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INTRODUÇÃO À

ANÁLISE
ERGONÔMICA DO
TRABALHO

1.1- CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A ergonomia é definida "como o conjunto dos conhecimentos científicos relativos


ao homem e necessários para a concepção de ferramentas, máquinas e dispositivos
que possam ser utilizados com o máximo de conforto, de segurança e de eficácia"
(Alain Wisner, 1972).

Esta definição evidencia dois aspectos fundamentais na prática ergonômica: o


conjunto dos conhecimentos científicos sobre o homem e a aplicação destes
conhecimentos na concepção de ferramentas, máquinas e dispositivos que o homem
utiliza na atividade de trabalho. Entretanto, é certo que as situações de trabalho não
são determinadas unicamente por critérios ergonômicos. A organização do trabalho, a
concepção de ferramentas e máquinas, a implantação de sistemas de produção são,
também, determinados por outros fatores, tanto técnicos como econômicos e sociais.

A prática da ergonomia consiste em emitir juízos de valor sobre o desempenho


global de determinados sistemas homem(s) - tarefa(s). Como tais sistemas
normalmente são complexos, envolvendo expectativas relativamente numerosas,
procura-se facilitar a avaliação sobre o desempenho global apoiando-se no princípio
da análise/síntese. Este princípio baseia-se na decomposição do juízo global
(apreciação sobre o desempenho global) em juízos parciais (apreciações parciais sobre
desempenhos parciais) e sua conseqüente recomposição.

As duas etapas são explicitadas a seguir:

(1) análise: consiste em delimitar o objeto de estudo a um único aspecto, ou seja,


partindo de uma determinada realidade, procede-se a um movimento de abstração
ordenando os dados. Segundo Kohlsdorf (1986, p: 07), "conduzir estes dados a
abstração significa submetê-los à teoria, a explicações genéricas capazes de
desvendar sua natureza".

É uma abordagem reducionista, à medida em que a metodologia restringe o campo


de estudo à um determinado aspecto, porém a emissão de juízos parciais se faz com
maior segurança e menor risco de erro.

(2) síntese: consiste em uma abordagem globalizante, interrelacionando os


aspectos abordados na análise, ou seja, recompondo a situação. Ainda segundo
Kohlsdorf (op. cit.) "(..) uma vez abstraído, o real torna-se conceito científico, capaz
de explicar a realidade. A síntese constitui-se portanto nesta passagem do abstrato
ao concreto, realizada pelo pensamento". Aqui se expressa uma realidade
ordenadamente apresentada. Nesta recomposição corre-se o risco de perder
"substância", se emitirmos um juízo global recomposto que represente uma parcela
desta globalidade mais do que outras.

1.2 - A INTERVENÇÃO ERGONÔMICA

O ponto de partida de toda intervenção ergonômica é a delimitação do objeto de


estudo, definido a partir da formulação da demanda. A demanda, em ergonomia, é
uma demanda social, expressa num quadro institucional, pelos diferentes atores
sociais, cujos pontos de vista não são, necessariamente, coerentes. Ao contrário, às
vezes, eles são até contraditórios. De fato, a demanda pode ser formulada diretamente,
de forma explícita, por um dos atores sociais (individual ou coletivo) ou, ainda,
indiretamente, de forma implícita, pelo confronto dos diferentes pontos de vista a
respeito do objeto de estudo. Na realidade, atrás de toda demanda explícita, existe
sempre uma demanda implícita, que deve ser devidamente analisada, para evidenciar
todas as dimensões de um mesmo problema.

Assim, uma intervenção ergonômica pode resultar:


(1) seja de uma demanda direta, relativa às condições de trabalho;
(2) seja de uma demanda indireta, ligada à segurança do trabalho (acidentes), à
fabricação (má qualidade do produto), à dificuldade de recrutamento para um
determinado posto (seleção), etc.
(3) seja, ainda, de uma planificação de estudos sistemáticos, com vistas a
implantação de um sistema de melhoria da qualidade e de aumento da produtividade.

Em todos os casos, o analista deve analisar a solicitação, procurando evidenciar


possíveis demandas implícitas, para que os problemas correspondentes ao campo da
ergonomia sejam devidamente identificados e para indicar os métodos que será levado
a utilizar. Entretanto, é preciso salientar, só existe possibilidade de uma intervenção
ergonômica se houver uma demanda formulada. Neste estágio, o analista deve
conhecer as possibilidades e os limites de sua intervenção.

O ergonomista deve, em seguida, estudar os aspectos técnicos, econômicos e


sociais da empresa. De fato, para não se afastar da realidade da situação de trabalho, é
preciso conhecer a tecnologia que os homens operam e a linguagem correspondente
que adotam. É necessário, igualmente, considerar os fatores econômicos que
delimitarão, em parte, as soluções que serão propostas. Finalmente, deve-se levar em
conta os dados sociais: a idade média da população de trabalhadores, o tempo de
serviço na profissão, o grau de escolaridade. Estas informações serão importantes para
situar os problemas formulados pela demanda dentro do contexto da situação de
trabalho a ser analisada.

Quando destas fases preliminares o analista confronta os conhecimentos adquiridos


sobre a situação concreta de trabalho com aqueles que possui sobre o homem em
atividade. Desta confrontação nascem um certo número de hipóteses: sobre a carga de
trabalho e suas variações intra e inter-individuais e inter-grupos.

Estas hipóteses exprimem-se, sempre, sob a forma de uma relação entre as


condicionantes da situação de trabalho e as determinantes que cada indivíduo
manifesta, em função das suas características fisiológicas e psicológicas.

As atividades desenvolvidas pelo homem para responder às condicionantes de


trabalho se traduzem em uma carga de trabalho que varia intra e inter-
individualmente, em função da motivação, da competência, das capacidades física e
cognitiva, do estado emocional, etc..

Neste sentido, as atividades do homem no trabalho podem ser analisadas com a


ajuda deste modelo antropocêntrico, como respostas mais ou menos adaptadas, do
ponto de vista psicológico e fisiológico.

1.3 A DECOMPOSIÇÃO DAS PARTES E A RECOMPOSIÇÃO

A delimitação do campo de análise em diferentes aspectos é um processo delicado


em função do acima exposto. Procuramos garantir a representatividade das partes em
relação ao todo, evitando a "perda de substância" por imprecisão conceitual dos
diferentes aspectos. Partimos do pressuposto que, se a escolha dos aspectos for feita
criteriosamente, é possível que estes coincidam com as expectativas. Estaríamos
assim garantindo a relevância dos aspectos (partes) em relação as expectativas que
serão avaliadas.

O princípio da globalidade aparece após a análise das inter-relações entre os


diferentes atributos das dimensões propostas. Este princípio é a base metodológica
deste trabalho, pois:
 os métodos de análise utilizados baseiam-se em estudos parciais, referentes a
diferentes aspectos do problema;
 após uma classificação em diferentes aspectos - dimensões - é preciso restituir
todos os elementos no seu conjunto.

1.4- FASES DA ANÁLISE ERGONÔMICA DO TRABALHO

A análise ergonômica do trabalho comporta três fases: análise da demanda,


análise da tarefa e análise das atividades, que devem ser cronologicamente abordadas
de forma a garantir uma coerência metodológica e evitar percalços, que são comuns
nas pesquisas empíricas de campo. De fato, só existe ergonomia se existir uma análise
ergonômica do trabalho e só existe uma análise ergonômica se ela for realizada
empiricamente numa situação real de trabalho. Todavia, na prática ergonômica, estas
fases podem ocorrer de forma quase simultânea, sem contudo prejudicar a seqüência
metodológica.

Análise da demanda é a definição do problema a ser analisado, a partir de uma


negociação com os diversos atores sociais envolvidos;

Análise da tarefa é o que o trabalhador deve realizar e as condições ambientais,


técnicas e organizacionais desta realização;

Análise das atividades é o que o trabalhador, efetivamente, realiza para executar a


tarefa. É a análise do comportamento do homem no trabalho.

Cada uma destas análises necessita por sua vez:


- uma descrição, a mais precisa possível;
- observações e medidas sistemáticas de variáveis pertinentes com relação às
hipóteses formuladas. Por exemplo, medida da freqüência de mudança da direção do
olhar e rigidificação da postura, relacionadas com as condicionantes temporais.
Nestes casos, o analista deverá utilizar técnicas específicas para análise dos modos
operativos, das posturas, das atividades visuais, dos deslocamentos, etc.

A escolha das variáveis a serem levadas em conta para analisar o trabalho


dependerá, em grande parte, das hipóteses formuladas sobre as relações
condicionantes / determinantes (cargas / solicitações). Em função dessas hipóteses,
medidas serão realizadas, sejam sobre as pessoas que trabalham (medidas fisiológicas
do esforço), sejam sobre as atividades desenvolvidas (variação dos modos e dos
tempos operativos), sejam, ainda, sobre o meio ambiente (dimensões do espaço e do
local de trabalho, níveis de iluminação, ruído, temperatura, vibração).

Os dados recolhidos devem ser confrontados, de um lado, com os conhecimentos


científicos, particularmente da psicologia e da fisiologia do trabalho e, de outro lado,
com os resultados das pesquisas mais recentemente publicadas (revisão bibliográfica).
A realização de tal metodologia exige que sejam satisfeitas certas condições, tanto ao
nível do acesso à empresa, quanto ao nível do desenvolvimento da intervenção.
Algumas precauções preliminares devem ser consideradas:

- discutir os objetivos do estudo com o conjunto das pessoas envolvidas (direção da


empresa, organizações sindicais, serviços funcionais, gerências, supervisores e
trabalhadores);
- obter a aceitação dos trabalhadores que ocupam o posto (ou postos) a ser
estudado. A participação destes trabalhadores é, de fato, indispensável para realizar
uma boa análise das atividades. Para julgar a pertinência das variáveis e ajudar na
interpretação dos resultados;
- esclarecer as respectivas responsabilidades, tanto do analista, como da direção da
empresa, do sindicato e dos empregados, em relação ao desenvolvimento do estudo e
da utilização dos resultados.

As conclusões de uma análise ergonômica, devem conduzir e orientar


modificações para melhorar as condições de trabalho sobre os pontos críticos que
foram evidenciados, assim como melhorar a produtividade e a qualidade dos produtos
ou serviços que serão produzidos ou realizados. Esta fase de elaboração de
recomendações é a razão de ser da análise ergonômica do trabalho.

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