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A Responsabilidade da Administração Pública nos Contratos de Terceirização:

Uma Evolução Necessária


Em 23 de julho de 2019
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-do-trabalho/a-
responsabilidade-da-administracao-publica-nos-contratos-de-
terceirizacao-uma-evolucao-necessaria/

RESUMO

O presente artigo propõe uma nova perspectiva para a responsabilidade


da administração pública nos contratos de terceirização: a
responsabilidade solidária. Há uma elevada taxa de inadimplência de
direitos trabalhistas nos contratos de terceirização com a administração
pública, segundo levantamento do Ministério Público do Trabalho (2015).
Nas relações de terceirização com o Estado tem sido recorrente a
irresponsabilidade jurídica do ente público no fim do contrato de trabalho
(aplicação da Lei 8.666/93) ou se admite, em alguns casos, a
responsabilidade subsidiária em caso de conduta omissiva comprovada,
segundo recente entendimento do Supremo Tribunal Federal e do
Tribunal Superior do Trabalho (Súmula 331). Mesmo quando há aplicação
do entendimento jurisprudencial em detrimento da Lei, permanece a
demora ou inadimplência dos direitos trabalhistas. O desenho de
pesquisa consiste em três partes: 1) análise normativa da Lei 8.666/93
(Lei de Licitações e Contratos Administrativos), Súmula 331, do Tribunal
Superior do Trabalho e Decisão do STF proferida em março de 2017 (RE
760931); 2) reflexão sistemática sobre a aplicação das normas jurídicas
pela justiça do trabalho; 3) fixação dos alicerces teóricos no tocante
a culpa in elegendo e culpa in vigilando da administração pública. Por
fim, apresentamos a conclusão de que mesmo com o entendimento dos
tribunais superiores (STF e TST) o empregado terceirizado continua
sofrendo com a inadimplência das suas verbas trabalhistas, sendo,
portanto, necessária a fixação por força de lei da responsabilidade
solidária da administração pública em todos os casos de terceirização da
mão de obra, principalmente de atividades meio e fim.

Palavra-chave: Terceirização. Responsabilidade da Administração


Pública. Súmula 331, TST. Lei 8.666/93. Lei 13.429/17.

RESUMEN

El presente artículo propone una nueva perspectiva para la


responsabilidad de la administración pública en los contratos de
tercerización: la responsabilidad solidaria. Hay una elevada tasa de
morosidad de derechos laborales en los contratos de tercerización con la
administración pública, según encuesta del Ministerio Público del Trabajo
(2015). En las relaciones de tercerización con el Estado ha sido
recurrente la irresponsabilidad jurídica del público público al final del
contrato de trabajo (aplicación de la Ley 8.666 / 93) o se admite en
algunos casos la responsabilidad subsidiaria en caso de conducta
omisiva comprobada, según reciente entendimiento del Supremo
Tribunal Federal y del Tribunal Superior del Trabajo (Súmula 331). Incluso
cuando hay aplicación del entendimiento jurisprudencial en detrimento
de la Ley, permanece la demora o incumplimiento de los derechos
laborales. El proyecto de investigación consta de tres partes: 1) análisis
normativo de la Ley 8.666 / 93 (Ley de Licitaciones y Contratos
Administrativos), Súmula 331, del Tribunal Superior del Trabajo y
Decisión del STF proferida en marzo de 2017 (RE 760931); 2) reflexión
sistemática sobre la aplicación de las normas jurídicas por la justicia
laboral; 3) fijación de los cimientos teóricos en lo que se refiere a la culpa
in elegida y culpa in vigilante de la administración pública. Por último,
presentamos la conclusión de que incluso con el entendimiento de los
tribunales superiores (STF y TST) el empleado tercerizado sigue
sufriendo con la morosidad de sus fondos laborales, siendo, por lo tanto,
necesaria la fijación por fuerza de ley de la responsabilidad solidaria de la
administración pública en todos los casos de tercerización de la mano de
obra, principalmente después de la reforma de la tercerización que
posibilita la tercerización de actividades medio y fin.

Palabra clave: Tercerización. Responsabilidad solidaria. Súm. 331, TST.


Ley 8.666 / 93. Ley 13.429 / 17

Sumário: Introdução. 1. Pressupostos metodológicos. 2. Análise


normativa: inegabilidade dos pontos de partida? 3. A discricionariedade
da justiça do trabalho na aplicação normativa. 4. A responsabilidade
solidária da Administração Pública nos contratos de terceirização de mão
de obra. Referências.

Introdução

Os empregados terceirizados têm sofrido ao longo do tempo com a não


observância dos seus direitos trabalhistas, segundo o Mercante (2015).
Esse fenômeno desencadeou uma ação institucional do Ministério
Público do Trabalho (MERCANTE, 2015, p. 9):

O Projeto Terceirização sem calote se originou da necessidade de


atuação do Ministério Público do Trabalho frente aos principais
problemas detectados nos contratos de prestação de serviços
continuados à Administração Pública, dentre os quais se destacam:

 a alta taxa de inadimplência de direitos trabalhistas por parte das


empresas terceirizadas, principalmente quando se aproxima o m
do contrato celebrado entre a prestadora de serviços e o ente
público;
 o alto índice de contratações emergenciais para assegurar a
continuidade do serviço, ocasionando a dispensa de licitações;
 os inúmeros litígios trabalhistas na Justiça do Trabalho;
 as dificuldades de obtenção de valores e/ou bens na execução
trabalhista;
 os prejuízos ao patrimônio público/erário, que muitas vezes tem
que pagar obrigações trabalhistas, com responsáveis subsidiários.

Além da postura institucional, a Administração Pública adota a teoria da


irresponsabilidade nos contratos de terceirização. Entretanto, a justiça
do trabalho adota, como de costume, uma postura destoante, mas em
conformidade com o judiciário brasileiro, que é a não observância da
legislação.

A não aplicação da legislação tem como fundamento o princípio da


proteção do empregado. Assim, aplica-se uma responsabilidade solidária
a partir do entendimento jurisprudencial e em detrimento da lei
8.666/93.

O Brasil passa por diversas crises na atualidade. Destacamos a crise na


tripartição dos Poderes para situar o presente artigo. Ocorre que diante
da crise de legitimidade sofrida pelos Poderes Executivo e Legislativo, há
uma maximização da legitimidade do Poder Judiciário, o que é
desastroso para o Estado Democrático de Direito além de violar o
disposto no art. 2º, da Constituição Federal de 1988.

Considerando que as funções típicas dos Poderes são: Legislar (Poder


Legislativo), Administrar (Poder Executivo) e aplicar as Normas Jurídicas
(Poder Judiciário), segundo Montesquieu (2003, p. 166), temos uma
grave falha nos Poderes Legislativo e Executivo.

No âmbito do Poder Legislativo temos uma enorme deficiência


legislativa, pois a grande maioria dos parlamentares brasileiros não
produzem normas jurídicas de qualidade, o que impede a evolução
normativa do Ordenamento Jurídico Brasileiro. Sem falar que em muitas
Casas Legislativas o controle preventivo de constitucionalidade é
praticamente inexistente.

Já o Poder Executivo, em qualquer esfera, se mostra altamente inibido


diante da atuação dos Tribunais de Contas e do Poder Judiciário, basta
analisar os diversos casos de corrupção noticiados diariamente.
Diante da retração funcional do Legislativo e do Executivo, o Judiciário
acaba expandindo sua atuação, de forma a extrapolar a função típica de
julgar e passando a “legislar” por meio de decisões judiciais, ou seja, o
ativismo judicial.

Ativismo judicial corresponde à atuação legislativa do Poder Judiciário,


que diante da obrigatoriedade de decidir e da lacuna legislativa cria o
direito no momento de julgar (BARROSO, 2008).

O ativismo judicial apesar de ser uma forma de garantir o julgamento das


demandas judiciais, gera uma quebra do raciocínio lógico-normativo.
Pois, no atual quadro normativo as súmulas dos Tribunais possuem maior
poder normativo do que as próprias leis.

Na estrutura piramidal de Kelsen (2003, p.246-256), certamente, as


súmulas e orientações jurisprudenciais estão hierarquicamente abaixo
das leis, ou até mesmo fora da pirâmide normativa. Contudo, na prática,
há total prevalência do entendimento dos tribunais em face de qualquer
texto normativo.

É claro o entendimento do legislador pátrio no sentido da superioridade


das Leis em face das súmulas dos Tribunais, basta uma análise dos arts.
59 a 69, da Constituição Federal de 1988, que estabelecem um rígido
procedimento para a criação das normas jurídicas, o que não acontece
com as súmulas.

Em síntese, na prática, as súmulas possuem maior força normativa que


as leis. Tal inversão fere não só a tripartição de poderes, fere, ainda, a
própria Constituição Federal, que estabeleceu o processo legislativo
como procedimento para criação de normas jurídicas.

Assim, estabelecemos o corte epistemológico do presente trabalho: não


é juridicamente possível que a Súmula 331, do Tribunal Superior do
Trabalho e o julgamento do RE 760931, do Supremo Tribunal Federal
prevaleçam sobre a Lei 8.666/93 e todos continuem a violar o princípio
de proteção ao trabalhador.

A problemática do presente estudo consiste em analisar e propor uma


nova perspectiva no tocante à responsabilidade trabalhista da
Administração Pública em face dos contratos de terceirização,
considerando a legislação, o entendimento dos Tribunais e os princípios
trabalhistas.

 Pressupostos Metodológicos

            Utilizaremos a teoria da autopoiese como perspectiva


metodológica do presente trabalho.
Segundo Luhman (2007, p.44):

Os sistemas autopoiéticos são aqueles que por si mesmos produzem não


só suas estruturas, mas também os elementos dos que estão
constituídos – no interior destes mesmos elementos. Os elementos
sobre os que se alcançam os sistemas autopoiéticos (que vistos sob a
perspectiva do tempo não são mais que operações) não têm existência
independente (…). Os elementos são informações, são diferenças que no
sistema fazem uma diferença. Neste sentido são unidades de uso para
produzir novas unidades de uso – para o qual não existe nenhuma
correspondência no entorno.

Ao sistema normativo cabe analisar o externo e se autoproduzir a partir


dos elementos internalizados (RAMOS, 2014).

Considerando que a sociedade é formada por diversos subsistemas


sociais e que o Direito é um dos subsistemas, cabe ao Direito evoluir para
acompanhar as mudanças dos demais subsistemas sociais, quais sejam:
moral, ética, religião, movimentos sociais, política, dinheiro, amizade etc.

Moral, religião, política, ética e os demais subsistemas sociais são todos


produtores de normas éticas, assim como o Direito, cuja principal
característica é conter um comando normativo que diz qual conduta
deve ser seguida pelo destinatário sob pena de sofrer uma sanção.
(FERRAZ JUNIOR, 2008, p. 348)

Entretanto cabe ao Direito ser o produtor exclusivo de normas jurídicas


por ter uma relativa emancipação em face dos demais subsistemas
(ADEODATO, 2007, p. 205). Não obstante, é o Estado que possui a
legitimidade social para punir os cidadãos, desde o contrato social.

No sistema autopoiético há uma abertura cognitiva que possibilita a


captação das informações existentes fora do Direito e após o
fechamento cognitivo o sistema evolui e se adapta às novas informações
(ADEODATO, 2007, p. 206-208).

Assim, não podemos nos conformar com um Ordenamento Jurídico que


é regido por decisões judiciais, principalmente quando tais decisões
violam todos os preceitos normativos e principiológicos.

2. Análise normativa: inegabilidade dos pontos de partida?

Para o presente estudo fixamos os seguintes elementos jurídicos: Art. 71,


da Lei 8.666, Súmula 331, TST, Julgamento do Recurso extraordinário RE
760931, do STF e princípio da proteção do empregado.
Dentre as diversas definições possíveis entendemos que Terceirização
consiste na transferência da execução das atividades acessórias para
outra empresa fornecedora de mão de obra (GARCIA, 2015, p. 195).

A terceirização não é novidade e tem como objetivo, inicialmente, livrar


os tomadores do serviço da preocupação com atividades-meio e manter
o foco na atividade-fim da empresa (FARIA, 1994).

Segundo Valença (2002):

Há três propósitos básicos na mente de quem decide terceirizar: a


diluição dos custos diretos e indiretos; a elevação do nível de eficiência
dessa atividade, pela sua execução terceirizada; e a manutenção de um
nível mínimo aceitável de lealdade à empresa, por parte dos novos
executores das atividades terceirizadas.

Existem três sujeitos na terceirização: tomador de serviços, empregado


terceirizado e a empresa fornecedora da mão de obra terceirizada.

A priori, nessa triangulação jurídica há uma relação cível entre tomador


de serviços e empresa fornecedora da mão de obra e uma relação
trabalhista entre a empresa fornecedora da mão de obra e o empregado
terceirizado.

O posicionamento do Tribunal Superior do Trabalho está sintetizado na


Súmula 331, in verbis:

CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE (nova redação do


item IV e inseridos os itens V e VI à redação) – Res. 174/2011, DEJT
divulgado em 27, 30 e 31.05.2011

I – A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal,


formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo
no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974).

II – A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta,


não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública
direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988).

III – Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de


serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e
limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio
do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação
direta.

IV – O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do


empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos
serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da
relação processual e conste também do título executivo judicial.

V – Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta


respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso
evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da
Lei n.º 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do
cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de
serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de
mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela
empresa regularmente contratada.

VI – A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange


todas as verbas decorrentes da condenação referentes ao período da
prestação laboral.

À luz da interpretação literal temos que a terceirização não é admitida no


direito brasileiro, salvo as exceções (vigilância, limpeza, conservação e
demais atividades-meio), de forma que o vínculo é estabelecido
diretamente com o tomador do serviço em caso de violação da regra
geral.

Com a reforma da terceirização por meio da Lei 13.429/17, é possível


tanto a terceirização da atividade-meio, quanto da atividade-fim:

Art. 9º O contrato celebrado pela empresa de trabalho temporário e a


tomadora de serviços será por escrito, ficará à disposição da autoridade
fiscalizadora no estabelecimento da tomadora de serviços e conterá:

 3º O contrato de trabalho temporário pode versar sobre o


desenvolvimento de atividades-meio e atividades-fim a serem
executadas na empresa tomadora de serviços.

A lei 13.429/17 estabelece ainda que não se forma vínculo de emprego


entre o empregado terceirizado e o tomador do serviço. Há, apenas, a
responsabilidade subsidiária pelas obrigações trabalhistas estritamente
ao período da prestação do serviço:

Art. 10.  Qualquer que seja o ramo da empresa tomadora de serviços, não
existe vínculo de emprego entre ela e os trabalhadores contratados
pelas empresas de trabalho temporário.

 7º A contratante é subsidiariamente responsável pelas obrigações


trabalhistas referentes ao período em que ocorrer o trabalho
temporário, e o recolhimento das contribuições previdenciárias
observará o disposto no art. 31 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de
1991
Quando ocorrer o inadimplemento das obrigações trabalhistas o tomador
do serviço será responsável subsidiário pelo seu adimplemento, desde
que tenha a oportunidade de se defender na reclamação trabalhista e há
uma limitação em face do período em que utilizou a mão de obra
terceirizada. A mesma responsabilidade subsidiária é aplicada à
Administração Pública. Em ambos os casos discordamos totalmente,
mas isso será tratado no decorrer do artigo.

Para que a Administração Pública possa utilizar a mão de obra


terceirizada é necessário um processo licitatório, previsto na Lei
8.666/93.

Por força do Art. 37, II, da Constituição Federal, nenhum empregado


terceirizado que preste serviço na Administração Pública criará vínculo
trabalhista, pois isso só é possível mediante a aprovação em concurso
público.

Só poderá ser contratada a empresa que estiver com regularidade fiscal


e financeira, além de possuir o menor preço com a melhor qualidade do
serviço (princípio da eficiência).

Não obstante, temos ainda, a lei de licitações e contratos


administrativos, Lei 8.666/93, em seu §1º, art. 71, in verbis:

Art. 71.  O contratado é responsável pelos encargos trabalhistas,


previdenciários, fiscais e comerciais resultantes da execução do
contrato.

 1o A inadimplência do contratado, com referência aos encargos


trabalhistas, fiscais e comerciais não transfere à Administração
Pública a responsabilidade por seu pagamento, nem poderá onerar
o objeto do contrato ou restringir a regularização e o uso das obras
e edificações, inclusive perante o Registro de Imóveis.

A lei de licitações e contratos administrativos estabelece que não há


responsabilidade da Administração Pública por dívidas trabalhistas.

Assim, temos uma espécie de antinomia jurídica, ou seja, conflito


normativo. De um lado temos a súmula 331, do TST e de outro temos a
Lei 8.666/93.

A lei 13.429/2017, traz uma reforma da terceirização, cujos principais


pontos são a possibilidade de terceirização de atividades fim e a
expressa imposição da responsabilidade subsidiária do tomador do
serviço em face do período em que usou a mão de obra terceirizada.

Em termos jurisprudenciais, o STF, proferiu um julgado (RE760931)


fixando a responsabilidade subsidiária da administração pública, apenas,
quando houver prova que a fiscalização do contrato foi maculada por
erro da própria administração, por meio do servidor público responsável
pela fiscalização do contrato, o que permite, mas não obriga, a ação
regressiva por parte do Estado em face do servidor responsável para
reparar o prejuízo financeiro.

3. A responsabilidade solidária da Administração Pública nos


contratos de terceirização de mão de obra

Nos moldes da hierarquia normativa do direito brasileiro, uma súmula não


pode ser contrária a uma lei federal, pois nem está na pirâmide de Kelsen.
No entanto, a súmula 331, do TST, tem sido amplamente aplicada à
revelia da lei 8.666/93.

Mesmo deixando de lado a formalidade hierárquica, o próprio conteúdo


da súmula 331, do TST, tem se mostrado pouco eficaz nas ações
trabalhistas. Ocorre que com a responsabilidade subsidiária da
Administração Pública o empregado tende a não receber seus créditos
trabalhistas, pois não obstante a dificuldade de a Administração Pública
pagar, boa parte das empresas terceirizadas contratadas não possuem
patrimônio para saldar as dívidas trabalhistas.

Assim, entendemos que o direito precisa evoluir, seja para alterar a lei
8.666/93, para revogar a súmula 331, do TST ou para alterar a lei
13.429/17.

A administração pública deve ser solidariamente responsável pelas


dívidas trabalhistas oriundas dos contratos de terceirização.

Nesse caso, a responsabilidade solidária decorre da culpa in elegendo e


da culpa in vigilando.

A culpa in elegendo decorre da escolha feita pela Administração Pública


durante o processo licitatório. Cabe à Administração escolher a melhor
empresa e não apenas o menor preço.

Segundo Barros (2006, p. 430):

Trata-se de uma responsabilidade indireta, fundada na ideia de culpa


presumida (in eligendo), ou seja, na má escolha do fornecedor da mão-
de-obra e também no risco (art. 927, parágrafo único, do Código Civil de
2002), já que o evento, isto é, a inadimplência da prestadora de serviços
decorreu do exercício de uma atividade que se reverteu em proveito do
tomador
A culpa in vigilando reside no fato de que a Administração deve fiscalizar
o cumprimento do contrato e isso inclui o pagamento dos direitos
trabalhistas, cabendo, ainda, uma ação regressiva em face do gestor do
contrato, que não fiscalizou corretamente e autorizou o pagamento à
empresa terceirizada.

Para Velloso (2016):

Assim, a ausência de fiscalização por parte do ente público desponta


como outro fundamento para a responsabilização da Administração
Pública nas terceirizações, em razão da configuração da culpa in
vigilando. Essa modalidade de culpa diz respeito ao dever que a o poder
público possui de fiscalizar se a empresa contratada está cumprindo com
suas obrigações trabalhistas durante todo o período de duração do
contrato de prestação de serviços.

Portanto, a responsabilidade da Administração deve ser solidária, mas


essa imputação só pode ser por força de lei, uma vez que não se pode
presumir a responsabilidade solidária, art. 265, do Código Civil.

Não obstante, a alteração legislativa também deve incluir o dever do


Estado em acionar regressivamente os servidores públicos responsáveis
pela contratação e fiscalização dos contratos de terceirização de mão
obra. Constatando-se o dolo ou culpa, os servidores envolvidos devem
ressarcir os cofres públicos além de receberem a devida punição
administrativa e criminal.

4. Referências

ADEODATO, João Maurício. Ética e retórica: para uma teoria da dogmática


jurídica. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2007.
BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho. 2 ed. São Paulo: LTr,
2006.

BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, ativismo judicial e legitimidade


democrática. Disponível em
http://www.oab.org.br/editora/revista/users/revista/1235066670174218181901.p
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MONTESQUIEU. Do espírito das Leis. São Paulo: Martin Claret, 2003.


FARIA, A. Terceirização: um desafio para o movimento sindical. In: MARTINS, H.
H. T. S.; RAMALHO, J. R. (Orgs.). Terceirização: diversidade e negociação no mundo
do trabalho. São Paulo: Hucitec, 1994.

FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica,


decisão, dominação. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2008.

KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 4.ed. São Paulo: Martins fontes, 2000.
LUHMANN, Niklas. La sociedad. México: Herder, 2007.

MERCANTE, Carolina Vieira et al. TERCEIRIZAÇÃO SEM CALOTE: Manual de


Atuação da Coordenadoria Nacional de Combate às Irregularidades Trabalhistas na
Administração Pública. Brasília: Ministério Público do Trabalho, 2015. Disponível
em: <https://portal.mpt.mp.br/wps/wcm/connect/portal_mpt/686dec36-9611-
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MOD=AJPERES&CONVERT_TO=url&CACHEID=686dec36-9611-4893-b5b9-
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RAMOS, Chiara. O direito como comunicação produzida por um sistema


autopoiético. Disponível em http://jus.com.br/artigos/29639/o-direito-como-
comunicacao-produzida-por-um-sistema-autopoietico/2#ixzz3gjknyFTy   Acesso
em 24 de julho de 2016.

VALENÇA, Myrian Constantino de Almeida; BARBOSA, Allan Claudius Queiroz. A


terceirização e seus impactos: um estudo em grandes organizações de Minas
Gerais. Revista de Administração Contemporânea, Curitiba, v. 6, n. 1, p.163-185,
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VELLOSO, Catarina Coelho. A responsabilidade da Administração Pública


tomadora de serviços terceirizados: análise à luz das peculiaridades do
tratamento jurídico dado ao Estado. 2016. Disponível em:
<http://www.conteudojuridico.com.br/artigo,a-responsabilidade-da-
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peculiaridade,55136.html>. Acesso em: 12 out. 2017.

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