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29/03/2020 “Que Haja Luz!

” - Uma visão mais profunda - Bereshit


“Que Haja Luz!”


Uma visão mais profunda
Por Rabino Jonathan Sacks

Baseado nos Ensinamentos do Rebe


Fonte: Licutê Sichot vol. X, págs. 7-12

Na narrativa da Criação, um detalhe nos intriga com a força do


mistério: por que a luz foi criada antes de tudo o mais, quando não
havia nada para se beneficiar dela? A explicação rabínica apenas
aumenta o mistério, pois nos diz que a luz foi imediatamente “oculta
para os justos no Mundo Vindouro.” O Rebe explica a dificuldade e elucida as implicações da
narrativa da Criação para o indivíduo e a conduta de sua vida.

1 – A Primeira Criação

“E D'us disse “Que haja luz, e houve luz.”1 Este foi o primeiro dos pronunciamentos pelos
quais D'us criou o mundo, e a luz foi a primeira de todas as criações.

Mas por que foi assim? Pois a luz não tem valor por si mesma; sua utilidade depende da
existência das outras coisas que são iluminadas por ela, ou que se beneficiam dela.

Portanto, por que a luz foi criada quando nada mais existia?

Alguém poderia dizer que esta foi simplesmente uma preparação para as coisas que mais
tarde seriam feitas (na maneira que o Talmud2 diz que o homem foi criado por último para que
tudo estivesse à disposição dele). Pois se é assim, a luz deveria ter sido criada pouco antes
dos animais (que podem distinguir entre luz e escuridão), ou pouco antes das plantas (que
crescem com a ajuda da luz), no terceiro dia da criação.

2 – A Luz Oculta

Os Rabinos3 explicam que a luz feita no primeiro dia foi “oculta para os justos no Mundo
Vindouro”. Porém isso é paradoxal. Como todo o propósito da luz é iluminar, por que teria sido
escondida logo depois de ser criada; a própria negação de sua razão de ser? E embora os
Rabinos tenham explicado por que a luz deveria ter sido escondida, ainda precisamos
entender por que, se D'us previu isto, mesmo assim Ele a criou no início.
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Um outro comentário precisando de explicação é aquele do Zohar,4 dizendo que as palavras


hebraicas para “luz” e “segredo” são numericamente equivalentes.5 A equivalência numérica é
um sinal de que as duas coisas estão relacionadas uma com a outra (pois como as coisas
foram criadas através das permutações das letras dos pronunciamentos Divinos, duas coisas
cujos nomes são formados por letras do mesmo valor partilham uma forma essencial comum).
Porém mais uma vez temos um paradoxo: a luz é, pela sua essência, uma coisa revelada, e
um segredo é necessariamente oculto. Como podem dois opostos partilhar uma forma em
comum?

3 – A Arquitetura do Universo

Para resolver essas dificuldades devemos considerar uma declaração feita pelo Midrash:6
“Assim como um rei que deseja construir um palácio não o faz espontaneamente, mas
consulta os desenhos dos arquitetos, também D'us olhou na Torá e criou o mundo.”

Em outras palavras, examinando a ordem pela qual um homem começa a fazer algo que exige
planejamento e previsão, podemos aprender algo sobre a ordem de D'us em trazer o mundo à
existência. Primeiro, Ele fixa em Sua mente o propósito que Ele deseja que Sua obra atinja.
Somente então começa o trabalho.

Este, por assim dizer, foi o procedimento de D'us. E o propósito do mundo que Ele estava para
criar (um local onde a luz Divina seria oculta7 nas pesadas mortalhas da existência material)
era que deveria ser purificado e a luz pura de D'us restaurada. Ele procurou, em última
análise, “uma morada nos mundos inferiores”8 significando que Sua ocultação (escuridão)
seria transformada numa presença revelada (luz). Como então a luz era o propósito da
criação, e o propósito é a primeira coisa a ser decidida na ordem de uma obra, a luz foi criada
no primeiro dia. A intenção de todas as criações subsequentes foi captada naquela frase
inicial: “Que haja luz”.

4 – A Luz Implícita

Há, no entanto, uma alusão à luz em cada um dos dias subsequentes da criação. Pois cada
dia de trabalho terminava com o pronunciamento “E D'us viu que era bom”. E a palavra “bom”
alude à luz, como está escrito: “E D'us viu a luz9, que era boa.” Ocorre que a luz estava
presente em cada dia da criação, mas como é possível, se a luz é o propósito da criação, e
como tal explícita somente no final?

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A resposta é que o propósito se manifesta de suas maneiras:


(i) explicitamente no início de uma obra; e
(ii) implicitamente em cada estágio da obra, dirigindo cada esforço num padrão pré-arranjado,
para que se conforme com o projeto original.

Segue então que houve dois aspectos na luz primitiva: primeiramente quando foi revelada,
como propósito da criação, no primeiro dia, antes de qualquer outra coisa existente; e em
segundo, como era sentida indiretamente (e portanto somente sugerida) nos outros dias,
modelando o restante da criação rumo à sua função.

5 – Revelação e Cumprimento

Agora podemos entender por que o Zohar enfatiza a conexão entre “luz” e “segredo”, e por
que o Rebe disse que estava oculta para os justos no Mundo Vindouro.

Enquanto um prédio está em construção, sua forma final não está aparente, exceto na mente
do arquiteto. Sua forma final é revelada somente quando a obra é completada.

Assim foi com o mundo: somente quando tinha sido levado à sua perfeição, pelo nosso serviço
durante os 6.000 anos10 que precedem o Mashiach, seu propósito (a luz) será revelado.

A luz agora está oculta, mas no Mundo Vindouro (quando nosso serviço mundano terá sido
completado) ela brilhará novamente como fez no primeiro dia.

Mas tudo que está escondido, está escondido em algum lugar. Onde a luz está escondida? Os
Rabinos dizem:11 na Torá. Pois assim como os desenhos de um arquiteto orientam as mãos do
empreiteiro, a Torá nos guia – através do estudo e do cumprimento dos mandamentos – a
modelar o mundo para a sua realização.

6 – Do Mundo ao Homem

Cada pessoa é um microcosmo do mundo, e o destino do mundo é seu. Pois então essa
ordem de história espiritual é também uma ordem de serviço individual.

“Luz” é o propósito de cada judeu: transformar sua situação e ambiente em luz. Não
meramente afastando a escuridão (o mal) evitando o pecado, mas transformando a escuridão
em luz, comprometendo-se positivamente com o bem.

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E sua ordem deve ser aquela de D'us no ato da criação: primeiro deve formular Seu propósito.
Imediatamente, quando acorda do sono (quando ele é uma “nova criação”12) – na verdade a
todo momento, pois o mundo é continuamente criado de novo,13 ele deve reconhecer que sua
tarefa é “Que haja luz.”

Então ele deve deixar seu propósito estar implícito em cada uma de suas ações – alinhando-
as com a Torá, o projeto da criação.

7 – Trevas em Luz

Se a luz é o propósito de toda coisa criada, então deve ser também o propósito da própria
escuridão. Pois a escuridão tem um propósito, não meramente deveria existir para ser evitada
(deveria apresentart ao homem um escolha entre bem e mal), mas deveria ser transformada
em luz.

E se um homem às vezes se desesperar, na opressiva escuridão de um mundo desregrado,14


de fazer a luz prevalecer, ainda mais de transformar o mal em bem, ele é comandado desde o
início: “No (ou em prol do) início, D'us criou…” E os Rabinos traduzem isto como: “Pelo bem
de Israel, que são chamados “o princípio da produção de (D'us), e em prol da Torá, que é
chamada “o princípio” do caminho (de D'us)”15

O mundo foi feito assim para que Israel através da Torá o transformasse na eterna luz da
presença revelada de D'us, no cumprimento messiânico das palavras de Yeshayahu16: “O sol
não será mais sua luz durante o dia, nem pelo brilho a lua lhe dará luz: Porém o Eterno será
para ti uma luz eterna.”

NOTAS

1. Bereshit 1:3 8. Cf. Tanya, parte I, cap. 36

2. Sanhedrin 31 a 9. Bereshit 1:4, cf Sotah, 12 a.

3. Chagigah, 12 a. Bereshit Rabbah, 3:6 10. Correspondendo aos Seis Dias da Criação.

4. Parte III, 28 b 11. Midrash Ruth, em Zohar Chadash, 85 a.

5. A derivação das associações de significado utilizando 12. Yalkut Shimoni sobre Salmos
valores numéricos das letras hebraicas é conhecido como 13. Tanya, parte II, início
Guematria. Cf. o Tanya, parte II, cap. 1
14. “Desperdício e vácuo, e escuridão estavam sobre a face da
6. Bereshit Rabbah, início. profundeza murmurante.” Bereshit 1:2.
7. “Mundo” e “oculto” são semanticamente relacionados em 15. Cf. Rashi, Bereshit 1:1.
hebraico (olam-he’elam).
16. Yeshayahu 60:19.

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Por Rabino Jonathan Sacks

O rabino Jonathan Sacks é ex rabino-chefe da Inglaterra e da Comunidade Britânica. Para ler mais artigos
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