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34º Congresso de Pesquisa e Ensino em Transporte da ANPET

100% Digital, 16 a 21 de novembro de 2020

FADIGA DE MISTURAS RECICLADAS A QUENTE COM DIFERENTES TIPOS E


TEORES DE RAP

Bethania Machado Correa


Gabriela de Souza Dias
Gabriel Vargas Wegener
Victória Nunes Ramos
Luciano Pivoto Specht
Deividi da Silva Pereira
Universidade Federal de Santa Maria
Pós-Graduação em Engenharia Civil

RESUMO
Este estudo foi elaborado com o objetivo de avaliar o fenômeno de fadiga em misturas asfálticas recicladas a
quente. Foram avaliadas em laboratório oito misturas, divididas em dois grandes grupos: quatro misturas
contendo ligante virgem, 50/70 e RAP oriundo de uma fonte 1; quatro misturas contendo ligante virgem 60/85,
modificado por polímero, e RAP da fonte 2. Os teores de incorporação de RAP foram de 0%, 10%, 20% e 30%.
As misturas seguiram a metodologia de dosagem Marshall. Então, foi realizado o ensaio uniaxial cíclico de
fadiga à tração-compressão para a avaliação do comportamento à fadiga das misturas. A análise dos resultados
de fadiga indicou que as misturas com ligante 60/85 apresentaram melhor desempenho, enquanto que a adição de
RAP diminuiu levemente o comportamento frente ao trincamento por fadiga, mas dentro de intervalos comuns
para misturas asfálticas.

ABSTRACT
This study aims to evaluate the fatigue phenomenon in recycled hot asphalt mixture. Eight mixtures were
evaluated in laboratory, the samples were divided in two major groups: four mixtures containing 50/70 virgin
binder and RAP from a source 1; four mixtures containing virgin binder 60/85 and RAP from source 2. The
levels of RAP incorporation were 0%, 10%, 20% and 30%. The mixtures followed the Marshall dosage
methodology. The results indicate that mixtures with polymer modified binder (60/85) presented better
performance, whereas the addition of RAP slightly decreased the resistance to fatigue cracking, however the
values are within the normal range seen in asphalt mixtures.

1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Ao longo do tempo, o revestimento asfáltico perde sua capacidade de suporte e, como
resultado, surgem patologias como afundamento de trilha de roda e trincamento por fadiga. O
trincamento por fadiga é ocasionado por um elevado número de ciclos de carga e baixa
amplitude de deformação, gerando microfissurações sucessivas no pavimento que geram o
rompimento do material (Di Benedetto et al., 2004).

A adequada caracterização do dano por fadiga e o processo de trincamento são abordados por
duas teorias: a mecânica de fratura e a mecânica do dano contínuo. A primeira relaciona o
fenômeno de formação de trincas para representar o comportamento do material. Por outro
lado, a mecânica do dano contínuo, conhecida como Viscoelastic Continuum Damage –
VECD, representa os fenômenos da microescala globalmente, utilizando propriedades
fundamentais das misturas asfálticas para caracterizar efetivamente o comportamento do
concreto asfáltico quando submetido à diferentes carregamentos e temperaturas. O principal
recurso do modelo VECD é a curva característica de dano, que corresponde a uma
propriedade do material que independe das condições de teste. Essa propriedade, com a
implementação adequada na estrutura de análise do pavimento, pode ser usada para prever o
dano por fadiga das camadas de asfalto ao longo da faixa de condições encontradas no campo
(Kim, 2009; Hou et al., 2010; Underwood, 2011).

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O processo de intervenção e restauro em um pavimento de concreto asfáltico ao final de sua


vida útil pode envolver como solução a remoção de parte ou a totalidade da camada asfáltica
por meio da fresagem, dando origem ao material denominado RAP (Reclaimed Asphalt
Pavement). Este material pode ser reutilizado sob diversas formas, como na incorporação em
camadas de bases ou sub-bases e/ou para a produção de novos revestimentos, sendo este
último um dos principais desafios em virtude dos níveis de envelhecimento e da perda de
desempenho do material para uso em camada de revestimento. Contudo, todas as formas de
reutilização proporcionam ganhos ambientais e econômicos, pois representam uma alternativa
sustentável que promove a redução do consumo de energia, agregados, ligantes virgens e
gases do efeito estufa (Hoy et al., 2017; Mangiafico, 2014; Genesseaux, 2015).

Embora a utilização do RAP em novas camadas asfálticas venha se destacando nas últimas
décadas e diversos países estão reutilizando o material, ainda é necessário aprofundar o
conhecimento sobre o comportamento das misturas recicladas e seu desempenho. Como o
material RAP contém ligante asfáltico envelhecido em sua composição, a sua incorporação
em altos teores em novas misturas asfálticas poderia produzir misturas mais rígidas que as
sem RAP. Apesar dos diversos estudos sobre o tema, ainda não há um consenso sobre o
comportamento desse material. Alguns estudos apontam que a utilização desse material
aumenta a rigidez das misturas, o que poderia ocasionar um trincamento por fadiga precoce
(Copeland, 2011; Centofante, 2016; Bohn, 2017; Suzuki, 2019; Luzzi, 2019).

Assim, visto que o fenômeno de fadiga se evidencia a medida que os materiais asfálticos
envelhecem, tornando-os mais frágeis, e a partir do pressuposto de que o RAP, dado os níveis
de envelhecimento do ligante, é mais suscetível ao trincamento por fadiga, este trabalho
buscou analisar a influência de duas diferentes fontes de RAP e de dois tipos diferentes de
ligantes asfálticos adicionados (convencional 50/70 e modificado por polímero SBS 60/85),
no comportamento frente à fadiga de misturas asfálticas com diferentes teores de
incorporação de RAP (0%, 10%, 20% e 30%).

2. METODOLOGIA
Diante da suscetibilidade das misturas recicladas ao trincamento por fadiga devido às
propriedades do ligante RAP, o programa experimental propõe avaliar esta propriedade em
oito misturas asfálticas com duas fontes de RAP em três teores de incorporação, dois ligantes
virgens adicionados e duas misturas de referência, conforme esquema da Figura 1.

A primeira fonte de RAP é resultado da fresagem de um trecho rompido por fadiga da RS-
400, executado em 2008, composto por agregado basáltico e ligante CAP 50/70 (denominada
RAP 50/70). A segunda fonte tem origem na fresagem de dois trechos da BR-290/RS e BR
116/RS, devidamente homogeneizados em campo, com agregados basálticos e ligante AMP
60/85 na composição (denominada RAP 60/85). A análise granulométrica indicou uma
diferença significativa entre os materiais, e para isolar esta variável, optou-se por separar
separá-los em frações, a fim de compor uma granulometria equivalente, na qual tomou-se por
base o RAP 60/85, utilizado em campo por Luzzi (2019). Os teores de incorporação dos dois
materiais nas misturas foram 0% (misturas de referência), 10%, 20% e 30%. Os agregados
virgens utilizados são provenientes de um maciço rochoso granítico nas frações de brita 3/4",
brita 3/8” e pó de pedra. As curvas granulométricas das misturas foram definidas segundo os
limites definidos pela Faixa C do DNIT (DNIT ES 31/2006). Os ligantes asfálticos utilizados

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foram um ligante convencional 50/70, produzido pela REFAP, e um ligante asfáltico AMP
60/85E (modificado por polímero do tipo SBS e comercializado no Estado do Rio Grande do
Sul).

Figura 1: Fluxograma experimental das misturas estudadas

As oito misturas foram dosadas pela metodologia Marshall (DNER-ME 043/95), com os
teores de projeto em 4% do volume de vazios e a densidade máxima medida (Gmm)
determinada pelo método Rice (NBR 15619, 2016). O material RAP foi adicionado nas
misturas na temperatura de 110°C (Centofante, 2016; Bohn, 2017; Luzzi, 2019). Na tabela 1
estão apresentadas as nomenclaturas das misturas, as Gmm, os teores de projeto obtidos, os
valores de VAM (vazios do agregado mineral), RBV (relação betume vazios), e os valores
obtidos nos ensaios de resistência à tração por compressão diametral (RT) e módulo de
resiliência (MR). Nota-se que um aumento no teor de RAP resulta em uma menor adição de
ligante virgem, o que decorre da ativação do ligante envelhecido presente no RAP.

Tabela 1: Resumo das misturas, teor de projeto, Gmm, VAM, RBV, RT e MR


Teor de projeto RT MR
Mistura Gmm (g/cm³) VAM (%) RBV (%)
(%) (MPa) (MPa)
Referência 50/70 5,35 2,415 16,8 75,1 1,32 13148
10% RAP 50/70 5,10 2,416 16,0 75,9 1,46 10489
20% RAP 50/70 4,65 2,432 15,5 75,0 1,58 10145
30% RAP 50/70 4,50 2,444 15,0 75,0 1,65 11596
Referência 60/85 5,75 2,394 17,1 76,5 1,58 9852
10% RAP 60/85 5,50 2,386 16,5 76,0 1,64 10378
20% RAP 60/85 5,00 2,400 15,5 74,0 1,76 11006
30% RAP 60/85 4,10 2,426 13,5 70,0 1,78 10625

A danificação por fadiga das misturas foi realizada pelo ensaio uniaxial cíclico de fadiga à
tração-compressão, onde uma deformação cíclica senoidal de amplitude constante é aplicada
na amostra até que ocorra a ruptura, admitida pelo pico do ângulo de fase durante o teste. O
ensaio seguiu as prescrições da norma AASHTO TP 107-14 - Standard Method of Test for
Determining the Damage Characteristic Curve of Asphalt Mixtures from Direct Tension

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Cyclic Fatigue Tests. Foram coletados e monitorados o deslocamento do atuador, a


deformação, a carga, as temperaturas de núcleo e superfície, o ângulo de fase e o módulo
dinâmico da amostra ensaiada, conforme detalhado em Boeira et al. (2018) e Correa (2020).

Foram moldadas 5 amostras por mistura no compactador giratório Superpave (CGS), nos
teores de projeto, nas dimensões 10x17cm e com Vv de 5,5 ± 0,5%. O ensaio foi realizado na
prensa hidráulica UTM-25. A Figura 2 apresenta o processo de colagem das placas no corpo
de prova e a realização do ensaio com o aparato.

O ensaio é dividido em duas etapas. A primeira, denominada fingerprint, consiste em


determinar o módulo dinâmico de cada amostra, para obter a variação de rigidez entre estas,
por meio da aplicação de um pequeno carregamento realizado à tração-compressão,
controlando as deformações, que variam entre 50 a 75µm, medidos através dos LVDTs.

Na segunda etapa do ensaio, o atuador é programado para chegar a um deslocamento de pico


constante em cada ciclo de carga, até que ocorra a ruptura. O critério de falha utilizado nesta
pesquisa foi proposto por Resse (1997) e é definido como o pico máximo na curva de ângulo
de fase versus o número de ciclos. De posse dos dados, foi possível aplicar o modelo S-
VECD, através do MATLAB, compilando os dados obtidos no ensaio de cada amostra,
gerando a curva característica de dano e prevendo a falha por fadiga do material.

Com os resultados do ensaio de fadiga tração-compressão, foi possível obter as curvas


características de dano, as envoltórias de ruptura GR vs Nf e as curvas utilizando a equação
proposta por Nascimento (2016), que permitiu calcular o fator de fadiga da mistura (FFM).

Figura 2: Processo de fixação das chapas nas amostras e realização do ensaio na prensa

3. RESULTADOS E DISCUSSÕES
A aplicação do modelo S-VECD foi realizada para a análise dos resultados de fadiga por meio

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de uma rotina de cálculos pelo software MATLAB, e foi possível obter uma curva
característica para cada material, as curvas C versus S, sendo C a integridade do material e S o
acúmulo de dano. O modelo foi ajustado para diferentes magnitudes de deformação, com cada
amostra variando entre 150 e 300 µs. Ainda, conforme Daniel e Kim (2002), as curvas C
versus S devem se apresentar sobrepostas umas às outras, mesmo sendo submetidas a
deformações diferentes no ensaio, pois a curva C versus S é uma propriedade do material e
independe das condições de carregamento e temperatura.

Para a aplicação do modelo, foram utilizados os resultados do ensaio de módulo complexo


(fingerprint), realizado anteriormente a cada ensaio de fadiga, e os resultados do ensaio de
fadiga. Para o conjunto de curvas de cada mistura, foi realizado um fitting, para a obtenção da
curva característica de dano de cada mistura. Além disso, a equação do modelo de potência
(power law) utilizada é do tipo: C = 1 – C11 x SC12, onde C11 e C12 são as constantes de
regressão. A Figura 3 e a Figura 4 apresentam, respectivamente, o fitting das curvas C versus
S para as misturas compostas por ligante 50/70, seguida das misturas com ligante 60/85.

1
0,9 REF 50/70

0,8 10 RAP 50/70


0,7 20 RAP 50/70
0,6 30 RAP 50/70
0,5
C

0,4
0,3
0,2
0,1
0
0 50000 100000 150000 200000 250000
S
Figura 3: Curvas características de dano das misturas com ligante 50/70

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1
0,9 REF 60/85
0,8 10 RAP 60/85
0,7 20 RAP 60/85
0,6
30 RAP 6085
0,5
C

0,4
0,3
0,2
0,1
0
0 50000 100000 150000 200000 250000 300000 350000 400000 450000
S
Figura 4: Curvas características de dano das misturas com ligante 60/85

A análise das curvas características de dano mostra que a perda de integridade diminui à
medida que o teor de incorporação de RAP aumenta, obtendo-se a mesma resposta
independente do tipo de RAP e ligante virgem adicionado. Todas as misturas romperam com
nível de integridade variando de 0,4 a 0,1.

Observa-se que as misturas recicladas apresentam um maior acúmulo de dano em relação as


às misturas de referência. Em relação ao tipo de ligante e RAP, as misturas 50/70 romperam
em um intervalo de acúmulo de dano de 100.000 a 200.000, enquanto que nas misturas com
60/85, a ruptura ocorreu entre 200.000 e 400.000.

Embora as curvas C versus S sejam uma boa ferramenta para inferir sobre como as misturas
perdem rigidez ao longo dos ciclos, uma melhor análise pode ser realizada utilizando as
envoltórias de ruptura.

O critério de falha por fadiga utilizado para a previsão da falha foi o GR, desenvolvido por
Sabouri e Kim (2014). Neste critério são geradas as envoltórias de ruptura, GR vs. Nf, onde GR
compreende a taxa de variação média de energia de pseudo deformação liberada por ciclo de
ensaio. Estas envoltórias são ajustadas por um modelo de potência e apresenta formato linear
na escala logarítmica. O ajuste segue a equação , sendo Y e ∆ coeficientes de
regressão do modelo.

A Tabela 2 apresenta os valores encontrados para os coeficientes C11 e C12, obtidos pelo
fitting da curva C vs. S, e os coeficientes Y, ∆ e α (taxa de evolução do dano).

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Tabela 2: Coeficientes C11 e C12 do fitting das curvas C vs. S e coeficientes Y, Δ e 


Fitting curvas CxS Curva Gr x Nf 
Mistura
C11 C12 Y Δ
REF 50/70 0,0006 0,5920 5,87E+06 -1,22 3,0694
10 RAP 50/70 0,0004 0,6221 3,52E+06 -1,25 3,1708
20 RAP 50/70 0,0004 0,6143 2,51E+08 -1,62 3,0843
30 RAP 50/70 0,0002 0,6783 6,33E+07 -1,47 3,2111
REF 60/85 0,0015 0,5115 2,21E+06 -1,13 3,3082
10 RAP 60/85 0,0011 0,5283 2,12E+06 -1,09 3,1285
20 RAP 60/85 0,0003 0,6221 1,11E+08 -1,46 3,1992
30 RAP 60/85 0,0006 0,5688 1,95E+08 -1,51 3,3272

A Figura 5 apresenta as envoltórias de ruptura GR vs. Nf. As misturas que tendem a um


melhor desempenho à fadiga apresentam envoltórias mais acima e a à direita no gráfico, além
de menores inclinações.

1000

100

10 REF 50/70 10 RAP 50/70


20 RAP 50/70 30 RAP 50/70
REF 60/85 10 RAP 60/85
20 RAP 60/85 30 RAP 60/85
Potência (REF 50/70) Potência (10 RAP 50/70)
Potência (20 RAP 50/70) Potência (30 RAP 50/70)
Potência (REF 60/85) Potência (10 RAP 60/85)
Potência (20 RAP 60/85) Potência (30 RAP 60/85)
1
1000 10000 100000
Nf (Ciclos)
Figura 5: Envoltória de ruptura GR vs. Nf

Ao analisar a figura com as envoltórias, percebe-se que as misturas 20% RAP 50/70 e 30%
RAP 50/70 são as que apresentam maior inclinação na curva, indicando que, possivelmente,
estas apresentam um pior desempenho à fadiga. Também é possível verificar que as misturas
com ligante 60/85 aparecem mais acima e à direita, indicando um melhor comportamento
dessas misturas frente à fadiga. A Tabela 3 apresenta os dados das equações de GR para todas
as misturas e os valores para o R².

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Tabela 3: Equações das curvas GR e R²


Mistura Equação da curva GR R²
REF 50/70 0,98
10 RAP 50/70 0,85
20 RAP 50/70 1,00
30 RAP 50/70 0,98
REF 60/85 0,88
10 RAP 60/85 0,99
20 RAP 60/85 0,96
30 RAP 60/85 0,99

Com os resultados obtidos para os parâmetros das curvas C vs. S, as envoltórias de ruptura de
GR, e os dados da caracterização viscoelástica obtidos nos resultados dos ensaios, foi possível
aplicar a equação proposta por Nascimento (2016) para a construção das curvas de Wöhler. A
análise pelas curvas de Wöhler trata-se de uma abordagem clássica, que se utiliza dos
resultados de deformação e número de ciclos correspondente à ruptura (Nf). A Figura 6
apresenta o resultado gráfico após a aplicação deste método e a Tabela 4 apresenta os valores
encontrados para o fator de fadiga da mistura (FFM), obtidos após a aplicação da equação de
Nascimento (2016). Em geral, quanto maiores os valores de FFM, melhor é a resistência à
fadiga que a mistura apresenta. Isso pode ser visualizado pela percepção de que áreas maiores
nas curvas de Wöhler são causadas pelo aumento do número do ciclo de ruptura.

400

200

100
ε (µs)

50
1,00E+03 1,00E+04 1,00E+05 1,00E+06 1,00E+07 1,00E+08 1,00E+09 1,00E+10
Nf (ciclos)
REF 50/70 10 RAP 50/70 20 RAP 50/70
30 RAP 50/70 REF 60/85 10 RAP 60/85
20 RAP 60/85 30 RAP 60/85 Potência (REF 50/70)
Potência (10 RAP 50/70) Potência (20 RAP 50/70) Potência (30 RAP 50/70)
Potência (REF 60/85) Potência (10 RAP 60/85) Potência (20 RAP 60/85)
Potência (30 RAP 60/85)

Figura 6: Simulação da vida de fadiga a partir do critério de ruptura GR

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Tabela 4: Fator de Fadiga das Misturas


Mistura FFM
REF 50/70 1,651
10 RAP 50/70 1,430
20 RAP 50/70 1,492
30 RAP 50/70 1,611
REF 60/85 2,517
10 RAP 60/85 1,962
20 RAP 60/85 1,769
30 RAP 60/85 1,758

A partir das curvas de Wöhler simuladas pela equação analítica de Nascimento (2016), que
leva em conta os parâmetros do modelo S-VECD, é possível observar que as misturas com
ligante 60/85 obtiveram os maiores valores, indicando um melhor desempenho à fadiga.
Ainda, pode-se perceber que a incorporação de RAP não foi favorável à resistência ao
trincamento, levando a uma menor vida de fadiga à medida que o RAP foi adicionado. Os
valores de FFM encontrados pela área abaixo das curvas demostram claramente esta queda de
desempenho, com a mistura Referência 60/85 apresentando elevado FFM enquanto que, ao
adicionar RAP, estes valores apresentaram queda.

Ao analisar as misturas com ligante 50/70, verifica-se que todas elas, inclusive a mistura
Referência 50/70, apresentaram comportamentos inferiores às misturas com ligante 60/85. É
possível observar que a vida de fadiga diminui para as adições de 10 e 20%, contudo, verifica-
se que a mistura com 30% de RAP apresentou melhor resistência a à fadiga, com valor de
FFM chegando muito próximo da mistura de referência do mesmo ligante.

Por fim, verifica-se que mesmo que a adição de RAP tenha levado a uma menor vida de
fadiga e a queda nos valores de FFM, as misturas contendo material reciclado até 30%, tanto
para o ligante convencional 50/70, quanto para o modificado por SBS 60/85, apresentam
comportamentos à fadiga semelhantes aos encontrados em demais pesquisas sem a adição de
material fresado. Nascimento (2015) encontrou valores de FFM de nove misturas que
variaram entre 1,62 e 2,82 para misturas constituídas de diferentes ligantes asfálticos.
Schuster (2018) ao avaliar 24 misturas asfálticas densas dosadas pelo método Marshall,
usinadas e aplicadas em campo, encontrou valores de FFM em um intervalo de 2,39 a 1,03.

Desta forma, julga-se que a adição de RAP, mesmo impactando no comportamento à fadiga,
não leva a intervalos de resistência à fadiga, monitorados pelo parâmetro FFM, dispares
daqueles encontrados em misturas asfálticas usuais sem o uso de material fresado, de forma
que a técnica torna-se extremamente propícia e importante para a reutilização do material
fresado e a um menor consumo energético e de recursos naturais. Reforça-se a necessidade de
integração da dosagem e das propriedades obtidas com o projeto estrutural e análise do custo
no ciclo de vida do pavimento para cada caso de projeto.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A fim de demonstrar o potencial de utilização do material RAP em novas misturas asfálticas,

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a pesquisa realizada teve como objetivo avaliar o comportamento à fadiga de misturas


recicladas a quente com diferentes porcentagens e fontes de material RAP.

Os resultados das envoltórias de ruptura Gr vs. Nf, as simulações pela equação de Nascimento
(2016) e o cálculo do fator de fadiga de misturas, obtidos através do ensaio de fadiga à tração-
compressão, demonstraram resultados muito semelhantes quanto ao desempenho à fadiga das
misturas sem RAP com misturas com alguma porcentagem de RAP.

Por análise de comparação com valores encontrados em Nascimento (2015) e Schuster


(2018), verifica-se que as misturas com adições até 30 % de RAP se comportaram dentro de
intervalos usuais de FFM de misturas asfálticas com diferentes ligantes e também aplicadas
em pista, sugerindo a usabilidade do material fresado em projetos de misturas asfálticas
quando analisado o fenômeno de fadiga.

Diante disso, o ligante presente no RAP, o teor de incorporação e o ligante virgem a ser
adicionado são fatores que influenciam no desempenho à fadiga das misturas recicladas,
sendo importante sua consideração nos projetos de mistura. No entanto, avaliações adicionais
são necessárias, a fim de verificar a reativação do ligante RAP, uma vez que esta impacta no
teor de ligante total da mistura e, consequentemente, na propriedade mecânica assim como a
integração dos dados de laboratório com a análise estrutural de pavimento, seu desempenho e
custo no ciclo de vida.

Agradecimentos
À ANP/Petrobras e ao MCTI/CNPq pelo fomento à pesquisa.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Asphalt Mixtures from Direct Tension Cyclic Fatigue Tests. American Association of State Highway and
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