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Com a aplicação desse termo a qualquer cereal germinado, a indústria cervejeira pode
optar por cereais mais baratos, ocultando essa opção.
O poder da indústria cervejeira no Brasil (lobby, tráfico de influência etc.) deve ser
imenso. Basta lembrar que convenceram as autoridades (in)competentes nacionais de
que não estavam violentando normas que regulam a formação de monopólios ao agregar
Brahma e Antártica -o que constituiria então cerca de 70% do consumo nacional- com o
argumento de que só assim poderiam concorrer no mercado globalizado. Mas depois
foram gostosamente absorvidas por uma multinacional do ramo, certamente uma forma
sutil de realizar a concorrência prometida. E não foi tomada nenhuma providência.
Aliás, sempre que aparecia no cenário uma empresa nascente que, pela qualidade,
pudesse despertar no brasileiro uma eventual discriminação quanto ao sabor, era ela
acuada por todos os meios possíveis e finalmente absorvida, e sua produção, reduzida
ao mesmo nível da mediocridade dos produtos das duas gigantes.
A cerveja brasileira (com pequenas e honrosas exceções) é como pão de forma: mata a
sede, mas não satisfaz o paladar exigente.
A produção nacional de cevada tem ficado nos últimos anos entre 200 mil e 250 mil
toneladas, das quais entre 60% e 80% são aproveitados pela indústria cervejeira. Essa
produção agrícola tem sido suplementada por importação de quantidade equivalente.
Em média, portanto, cerca de 400 mil toneladas de cevada são consumidas na indústria
da cerveja no Brasil, presumindo-se que quase toda a importação tenha essa finalidade.
O índice de conversão entre a cevada e o álcool é, em média, de 220 litros por tonelada.
Como as cervejas brasileiras têm um teor de álcool de 5%, podemos concluir que seria
necessário que houvesse pelo menos seis vezes a quantidade de cevada hoje disponível
para a indústria nacional da cerveja. Portanto, a menos que um fenômeno semelhante
àquele do "milagre da multiplicação dos pães" esteja ocorrendo, o álcool proveniente da
cevada na cerveja brasileira representa cerca de 15% do total.
Como o índice de conversão de grão em álcool para o milho é 80% maior que para a
cevada, podemos considerar que a conclusão do relatório em questão atua como álibi,
pois satisfaria normas vigentes. Isso também explica a preferência dos produtores de
cerveja pelo milho, pois os preços da tonelada dos dois cereais são aproximadamente os
mesmos, apesar de consideráveis oscilações.
Esses números permitem, todavia, concluir que o milho (e outros eventuais cereais que
não a cevada) constitui, em peso, quase três quartos da matéria-prima da cerveja
brasileira, revelando sua vocação para homogeneização e crescente vulgaridade.
A resposta da INBEV
A indústria nacional de cerveja possui tradição de mais de cem anos e tem orgulho de
produzir bebidas de altíssima qualidade, assumidamente mais leves, menos encorpadas,
mais refrescantes, mais digestivas do que similares europeias e condizente com o clima
brasileiro e com o que deseja o consumidor. Ao contrário do que dá a entender o
artigo, as grandes cervejarias obedecem à legislação brasileira, que determina que a
porcentagem de malte (cevada submetida a processo controlado de germinação)
contido no extrato que dá origem à bebida não pode ser menor do que 55%. Os demais
cereais que o mestre cervejeiro usa nas fórmulas, dentro da lei e das boas práticas da
profissão e da produção, são não maltados, ao contrário do que diz o autor, e
empregados para alcançar as características que se pretende: mais malte é igual a
cerveja mais encorpada e mais pesada; menos malte (respeitando o mínimo de 55%) é
igual a cerveja leve, refrescante, suave.
A segunda e incompreensível incorreção do físico vem no bojo de conta que ele faz
para tentar convencer que a cerveja fabricada no Brasil utiliza outros produtos que não
a cevada para ludibriar o consumidor. Prova: o Brasil não produz nem importa cevada
suficiente para dar conta da demanda de malte dos fabricantes. De fato, não mesmo.
Tanto que a maior parte do malte utilizado pelas grandes indústrias, algo em torno de
65% ou mais, é importado. Mas isso não entrou na conta do autor. Da mesma forma,
ele desconsidera que mais malte ou menos malte na cerveja é antes de tudo uma opção
do mestre cervejeiro na formulação de seu produto. Em algumas marcas de grande
penetração no nosso mercado, esse percentual chega a 100%. Trata-se de opção
técnica, cujo único objetivo é justamente produzir um produto de acordo com a
preferência do consumidor, nunca enganá-lo. Claro que há gosto para tudo, tanto que
fabricantes nacionais mantêm em seu portfólio inúmeras marcas importadas, belgas,
alemãs e outras. Mas essas marcas ocupam uma faixa inexpressiva do mercado, por um
motivo muito simples: a imensa maioria prefere a cerveja brasileira.
Ainda para tentar convencer o leitor de que a “má qualidade” origina-se na opção por
produtos ruins, o autor comete mais um erro: afirma que o índice de conversão do grão
de milho em álcool é maior que o da cevada. Trata-se exatamente do oposto: a cevada
tem rendimento de 67% na composição do extrato originário da cerveja, enquanto o
milho atinge apenas 56% de rendimento.
Por fim, o autor mira suas baterias contra o lúpulo utilizado no Brasil, também este de
“baixa qualidade”. Talvez ele não saiba que o produto é importado da Europa (onde é
utilizado inclusive no fabrico das cervejas alemãs, por ele citadas) e dos EUA, que
mantêm rígidos padrões de qualidade para o produto. Esse nível de desinformação se
choca frontalmente com o patamar de excelência em que se encontra a indústria
brasileira de cerveja. Trata-se de um setor que investe permanentemente em pesquisa e
inovação, dispõe das mais modernas tecnologias e zela pela qualidade de seu produto
porque tem plena consciência de que, diferentemente do que pensa o autor do artigo,
seu consumidor é exigente e tem muito bom gosto.
Por que as cervejas belgas, inglesas e alemãs que usam lúpulo de boa qualidade não
precisam de antioxidantes e estabilizantes?
Em texto anônimo, assinado por um certo Silvio Luiz Reichert e intitulado "A cerveja e
o orgulho de quem faz o melhor" (30/ 12), a multinacional de capital estrangeiro
Anheuser-Busch Inbev, proprietária da AmBev, responde ao meu artigo "A cerveja:
bebendo gato por lebre" (18/12/09).
Entretanto, não responde à principal acusação, a saber, o engodo de que foi vítima o
governo e o povo brasileiro pela fusão Antártica-Brahma, quebrando princípios e a
legislação contra a formação de cartéis com a desculpa de que, fundidas, poderiam
enfrentar a competição com multinacionais -para ser o cartel, em seguida, absorvido por
empresa estrangeira.
Também não foi explicada a prática perversa de coação a cervejarias nascentes para
depois absorvê-las e aniquilá-las ou banalizar seus produtos. Pois bem, a mentira tem
muitas faces, como se vê em seguida.
1) Maranhão, mentira bem urdida (padre Vieira, "Quinto Domingo da Quaresma"). Diz
o echadiço que "a maior parte do malte utilizado pelas grandes indústrias, algo em torno
de 65% ou mais, é importado. Mas isso não entrou na conta do autor". Ora, ou o
trombeta não sabe ler, ou é intelectualmente apoucado, ou é mal-intencionado, ou os
três, pois foi exatamente com a soma da cevada produzida no Brasil com a importada
que foram feitas as minhas contas.
2) Patranha, mentira para tolos, crédulos. Afirmei e reafirmo aqui que a taxa de
conversão da cevada em álcool é de 0,216 L/kg, e de milho em álcool é de 0,388 L/kg.
E o sofista responde com as taxas de rendimento "na composição do extrato originário",
o que nada tem a ver com conversão em álcool. Os dados, em todo caso, podem ser
encontrados por exemplo no estudo "Culturas energéticas e o etanol", de Tiago Mateus.
O leitor interessado também pode encontrar os dados de importação e exportação em
www.cnpt.embrapa.br ou www.quercus.pt e com isso repetir os meus cálculos.
Cuidado, deputado federal Paulo Maluf (PP-SP), pois está sendo ultrapassado
desavergonhadamente em seu recorde mundial.
3) Inverdade, eufemismo (Machado de Assis, "A Semana"). Diz o buzina que "as
cervejarias brasileiras de primeira linha não usam conservante (...) porque é ilegal". Será
que a legislação brasileira é diferente para cervejas de segunda linha? E quais são as
cervejas de segunda linha que, de acordo com a legislação brasileira, podem legalmente
intoxicar os brasileiros com conservantes?
4) Embuste, quando é calculada para enganar. Diz o passavante que conservantes não
são usados por serem desnecessários. Então para que servem o antioxidante INS 315 e o
estabilizante INS 405, como se lê em letras miúdas de quase todos os rótulos de
cervejas da AmBev e das demais cervejarias nacionais? Será que a mudança de
nomenclatura de "conservante" por seu sinônimo, "estabilizante", satisfaz o legislador
brasileiro? Será que o sarabatana estaria chamando o brasileiro de analfabeto, incapaz
de ler o rótulo, ou de idiota, pois incapaz de entender o que lê?
5) Patarata é mentira com basófia, ostentação. Diz o estafeta que o lúpulo que é usado
no Brasil vem da Alemanha e dos EUA e, portanto, é tão bom quanto o usado naqueles
países.