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Agriculturas V13N2-Artigo01
Agriculturas V13N2-Artigo01
O
Brasil possui a maior diversidade de plantas do sustentável, por meio de sistemas de
mundo. Da Amazônia ao Pampa, passando pela produção ecológica, garantindo a con-
Caatinga, pelo Cerrado, pelo Pantanal e pela Mata servação ambiental, a geração de renda
e a promoção de soberania alimentar.
Atlântica, a riqueza de paisagens naturais está
associada à variedade de espécies que nelas habitam. Os levan- Neste artigo, compartilhamos relatos
tamentos mais recentes apontam em torno de 32.797 diferentes e experiências sobre como as frutas
espécies de angiospermas (plantas com flores e frutos) coabitando nativas, parte desses recursos da agro-
biodiversidade, têm sido promovidas,
os nossos limites geográficos. Somente no Rio Grande do Sul, mais
cultivadas e valorizadas no estado do
de 4,5 mil angiospermas são conhecidas (FIORAVANTI, 2016).
Rio Grande do Sul (RS) por diferentes
atores e segmentos da sociedade.
Mas qual a relevância desse conhecimento para a nossa sociedade? O que a biodi-
versidade tem a agregar ao nosso dia a dia? A questão é que, acompanhando essa
riqueza de espécies vegetais, praticamente indissociável, está a diversidade cultural Potencial
de populações humanas que convivem com essas plantas e com elas apreendem negligenciado
muitos ensinamentos: desde o reconhecimento de sua importância ecossistêmica
Embora a nossa flora seja a mais diversa
ao aproveitamento como fonte de alimentos, remédios, fibras, corantes, abrigo e
do mundo, quantas de suas plantas co-
tantas outras funcionalidades.
nhecemos de fato? Quais são seus usos,
Eis que, então, emerge a socioagrobiodiversidade. Ou seja, o conjunto de elemen- características e potenciais? Na prática,
tos da biodiversidade (plantas, animais, insetos, polinizadores, fungos, etc.) aplicado sabemos muito pouco, e isso é refletido
na agricultura por comunidades humanas que carregam e fortalecem a identidade em nossa estreita base da dieta alimen-
dessa relação. Na prática, são famílias agricultoras, comunidades tradicionais, co- tar. Atualmente, apenas 15 espécies de
letivos autônomos que buscam explorar os recursos da biodiversidade de forma plantas são responsáveis por mais de
Outras publicações apontam que, em Contudo, o fato é que, desde a progressiva colonização europeia e a pressão sobre
média, cerca de 10% do total de espécies as comunidades indígenas, os hábitos e culturas do Velho Mundo foram sobrepon-
de um bioma seria de plantas alimentícias do-se à diversidade das tradições e das culturas locais. Em 1587, apenas oitenta e
(DÍAZ-BETANCOURT, 1999). Para a Re- poucos anos após a chegada de Pedro Álvares Cabral ao Brasil, Gabriel Soares de
gião Metropolitana de Porto Alegre, Val- Souza já testemunhava a disseminação de plantas euro-asiáticas em solo brasileiro,
dely F. Kinupp, notório pesquisador das como a cana-de-açúcar, o trigo, a cevada, bem como as uvas, a maçã, o marmelo e
Plantas Alimentícias Não Convencionais o figo (SOUSA, 1938).
veitamento de frutas nativas no âmbito estimulado diversas famílias de agricultores(as) a buscar alternativas com o uso das
da agricultura familiar. Transformando o frutas nativas, seja para incremento de renda, aproveitamento de áreas antes não
paradigma que enxerga a vegetação na- produtivas ou para uma transição agroecológica fortemente atrelada à valorização
tiva como um empecilho para a produ- dessas espécies.
ção agrícola, as propostas, inicialmente,
De maneira muito similar, o Centro de Tecnologias Alternativas e Populares (Cetap),
se pautaram no resgate do conheci-
com sede em Passo Fundo, atua nas regiões Norte e Nordeste do estado. Desde sua
mento popular e tradicional relaciona-
fundação, em 1986, o Cetap tem pautado a busca por alternativas apropriadas para
do às espécies que as comunidades ru-
a promoção de uma agricultura ecológica no âmbito da agricultura familiar. A partir
rais detêm desde sua infância. É muito
de 2000, a organização começou a implementar de forma gradativa e com metas
comum e recorrente, nesse momento,
de longo prazo, ações voltadas à promoção de Sistemas Agroflorestais (SAF). Dessa
ouvir nos relatos algo como essa fruti-
maneira, vem criando referências demonstrativas das possibilidades concretas de
nha eu comia quando era criança, ou esse
conciliar produção com conservação e cuidado ambiental. Ao mesmo tempo, me-
cheiro/sabor lembra quando subíamos nos
lhora a base alimentar das comunidades (rurais e urbanas) por meio da valorização
galhos da pitangueira....
desses produtos a partir da construção de cadeias produtivas solidárias e agroeco-
Nascido em meio ao turbilhão de acon- lógicas. Indissociáveis dessa proposição são as frutas nativas, que constituem um
tecimentos ligados às questões socioam- forte elo entre a promoção da soberania alimentar e o consórcio de produção rural,
bientais na década de 1980, o Centro conservação ambiental e geração de renda.
Ecológico (CE) foi, e continua sendo,
A Ação Nascente Maquiné (Anama), com atuação específica em Maquiné e regiões
uma importante organização a pautar a
vizinhas, exerce destacada liderança na promoção de estratégias de desenvolvimen-
inserção do tema das plantas nativas nos
to socioambiental saudável e sustentável no bioma Mata Atlântica do estado. Assim,
seus programas, tendo sempre como
possui enorme relevância no apoio e na articulação de famílias envolvidas com as
base a construção de uma agricultura
frutas nativas, com destaque para a juçara e demais produtos da Mata Atlântica.
ecológica nas regiões da Serra Gaúcha e
do Litoral Norte do Estado. Por meio de Soma-se às ações das ONGs o respaldo de outras instituições. Na área de pesqui-
suas atividades de capacitação, assesso- sa, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e a Fundação Esta-
ria, reuniões, cursos e oficinas, o CE tem dual de Pesquisa Agropecuária (Fepagro), por exemplo, têm várias iniciativas de
Para esclarecer a questão relativa aos procedimentos adequa- Embora ainda hoje haja cortes e extrações clandestinas para
dos, agricultores familiares procuraram inicialmente o Subgru- a obtenção de palmito, diversas ações e projetos têm sido
po Manejo da Câmara Técnica de Agroecologia, do Conselho disseminados entre as comunidades rurais com o intuito de
Estadual de Desenvolvimento Rural Sustentável, da Secreta- fazer o manejo sustentável dos recursos florestais, incluindo
ria de Desenvolvimento Rural e Cooperativismo do estado a juçara, iniciando uma mudança no quadro de risco da es-
Também merece destaque como ponto CROSBY, A.W. Imperialismo Ecológico: a expansão biológica da Europa 900-
1900. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.
estratégico a articulação entre atores
do meio rural com os do meio urbano. DÍAZ-BETANCOURT, M. et al. Weeds as a source for human consumption. A com-
As frutas, seja in natura ou processadas, parison between tropical and temperate Latin America. Revista Biología Tropi-
quando circulam do campo para a cida- cal, San José, v. 47, n. 3, p. 329-338, 1999.
de, de maneira equilibrada e justa, po- FAO. Dimensions of need - An atlas of food and agriculture. Roma: FAO, 1995.
tencializam diversos empreendimentos
FIORAVANTI, C. A maior diversidade de plantas do mundo. Pesquisa FAPESP. Ed.
que trabalham no seu beneficiamento n. 241, p. 42-47. mar 2016.
gerando produtos diferenciados como
picolés, sorvetes, licores, tortas, doces HOEHNE, F. C. Frutas indígenas. São Paulo: Instituto de Botânica, Publicação da
Série “D”, 1946.
e tantas outras possibilidades. Sem dú-
vida, essas iniciativas contribuem para KINUPP, V. F. Plantas Alimentícias Não-Convencionais da Região Metropoli-
incrementar as dietas das populações tana de Porto Alegre, RS. 2007 Tese (Doutorado em Fitotecnia) - Programa de
com alimentos funcionais e frutos da Pós-Graduação em Fitotecnia, Faculdade de Agronomia, Universidade Federal
socioagrobiodiversidade. do Rio Grande do Sul, Porto Alegre.
KUNKEL, G.W.H. Plants for human consumption: an annotated checklist of the
Por fim, a organização e a articulação edible phanerogams and ferns. Koenigstein: Koeltz Scientific Books, 1984.
entre os atores e agentes presentes nos
vários elos das cadeias de valor das fru- MONROY, O.C.Q. La feijoa en Colombia. In: Franzon, R. C. Encontro sobre pe-
quenas frutas e frutas nativas do Mercosul (6º Encontro). Resumos e Palestras.
tas nativas no Rio Grande do Sul é um
Brasília, DF: Embrapa, 2014.
assunto que merece ser aprofundado.
Nesse sentido, a recente proposta para Sousa, G. S. Tratado descriptivo do Brasil em 1587. São Paulo: Companhia
a consolidação de uma Cadeia Solidária Editora Nacional. 1938.
das Frutas Nativas no estado, fruto do VOLPATTO, C. A.; DONAZZOLO, J; NODARI, R. O. Melhoramento participa-
trabalho do Cetap com a extinta Se- tivo da goiabeira-serrana: uma parceria que dá frutas. Florianópolis: UFSC/
cretaria de Apoio a Microempresas e CCA, 2011.