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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ

INSTITUTO DE EDUCAÇÃO MATEMÁTICA E CIENTÍFICA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENSINO DE CIÊNCIAS E MATEMÁTICAS

DISCIPLINA: BASES EPISTEMOLÓGICAS DA CIÊNCIA

PROFª Drª MARIA DOS REMÉDIOS

PROFº Dr JOSÉ JERÔNIMO ALVES

Cenários de reorganização do conhecimento

Resumo baseado no livro

“Complexidade, saberes científicos, saberes da tradição”

de Maria da Conceição de Almeida

Belém – Pará
2011

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Por Erick Elisson H. Ribeiro*

As questões epistemológicas tem sido alvo de grandes discussões não somente


científicas, mas também filosóficas. As idéias de pensadores como Aristóteles, Platão,
Descartes, Newton, e os mais contemporâneos como Marx, Nietzsche, Bachelard, Latour,
Kuhn entre outros, buscam explicitar as teorias do conhecimento bem como o
desencadeamento de sua produção.
De um modo geral, a ciência tem ao longo da História sido uma das questões
consideradas fundamentais para a existência humana e o desenvolvimento das sociedades,
sobretudo em se tratando da era moderna. Nesse período em meados do século XVII, a
ciência adquiriu novos rumos, novas metodologias e uma nova visão de mundo privilegiando
o homem como centro de toda a produção intelectual e detentor do poder de desvendar a
natureza e seus fenômenos. É nesse período também que surge, com Galileu Galilei, a
Metodologia Experimental em corroboração as formalidades científicas que formavam o que
ficou conhecido como rigor científico, pautando assim toda forma de produção científica
Nesse cenário epistemológico, a ciência foi gradativamente abandonando sua origem
natural, diferenciando-se de saberes os quais não se enquadravam nessa nova forma de
organização do conhecimento, atingindo um patamar de superioridade em relação as demais
formas de conhecimento, em particular aos saberes empíricos do senso comum e aqueles
oriundos da tradição.
Após alguns séculos de supremacia desta ordem científica, as discussões acerca da
distinção entre saberes científicos e saberes da tradição se tornaram mais intensas
principalmente a partir do século XIX e inicio do século XX trazendo uma nova visão desta
relação. Maria da Conceição de Almeida em seu livro “Complexidade, saberes científicos,
saberes da tradição” analisa esta dicotomia numa perspectiva epistemológica baseada na
complexidade dos saberes e suas relações, compartilhando e ampliando as idéias de Edgar
Morin.
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*Graduado em Física pela Faculdade de Física da UFPA, Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Ensino
de Ciências e Matemáticas do IEMCI, UFPA.

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Para ela, esse cenário é criado pelo próprio homem a partir da busca de uma concepção
do mundo e de si mesmo, formando assim um paradigma da matriz científica. Entretanto,
esse cenário foi profundamente perturbado após a publicação das três mudanças
paradigmáticas no clássico O Mal-estar da civilização de Sigmund Freud. Para Freud, o
homem sofre três abalos ao descobrir que a Terra não era o centro do Universo; que não
viemos do mesmo, mas do outro; e por fim que não somos senhores absolutos de nossa
própria casa (p. 17).
A Psicanalise desenvolvida por Freud, a Astrofísica de Galileu e Copérnico e a
Biologia de Darwin inauguram então uma nova forma de organização do conhecimento
destituindo a Terra e o Homem dos seus respectivos papéis anteriores. Esse descentramento
do Homem se aprofunda ainda mais com os estudos recentes da cosmologia e a questão da
poeira das estrelas em nossa formação. Nesse sentido, Ilya Prigogine diz que “há uma história
cosmológica, no interior da qual há uma história da matéria, no interior da qual há uma
história da vida, na qual há, finalmente nossa própria história”.
Para compreender essa história, é necessário reconhecer que a criação do mundo e do
homem como a criação da liberdade, da metamorfose, mestiçagem, bifurcação e criatividade,
que são propriedades e dinâmicas que constituem a natureza e o cosmo. Segundo Maria, tais
propriedades “em nós são reorganizadas de modo hipercomplexo e novo” gerando assim o
início de um novo cenário científico (p. 20).
Já na década de 60, Henri Atlan explicita a hipótese do limite difuso entre os domínios
bióticos e pré-bióticos, mostrando que devemos reconhecer as diferenças entre seres vivos e
não-vivos, mas ao mesmo tempo reconhecer também a unidade histórica entre eles. Para ele,
“a diferença entre a natureza de uma pedra e de um ser humano é evidente dado os níveis de
complexidade diferenciados dessas duas naturezas”, sendo esta uma das suas bases
epistemológicas.
Essa matriz epistemológica, segundo Maria, permite ainda circunstanciar, em novos
patamares a questão da Ética, que para Atlan, decorre da relação indissociável entre o
determinismo e liberdade.
Ainda nessa perspectiva de descentramento do homem, Bruno Latour propõe o conceito
de híbrido na concepção da antropologia simétrica para sua compreensão da natureza,
cultura e do homem. Para ele, o antropos se constitui por intercruzamentos das seguintes
formas já híbridas em si mesmas: tecnomorfismo, zoomorfismo, fisiomorfismo,
ideomorfismo, teomorfismo, sociomorfismo e psicomorfismo.
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Essa relação do homem com a natureza é tão estreita, que segundo Claude Lévi-Strauss,
há em certa medida uma dissolução do homem na natureza, não que esta anule ou elimine
suas particularidades, mas sim contribua para um conhecimento maior de si mesmo. Strauss
defende ainda a idéia de complexidade dos saberes científicos, uma vez que há muitos
determinismos que funcionam em todos os níveis, sejam eles biológicos, fisiológicos, entre
outros, e que se inter-relacionam na formação do homem como indivíduo.
Nessa reorganização científica pautada na descentralização do homem, na tentativa de
reintegrá-lo na cadeia da vida, da natureza e do cosmos, outro autor, a saber Edgar Morin,
ganha espaço central nesta discussão. Em sua obra “O Método” ele congrega grandes
descobertas em áreas especificas da ciência que demonstram, ou propõem e hipotetizam a
condição antropo-sócio-histórica da espécie humana.
Para Maria da Conceição de Almeida, essas considerações dos autores citados instituem
um novo estatuto do sujeito cognoscente, em especial do cientista e do pesquisador, uma vez
que a realidade não é simplesmente o conjunto de fenômenos e as coisas em si e por si, mas
uma construção humana mediada pelas convicções, limitações, contingências e, por esse
motivo, todas as ciências são humanas e construções de um sujeito na cultura. (p. 26)
Vivemos, pois, um tempo de reorganização da ciência, segundo ela, e isso se deve ao
fato de que muitos paradigmas da ciência entraram em crise e estão sendo questionados.
Novas noções e novas maneiras de se referir a esta ciência em transição tem sido manifestas,
inclusive com grande destaque como o uso de metáforas, sendo esta um tipo de linguagem
que serve para esclarecer a natureza da criatividade científica pondo em paralelo, no sentido
metafórico, uma descoberta científica e uma metáfora poética (p. 29).
Segundo a autora, esse cenário de reorganização do conhecimento não é monolítico e
nem harmônico, tratando-se de uma dinâmica tensional onde ocorrem conflitos de ordem
científica, social, relações de poderes e estabelecimento de discursos. Nesse aspecto, ela cita
Thomas Kuhn como um dos autores que retratam muito bem essa série de Revoluções
Científicas presentes no desenvolvimento da Ciência em justaposição ao que ele, Kuhn,
chama de ciência normal. Dentro dessa visão, Kuhn ressalta que o espírito científico
convencional (convergente) e o espírito científico inovador e antiparadigmático (divergente)
são de igual modo importantes neste processo de revolução.
A própria história mostra como alguns acontecimentos e teorias científicas enfrentaram
momentos de crise e de tensão tais, que foram necessários anos e até mesmo séculos para
serem consolidados, como no caso da Teoria Geocêntrica e heliocêntrica e as interpretações
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de Copérnico e Galileu. Para Maria, isso ocorre porque “tudo em ciência requer muito tempo
para se consolidar como explicação convincente ou verdadeira, e até mesmo para avaliar o
insucesso dos procedimentos investigativos” (p.31).
Entretanto, esta transformação pela qual passa a ciência hoje, não é um simples
regresso ao passado, mas sim um salto para frente envolto num ganho de complexidade e na
evolução do pensamento, ou ainda na nova aliança da qual fala Prigogine e Stengers. Nesse
contexto, categorias como a incerteza e paradoxo são compreendidas como condições de
aproximação com a multidimensionalidade dos fenômenos físicos e processos socioculturais.
Esta complexidade, por um lado, tende a nos fazer pensar que todo conhecimento, antes
compartimentado e diferenciado, seja reduzido e englobado de uma maneira extremamente
generalista, entretanto não é esse o caso. Trata-se na verdade, segundo Maria, de uma
tentativa de abrir as diversas disciplinas e fazê-las dialogar entre si e não implodir as
especialidades. (p.32).
Toda essa epistemologia da complexidade possui por objetivo zelar pelas características
da ciências e distinguí-las dos outros sistemas de idéias marcados pela ortodoxia doutrinária,
como as vezes ocorre dentro da própria Ciência. Nesse sentido, é interessante notar que
aquele rigor científico antes considerado ganha uma nova compreensão. Para Maria, se antes
o rigor científico era expresso e aferido por critérios de formalização excessiva,
quantificação, padronização, e imutabilidade, de descrição e interpretação de um fenômeno,
agora é importante considerar que o rigor será então caracterizado pela complexidade,
mutabilidade e abertura que o fenômeno oferece. (p.33).
Como fruto dessa reorganização que a Ciência vem sofrendo, há uma abertura e um
diálogo maior com relação a cultura e a outras formas se saberes, que por muito tempo foram
desclassificadas como ciências e excluídas dos currículos formais das escolas. Segundo a
autora, essa linguagem universal e dominante no discurso das ciências, pautado num método
único e numa forma de pensar que privilegia a suposta realidade objetiva, são disseminados
na educação formal desde a primeira escola até a universidade, quadro este porém que vem
sendo modificado graças ao novo fazer ciência e as novas propostas para repensar a educação
em nossas escolas, universidades e demais instituições de ensino.
Estas formas de saberes muita das vezes fruto de pessoas comuns, ainda que
sistemáticos, por muito tempo foram ignoradas e desprezadas pelo argumento de que não se
obtinham através dos métodos científicos de obtenção de conhecimento e por conseguinte,
não tinham status de ciência. Entretanto, Maria alerta para que lembremos que grande parte
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das grandes descobertas da ciência tiveram como base a experiência cotidiana, e muitas delas
através de pessoas comuns, ou seja, não-cientistas. Este é um indício de que tais formas de
conhecimento, por ela chamado de saberes da tradição, não devem ser simplesmente
desconsiderados, mas sim tratados como um conhecimento importante para a ciência e por
que não dizer científico. Como exemplo destas descobertas, ela cita o desenvolvimento da
vacina para a varíola.
Essa exclusão dos conhecimentos acumulados pela experiência das culturas que estão
“fora da rede”, compromete, segundo Bruno Latour, um democracia cognitiva e subjuga a
diversidade dos saberes à monocultura da mente. Nesse ponto, ele indaga sobre a pertinência
de manter Ciência e seus protocolos num modelo fragmentado de conceber cultura, a matéria,
a vida, os agenciamentos políticos, a sociedade e própria noção de homem. Mais uma vez
percebemos que a atividade científica está intrinsecamente relacionada a busca do homem de
compreender a si mesmo e ao mundo ao seu redor.
O desafio é, portanto, passar a olhar a ciência de uma forma diferente e inclusiva. Nesse
processo se torna relevante reaver antigas sabedorias, experimentar outros modos de conhecer
catalogar, classificar; combinar mais livremente as informações sem ter que escolher entre a
tradição e modernidade, local e global, natural e social. (p.40)
Em síntese, segundo Maria da Conceição de Almeida, “a empreitada maior que se
espera do atual momento de reorganização do conhecimento supõe constelar diversos saberes
numa única ciência, múltipla e diversa em si mesma, capaz de promover a simetria e a
complementaridade entre estratégias distintas das universais aptidões cognitivas da espécie
humana.”(p.42).

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