava o início de uma matança selvagem que duraria anos, com a
maioria dos assassinatos ocorridos entre 1982 e 1984.
A maioria das vítimas eram prostitutas ou jovens fugitivos que trabalhavam ao
longo de uma área da Pac Highway (Highway 99), que havia regredido para ser
uma faixa de duas pistas de bares topless e hotéis baratos. Para o assassino do Green
River, esta área provou ser um ótimo campo de “caça”.
Relatórios de mulheres e jovens desaparecidas continuaram a ser emitidos ao
longo dos anos. Foram descobertos alguns restos mortais agrupados em áreas ar-
borizadas ao longo do Green River e ao redor do aeroporto Sea-Tac, o que estava
se tornando ocorrências regulares.
As vítimas eram mulheres que variaram entre idades de 12 a 31 anos (figura 2.7).
A maioria foi encontrada nua, às vezes com as unhas cortadas. As áreas onde os
corpos eram deixados por vezes tinham pontas de cigarros, alimentos e mapas
rodoviários ao redor e evidências de que alguns dos cadáveres foram abusados
sexualmente.

capítulo 2 • 39
Figura 2.7  –  Vítimas do assassino do Green River. Fonte: Crimescenedb.

Uma força-tarefa foi formada para investigar os assassinatos e a lista de possí-


veis suspeitos. A tecnologia do DNA e os sofisticados sistemas informáticos esta-
vam dando seus primeiros passos no início da década de 1980, logo a força-tarefa
teve que confiar no trabalho da polícia para juntar pistas para perfilar o assassino.
Mesmo assim, todo o material biológico foi devidamente coletado e armazenado
na esperança de que um dia a tecnologia do DNA estivesse avançando o suficiente
para revelar o autor dos assassinatos.
Em 1987, a liderança da força-tarefa mudou, assim como mudou a direção
em que a investigação estava sendo conduzida. Em vez de tentar provar quem era
o assassino em série, a força-tarefa tomou sua lista de suspeitos e trabalhou na
tentativa de identificar quem era o assassino. Aqueles que não puderam ser elimi-
nados foram transferidos para a lista chamada “A”.
Gary Ridgway estava na lista de suspeitos, devido a dois encontros que ele
teve com a polícia no início da década de 1980. Em 1980, ele foi acusado de dar
um golpe de gravata em uma prostituta ao fazer sexo com ela em seu caminhão

capítulo 2 • 40
perto do aeroporto Sea-Tac, que era uma área onde algumas das vítimas tinham
sido descartadas.
Quando questionado, Gary Ridgway admitiu o uso de força, mas disse que
era mais em legítima defesa, porque a prostituta o mordeu enquanto fazia sexo
oral. O assunto foi então abandonado.
Em 1982, Ridgway prestou depoimento na polícia, depois que foi pego em
seu caminhão com uma prostituta. Mais tarde descobriu-se que a prostituta era
Keli McGinness, uma das vítimas do assassino em série.
Ridgway prestou novos depoimentos em 1983, depois que o namorado de
uma prostituta identificou o caminhão de Ridgway como o último caminhão em
que sua namorada tinha entrado antes de desaparecer.
Em 1984, Ridgway foi preso por tentar contratar os serviços de uma policial
disfarçada posando como prostituta. Ele foi levado para interrogatório e concor-
dou em fazer uma prova de polígrafo, que ele passou tranquilamente.
Este incidente e sua relação com Judith Mawson (sua terceira esposa) (figura 2.8)
pareciam diminuir a raiva assassina de Ridgway. Embora na época as vítimas con-
tinuassem a ser descobertas, foram relatados menos casos de mulheres desapareci-
das durante seu terceiro casamento.

Figura 2.8  –  Gary Ridgway e sua terceira mulher Judith Mawson. Fonte: Heraldsun.

Incapaz de eliminar Ridgway como suspeito, ele mudou-se para a lista “A” e
foi colocado sob vigilância policial. Os investigadores examinaram seu histórico
de trabalho e determinaram que ele nunca esteve no trabalho nos dias em que
muitas das vítimas foram relatadas como desaparecidas.
Além disso, prostitutas ao longo da faixa deram à polícia a descrição de um
homem que foi visto cruzando a área que combinava com Ridgway. Esta era tam-
bém a estrada que Ridgway costumava usar para ir e vir do trabalho.

capítulo 2 • 41
Em 8 de abril de 1987, a polícia procurou a casa de Ridgway, que estava for-
temente repleta de objetos que ele e sua esposa haviam coletado de caçambas de
lixo de locais próximos aos de despejo onde algumas das vítimas foram mortas.
Ridgway foi levado à prisão pela polícia, onde passou um teste de polígrafo e con-
cordou em permitir que eles tomassem amostras de cabelo e de saliva antes de ser
liberado por falta de provas.
Acreditando que ele havia mais uma vez “enganado” os investigadores, a con-
fiança de Ridgway estava em alta e logo ele voltou a matar.
Em dezembro de 1983, Ted Bundy, que estava no corredor da morte, se ofereceu
para ajudar a força-tarefa a encontrar o assassino de Green River. Os principais detetives
encontraram-se com Bundy, que deu uma visão da mente de um assassino em série.
Bundy disse que o assassino provavelmente conhecia algumas de suas vítimas.
Ele também disse que mais vítimas provavelmente foram enterradas nas áreas de
despejo onde as vítimas foram encontradas.
Bundy também colocou muito significado nas diferentes áreas em que os cor-
pos foram deixados, sugerindo que cada cluster ou local estava mais próximo da
casa do assassino. Embora os detetives achassem a informação que Bundy forne-
ceu como interessante, não fez nada para ajudar a encontrar o assassino.
Graças aos avanços na genética e às novas técnicas de sequenciamento de DNA,
vinte anos após o aparecimento do corpo da primeira vítima do assassino do Green
River, foi possível realizar novos testes com as amostras biológicas coletadas a partir
das vítimas. Em 30 de novembro de 2001, Gary Ridgway foi preso pelos assassinatos
de Marcia Chapman, Opal Mills, Cynthia Hinds e Carol Ann Christensen. A evi-
dência foi uma combinação de DNA positiva de cada vítima para Gary.
Mais tarde, amostras de tinta foram cruzadas com um spray utilizado por
Ridgway e a combinação positiva aumentou em três vítimas a sua acusação.
Temente que somente o DNA pudesse confundir um júri e não resultar na conde-
nação, o principal detetive da força-tarefa queria mais provas.
Ele entrevistou então as ex-esposas de Ridgway e velhas namoradas e desco-
briu que Ridgway havia levado uma namorada para piqueniques e sexo ao ar livre
em várias áreas que ele usara para agrupar os corpos de suas vítimas.
Ridgway sabia que ele enfrentaria a pena de morte e ele não queria morrer.
Em um acordo com a promotoria, ele concordou em cooperar plenamente com a
investigação sobre os demais assassinatos do Green River.
Durante meses, os detetives entrevistaram metodicamente Gary Ridgway, ob-
tendo detalhes de cada um dos assassinatos cometidos. Ele os levou para locais

capítulo 2 • 42
onde ele havia deixado vários corpos e revelado como ele matou cada uma das
vítimas e as provas que ele deixou para jogar fora da polícia.
O método preferido de Ridgway de assassinato era o estrangulamento. No
começo, ele usou um estrangulamento e depois ele usaria uma régua para torcer
um tecido ao redor dos pescoços de suas vítimas. Às vezes ele matava suas vítimas
dentro de sua casa, outras vezes ele as matava na floresta.
Em uma confissão reveladora, que mostrou o lado mais obscuro e sombrio,
Gary Rigway disse que usou uma foto de seu filho para ajudar a ganhar a confian-
ça de suas vítimas, e também admitiu matar uma das vítimas enquanto seu filho,
ainda criança, esperava no caminhão. Quando perguntado se ele teria matado seu
filho, se o filho tivesse percebido o que estava fazendo, sua resposta foi sim.
Nas filmagens de Ridgway divulgadas pelos investigadores, ele confessou uma
vez que matou 61 mulheres e em outra fita, ele disse que era 71 mulheres. Mas na
conclusão das entrevistas, Ridgway só poderia se lembrar de 48 assassinatos, o que
ele disse que ocorreu dentro do Condado de King, em Washington. Ele também
confessou mover partes do corpo para Oregon para eliminar a investigação e ter
relações sexuais com seis dos corpos depois que ele os matou.
Em 2 de novembro de 2003, Ridgway se declarou culpado de 49 acusações
de assassinato agravado em primeiro grau, e sentenciado a 480 anos de prisão sem
possibilidade de liberdade condicional.
Em 1993, Kirk Bloodsworth (Figura 2.9), sobrenome que significa literalmen-
te “o valor do sangue”, tornou-se o primeiro americano condenado à morte a ser
declarado inocente por meio de testes de DNA, após passar nove anos na prisão.

Figura 2.9  –  Kirk Bloodsworth, a primeira pessoa nos EUA a ser condenada à
pena de morte e ser declarada inocente por exames de DNA. Fonte: NPR.

capítulo 2 • 43
Em 1984, Kirk Bloodsworth de 23 anos, foi detido injustamente em Baltimore
pelo estupro e cruel assassinato da pequena Dawn Hamilton, uma menina de 9
anos de idade. Ele foi condenado com base no depoimento de testemunhas ocu-
lares que a ciência acabou desmentindo posteriormente.
Na ocasião em que foi preso, ele não tinha qualquer semelhança com o verda-
deiro assassino, Kimberly Shay Ruffner, a não ser o fato de ter um bigode, sendo
que o seu era ruivo e curto e o do culpado louro e comprido.
“O retrato falado parece com o meu vizinho Kirk”: foi assim que tudo co-
meçou, e foi essa declaração que o levou para a prisão. Kirk Bloodsworth foi
algemado e levado preso para a patrulha. Seu rosto foi mostrado na televisão,
seu nome denegrido pelos meios de comunicação e finalmente, foi sentenciado à
morte por gás.
Detido na prisão de Maryland, Bloodsworth teve a ideia de apelar para um
exame de DNA quando já estava há cinco anos preso, enquanto lia o livro de
Joseph Wambaugh, The Blooding, que conta como foi usada essa nova técnica para
prender o assassino de adolescentes inglesas. Bloodsworth partira do princípio de
que se a técnica do DNA poderia condenar, essa mesma técnica o poderia salvar.
Infelizmente, segundo a promotoria na ocasião, a amostra extraída do DNA
do esperma realizada na pequena Hamilton teria sido destruída por descuido.
Mas, graças à perseverança de seu advogado e ajuda de um funcionário da justiça,
uma amostra foi encontrada e pode ser confrontada.
Em 28 de junho de 1993, Bloodsworth saiu da prisão como “um homem
livre”. Depois de receber o perdão do governador de Maryland e 300 mil dólares
como indenização por seus anos perdidos, decidiu lutar pela abolição da pena de
morte nos Estados Unidos.
Atualmente, ele dá conferências em escolas, universidades, centros de pesquisa
e, inclusive, na ONU. Nas Nações Unidas, ele, inclusive, defende uma campanha
pela abolição universal da pena de morte.
Uma disposição de uma lei de 2001 sobre o financiamento de testes de DNA
para presos leva seu nome e em 2015 sua história ganhou ainda mais notoriedade
ao ser contada no filme intitulado Bloodsworth: An Innocent Man.
Já no Brasil, o caso “Pedrinho” comoveu o país em 1986. No dia 20 de janeiro
desse ano nascia em Brasília o terceiro filho do casal Maria Auxiliadora (Lia) e
Jayro Tapajós. Treze horas após o nascimento de Pedro, uma mulher que se dizia
assistente social entrou no quarto número 10 do Hospital Santa Lúcia, na Asa Sul,
onde Lia estava depois do parto, e roubou Pedrinho (figura 2.10).

capítulo 2 • 44
Figura 2.10  –  À esquerda, o retrato falado oficial da sequestradora do bebê Pedrinho, em
1986 comparado com foto de Vilma Martins (à direita), rejuvenescida 16 anos. Fonte: UAI.

Até novembro de 2002, Lia e Jayro, viveram por três vezes a ilusão do reen-
contro com o filho. A Polícia Federal anunciara, em maio de 1986, que desconfia-
va da identidade de Alexander, menino adotado por um inglês. Os investigadores
chegaram a afirmar ter indícios de que o garoto era Pedrinho. Depois, descobri-
ram se tratar de um menino nascido em Cascavel, no Paraná.
Em julho de 1990, o programa Linha Direta, da TV Globo, trouxe a história
de um novo Pedrinho, localizado no interior de Rondônia. A família Tapajós rece-
beu a criança em Brasília. Parentes, amigos e vizinhos fizeram uma festa na rua de
Jayro e Lia, na QI 8 do Lago Norte.
A alegria durou três semanas. Testes de laboratório revelaram que o garoto não
era o filho do casal. Seis anos depois, apareceu um terceiro Pedrinho. A Polícia
Civil do DF acreditou ter achado o menino em Ceilândia. A sobreposição de fotos
mostrou coincidências entre o rosto do vendedor de amendoins Renerson Santana
e os pais de Pedrinho. Mas o exame de DNA foi definitivo: Renerson também não
era Pedrinho.
Após 16 anos de desaparecimento, Pedrinho e os pais começaram a ter a his-
tória reescrita em 20 de outubro de 2002, quando investigadores brasilienses re-
ceberam as primeiras pistas do destino do garoto. Elas vieram por meio de uma
mensagem eletrônica enviada à instituição internacional Missing Kids. Nela, um
anônimo contava a história de um garoto nascido em Brasília e adotado por uma
família goiana. O órgão da Secretaria de Segurança Pública do DF, o SOS Criança,
encaminhou à Polícia Civil de Brasília provas apontadas pela pessoa de que se
tratava de Pedrinho, como fotografias e descrições do garoto e da família goiana.

capítulo 2 • 45
Delegados e agentes do Departamento de Atividades Especiais (Depate) da
Polícia Civil brasiliense estiveram em Goiânia, ouviram o garoto e os adultos com
quem morava. O que mais chamou a atenção dos policiais foram marcas no corpo
do adolescente, que teriam sido herdadas de Jayro. As mais significativas, uma
das orelhas um pouco torta e uma risca em um dos dedos do pé. Os sinais foram
notados pelos pais de Pedrinho no dia do nascimento dele.
A sequestradora Vilma Martins Costa batizou-o de Osvaldo Martins Borges
Júnior e o criou, em Goiânia-GO, como se fosse seu filho legítimo com Osvaldo
Martins Borges (figura 2.11). Um exame de DNA comprovou que Osvaldo
Júnior, na verdade, era Pedro Rosalino Braule Pinto (Pedrinho). O reencontro
com a família biológica ocorreu em 10 de novembro de 2002 (figura 2.12), mas
Pedrinho só se mudou para Brasília e para a casa dos pais verdadeiros em meados
de 2003, após Vilma ser presa.

Figura 2.11 – Pedrinho abraça Vilma Martins Costa, que o sequestrou


na maternidade e o criou como filho adotivo. Fonte: UOL.

Figura 2.12 – Pedrinho, no primeiro encontro com seus pais biológicos,


Maria Auxiliadora e Jayro Tapajós Braule Pinto, em 2002. Fonte: Veja.

capítulo 2 • 46
E mais, no mesmo inquérito, a meia-irmã de Vilma levantou suspeitas de que
Roberta Jamily, uma das filhas da empresária Vilma, também teria sido seques-
trada. A polícia de Goiás reabriu o inquérito que investigou o desaparecimento
de Aparecida Fernanda Ribeiro da Silva, raptada no dia 4 de março de 1979,
com dois dias de vida, dos braços da verdadeira mãe em Goiânia. Novamente, o
teste de DNA realizado a partir de uma bituca de cigarro descartada revelou que
Aparecida era a jovem que Vilma batizou como Roberta Jamily e dizia ser filha
dela com o industrial Jamal Rassi.
Em 2002, Vilma foi indiciada e condenada a 19 anos pelos sequestros e regis-
tros falsos de Pedrinho e Aparecida. Graças a recursos, ela teve redução de pena de
quatro anos e, após cumprir cinco anos, recebeu em 2008 a liberdade condicional.
A saga de Pedrinho rendeu histórias na literatura, na televisão e no cinema.
A novela Senhora do destino, de Aguinaldo Silva, exibida na TV Globo entre ju-
nho de 2004 e março de 2005, remeteu o público ao caso: na trama, Lindalva
(Carolina Dieckmann) é levada de um hospital, ainda recém-nascida, das mãos da
mãe, Maria do Carmo (Susana Vieira). A sequestradora Nazaré (Renata Sorrah)
rebatiza a menina com o nome Isabel.
Em 2015, a história do menino virou livro, O caso Pedrinho, escrito pelo jor-
nalista Renato Alves. Ainda inspirou, em 2016, o filme Mãe só há uma, da cineasta
paulista Anna Muylaert.
Atualmente Pedrinho trabalha em renomado escritório de advocacia do DF e
é casado (figura 2.13).

Figura 2.13  –  Pedro, com os pais, Jayro e Lia, e a mulher, Nábyla. Fonte: Correio Web.

capítulo 2 • 47
ATIVIDADES
01. Em relação às diferentes áreas da Biologia Forense, relacione a coluna 1 à coluna 2.

Coluna 1 Coluna 2
1. Genética Forense ( ) Área da Biologia Forense que estu-
da a bioecologia de insetos para responder
2. Hematologia Forense questões legais.
( ) Divisão das Biociências Forenses
que, entre outras coisas, possibilita a identi-
3. Botânica Forense ficação humana.
( ) Pode auxiliar na identificação de espé-
4. Tricologia Forense cies animais a partir de seu padrão de pelos.
( ) Inclui os estudos da Palinologia e Fi-
5. Entomologia Forense cologia.
( ) Pode apontar a altura de desprendi-
mento de uma gota de sangue.

A ordem correta de preenchimento dos parênteses, de cima para baixo, é:


a) 5 – 1 – 4 – 3 – 2 c) 3 – 4 – 5 – 1 – 2 e) 5 – 3 – 4 – 1 – 2
b) 4 – 1 – 5 – 2 – 3 d) 1 – 5 – 3 – 2 – 4

02. Cite os vários tipos de aplicação da Genética Forense.

03. Qual o nome da técnica para obtenção do perfil genético de uma pessoa? E quem des-
cobriu essa técnica?

REFLEXÃO
A Genética Forense constitui uma das áreas mais apaixonantes das ciências forenses
e, seguramente, uma das que mais evoluiu nos últimos anos. Os diferentes tipos de poli-
morfismos genéticos atualmente disponíveis bem como as técnicas, as metodologias e os
equipamentos ao dispor da comunidade científica, permitiram diversidade e profundidade de
resultados que não se imaginavam há alguns anos. É uma área relevante no apoio à justiça
e pode ser utilizada para a identificação de um suposto pai ou de um suspeito de um crime.

capítulo 2 • 48
A Genética Forense tem registrado evolução notável, expandido os seus domínios de
intervenção e aprofundando o conhecimento que integra os seus diversos ramos. Estas ca-
racterísticas científicas têm, contudo, de ser perceptíveis por todos aqueles que, não sendo
especialistas na área, podem se ver confrontados com a necessidade de compreender e
interpretar relatórios perícia.

MULTIMÍDIA
Indicação de filmes
Morte em Green River
Bloodsworth: An Innocent Man.
Mãe só há uma

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Correio web. Disponível em: <http://sites.correioweb.com.br/app/noticia/encontro/
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Veja. Disponível em: <https://veja.abril.com.br/brasil/sequestrado-em-maternidade-pedrinho-e-
advogado-de-aecio/>. Acesso em: jun. 2018.

capítulo 2 • 50
3
Evidências
biológicas em locais
de crimes
Evidências biológicas em locais de crimes
Uma questão fundamental concernente ao uso do DNA, como evidência, está
na validação científica dos métodos de análise. Inicialmente, a credibilidade dos
testes deve partir da natureza das amostras biológicas utilizadas.
Um dos principais problemas quando se fala em utilização de prova genética,
é a preocupação com o cuidado que se deve ter ao manusear esse tipo de prova.
Afinal, as provas de DNA, em regra, são as mais fáceis de sofrer algum tipo de
contaminação. Com frequência, as amostras são encontradas em superfícies não
estéreis, podendo sofrer danos após contato com a luz solar, micro-organismos e
solventes. Além disso, é importante que o armazenamento do material genético
coletado seja correto e também, sem nenhuma possibilidade de falha.
Sendo assim, é de suma importância que exista um sistema de controle ri-
goroso, a fim de regulamentar estes procedimentos, conhecido como cadeia
de custódia.

OBJETIVOS
•  Reconhecer as evidências biológicas encontradas em locais de crime;
•  Conhecer todos os passos percorridos em uma cadeia de custódia para garantir a idonei-
dade da prova;
•  Conhecer as principais técnicas de extração e quantificação de DNA.

Evidências biológicas em locais de crimes

Qualquer tipo de tecido ou fluido biológico encontrado no local de crime


pode ser fonte de DNA. Entretanto, no local de crime muitas vezes esse material
é escasso, requerendo regras próprias, rigorosas e com critérios necessários para
coleta e preservação, evitando-se perdas desnecessárias de material e tempo.
Para que haja controle da integridade física do vestígio biológico, é neces-
sária a documentação com a identificação das pessoas que ficaram responsáveis
pela guarda da amostra e as condições em que as mesmas se encontravam a cada
nova transmissão, da coleta até a análise. Esse procedimento chama-se de cadeia
de custódia.

capítulo 3 • 52
Um dos procedimentos mais complicados é o isolamento do local do crime,
devido à possibilidade de violação da cena do crime por autoridades policiais,
parentes da vítima, curiosos e, até mesmo, do autor do delito. Por intermédio da
lei n. 8.862, decretada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo presidente da
República em 28 de março de 1994, ocorreu uma mudança nesse cenário, pois
a lei obriga a autoridade policial à iniciativa de resguardar os vestígios conforme
sejam produzidos durante a ocorrência do crime.
Isso significa que cabe à autoridade policial que chegar primeiro ao local a
responsabilidade de isolar e preservar o local do crime, até a chegada dos profissio-
nais responsáveis pela perícia, sendo passível de punição caso a autoridade policial
desrespeite a lei.

Cadeia de custódia

Diante da preocupação a respeito da contaminação da prova genética, surge


a necessidade de abordar a qualidade da cadeia de custódia que deve existir neste
tipo de prova.
A coleta dos vestígios deve, portanto, ser acondicionada de forma individual,
evitando contaminação por contato, mistura ou pelo material genético do próprio
coletor, além de impor, sempre que possível, a coleta das chamadas “amostras de
referência” para que não pairem dúvidas sobre a sua origem.
A lei processual penal do Brasil não faz menção à formação, a manuseio e
à preservação da prova em geral. Porém, é de suma importância que exista um
sistema de controle rigoroso, a fim de regulamentar esses procedimentos, o qual
se chama cadeia de custódia, podendo ser definida como o conjunto de procedi-
mentos efetuados no levantamento do local de crime e no tratamento dos vestígios
que, em última instância, irão garantir a credibilidade das provas e a imparciali-
dade na sua formação.
No sentido prático, refere-se a um conjunto de documentos que demonstrem
todos os “passos percorridos” por determinado vestígio no decorrer do seu pro-
cesso de análise, incluindo as condições em que ele foi coletado, a identidade de
todas as pessoas que a ele tiveram acesso, a duração da custódia, as condições de
segurança e armazenamento a que ele foi submetido e a maneira utilizada para se
registrar todas as transferências do material a pessoas diferentes em cada fase.
Portanto, a cadeia de custódia é a segurança de que, ao analisar uma prova
retirada da cena de um crime, o perito está realmente verificando aquela prova

capítulo 3 • 53
sem qualquer possibilidade de contaminação. É o que garante a identidade, inte-
gridade e autenticidade dos vestígios relacionados com os fatos objeto do processo
penal, para que a prova possa ter plena eficácia.
Diante disso, o devido processo legal e os princípios dele decorrentes exigem
que todo o procedimento seja documentado, para que as partes interessadas pos-
sam verificar a idoneidade da fonte da prova apresentada.
Existe um sistema de controle epistêmico da atividade probatória, que assegu-
ra (e exige) a autenticidade de determinados elementos probatórios. Há, ainda, a
exigência de dois princípios para que as provas que são obtidas “fora do processo”,
como a prova de DNA, sejam válidas. O primeiro princípio é a “mesmidade”, ou
seja, a garantia de que a prova valorada é exatamente e integralmente a mesma que
foi colhida.
Afinal, sabe-se que muitas vezes, por diferentes filtros e manipulações feitas
pelas autoridades que colhem a prova, é trazida para o processo parte do que foi
colhido. Como exemplo claro disso, tem-se a interceptação telefônica, em que a
defesa não tem acesso à integralidade da prova original, tendo em vista que a pro-
va é filtrada, durante a custódia, pela autoridade policial que traz para o processo
somente o que lhe interessa. Ou seja, não é a mesma prova colhida, e sim somente
o que interessa ao acusador, comprometendo sem dúvidas, o acesso à defesa.
Sendo assim, somente a correta descrição da continuidade sem nenhuma rup-
tura, de todas as fases investigativas, poderá demonstrar que a prova de um delito
ou o vestígio analisado não foi em nenhum momento substituído por outro. Por
esse motivo é que se faz necessária a descrição completa da cadeia de custódia da
prova, garantindo que o resultado pericial será idôneo.
O outro princípio é o da “desconfiança”, que consiste na exigência de que a
prova seja “acreditada”, ou seja, submetida a procedimentos os quais demonstrem
que aquela prova obtida é de fato o que a parte alega ser. Afinal, nem tudo que
ingressa no processo tem automaticamente valor probatório, devendo ser legiti-
mado, ou “acreditado”, desde sua coleta até a produção em juízo para que se tenha
o valor probatório.
Portanto, sem o conhecimento de todos os elos da corrente que constitui a
formação da prova penal, a garantia plena do direito ao contraditório e à ampla
defesa fica comprometida, tendo em vista a impossibilidade de se verificar a efetiva
idoneidade da prova.
Quando houver qualquer causa de interrupção, ainda que consentida, na ca-
deia de custódia, o valor da prova é enfraquecido, ou até mesmo destruído. É

capítulo 3 • 54
por isso que a prova por meio de material genético obriga a cadeia de custódia a
estar conformada pelo menor número de custódios possíveis, tendo em vista que
quanto menos pessoas tiverem contato com o elemento probatório, menos expos-
ta estará a prova ao risco de quebra de cadeia de custódia, e então mais protegido
estará o elemento probatório.
A preservação da cadeia de custódia exige muita cautela por parte dos agentes
estatais, desde a coleta até a análise para que o menor número possível de pessoas
passe pela prova, e assim diminuam os riscos de sua manipulação, garantindo a
credibilidade do material probatório.
Durante os processos de recolhimento, guarda e envio de amostras biológicas,
muitos problemas podem acontecer e comprometer a análise pericial da prova de
DNA. Cita-se, portanto, o mais comum: a contaminação cruzada e a degradação
do DNA, que apesar de haver a possibilidade da degradação decorrer de caracte-
rísticas das próprias amostras, na maioria das vezes acontece por conta de defeitos
no armazenamento e na conservação do perfil genético coletado.
Neste contexto, o material biológico que será submetido à análise pericial deve
passar por uma série de procedimentos que se inicia desde o primeiro contato com
o vestígio, a fim de que a amostra seja protegida e seu resultado seja satisfatório.
O Ministério da Justiça, juntamente com o Diagnóstico da Perícia Criminal
feito no ano de 2013, informa que o Brasil ainda não tem uma normativa geral
sobre a cadeia de custódia, ocorrendo na maioria dos estados muitas fragilidades
na gestão da atividade pericial. O próprio Ministério da Justiça afirma que, apesar
da ausência de normas formalizadas é possível identificar elementos que demons-
trem a existência mais ou menos consistente de cadeia de custódia nas atividades
periciais. O que assusta na publicação do Ministério da Justiça, é o termo “mais
ou menos consistente de cadeia de custodia”. Ora, tratando-se de uma prova de
tamanha importância, não há como se aceitar que exista “mais ou menos uma
cadeia de custódia”.
Além disso, o mesmo documento aponta fragilidades nos procedimentos da
cadeia de custódia adotados pela maioria dos estados que dispõe de laboratórios de
DNA. Em conjunto, esses dados apontam para a inexistência de procedimentos
de cadeia de custódia na criminalística. O que funciona, enfim, é tão somente a
parte burocrática pertinente ao protocolo de recebimento e encaminhamento dos
vestígios dentro das unidades. A exceção diz respeito aos laboratórios de DNA,
que por serem mais recentes e melhor estruturados, apontam um pouco mais
de robustez nos procedimentos pertinentes à cadeia de custódia. Há também a

capítulo 3 • 55
informação de que o conhecimento dos peritos sobre os procedimentos específicos
da cadeia de custódia de material genético não é o ideal.
Tendo em vista que a investigação criminal parte de um juízo de incerteza,
diante do princípio da presunção de inocência, a punição somente poderá ser
aplicada legitimamente quando o estado de incerteza for superado.
Importante mencionar a recomendação da 1a Câmara Criminal do Tribunal
de Justiça de Minas Gerais, ao juízo de execuções do Estado que realizar a coleta de
material genético de condenados. O entendimento é de que a coleta de material
biológico é providência automática decorrente da condenação.
Por esse motivo, é preocupante o fato de o Brasil não ter um regulamento
nacional que trate de cadeia de custódia especificadamente para a prova genética,
fazendo a lei 12.654/2012 ter pontos obscuros, não somente quanto à sua utiliza-
ção, mas também no que tange ao armazenamento, à permanência e à fiscalização
dos bancos de dados. É necessário padronizar procedimentos e técnicas de coleta,
análise, inclusão, armazenamento e manutenção dos perfis nos bancos de dados,
para que a lei esteja de acordo com o Estado Democrático de Direito.

Coleta e preservação de vestígios

Os principais vestígios coletados na vítima ou na cena do crime são:


•  Sangue
Tecido conjuntivo líquido que tem como funções: transportar oxigênio, nu-
trientes e hormônios, regular o pH e a temperatura corporal, proteger da perda ex-
cessiva de água devido à lesão e sede da defesa humoral contra ação de patógenos.
É formado por elementos figurados ou suspensão de células que são os glóbulos
vermelhos, brancos e plaquetas e por um líquido que tem em sua composição
água, proteínas, vitaminas, sais minerais, glicídios e lipídeos. O sangue é um ves-
tígio comum em cena de crime, especialmente quando envolve agressão corporal
(homicídios e/ou lesão corporal). Pode ser encontrado na forma líquida, coagu-
lada, úmida ou seca. A coleta dependerá de sua forma e localização. Se estiver na
forma líquida, pode se apresentar como manchas (empoçamento, gotejamento,
projeção) ou misturado a outros líquidos (água, urina, produtos de limpeza).
Existem várias maneiras de realizar a coleta, as mais utilizadas são por meio
de swab (figura 3.1), seringas e pipetas, o que será levado em consideração para
o melhor método é a localização e forma da amostra. Na forma líquida, é im-
portante proceder a coleta fazendo uso de uma seringa ou pipeta, transferindo

capítulo 3 • 56
o sangue para um tubo de coleta sanguínea com propriedades anticoagulantes e
preservativas.

Figura 3.1  –  Utilização de swab para coleta de sangue fresco. Fonte: Alamy.

Existe também alternativas como o uso de swab, algodão, FTA (figura 3.2);
nesses casos deve-se secar o material antes do armazenamento, para assim evitar
a proliferação de micro-organismos. O material seco pode ser acondicionado em
envelope de papel, frasco de vidro ou saco plástico e refrigerado.

Figura 3.2  –  Cartão FTA para coleta de sangue. Fonte: VWRTM.

Na forma seca, é coletado com swab umedecido com água destilada ou raspa-
gem com lâmina, canivete ou espátula. No caso da coleta com swab, ressalta-se a

capítulo 3 • 57
importância da secagem antes do armazenamento. O material resultante da raspa-
gem deve ser acondicionado em um envelope. Na forma úmida, geralmente en-
contrada em peças de roupa, deve ser recolhida a peça embalada em saco plástico
e transportada ao laboratório, onde deve-se proceder a secagem e, posteriormente,
o acondicionamento em envelope de papel pardo, cada peça em um envelope
separado para evitar contaminação.
Caso a peça seja grande, deve-se cortar a parte onde se encontra o sangue,
deixando secar à temperatura ambiente e procede-se ao acondicionamento em
envelope de papel pardo. É importante ressaltar que os envelopes e recipientes de
acondicionamento devem ser obrigatoriamente identificados. Para amostras em
meios líquidos, proceder com uso de swab, algodão, gaze, seringa, pipeta, o mais
rápido possível para evitar a diluição do vestígio. Em objetos transportáveis devem
ser recolhidos e enviados ao laboratório, onde após secos, serão acondicionados
em envelope de papel vegetal e posteriormente em envelope de papel pardo ou
caixa, devendo-se sempre selar os cantos dos envelopes. Deve-se ter cuidado para
não remover a mancha por atrito durante o transporte e manuseio. Em objetos
não transportáveis, a coleta ocorre com auxílio de swab, gaze, algodão umedecido
em água destilada. Além da amostra com o vestígio, deve-se coletar uma amostra
na periferia do local onde o vestígio foi coletado, servido com amostra para possí-
vel acareação. Deve-se secar antes do acondicionamento.
•  Sêmen
Este vestígio é definido como uma suspensão de espermatozoides contida no
líquido seminal. O líquido seminal coagula após cinco minutos que foi ejaculado,
devido às proteínas das vesículas seminais. Após 10 a 20 minutos, o sêmen dissol-
ve-se pelo fato de as enzimas e os antígenos produzidos pela próstata causarem a
decomposição do coágulo. É um vestígio de grande importância, devido aos casos
de agressão sexual e por ser uma ótima fonte de DNA.
O DNA que será analisado é extraído dos espermatozoides. Primeiramente, é
de fundamental importância à pesquisa microscópica na amostra para verificar a
existência de espermatozoides e do teste ou reação de brentamina que determina a
atividade da fosfatase ácida, na qual o resultado positivo indica a presença de célu-
las seminais (figura 3.3). Frequentemente é encontrado na forma seca aderido em
roupas de cama e peças íntimas e na forma líquida, em preservativos e na vítima.
Na forma seca, geralmente encontrada em peças íntimas, roupa de cama, co-
leta-se a peça toda, sendo armazenada em saco de papel ou plástico e acondicio-
nada em local refrigerado até o envio para o laboratório (figura 3.4). Deve-se ter

capítulo 3 • 58
cuidado para não armazenar a peça úmida, uma vez que, pode resultar na perda da
amostra devida à proliferação de micro-organismos. Caso o objeto que contenha
a mancha não possa ser transportado, utiliza-se swab ou gaze umedecida em água
destilada para proceder à coleta. Na forma líquida, normalmente encontrada no
preservativo, que deve ser amarrado para evitar perda da amostra, é colocado em
recipiente para evitar o vazamento e a seguir, é congelado. Há grande possibilidade
de encontrar material biológico da vítima nesse tipo de vestígio. Se a amostra não
estiver no preservativo, utiliza-se uma pipeta ou seringa para coletar o líquido e
transferir para um recipiente ou coleta-se com swab.

Figura 3.3  –  Kit utilizado para determinar a atividade


da fosfatase ácida. Fonte: Refine Med.

Figura 3.4  –  Teste de fosfatase ácida em amostra de sêmen encontrada em peça


de roupa íntima. Fonte: Semen and Sperm Detection Incorporation – SSDI.

capítulo 3 • 59
•  Saliva
Fluido aquoso, que lubrifica os movimentos da língua e dos lábios durante o
ato de falar e umedece as túnicas mucosas e o esôfago, sendo secretado pelas glân-
dulas parótidas, submandibular e sublingual em menos quantidade por pequenas
glândulas na boca. Esse vestígio pode passar por exames de reações químicas (pes-
quisa de sulfocianeto de potássio e cloreto férrico), físico e microscópio.
O exame microscópico é o teste de maior interesse, pois procura células da
mucosa bucal para análise de DNA. Pode ser encontrada no local do crime em
diversos objetos, tais como envelopes, selos, pontas de cigarro, copos, garrafas,
talheres e no corpo humano associado à lesão por mordida. Na forma seca (man-
cha) deve-se coletar o vestígio com swab ou gaze umedecida em água destilada e
deixar secar à temperatura ambiente, armazenar em envelope ou caixa de papel e
transportar à temperatura ambiente. Durante a coleta, é importante deixar uma
parte do material usado sem vestígio para servir de controle negativo.
Caso o vestígio se encontre em um objeto que seja possível de transportar, tais
como envelopes, pontas de cigarro, copos, goma de mascar, garrafas, talheres e guar-
danapos, coloca-se o objeto em um envelope de papel vegetal, utilizando-se pinça ou
luvas para seu manuseio. Requer o máximo de cuidado para que a mancha do vestí-
gio não seja degradada por atrito com o envelope durante o transporte (figura 3.5).

Figura 3.5  –  Kit para detecção e coleta de saliva, específico


para antígeno salivar humano. Fonte: SIRCHIE.

•  Urina
Água e os solutos restantes da filtração do sangue pelos rins compõem a urina,
que tem importante papel na regulação do balanço de líquidos, eletrólitos e no
equilíbrio entre ácidos e bases. A maior importância da análise desse vestígio está

capítulo 3 • 60
relacionada aos crimes de agressão sexual e infanticídio. O exame de identificação
ocorre por meio da extração de DNA das células das vias urinárias, leucócitos, sêmen
e mecônio, que podem estar associados à urina. Porém, na urina encontram-se bac-
térias e outros agentes contaminantes que tornam a obtenção de resultados difícil.
A coleta dependerá da forma como o vestígio for encontrado, ou seja, na
forma líquida é utilizada uma pipeta ou seringa para transferir o líquido para um
tubo estéril. Na forma de mancha, deve ser levado o objeto como um todo ao
laboratório, caso não seja possível, é feito um corte onde a mancha se encontra,
guardando-a em um envelope para evitar a contaminação e/ou a degradação do
DNA (figura 3.6).

Figura 3.6  –  Amostras de urina na forma líquida e seca. Fonte: Google images.

•  Placenta
É um órgão formado pelo cório do embrião e por parte do endométrio ma-
terno, fornecendo as necessidades nutricionais e respiratórias básicas ao feto. Esse
vestígio geralmente está relacionado com o crime de aborto. Por meio da placenta,
é possível a identificação materna. Porém, normalmente esse material é encontra-
do em lixões, aterros sanitários e estações de tratamento de esgoto, prejudicando
a análise da amostra e, consequentemente, a localização da genitora. Mesmo que
seja obtido sucesso na análise do DNA, ainda há a complicação por não existir
amostra-referência para realizar a comparação.
Deve-se escolher uma parte do material que apresente melhor estado de con-
servação. Com uso de lâmina de bisturi, deve-se cortar pelo menos dois fragmen-
tos do tecido, com bastante cuidado para não ocorrer contaminação com DNA
exógeno. Armazenar em tubo plástico estéril e acondicionar em local com tempe-
ratura mínima de 4 °C. Também se pode utilizar um swab para coletar sangue após

capítulo 3 • 61
o corte dos vasos no tecido, sendo necessária a secagem em temperatura ambiente,
procedimento que auxilia em locais onde não se dispõe de dispositivos de baixa
temperatura para acondicionamento do vestígio (figura 3.7).

Figura 3.7  –  Placenta, vestígio geralmente relacionado


com o crime de aborto. Fonte: Vila Mamífera.

•  Ossos e dentes
O osso é um tecido vivo, complexo e dinâmico formado por células e mate-
rial extracelular endurecido pela presença de cálcio; cada osso é considerado um
órgão. Os ossos longos são fontes importantes de DNA a partir da medula óssea
localizada no canal medular. Se a amostra estiver em bom estado de conservação,
é possível extrair muito DNA de pequenos pedaços de ossos. Dentes, em especial,
os molares também são fontes importantes de DNA, extraído a partir da polpa
dentária. Vestígio de grande importância nos casos em que o material encontra-se
muito deteriorado, pois é possível encontrar DNA mitocondrial (DNAmt) de
pequenas porções de osso. Escolher tecido ósseo compacto que não esteja com sua
superfície coberta de bactérias e fungos. Dois dentes de preferência são os molares
e pré-molares, não tratados e não cariados. Podem ser embalados em qualquer
papel, desde que não soltem tinturas e acondicionados em temperatura ambiente;
caso não haja tecido mole aderido, se houver, deve ser acondicionado em conge-
lador a –20 °C. Evitar o acondicionamento em locais quentes, úmidos e de acesso
de roedores e insetos, prevenindo a degradação da amostra (figura 3.8).

capítulo 3 • 62
Figura 3.8  –  Ossos e dentes utilizados na coleta de DNA. Fonte: Antropologia Forense.

•  Pelos e cabelos
Constituídos principalmente por queratina, pequenas quantidades de metais
e melanina, o bulbo (raiz) do cabelo ou do pêlo é irrigado por sangue, sendo a
região de maior probabilidade de extração de DNA nuclear. A partir do cabelo
sem o bulbo, pode-se extrair o DNAmt. Porém, existe grande possibilidade de os
resultados não serem conclusivos, pois fatores como tratamentos químicos podem
impedir uma extração de DNAmt com qualidade. Com uma pinça, transfere-se
o vestígio para uma folha de papel, dobrando para evitar a perda, em seguida colo-
ca-se em um envelope devidamente identificado e na ausência de umidade, colo-
cando cada fio em envelopes separados. Nos casos em que o vestígio esteja aderido
a tecidos orgânicos, coleta-se a amostra por inteiro. Para extração de DNA nuclear,
deve-se usar apenas o bulbo, devido à existência da melanina na composição dos
pelos ou cabelos, inibindo a amplificação por PCR.
Há uma diferença do formato do fio de cabelo que afeta tanto as características
físicas do fio, como a resistência mecânica e as propriedades de superfície, como
também a reação quando expostos a agentes químicos. Os cientistas reconhecem
três tipos de fios: afro, caucasiano e asiático (figura 3.9).

capítulo 3 • 63
Figura 3.9  –  Comparativo das estruturas de cabelo de três grupos étnicos
humanos. Fonte: Morfologia e estrutura macromolecular dos cabelos.

•  Material fecal
As fezes são formadas por resíduos da digestão, bactérias, células do revestimen-
to do trato gastrintestinal e materiais que não foram absorvidos pelo organismo.
Sua composição compromete os resultados, uma vez que, na maioria das vezes, não
tem material genético e contém elementos que impendem o êxito do estudo. Por
isso, a coleta só ocorrerá caso seja verificada alguma possibilidade de obter resultado
significativo, o que ocorre no caso no qual o material fecal apresenta secreção sangui-
nolenta. Proceder-se na coleta da parte do vestígio em que há secreção sanguinolenta
com uma espátula de plástico e acondicionar em coletor universal.

Figura 3.10  –  Kit de extração de DNA a partir de amostras de fezes


humanas e animais frescas. Fonte: MP Biomedicals.

capítulo 3 • 64
•  Unhas
O estudo deste vestígio trata-se não exatamente dele, mas sim do que as unhas
são capazes de armazenar embaixo delas. Em situações em que haja desconfiança
de luta corporal entre a vítima e o autor ou outro tipo de contato físico, em que
exista a possibilidade de conter amostra biológica armazenada sob a unha, deve-se
realizar um exame minucioso, procurando qualquer vestígio passível de análise.
Procede-se à coleta de material colocando-se o dedo da vítima sobre uma folha
de papel limpo, passa-se o palito embaixo da unha para retirar o vestígio, faz-se
um envelope do papel onde foi coletado o vestígio e coloca-se junto à ponta do
palito utilizado para a coleta e isso é acondicionado em um envelope devidamente
identificado.
A amostra de cada dedo deve ser coletada e embalada separadamente. Se al-
gum fator impossibilitar a coleta no local, a amostra será coletada no IML. Para
que isso ocorra sem perda ou contaminação, é feito o isolamento das mãos ou dos
pés com sacos de papel, preservando-se assim o membro do qual será realizada
a coleta.
Todos os vestígios biológicos encontrados no local do crime devem ser foto-
grafados antes de serem manuseados. É indispensável durante a coleta a proteção
individual e a proteção do vestígio.
Por se tratar de vestígio biológico, sempre deve existir a preocupação com a
própria contaminação durante a coleta, por isso é fundamental o uso de luvas
descartáveis, máscara, sapato fechado, não beber ou comer no local da coleta e o
material descartável utilizado deve ser colocado em sacos para resíduos biológicos
e posterior descarte em local adequado e a pessoa estar previamente vacinada.
Já para a proteção do vestígio, deve-se isolar e proteger a cena do crime o
mais rápido possível, fotografar todos os vestígios antes da coleta, fazer coleta de
material próximo ao vestígio para servir de controle, documentar cada local de
coleta, identificar corretamente os envelopes e recipientes, trocar as luvas a cada
coleta distinta e preferencialmente usar material descartável. Os vestígios úmidos
e líquidos devem ser transferidos o mais rápido possível para o laboratório, evitar
ao máximo transitar no local, sempre que possível embalar as amostras em papel
vegetal e posteriormente em envelope de papel pardo, embalando separadamente
cada vestígio, ter cuidado no manuseio e transporte para mantê-lo conforme en-
contrado e armazenar em local de acesso restrito e ter os cuidados necessários para
a conservação da integridade de cada tipo de amostra.

capítulo 3 • 65
Figura 3.11  –  Kit contendo raspadores e envelopes para obtenção de vestígios
armazenados embaixo das unhas. Fonte: Arrowhead Forensics.

Coleta de amostras

Existem vários métodos para a coleta de amostras de referência para exames de


DNA. As amostras de referência prezam a qualidade do material e por isso devem
ser coletadas de forma padronizada, ética e lícita, pois serão usadas para fins de
exames de DNA.
A seguir estão elencados três métodos publicados em Procedimento
Operacional Padrão (POP) 2.1 – Genética Forense, elaborado pela Secretaria
Nacional de Segurança Pública: coleta de mucosa oral, coleta de sangue por pun-
ção venosa e coleta de sangue por punção transcutânea.

Coleta de células da mucosa oral

Material utilizado
•  Dispositivo próprio para coleta e conservação de DNA de células bucais
(opcional);
•  Luvas descartáveis;
•  Máscaras;
•  Porta-swab (opcional) ou embalagem para armazenamento do mate-
rial coletado;
•  Swabs estéreis embalados individualmente.

O indivíduo que será submetido à coleta de mucosa oral, deve evitar o con-
sumo de alimentos, bebidas e cigarro por pelo menos uma hora antes do procedi-
mento de coleta. Alternativamente, pode ser oferecido ao indivíduo um copo de
água para consumo e consequente limpeza de restos de alimentos na cavidade oral.

capítulo 3 • 66
Sugere-se a coleta de, pelo menos, 2 swabs orais. Esses swabs vêm em emba-
lagens individuais estéreis e após a coleta de cada amostra, podem ser colocados
novamente nestas embalagens individualmente ou em embalagens do tipo porta-
-swab. Ao coletar cada amostra oral, o coletor deve ter o cuidado de friccionar o
swab contra as paredes internas de ambas as bochechas, com movimentos como
se estivesse raspando/girando na superfície. O recomendado é que se friccione o
mesmo swab 10 vezes em cada uma das bochechas (figura 3.12).
Sempre que possível os swabs devem ser deixados à temperatura ambiente
(menor ou igual a 25 °C), ao abrigo da luz solar e em condições de umidade ade-
quada até que sequem naturalmente, ou acondicionados em embalagens que per-
mitam a secagem. Após secagem, devem ser mantidos sob refrigeração (0 a 7 °C).
Existem diferentes tipos de swabs e dispositivos apropriados disponíveis co-
mercialmente para a coleta de células de mucosa oral. Em todos os casos, é neces-
sário que o swab/dispositivo seja estéril.

Figura 3.12  –  Procedimento correto de como friccionar o swab contra


as paredes internas das bochechas. Fonte: CLEAN 420.

Coleta de sangue periférico por punção venosa

Material utilizado
•  Sistema de punção compatível com tubos para coleta a vácuo;
•  Tubo para coleta a vácuo, preferencialmente plástico, com anticoagulante
EDTA (tampa roxa).

A punção venosa só pode ser realizada por profissional habilitado para tal
função. Todos os instrumentos utilizados devem ser estéreis e aqueles que entram
em contato com o corpo do doador devem ser descartáveis.

capítulo 3 • 67
Para os exames de DNA, deve-se observar a capacidade recomendada pelo
fabricante do tubo, desde que não seja inferior a 1,0 mL.
O tubo para coleta a vácuo deve conter substância anticoagulante, de prefe-
rência EDTA (tubos de tampa roxa) (figura 3.13). O sangue deve ser mantido
sob refrigeração (0 a 7 °C) até a chegada à unidade de análise e/ou custódia. Se o
período for superior a 48 horas, armazenar a amostra congelada.

Figura 3.13  –  Tubo plástico para coleta a vácuo, com substância


anticoagulante – anticoagulante EDTA. Fonte: SUPROM PERÚ.

Coleta de sangue periférico por punção transcutânea

Material utilizado
•  Autolancetas descartáveis;
•  Papel próprio para coleta e conservação de DNA de sangue.

A punção transcutânea é realizada por meio de dispositivos próprios deno-


minados lancetas ou, alternativamente, por agulhas estéreis de pequeno calibre,
ambos descartáveis. É geralmente realizada na falange distal de um dos dedos da
mão do indivíduo (figura 3.14) ou na curvatura plantar lateral do calcanhar de
crianças com menos de 1 ano de idade (Figura 3.15).
Após a punção, aplicar pressão necessária para produzir pelo menos três gotas
de sangue, que deverão ser transferidas por contato para o papel próprio de coleta
e conservação de DNA de sangue, gerando uma mancha que cubra pelo menos
metade da área delimitada e que seja visível na face oposta do papel.
Todo material biológico deve ser considerado como potencialmente infectan-
te, assim o coletor deverá sempre utilizar equipamentos de proteção individual
adequados à atividade. Todo o material descartável utilizado no procedimento de
coleta deverá ser descartado de forma adequada, conforme legislação vigente.

capítulo 3 • 68
Figura 3.14  –  Punção transcutânea em crianças com
menos de 1 ano de idade. Fonte: LABTEST.

Figura 3.15  –  Punção transcutânea na falange distal de um indivíduo. Fonte: LABTEST.

Extração e quantificação de DNA

As técnicas de extração variam de acordo com a fonte biológica empregada,


e o princípio utilizado pode ser por meio da ruptura química das membranas
celulares e separação do DNA, empregando solvente e precipitação em álcool. O
isolamento do DNA pode ocorrer por meio de membranas concentradas à base de
sílica ou empregando-se beads magnéticos com afinidade condicional pelo DNA.
Atualmente, existem equipamentos que automatizam a extração do DNA empre-
gando diferentes princípios, sendo vantajosos na medida em que minimizam os
riscos de troca ou contaminação das amostras.
Basicamente, o processo de extração de DNA consiste em duas etapas. A pri-
meira etapa é a extração propriamente dita e consiste no rompimento das mem-
branas celulares (e consequente exteriorização do DNA). A segunda fase consiste
na purificação do DNA em solução, ou seja, “retirada” dos outros componentes

capítulo 3 • 69
celulares da solução (restos de membrana, proteínas, RNA) (ROMANO, 1999).
O rompimento das membranas celulares geralmente é feito com detergentes (SDS
ou CTAB). A utilização de agentes caotrópicos como o tiocianato de guanidina
impede o DNA de se ligar às outras moléculas, facilitando sua separação na segun-
da fase do processo.
Após esta fase, deve-se separar o DNA dos outros componentes celulares. Isso
é feito por meio da adição de substâncias que fazem a solução se tornar hetero-
gênea e o DNA ficar dissolvido em apenas uma das fases, por exemplo, quando
se utiliza fenol para desnaturar as proteínas, ficando o DNA na fase aquosa e as
proteínas na interface entre as fases orgânica e aquosa. Uma alternativa à utilização
dos solventes orgânicos como o fenol é fazer a separação das proteínas utilizando
altas concentrações de sal (salting out) (figura 3.16).
Após separar o DNA dos outros componentes celulares, pode-se proceder a
uma precipitação do DNA para garantir a máxima pureza do material. Essa pre-
cipitação geralmente é feita utilizando-se álcool (etanol ou isopropanol) que, em
presença de cátions monovalentes, promove uma transição estrutural na molécula
de ácido nucleico, resultando em agregação e precipitação.

1. Tampão Lise I
(hemácia)
10 mL Sangue Venoso botão

3. Centrifugar

2. Vortex

11. Eluir em
água estéril
10. Secar

4. Tampão Lise
II (leucócitos)
A SDS
NaCl 6M

8. ‘Pescar” o
9. Lavar 3X DNA e transferir
com etanol para um tudo de
70% eppendorf 7. Isopropanol 6. Centrifugar
estéril Absoluto
5. Vortex

Figura 3.16  –  Etapas da extração de DNA pelo método salting


out. Fonte: Biotecnologia – O DNA Pela Vida.

capítulo 3 • 70
No geral, toda extração de DNA tem base em quatro etapas fundamentais,
presentes em qualquer protocolo de extração:
•  Lise das membranas lipídicas;
•  Purificação do DNA;
•  Precipitação do DNA;
•  Reidratação do DNA (figura 3.17).

Lise das membranas lipídicas

Purificação do DNA

Precipitação do DNA

Reidratação do DNA

Figura 3.17  –  Etapas básicas da extração de DNA.

Extração de DNA

Os diversos métodos de obtenção de DNA são a extração orgânica, que é o


método mais tradicional, e orgânica com utilização de filtro concentrador que ser-
ve para otimizar a análise; extração pela resina Chelex, já a extração pelo método
inorgânico (salting out) pode ser por FTA que é um papel quimicamente tratado
destinado à coleta, ao transporte, ao armazenamento e à extração de ácidos nuclei-
cos. A extração tem por objetivo solubilizar os ácidos nucleicos, processo realizado
com a desintegração dos tecidos, em que, por fim, é separado o extrato do material
insolúvel por meio de uma série de centrifugações.
Cada técnica tem indicações, vantagens e desvantagens. Por exemplo, se é ne-
cessário a extração de DNA de alta massa molecular, utiliza-se a extração orgânica
com fenol-clorofórmio – mais complexo e demorado. Caso a extração não seja de
DNA de alta massa molecular, usa-se a técnica de Chelex que é mais rápida, fácil
e eficiente. A técnica mais eficaz dependerá do tipo da amostra biológica coletada,
conforme a tabela 3.1.

capítulo 3 • 71
MÉTODO VESTÍGIOS
Sangue líquido, manchas de fluidos cor-
Orgânica com fenol-clorofórmio.
póreos, esperma e células vaginais.

Orgânica com utilização de filtro Manchas de sangue, saliva, sêmen e


concentrador. swabs vaginais.

Saliva em objetos, tecidos moles, cabelos,


Orgânica tradicional.
ossos e dentes.

Método inorgânico. Sangue total.

Sangue total, manchas de sangue e sê-


men, saliva em swabs, envelopes, saliva
Chelex.
em objetos e cabelos para análise de
DNAmt.

Tabela 3.1  –  Métodos de obtenção de DNA, de acordo com o tipo da amostra biológica
coletada. Budowle et al. (2000). Adaptado.

As amostras forenses em geral são submetidas a uma gama de variáveis quími-


cas e ambientais que podem ocasionar a degradação, a diluição ou a contamina-
ção do DNA dessas amostras. Os principais fatores que atuam negativamente na
qualidade das amostras de DNA são: degradação por calor; radiação solar; umi-
dade ou ação microbiana (fungos e bactérias); contaminação por DNA de outras
pessoas, de animais ou de micro-organismos; mistura com produtos químicos;
diluição das amostras etc. A imprevisibilidade quantitativa e qualitativa de DNA
isolado de amostras forenses faz com que seja necessária a quantificação prévia do
DNA, antes da amplificação e análise dos perfis genéticos ou sequenciamento.
Diversos métodos de quantificação são utilizados nos laboratórios forenses,
desde uma simples visualização de padrões de bandas de DNA por espectrofoto-
metria, até a quantificação de DNA humano empregando-se a técnica de PCR em
tempo real ou real time PCR. Nesta, à medida que se realiza uma reação de PCR,
sondas fluorescentes específicas se ligam às moléculas em amplificação, liberando
fluorescências que são captadas por um fotômetro acoplado ao termociclador.
Após analisada com base em uma curva de calibração, a intensidade do sinal
fluorescente produzido ao longo de cada ciclo permite inferir a quantidade de
DNA humano presente em cada amostra.

capítulo 3 • 72
As vantagens da técnica de quantificação por PCR em tempo real, em relação
a outros métodos, têm base na especificidade e na elevada sensibilidade desta me-
todologia (tabela 3.2). A PCR em tempo real emprega kits com sondas e primers
específicos para o DNA humano, diferentemente de outros métodos que quanti-
ficam também o DNA bacteriano ou outro DNA não humano presente na amos-
tra. Além do mais, a técnica de quantificação por PCR em tempo real apresenta
sensibilidade superior aos demais métodos.

PCR EM TEMPO REAL PCR CONVENCIONAL


Coleta de dados na fase final da reação
Coleta de dados na fase exponencial.
(plateau).

Manipulação pós-PCR
Sem manipulação pós-PCR. Preparação de gel de agarose –
visualização.

Resultados quantitativos. Resultados qualitativos.

Requer concentrações de DNA/DNAc Requer concentrações maiores de


1000x<. DNA/DNAc.

Tempo de reação reduzido;


Maior reprodutibilidade, sensibilidade e Muito tempo para obter resultados.
precisão.

Tabela 3.2  –  Tabela comparativa entre as técnicas de PCR em tempo real e PCR convencional.

ATIVIDADES
01. Defina cadeia de custódia.

02. Quais as vantagens da técnica de quantificação por PCR em tempo real em relação às
demais técnicas de quantificação de DNA?

03. Marque corretamente as etapas básicas de extração de DNA, na ordem em que acon-
tecem.
a) Lise das membranas lipídicas – purificação do DNA – reidratação do DNA – precipita-
ção do DNA

capítulo 3 • 73
b) Precipitação do DNA – purificação do DNA – lise das membranas lipídicas – reidratação
do DNA
c) Reidratação do DNA – lise das membranas lipídicas – purificação do DNA – precipita-
ção do DNA
d) Lise das membranas lipídicas – purificação do DNA – precipitação do DNA – reidrata-
ção do DNA

04. Qual o nome da técnica alternativa à utilização dos solventes orgânicos que utiliza altas
concentrações de sal?

REFLEXÃO
Existem centenas de tipos de evidências físicas que usualmente são submetidas aos
laboratórios de genética forense pelas agências policiais. A coleta de material biológico re-
lacionado a ilícitos legais e os procedimentos preliminares para exame de identificação hu-
mana por DNA devem seguir padrões rígidos, a fim de assegurar o sucesso das análises. A
cadeia de custódia contribui para a validação da prova pericial e o respectivo laudo gerado.
A responsabilidade de manutenção da idoneidade processual é compartilhada a todos os
agentes do Estado envolvidos, incluindo o perito criminal. A necessidade de procedimentos
padronizados é necessária, para que diante dos questionamentos da defesa do acusado,
as provas periciais permaneçam robustas e confiáveis, servindo de elemento de convicção
do juiz.

MULTIMÍDIA
Indicação de filmes
Real Time PCR. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=FIgGKkcLLuo&-
t=98s>. Acesso em: dez. 2018.

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capítulo 3 • 76
4
Enzimas de
restrição e DNA
fingerprint
Enzimas de restrição e DNA fingerprint
Todos os processos de desenvolvimento embrionário, diferenciação celular
e controle das atividades metabólicas das células são controlados pelo DNA. A
informação de “como fazer” um ser vivo está contida nele. O DNA pôde ser
decifrado no final da década de 1970, quando dois grupos de pesquisadores, um
liderado por Sanger e outro por Gilbert, desenvolveram diferentes estratégias de
sequenciamento.
Nos dias atuais, existem as técnicas de sequenciamento de nova geração, as
NGS, e as técnicas de terceira geração, ainda em desenvolvimento. Em todos os
processos utilizados, o objetivo final do sequenciamento de DNA é a leitura e a
identificação da ordem exata em que estão as bases nitrogenadas, o que determina
cada gene e identifica cada ser humano como único.

OBJETIVOS
•  Entender o funcionamento das enzimas de restrições e a formação de DNA fingerprint;
•  Reconhecer e diferenciar os tipos de polimorfismos genéticos;
•  Entender o processo de reação em cadeia da polimerase;
•  Entender o processo de eletroforese capilar;
•  Compreender o processo de herança materna (DNA mitocondrial) e herança paterna (cro-
mossomo Y).

Enzimas de restrição e DNA fingerprint

O DNA fingerprint é um método de identificação que compara fragmentos


de ácido desoxirribonucleico (DNA). Às vezes, é chamado de tipagem de DNA.
Este é o material genético encontrado no núcleo das células de todos os seres vivos.
Com exceção de gêmeos idênticos, o DNA completo de cada indivíduo é único.
A estrutura química do DNA de todos é a mesma. A única diferença entre as
pessoas (ou qualquer animal) é a ordem dos pares de bases. Há tantos milhões de
pares de bases no DNA de cada pessoa que cada uma tem uma sequência diferente.
Usando essas sequências, cada pessoa pode ser identificada unicamente pela
sua sequência de pares de base. No entanto, em razão dos milhões de pares de

capítulo 4 • 78
bases, a tarefa é muito demorada. Em razão desta dificuldade, os cientistas podem
usar um método mais rápido, por causa da repetição de padrões de DNA.
Esses padrões DNA são capazes de determinar se duas amostras de DNA são da mes-
ma pessoa, de pessoas relacionadas, ou ainda, amostras não relacionadas com as pessoas.
No DNA fingerprint, as sequências de DNA são reconhecidas e cortadas por
determinadas enzimas de restrição. Estas enzimas dividem o DNA em fragmentos
cujas dimensões e composição em nucleotídeos variam de pessoa para pessoa e
refletem as diferenças entre os alelos dos vários loci.
Diferentes fragmentos de DNA movimentam-se de modo variado quando
submetidos a eletroforese (técnica em que determinadas moléculas são sujeitas à
ação de um campo elétrico em um meio poroso), e o resultado é um padrão de
bandas que difere de indivíduo para indivíduo.

Polimorfismos genéticos: VNTRs, STRs e SNPs

No genoma humano existem determinadas regiões polimórficas de um locus


(local fixo onde está localizado determinado gene ou marcador genético) no qual
dois ou mais alelos têm frequências gênicas maiores que 0,01 em uma população.
Quando este critério não é preenchido, o locus é monomórfico. Essas regiões são
utilizadas nos exames de paternidade e de outros vínculos genéticos e podem cons-
tituir repetições consecutivas de números variáveis ou minissatélites (VNTR, do
inglês, Variable Number of Tandem Repeats); ou repetições consecutivas curtas ou
microssatélites (STR). São regiões altamente polimórficas, isto é, apresentam va-
riedade de tamanhos na população e, assim, a análise permite discriminar pessoas
ou linhagens de pessoas a partir de um DNA íntegro e em grandes quantidades.

VNTRs (Variable Number of Tandem Repeats)

As sequências VNTRs (figura 1), também conhecidas como minissatélites, va-


riam de 12 a 100 pares de bases de comprimento e são encontradas em conjuntos
contendo cerca de 3000 repetições. Assim, estas sequências ocupam segmentos con-
sideravelmente mais curtos do genoma do que as sequências satélites. Por uma razão
desconhecida, os minissatélites tendem a ser instáveis, e o número de cópias de uma
sequência particular, frequentemente, aumenta ou diminui de uma geração à outra.
Como resultado, o comprimento de um locus particular de minissatélite é altamente
variável na população, mesmo entre membros da mesma família.

capítulo 4 • 79
Uma região VNTR típica consiste de 500 a 1000 pb, compreendendo principal-
mente unidades repetidas em sequência, cada qual com cerca de 15 a 35 pb de com-
primento. Os VNTRs são particularmente empregados como marcadores moleculares
para a identificação humana em casos criminais ou de paternidade, por serem bastante
variáveis (polimórficos), contendo um número muito grande de alelos diferentes.

Marcador minissatélite ou
Regiões do primer (iniciador)
VNTR(D1S80)

Região repetida

GAGGACCACCAGGAAG
Unidade de repetição de 16 bp

Figura 4.1  –  Representação de um marcador VNTR


ou minissatélite. Fonte: Google images.

STRs (Short Tandem Repeats)

Os STRs ou microssatélites (figura 4.2), embora sejam muito similares aos


VNTRs, são as mais curtas sequências (1 a 5 pares de bases de comprimento) e
estão presentes em pequenos agrupamentos de cerca de 50 a 100 pares de bases de
comprimento. Os microssatélites estão espalhados de forma bastante homogênea
no DNA, pelo menos 30 mil loci diferentes no genoma humano.
As enzimas da maquinaria de replicação do DNA não conseguem copiar as regiões
do genoma que contém essas sequências repetitivas, fazendo-as apresentarem taxa de
mutação extremamente alta. Estes locos são muito abundantes no genoma humano,
e cada um deles tem grande número de diferentes alelos, inclusive maior do que o
encontrado em VNTRs, o que os torna ainda mais úteis para identificação humana.

Marcador de STR ou
Regiões do primer (iniciador)
microssatélite (TH01)

Região repetida

TCAT
Unidade de repetição de 16 bp

Figura 4.2  –  Representação de um marcador STR ou


microssatélite. Fonte: Google images.

capítulo 4 • 80
Em média, 1 STR a cada 6 ou 10 kb (quilobase) ocorre no genoma humano
e, portanto, atualmente, as investigações genéticas nas populações pelos perfis de
locos STRs têm sido amplamente empregadas, as quais permitem o uso de amos-
tras contendo pequenas quantidades de DNA e/ou degradadas. Contudo, quando
analisados individualmente, não apresentam um poder de discriminação compa-
rável aos VNTRs e, por isso, é preciso uma análise em conjunto de vários locos
STRs para garantir resultados satisfatórios.
Marcadores STRs são suficientemente polimórficos e passíveis de multiplexa-
gem para permitir a identificação inequívoca de um indivíduo, e assim pode colo-
car o DNA daquela pessoa na cena de um crime com um elevado grau de certeza.
No entanto, STRs não transmitem ao investigador quaisquer informações so-
bre quando ou como o material foi depositado, qual a fonte do material coletado
(de células/fluido/tecido) ou quaisquer descrições fenotípicas de outra pessoa anô-
nima que deixou o material na cena do crime, que não seja o seu sexo.
Com base nesses conceitos, os produtos comercializados hoje em dia para
paternidade e identificação de suspeitos, quase que na sua totalidade, amplificam
até 16 loci em uma única reação de PCR (reação da cadeia polimerase). A análise
do produto amplificado pela PCR em sequenciadores de DNA e as escadas alélicas
(ladders) possibilitam a identificação dos alelos existentes nos loci analisados.
Na maioria dos testes de paternidade por STRs, a informação genética é
obtida pelos resultados provenientes de quinze loci e pode ser realizada com o
uso de kits comerciais disponíveis; esses números podem ser aumentados para
alcançar maior confiabilidade nos resultados. Segundo o Genetic Identity, 16 loci
(15 STR e amelogenina, para determinação de gênero) são necessários para obter
uma análise precisa e confiável, assim satisfazendo as necessidades das principais
organizações mundiais.
Quando a análise de STRs se torna difícil ou impossível, devido à quantidade
ou qualidade do DNA que foi recuperado, há a opção, como já foi mencionado
anteriormente, de se fazer o exame a partir do DNA mitocondrial (DNAmt).
Embora esteja longe de ser tão informativo como as análises STRs, o DNAmt
pode fornecer informações úteis tanto no quesito investigativo quanto na confir-
mação da identidade.

capítulo 4 • 81
SNPs (Single Nucleotide Polymorphisms)

Recentemente, o estudo da identificação humana tem se direcionado ainda


para o uso de SNPs (polimorfismos de nucleotídeo único) (figura 4.3) que, por
serem marcadores de inserção/deleção (indels), podem atuar como coadjuvantes
para fornecer informação genética decisiva em favor, a favor ou contra a relação
assumida e, também, por permitirem a identificação de evidências degradadas,
comuns na criminalística. Ambos SNPs e indels agora podem ser obtidos com
mais facilidade usando multiplexes de até 50 loci, com base em comprimento de
fragmentos, tornando possível a ampliação do leque de marcadores utilizados até
o momento (STRs).

Figura 4.3  –  Representação de um marcador SNP. Fonte: Google images.

Marcadores genéticos usados na genética forense

Um marcador molecular é qualquer fenótipo molecular oriundo de um gene


expresso ou de um segmento específico de DNA. O fundamental é exatamente
a diversidade nestas regiões gênicas, culminando em um número de repetições
variáveis de um indivíduo para outro e também pelo fato de serem passíveis de ser
estudadas com sondas de DNA e com amplificação por PCR. Como já fora dito,
existe uma constante evolução envolvendo as práticas em Biologia Molecular que

capítulo 4 • 82
direcionam para um melhor esclarecimento da identificação humana e cabe re-
lembrar que o primeiro sistema de PCR usado na Genética Forense se preocupou
em analisar o locus HLA-DQA1, que faz parte do complexo de histocompatibili-
dade principal humano nos leucócitos.
Este sistema foi denominado Amplitype DQA1 e continha inicialmente seis
alelos. Quando era testado em uma evidência, aproximadamente em 16% dos
casos, duas pessoas apresentavam o mesmo genótipo, tornando necessária a adição
de outros sistemas de PCR para identificar os indivíduos.
O sistema desenvolvido posteriormente, usando princípios similares de aná-
lise de Dot Blot, foi o Amplitype Polymaker. Sua maior contribuição foi a de
que ele realmente aumentou o poder de exclusão durante o teste (discrimination
power). Na sequência, surgiu o AmpliFLP D1S80, kit de amplificação por PCR,
mais conhecido como D1S80. Este foi usado para a detecção de variações gené-
ticas no locus polimórfico VNTR, D1S80. A sequência de repetição de base no
locus D1S80 foi de 16 pb com o número de repetições que variam entre 14 e 41
(350-1000 pb). Todavia, devido ao fato de que este sistema foi desenvolvido ana-
lisando somente um locus gênico, o poder de exclusão não foi grande. Entretanto,
em combinação com outros sistemas (multiplex) mostrou-se bastante útil.
Como no sistema de RFLP, os primeiros testes para análise de DNA em
Medicina Forense tiveram base na variabilidade de sequências de DNA (polimor-
fismo sequencial). A classe de locos polimórficos com blocos repetitivos curtos
(2-9 nucleotideos repetidos) é chamada de STR ou microssatélite e se coloca em
contraste com os sistemas D1S80 (minissatélites). Tem sido mencionado que uma
das principais vantagens desses marcadores é a possibilidade de processamento
relativamente simples, rápido e simultâneo de mais de 10 loci STR.
Quase todos os sistemas utilizados nos testes forenses têm repetições de 4 pb
(tetranucleotídeo) ou 5 pb (pentanucleotídeos) que ocorrem cerca de 50 vezes,
dependendo do locus gênico. Estes tipos de marcadores moleculares são muito
curtos (100-400 pb) e muito usados em DNAs degradados. O produto da reação
de amplificação dos STRs é detectado de acordo com seus respectivos tamanhos
(peso molecular) após migração em gel de eletroforese capilar de alta resolução,
semelhante ao observado no sequenciamento automático. Quando há a presença
de STRs de mesmo tamanho, é possível diferenciá-los por meio das marcações
fluorescentes.

capítulo 4 • 83
Perfis de DNA forense são atualmente caracterizados utilizando um painel de
alelos de multimarcadores de STR, que são estruturalmente análogos aos originais
minissatélites, porém, com muito mais intervalos curtos de repetição e, portanto,
mais fácil para amplificar com PCR multiplex. A primeira vantagem, já mencio-
nada, é que mais de um loci pode ser amplificado simultaneamente (multiplex).
Outras características importantes no desenvolvimento incluem: alelos discretos e
distinguíveis, a amplificação do locus que tende a ser grande, alto poder de discri-
minação, a ausência de ligação genética com outros loci a serem analisados, e níveis
baixos de contaminação durante a amplificação.
Diversos kits comerciais validados, fornecidos por várias empresas, permitem
a amplificação de múltiplos loci e constituem considerável avanço na resolução de
perícias do âmbito da Genética e Biologia Forense.
Os sistemas STR mais comuns utilizados no trabalho forense de rotina são
comercializados e cada kit de PCR multiplex utiliza colorações específicas e am-
plifica diversos STRs. Por exemplo, os kits comerciais ProfilerPlus™ analisa simul-
taneamente 10 marcadores, o kit PowerPlex™ para 16 STRs, e o Identifiler™ para
16 marcadores, dentre outros como AmpFLSTR® Identifiler™ PCR Amplification
Kit para 15 STRs, PowerPlex® sistemas ESX (16 STRs) e ESI (os mesmos 16 STRs
com adição do SE33), AmpFlSTR® NGM™ PCR Amplification Kit (10 loci in-
cluídos no kit SGM plus com adição de 7 loci ESS junto com 5 loci adicionais),
Investigator ESSplex Plus Kit (15 STRs e amelogenina), IDplex Plux Kit (13 STRs,
mais D2S1338, D19S433 e amelogenina).
Devido ao fato de estes alelos serem transmitidos por herança mendeliana, é
possível que se façam vinculações genéticas, tais como paternidade, maternidade e
irmandade, bem como utilizar para tipagem individual e comparação com amos-
tras questionadas obtidas em locais de crime e para vítimas de crimes sexuais. Para
tanto, são utilizados cálculos populacionais das frequências alélicas previamente
obtidas na população, implicando, assim, resultados estatisticamente significantes
e válidos.
Basicamente, existem dois conjuntos de marcadores STR conforme as normas
solicitadas pelos bancos de dados criminais em todo o mundo: o conjunto padrão
europeu de 12 marcadores STRs e o padrão dos Estados Unidos, denominado
CODIS (Combined DNA Index System) com 13 marcadores STRs (figura 4.4).

capítulo 4 • 84
Figura 4.4  –  Combined DNA Index System – CODIS com
13 marcadores STRs. Fonte: Google images.

Reação em cadeia da polimerase (PCR) – princípios gerais e tipos


de PCR

A qualidade e a quantidade de DNA contido nos vestígios oriundos de locais


de crime ou de atos exumatórios podem ser fatores limitantes à análise. O advento
da Reação em Cadeia da Polimerase (PCR – Polymerase Chain Reaction) aumentou
significativamente a possibilidade de análise das variações gênicas nestes tipos de
vestígios, tornando-se técnica de eleição nos laboratórios forenses.
A PCR propicia a amplificação exponencial específica de sequências do DNA
in vitro, prestando-se como poderoso instrumento na avaliação da individuali-
zação humana. O principio da técnica tem base na estrutura e na sequência do
DNA. Basicamente, trata-se de uma reação enzimática catalisada por uma poli-
merase termoestável, cuja atividade depende de íons Mg++, e ocorre em três etapas
(figura 4.5):
•  Desnaturação (melting): consiste na separação da dupla fita do DNA a
ser amplificado;
•  Anelamento (annealing) ou hibridização: ligação do iniciador ou primer
ao DNA a ser amplificado;
•  Extensão (extension): ocorre a polimerização propriamente dita.

capítulo 4 • 85
Reação em cadeia da Polimerase
1

Temperatura (°C)
98

3
72

45–60
2

um ciclo

Figura 4.5  –  Ilustração das três etapas que compõem um ciclo da PCR:
1) desnaturação, 2) anelamento e 3) extensão.

Desde sua descrição, o procedimento da PCR vem sendo aperfeiçoado de


modo a permitir sua automação em aparelhos termocicladores (figura 4.6).

Figura 4.6  –  Termociclador. Fonte: Bisen.

Microtubos contendo os componentes essenciais à reação (figura 4.7) são co-


locados em um termociclador previamente programado para repetição de ciclos de
variação de temperatura, sendo cada um deles composto de três passos.

capítulo 4 • 86
Figura 4.7  –  Esquema de um microtubo e os componentes essenciais
para que ocorra a reação de PCR. Fonte: Google images.

No primeiro passo ocorre a desnaturação, isto é, a separação das duas fitas do


DNA a ser amplificado. Isso se dá pela elevação da temperatura entre 90 e 95 °C.
O aquecimento aumenta a agitação térmica das moléculas, propiciando a quebra
das pontes de hidrogênio. No segundo passo, em temperatura inferior à da desna-
turação (45 a 60 °C), ocorre a etapa de anelamento com o pareamento ou a ligação
dos iniciadores a regiões específicas do DNA molde.
O DNA é uma molécula com polaridade, apresentando uma extremidade 5’-P
e outra 3’-OH. Os iniciadores são pequenos fragmentos sintéticos de DNA de fita
simples, usualmente com extremidade 5’-OH, e complementares à sequência do
segmento de DNA de interesse. No terceiro e último passo, a 72 °C, inicia-se a
atuação da enzima polimerase que propicia o pareamento dos nucleotídeos livres,
a partir dos iniciadores, as fitas do DNA, promovendo o alongamento ou extensão
da cadeia, no sentido 5’ → 3’. Todas as fitas de DNA sintetizadas durante a PCR
têm a sequência de um dos primers na extremidade 5’ e a sequência complementar
ao outro primer na extremidade 3’.
O conjunto das reações de desnaturação, anelamento e extensão é chamado
ciclo. A execução de um ciclo resulta na amplificação da sequência desejada de
DNA. O produto de um ciclo serve como molde para o próximo, dobrando-se,
assim, a quantidade de DNA produzido a cada ciclo consecutivo.
Sob condições teóricas, os produtos de PCR obedecem à equação N = No × 2n,
em que N é o número de moléculas amplificadas; No é o número inicial de molé-
culas e n é o número de ciclos de amplificação. A repetição destes ciclos, entre 25

capítulo 4 • 87
e 35 vezes, leva à amplificação exponencial da região alvo, ou seja, do lócus que se
quer estudar, alcançando-se bilhões de cópias (figura 4.8).
Região de 5’ 3’
interesse 3’ 5’
98°C

5’ 3’ Desnaturação
a temperatura é
aumentada para separar
3’ 5’ as cadeias de DNA

48 a 72°C

5’ 3’ Anelamento:
a temperatura é
3’ 5’ reduzida para permi�r
Modelo das Primer 3’ Primer
5’ que os primers baseiem
cadeias de DNA o par no modelo de
3’ 5’ DNA complementar
68 a 72°C

5’ 3’ Extensão:
a polimerase estende
3’ 5’ o primer para
Nascente das
cadeias de DNA formar a cadeia
5’ 3’ de DNA nascente
3’ 5’

1° ciclo 2° ciclo 3° ciclo 4° ciclo 30° ciclo


231 = 2 bilhões de cópias
22 = 4 cópias
23 = 8 cópias
Exponen�al
Amplifica�on:
24 = 16 cópias Process is repeated, and
the region of interest is
amplified exponen�ally

26 = 32 cópias

Figura 4.8  –  Esquema de amplificação exponencial da


região alvo do DNA pela técnica de PCR.

A cinética da PCR tem três fases. Nos ciclos iniciais ou fase de screening, os
primers procuram o DNA molde com as sequências que lhes são complementares,
encontrando-as com certa facilidade, uma vez que estão em excesso em relação ao
modelo. Na fase intermediária, o processo de amplificação está ocorrendo e existe
acúmulo exponencial do fragmento de DNA.
Agora, o pareamento do primer com a sequência que lhe é complementar
está facilitado pela existência de várias cópias da sequência alvo. Na fase tardia

capítulo 4 • 88
ou também denominada plateau, a amplificação já está abaixo do ótimo, em de-
corrência da limitação dos reagentes e à competição dos produtos gerados. O
crescimento linear do número de cópias ocorre até determinado número de ciclos,
ocorrendo, então, o chamado efeito plateau. Esse efeito pode ter várias causas,
como a falta de disponibilidade ou mesmo a perda da atividade das polimerases e
o acúmulo de produtos que tendem a parear entre si.
Alguns parâmetros são importantes para a otimização da PCR. Dentre eles,
podemos destacar a temperatura de anelamento dos primers, o regime dos ciclos
e a composição do tampão. Aditivos como glicerol, albumina e detergentes não
iônicos podem aumentar a especificidade e o rendimento da PCR.
Entretanto, a presença de contaminantes na amostra de DNA pode inibir for-
temente a reação de PCR. Amostras contaminadas por polissacarídeos ou por co-
rantes podem não ser amplificadas. Fenol, proteinase K, agentes quelantes como
EDTA, hemoglobina e outras proteínas das hemácias, detergente forte, como do-
decil sulfato de sódio (SDS), e elevadas concentrações de sal podem também inibir
a reação enzimática.
Um problema muito comum na análise do produto da PCR é o aparecimento
de um smear, uma espécie de mancha ou rastro que tem como causa mais frequen-
te as condições pouco específicas para o anelamento dos primers ou DNA de má
qualidade, fragmentado ou com contaminante. Uma das soluções para contornar
o aparecimento de smears é a aplicação de nested-PCR, utilizando-se os produtos
iniciais da amplificação que geraram o smear.
A técnica de PCR é tão sensível, que é capaz de amplificar uma molécula de
DNA e tal é a sua especificidade que, uma simples cópia de gene pode ser extraída
de uma mistura complexa da sequência genômica de forma rotineira e ser visuali-
zada como uma simples banda em um gel de agarose.
A sensibilidade e a especificidade que o método pode oferecer é algo singular.
A PCR utilizando DNA polimerase termoestáveis foi descrita pela primeira vez
por Kary Mullis, em 1987. Posteriormente, as diversas aplicações da PCR foram
introduzidas na comunidade científica e, atualmente, é inesgotável a sua aplicação
prática tanto na pesquisa básica como na aplicada.
Os loci analisados por meio da reação de PCR são muitos. Esses loci podem
ser analisados individualmente ou em grupos, por meio de sistemas chamados
múltiplos ou multiplex que permitem o estudo simultâneo de diversos loci.
A evolução desses sistemas acompanhou o desenvolvimento dos formatos
de detecção dos produtos de amplificação. A amplificação de loci STRs progre-
diu de reações para estudos de um único lócus para três, quatro, oito, nove loci

capítulo 4 • 89
alcançando a amplificação simultânea de dezesseis loci em um único microtubo,
incluindo amelogenina para determinação do sexo.
O primeiro multiplex largamente utilizado foi um quadriplex constituído de
quatro simples STRs. Contudo, devido ao seu baixo poder discriminatório, o
primeiro caso criminal envolvendo STR autossômico foi resolvido em conjugação
com sondas SLP. Adições subsequentes de dois complexos de STRs aumentaram
o poder discriminatório para, aproximadamente, 1 em 50 milhões. Esta segunda
geração de multiplex (SGM) também inclui ensaios para amelogenina. Ela propi-
cia a análise de DNA com baixo número de cópias pela sujeição das amostras a um
número aumentado de ciclos, objetivando maximizar os produtos da PCR obtidos
de amostras com menos de 100 pg de DNA.
Essa geração deixou claro que ensaios com STRs são mais sensíveis que os ou-
tros métodos ao permitir o estudo dos alelos sem ambiguidades, sendo convenien-
tes para o desenvolvimento de banco de dados. Em 2000, quatro novos loci foram
adicionandos ao sistema SGM, passando a denominar-se SGM Plus, aumentan-
do o poder discriminatório para aproximadamente 1 em 10.000.000.000.000,
sendo recomendado por organizações como European Network of Forensic Science
Institutes and Interpol – ENFSI.
Os caminhos anteriormente traçados foram percorridos no Reino Unido.
Contudo, em outros locais, o emprego dos sistemas STRs se deu de outra forma
e, globalmente, hoje existe grande número de sistemas diferentes que, apesar de
tudo, têm muitos loci em comum. O CODIS, coordenado pelo FBI, contém 13
STRs mais amelogenina para determinação do sexo, porém com um poder discri-
minatório menor que o sistema adotado pelo Reino Unido.
Tipicamente, dois sistemas multiplex são separadamente usados tanto nos
Estados Unidos da América como em outros países, caso do Brasil. Porém, para
aumentar a eficiência das análises, novos sistemas multiplex que amplificam 16 loci
(incluindo a amelogenina) foram introduzidos no mercado (tabela 4.1).

LOCI RECOMENDADOS PRINCIPAIS KITS COMERCIAIS


CROMOSSOMO ENFSI SGM PLUSTM POWER PLEX AMPF/STRTM
CODIS
INTERPOL 16TM
D2S1338
2 D2S1338 TPOX D2S1338 TPOX
TPOX

3 D3S1358 D3S1358 D3S1358 D3S1358 D3S1358

capítulo 4 • 90
LOCI RECOMENDADOS PRINCIPAIS KITS COMERCIAIS
CROMOSSOMO ENFSI SGM PLUSTM POWER PLEX AMPF/STRTM
CODIS
INTERPOL 16TM
4 FGA FGA FGA FGA FGA

D5S818 D5S818 D5S818


5 Ø Ø
CSP1P0 CSP1P0 CSP1P0

7 Ø D7820 Ø D7820 D7820

8 D8S1179 D8S1179 D8S1179 D8S1179 D8S1179

11 TH01 TH01 TH01 TH01 TH01

12 vWA vWA vWA vWA vWA

13 Ø D13S317 Ø D13S317 D13S317

15 Ø Ø Ø Penta E * Ø

16 D16S539 D16S539 D16S539 D16S539 D16S539

18 D18S51 D18S51 D18S51 D18S51 D18S51

19 D19S433 Ø Ø Ø D19S433

D21S11

Penta D *
* pentanu-
cleotídeo
21 D21S11 D21S11 D21S11 importante D21S11
para o estudo
de casos com
mistura de
materiais

X/Y amelogenina amelogenina amelogenina amelogenina amelogenina

Tabela 4.1  –  Loci STRs recomendados pelos principais bancos de dados de DNA e os sis-
temas multiplex disponíveis atualmente no mercado.

Análise de polimorfismos genéticos – eletroforese capilar

Após a amplificação das regiões de DNA de interesse, empregando a PCR, é


necessário evidenciar os polimorfismos moleculares presentes nas amostras inves-
tigadas, e uma das técnicas utilizadas para esta finalidade é a eletroforese em gel.
Esta técnica era, inicialmente, empregada para pesquisa de polimorfismos pro-
teicos e foi adaptada para avaliar polimorfismos moleculares. A eletroforese em
gel pode empregar tanto com DNA fita dupla, quanto DNA fita simples. Para

capítulo 4 • 91
estabilizar a molécula nesta condição, são acrescidos ao gel produtos químicos
como a ureia ou a formamida.
A técnica da eletroforese para separação de fragmentos de DNA que diferem
em número de pares de base tem base no princípio de que o DNA tem carga elé-
trica negativa, quando amostras de DNA são aplicadas em cavidades produzidas
por um pente no gel e em seguida é aplicada uma corrente elétrica ao sistema. O
DNA presente na cavidade será atraído para o polo positivo produzido pela cor-
rente elétrica em função da resistência conferida pela malha do gel. Quanto maior
o fragmento, mais dificuldade e mais lentamente ele migrará para o gel, de forma
que as diferenças de tamanho de fragmentos poderão ser visualizadas por meio
da posição assumida pelos fragmentos de DNA ao final da corrida. Para manter
a uniformidade da corrente elétrica em todo o sistema, é utilizado um tampão
eletrolítico no qual o gel e as amostras ficam imersos.
Os géis mais utilizados são os que empregam como polímero agarose ou polia-
crilamida e dependendo da concentração utilizada, permitem separar fragmentos
com maiores ou menores diferenças em relação número de pares de base. Em
geral, quando os fragmentos investigados apresentam diferenças muito pequenas
de números de nucleotídeos, são utilizados géis com maior concentração, corridas
mais longas e/ou com maior intensidade de corrente elétrica ao sistema.

Figura 4.9  –  Sistema de eletroforese


capilar. Fonte: Google images.

Atualmente, a maioria dos laboratórios de genética forense não utiliza em


sua rotina a eletroforese em gel para detectar os polimorfismos moleculares, esta
técnica foi gradualmente substituída pela eletroforese capilar (figura 4.9). A ele-
troforese capilar emprega os mesmos princípios que a eletroforese em gel, mas
apresenta resultados muito superiores em vários aspectos, tais como automação
do processo, segurança, rapidez de processamento das amostras, uniformidade

capítulo 4 • 92
dos resultados, além da capacidade de identificar marcadores com tamanho de
fragmento semelhante usando diferentes fluorescências como nos PCR multiplex
largamente utilizados atualmente.
Na eletroforese capilar, as amostras são aplicadas em cavidades de uma placa que,
em geral, apresenta a capacidade para 96 amostras (figura 4.10). Em seguida, a placa
com as amostras é inserida em uma bandeja do analisador genético ou sequenciador.

Figura 4.10  –  Aplicação de amostras de DNA em uma


placa de 96 poços. Fonte: Google images.

Por meio da movimentação da bandeja, os capilares do equipamento são in-


seridos nos poços da placa e por meio de uma corrente elétrica, ocorre a migração
dos fragmentos de DNA ao longo do polímero presente no interior dos capilares
(figura 4.11).
Coluna capilar:
A solução é usada para permi�r a passagem
de corrente elétrica, auxiliando no processo
de separação.
B
Sistema de detecção:
Sistema de injeção Cada componente é iden�ficado
da amostra e da pelo sistema de detecção e os
solição de eletrólito: D dados são transformados em
O sistema de injeção insere gráficos.
a amostra e a solução.
A

C
Fonte de alta tensão:
O campo elétrico faz com que
os componentes da amostra
sejam atraídos ou repelidos
de forma singular, separando-os.

Figura 4.11  –  Esquema do processo envolvido na eletroforese capilar. Fonte: UFJF.

Como cada fragmento está associado à determinada fluorescência, ao passar


por uma janela presente no capilar, um laser detecta o fragmento, e por meio de
um algoritmo que utiliza marcadores de peso molecular (escada alélica), marca-
dores de alelos (ladder) e a fluorescência emitida pelo fragmento, um software
identifica e nomeia o fragmento detectado (figura 4.12).

capítulo 4 • 93
Figura 4.12  –  Resultado de uma eletroforese capilar. Fonte: Google images.

Análise de marcadores uniparentais – DNA mitocondrial e STRs do


cromossomo Y

O genoma humano é representado por apenas dois segmentos haploides,


DNAmt (herdado maternalmente) e a região que não sofre recombinação do cro-
mossomo Y (herdado paternalmente), desde que estes sejam transmitidos unipa-
rentalmente, sem arranjo em cada geração por meio da recombinação do processo.
Devido à recombinação de escape, esses dois sistemas haploides são herdados de
um único loci, que se modifica apenas por meio da mutação acumulada pelo tem-
po, permitindo a preservação de um simples registro da história genética.
Em populações diferentes, especialmente as pequenas, a variação genética de-
tectada pelo DNAmt e pelo cromossomo Y, em comparação com os autossomos,
são mais suscetíveis aos efeitos do acaso, levando à aceleração do agrupamento
geográfico e à diferenciação entre grupos de DNAmt e linhagens do cromossomo
Y. A mutação que ocorre no DNAmt provém de uma abundância de polimor-
fismo e um amplo número de alogrupos maternos que são maiores do que os
paternos. Na imagem a seguir, a estrutura geral genealógica paterna e materna é
indicativa da origem comum de quase todos os africanos, o que evidencia que não
se pode menosprezar os diferentes graus de mutação e a abundância de polimor-
fismo (figuras 4.13 e 4.14).

capítulo 4 • 94
mtDNA
MRCA

Figura 4.13  –  Genealogia do DNA mitocondrial demonstrando que humanos


descendem de uma única mulher que viveu na África há cerca de 200 mil anos.

340,000 O Adam revisado

200,000 O primeiro Adam e primeiros


fósseis conhecidos
anatomicamente
humanos modernos

0
Es�ma�va Todos foram Alguns Albert e
de anos antes testados africanos da alguns
do presente Africa Central Mbo
e do Norte

Figura 4.14  –  Genealogia do cromossomo Y, demonstrando que humanos


descendem de um único homem que viveu na África há cerca de 340 mil anos.

Outra ferramenta importante, na maioria dos laboratórios que trabalham com


genética forense é a análise dos STRs do cromossomo Y (YSTR), pois da mesma

capítulo 4 • 95
forma que o DNAmt, os halótipos Y-STR representam a informação de uma
linhagem não recombinada que pode ser compartilhada por vários indivíduos.
Todavia, durante a última década, a utilidade do cromossomo Y tem sido reco-
nhecida nos casos de deficiência de paternidade com descendência masculina e
nos casos de genética forense, cujas análises autossômicas dos STRs falham em dar
conclusões claras, isto porque, em uma larga proporção de machos e fêmeas, o per-
fil do macho só pode ser detectado pela análise dos marcadores do cromossomo Y.
O estudo do cromossomo Y, por meio dos testes de DNA masculinos, possibi-
litará a descoberta da linhagem paterna, assim sendo, YSTRs podem ser utilizados
em testes de identificação humana, incluindo análises forenses que evidenciem
abuso sexual; condução de investigações de pessoas desaparecidas; testes de pater-
nidade deficientes; localizar questões históricas; suplementando questões genealó-
gicas. O estudo do cromossomo Y adicionado a outros marcadores tem sido uti-
lizado para investigar as causas genéticas da infertilidade masculina. Outro fator
que tem contribuído para o estímulo de pesquisas dos marcadores do cromossomo
Y é o desejo que o ser humano possui de entender a sua evolução e migração.

ATIVIDADES
01. O que são VNTR (Variable Number of Tandem Repeats) ou minissatélites?

02. O que são STR (Short Tandem Repeats) ou microssatélites?

03. O que são SNP (Single Nucleotide Polymorphism)?

04. A PCR (Reação em Cadeia da Polimerase) é uma técnica muito utilizada em genética
forense. Com base na figura a seguir, identifique os processos que ocorrem em 1, 2 e 3.

Reação em cadeia da Polimerase


1
Temperatura (°C)

98

3
72

45–60
2

um ciclo

capítulo 4 • 96
REFLEXÃO
Desde 1869, com a descoberta do DNA por Friedrich Meischer, passando pela publicação
de James Watson e Francis Crick, de 1953, que descreve o modelo em dupla-hélice, utilizado
até os dias atuais em que já se alcançou o ápice da biotecnologia, sente-se a necessidade de
conhecer essa molécula tão relevante. Essa necessidade levou à busca por técnicas que possi-
bilitassem a leitura exata da sequência que determina as características dos seres vivos. Então
surgiu o sequenciamento de DNA, que é basicamente um conjunto de complexos processos
químicos que tem por finalidade determinar a ordem em que as bases nitrogenadas, adenina
(A), citosina (C), timina (T) e guanina (G), se dispõem no material genético dos organismos.
Antes do sequenciamento em si, as longas sequências de DNA devem ser extraídas e
isoladas, a partir daí as amostras são picotadas em pedaços menores para serem analisadas.
Essa fragmentação é feita por enzimas de restrição específicas para cada tipo de DNA.
Alguns desses métodos permitem apenas que os cromossomos sejam cortados individual-
mente, outros conseguem cortar o genoma inteiro de uma vez.

MULTIMÍDIA
Indicação de filmes
Movie Chem KS5 Modern Chemical Techniques 12 Capillary Electrophoresis.
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=-rDRU_qxwYA>. Acesso em: dez. 2018.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Genética na escola, 5(2), 7-13, 2010. Disponível em: <http://www.geneticanaescola.com.
br/#!volume-5---n-2/c1i3t>. Acesso em: jul. 2015.
GILL, P., WHITAKER, J., FLAXMAN, C., BROWN, N., BUCKLETON, J. An investigation of the rigor
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international. 2000, 112(1): 17-40.
HIRATA, M. H., HIRATA, R. D. C. Aplicação da PCR em laboratório clinico e medicina forense –
apostila de práticas. Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo, 1998.

capítulo 4 • 97
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Sangra-LUzzatto, 1999. Parte IV.
KIMPTON, C. P., GILL, P., WALTON, A., URQUHART, A., MILLICAN, E. S., ADAMS, M. Automated DNA
profiling employing multiplex amplification of short tandem repeat loci. Genome Research,
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LINS, A. M., SPRECHER, C. J., MICKA, K. A., RABBACH, D. R., TAYLOR, J. A., BACHER, J. W., NASSIF,
N. A. The evolution of short tandem repeat (STR) multiplex systems. In: Proceedings from the
Second European Symposium on Human Identification. 1998.
MORETTI, T. R., BAUMSTARK, A. L., DEFENBAUGH, D. A., KEYS, K. M., SMERICK, J. B., BUDOWLE,
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MULLIS, K. B., FALOONA, F. A. Specific synthesis of DNA in vitro via polymerase chain reaction.
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L. B. JORDE; J. C. CAREY; R.L. WHITE. Genética Médica. Rio de Janeiro: Guanabara, 1996.
REBOUÇAS, N. A. Fundamentos teóricos dos métodos de biologia molecular aplicados à
pesquisa e ao diagnostico clinico – apostila de curso. São Paulo: Oficina da Universidade de São
Paulo, 2004.

capítulo 4 • 98
5
Banco de dados de
perfis genéticos
Banco de dados de perfis genéticos
A determinação de identidade genética pelo DNA constitui um dos produtos
mais revolucionários da moderna genética molecular humana e inclui pelo menos
duas vantagens: a estabilidade química da molécula de DNA e a sua presença em
todas as células nucleadas dos seres humanos. Em menos de 20 anos, ela se tornou
ferramenta indispensável em investigação criminal, pois permite diferenciar as ca-
racterísticas entre os indivíduos.
A determinação de identidade genética é uma técnica muito superior a to-
das as técnicas forenses preexistentes, inclusive às impressões digitais clássicas. O
DNA pode ser encontrado em todos os fluidos e tecidos biológicos humanos.
Além disso, os estudos dos polimorfismos de DNA permitem construir um perfil
genético de cada indivíduo.
A criação de bancos com o fim de estabelecer um perfil genético está pautada
em preceitos legais e procedimentos previamente estabelecidos como as técnicas
moleculares e permite estabelecer uma comparação entre as amostras periciadas,
com aquelas já conhecidas, com o objetivo de definir a autoria de um crime.
Os bancos de dados forenses genéticos já estão estabelecidos em mais de 60
países e auxiliando na elucidação de crimes. No Brasil, a coleta e o armazenamento
de dados para identificação criminal começaram somente em 2012, por meio do
Sistema Combinado de Índices de DNA (CODIS), que resultou no ponto inicial
para a Formação da Rede Integrada de Perfis Genéticos (RIBPG).
Os bancos de dados de perfis genéticos forenses têm como objetivo analisar as
amostras em locais e vítimas e de crimes, inclusive as que sofreram violência sexual,
fazendo comparação com os dados coletados de criminosos sem a necessidade da apre-
sentação formal de um suspeito por meio da autoridade policial, auxiliando assim a
apuração criminal e também a elucidação de crimes em aberto, evitando condenações
equivocadas, além de permitir a identificação do cadáver de pessoas desaparecidas.

OBJETIVOS
•  Conhecer os bancos de dados de perfis genéticos;
•  Conhecer os métodos estatísticos aplicados à genética forense;
•  Conhecer os principais estudos de casos em genética forense.

capítulo 5 • 100
Banco de dados de perfis genéticos

Os bancos de dados de perfis genéticos são apontados como ferramenta essen-


cial ao “combate à criminalidade”, notadamente dos crimes sexuais, uma vez que
identifica os agressores, mesmo no caso de não haver nenhum suspeito conhecido.
O principal argumento para essa justificativa é o de que uma característica mar-
cante desse tipo de crime é a reincidência, pois os criminosos sexuais costumam
cometer o mesmo crime ou similar, afetando múltiplas vítimas, geralmente au-
mentando sua natureza, gravidade e frequência.
Os primeiros países em realizar movimentos para armazenar dados em bancos
de perfis genéticos forense foram o Reino Unido e os Estados Unidos. No Reino
Unido, o banco de dados foi criado em 1994, o qual foi denominado UK National
DNA Database (NDNAD) (WALLACE, 2006). Nos Estados Unidos, o Federal
DNA Identification Act, de 1994, autorizava a Agência Federal de Investigação
(FBI) a estabelecer o National DNA Index System (NDIS). O programa CODIS
é o Sistema de índice de DNA Combinado (CODIS - Combined DNA Index
System), que começou como um projeto piloto em 1990 e ganhou impulso com o
DNA Identification Act de 1994, que deu ao FBI a autoridade de estabelecer um
banco de dados em nível nacional para fins de investigação criminal, esse progra-
ma permite proceder com a comparação dos perfis genéticos de amostras questio-
nadas com outros perfis genéticos preexistentes no NDIS. Essas comparações dos
perfis alcançam os 50 estados dos Estados Unidos, permitindo a identificação de
criminosos reincidentes.
Dados da Interpol relatam que aproximadamente sessenta países já estabele-
ceram seus bancos de dados para perfis genéticos, porém cada um dentro da sua
legislação pertinente e com comparações de dados diferentes entre eles. Alguns
países incluem criminosos condenados em seus bancos de dados, já outros países
só incluem em seus bancos condenados por alguns crimes específicos.
Em 2005, a União Europeia criou o Tratado de Prüm, estabelecendo o com-
partilhamento de informações entre suas agências de segurança, incluindo dados
de perfis genéticos. Na atualidade, mais de 25 países tornaram-se signatários do
Tratado.
Já na Argentina, o seu banco de dados genéticos, é um organismo autôno-
mo e autárquico que pertence à estrutura do Ministério de Ciência, Tecnologia
e Inovação Produtiva. A sua origem se deu pela lei 23.511 de 1987, no Hospital
Carlos G. Durand. Tinha como objetivo principal atuar na identificação de

capítulo 5 • 101
vítimas de crimes contra a humanidade, provocados pelo governo da época. No
ano de 2009, foi modificado pela lei 26.548, que possibilitou o uso forense. O
diretor e o vice-diretor do banco argentino são selecionados por concurso público
com divulgação internacional.
No Brasil, o uso do DNA como ferramenta para elucidação de crimes ocorreu
no ano de 1994, sendo criada a Divisão de Pesquisa Forense (DPDNA), vincu-
lada à Polícia Civil do Distrito Federal. As primeiras análises foram atribuídas a
homicídios, à investigação de paternidade e à busca de parentes desaparecidos no
regime militar. Com a intensificação dessa prática, houve a proposição do projeto
de lei n. 417/2003, alterando o artigo 1o da lei n. 10.054/00 e incluindo o uso de
DNA como uma das formas de identificação criminal.
A partir de uma parceria com o FBI, em 2010, foram instalados o CODIS 5.7.4,
com finalidade criminal e o CODIS 6.1, para identificação de pessoas desapa-
recidas e vítimas de desastres, no Brasil. Foram capacitados 20 peritos criminais
para a utilização do CODIS e foi criado o Grupo de Trabalho da Rede Integrada
de Perfis Genéticos (GT-RIBPG). No ano de 2011, os bancos de perfis genéticos
estaduais começaram a operar. Com a realização da I Conferência Anual da Rede
Integrada de Bancos de Perfis Genéticos, foi aprovado o PLS 93/2011 no Senado.
No nosso país, somente após a promulgação da lei n. 12.654/2012 passou-
-se a admitir a coleta e o processamento de dados em bancos de perfis genéticos
para identificação criminal. Foi necessário realizar a padronização para formalizar
os bancos de dados em cada estado, visto que no artigo 9o § 1º a lei preconiza
que a identificação do perfil genético será armazenada em banco de dados sigi-
loso, conforme regulamentação expedida pelo Poder Executivo. Para solucionar
este problema, foi estabelecido o Decreto n.7950, de 12 de março de 2013, que
institui o Banco Nacional de Perfis Genéticos (BNPG) e a Rede Integrada de
Bancos de Perfis Genéticos (RIBPG). O banco brasileiro encontra-se vinculado
ao Ministério da Justiça e sua administração é realizada por um perito criminal
federal habilitado e com experiência comprovada em genética.
Em agosto de 2013, por meio da Portaria de número 2.774, o Ministério da
Justiça criou o Comitê Gestor para o RIBPG, que será composto por representan-
tes titulares e suplentes da seguinte forma:
•  Cinco representantes do Ministério da Justiça;
•  Um representante da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República;
•  Cinco representantes dos estados ou do Distrito Federal, sendo um repre-
sentante de cada região geográfica.

capítulo 5 • 102
Em 2017, no banco de dados de perfil genético do Brasil cadastrados, o banco
de vestígios contava com 4447 amostras e 95 pessoas já haviam sido identificadas
criminalmente. A inserção de amostras pelos 19 laboratórios cresce a cada análise
realizada semestralmente pela RIPBG, como pode ser demonstrada na figura 5.1.
Evolução das amostras totais no BNPG
7000
6003
6000
5000
4806
4000
3621
3000 2584
2000
1000
329
0
Criação pelo decreto I relatório RIPBG II relatório RIPBG III relatório RIPBG IV relatório RIPBG
7.950/13 (nov/14) (maio/15) (nov/15) (maio/16)

Figura 5.1  –  Evolução das amostras totais no BNPG. BNPG.

Na figura 5.2 é possível observar um relativo aumento numérico entre os anos


de 2014 a 2016, porém ainda heterogêneo na contribuição de perfis genéticos ao
BNPG, uma vez que entre novembro de 2014 a maio de 2015 houve redução no
estado de Minas Gerais (MG) assim como no período de novembro de 2015 a
maio de 2016 nos estados da Paraíba (PB) e de Pernambuco (PE).
Evolução da contribuição dos laboratórios em número de perfis gené�cos

1200

1000

800

600

400

200

0
AM AP BA CE DF ES GO MG MS MT PA PB PE PF PR RJ RS SC SP
nov/14 62 29 62 22 0 0 0 535 0 23 233 71 0 397 80 152 322 8 588
mai/15 70 105 90 53 0 21 39 502 32 119 239 134 250 611 92 237 380 11 616
nov/15 70 105 104 171 0 29 101 576 123 119 274 154 250 765 239 378 524 54 773
mai/16 75 255 140 197 12 135 130 631 184 135 301 151 246 967 449 409 579 139 868

Figura 5.2  –  Análise da evolução de contribuição de cada participante da Rede Integrada


de Bancos de Perfis Genéticos (RIBPG) nos anos de 2014, 2015 e 2016. RBPG.

Em adição, no número total de 19 laboratórios, apenas sete são responsáveis


por 70% dos perfis genéticos armazenados no BNPG (Banco Nacional de Perfis
Genéticos), a saber: Polícia Federal, São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul,

capítulo 5 • 103
Paraná, Rio de Janeiro e Pará. Nas tabelas 5.1 e 5.2 podemos observar os números
referentes aos vestígios e aos indivíduos cadastrados criminalmente e os números
de perfis genéticos de pessoas desaparecidas respectivamente.

CATEGORIA DE AMOSTRA NO DE PERFIS GENÉTICOS


Vestígios 3423

Condenados (lei 12.654/12) 955

Identificados Criminalmente
95
(lei 12.654/12)

Decisão judicial 4

Total 4.477

Tabela 5.1  –  Número total de perfis genéticos oriundos de amostras relacionadas a casos
criminais. RBPG.

CATEGORIA DE AMOSTRA NO DE PERFIS GENÉTICOS


Familiares de pessoas desaparecidas1 595

Restos mortais não identificados 914

Referência direta de pessoa desaparecida 8

Pessoas vivas de identidade desconhecida 9

Total 1.526

1
Incluídas as categorias cônjuge, filho biológico, irmão biológico, mãe biológica, pai bio-
lógico, parente materno e parente paterno.

Tabela 5.2  –  Número total de perfis genéticos oriundos de amostras relacionadas a pes-
soas desaparecidas. RBPG.

Em relação aos custos, os exames realizados variam de aproximadamente 50 a


80 reais por amostra, sendo este valor custeado pelo governo de cada estado, que
têm laboratórios forenses. As amostras contidas no banco de dados de perfil ge-
nético ficam anexadas no banco até o término do prazo estabelecido em lei para a

capítulo 5 • 104
prescrição do delito; depois desta data a amostra é excluída do banco e armazenada
em outro banco sigiloso.
Neste banco de dados genéticos, é possível identificar suspeitos por meio da
coleta de vestígios realizadas nos locais de crimes. Estes vestígios, ao serem en-
caminhados ao laboratório, terão o DNA extraído e o perfil genético traçado e
inserido no banco de dados, caso apareça algum indício compatível, o inquérito é
aberto. Vale ressaltar ainda que o banco de perfil genético pode ajudar também a
inocentar pessoas acusadas de cometerem crimes, caso o DNA de outra pessoa seja
encontrado no local do crime.
Por fim, desde a criação do Instituto de Criminalística até hoje, diversas
mudanças ocorreram na instituição, com as novas tecnologias que foram surgin-
do, como a computação forense e os exames de DNA. Durante a sua trajetó-
ria, o Instituto de Criminalística tornou-se referência pela qualidade dos traba-
lhos desenvolvidos.

Métodos estatísticos aplicados à genética forense

Teorema de Hardy-Weinberg

O campo da genética de populações remonta ao início do século XX, sen-


do que um dos marcos iniciais foi a formulação do famoso princípio de Hardy-
Weinberg, em 1908. Seu início se deu com o estudo da proporção de genes por
meio das características fenotípicas, pois inicialmente apenas estas características
eram mensuráveis e suas diversas diferenças eram consideradas os alelos dos genes.
A genética de populações é um campo da genética que associa estatística e matemá-
tica para avaliar as variações hereditárias no tempo e no espaço por meio dos processos
de mutação, migração e deriva gênica avaliados pela quantificação dos diferentes alelos.
O modelo básico para genética de populações, chamado de modelo de gera-
ções discretas, é dado por uma população ideal com as seguintes características:
seu tamanho é infinito; a reprodução é aleatória entre os membros, ou seja, os
cruzamentos entre os membros são aleatórios e têm a mesma chance de ocorrer
para qualquer membro da população (população panmítica); e as gerações são dis-
cretas, ou seja, não há sobreposição de gerações. Este modelo, apesar de simplista,
pode ser utilizado como referência em muitas populações reais.
A partir deste modelo podemos imaginar “N” replicatas da população original,
chamadas de populações locais, coexistindo ao mesmo tempo que são submetidas

capítulo 5 • 105
às mesmas forças evolucionárias, mas que diferem umas das outras pela aleatorie-
dade dos alelos transmitidos nas gerações passadas. A genética de populações tem
focado seus esforços em compreender a variação existente entre os indivíduos das
“N” subpopulações pela análise das frequências dos marcadores e seus alelos.
Em 1865, Gregor Mendel, um monge agostiniano e botânico, formulou as
leis básicas da hereditariedade, hoje denominadas de leis de Mendel. Seu traba-
lho de genética quantitativa foi fundamental para a genética de populações por
considerar as consequências da contínua autofecundação entre genótipos hetero-
zigotos. Em 1908, Wilhelm Weinberg, na Alemanha, e Godfrey Harold Hardy, na
Inglatera (figura 5.3), publicaram, de forma independente, os mesmos resultados
sobre a equação que envolve a frequência genotípica em uma população.

Figura 5.3  –  Godfrey Harold Hardy (esquerda) e Wilhelm Weinberg (direita),


matemáticos que propuseram o teorema de Hardy-Weinberg. Haiku Deck.

No modelo de Hardy-Weinberg, a relação matemática entre as frequências


alélicas e as frequências genotípicas é dada pela equação 1 (figura 5.4).

AA: p2; Aa: 2pq; aa: q2


Figura 5.4  –  Equação 1: princípio de Hardy-Weinberg. Google images.

Em que p2, 2pq e q2 são as frequências dos genótipos AA, Aa e aa, respecti-
vamente, nos zigotos de qualquer geração; p e q são as frequências alélicas de A
e a nos gametas da geração precedente e p + q = 1. As frequências mostradas na

capítulo 5 • 106
equação 5.4 constituem a base do princípio de Hardy-Weinberg ou equilíbrio de
Hardy-Weinberg.
Um pré-requisito importante para que a equação 1 seja válida diz respeito à
população na qual as frequências são observadas, a saber:
•  O organismo em estudo é diploide;
•  A reprodução é sexuada;
•  As gerações são discretas;
•  Os genes em questão têm dois alelos (esta equação pode ser expandida para
mais de dois alelos);
•  As frequências alélicas são idênticas em machos e fêmeas;
•  O cruzamento entre os indivíduos é aleatório;
•  O tamanho da população é infinito;
•  Mutações podem ser ignoradas e a seleção natural não afeta os alelos em
consideração.

Esse conjunto de suposições resume as premissas do modelo matemático de


Hardy-Weinberg. A tabela 5.3 mostra que o cruzamento aleatório dos genóti-
pos equivale à união aleatória dos gametas no caso de dois alelos. As frequências
genotípicas de AA, Aa e aa na geração parental são dadas por P, Q e R, em que
P + Q + R = 1. Em termos de frequências genotípicas, as frequências alélicas
p de A e q de a são as seguintes (figura 5.5):

FREQUÊNCIAS DOS ZIGOTOS (DESCENDENTES)


CRUZAMENTOS FREQUÊNCIA DE CRUZAMENTOS
AA Aa aa
AA x AA p2 1 0 0
AA x Aa 2PQ 1/2 1/2 0
AA x aa 2PR 0 1 0
Aa x Aa Q2 1/4 1/2 1/4
Aa x aa 2QR 0 1/2 1/2
aa x aa R2 0 0 1
Totais (próximas gerações) P' Q' R'

Tabela 5.3  –  Demonstração do princípio de Hardy-Weinberg. Daniel e Clark, 2007.

capítulo 5 • 107
Q
p = (2P + Q)/ 2 = P +
2
Q
q = (2R + Q)/ 2 = R +
2

Figura 5.5  –  Relação entre as frequências alélicas e as


frequências genotípicas. Google images.

É possível deduzir então que as frequências genotípicas P’, Q’ e R’ da geração


imediatamente seguinte podem ser matematicamente relacionadas às frequências
alélicas da geração parental, como demonstrado na equação 3 (figura 5.6).
2PQ Q2
P = P2 + + = p2
2 4
2PQ Q2
Q = + 2PR + = 2pq
2 2
Q2 2QR
R = + + R 2 = q2
4 2

Figura 5.6  –  Equação 3 – Relação da frequência genotípica


com a frequência alélica da geração parental.

Uma das mais importantes implicações do princípio de Hardy-Weinberg é


que as frequências alélicas das próximas gerações são exatamente iguais às da ge-
ração anterior (DANIEL and CLARK, 2007). Com o cruzamento aleatório, as
frequências se mantêm constantes pelas gerações. Estas frequências constantes
implicam a ausência de forças evolutivas específicas, sendo que o mecanismo de
herança mendeliana mantém a variação genética.
Dessa forma, as fórmulas aplicadas ao teorema de Hardy-Weinberg são:
•  Frequência alélica: p + q = 1;
•  Frequência genotípica: p2 + 2pq + q2 = 1.

Quadro de Punnett aplicado ao teorema de Hardy-Weinberg

O quadro de Punnett é, sem dúvidas, uma das principais ferramentas para


descobrir os genótipos esperados para um cruzamento. Ele foi criado pelo geneti-
cista inglês Reginald Crundall Punnett e nada mais é do que uma tabela em que
separamos os possíveis gametas de um indivíduo e realizamos as possíveis combi-
nações entre eles (figura 5.7).

capítulo 5 • 108
Os indivíduos Aa de
uma população podem
A frequência de ser produzidos de duas
indivíduos AA pode ser Quadro de Punne� para o equilíbrio
de Hardy-Weinberg formas, como
representada por p2. demostrado no
A (p) a (q) quadro de Punne�. Por
isso, podemos calcular
A (p) AA (p.p=p2) Aa (p.q) sua frequência
somando suas
frequências isoladas:
A (q) Aa (p.q) Aa (q.q=q2)
p.q + p.q = 2p.q

A frequência de
indivíduos aa pode ser
reprentada por q2.

Figura 5.7  –  Quadro de Punnet com os possíveis gametas de


um indivíduo e as possíveis combinações entre eles.

Aplicação do teorema de Hardy-Weinberg nos cálculos forenses

O desenvolvimento científico e tecnológico vem sido desenvolvido há muito


tempo, porém para um pesquisador forense não basta somente a existência da evi-
dência, os dados devem ser expressos de forma numérica no tribunal. A aplicação de
uma estatística para apreciação destes dados vai implicar diversos procedimentos.
Nas ações em que se usa a genética forense, todos os cálculos para a relevân-
cia da prova só podem ser feitos após o estudo das características genéticas da
população à qual pertencem os participantes, caracterizados por uma população
de referência. Com exceção de populações muito pequenas ou presas em determi-
nado espaço, o volume populacional é infinito. Na realidade, é impossível estudar
uma população completa, os estudos são realizados com indivíduos escolhidos
aleatoriamente.
O uso dos marcadores de DNA nas ciências forenses fez esta área ter um maior
avanço nos últimos vinte anos. A mutação e a recombinação genética contribuem
para uma grande diversidade genética em todos os indivíduos, com exceção de
gêmeos verdadeiros, que apresentam sequências de DNA diferentes entre si, mas
iguais em todas as suas células.
Estas características permitem a sua aplicação na área forense em investigações
criminais, relações de parentesco, imigração, pessoas desaparecidas em acidentes
de massa e estudos históricos\antropológicos.
Na análise forense, são procurados marcadores genéticos de DNA em células
recolhidas no local do crime e em uma amostra de células retiradas do suspeito de
ter cometido o crime. Os laboratórios de Biologia Forense usam geralmente 3 a 5

capítulo 5 • 109
loci VNTR – fragmentos de DNA não codificante que correspondem a repetições
sucessivas da mesma base ou de sequência de bases – que diferem de indivíduo
para indivíduo, com exceção para os gêmeos verdadeiros. Encontra-se frequente-
mente a referência aos loci: D1S7, D2S44, D4S139, D10S28 e D17S79.
Atualmente, existem diversas abordagens estatísticas e o desenvolvimento de
modelos probabilísticos próprios na Genética com finalidades jurídicas.
Do material genético resultam as “impressões digitais genéticas”, que apare-
cem sob a forma de autorradiografia. O comprimento, geralmente em kb, dos
fragmentos de DNA não codificante são medidos com determinado erro que varia
de laboratório para laboratório.
Caso os pesquisadores forenses atestem que há diferenças entre as “impressões
digitais” genéticas do suspeito e da amostra recolhida no local do crime, por meio
das autorradiografias correspondentes, não é necessário o uso da Estatística. Caso
não sejam “observadas diferenças”, usa-se a estatística para calcular a proporção de
perfis “semelhantes” à amostra do local do crime, em uma população de referência.
Estas populações de referência devem ser suficientemente bem estudadas quanto
a esses loci e a um conjunto de variáveis relacionadas com a composição genética.
A Estatística e os modelos probabilísticos podem interferir no conhecimento
dos erros de medição e no estudo da genética das populações, mas os tribunais que
aceitam as “impressões digitais” genéticas esperam um “resumo numérico” que
contribua para a sua decisão jurídica.
Como exemplo, temos os loci L1, L2, L3, L4 e L5 cada um com vários alelos
na população. Cada indivíduo possui apenas dois alelos (Ai1 e Ai2, i = 1, ..., 5)
situados nos cromossomos homólogos, sendo um herdado da mãe e outro do pai.
Suponhamos que, tanto na amostra de DNA do suspeito, como na do local do
crime, tinham-se observado os seguintes alelos em cada loci (figura 5.8):

LOCUS L1 L2 L3 L4 L5

ALELOS A11, A11 A21, A22 A32, A32 A41, A42 A52, A52

Figura 5.8  –  Alelos observados nos loci encontrados no suspeito e no local do crime.

Como se constatou a igualdade de perfis, a Estatística é necessária para esti-


mar a probabilidade de uma pessoa, selecionada aleatoriamente, da população de
referência ter a mesma composição genética do suspeito e da amostra do crime.

capítulo 5 • 110
Admitindo o equilíbrio de Hardy-Weinberg entre e dentro dos loci, podemos
sugerir:
P112 ×(2P21 � P22 ) ×P232 ×(2P41 � P42 ) ×P522

Em que Pij é a proporção do alelo Aij na população de referência para o loci


Li , i = 1, 2, ...5 e j = 1, 2
Inicialmente, quando se usavam as “impressões digitais” genéticas, esta esti-
mativa da probabilidade era apresentada ao juiz, mas frequentemente, com duas
interpretações consoantes, as conveniências da defesa ou da acusação.
Como os loci VNTR apresentam diversidade de alelos muito grande em uma
população superior aos grupos sanguíneos que são usados há mais tempo em ques-
tões relacionadas com a investigação da paternidade e na análise forense, a proba-
bilidade de outro indivíduo ter as mesmas “impressões digitais” genéticas (exceto
nos gêmeos verdadeiros) é muito pequena.
A investigação genética de parentesco tem base, essencialmente, em estudo de
investigações de paternidade, de maternidade, de supostos irmãos, de supostos avôs
paternos e os que venham envolver outros familiares. Podendo configurar muitas
vezes situações complexas e especiais de estabelecimento biológico de parentesco.
Nos casos mais comuns, que ocorrem nos laboratórios de Genética Forense,
são investigações de paternidades efetuadas com a presença do trio pretenso pai/
mãe/filho(a), embora a análise possa ser realizada na ausência do pretenso pai, re-
correndo a familiares da linha paterna. Esta investigação pode ser requisitada pelos
tribunais e pelas forças de segurança (PJ, PSP e GNR), diretamente ao diretor da
respectiva delegação do Instituto Nacional de Medicina Legal, ou aos coordenado-
res dos gabinetes médico-legais, que procedem à colheita e ao envio das amostras
à respectiva delegação.
A investigação da paternidade tem como objetivo determinar se o suposto pai
é ou não excluído da paternidade do investigante. Com essa finalidade, estudam-
-se os vários sistemas de marcadores genéticos (STRs), que averiguam, em casos
de investigação de paternidade, entre p. pai/mãe/filho(a), uma individualidade
biológica determinada pelo perfil genético dos integrantes no processo.
Nas investigações mais comuns de paternidade, as quais constituem mais de
80% das investigações de parentesco e que se fundamentam no estudo dos três
participantes, p. pai/mãe/filho(a) sendo o par mãe/filho considerado um par bio-
lógico verdadeiro, determinam-se os alelos que devem ser obrigatoriamente, trans-
mitidos pelo pai biológico (tabela 5.4).

capítulo 5 • 111
LOCUS P.PAI M.MÃE FILHO
D3S1358 16 15,18 15,16
TH01 9,9.3 8,9 8,9
D21S11 29,31.2 28,30 28,29
D18S51 12,14 14 12,14
PentaE 10,11 11,16 10,16
D5S818 12 11,12 11,12
D13S317 11,13 12 11,12
D7S820 7,9 8,10 7,10
D16S539 13,14 11,12 12,14
CSF1PO 11,12 11,12 11
PentaD 11,12 11,14 11,14
VWA 14,17 17,18 17
D8S1179 11,16 10 10,11
TPOX 8,11 8,11 8,11
FIBRA 20,24 21,23 20,23
D2S1338 17,18 18,23 17,18
D19S433 12,13 14,16 12,14

Tabela 5.4  –  Perfis genéticos dos participantes de uma investigação biológica de paternida-
de com estudo do p.pai/mãe/filho(a).

Os perfis genéticos que correspondem a um caso de investigação de paterni-


dade são mostrados na tabela 5.3, sendo que o suposto pai possui as características
genéticas que deveriam ser transmitidas, pois há alelos que a mãe não transmite ao
filho. Esta circunstância configura uma condição de não exclusão de paternidade.
Quando não existe incompatibilidade genética nos 17 sistemas analisados,
como visto na tabela 5.3, são realizados cálculos estatísticos, para se determinar
o índice de paternidade e a probabilidade de paternidade que o pretenso pai tem
de ser o pai biológico da pessoa que está investigando. Este cálculo vai atribuir
uma medida estatística, levando em consideração a genética populacional do in-
divíduo analisado. Nos casos mais comuns, os cálculos estatísticos são efetuados

capítulo 5 • 112
considerando a ausência de parentesco biológico: como pai, filho ou irmão, entre
o pressuposto pai indicado e o pai biológico.
Caso ocorra a existência de parentesco biológico, esta situação terá inferências
nos resultados obtidos, bem como nos cálculos.
Em um processo com dois pressupostos pais, a investigação recorrerá sem-
pre ao estudo comparativo dos perfis genéticos das pessoas envolvidas como:
p.pai 1/mãe/filho(a) e p.pai 2 /mãe/filho(a) e p.pai 2 /mãe/filho(a) (tabela 5.5).
Do mesmo modo, em todos os casos de investigação de paternidade com diversos
supostos pais, a base de estudo será, sempre que possível, o trio p.pai/mãe/filho(a).

LOCUS P.PAI1 MÃE FILHO P.PAI2 OBSERVAÇÃO


D3S1358 15,18 14,16 15,16 14,16 Incomp.
TH01 6,9 7,8 6,7 7,8 Incomp.
D21S11 29,30 28,32.2 28,29 30,32.2 Incomp.
D18S51 16 17,18 16,17 15,17 Incomp.
PentaE 12,17 11,14 12,14 11,13 Incomp.
D5S818 11,13 9,13 11,13 11,12
D13S317 11 12,13 11,12 11,12
D7S820 11,12 10,11 10,11 8,10
D16S539 9,10 10,11 9,10 10,11 Incomp.
CSF1PO 10,11 10,12 11,12 7,11
PentaD 8,9 9,11 8,9 8,11
vWA 15,17 18,19 15,18 15,16
D8S1179 15,16 12,16 12,16 12,15
TPOX 8 9,10 8,9 11 Incomp.
FIBRA 23,25 23,24 20,23 18,27 Incomp.
D2S1338 17,25 19,21 19,25 19,23 Incomp.
D19S433 13,15.2 14,14.2 14,15.2 14,15 Incomp.

Tabela 5.5  –  Perfil genético dos participantes numa investigação biológica de paternidade
com dois supostos pais (p.pai1 e p.pai 2). (Incomp. = incompatível).

capítulo 5 • 113
Estudo de caso em genética forense

Um fazendeiro desapareceu misteriosamente em Alagoas. Dias após, foi des-


coberto seu carro totalmente queimado e com um corpo carbonizado na mala.
Na mesma época, um outro indivíduo, comprador de gado, também desapa-
receu, após um encontro com o fazendeiro. Sua esposa entrou em contato com a
polícia declarando o acontecido. Era fundamental a identificação do cadáver, pois
poderiam estar frente a um sequestro seguido de morte ou de um crime, tendo
como vítima o comprador de gado.
Amostras de material carbonizado (músculo e ossos) foram enviadas ao labo-
ratório, além de amostras de sangue com EDTA da esposa e filho do comprador
de gado. O DNA foi extraído por intermédio da técnica de Chelex a 5%. Diversas
regiões de microssatélites do DNA (Short Tanden Repeats – STRs) foram amplifi-
cadas com primers específicos, marcados com CY5. Foi utilizado um sequenciador
de e, por intermédio de raios laser, o aparelho identifica cada fragmento (alelo)
amplificado de DNA, por sua marcação com o marcador CY5. Os resultados são
expressos em forma de gráficos nos quais picos correspondem aos alelos ou bandas
de DNA, sendo que, por comparação, o tamanho de cada fragmento pela ampli-
ficação é comparado a uma escada alélica sequenciada (ladder).
O resultado do teste pode ser observado na tabela 5.6.

MÃE FILHO ALELOS


PARTICIPANTES
ALELOS ALELOS ALELOS
D1S1656 5 3e5 3e7
D7S1517 7 e 10 7 5e7
D20S156 4e6 5e6 5
D3S1545 7 6e7 6e7
D3S1358 4 3e4 3e6
FOLP 1e2 2e5 2e5
VWA31 15 e 17 17 17
F13A 3,2 e 7 3,2 e 13 3,2 e 7
Amelogenina XX XY XY

Tabela 5.6  –  Resultado do exame de DNA.

capítulo 5 • 114
Pode-se observar que o filho apresenta alelos de origem materna e, sendo as-
sim, todos os demais alelos são obrigatoriamente de origem paterna. Alguns alelos
apresentam-se em homozigose. Esses são representados com somente um alelo,
pois o indivíduo recebeu o mesmo de sua mãe, como de seu pai biológico. O
DNA extraído de pedaço de tecido da vítima apresenta todos os alelos de origem
paterna do filho do comprador de gado. A sonda que define o locus amelogenina
identificou que a vítima era do sexo masculino, pois foram encontrados os alelos
de 106 (X) e 112 (Y) pares de base. As mulheres apresentam somente o alelo de
106 pares de base, como se pode observar no resultado de mãe.
Como resultado, a vítima não é excluída de ser o pai biológico do filho do
comprador de gado desaparecido.

ATIVIDADES
01. Quanto à identificação do civilmente identificado, nos termos da lei n. 12.037, de 2009,
é correto afirmar que
a) a identificação criminal do indicado constará em atestados de antecedentes ou em in-
formações não destinadas ao juízo criminal, antes do trânsito em julgado da senten-
ça condenatória.
b) os dados constantes dos bancos de dados de perfis genéticos terão caráter sigiloso,
respondendo civil, penal e administrativamente aquele que permitir ou promover sua
utilização para fins diversos dos previstos nesta lei ou em decisão judicial.
c) as informações obtidas a partir da coincidência de perfis genéticos deverão ser con-
signadas em laudo médico firmado por geneticista, regularmente inscrito no Conselho
Regional de Medicina.
d) as informações genéticas contidas nos bancos de dados de perfis genéticos poderão
revelar traços somáticos ou comportamentais das pessoas, exceto determinação ge-
nética de gênero, consoante as normas constitucionais e internacionais sobre direitos
humanos, genoma humano e dados genéticos.
e) a exclusão dos perfis genéticos dos bancos de dados ocorrerá no momento do trânsito
em julgado da sentença condenatória irrecorrível.

02. De acordo com a lei n.12.037/2009, os perfis genéticos dos bancos de dados não
podem revelar
a) o sexo das pessoas.
b) a raça das pessoas.

capítulo 5 • 115
c) o número do cadastro de pessoa física.
d) o nome dos pais das pessoas.
e) os traços somáticos ou comportamentais das pessoas.

03. Segundo o princípio de Hardy-Weinberg, também conhecido como lei do equilíbrio de


Hardy-Weinberg, caso uma população não sofra com mecanismos evolutivos, as frequên-
cias gênicas
a) permanecerão constantes.
b) sofrerão modificações constantes.
c) sofrerão mutações.
d) sofrerão grandes modificações.
e) aumentarão gradativamente.

04. O princípio de Hardy-Weinberg diz que, caso fatores evolutivos não atuem sobre uma
população, as frequências gênicas não se alterarão. Entretanto, esse princípio só se aplica
em populações teóricas, uma vez que muitas premissas exigidas não ocorrem na natureza.
Analise as alternativas a seguir e marque a única que não indica uma premissa para a de-
monstração do princípio de Hardy-Weinberg.
a) População pequena.
b) População com mesmo número de machos e fêmeas.
c) Populações com casais igualmente férteis.
d) Cruzamentos ocorrendo de forma aleatória.
e) Ausência de mutações.

05. Um suposto pai desconfia que sua mulher seja infiel. Por conseguinte, ele teme que a
filha, registrada em seu nome, possa ser na verdade filha de outro homem. Obstinado escla-
recer essa situação solicitou um exame de DNA.
Observe o resultado a seguir e diga se o suposto pai pode ser incluído ou excluído como
pai da criança.

SUPOSTO
LOCUS INVESTIGADA MÃE IP
PAI (H2)
8 8 8
TPOX 11 8 8
1,04

capítulo 5 • 116
SUPOSTO
LOCUS INVESTIGADA MÃE IP
PAI (H2)
10 11 11
CSF1P0 12 12 12
1

11 11 8
D7S820 11 11 11
4

10 11 11
LPL 12 12 11
2,38

11 13 13
D8S1179 14 14 15
1,79

7 8 7
TH01 8 8 8
3,57

16 16 16
VWA 17 17 16
1,85

11 11 11
D13S317 12 11 11
1,61

11 12 11
D16S539 12 12 12
1,85

REFLEXÃO
Há quase uma década, o Brasil faz parte de um grupo de mais de sessenta países que
utilizam o banco de dados de DNA como ferramenta de investigação. A RIBPG/MJ, que inte-
gra hoje 19 laboratórios, é uma das maiores redes de laboratórios de perícia oficial do mundo
que compartilha perfis genéticos para fins criminais e busca de pessoas desaparecidas. Ao
menos 11 anos de investimentos em treinamentos, infraestrutura e parcerias por parte dos
governos federal e estadual possibilitaram essa realidade.
Paralelamente, esforços na área jurídica e legislativa permitiram a criação da primeira
lei de coleta de DNA no país em 2012, que, embora tardia, se comparada a outros países, é
considerada por muitos juristas como uma lei moderna e necessária para o avanço da segu-
rança pública no país.

capítulo 5 • 117
MULTIMÍDIA
Indicação de filmes
Lei cria banco de DNA para ajudar na solução de crimes.
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=_Zfm73FHx7A&list=PLA-
820672F8C5EB213&index=4>. Acesso em: dez. 2018.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Cellular Biology 6: 341±347, 2016.
ALVES, H. B. Entrevista concedida a Juliana Forlin. Curitiba, 28 de setembro de 2016.
BRASIL. Lei n. 12.654, de 28 de maio de 2012. Altera as leis n. 12.037, de 1o de outubro de 2009 e
7.210, de 11 de julho de 1984. Lei de Execução Penal, para prever a coleta de perfil genético como
forma de identificação criminal, e dá outras providências. Brasília, DOU de 29 de maio de 2012.
BRASIL. Decreto n. 7.950, de 12 de março de 2013. Institui o Banco Nacional de Perfis Genéticos e
a Rede Integrada de Bancos de Perfis Genéticos. Brasília, DOU de 13 de março de 2013.
BUTLER, J. M. Short tandem repeat analysis for human identity testing. Current Protocols in
Human Genetics. p. 1-4-14 – 22. 2005.
CORTE-REAL, F., & VIEIRA, D. N. 2015. Princípios de genética forense. Imprensa da Universidade
de Coimbra.
DIAS-FILHO, C. R.; FRANCEZ, P. A. C. Introdução à Biologia Forense. Ed. Millennium, Brasil, 2016.
EDWARDS, A. W. F. GH Hardy (1908) and Hardy-Weinberg equilibrium. Genetics 2008,
179.3:1143-1150.
GARRIDO, R. G., RODRIGUES, E. L. O banco de perfis genéticos brasileiro três anos após a lei n.
12.654. Revista de bioética y derecho, 2015, 1.1:94-107.
HARTL, D. L., CLARK, A. G. Principles of Population Genetics. Sinauer Associates, Sunderland,
Massachusetts, 2007.
MALAGHINI, M. Entrevista concedida a Juliana Forlin. Curitiba, 28 de setembro de 2016.
MCTIP-Ministerio de Ciencia, Tecnología e Innovación Productiva. Banco Nacional de Dados
Genéticos (BNDG). Disponível em: <http://www.mincyt.gob.ar/ministerio/banco‐nacional‐de‐datos‐
geneticos-bndg-23>. Acesso em: ago. 2018.

capítulo 5 • 118
GABARITO
Capítulo 1

01. C. 04. D. 07. B.

02. E. 05. A.

03. B. 06. D.

08. As bases do DNA são adenina, timina, guanina e citosina. O açúcar do DNA
é desoxirribose.

Capítulo 2

01. A

02. A Genética Forense é usada para identificação humana, como o teste de paternidade, e
para a identificação ou individualização de animais, plantas e micro-organismos.

03. A técnica para obtenção do perfil genético de uma pessoa é chamada de “DNA finger-
printing”, e foi descoberta por Alec Jeffreys, na década de 1980.

Capítulo 3

01. Cadeia de custódia pode ser definida como o conjunto de documentos que demonstram
todos os “passos percorridos” por determinado vestígio no decorrer do seu processo de aná-
lise, incluindo as condições em que ele foi coletado, a identidade de todas as pessoas que
a ele tiveram acesso, a duração da custódia, as condições de segurança e armazenamento
a que ele foi submetido e a maneira utilizada para se registrar todas as transferências do
material a pessoas diferentes em cada fase.

02. Os resultados obtidos pela técnica de quantificação por PCR em tempo real são mais
específicos e mais sensíveis.

03. D.

capítulo 5 • 119
04. A técnica alternativa à utilização dos solventes orgânicos que utiliza altas concentrações
de sal é conhecida como salting out.

Capítulo 4

01. Uma fração de DNA repetido consiste de regiões denominadas minissatélites ou repe-
tição em tandem de número variável (VNTR – Variable Number of Tandem Repeats). Os VN-
TRs exibem enorme variabilidade e são constituídos de 10 a 100 pares de bases repetidas
sequencialmente em loci cromossômicos.

02. Fração de DNA constituída de 2-6 nucleotídeos de extensão. A análise automatizada


de regiões STR é a metodologia eleita por todos os países para identificação de indivíduos e
tipagem de criminosos devido à rapidez, à acuidade e ao alto poder de discriminação conse-
quente à análise de múltiplas regiões STR.

03. São polimorfismos com base na alteração de uma única base.

04. 1. desnaturação; 2. anelamento; 3. extensão

Capítulo 5

01. B. 03. A.

02. E. 04. A.

05. O suposto pai pode ser incluído como pai da criança, pois apresenta, obrigatoriamente,
os alelos paternos para todos os loci analisados.

capítulo 5 • 120

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