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FUNDAÇÃO ARMANDO ALVARES PENTEADO

FACULDADE DE ARTES PLÁSTICAS

Tecendo redes de alianças afetivas:


algumas notas sobre arte indígena contemporânea
e práticas curatoriais

Paula Berbert

São Paulo

2019
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FUNDAÇÃO ARMANDO ALVARES PENTEADO

FACULDADE DE ARTES PLÁSTICAS

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS E PRÁTICAS CURATORIAIS

Tecendo redes de alianças afetivas:

algumas notas sobre arte indígena contemporânea

e práticas curatoriais

Trabalho de Conclusão de Curso


apresentado à Pós-graduação da
Faculdade de Artes Plásticas da
Fundação Armando Penteado como
parte dos requisitos para a conclusão do
curso de Pós-graduação Lato Sensu em
Estudos e Práticas Curatoriais.

Aluna: Paula Berbert

Orientador: Amilcar Packer

São Paulo

2019
3

Ficha catalográfica

BERBERT, Paula.
Tecendo redes de alianças afetivas: algumas notas sobre arte indígena contemporânea
e práticas curatoriais. Paula Berbert.
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Pós-graduação Lato Sensu em Estudos
e Práticas Curatoriais da Faculdade de Artes Plásticas da Fundação Armando Penteado.
São Paulo: FAP/FAAP, 2019.
Palavras-chave
1.Arte Indígena Contemporânea 2.Práticas curatoriais 3.Alianças afetivas
4.Interculturalidade
4

para Denilson Baniwa e Jaider Esbell


5

Sumário

fibras, entre-casca p. 6

um fim de semana no Goethe p. 9


ou pacificando os brancos, ainda

[instantâneo etnográfico 1] p. 13
fiar linhas

alianças afetivas, tessituras para práticas curatoriais p. 17

[instantâneo etnográfico 2] p. 22
tecer redes

multiplicar fios, adensar tramas, p. 27


aumentar redes de alianças afetivas

imagens p. 29

bibliografia p. 43
6

fibras, entre-casca

Foram as miçangas e as fotografias1 feitas pelas mulheres Tikm ’ n_Maxakali de


Aldeia Verde, especialmente as de Sueli Maxakali, que conduziram minha curiosidade
para as produções indígenas. Isso aconteceu durante o trabalho que fiz junto delas para
aprender sobre as formas de guerra do Estado contra seu povo, especialmente as
experiências da Guarda Rural Indígena e do Reformatório Krenak (BERBERT, 2017).
As inquietações que elas e suas produções despertaram em mim se conectaram com
imagens de pinturas e desenhos de artistas indígenas que me chegavam pela internet,
cujo primeiro contato eu tive na exposição seminal Mira! Artes Visuais Contemporânea
dos Povos Indígenas2... tudo isso ecoava também nas discussões nos círculos
especializados da Antropologia sobre a renovação dos interesses dos sistemas
ocidentalizados de arte pelo que se tem chamado de manifestações expressivas
ameríndias3... Desejando me dedicar a esses outros lugares de pensamento e partindo
precisamente de tal experiência de trabalho junto aos Tikm ’ n é que cheguei nesse
curso de Práticas Curatoriais.

Dedico essas primeiras linhas situando minha formação e o ponto de partida das
reflexões que seguem para marcar, de saída, a minha fala-escrita como antropóloga
branca e minhas inquietações como etnográficas. É com essas marcações que cruzo as
fronteiras para um outro campo do pensar e do fazer, o curatorial. Importante dizer que
localizo a noção de prática curatorial junto ao debate em torno de sua distinção em
relação à ideia de curadoria essa entendida mais pontualmente como o ofício de
organizar exposições e expografia de obras, e aquela como um fazer centrado em
projetos discursivos-educativos orientados a promover encontros, conversas e
dispositivos para gerar, contextualizar e tornar públicas ideias e trabalhos artísticos
(FLETCHER, 2005; SZAKÁCS, 2012).

1
Sobre as fotografias feitas pelas mulheres Tikm ’ n_Maxakali, ver: ALVARENGA, Ana & Fotógrafas
Tikm ’ n de Aldeia Verde, 2009.
2
Exposição seminal que aconteceu entre junho e agosto de 2013 no Espaço do Conhecimento da UFMG,
organizada pelo núcleo Literaterras dessa mesma universidade, projeto de curadoria da professora Maria
Inês de Almeida.
3
Essa é uma expressão que tem sido recorrentemente usada por algumas/alguns antropólogxs para
escapar dos pressupostos implícitos no, e dos efeitos gerados pelo, binômio arte e artefato. Sobre tais
pressupostos e efeitos ver CESARINO, 2016a.
7

Interessa-me, desse modo, justamente percorrer os pontos de contato entre os campos


da etnografia e do curatorial, experimentando as tensões e as potências que um oferece
ao outro exercício curatorial como etnográfico, exercício etnográfico como curatorial.
Assim tentei me orientar pelas formulações de Pedro Cesarino sobre as interfaces
possíveis entre essas práticas (CESARINO, RJELLE; JABLONSKI, 2013). Nessa
tentativa de aproximação, me parece especialmente profícuo pensar em ambas como
formas ampliadas de mediação, que frequentemente é também intersemiótica e tem se
tornado cada vez mais intercultural. A esse respeito o antropólogo argumenta que:

(...) uma curadoria que n o se preocupe necessariamente com produtos (e posi es,
catálogos) e com objetos (obras de arte), mas mais com processos e conexões, me parece
bastante interessante para pensar a própria antropologia contemporânea (...). Em outros termos,
eu gostaria de levar essa noção de curadoria para mais além, na direção de uma possível
dissolução do objeto, do espaço expositivo (ou, a rigor, do foco em tais reificações e suas
produções de valor, em detrimento das pessoas), a favor dos modos de transformação e de
cone o entre pessoas e modos de criati idade. (Idem: p. 20 21. Ênfase do original)

O cruzamento entre essas esferas se fará sentir também no modo como organizei esse
texto, encarando a etnografia como forma de escrita criativa porque tradutória e
intersemiótica4. Nesse sentido, lancei mão de um artifício de escrita que forjei em minha
dissertação de mestrado, o que tenho chamado de instantâneos etnográficos
(BERBERT, 2017). Trata-se de descrições de um conjunto de eventos densos que
pretende mobilizar na própria escrita a potência de síntese das imagens ao combinar
trechos inteiros de anotações de campo, recriando o texto ao desenvolvê-lo com
elaborações e inserções feitas depois.

Tentei organizar as inquietações que apresento aqui a partir de alegorias com fios, linhas
e redes, que me parecem dar concretude visual ao fazer cosmopolítico5 que Ailton

4
A esse respeito Cesarino tamb m afirma que (...) certa forma de concep o de etnografia en ol e, sim,
evidentemente, um ato tradutório, já que ela realiza, digamos, uma transposição de um código semiótico
para outro. E essa transposição necessariamente envolve o etnógrafo em um processo criativo, na medida
em que ele precisa acoplar outro regime de pensamento e de expressão no interior do seu, pautado por
certa lógica gramatical, por certo regime enunciativo, por certo escopo conceitual, por outras redes de
circula o, etc. (CESARINO, RJELLE; JABLONSKI, 2013, p. 10)
5
Uso o termo no sentido dado por Bruno Latour ao comentar as formulações de seus pares a esse
respeito: Quando Isabelle Stengers reatuali a o termo cosmopol tico , trata-se, para ela, de tomar
distância em relação a essa versão humanista da política. É, aliás, uma versão que os próprios
antrop logos empregam facilmente quando falam de cosmologias diferentes , em que a pala ra
cosmologia perdeu, de certa forma, o caráter perigoso de seu plural. Em geral, a visão modernista consiste
em dizer que há um Cosmos interpretado por cosmologias que representam variações culturais diversas
da natureza única. A variação é, então, novamente superficial, pois decorre da representação humana e
8

Krenak formulou como alianças afetivas (KRENAK, 2016). As imagens que vem a
cabeça ao usar esses termos repetidamente ao longo do texto são as das mulheres
Tikm ’ n_Maxakali rapando e fiando delicados fios de embaúba, para depois
transforma-los em linhas e trançados flexíveis e resistentes, a partir das quais se faz uma
infinidade de coisas, como redes de dormir e de pescar, vestidos, bolsas, a linha
impulsora do arco, pulseiras e colares ...

Antes que eu me demore nessa antessala introdutória é importante ainda dizer que boa
parte das reflexões que seguem são tributárias do feliz encontro que tive com Daniel
Dinato. A coincidência em nossas formações e interesses nos aproximaram logo que
começaram nossas aulas na FAAP. Ele estava no meio da pesquisa de mestrado que
desenvolveu junto a Ibã Huni Kuin6 sobre as produções e circulações do MAHKU.
Nossa convergência foi, rapidamente Dani se tornou um grande amigo, parceiro de
trabalho e interlocutor de conversas quase que diárias sobre as questões que anunciei
acima. Fundamental, condição mesmo de possibilidade para essa incursão inicial pelos
caminhos da arte indígena contemporânea e das práticas curatoriais, são os
aprendizados, a partilha com os artistas Denilson Baniwa e Jaider Esbell. Seus trabalhos
e formulações são as linhas pelas quais tento me deixar conduzir.. seguindo os seus
percursos cheguei então a esse texto.

não do próprio Cosmos. A cosmopolítica hard, se ouso falar assim, em contraste com o cosmopolitanismo
soft, consiste em dizer o contrário: não há unidade; no entanto, é necessário coabitar sem poder se decidir
pelas antigas facilidades da sucessão. Se nunca se foi moderno, a questão da coabitação volta a se tornar
crucial. Não há um fundo já estabelecido que seria a natureza. Portanto, a questão é saber o que se faz
com todos os elementos que podiam ser rejeitados no tempo da sucessão, em particular os deuses. Os
primeiros pensam que os deuses são representações; os outros, como Tobbie Nathan, perguntam-se: o que
fazer com os deuses quando eles estão em guerra? O que é a política, se é preciso fazê-la com seres que
chegaram a um conflito tal e que t m ontades de unidade t o contradit rias? (In: OHANIAN, M.;
ROYOUX, J., 2005: p. 32).
6
Ibã Huni Kuin é professor e xamã da aldeia Chico Cumurim, no alto do rio Jordão, no Acre. Fundador
do MAHKU (Movimento de Artistas Huni Kuin), sua atuação como artista e precursor desse coletivo tem
se destacado como uma referência nos sistemas ocidentalizados da arte contemporânea.
9

um fim de semana no Goethe ou pacificando os brancos, ainda

No primeiro final de semana de dezembro de 2017, o Instutito Goethe de São Paulo


recebeu o Encontro sobre produ o cultural ind gena 7, ocasião que reuniu uma
importante massa crítica especializada no tema: artistas e ativistas indígenas, tais como
Ailton Krenak, Arissana Pata , Bu u Kenned (Tukano), Daiara Tukano, Denilson
Baniwa, Edgar Xakriabá, Ibã Huni Kuin, Jaider Esbell (Macuxi), Miguel Verá Mirim
(Guarani Mbya), Sandra Benites (Guarani Nhandeva), entre outrxs; além de
profissionais dos sistemas da artes e acadêmicxs como Clarissa Diniz, Laymert Garcia,
Luiza Proença, Pablo Lafuente, Pedro Cesarino, Suely Rolnik e Tício Escobar. O evento
destinou-se a criar interlocuções entre artistas, realizadorxs, curadorxs e pesquisadorxs
indígenas e não-indígenas em contextos institucionais da arte. Durante esses dois dias
falou-se muito sobre as tensões, as potências e os pontos cegos que se instituem a partir
da entrada e ocupação indígenas nesse campo. Dentre essas discussões, me chamou
atenção especial as equivocações (VIVEIROS DE CASTRO, 2004) no entendimento do
que são ou podem ser as manifestações expressivas ameríndias, bem como as matizes de
entendimento sobre o risco de que tais práticas possam ser absorvidas pela cafetinagem
do sistema da arte contemporânea (ROLNIK, 2006).

Tive a oportunidade de participar das falas públicas e das conversas reservadas na


condição de observadora 8. Não pretendo dar conta aqui de toda a complexidade das
formulações e posições performadas nessas ocasiões, que não aconteceram de modo
polarizado e homogêneo, mas antes explicitaram diferentes percepções sobre tais
questões. Mirando essas complexidades, o que buscarei fazer aqui é refletir sobre um de
seus aspectos, qual seja a ênfase dada por algumas/alguns participantes indígenas e
algumas/alguns não-indígenas no que diz respeito ao risco de que as manifestações
expressivas ameríndias sejam cafetinadas, isto é, de que sejam capturadas pelas forças
econômicas desses sistemas, ou ainda manejadas pelas instituições e pelxs artistas
ocidentais de modo exotizante ao desloca-las de seus contextos. Algumas/alguns dxs
participantes indígenas aproximaram-se dessas enunciações ao iniciar suas falas

7
Para mais informações sobre esse encontro ver: https://goo.gl/wugBXS. Último acesso em 11.04.19.
8
Em distinção às pessoas que foram de fato convidadas pela organização do evento, eu fui, digamos,
convidada por um convidado.
10

denunciando os saques que os multiversos ameríndios sofrem há séculos. Ailton Krenak


formulou com precisão aguda a violência a que os povos originários estão expostos:
N s sempre fomos con ocados a pro er algo. No s culo XXI, somos con ocados a
prover subjetividade. Do mesmo modo como nos tiraram as terras, o ouro, a prata, agora
e aurem nossos mundos, os nossos pensamentos .

A intensão de cafetinagem não surpreende quem conhece secularmente a guerra e a


pilhagem, pois esses processos se movimentam numa relação de continuidade.
Exprimindo diferentes percepções sobre as armadilhas que existem no renovado
interesse dos sistemas das artes por suas estéticas e subjetividades, as proposições dxs
artistas e realizadorxs indígenas que nomeio a seguir foram além. Não ocuparam o lugar
passivo, frequentemente oferecido àqueles expostos à violência e opressão. Mas
recuperaram as histórias de suas resistências multisseculares, destacando suas
capacidades de agência em diversos espaços interculturais, como as esferas do Estado,
da educação e agora também das artes. Essa me parece ter sido a dobra, a fricção trazida
pelas reflexões de tais interlocutorxs indígenas às preocupações expressas por
algumas/alguns não-indígenas. Essxs preocupadxs em como os proteger, aquelxs
dedicadxs a pensar em estratégias de ofensiva com e contra os sistemas das artes e suas
narrativas hegemônicas.

Recupero algumas dessas formulações que me pareceram especialmente significativas


nesse sentido, iluminando possibilidades importantes para a reflexão sobre as tensões e
potências do encontro entre os multiversos ameríndios e os sistemas das artes. Jaider
Esbell, artista Macuxi, iniciou sua fala afirmando que o objetivo de seu trabalho é
divulgar sua cultura para libertar o seu avô, Makunaima, demiurgo criador de seu povo,
que há quase um século é prisioneiro de guerra da história da arte brasileira. Esbell nos
contou que seu parente foi sequestrado por Mario de Andrade e seus pares modernistas
para servir como um herói nacional, para representar o tipo brasileiro por natureza,
miscigenado. Ainda asseverou que pensa sua produção de desenhos e pinturas, bem
como a circulação de seu trabalho, como uma forma de reescrever a verdadeira história
de Makunaima, o herói Macu i. A arte ind gena contempor nea eio para ficar!
destacou ele. Em sentido semelhante, propondo torções a marcos fundacionais da
historiografia da arte no Brasil, Denilson Baniwa declarou que os povos indígenas
precisam retomar para si a antropofagia, subtraída dos Tupinambá e apropriada por
Oswald de Andrade como elemento diferenciador entre a arte brasileira e europeia.
11

Baniwa argumentou que a antropofagia é uma instituição de guerra dos povos


indígenas, que faz a nossa diferença em relação aos brancos. A antropofagia diferencia
os índios dos brancos e não os brancos entre si. Nós, artistas indígenas, é que somos os
erdadeiros antrop fagos! . Gostaria de destacar a maneira como ele concluiu sua fala,
convocando enfaticamente as/os antropólogxs e demais especialistas presentes a
conhecer de perto os trabalhos dxs artistas indígenas, a escrever a esse respeito,
empregando os meios de difusão aos quais tem acesso para ampliar a circulação de suas
produções. Edgar Xakriab , ao refletir sobre seus filmes e fotografias, afirmou: A arte
uma arma para ser usada a nosso fa or, a fa or da nossa luta! . Daiara Tukano, por
sua vez, disse que o espa o da arte contemporânea é estratégico para a nossa
continuidade . Ibã Huni Kuin lembrou sua ousada proposta prática de "vender tela e
comprar terra"9.

Gostaria de ressaltar alguns elementos dessas formulações. O primeiro deles é a


importância central de entes e categorias indígenas, que esvaziadas de seus sentidos de
origem, constituíram uma certa noção comum sobre a arte brasileira, cujo fundamento
reside no cânone modernista10. E o que poderia implicar para a historiografia da arte no
Brasil sustentar esse apontamento crítico? De pronto eu responderia: a urgência de rever
e reparar as narrativas hegemônicas em perspectiva decolonial.. Tarefa que não poderá
ser realizada sem o protagonismo daquelxs que reivindicam a libertação e a reaproriação
de seus entes e símbolos, e que parecem de algum modo pensar a arte numa relação de
continuidade com a guerra. Afinal é nos contextos de guerra que geralmente
empunhamos armas, e como argumentou o cineasta Xakriabá, a arte pode ser usada para
este fim, para fortalecer as lutas indígenas. E a quais lutas ele se referia? Seria a batalhas
de uma guerra? Imagino que sim, no exercício especulativo ao qual me dedico agora,
penso que Edgar poderia referir-se à guerra colonial, essa que há mais de 500 anos
invade as terras dos outros, saqueando delas tudo o que for economicamente rentável, e
que se esforça para eclipsar as diferenças por ser ontologicamente refratária à
multiplicidade. As respostas não poderiam ser, contudo, unívocas, pois as guerras, elxs
bem o sabem, são movidas pela produção de inimigxs e aliadxs (CLASTRES, 2012

9
Ibã, em 2014, comprou aproximadamente 15 hectares de Floresta Amazônica contíguas à terra indígena
onde vive no Jordão AC, com o dinheiro da venda de uma tela, local onde construirá o Centro MAHKU
Independente e servirá para dar sequência em suas "pesquisas espirituais".
10
Importante destacar que essa apreciação se atém a uma parcela específica do modernismo brasileiro e
de sua crítica, que são especialmente vinculados à Semana de 22.
12

[1974]). Guerreirxs habilidosxs que são, manejam estratégias para atuar nessas duas
frentes. A umas/uns os tacapes e as bordunas, às/aos outrxs fotografias, desenhos e
pinturas.

Foi esse o sentido que apreendi da formulação de Daiara, de que a arte contemporânea
pode ser um espaço fundamental para a continuidade dos povos originários. Em uma
primeira acepção, como um lugar de encontro, como ambiente para justamente produzir
aliadxs. As manifestações expressivas ameríndias dão a ver suas culturas, conhecendo-
as xs brancxs poderão, quem sabe, respeitá-las um pouco mais. Parafraseando Davi
Kopena a, poder amos pensar que elas podem ser uma flecha para atingir em cheio o
coração dos não-indígenas , para iluminar o seu pensamento perdido e obscuro
(KOPENAWA & ALBERT, 2015 [2011]). Arte indígena contemporânea para pacificar
os brancos, ainda.
13

alianças afetivas: tessituras para práticas curatoriais

Foi numa de nossas trocas de mensagens diárias que, por volta de agosto ou setembro
de 2018, Daniel Dinato me mandou um arqui o em pdf: , Pauli.. tu j leu essa
entrevista do Ailton Krenak? Fizeram pra Incerteza Viva... muito foda (KRENAK;
CESARINO, 2016)... Não conhecia essa publicação e consegui me organizar para ler
dali algumas semanas... a força das palavras de Ailton Krenak!, flechas, lampejos
fulminantes de elaboração sobre mundos! Fiquei atordoada, inquieta, revirou o
pensamento, fez dobra nos pulsos internos... No último período poucos textos11 me
afetaram assim, percebi que voltaria a ele muitas vezes ainda, como tenho feito desde
então.

A conversa entre esse pensador e esse antropólogo tocam em inúmeras camadas dos
encontros entre os multiversos ameríndios e o universo ocidentalizado... entre essas
questões, os intermináveis fluxos de guerra, roubo e invasão que os brancos
desgraçadamente mobilizam e o desafio cosmopolítico de se forjar encontros capazes de
movimentar outras coisas além das armadilhas sempre atualizadas dos extrativismos e
da tutela. Como estar junto? Como fazer junto?

Ailton Krenak recupera elementos de sua biografia, de como viveu a guerra


multissecular do Estado contra os povos indígenas, contexto de uma violência colossal,
de investidas sucessivas de apagamento. Ele afirma que esses processos produziram
diante dele uma grande muralha de ignor ncia, uma muralha de negação da sua
possibilidade como sujeito (KRENAK, 2016: p. 169). Para não sucumbir diante dessa
muralha, ele se dedicou então a lhe abrir brechas, entendendo-as como uma
possibilidade inteiramente no a: Uma invenção mesmo, pois não era uma prática que
eu conhecia, era uma in en o de no as rela es. (Idem: p. 170). O pensador assevera
que a característica fundamental dessas relações seria o conflito, uma vez que elas

11
Faltou tempo para me dedicar refle o sobre dois te tos emblem ticos de Jaider Esbell, A arte
ind gena contempor nea e o grande mundo (2018a) e O t a smo, os t a stas e os ismos (2018b). No
primeiro, o artista formula suas percepções sobre os movimentos dos sistemas ocidentalizados de arte em
direção às manifestações expressivas ameríndias. No segundo, ele aborda a infinidade de sentidos do
txaísmo, termo derivado da palavra txai, que na língua hantxa kuin, falada pelos Huni Kuin, significa
cunhado e é uma palavra genérica para designar um outro não-parente com quem se deseja manter
relações amigáveis, relações de troca. Uma das reflexões pelas quais desejo me enveredar em diálogo
com Jaider é sobre os paralelos possíveis entre o que ele tem chamado de txaísmo, dando destaque para
atuação de Ibã Huni Kuin e dos artistas do MAHKU, e o que Ailton Krenak definiu como alianças
afetivas.
14

acontecem em contextos pouco porosos a essas aberturas. A despeito disso, quando tais
aberturas se efetivam, inauguram um mundo para além das fechaduras e
impossibilidades:

(...) [o mundo] passa a ser cheio de janelas. Essas janelas todas vão ganhando um sinal
positivo, de possibilidade de troca. Então, aliança na verdade é um outro termo para troca. Eu
andei um pouco nessa experimentação até que consegui avançar para uma ideia de alianças
afetivas - em que a troca não supõe só interesses imediatos. Supõe continuar com a
possibilidade de trânsito no meio das outras comunidades culturais ou políticas, nas quais você
pode oferecer algo seu que tenha valor de troca. E esse valor de troca supõe continuidade de
relações. É a constru o de uma ideia de que seu i inho para sempre. (Idem)

Para estabelecer relações assim, de alianças afetivas, seria necessário dilatar, ampliar os
tempos de encontros, a duração dessas relações, criando espaços para que afecções se
produzam, para que os afetos se manifestem e para que elaborações coletivas emerjam.
Importantíssimo dizer que essa rede de alianças não se dá exclusivamente entre
humanos, nos planos das rela es sociopol ticas, no plano das ideias (Idem: p. 172),
mas precisam ser compostas junto à miríade de seres que dividem conosco o tempo e o
espaço, o que nós, ocidentalizados, chamamos eventualmente de natureza, os animais,
as árvores, as nascentes, a terra, o ento, as paisagens: Aliança é troca com todas as
possibilidades, sem nenhuma limita o. (Idem: p. 172).

Abrir-se para essas trocas é a condição de possibilidade mesmo para que elas
aconteçam. Para compor essa ciranda aberta, infindável, sem limites é preciso se
movimentar com essa intenção:

O mundo não faz este movimento por você. Lá atrás no começo da minha formação, dessa
minha formação quase autodidata, de tatear o mundo, lá, tateando o mundo, quando percebi o
mundo como uma muralha de negatividade fiz um movimento de transformar esta muralha em
trilhões de janelas de aliança, de troca, de possibilidades. É mudar o sinal. Você muda o sinal
da negati idade para a possibilidade, oc passa a considerar isso comunica es potentes.
(Idem, p.175).

Se a renovação dos interesses dos diferentes circuitos ocidentalizados de arte tem


produzido novas conjunturas de encontros com os multiversos indígenas, podemos
assumir as formulações de Ailton Krenak sobre alianças afetivas como balizas para
produzir e atuar nesses encontros? Foi a partir dessa questão, pensando nas
complexidades cosmopolíticas que estruturam e que são produzidas por esses encontros,
é que me pareceu profícuo pensar essa ideia de alianças afetivas como fundamento para
15

práticas curatoriais. Para seguir nessa toada convém antes apresentar algumas das
concepções possíveis sobre tais práticas. Vejamos.

Como anunciei no início desse texto, parto da noção do que se tem entendido como
curatorial para sublinhar diferenças em relação ao ofício mais pontual de organizar
exposições e zelar de acervos, funções tradicionalmente vinculadas à figura dx
curador/a. Ressalto que essa distinção não é um consenso entre xs profissionais do meio
e que existem múltiplas interpretações sobre quais seriam os sentidos dessa
diferenciação. Fundamento-me nas formulações de Eszter Szakács (2012) e Annie
Fletcher (2005), tributárias, ao que se indica, dos enunciados de Maria Lind12. Essas
autoras entendem a prática curatorial, grosso modo, como uma metodologia de trabalho.
Especialmente potentes me chegaram as definições de Szakács (2012): uma
constelação dinâmica de atividades com formas de trabalhar co-produtiva e
dialogicamente com outras, o que, ao mesmo tempo, é capaz de romper com formas
consolidadas de prática , e ainda como uma função expandida da mediação que visa
questionar e criticar o status quo (Traduções minhas). Assim que estou
compreendendo o fazer curatorial como uma prática política-cultural, de aspecto
colaborativo e coletivo, que tem por objetivo gerar, contextualizar e tornar públicos
ideias e trabalhos artísticos a partir de diversos dispositivos, sejam eles debates, rodas
de conversa, exposições, publicações, grupos de estudo, oficinas, residências e afins.
Dessas caracterizações, destaco justamente a multiplicidade de dispositivos e
plataformas possíveis para as práticas curatoriais, e especialmente o aspecto coletivo e
colaborativo dessas ações. Sobre isso Fletcher (2005) argumenta que para desenvolver
tipos e pandidos de conte dos e espa os necess rio ser e tremamente generoso,
aberto e criati amente apoiador um do outro , colocando o fortalecimento das trocas
como sua condição de possibilidade mesmo para que esses conteúdos e espaços se
efetivem: O suporte m tuo o que a colabora o realmente oferece. E, nas artes
visuais, é preciso ter amigos e aliados, como em qualquer outro lugar. .

Partindo dessas concepções sobre práticas curatoriais recoloco a questão enunciada


acima, desdobrando-a e a complexificando um tanto mais: que tipo de prática curatorial
é necessária para que os sistemas ocidentalizados das artes possam ser contexto de

12
Por conta dos tempos apertados dessa pesquisa, não foi possível me aprofundar mais nesse debate.
Ainda sim ficou nítido nas leituras que pude fazer até agora que as formulações de Lind são centrais nessa
reflexão, aparecendo citadas por muitxs dxs autorxs que conheci até agora.
16

produção de redes de alianças afetivas junto às/aos artistas indígenas contemporânexs


Como nos deixar guiar por suas proposições? Como tornar nossos dispositivos porosos
e flexíveis às poéticas de seus trabalhos? Como desmontar as armadilhas dos
extrativismos e da tutela que facilmente se forjam nos encontros interculturais? O que é
possível movimentar, criar junto? Poderíamos ser refeitxs como boas/bons aliadxs nos
espaços das artes? Como transmutar nossos conhecimentos e ferramentas em linhas
maleáveis e resistentes o suficientes para tessituras coletivas de redes de alianças
afetivas?

Aqui não há resposta fácil ou atalhos a percorrer. Essas são questões a se sustentar, a
deixar queimar na mão, atravessar mesmo o corpo. Desde que comecei a delineá-las,
tenho me servido delas para orientar e modular proposições pensadas juntos de
Denilson, Jaider e outrxs tantxs aliadxs...
17

[instantâneo etnográfico 1]

fiar linhas

O chamado que Denilson fez naquele fim de semana no Goethe ficou ressoando em
mim e no Dani durante todo o primeiro semestre de 2018, sempre voltava às nossas
conversas rotineiras sobre os caminhos da arte indígena contemporânea e os desafios
que essa movida tem colocado. Quando soubemos que Jaider viria participar do círculo
de saberes Mekukradjá13, entre os dias 21 e 26 de agosto, pensamos que poderia ser uma
excelente oportunidade para passarmos um tempo mais qualitativo em sua companhia
conversar, aprender, estar junto para descobrir caminhos para fazer junto... Falamos
com ele sobre a possibilidade de estender seus dias em São Paulo e convidamos
Denilson para vir também e passarem uma semana conosco: toparam! Foi com muito
entusiasmo que os recebemos em minha casa, íamos falando com eles sobre diversas
iniciativas que poderíamos tentar organizar conjuntamente por aqui, rodas de conversa,
pintura de murais pela cidade... Apertados com o tempo, conseguimos organizar uma
conversa com a nossa turma da pós-graduação na FAAP e também agendas com
colecionadores e pessoas ligadas a espaços de arte e cultura. As outras ações que
planejamos nós quatro ficariam para um outro momento que não demoraria tanto...

Logo que eles chegaram aqui recebo a notícia que minha avó, que já não estava bem de
saúde, tinha piorado muito... então precisei ir às pressas para Minas para visita-la e estar
com os meus. Jaider e Denilson continuaram em casa, tocando algumas coisas com
Dani. Em Uberlândia o enredamento foi grande e só consegui voltar para São Paulo
depois que eles já tinham ido embora.

Três semanas depois, já na primeira quinzena de setembro, Jaider retornou a São Paulo
para participar de um evento14 na Casa das Rosas sobre os 90 anos de publicação do
livro Macunaíma. Foi tudo muito corrido. Assisti algumas das atividades em que ele
estava envolvido e só tivemos uma única oportunidade de conversa mais longa, quando
fui acompanha-lo no café da manhã do hotel em seu último dia aqui. Aperreado com

13
Trata-se do evento Mekukradjá Círculo de Saberes: o Movimento da Memória, organizado por
Daniel Munduruku e Júnia Torres, no Itaú Cultural. Para informações sobre essa atividade ver:
https://goo.gl/VxEgNX. Último acesso em 26.01.19.
14
Para informações sobre esse evento, ver: https://goo.gl/qXaJYv. Último acesso em 26.01.19.
18

uma gripe, Jaider me contou da sua vontade em promover encontros periódicos com
artistas e profissionais não-indígenas da artes para partilhar experiências, práticas e
pensamentos, com vistas a organizar uma ida à Terra Indígena Raposa Serra do Sol para
subir o Monte Roraima e conhecermos o lugar onde Makunaima derrubou a árvore
Wazaká, de onde surgiu toda a floresta. Pergunto se ele gostaria que Dani e eu nos
engaj ssemos na organi a o desses encontros, ele respondeu que sim: a arte ind gena
contemporânea tem que andar também pela cidade, pela maior cidade do Brasil! .
Comprometo-me então a tentar fazer isso, em pensar em algumas pessoas e propus que
seguíssemos conversando e amadurecendo essa iniciativa em sua próxima vinda, que
aconteceria dali mais algumas semanas, para uma agenda no Sesc Pompéia.
Organizamos algumas telas que ele me pediu para deixar com o Walter, da Amoa
Konoya15, nos despedimos rapidamente e voltei pra casa com desenhos, telas e uma
tarefa de responsa na mão. Não demorou até que Dani e eu conseguimos marcar uma
primeira conversa com xs artistas Fred Filipe e Laura Berbert, minha irmã, para
falarmos sobre a ideia de Jaider.

Quando a coisa engrena, ela vai... na sequência a curadora independente Beatriz Lemos,
fundadora do projeto Lastro Intercâmbios livres em Artes, entrou em contato comigo
por seu interesse em minha pesquisa sobre arte indígena contemporânea. Marcamos
uma conversa, ocasião em que me convidou para colaborar com as sessões sobre esse
tema no grupo de estudo que ela coordena sobre práticas anticoloniais, ainda sem data
muito certa, algo por novembro... Conhecendo mais de perto o trabalho da Bia, pensei
que também seria alguém legal para falar sobre a iniciativa de Jaider. Ela se interessou,
combinamos de marcar um café com ele nos dias em que estivesse na cidade para as
16
ati idades do TePI Teatro e Po os Ind genas .. sem saber começávamos a fiar mais
linhas ...

O TePI começou na terça, dia 09.10, mas só consegui encontrar com Jaider no dia
seguinte. Cheguei no Sesc em cima da hora, pouco antes da atividade começar. Deu
tempo de fumarmos um cigarro e tomar um café... conversamos sobre amenidades,

15
Walter é amigo de Jaider e Denilson e de muitos outrxs artistas e ativistas indígenas, ele é um aliado de
longa data de muitas das iniciativas que acontecem em São Paulo envolvendo os povos originários. Junto
de Silvana, sua companheira, ele administra a loja Amoa Konoya, uma das primeiras a se dedicar à venda
e circulação de arte indígena nessa cidade. Sobre a loja, ver: https://goo.gl/37AmTJ. Último acesso em
26.01.19.
16
Para informações sobre esse evento, ver: https://goo.gl/yizixc. Último acesso em 26.01.19.
19

sobre a viagem, a canseira de atravessar o país, o clima mortal das eleições, sobre como
organizaríamos nosso tempo durante esses dias... Contei a ele sobre o encontro que
Dani e eu tivemos com Fred e Laura e também da conversa com a Bia, propus que nos
reuníssemos todos e ele topou. Marcamos uma reunião dali há dois dias, mesmo que
Dani e Fred não pudessem estar, entendemos que era importante movimentar a ideia.

Na quinta-feira, Jaider e eu voltamos ao Sesc por volta das 16h, nos ajeitamos numa das
mesinhas lá fora e enquanto esperávamos por elas, o artista começou novos desenhos.
Não demorou e a Laura chegou, buscou um expresso e juntou-se a nós. Minha irmã
ainda lidava com uma certa sem-gracesa quando Bia nos encontrou ali. Ao perceber que
ninguém sabia muito bem como começar, comecei eu. Disse da importância de
construirmos janelas de alian a , como formulou Ailton Krenak, que achava que esse
encontro unia os diferentes interesses de cada umx de nós e quem sabe poderia ser
servir para isso mesmo, para produzir aliadxs... então que cada uma/um dissesse o que
gostaria, o que pensava ser importante compartilhar. Jaider emendou logo em seguida,
falou da sua história de vida, de como nasceu artista, mas ao mesmo tempo precisou se
tornar artista... reafirmou a vontade de vir mais a São Paulo, de encontrar regularmente
com artistas não-indígenas, de fazer seu trabalho circular. Elas ouviram com atenção e
depois que ele terminou, Bia contou dos seus projetos, das iniciativas do Lastro,
especialmente da resid ncia Tra essias Ocultas , da qual a Laura participou... disse
que deseja ampliar sua pesquisa na temática anticolonial, aproximando-se também das
questões indígenas e afroindígenas. Trocaram contatos e minha irmã ouviu tudo em
silêncio, tomando notas de algumas formulações, especialmente as do Jaider. Não
encaminhamos nada de muito concreto, mas as linhas começavam a se adensar...

A participação de Jaider no TePI estava agendada para sexta-feira, último dia do evento.
Enquanto se organizava para a performance, ele nos orientou: Dinato, oc fa a live..
Paulinha, oc fica na banca [onde esta a e pondo seus trabalhos], pode ser? . Assim
fi emos. O ei o da con ersa do dia era Atos ancestrais e artísticos como formas de
resistência , com Luiz Davi Vieira Gonçalves (professor da UFAM), Lia Rodrigues
(core grafa respons el pelo espet culo Para que o c u n o caia ), Mapulu Kamayura
(pajé renomada no Xingu) e o próprio Jaider. A fala de Mapulu foi muito forte, ela
contou sobre a dificuldade de ensinar os conhecimentos xamânicos para as crianças, que
tem cada vez menos interesse pela cultura. Apresentou vídeos lindos das bodas de sua
filha: Casei minha filha como uma rainha do Xingu para mostrar e valorizar a força de
20

nossa cultura . No final, ela mostrou ao p blico o projeto da associa o de sua aldeia,
que visa justamente transmitir os conhecimentos dos pajés para os mais jovens e pediu
auxílio financeiro para isso. Momento delicado: Eu preciso da ajuda de oc s, brancos,
para proteger a minha cultura ... Sua fala foi seguida pela apresentação de Lia
Rodrigues sobre o espet culo baseado n A queda do c u e pela inter en o de Lui
Davi, que contou sobre sua experiência como professor de Dança na UFAM. Gostei
muito da argumentação dele, apontando para a necessidade de levar a sério a relação
com os povos indígenas, para além dos interesses imediatos e pragmáticos dos
pesquisadores... apontando para algo que me lembrou a formulação de Ailton Krenak
sobre alian as afeti as .

A fala de Jaider fecharia o debate. Ele tinha bananas, que ganhou de Daiara Tukano, e
um pote de farinha com castanha nas mãos. Disse que como na aldeia, compartilharia
comida com as pessoas presentes: Vim aqui discutir teatro, mas não sou da área do
teatro. Sou da área Raposa Serra do Sol, sou Macuxi... . Seus bra os esta am
lindamente pintados com jenipapo, num azul bem escuro. Falando ao público sobre sua
ascend ncia, escre e Makunaim no bra o direito, e pede que Davi Luiz o ajude a
escre er Maku i no bra o esquerdo... Da i atende ao pedido: Hoje o Da i tamb m
vai ser o antropólogo porque todo índio tem que ter um antropólogo, não é verdade? Os
meus antropólogos estão ali, o Dinato fazendo a live e a Paulinha cuidando das obras de
arte! ... a plateia gargalhou. Ele falou um pouco sobre o seu trabalho, sobre a
valorização política e simbólica de sua ascendência e explicou o que faria logo depois:
Estou aqui para prop r algo performático e político. Então desafio as pessoas que tem
coragem de enfiar a mão no jenipapo pelo índio! Como metemos a mão no fogo por
alguém... alguém topa ficar com a mãozinha assim? Vou passar a substância... esse é um
ato simbólico, espiritual... esse jenipapo foi ralado pela Daiara Tukano! É bom lembrar
que isso aqui não é tatuagem de henna, fica nessa cor maravilhosa! Eu vou passar o
jenipapo e quem quiser pega, esfarela na mão e logo na sequência vai ficar bem
pretinho .

O jenipapo ia circulando, algumas pessoas se arriscavam, tenta am esfarelar e


esfregar um pouco na mão, e passavam para o próximo. Tinha bastante tinta no copinho
descartável quando chegou a minha vez. Demorei até conseguir fazer as luvas de
jenipapo que queria. Walter ficou pegando no meu pé, dizendo que o jenipapo estava
21

velho e que não ia pegar... quando a atividade acabou, minha mão já estava muito,
muito, muito azul mesmo.

No sábado nos encontramos novamente, dessa vez na Amoa Konoya, que fica ao lado
do prédio onde mora minha irmã. Saímos para almoçar eu, Jaider, Dani e Laura... depois
subimos no apartamento dela para mascar o tempo até dar a hora do artista partir de
volta para Roraima. Voltamos para loja, nos despedimos do Walter, da Sil e de sua
família e Dani me deu uma carona até o metrô. Embarquei no trem distraída, com o
pensamento meio perdido, rondando em lugar nenhum. Notei que o moço que tocava
vaviolão no início do percurso, estava parado diante de mim, observando minhas mãos
com atenção: - Voc artista? , perguntou apontando minhas luvas com os olhos... -
Eu n o, mas meu amigo Jaider Esbell ! artista ind gena contempor neo! . A
estranheza da resposta emendou o assunto, expliquei até a estação da República. O
violeiro ouviu tudo com curiosidade, ao me despedir dele percebi que carregaria um
pouco do trabalho do Jaider nas minhas mãos até que o jenipapo saísse. Pensei também
que se algu m mais me perguntasse sobre as lu as, come aria di endo: Isso uma
janela de alian a, uma janela de alian a afeti a. ...
22

[instantâneo etnográfico 2]

tecer redes

Nos últimos dias de outubro Bia retomou o contato comigo para organizarmos a sessão
do grupo de estudos do Lastro sobre arte indígena contemporânea. Quando fui checar
minha agenda, me dei conta de que receberia Jaider naqueles mesmos dias... ele viria
para S o Paulo para participar da abertura da e posi o Do sil ncio mem ria ,
organizada por Juliana Caffé, no Paço das Artes, onde mostraria sua série de desenhos
It as Ama on! . Coincid ncias astrais... Liguei para Bia contando dessa sincronia,
partilhei com ela a minha percepção de que não faria sentindo falar das reflexões que
tenho feito junto também de Jaider sem que ele estivesse comigo, e propus então que
fizéssemos a atividades juntxs. Bia adorou a ideia e a coisa cresceu de tamanho.
Pensamos em convidar Denilson para vir também e ampliar o calendário de ações. E
assim foi possível concretizar as ações que Daniel e eu havíamos pensado com os dois
artistas poucos meses atrás.

A primeira delas aconteceu numa terça-feira, dia 13 de novembro, na Casa do Povo. No


lugar daquela sessão do grupo de estudos, organizamos uma fala pública com Jaider e
Denilson, Arte Ind gena Contempor nea: redes e alian as para resist ncia . A quest o
que norteou a conversa daquela noite foi a seguinte: como as produções dos artistas
indígenas contemporâneos e suas circulações pelos sistemas das artes ocidentais podem
gerar contextos de escuta ativa e produção de alianças afetivas? A atividade foi
entusiasmante, reuniu mais de 200 pessoas e algumas delas nos procuraram no final
querendo se somar às movidas que planejávamos fazer até o fim daquela semana.. assim
conseguimos garantir uma equipe improvisada para fazer os registros das aparições do
Pajé-Onça, performado por Denilson, e também a possibilidade de organizarmos um
almoço coletivo de fechamento dessa semana com o pessoal do Creative Commes, que
trabalha com reciclagem de alimentos nas xepas de feiras...

Na quarta-feira participamos da abertura da exposição com trabalhos de Jaider no Paço


e organizamos os últimos detalhes das outras agendas... a primeira aparição do Pajé-
Onça aconteceu no feriado do dia 15 de novembro... combinamos de nos reunir todxs
em casa para organizar os equipamentos de filmagem e fotografia e ver como as tarefas
seriam distribuídas.. Denilson me pediu pra pensar num bom percurso até a Av.
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Paulista, ir meio que na frente, guiando a equipe e apontando para elementos da


paisagem urbana que fossem significativos. Ele se paramentou diante do espelho, no
corredor daqui de casa, cobriu seu tórax com as manchas da pintada, vestiu uma capa de
tecido plush e uma máscara em seu rosto, numa das mão uma lança de madeira,
emprestada do Walter, na outra um maracá Pataxó bem grande que pegou emprestado
de mim.. se fez o Pajé-Onça...

Saímos em grupo pela Av. São João, descemos até a Ana Cintra para acessar o Parque
do Minhocão. As pessoas olha am curiosas: um ndio? ... um artista? ..,
cruzamos o elevado e na saída chegamos até o painel de Marielle Franco, Denilson já
tinha dito que queria parar ali. Diante da imagem sorridente de Marielle, depredada por
tinha vermelha, o pajé prestou reverências, cantou, vibrou o maracá, pajelou.
Atravessamos a Rua da Consolação, passamos pela Praça Roosevelt, e ali pela meiuca
chegamos até o Parque Augusta. Paramos para alguns revides do Pajé feitos com a lança
numa imagem do então futuro presidente Jair Bolsonaro, colada nos tapumes que agora
fecham o parque. Voltamos à Consolação, onde mais pajelanças foram feitas diante da
imagem icônica de um padre jesuíta junto de crianças indígenas, no muro da E.E. Profª
Marina Cintra.

Subíamos a rua quando o Pajé parou para buscar o que comer. Enquanto procurava a
caça, colheu algumas maçãs... foi seguindo o rastro do bicho que imaginava poder
encontrar... encontrou! Abriu a porta do freezer do Carrefour e usando a lança pegou um
kilo de sobrecoxa de frango da Sadia. Entrou na fila, pagou e seguiu até a Paulista.

Ao dobrar a esquina os cantos e o maracá ganharam mais força. A avenida estava


fechada e as pessoas observavam com muita curiosidade. Subiu no IMS, comprou um
blockbuster de história da arte na Livraria da Travessa, foi impedido pelos seguranças
de seguir até às galerias das exposições. Deu as costas, voltou para a avenida e seguiu
até o vão do Masp, que estava cheio. Ali cantou mais e com mais força. Quando deu a
hora parou, tirou a capa e a máscara. Denilson terminou a performance fazendo sua
crítica às narrativas hegemônicas da história da arte brasileira, aos extrativismos
praticados sobre as estéticas e pensamentos indígenas, às sucessivas camadas de
apagamento. Falou sobre a urgência de se reescrever essa história, abrindo espaço para
que essas estéticas e pensamentos, bem como as produções recentes dxs artistas
indígenas tenham o reconhecimento que lhe são devidos. Ao final da fala rasgou o livro.
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Todo o trajeto foi registrado por nossa equipe de recém-aliadxs e por algumas/alguns
amigxs que acompanharam a caminhada. Ao final da aparição estávamos cansados e
decidimos ir até a casa de uma amiga para cozinhar a caça do pajé.Orgulhosxs assamos
o frango com tomates e cebolas.

Na sexta aconteceu o primeiro encontro de um grupo de mais ou menos vinte artistas


não-indígenas... aquela ideia do Jaider ganhava corpo, ganhava gente! Fizemos uma
rodada inicial de apresentação e definimos uma agenda de encontros periódicos para
estudos do livro Macunaíma e das produções que o artista Macuxi tem feito sobre as
andadas de seu avô pelas narrativas hegemônicas da arte brasileira... iniciamos também
uma reflexão coletiva sobre como organizar uma vivência na Raposa Serra do Sol.
Começávamos a trilhar juntxs o Passo-a-passo Makunaima!

Quase emendando uma coisa na outra, no sábado de manhã o Pajé-Onça apareceu


novamente, dessa vez diante do famigerado Monumento às Bandeiras, em frente ao
Parque do Ibirapuera. Nossa equipe de registro também se organizou para fazer vídeos e
fotografias do acontecimento... a Guarda Municipal acompanhou todo o revide
xamânico feito pelo Pajé, que logo depois seguiu até o Pavilhão da Bienal. Eu
trabalhava na mostra como mediadora e naquele dia aconteceria a segunda visita
tem tica do ciclo 33 Bienal em perspecti a decolonial , que propus com as
educadoras Tailicie Paloma e Juliana Biscalquin. O propósito do encontro daquele dia
era discutir o que sinteti amos como o lugar do artista como etn grafo , para pensar, a
partir das reflexões de Hal Foster (2018 [1996]), sobre a curadoria proposta por Sofia
Borges, cuja exposição trouxe fotografias do po o Selk nan17 e máscaras Guarani.

Quando esperávamos o público no ponto de encontro do 1º andar, a equipe de produção


e de salvaguarda do prédio me procurou perguntando se havia alguma performance
programada como parte da visita e se eu conhecia o artista Denilson Baniwa..
Respondo: N o e sim... não tem nenhuma performance programada, e sim, eu conheço
o artista Denilson Baniwa... ele é meu amigo... por que? . Porque ele est fa endo uma
17
Os Selk'nan são um povo originário da Terra do Fogo, no extremo sul da Patagônia, e também são
conhecidos pelos etnônimos Onawo e Ona. Eles enfrentam a guerra colonial empreendida pelos governos
argentino e chileno no final do século XIX, quando seu território originário foi invadido pela exploração
mineradora e agropecuária. Em poucas décadas, logo no início do século XX, foram dados como extintos,
contudo permanecem lutando em defesa de sua cultural e território. A artista Sofia Borges trouxe para sua
exposição alguns das fotografias feitas pelo padre jesuíta e etnólogo Martin Gusinde, que por décadas
foram entendidas com os últimos registros desse povo. Ali, naquele espaço expositivo, não havia qualquer
informação sobre os Selk nan, tão pouco sobre o genocídio do qual foram vítimas. Assim que o
apagamento de sua história de algum modo persistiu na 33ª Bienal de São Paulo.
25

performance na exposição da Sofia, cantou lá dentro e acabou de rasgar um livro ali na


entrada, agora está falando palavras violentas contra a história da arte... (sic)... Eu
imaginava que o Pajé faria alguma coisa diante das imagens de seus parentes, revidando
as operações extrativistas que a artista-curadora mobilizou em seu projeto curatorial...
mas não sabia exatamente o que aconteceria, Denilson e eu não falamos propriamente a
respeito em nenhum momento. No caminho até à rampa, o vi saindo pela porta lateral,
na frente do MAM, com o pessoal dos registros atrás... Minutos depois nossa visita
começou, havia mais ou menos umas 60 pessoas. Ao chegarmos na entrada da
e posi o Infinita hist ria das coisas ou o fim da trag dia do Um , nos imos diante
das vestimentas do Pajé e dos pedaços do livro... impossível começar a visita sem falar
daqueles vestígios e das flores deixadas diante das fotos de cada um dxs parentes
Selk nan... o Pajé-Onça hackeou aquela visita, promoveu uma dobra situacional na
exposição de Sofia Borges, aumentou aquela visita de tamanho.

Era mais de 14h30 quando saímos da Bienal, eu, Denilson, Jaider, Daniel e mais
algumas mediadoras que vieram conosco. Seguimos para Casa do Povo, onde estava
marcada uma oficina de cartazes com o pessoal do Parquinho Gráfico e do coletivo
Ocupe a Cidade. A proposta era produzirmos lambes e êstencis com palavras sobre as
urgências indígenas e povoar o centro de São Paulo com elas. A atividade tinha sido
divulgada na fala pública da terça e quando chegamos lá tinha um pessoal nos
esperando. Denilson conduziu tudo com uma espontaneidade tão bonita, tão leve...
rapidamente o grupo começou a desenhar e a coisa foi saindo... eu e ele tínhamos
pensado em alguns temas para os cartazes, apresentamos e todo mundo gostou: SP
Terra Ind gena , Jaragu Guarani , E iste Guarani em SP , Democracia
demarcar todas as Terras Ind genas , Demarcar as terras indígenas é proteger as
florestas e Floresta de p , fascismo no ch o . Ao final do dia tínhamos produzido
centenas deles e nos organizamos para a lambeção que faríamos no dia seguinte.

Nos encontramos no domingo, 18.11, volta das 10h30, na Praça da Sé, distribuímos os
lambes e as colas em pequenos grupos e nos dividimos para cobrir a maior área possível
dali até a Praça da República... ao longo da manhã mais pessoas se somaram e
conseguimos colar muitos lambes. O pessoal do Creative Commes estava preparando
um almoço público e coletivo na calçada do Parque Augusta, foi demais vê-los
chegando com a infra-estrutura de um fogão desmontável, panelões, comida pronta em
potes enormes de plástico. Estávamos com muita fome e cansadxs pela semana intensa
26

de atividades. Foi muito especial fechar esses dias de trabalho assim, alimentadxs,
acolhidxs, juntxs. As pessoas estavam realmente muito felizes, comentavam animadas
sobre vários dos momentos que tivemos em conjunto... as linhas se cruzavam, se
adensavam, enlaçando-se em nós, fazendo rede, aumentando... sentia que abrir janelas,
construir redes de alianças afetivas talvez fosse sobre isso, tornar possíveis momentos,
encontros assim...

Menos de um mês depois, Denilson retornou novamente para São Paulo para uma nova
reunião com o grupo de artistas do Passo-a-passo Makunaima. Nesse encontro
pautamos os assuntos mais pragmáticos que envolvem a iniciativa e debatemos também
sobre o tipo de economia que desejamos movimentar para efetivar essa ação.
Organizamos ainda uma visita à Terra Indígena do Jaraguá, onde nos encontramos com
David Popyguá. Conversamos longamente sobre a história dessa terra, ocasião em que
ele também partilhou conosco a história secular de resistência de seu povo, reafirmando
a importância de sabermos ser e fazer aliadxs para enfrentarmos juntxs os novos
desafios que se colocam para xs ativistas e apoiadorxs dos movimentos indígenas no
contexto do novo governo. No final dessa conversa também acompanhamos uma noite
de reza na Opy.

A visita ao Jaraguá consolidou em nós a percepção sobre a importância de costurarmos


redes afetivas e territorializadas de solidariedade ativa às urgências indígenas. Dias
depois organizamos a conversa aberta sobre Alian as em defesa dos direitos ind genas
em S o Paulo , em colaboração com a Ocupa Ouvidor, com falas públicas de Denilson
e Davi. A atividade foi seguida por projeções que o pessoal do Lab Lux_ fez com
desenhos do artista em vários prédios no vale do Anhangabaú. Durante esses dias
engatamos ainda, Denilson, Daniel, Bia e eu, a elaboração coletiva de um texto para o
novo número do Jornal de Borda (ESBELL, Jaider; BANIWA, Denilson et al., 2019) e
um novo ciclo de atividades e ações para o começo de 2019 e que estão acontecendo
agora enquanto finalizo esse texto, entre os dias 27.01 e 17.02, com oficinas, mostra de
filmes, falas públicas, produção de painéis, encontros com artistas e profissionais não-
indígenas das artes ...
27

multiplicar fios, adensar tramas, aumentar redes de alianças afetivas

Muitos são os fios de reflexão de ficaram soltos através desse texto e não tenho
pretensão de alinhavá-los todos. O que faço é um último esforço para conformá-los
como uma teia parcial de pensamento.

Nesse último ano, desde que tenho acompanhado os caminhos de arte indígena
contemporânea abertos por Denilson Baniwa e Jaider Esbell, algumas percepções se
sedimentam em mim, antropóloga que sou, como uma espécie de análise. De modo
geral, o que me parece é que depois de atuar nos espaços da política institucional, das
escolas, das universidades e do cinema, indigenizando-os em alguma medida, a arte é a
esfera de importância para o qual muitxs artistas e lideranças indígenas se voltam neste
momento. Os museus e espaços de arte, lugares centrais para as formas ocidentalizadas
de construções identitárias, estão sendo povoados e disputados por elxs que, de maneira
perspicaz, mobilizam seus agenciamentos a partir da categoria de arte indígena
contemporânea. Os fluxos movimentados por esses agenciamentos ainda estão por
ganhar contorno mais precisos, recentes que são. De todo modo eles já se mostraram
capazes de desestabilizar pressupostos caros à antropologia da arte, tais como a própria
ideia de arte, e também as de artefato e autoria, bem como as concepções de pessoa e de
objeto das quais são tributárias (CESARINO, 2016a).

Assumindo as linhas que seguem como um exercício especulativo, gostaria de destacar


os fios de continuidade de parte do repertório que tem sido mobilizado por elxs,
imagética e discursivamente, nessa retomada dos espaços de arte, advindo justamente
da guerra multissecular que enfrentam desde as primeiras invasões e das diversas
experiências de pacificação dos brancos (ALBERT, 2002). Se as forças coloniais do
extrativismo e da tutela também se fazem sentir nos sistemas ocidentalizados das artes
ao mesmo em que também é possível promover aí aberturas sensíveis às ontologias
ameríndias, a renovada circulação dxs artistas indígenas contemporânexs e de suas
produções poderia ser compreendida na chave das operações de diplomacia, tradução
e/ou [contra-efetuação cosmopolítica da] guerra?

Pensando nessas aberturas sensíveis que podem existir em alguns desses espaços, a arte
indígena contemporânea poderia ser um esteio vigoroso para a produção e ampliação de
28

redes de alianças afetivas para as urgências indígenas, renovadas a cada dia nesse tempo
de intensificação da guerra? Como orientar as práticas curatoriais no sentido de
potencializar essas aberturas sensíveis?

O texto acaba e essas perguntas se multiplicam como fios. De agora em diante assumo o
risco de tentar conhecer suas texturas com as mãos, de deixar que elas engrossem ao
tentar tecê-los, até que possam incorporar a sutileza do gesto contínuo de fiar, de tecer e
de fazer redes em bando.
29

imagens

Sueli Maxakali em Aldeia Verde. Reprodução da internet.

Tartaruga (2009), série Yãmĩy, homem-espírito, fotografia digital de Sueli Maxakali.


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Tartaruga (2009), série Yãmĩy, homem-espírito, fotografia digital de Sueli Maxakali

Tartaruga (2009), série Yãmĩy, homem-espírito, fotografia digital de Sueli Maxakali.


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As mulheres jovens de Aldeia Verde (2016), fotografia analógica, acervo pessoal.

X nĩnxop cantando em torno no mĩmãnãm (2016), fotografia analógica, acervo pessoal.


32

Cartaz de divulgação exposição ¡Mira! Artes Visuais Contemporâneas dos Povos


Indígenas. Reprodução da internet.
33

Kanaimé (2011), acrílica sobre tela de Jaider Esbell, 168 cm x 130 cm. Acervo pessoal.
Esse foi o primeiro trabalho do artista que vi, foi justamente na exposição ¡Mira!.
34

Cartaz de divulgação do encontro Produção cultural indígena e o sistema da arte:


aproximações e tensões, realizado no Instituto Goethe de São Paulo em dezembro de
2017. Arte de Denilson Baniwa. Reprodução da internet.

Foto de algumas/alguns dxs participantes do encontro Produção cultural indígena e o


sistema da arte: aproximações e tensões, realizado no Instituto Goethe de São Paulo em
dezembro de 2017. Reprodução da internet.
35

Jaider Esbell e sua fala-performance no TePI – Teatro e os Povos Indígenas, realizado


no Sesc Pompéia em outubro de 2018. Reprodução da internet.

Luva de jenipapo, janela de aliança afetiva (2018), fotografia digital. Acervo pessoal.
36

Registros do encontro Arte Indígena Contemporânea: redes e alianças para resistência,


realizado em novembro de 2018 na Casa do Povo. Acervo pessoal.
37

Aparição do Pajé Onça pelo centro de São Paulo, registro de performance de Denilson
Baniwa, realizada em novembro de 2018. Acervo pessoal.

Pajé Onça caminha no Minhocão, atrás Jaider Esbell faz uma live no Facebook.
Registro de performance de Denilson Baniwa, realizada em novembro de 2018. Acervo
do artista.
38

Pajé Onça caçando. Registro de performance de Denilson Baniwa, realizada em


novembro de 2018. Acervo do artista.

Denilson Baniwa hacker. Registro de performance na 33ª Bienal de São Paulo,


novembro de 2018. Acervo do artista.
39

Cartazes produzidos na oficina de lambes conduzida por Denilson Baniwa junto aos
coletivos Ocupe a Cidade e Parquinho Gráfico, em novembro de 2018 na Casa do Povo.
Acervo pessoal.
40

Lambeção no centro de São Paulo, registro de intervenção coletiva na rua realizada em


novembro de 2018. Reprodução da internet.

Almoço coletivo na calçada do Parque Augusta, intervenção do coletivo Creative


Commes, novembro de 2018. Acervo pessoal.
41

Registros de projeções de desenhos Denilson Baniwa feitos em laser pelo Lab Luxz em
prédios do centro de São Paulo, dezembro de 2018. Acervo pessoal.
42

Fac-símile do texto no Jornal de Borda nº6, lançado em março de 2019. Reprodução do


página do Facebook do jornal.

Cartaz de divulgação do ciclo de encontros Caminhos de resistência e arte indígena


contemporânea com Denilson Baniwa, realizado em fevereiro de 2019. Ilustração de
Denilson Baniwa, design de Daniel Scandurra.
43

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