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ANÁLISE DO COMPORTAMENTO DINÂMICO DE UMA EMBARCAÇÃO DE

PLANEIO VIA CFD

Thalles Carvalho Giangiarulo Rocha de Aguiar

Projeto de Graduação apresentado ao

Curso de Engenharia Naval e Oceânica

da Escola Politécnica, Universidade

Federal do Rio de Janeiro, como parte

dos requisitos necessários à obtenção do

título de Engenheiro.

Orientador: Alexandre Teixeira de

Pinho Alho, D.Sc.

Rio de Janeiro

Março de 2018
ANÁLISE DO COMPORTAMENTO DINÂMICO DE UMA EMBARCAÇÃO DE

PLANEIO VIA CFD

Thalles Carvalho Giangiarulo Rocha de Aguiar

PROJETO FINAL SUBMETIDO AO CORPO DOCENTE DO DEPARTAMENTO

DE ENGENHARIA NAVAL E OCEÂNICA DA ESCOLA POLITÉCNICA

DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO, COMO PARTE

DOS REQUISITOS NECESSÁRIOS PARA OBTENÇÃO DO GRAU DE

ENGENHEIRO NAVAL.

Examinado por:

Prof. Alexandre Teixeira de Pinho Alho, D.Sc.

Prof. Carl Horst Albrecht, D.Sc.

Prof. José Henrique Erthal Sanglard, D.Sc.

RIO DE JANEIRO, RJ  BRASIL

MARÇO DE 2018
Aguiar, Thalles Carvalho Giangiarulo de

Análise do Comportamento Dinâmico de uma


Embarcação de Planeio via CFD / Thalles Carvalho
Giangiarulo Rocha de Aguiar. – Rio de Janeiro: UFRJ/ Escola
Politécnica, 2018.

X, 68 p.: il.; 29,7 cm.

Orientador: Alexandre Teixeira de Pinho Alho

Projeto de Graduação – UFRJ/ Escola Politécnica/ Curso


de Engenharia Naval e Oceânica, 2018.

Referências Bibliográficas: p. 67 – 68.

1. Embarcações de Planeio 2. Comportamento Dinâmico


3. CFD I. Alho, Alexandre Teixeira de Pinho II. Universidade
Federal do Rio de Janeiro, Escola Politécnica, Curso de
Engenharia Naval e Oceânica. III. Análise do
Comportamento Dinâmico de uma Embarcação de Planeio
via CFD. III. Título.
Agradecimentos

Primeiramente, agradeço à minha família, que sempre me deu amor e apoio

incondicional em todas as decisões que tomei, e à minha namorada, Amanda, por

estar ao meu lado nas horas difíceis e nos momentos de comemoração. Vocês são os

principais culpados pelo fechamento de mais esta etapa, devo muito a vocês.

Agradeço também aos meus amigos da vida e do Kendo, por me incentivarem e

me lembrarem que sempre é possível fazer mais um pouco.

Agradeço aos amigos da Engenharia Naval, em especial ao Felipe, Thomaz e

Renan, por toda a ajuda no desenvolvimento deste trabalho.

Não posso deixar de agradecer às secretárias acadêmicas, em especial à Simone,

por todo seu empenho em ajudar os alunos durante o curso.

Agradeço ao meu orientador Alexandre Alho, por todos os ensinamentos passados

da forma mais clara e didática possível, e por me ajudar em mais esta etapa de minha

formação como Engenheiro.

A todos, muito obrigado.

i
Resumo do Projeto de Graduação apresentado à Escola Politécnica/ UFRJ como

parte dos requisitos necessários para a obtenção do grau de Engenheiro Naval

ANÁLISE DO COMPORTAMENTO DINÂMICO DE UMA EMBARCAÇÃO DE

PLANEIO VIA CFD

Thalles Carvalho Giangiarulo Rocha de Aguiar

Março/2018

Orientador: Alexandre Teixeira de Pinho Alho, D.Sc.

Curso: Engenharia Naval e Oceânica

O comportamento dinâmico em ondas é de grande importância no projeto de

uma embarcação de planeio, pois uma resposta ruim pode comprometer a missão da

embarcação. Simulações computacionais têm se mostrado uma alternativa cada vez

mais conável e vantajosa em relação a testes com modelos reduzidos na determinação

destas respostas.

Neste trabalho, foi desenvolvido um modelo numérico em CFD de análise do

comportamento hidrodinâmico frente à incidência de ondas aplicado a embarcações

de planeio. Este modelo apresenta delidade com a física envolvida, tendo como

foco a estimativa das respostas em pitch e heave.

Palavras-chave : Embarcações de Planeio, Comportamento Hidrodinâmico, CFD.

ii
Abstract of Undergraduate Project presented to POLI/UFRJ as a partial

fulllment of the requirements for the degree of Engineer.

DYNAMIC BEHAVIOUR ANALYSIS OF A PLANING VESSEL VIA CFD

Thalles Carvalho Giangiarulo Rocha de Aguiar

Março/2018

Advisor: Alexandre Teixeira de Pinho Alho, D.Sc.

Course: Naval and Oceanic Engineering

The dynamic behaviour in waves is of great importance when it comes to projects

of planing vessels, since a bad response could compromise the vessel`s mission

success. Computational simulations have been proving to be a trustful and cost-eective

alternative to experimental tests in the evaluation of such responses.

In this project, a numerical model in CFD to analyse the hydrodynamic behaviour

of planing vessels subject to regular head waves was developed. This model is in

agreement with the involved physical phenomena, focusing on the estimation of

heave and pitch responses.

Keywords : Planing Vessels, Hydrodynamic Behaviour, CFD.

iii
Lista de Figuras

Figura 2.1: Resistência ao avanço de um casco de planeio. . . . . . . . . . . . 6

Figura 2.2: Ângulo de deadrise em uma seção de um casco de planeio. . . . . 8

Figura 2.3: Plano de balizas de um casco de planeio com quinas. . . . . . . . 9

Figura 2.4: Redução da superfície molhada pelos spray rails. . . . . . . . . . . 9

Figura 2.5: Aumento da sustentação com adição de spray rails. . . . . . . . . 10

Figura 2.6: Distribuição da pressão hidrodinâmica em uma placa plana. . . . 11

Figura 2.7: Formação do spray em uma embarcação de planeio. . . . . . . . . 11

Figura 2.8: Distribuição da pressão hidrodinâmica em um casco em planeio. . 12

Figura 2.9: Diagrama de corpo livre de uma embarcação em planeio. . . . . . 13

Figura 3.1: Lancha de uso militar utilizada. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21

Figura 3.2: Modelo da lancha utilizada. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22

Figura 3.3: Domínio computacional utilizado, com metade da geometria da

lancha. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23

Figura 3.4: Detalhe da malha em uma seção sobre o plano diametral da lancha. 27

Figura 3.5: Visão geral da malha sobre o domínio computacional. . . . . . . . 28

Figura 3.6: Visão das regiões de contorno do modelo. . . . . . . . . . . . . . . 30

Figura 4.1: Ilustração do modelo durante a simulação em águas calmas. . . . 33

iv
Figura 4.2: Ilustração do modelo durante a simulação na presença de ondas. . 33

Figura 4.3: Heave, para velocidade de 35 nós em águas calmas. . . . . . . . . 34

Figura 4.4: Pitch, para velocidade de 35 nós em águas calmas. . . . . . . . . 35

Figura 4.5: Resistência ao avanço de metade do casco, em águas calmas a 35

nós. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35

Figura 4.6: Distribuição da pressão exercida sobre o casco, em águas calmas

a 35 nós. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 36

Figura 4.7: Interface ar-água durante o planeio, em águas calmas a 35 nós. . . 37

Figura 4.8: Elevação da superfície livre, em águas calmas a 35 nós. . . . . . . 37

Figura 4.9: Heave, para velocidade de 40 nós em águas calmas. . . . . . . . . 38

Figura 4.10: Pitch, para velocidade de 40 nós em águas calmas. . . . . . . . . 39

Figura 4.11: Resistência ao avanço de metade do casco, em águas calmas a 40

nós. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39

Figura 4.12: Distribuição da pressão no casco, em águas calmas a 40 nós. . . . 40

Figura 4.13: Interface ar-água durante o planeio, em águas calmas a 40 nós. . . 41

Figura 4.14: Elevação da superfície livre, em águas calmas a 40 nós. . . . . . . 41

Figura 4.15: Heave, para velocidade de 35 nós sob incidência de ondas. . . . . 42

Figura 4.16: Pitch, para velocidade de 35 nós sob incidência de ondas. . . . . . 43

Figura 4.17: Resistência ao avanço de metade do casco, sob incidência de ondas

a 35 nós. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43

Figura 4.18: Aceleração vertical do centro de massa, para velocidade de 35 nós

sob incidência de ondas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44

Figura 4.19: Aceleração angular, para velocidade de 35 nós sob incidência de

ondas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45

v
Figura 4.20: Distribuição da pressão no casco, sob incidência de ondas a 35 nós. 46

Figura 4.21: Evolução do casco durante o planeio, sob incidência de ondas a

35 nós. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47

Figura 4.22: Elevação da superfície livre, sob incidência de ondas a 35 nós. . . 49

Figura 4.23: Heave, para velocidade de 40 nós sob incidência de ondas. . . . . 50

Figura 4.24: Pitch, para velocidade de 40 nós sob incidência de ondas. . . . . . 51

Figura 4.25: Resistência ao avanço de metade do casco, sob incidência de ondas

a 40 nós. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51

Figura 4.26: Aceleração vertical do centro de massa, para velocidade de 40 nós

sob incidência de ondas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 52

Figura 4.27: Aceleração angular, para velocidade de 40 nós sob incidência de

ondas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53

Figura 4.28: Distribuição da pressão no casco, sob incidência de ondas a 40 nós. 54

Figura 4.29: Evolução do casco durante o planeio, sob incidência de ondas a

40 nós. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55

Figura 4.30: Elevação da superfície livre, sob incidência de ondas a 40 nós. . . 57

Figura 4.31: Relação entre heave e resistência ao avanço para 35 nós. . . . . . 61

Figura 4.32: Relação entre heave e resistência ao avanço para 40 nós. . . . . . 62

Figura 4.33: Picos de aceleração em embarcação de uso militar se movendo a

40 nós. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63

vi
Lista de Tabelas

Tabela 3.1: Características da lancha utilizada nas simulações. . . . . . . . . 21

Tabela 3.2: Condição de equilíbrio inicial da lancha. . . . . . . . . . . . . . . 22

Tabela 3.3: Dimensões da malha nas regiões do domínio. . . . . . . . . . . . . 27

Tabela 3.4: Resumo dos parâmetros utilizados nas simulações. . . . . . . . . . 31

vii
Sumário

Agradecimentos i

Resumo ii

Abstract iii

Lista de Figuras iv

Lista de Tabelas vii

1 Introdução 1

1.1 Objetivo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2

2 Revisão Teórica 4

2.1 Embarcações de Planeio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4

2.2 Características de Uma Embarcação de Planeio . . . . . . . . . . . . 7

2.2.1 Ângulo de Deadrise . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7

2.2.2 Quinas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8

2.2.3 Spray Rail . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9

2.3 A Sustentação Hidrodinâmica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10

viii
2.4 Fluidodinâmica Computacional . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15

2.4.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15

2.4.2 Equações Governantes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15

2.4.3 Média de Reynolds e Modelos de Turbulência . . . . . . . . . 17

3 O modelo em CFD 20

3.1 A Embarcação Utilizada . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20

3.2 O Desenvolvimento do Modelo em CFD . . . . . . . . . . . . . . . . 22

3.2.1 Domínio Computacional . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23

3.2.2 Modelo Numérico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23

3.2.3 Malha . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26

3.2.4 Condições de Contorno . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28

3.2.5 Pós-processamento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30

3.2.6 Resumo dos Parâmetros . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30

4 Resultados 32

4.1 Apresentação dos Resultados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34

4.1.1 Águas calmas a 35 nós . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34

4.1.2 Águas calmas a 40 nós . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37

4.1.3 Deslocamento em ondas a 35 nós . . . . . . . . . . . . . . . . 42

4.1.4 Deslocamento em ondas a 40 nós . . . . . . . . . . . . . . . . 50

4.2 Análise dos Resultados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 58

4.2.1 Águas calmas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 58

4.2.2 Incidência de ondas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 60

ix
5 Conclusões e Perspectivas 64

Referências 67

x
Capítulo 1

Introdução

Embarcações de planeio são cada vez mais utilizadas nas mais diversas aplicações.

Transporte de passageiros, apoio marítimo, resgates, aplicações militares, esporte e

lazer são apenas alguns dos usos deste tipo de embarcação, cujos primeiros registros

remontam ao m do século XIX [11]. Essa crescente utilização se deve ao diferencial

de embarcações de planeio serem capazes de atingir velocidades bastante elevadas,

em comparação a embarcações de deslocamento. Ao aumentar sua velocidade,

o casco deste tipo de embarcação faz com que ela decole da água, reduzindo a

superfície molhada e, consequentemente, a resistência ao avanço. Este fenômeno,

conhecido por planeio, é caracterizado pela sustentação da embarcação se dar devido,

predominantemente, a forças hidrodinâmicas.

No projeto de uma embarcação, a determinação da resistência ao avanço é

essencial para determinar a potência necessária para atingir a velocidade desejada,

o que em embarcações de planeio se torna um dos principais parâmetros de projeto.

Entretanto, este não é o único. O comportamento dinâmico em ondas também é

um fator de grande importância, seja ela utilizada para passeio, seja utilizada para

serviço.

No caso de embarcações de lazer, o comportamento dinâmico está diretamente

ligado ao conforto e, portanto, à satisfação do consumidor. No caso de embarcações

de serviço, a situação é ainda mais crítica, pois uma boa resposta em ondas pode ser
1.1. OBJETIVO 2

essencial para o cumprimento da missão da embarcação. Considerando embarcações

de uso militar, nota-se que a segurança de tripulantes está em jogo, pois pode ser

necessário alvejar um inimigo durante um deslocamento, por exemplo. No caso de

transporte de equipes para plataformas, é necessário permitir que os passageiros

executem sua função sem apresentar desconfortos decorrentes do transporte até

o local de atuação. Estes são apenas alguns exemplos da importância de uma

boa resposta à incidência de ondas durante o deslocamento de uma embarcação

de planeio.

Para embarcações de planeio, a análise do comportamento dinâmico em ondas

também é fundamental para a questão estrutural. Devido às altas velocidades

desenvolvidas, a embarcação pode ser levada a sofrer cargas bastante altas sobre

seu casco devido ao impacto sobre as ondas, ou slamming.

Uma forma de obter uma estimativa tanto da resistência ao avanço quanto do

comportamento dinâmico em ondas é por meio de simulações computacionais, mais

especicamente, softwares de simulação em CFD (sigla para Computational Fluid


Dynamics ). A análise realizada por CFD, que vem apresentando grandes avanços,

é feita diretamente sobre um modelo computacional da embarcação, por meio da

solução numérica das equações de governo que regem o escoamento ao redor do casco,

tendo por base uma discretização do domínio espaço-temporal, dadas as condições

iniciais e de contorno.

1.1 Objetivo

Motivado pelas considerações acima, o objetivo deste trabalho é desenvolver um

modelo preliminar de análise de resistência ao avanço, equilíbrio e comportamento

dinâmicos, que seja capaz de fornecer resultados qualitativos de boa qualidade. Estes

resultados devem representar qualitativamente os fenômenos físicos envolvidos e o

comportamento da embarcação de forma coerente, e poderão servir de ponto de

partida para um possível aprimoramento futuro.

A embarcação utilizada no desenvolvimento do modelo é uma lancha de uso


1.1. OBJETIVO 3

militar para transporte de passageiros e carga, cujo projeto esta sendo desenvolvido

pelo Polo Náutico da Universidade Federal do Rio de Janeiro.


Capítulo 2

Revisão Teórica

2.1 Embarcações de Planeio

Uma embarcação, ao se deslocar, experimenta uma força contrária ao seu movimento,

conhecida por força resistência ao avanço. Conforme a velocidade de avançoo cresce,

a parcela desta força devido à formação de ondas, resultado da interação do casco

com a superfície livre da água, cresce de forma mais acentuada.

Froude, um dos pioneiros no estudo da estimativa da resistência ao avanço em

embarcações, propôs a lei de similaridade, onde corpos geometricamente semelhantes

se deslocando com velocidades equivalentes experimentariam forças de resistência

equivalentes, diferindo entre si por um fator de escala. Esta lei de similaridade

permitiu o estudo de embarcações através de modelos reduzidos, abrindo uma nova

frente de estudos que é bastante utilizada até hoje em dia.

Embarcações em condição de similaridade, ou seja, onde as forças atuantes

diferem entre si por um fator de escala, devem apresentar mesmos valores do número

de Froude e do número de Reynolds. O número de Reynolds, denido pela expressão

a seguir, relaciona as forças inerciais e viscosas, e é relevante na presença de efeitos

viscosos.

VL
Re = . (2.1)
ν
2.1. EMBARCAÇÕES DE PLANEIO 5

Na equação anterior, V é a velocidade de avanço da embarcação, L é seu comprimento


de linha d`água e ν a viscosidade cinemática do uido. O número de Froude,

que relaciona as forças inerciais e gravitacionais, é relevante na presença de forças

gravitacionais, sendo denido pela expressão a seguir.

V
F =√ . (2.2)
gL

Na equação anterior, novamente, V é a velocidade de avanço da embarcação, L é

seu comprimento de linha d`água e g é a aceleração da gravidade.

No estudo dos fenômenos relacionados ao escoamento ao redor de embarcações,

não é possível satisfazer simultaneamente à igualdade dos números de Reynolds e

Froude. Devido a limitações de ordem prática relacionadas à execução dos ensaios,

apenas a igualdade do número de Froude é adotada para a realização de testes com

modelos reduzidos de embarcações.

Conforme a velocidade de uma embarcação aumenta, o comprimento da onda

gerada pelo casco também aumenta, até atingir o dobro do comprimento de linha

d`água da própria embarcação. Assim sendo, o casco da embarcação é sustentado por

uma única onda, sendo a região de vante do casco sustentada pela crista e a região de

ré pelo cavado. Tal condição de equilíbrio promove a ocorrência de um trim excessivo

pela popa, cuja intensidade é crescente com o aumento da velocidade de avanço. O

trim excessivo e crescente pela popa resulta em aumentos signicativos da resistência

ao avanço, o que torna a navegação altamente ineciente em tais condições. Isto

ocorre para números de Froude aproximadamente iguais a 0,5, e representaria um

limite de velocidades para a embarcação em condições de deslocamento.

Uma forma de superar tal limitação é alterar o sistema de ondas gerado pelo

casco. Um desenho de casco que resulte na emersão da proa, provocará a formação

de um sistema de ondas distinto, cujo cavado não terá mais como limite físico

o espelho de popa. Tal desenho de casco é denominado de semi-deslocamento

ou semi-planeio. A limitação de velocidade dos cascos de semi-deslocamento ou

semi-planeio se dá agora pela magnitude da componente de resistência friccional.


2.1. EMBARCAÇÕES DE PLANEIO 6

Figura 2.1: Resistência ao avanço de um casco de planeio.

O aumento da velocidade de avanço do casco resultará em um aumento crescente

da componente friccional até uma condição em que a navegação torna-se novamente

ineciente em termos de desempenho. Uma forma de reduzir a resistência ao avanço e

ultrapassar este limite é reduzir a superfície molhada do casco, ou seja, literalmente

retirar parte do casco da água. Ao entrar no regime de planeio, a sustentação

da embarcação, que inicialmente era predominantemente hidrostática, passa a ser

predominantemente hidrodinâmica. A resistência ao avanço se reduz, permitindo

que a embarcação atinja velocidades mais elevadas. A Figura 2.1 representa o

comportamento da resistência ao avanço de uma embarcação de planeio em função

da velocidade. Inicialmente, a embarcação se move em regime de deslocamento. A

resistência ao avanço atinge o valor máximo durante a fase de semi-planeio, e começa

a decair conforme a embarcação adentra o regime de planeio.

Em geral, embarcações de planeio se deslocam com número de Froude superior a

1,2. Desta forma, o trem de ondas formado possui comprimento maior do que o

comprimento do casco.

Para que uma embarcação atinja o regime de planeio, algumas condições são

necessárias, tanto do ponto de vista do formato do casco quanto do ponto de vista da

propulsão. Em geral, embarcações de planeio possuem potência instalada bastante

alta que, associada ao menor consumo relativo de combustível a altas velocidades, as


2.2. CARACTERÍSTICAS DE UMA EMBARCAÇÃO DE PLANEIO7

torna embarcações de alto desempenho, ideais para tanto para aplicações militares

e de resgate, por exemplo, quanto para o uso recreativo e esportivo. Do ponto de

vista do formato do casco, em geral, são cascos com o fundo em V que contam

com seções retas e presença de quinas, que favorecem o aumento da sustentação.

Além disso, muitas vezes há a presença de soluções como sprayrails, que fornecem

maior sustentação, e degraus, que possuem como objetivo melhorar a performance

da embarcação reduzindo a superfície molhada do casco.

2.2 Características de Uma Embarcação de Planeio

O casco de uma embarcação de planeio possui uma série de característica próprias,

com intuito de melhorar o desempenho do casco no regime de planeio. A seguir,

estão descritas brevemente algumas das características mais comuns deste tipo de

embarcação.

2.2.1 Ângulo de Deadrise


Para alcançar a condição de planeio, a conguração de fundo mais eciente seria

a mais plana possível, pois esta conguração é a que converte da melhor forma

o campo de pressões em força de sustentação. Porém, esta conguração propicia

grandes esforços estruturais e desconforto para os tripulantes, já que a resposta

deste casco às ondas será bastante severa.

Assim, para estabelecer um meio termo entre a capacidade de planeio do casco e

o comportamento em ondas, o fundo do casco deve ser levemente inclinado em um

ângulo chamado de deadrise ou pé-de-caverna, como mostra a Figura 2.2. Além de

inuenciar o comportamento em ondas, o ângulo de deadrise inuencia diretamente

a resistência ao avanço da embarcação, fazendo com que esta cresça conforme o

ângulo aumenta. Para contornar este problema, os cascos, em boa parte dos casos,

contam com ângulos de deadrise que variam desde o espelho de popa da embarcação,

onde seu valor é bem reduzido de forma a favorecer o planeio, até a proa, onde seu

valor é mais elevado, permitindo que a embarcação perfure"as ondas conforme se


2.2. CARACTERÍSTICAS DE UMA EMBARCAÇÃO DE PLANEIO8

Figura 2.2: Ângulo de deadrise em uma seção de um casco de planeio.

desloca.

2.2.2 Quinas

Os cascos quinados fornecem uma vantagem em relação aos cascos arredondados

ao se deslocarem em alta velocidade. Devido à quina, o escoamento ca connado

sob o casco, aumentando a sustentação no regime de planeio. Existem quinas

formadas por duas arestas resultando em uma superfície, como pode ser visto na

Figura 2.3. Esta superfície pode ser paralela à linha d`água ou ainda formar um

ângulo negativo em relação à horizontal, e limita o escoamento transversal do uido

durante o deslocamento do barco, reduzindo o espalhamento de água para os lados

da embarcação, chamado de spray.

A boca da quina inuencia diretamente o desempenho da embarcação. O efeito

de aumentar a boca da quina é equivalente à redução do deadrise, melhorando as

condições de planeio, reduzindo a resistência ao avanço, porém piorando o comportamento

em ondas. Muitas vezes, a angulação das quinas em relação à horizontal aumenta

conforme se desenvolve para a proa. Desta forma, a boca da quina também se altera,

se reduzindo com essa inclinação longitudinal.


2.2. CARACTERÍSTICAS DE UMA EMBARCAÇÃO DE PLANEIO9

Figura 2.3: Plano de balizas de um casco de planeio com quinas.

2.2.3 Spray Rail

O spray rail é um apêndice adicionado ao casco de planeio com o intuito de

separar o escoamento do uido do casco. Um dos efeitos dessa separação é a redução

da área de spray no casco que, por consequência, causa uma redução da resistência

friccional. A Figura 2.4 mostra a redução de área molhada causada pela introdução

de spray rails, em comparação com a área molhada na ausência destes.

Figura 2.4: Redução da superfície molhada pelos spray rails.

Outro efeito dos spray rails é o aumento da sustentação. Ao desviarem o


2.3. A SUSTENTAÇÃO HIDRODINÂMICA 10

escoamento do uido, os spray rails geram mais sustentação para o casco, aumentando
a componente vertical da pressão, conforme mostra a Figura 2.5.

Figura 2.5: Aumento da sustentação com adição de spray rails.

2.3 A Sustentação Hidrodinâmica

O efeito de sustentação hidrodinâmica pode ser compreendido de forma mais

simples ao se considerar uma placa plana. Os efeitos discutidos aqui também estão

presentes no planeio de uma embarcação com geometria em mais complexa.

Ao se deslocar sobre o uido com um ângulo de trim, é gerada, além de uma

força de arrasto, uma força de sustentação sobre a placa [13]. No caso de um uido

sem viscosidade, a distribuição da pressão sobre o casco possui a forma descrita na

Figura 2.6. O máximo de pressão ocorre no ponto de estagnação do escoamento.


2.3. A SUSTENTAÇÃO HIDRODINÂMICA 11

Figura 2.6: Distribuição da pressão hidrodinâmica em uma placa plana.

Além disso, há o aparecimento de um efeito de elevação da superfície da água à

frente da placa. Esta elevação se torna uma película de água escoando para a frente

da superfície de planeio, que dá origem ao spray, conforme ilustrado na Figura 2.7.

Figura 2.7: Formação do spray em uma embarcação de planeio.

Outro efeito a ser observado na Figura 2.6, é a tendência do uido a seguir a direção

do escoamento à ré do m da placa, causando uma região de cavado à ré da placa

plana.

No caso de uma embarcação de planeio com casco quinado, por exemplo, não há

um ponto de estagnação do escoamento, mas sim, vários pontos de estagnação que

se desenvolvem de acordo com as quinas. Nestes pontos, a pressão hidrodinâmica é


2.3. A SUSTENTAÇÃO HIDRODINÂMICA 12

máxima, cuja distribuição a partir de então é tal que se reduz na direção da linha

central do casco. Na linha central, porém, ocorre uma situação semelhante à da

placa plana, com o ponto de estagnação ocorrendo mais à vante. A Figura 2.8

ilustra a distribuição da pressão em uma embarcação de planeio com casco quinado.

Figura 2.8: Distribuição da pressão hidrodinâmica em um casco em planeio.

Inicialmente com velocidade nula, a sustentação de uma embarcação possui o

caráter puramente hidrostático. Todo o peso da embarcação é sustentado pela

força de empuxo, proveniente da pressão hidrostática sobre o casco. Ao adquirir

velocidade, a geometria de um casco planador permite que a reação do uido sobre

a embarcação não seja somente a de resistência ao avanço. Há o aparecimento de

uma componente de sustentação e uma componente de arrasto. Com o aumento da

velocidade, essa força de sustentação dinâmica se torna predominante em comparação

com a sustentação hidrostática. Neste ponto, é possível dizer que o casco atingiu o

regime de planeio. Nesta fase, a embarcação apresenta um pequeno afundamento

e um ângulo de trim, formado pelo momento gerado pelas forças hidrodinâmicas.

Com o incremento da velocidade, o ponto de atuação das forças hidrodinâmicas

se aproxima da linha de atuação do centro de gravidade, até que uma situação de

equilíbrio se estabeleça (o momento gerado pelo peso da embarcação se iguala ao

momento gerado pelas forças hidrodinâmicas).

Quando em planeio, o equilíbrio da embarcação se dá através de uma combinação


2.3. A SUSTENTAÇÃO HIDRODINÂMICA 13

das forças de arrasto e sustentação (produzidas pelo movimento no uido), peso da

embarcação, posição do centro de gravidade e ângulos de trim dinâmico e da linha de

eixo do propulsor em relação ao centro de gravidade. Considerando uma embarcação

com fundo em V em angulação de deadrise constante, ao se deslocar devido a um

empuxo T~ , há o aparecimento de uma força de arrasto ~


D paralela à linha de base.

A força de sustentação dinâmica somada à força de sustentação hidrostática resulta

na força ~,
L perpendicular à linha de base, e a embarcação se move com um ângulo

de trim dinâmico τ, conforme a Figura 2.9.

Figura 2.9: Diagrama de corpo livre de uma embarcação em planeio.

Na gura,

T~ é o empuxo fornecido pelo sistema propulsor;

b é a separação entre um prolongamento da linha de eixo e uma reta paralela

que passa pelo centro de gravidade;

ε é o ângulo formado entre a linha de eixo e a linha de base da embarcação;

~
D é a força de arrasto atuando sobre a embarcação em movimento;

a é a distância vertical entre o ponto de aplicação do arrasto e o centro de

gravidade da embarcação;
2.3. A SUSTENTAÇÃO HIDRODINÂMICA 14

~ é a resultante das forças de pressão atuando sobre a embarcação em movimento;


L

c é a distância horizontal entre o ponto de aplicação da sustentação e o centro

de gravidade da embarcação;

τ é o ângulo de trim dinâmico;

LCG é a posição longitudinal do centro de gravidade.

Realizando o equilíbrio de forças na direção vertical,

L cos (τ ) − D sin (τ ) + T sin (τ + ε) − ∆ = 0. (2.3)

Na horizontal, a equação para o equilíbrio de forças é dada por

T cos (τ + ε) − D cos (τ ) − L sin (τ )− = 0. (2.4)

E, por m, o equilíbrio de momentos:

T · b − D · a − L · c− = 0. (2.5)

Para um determinado casco, as quantidades a, b, ε, LCG e ∆ são determinadas

ou podem ser obtidas diretamente. Para uma dada velocidade requerida, as demais

incógnitas que caracterizam o equilíbrio dinâmico nas Equações (2.3), (2.4) e (2.5)

podem ser obtidas através da resolução destas equações, desde que se tenha informações

acerca do arrasto, sustentação e posição do centro de pressões no casco. Estas

quantidades podem ser determinadas por meio de expressões empíricas, tais como

as apresentadas por Savitsky [14].


2.4. FLUIDODINÂMICA COMPUTACIONAL 15

2.4 Fluidodinâmica Computacional

2.4.1 Introdução

A uidodinâmica computacional (em inglês, computational uid dynamics, de

onde vem o acrônimo CFD ) consiste em simulações numéricas de fenômenos envolvendo


escoamentos, além de uxos de calor e magnetismo. O CFD se baseia na discretização

do domínio do problema em elementos ou volumes de controle, possibilitando a

solução das equações governantes de forma numérica e incremental, dadas as condições

iniciais e de contorno.

O CFD é uma abordagem de solução de problemas em dinâmica dos uidos,

juntamente com modelos teóricos e testes experimentais, e seu uso se faz cada vez

mais presente graças às suas vantagens e benefícios na solução destes problemas.

Seus resultados podem ser comparados aos resultados obtidos em experimentos

com modelos em tanques de prova ou túneis de vento, e são capazes de prever

comportamentos ou ainda direcionar as decisões de um projeto. Apesar de possuir

as vantagens de ser uma solução menos custosa e rápida em comparação com testes

experimentais, o CFD possui suas limitações, como aquelas de ordem computacional.

Por ser uma solução obtida através de resoluções numéricas incrementais em um

domínio discretizado, muitos vezes é necessário um grande esforço computacional

para obtê-la, dado que o número de pontos do domínio pode atingir valores bem

altos.

As etapas típicas de solução de um problema em CFD consistem em: geração

da geometria de interesse e respectivo domínio computacional, denição dos modelos

numéricos e condições de contorno e iniciais, execução do modelo numérico e apresentação

e análise dos resultados.

2.4.2 Equações Governantes

O CFD é baseado na solução das equações governantes da dinâmica dos uidos:

• Equação da continuidade, que expressa a conservação da massa;


2.4. FLUIDODINÂMICA COMPUTACIONAL 16

• Equações da conservação da quantidade de movimento momento;

• Equação da conservação de energia.

Nesta seção, não serão derivadas as equações acima, sendo feita apenas uma breve

apresentação. A derivação dessas equações voltada para o CFD pode ser encontrada

na Referência [3], onde o autor apresenta uma introdução bastante completa sobre

uidodinâmica computacional.

Suponha um uido escoando a uma velocidade V~ = (u, v, w). Dado um volume

de controle xo, em sua forma diferencial, a equação da continuidade é dada por

∂ρ  
+ ∇ · ρV~ = 0, (2.6)
∂t

onde ρ é a densidade do uido e V~ sua velocidade de escoamento. A diferença entre

o uxo de massa que sai pela superfície que envolve o volume de controle e o uxo

que entra por esta mesma superfície deve ser igual ao acúmulo de massa dentro do

volume.

As equações para a conservação da quantidade de movimento, conhecidas por

equações de Navier-Stokes, são dadas por

∂ 
~
 ∂p ∂τxx ∂τyx ∂τzx
(ρu) + ∇ · ρuV = − + + + + ρfx , (2.7)
∂t ∂x ∂x ∂y ∂z
∂   ∂p ∂τxy ∂τyy ∂τzy
(ρv) + ∇ · ρv V~ = − + + + + ρfy , (2.8)
∂t ∂y ∂x ∂y ∂z
∂   ∂p ∂τxz ∂τyz ∂τzz
(ρw) + ∇ · ρwV~ = − + + + + ρfz . (2.9)
∂t ∂z ∂x ∂y ∂z
(2.10)

Nas Equações (2.7)-(2.9), ρ é a densidade do uido, u, v e w são as componentes

de V~ , τij e fi são as componentes da tensão e das forças por unidade de volume

atuando sobre o elemento de uido. Uma particularidade é que estas equações são

altamente não-lineares e, até o presente momento, não há uma solução geral para
2.4. FLUIDODINÂMICA COMPUTACIONAL 17

elas, apesar de serem conhecidas soluções para casos especícos, como para uidos

invíscidos e incompressíveis (equação de Euler), por exemplo.

Finalmente, a equação que representa o balanço de energia aplicado ao uido é

expressa por

 

ρ + V~ · ∇ e = ρq̇ + ∇ · (k∇T ) − p ∇ · V~ + (←

τ · ∇) V~ . (2.11)
∂t

Na equação acima, e é a energia interna do volume por unidade de massa, ρq̇ é a

variação de calor por unidade de volume, k é a condutividade térmica do uido,

p é a pressão,


τ é o tensor de tensões atuando sobre o elemento de uido e V~ é

a velocidade do escoamento. A Equação (2.11) representa um balanço de energia

aplicado a um elemento de uido, ou seja, a taxa de variação de energia no volume

é igual à soma do uxo de energia neste volume somado ao trabalho realizado por

forças de corpo e superfície.

A solução numérica das equações acima na resolução de um problema acarreta

em erros provenientes da discretização, ou seja, diferença entre a solução analítica

e a solução numérica, e provenientes de arredondamentos feitos pelo computador.

Em uma solução com convergência perfeita, o erro, ou resíduo, seria unicamente

introduzido pelo arredondamento numérico. Para problemas estacionários, a convergência

da solução, caso haja, implica que os resíduos serão reduzidos progressivamente com

as iterações. No caso de problemas dependentes do tempo, a convergência deve ser

garantida a cada passo de tempo calculado.

2.4.3 Média de Reynolds e Modelos de Turbulência

À medida em que o número de Reynolds cresce, o escoamento passa de um

regime laminar para um regime de turbulência. Pequenas utuações nas velocidades

causadas pela tensão no uido deixam de ser amortecidas e ganham energia superando

o amortecimento devido à viscosidade, gerando a turbulência no uido. A turbulência

se caracteriza no uido por zonas de recirculação e aparecimento de vórtices, e é um

fenômeno de natureza não linear [9].


2.4. FLUIDODINÂMICA COMPUTACIONAL 18

Em qualquer problema envolvendo escoamento, as Equações (2.7)-(2.9) descrevem

o comportamento de um uido escoando sujeito a tensões e forças externas. A partir

da solução destas equações, é possível obter a evolução os campos de velocidade e

pressão do uido. Ao se resolver um problema por CFD, a solução destas equações

pode ser realizada de várias formas distintas.

Uma delas, conhecida por Direct Numerical Simulation, ou DNS, se caracteriza


pela resolução direta das equações de Navier-Stokes, sem a utilização de métodos

de aproximação ou modelos de turbulência. Esta forma demanda uma resolução

de discretização da geometria bastante alta, de forma que a escala da discretização

seja inferior à escala da turbulência, de forma a representar bem seus efeitos. Uma

discretização pouco renada não levará em conta efeitos produzidos por vórtices

de menor escala, alterando a conabilidade da solução. Desta forma, este tipo

de solução demanda enorme capacidade de processamento, e é pouco utilizada em

aplicações práticas.

A solução mais usada em problemas de engenharia é a chamada Reynolds Avera-


ged Navier-Stokes, ou RANS [12]. Os campos de velocidades e pressão são decompostos

em uma parcela média e uma parcela utuante. A parcela utuante contém os efeitos

turbulentos de maior escala que afetam as características médias do escoamento,

enquanto os efeitos turbulentos de menor escala são levados em conta na parcela

média. Desta forma, o problema se reduz a resolver equações de escoamento estacionário

juntamente à parcela contendo as utuações turbulentas. Esta parcela deve ser

modelada, de forma a ser obtida uma solução completa do sistema. Muitos modelos

de turbulência foram obtidos a partir de dados experimentais, ajustando-se parâmetros

de forma a representar o comportamento do escoamento. Por outro lado, o desenvolvimento

da teoria sobre turbulência e da DNS contribuiu para o desenvolvimento de modelos

bastante precisos.

Um dos modelos mais simples e mais utilizados é o modelo K − , onde são

utilizadas duas equações de transporte para descrever os termos geradores de turbulência,

a energia cinética turbulenta K e a dissipação turbulenta . Apesar de ter sido o

modelo utilizado no desenvolvimento deste trabalho, uma discussão mais detalhada


2.4. FLUIDODINÂMICA COMPUTACIONAL 19

está fora do escopo deste trabalho, e pode ser encontrada nas Referências [1] e [7].
Capítulo 3

O modelo em CFD

Conforme salientado na introdução, o principal resultado esperado para este

trabalho é o desenvolvimento de um modelo em CFD para o estudo de uma embarcação

em condição de planeio. Como uma primeira utilização deste modelo, foi computada

a resistência ao avanço e posição de equilíbrio dinâmico em águas calmas e testar o

comportamento dinâmico em ondas, para velocidades mais elevadas. Na literatura,

este tipo de abordagem já foi executada algumas vezes, como nas Referências [15,

16, 17]. Quanto à condição de carregamento, foi utilizada para as simulações apenas

a condição de carregamento mínimo (10% de combustível e piloto). Neste capítulo,

estão descritas as características da lancha utilizada e do modelo CFD desenvolvido,

assim como o procedimento para seu desenvolvimento.

3.1 A Embarcação Utilizada

A embarcação utilizada neste trabalho é uma lancha de serviço militar (Figura

3.1), cuja missão é o transporte de militares e carga em alta velocidade, permitindo

uma resposta rápida a qualquer solicitação. O projeto está sendo desenvolvido pelo

Polo Náutico da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Por ser uma embarcação

de transporte de pessoas, a análise do comportamento dinâmico em ondas é de suma

importância, para garantir o conforto dos tripulantes após a viagem, garantindo seu

bem estar e segurança durante o cumprimento de sua missão.


3.1. A EMBARCAÇÃO UTILIZADA 21

Figura 3.1: Lancha de uso militar utilizada.

O comprimento total da lancha é de 7,5 m, com boca de 2,4 m e 1,174 m de

pontal. Seu calado de projeto é de 0,415 m, deslocando 3,091 t. Estas características

da lancha encontram-se na Tabela 3.1.

Tabela 3.1: Características da lancha utilizada nas simulações.

Características

Comprimento total 7,5 m

Boca 2,4 m

Pontal 1,174 m

Deslocamento de projeto 3,091 t

Calado de projeto 0,415 m

Centro de gravidade (2,37 m; 0 m; 0,5 m)

Velocidade máxima 40 nós

A geometria da lancha foi desenvolvida por meio do software Rhinoceros, e

posteriormente exportada para utilização no software Maxsurf, conforme Figura

3.2. Nas simulações realizadas, foi utilizada uma condição de carregamento de 1,650

t, com centro de gravidade em CG = (2, 37 m; 0 m; 0, 5 m). No software Maxsurf

Stability, foi calculada a posição de equilíbrio para a condição testada, apresentada

na Tabela 3.2
3.2. O DESENVOLVIMENTO DO MODELO EM CFD 22

Tabela 3.2: Condição de equilíbrio inicial da lancha.

Condição de equilíbrio inicial

Deslocamento 1,650 t

Centro de gravidade (2,37 m; 0 m, 0,5 m)

Calado na PV 0,225 m

Calado na PR 0,349 m

trim 0,125 m

Comprimento da linha d'água 6,24 m

Figura 3.2: Modelo da lancha utilizada.

3.2 O Desenvolvimento do Modelo em CFD

Considerando a hipótese de simetria do escoamento ao redor do casco, apenas

metade da geometria foi exportada para o software StarCCM+ v.9, utilizado para

o desenvolvimento do modelo em CFD. Desta forma, simulando apenas metade do

casco, economiza-se poder de processamento, já que o resultado é simétrico em

relação ao plano diametral. O software StarCCM+ utiliza o método dos volumes

nitos, onde a geometria em questão é subdividida em pequenos volumes de controle,

e as equações são aplicadas no centro geométrico destes volumes de controle [5].


3.2. O DESENVOLVIMENTO DO MODELO EM CFD 23

Figura 3.3: Domínio computacional utilizado, com metade da geometria da lancha.

3.2.1 Domínio Computacional

O domínio computacional do modelo representa a região em torno do casco por

onde o uido escoará, similar a um tanque de provas (Figura 3.3). As dimensões do

domínio computacional devem ser grandes o suciente de forma que os fenômenos

físicos representados na simulação não sejam afetados por suas fronteiras. O domínio

denido foi um paralelepípedo de 40 m de comprimento, 12,5 m de largura e 9,37 m

de altura. Vale ressaltar que este domínio computacional comportará apenas metade

da geometria da lancha. Após a denição do domínio, este volume é subtraído da

geometria do casco, de forma que a discretização ocorra somente no volume destinado

aos uidos (ar e água).

3.2.2 Modelo Numérico

Em seguida, foram denidos os modelos de física envolvida no problema. O

modelo de simulação é o de análise transiente implícito. Os parâmetros calculados

variam e são analisados a cada passo de tempo físico. As equações do problema são

integradas no tempo de forma implícita [6]. Suponha que a equação governante seja

escrita como
3.2. O DESENVOLVIMENTO DO MODELO EM CFD 24

∂φ
= f (t, φ(t)) . (3.1)
∂t

Assim a integração na variável temporal em um passo ∆t resulta em

Z t+∆t
n+1 n
φ =φ + f (t, φ(t)) dt, (3.2)
t

onde φn+1 = φ(t + ∆t) e φn = φ(t). O método implícito signica aproximar a

Equação (3.2) pela expressão

φn+1 = φn + f t + ∆t, φn+1 ∆t.



(3.3)

Note que, na Equação (3.3), não é possível obter a solução em um ponto apenas,

sendo necessário um processo iterativo para encontrar a solução no instante de tempo

desejado. No modelo desenvolvido neste trabalho, o passo temporal selecionado é

igual a ∆t = 0, 01s, sendo o número de iterações internas para cada passo temporal

igual a 10. Desta forma, para uma simulação de 1s de tempo físico, são necessárias

1000 iterações.

Naturalmente, o modelo de escoamento selecionado é o euleriano, ou seja, as

propriedades físicas são descritas em relação a cada volume de controle do domínio

computacional denido anteriormente, juntamente com o modelo VOF [18], acrônimo

de Volume of Fluid, que permite a simulação mais simples de escoamentos multifásicos.

Com relação ao regime do escoamento, foi selecionado o regime de escoamento

turbulento, cujo modelo de turbulência é o K − , descrito no capítulo anterior, na

Seção 2.4.3.

Para uma embarcação em planeio, o simples fato de possuir uma velocidade não

nula inuencia na posição de equilíbrio. Como discutido no capítulo anterior, ao se

deslocar, a embarcação apresenta um afundamento e um ângulo de trim dinâmico,

resultante dos momentos e forças atuantes sobre o casco. Neste trabalho, foram

realizadas duas análises, ambas em águas salgadas: em águas calmas e na presença

de ondas frontais, para as velocidades de 35 e 40 nós. Para determinar tanto a


3.2. O DESENVOLVIMENTO DO MODELO EM CFD 25

posição de equilíbrio dinâmico, no caso da simulação em águas calmas, quanto o

comportamento dinâmico, na simulação em ondas, é necessário que o modelo permita

uma livre movimentação da lancha nos graus de liberdade de interesse.

O módulo DBFI (de Dynamic Body Fluid Interaction ) foi congurado para

permitir o movimento de heave e picth da embarcação, translação no eixo z e rotação


no eixo y, respectivamente, durante a simulação. Os demais graus de liberdade da

embarcação foram restringidos. A geometria é interpretada como um corpo rígido

e, no decorrer da simulação, o domínio se movimenta de acordo com a resposta da

lancha à simulação. Para a utilização deste módulo, é necessário informar a massa

da embarcação, a posição de seu centro de gravidade e a inércia em torno dos eixos

principais. A massa utilizada corresponde ao peso leve da embarcação somado ao

peso de um piloto e 10% de combustível. Como já citado anteriormente, o projeto

da lancha utilizada neste trabalho foi desenvolvido no Polo Náutico da UFRJ, e seus

valores de inércia em relação aos eixos principais já são conhecidos, sendo dados por

M = 1650 kg (3.4)

IXX = 788, 3 kg · m2 (3.5)

IY Y = 3249, 3 kg · m2 (3.6)

IZZ = 3249, 3 kg · m2 (3.7)

Para garantir menos oscilações no início da simulação, inicialmente a lancha

é mantida xa, com todos os seus graus de liberdade restringidos e, em seguida, a

magnitude dos efeitos de forças e momentos no casco vai sendo aumentada gradualmente.

O tempo em que a lancha é mantida xa é chamado de release time, enquanto

o tempo em que as forças vão sendo acionadas é chamado de ramp time. Nas

simulações realizadas, ambos assumiram valores iguais a 0,25 s, totalizando 0,5 s de

tempo físico até que a lancha esteja totalmente liberada para responder livremente

em pitch e heave.

Durante a simulação em águas calmas, foram analisadas as respostas em pitch e

heave da embarcação [4], assim como a resistência ao avanço durante o planeio. Na


3.2. O DESENVOLVIMENTO DO MODELO EM CFD 26

simulação de incidência de ondas, além destas variáveis, foram analisadas também

as acelerações vertical e angular em torno do eixo y. O modelo de ondas integrado ao

programa permite denir incidência de ondas, desde regulares até irregulares, além

de vento e correnteza. No modelo desenvolvido, foram utilizadas ondas regulares,

a
segundo a teoria de Stokes de 5 ordem de H = 0, 5m de altura e comprimento de

onda igual a L = 12m. Além disso, assumiu-se uma profundidade d = 15m, o que,

na prática, implica em uma simulação de águas profundas, pois d > 0, 5L [2, 10].

3.2.3 Malha

Para a realização das simulações, é necessário discretizar o domínio computacional

gerado em uma malha, e sua denição é essencial para a qualidade dos resultados.

O software StarCCM+ possui modelos integrados de geração de malhas poliédricas,

hexaédricas e tetraédricas. A malha utilizada nas simulações realizadas foi uma

malha hexaédrica, alinhada com o sistema de coordenadas e passível de renamento

onde desejado.

Algumas zonas de interesse foram mapeadas. Nessas zonas, espera-se que os

campos de velocidade e pressão variem mais intensamente de ponto a ponto. Desta

forma, foi realizado um renamento acarretando em volumes de controle menores,

de forma a captar a complexidade do escoamento nessas zonas. São elas:

• Entorno do casco, devido à interação com o uido. Uma área de especial

interesse foi o fundo embarcação, pois esta é responsável pelo planeio;

• Região da superfície livre do uido, pois é onde aparecem as ondas geradas

pelo casco ao se deslocar;

• Região da esteira da embarcação. Nesta região há o aparecimento da esteira

e ocorre o efeito transom, que é a formação de uma concavidade logo após

o espelho de popa, que se mantém seco durante o deslocamento em alta

velocidade;

• Região da proa, que é onde o casco de fato encontra o uido durante seu

deslocamento. Nesta região aparece a geração do spray.


3.2. O DESENVOLVIMENTO DO MODELO EM CFD 27

A Figura 3.4 ilustra a malha gerada na seção do plano diametral, assim como as

regiões onde houve o renamento.

Figura 3.4: Detalhe da malha em uma seção sobre o plano diametral da lancha.

Os valores apresentados nesta seção resultam de estudo de sensibilidade da malha

realizado previamente a este trabalho. As dimensões dos volumes de controle em

todas estas regiões encontra-se na Tabela 3.3. A dimensão de referência considerada

foi o comprimento de linha d'água na condição de equilíbrio, ou seja, 6,24 m.

Tabela 3.3: Dimensões da malha nas regiões do domínio.

Região Dimensão (m)

Global Base 6,24

Geral 0,624

Sup. Livre Próxima ao Casco 0,032 m

Domínio computacional Sup. Livre Média ao Casco 0,130 m

Sup. Livre Distante do Casco 0,260

Vertical 0,050

Entorno 0,0624 - 0,624


Casco
Proa 0,070

Os valores foram arbitrados em função da relevância esperada da região para

os resultados da simulação. O valor global da malha é equivalente a 10% do

comprimento de linha d'água da lancha na condição testada e em repouso. A


3.2. O DESENVOLVIMENTO DO MODELO EM CFD 28

superfície livre no entorno do casco foi dividida em três regiões: próxima, média

e distante, com as dimensões dos volumes de controle variando de 0,032 m a 0,26

m. Verticalmente, em todo o domínio da simulação, a superfície livre apresenta

resolução vertical de 0,050 m. Na região de proa da lancha, a dimensão dos volumes

de controle foi denida como 0,070 m, enquanto no entorno do casco a malha varia

de 0,0624 m a 0,624 m. A malha gerada possui 1.857.136 elementos. A Figura

3.5 fornece uma visão geral da malha sobre todo o domínio computacional, onde é

possível perceber as regiões de reno.

Figura 3.5: Visão geral da malha sobre o domínio computacional.

3.2.4 Condições de Contorno

O passo seguinte no desenvolvimento do modelo é o estabelecimento de condições

de contorno. Elas denem como o programa aborda o escoamento e interpreta a

geometria. A Figura 3.6 ilustra estas regiões.

Inlets . Representam superfícies de entrada do escoamento. Os parâmetros

iniciais do campo de velocidades são denidos nestas superfícies. No domínio

de controle denido, as superfícies anterior, de fundo, de topo e lateral foram

denidas como inlets. Entretanto, devido às denições de direção propagação


3.2. O DESENVOLVIMENTO DO MODELO EM CFD 29

das ondas e deslocamento da embarcação, as superfícies de fundo, de topo e

lateral apenas realizam o escoamento bidimensional do uido

Outlets . São as superfícies de saída do escoamento, e funcionam como um

escape de pressões, como da onda incidente ou do escoamento do uido. No

domínio de controle denido, a superfície posterior é denida como outlet.

Symmetry . Representa um plano de simetria. Superfícies de simetria são

utilizadas para denir regiões que não devem afetar o escoamento. Nelas, por

exemplo, o programa assume que as tensões cisalhantes são nulas. Através da

denição destas superfícies, é possível aproveitar as simetrias envolvidas no

problema e reduzir o domínio, de forma a reduzir o esforço computacional. No

modelo desenvolvido, a superfície que contém o plano diametral é denida no

software como uma superfície de simetria, e todos os resultados obtidos são

simétricos em relação a este plano. Um detalhe a se salientar é que, como foi

simulado o escoamento de metade do casco, apenas, os resultados de resistência

ao avanço devem ser multiplicados por 2.

Wall . Representa uma superfície física no escoamento, na qual há interação

da parede com o uido. Nela, vale a condição de não-escorregamento, ou seja,

as velocidades do uido perpendiculares à superfície são nulas e as velocidades

tangenciais do uido são iguais à velocidade da própria superfície. A superfície

do casco é denida como uma superfície deste tipo.


3.2. O DESENVOLVIMENTO DO MODELO EM CFD 30

Figura 3.6: Visão das regiões de contorno do modelo.

3.2.5 Pós-processamento

Após todos os parâmetros serem denidos, é necessário informar ao programa

as grandezas a serem monitoradas e medidas durante a execução. No modelo

desenvolvido neste trabalho, foram selecionadas para a simulação em águas calmas as

seguintes grandezas: posição vertical (heave), angulação em torno do eixo Y (pitch)

e resistência total ao avanço (lembrando que os valores obtidos correspondem à

metade do casco), além da distribuição de pressão no fundo do casco e elevação

da superfície livre da água. Para a simulação em ondas, além destas quantidades

também foram monitoradas as acelerações verticais e angulares em torno do eixo Y.

A apresentação destes resultados e sua análise encontra-se no Capítulo 4.

3.2.6 Resumo dos Parâmetros

Nesta seção é apresentado um sumário dos parâmetros da simulação. O passo de

tempo utilizado foi de 0,01 s, com 10 iterações para cada passo. Em outras palavras,

a cada 10 iterações é completado um passo de tempo igual a 0,01 s. O tempo total

simulado foi de 20 s, sendo 10 s em águas calmas seguido por 10 s em ondas. A

Tabela 3.4 apresenta um resumo dos parâmetros do modelo discutidos acima.


3.2. O DESENVOLVIMENTO DO MODELO EM CFD 31

Tabela 3.4: Resumo dos parâmetros utilizados nas simulações.

Comprimento de onda 12 m

Profundidade 15 m

Velocidades simuladas 35 e 40 nós

Passo de tempo 0,01 s

Iterações internas 10

Liberação do modelo Após 0,5 s

Liberdade de translação Eixo Z

Liberdade de rotação Eixo Y

Tempo de simulação em águas calmas 10 s

Tempo de simulação em ondas 10 s

Tempo total de simulação 20 s


Capítulo 4

Resultados

Neste capitulo estão reunidos os resultados obtidos com as simulações do escoamento

ao redor do casco. Como já foi citado, foram realizadas 4 simulações, a saber:

águas calmas, com velocidades de 35 e 40 nós, e sob incidência de ondas, com

velocidades de 35 e 40 nós. Estes valores foram selecionados devido a serem possíveis

velocidades máximas de deslocamento para a lancha em consideração. A malha

gerada no modelo possui 1.857.136 elementos, e as simulações levaram ao todo,

aproximadamente, 14 dias para serem realizadas em um Intel Core i7 6500U, 2.59GHz,

com 16GB de RAM. As Figuras 4.1 e 4.2 ilustram o modelo durante as simulações

em águas calmas e na presença de ondas, respectivamente. Aqui vale ressaltar

novamente que o modelo desenvolvido e seus resultados são um primeiro passo no

estudo do comportamento desta embarcação, podendo servir de guia para decisões

em seu projeto. Na Seção 4.1 os resultados serão apresentados, enquanto na Seção

4.2 será feita uma análise acerca deles.


33

Figura 4.1: Ilustração do modelo durante a simulação em águas calmas.

Figura 4.2: Ilustração do modelo durante a simulação na presença de ondas.


4.1. APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS 34

4.1 Apresentação dos Resultados

4.1.1 Águas calmas a 35 nós

Nesta seção são apresentados os resultados para a simulação realizada para águas

calmas com velocidade de deslocamento igual a 35 nós. Para os resultados em heave,


pitch e de resistência ao avanço, após as guras se encontram o valor médio e seu

respectivo desvio padrão.

i) Heave

Figura 4.3: Heave, para velocidade de 35 nós em águas calmas.

Valor médio = −0, 046 m

Desvio padrão = 0, 020 m


4.1. APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS 35

ii) Pitch

Figura 4.4: Pitch, para velocidade de 35 nós em águas calmas.

Valor médio = 1, 685 deg

Desvio padrão = 0, 469 deg

iii) Resistência ao avanço

Figura 4.5: Resistência ao avanço de metade do casco, em águas calmas a 35 nós.


4.1. APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS 36

Os valores abaixo representam a resistência total ao avanço, o seja, já levam

em consideração os 2 bordos do casco.

Valor médio = 3139, 916 N

Desvio padrão = 467, 557 N

iv) Pressão no casco

Figura 4.6: Distribuição da pressão exercida sobre o casco, em águas calmas a 35

nós.
4.1. APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS 37

v) Interface ar-água

Figura 4.7: Interface ar-água durante o planeio, em águas calmas a 35 nós.

vi) Elevação da superfície livre

Figura 4.8: Elevação da superfície livre, em águas calmas a 35 nós.

4.1.2 Águas calmas a 40 nós

Nesta seção são apresentados os resultados para a simulação realizada para

águas calmas com velocidade de deslocamento igual a 40 nós. Novamente, para os


4.1. APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS 38

resultados em heave, pitch e de resistência ao avanço, após as guras se encontram

o valor médio e seu respectivo desvio padrão.

i) Heave

Figura 4.9: Heave, para velocidade de 40 nós em águas calmas.

Valor médio = −0, 041 m

Desvio padrão = 0, 005 m


4.1. APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS 39

ii) Pitch

Figura 4.10: Pitch, para velocidade de 40 nós em águas calmas.

Valor médio = 2, 140 deg

Desvio padrão = 0, 106 deg

iii) Resistência ao avanço

Figura 4.11: Resistência ao avanço de metade do casco, em águas calmas a 40 nós.


4.1. APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS 40

Novamente, os valores abaixo exprimem a resistência total, ou seja, já levam

em consideração os 2 bordos do casco.

Valor médio = 3224, 424 N

Desvio padrão = 109, 205 N

iv) Pressão no casco

Figura 4.12: Distribuição da pressão no casco, em águas calmas a 40 nós.


4.1. APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS 41

v) Interface ar-água

Figura 4.13: Interface ar-água durante o planeio, em águas calmas a 40 nós.

vi) Elevação da superfície livre

Figura 4.14: Elevação da superfície livre, em águas calmas a 40 nós.


4.1. APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS 42

4.1.3 Deslocamento em ondas a 35 nós

Nesta seção são apresentados os resultados da simulação realizada para o deslocamento

sob incidência de ondas frontais com velocidade de deslocamento igual a 35 nós.

Diferentemente do caso de águas calmas, devido à incidência de ondas, não há de

fato uma posição de equilíbrio dinâmico. A resposta da embarcação às ondas faz

com que haja uma variação no heave, pitch e resistência ao avanço durante toda a

simulação. Desta forma, são apresentados a seguir os grácos que representam a

evolução temporal de heave, pitch e resistência ao avanço, além das acelerações

vertical e angular em torno do eixo Y. Em seguida, são apresentadas imagens

ilustrando a evolução temporal da distribuição de pressão sobre o casco, elevação da

superfície livre e do perl da embarcação sobre a água.

i) Heave

Figura 4.15: Heave, para velocidade de 35 nós sob incidência de ondas.


4.1. APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS 43

ii) Pitch

Figura 4.16: Pitch, para velocidade de 35 nós sob incidência de ondas.

iii) Resistência ao avanço

Figura 4.17: Resistência ao avanço de metade do casco, sob incidência de ondas a

35 nós.

Os valores abaixo exprimem a resistência total, ou seja, já levam em consideração


4.1. APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS 44

os 2 bordos do casco.

Valor médio = 4978, 485 N

Desvio padrão = 3082, 52 N

iv) Aceleração vertical

Figura 4.18: Aceleração vertical do centro de massa, para velocidade de 35 nós sob

incidência de ondas.
4.1. APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS 45

v) Aceleração angular

Figura 4.19: Aceleração angular, para velocidade de 35 nós sob incidência de ondas.

vi) Pressão no casco

A Figura 4.20 ilustra a distribuição de pressão sobre o casco entre os instantes

t = 10, 0 s e t = 11, 5 s. Nesta sequência de imagens, nota-se a redução de

pressão sobre o casco ao longo do tempo, indicando que o casco está saindo da

água, ao encontrar a primeira crista da onda incidente. De fato, esta situação

pode ser observada nas Figuras 4.21 e 4.22.

vii) Interface ar-água

A Figura 4.21 ilustra a evolução do casco durante o planeio entre os instantes

de tempo t = 10, 0 s e t = 11, 5 s. Nesta sequência de imagens mostrando a

interface ar-água, verica-se que o casco está saindo da água devido à sua

resposta às ondas, justicando a Figura 4.20, onde pode ser notada uma

redução da pressão sobre o casco.

viii) Elevação da superfície livre

A Figura 4.22 mostra a elevação da superfície livre entre os instantes de tempo

t = 10, 0 s e t = 11, 5 s. Nesta sequência de imagens, nota-se que a redução


4.1. APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS 46

Figura 4.20: Distribuição da pressão no casco, sob incidência de ondas a 35 nós.


4.1. APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS 47

Figura 4.21: Evolução do casco durante o planeio, sob incidência de ondas a 35 nós.
4.1. APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS 48

da pressão do casco ilustrada na Figura 4.20 se deve à sua resposta às ondas,

mais especicamente à primeira crista incidente.


4.1. APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS 49

Figura 4.22: Elevação da superfície livre, sob incidência de ondas a 35 nós.


4.1. APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS 50

4.1.4 Deslocamento em ondas a 40 nós

Nesta seção são apresentados os resultados da simulação realizada para o deslocamento

sob incidência de ondas frontais com velocidade de deslocamento igual a 40 nós.

Novamente, vale ressaltar que, diferentemente do caso de águas calmas, devido à

incidência de ondas, não há de fato uma posição de equilíbrio dinâmico. A resposta

da embarcação às ondas faz com que haja uma variação no heave, pitch e resistência
ao avanço durante toda a simulação. Portanto, da mesma forma que na seção

anterior, são apresentados a seguir os grácos que representam a evolução temporal

de heave, pitch e resistência ao avanço, além das acelerações vertical e angular

em torno do eixo Y. Em seguida, são apresentadas imagens ilustrando a evolução

temporal da distribuição de pressão sobre o casco, elevação da superfície livre e do

perl da embarcação sobre a água.

i) Heave

Figura 4.23: Heave, para velocidade de 40 nós sob incidência de ondas.


4.1. APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS 51

ii) Pitch

Figura 4.24: Pitch, para velocidade de 40 nós sob incidência de ondas.

iii) Resistência ao avanço

Figura 4.25: Resistência ao avanço de metade do casco, sob incidência de ondas a

40 nós.
4.1. APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS 52

Novamente, os valores abaixo exprimem a resistência total média durante a

simulação, ou seja, já levam em consideração os 2 bordos do casco.

Valor médio = 5045, 072 N

Desvio padrão = 3171, 931 N

iv) Aceleração vertical

Figura 4.26: Aceleração vertical do centro de massa, para velocidade de 40 nós sob

incidência de ondas.
4.1. APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS 53

v) Aceleração angular

Figura 4.27: Aceleração angular, para velocidade de 40 nós sob incidência de ondas.

vi) Pressão no casco

A Figura 4.28 ilustra a distribuição de pressão sobre o casco entre os instantes

t = 12, 80 s e t = 12, 89 s. Nesta sequência de imagens, nota-se o aumento de

pressão sobre o casco ao longo do tempo, de vante para ré, indicando que o

casco está entrando na água, ao encontrar uma crista da onda incidente. De

fato, esta situação pode ser observada nas Figuras 4.29 e 4.30.

vii) Interface ar-água

A Figura 4.29 ilustra a evolução do casco durante o planeio entre os instantes

de tempo t = 12, 80 s e t = 12, 89 s. Nesta sequência de imagens mostrando

a interface ar-água, verica-se que o casco está entrando na água devido à

sua resposta às ondas, justicando a Figura 4.28, onde pode ser notado um

aumento da pressão sobre o casco.


4.1. APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS 54

Figura 4.28: Distribuição da pressão no casco, sob incidência de ondas a 40 nós.


4.1. APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS 55

Figura 4.29: Evolução do casco durante o planeio, sob incidência de ondas a 40 nós.
4.1. APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS 56

viii) Elevação da superfície livre

A Figura 4.30 mostra a elevação da superfície livre entre os instantes de tempo

t = 12, 80 s e t = 12, 89 s. Nesta sequência de imagens, nota-se que o aumento

da pressão do casco ilustrado na Figura 4.28 se deve à sua resposta às ondas,

mais especicamente ao encontro do casco com uma crista incidente.


4.1. APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS 57

Figura 4.30: Elevação da superfície livre, sob incidência de ondas a 40 nós.


4.2. ANÁLISE DOS RESULTADOS 58

4.2 Análise dos Resultados

4.2.1 Águas calmas

Como dito no início deste trabalho, o modelo deve representar adequadamente a

física envolvida nos fenômenos. Como pode ser visto nas Figuras 4.8 e 4.14 geradas

a partir das simulações em águas calmas, a superfície livre da água não apresenta

perturbações, com exceção da formação da esteira à ré da embarcação, que possui

forma e dimensões condizentes com o esperado. Além disso, é possível notar o

aparecimento do efeito transom, que também pode ser notado nas imagens que

mostram a interface ar-água, 4.7 e 4.7.

Para a velocidade de 35 nós, o valor médio de afundamento da embarcação

é igual a 4, 6 cm, enquanto o ângulo médio de trim dinâmico é igual a 1, 685o .


Como a simulação foi realizada com apenas um bordo da lancha (o outro bordo

tem comportamento simétrico) de forma a economizar esforço computacional, o

valor da resistência nos grácos deve ser multiplicado por dois para que seja obtida

a resistência total. A resistência ao avanço média obtida (já considerando os dois

bordos da lancha) é igual a 3139, 916N .

É possível comparar os resultados obtidos para o trim dinâmico e resistência ao

avanço com resultados obtidos pelo método de Savitsky. Para esta comparação, foi

utilizado o software Maxsurf Resistance. Para a velocidade de 35 nós, o valor de

trim dinâmico obtido pelo método foi de 2, 189o e a resistência ao avanço foi de

3678, 109 N . Apesar de haver uma discrepância em relação aos valores obtidos via

CFD, em torno de 30% para o trim dinâmico e de 17% para a resistência ao avanço,

os valores obtidos pelo método empírico de Savitsky e via CFD possuem a mesma

ordem de grandeza. Vale ressaltar também que o método de Savitsky fornece seus

resultados por meio de uma aproximação do casco para uma geometria simplicada,

com seção constante. Desta forma, não é levada em conta toda a complexidade do

casco utilizado neste trabalho, como o desenvolvimento das quinas e variação do

deadrise, por exemplo.

Ainda para a simulação em 35 nós, observam-se oscilações em heave, pitch e


4.2. ANÁLISE DOS RESULTADOS 59

na resistência ao avanço, cujas amplitudes não decrescem com o tempo simulado.

Estas oscilações, presentes nas Figuras 4.3, 4.3 e 4.5, sugerem que a lancha está em

porpoising.

O fenômeno de porpoising pode ser caracterizado por oscilações em pitch e heave


que podem ocorrer quando uma embarcação está em planeio sobre águas calmas.

Para uma embarcação em planeio, conforme a velocidade de avanço aumenta, o

centro de sustentação no casco se desloca para ré, com a redução da superfície

molhada do casco. Caso o centro de gravidade se encontre muito à vante, o centro

de sustentação pode recuar à uma posição à ré deste, causando um movimento de

pitch para baixo. Com esse movimento, a superfície molhada aumenta e o centro

de sustentação do casco se move novamente para vante, reiniciando o ciclo. Muitas

vezes, a amplitude de tais oscilações pode se manter pequena e estável. Porém, em

algumas situações, esta amplitude pode ser crescente até o ponto de ser danosa à

estrutura da embarcação. Além disso, dependendo da intensidade da instabilidade,

pode ocorrer, ainda, a imersão da proa do barco.

Para a velocidade de 40 nós, a partir da Figura 4.9 é possível notar que o

afundamento característico do regime de planeio ocorre, e as amplitudes das oscilações

presentes no gráco decrescem com o tempo físico simulado, e o resultado converge

para o valor médio de −4, 1 cm. Nota-se uma redução no valor médio de afundamento

em relação à simulação em 35 nós. Esta redução é esperada pois, com o aumento

da velocidade, a superfície molhada necessária para a sustentação da embarcação se

reduz, reduzindo também o afundamento.

De forma análoga, para o trim dinâmico, é possível observar do gráco para pitch,
4.14, que as amplitudes das oscilações se reduzem, de forma que com o aumento do

tempo físico simulado o trim converge para o valores médio, 2, 140o . O mesmo

ocorre com a resistência ao avanço. Novamente, as amplitudes das oscilações se

reduzem com o tempo e a resistência ao avanço converge para o valor médio. A

resistência total (já considerando os dois bordos do casco) é igual a 3224, 424 N
para 40 nós. Vale ressaltar que, como esperado, a resistência total ao avanço cresce

com o aumento da velocidade.


4.2. ANÁLISE DOS RESULTADOS 60

Novamente, é possível comparar os resultados obtidos para o trim dinâmico e

resistência ao avanço com resultados obtidos pelo método de Savitsky. Os valores

obtidos pelo método empírico de Savitsky foram de 1, 849o para o trim dinâmico

e de 4440, 995 N . Analogamente à simulação anterior, há uma discrepância de,

aproximadamente, 14% para o trim dinâmico e de 38% para a resistência ao avanço.

Novamente, os valores obtidos pelo método empírico de Savitsky e via CFD possuem

a mesma ordem de grandeza.

Um detalhe importante a se ressaltar é que é possível observar picos acentuados

em certos instantes de tempo nos grácos para resistência ao avanço, como no

instante t ∼
= 7s, para 35 nós, por exemplo. Estas distorções do comportamento

predominante da resistência ao avanço se devem a variações numéricas que ocorrem

quando a simulação é pausada e reiniciada, o que, infelizmente, foi inevitável.

Entretanto, estas alterações não foram consideradas no cálculo dos valores médios.

4.2.2 Incidência de ondas

Nas simulações com incidências de ondas também foram monitorados os movimentos

de heave e pitch, assim como a resistência ao avanço, assim como as acelerações

vertical e angular em torno do eixo Y da embarcação.

Das Figuras 4.15 e 4.23 observa-se uma oscilação bem mais pronunciada na

posição vertical do centro de gravidade da embarcação. Vale ressaltar que, em

contraste com a situação de águas calmas, o movimento de heave não converge para

um valor de equilíbrio, devido à presença das ondas. O comprimento das ondas

incidentes é da mesma ordem do dobro do comprimento da lancha, condição que

justica o movimento de heave mais intenso, onde a embarcação chega a sair da

água em alguns máximos.

De forma análoga, para o pitch, observa-se das Figuras 4.4 e 4.14, que as amplitudes
das oscilações são bem maiores em comparação à simulação de águas calmas. Os

máximos correspondem a momentos onde a lancha sobe na onda, enquanto os

mínimos correspondem ao impacto da lancha nos cavados das ondas incidentes.


4.2. ANÁLISE DOS RESULTADOS 61

Das Figuras 4.17 e 4.25, é possível observar uma oscilação mais irregular nos

valores de resistência ao avanço. Os valores máximos correspondem a momentos

em que a embarcação colide com a onda incidente, ou seja, quando os valores

de afundamento são mínimos. Por outro lado, os valores mínimos se referem a

momentos em que a embarcação sai da água, ou seja, quando os valores de afundamento

são máximos. Essa correspondência pode ser observada nas Figuras 4.31 e 4.32.

Figura 4.31: Relação entre heave e resistência ao avanço para 35 nós.


4.2. ANÁLISE DOS RESULTADOS 62

Figura 4.32: Relação entre heave e resistência ao avanço para 40 nós.

É possível observar das Figuras 4.19, 4.27, 4.18 e 4.26 que a embarcação se

submete a grandes acelerações durante o seu deslocamento em ondas, atingindo

valores próximos a 4g. Estes valores bastante elevados se devem a impactos sofridos

sobre as ondas ( slamming ). Ao comparar estes valores com estudos de outras

embarcações similares, é possível ver que a ordem de grandeza dos picos de aceleração

são condizentes com os dados obtidos experimentalmente. A Figura 4.33, extraída

da Referência [8], mostra os picos de aceleração vertical medidos em uma lancha

de uso militar se movendo em ondas de estado de mar 2 (altura de ondas variando

entre 0,1 m e 0,5 m).


4.2. ANÁLISE DOS RESULTADOS 63

Figura 4.33: Picos de aceleração em embarcação de uso militar se movendo a 40 nós.

De forma análoga ao caso de águas calmas, é possível observar picos acentuados

em certos instantes de tempo, tanto nos grácos para resistência ao avanço quanto

para os gráos das acelerações. Novamente, estas distorções do comportamento

destes grácos se devem a variações numéricas que ocorrem quando a simulação é

pausada e reiniciada, o que foi inevitável. Porém, vale ressaltar novamente que estas

alterações não modicam as características das respostas às ondas, e é possível dizer

que os resultados obtidos são corretos do ponto de vista qualitativo.

Nas imagens referentes às ondas sobre a superfície livre, 4.22 e 4.30, é possível

notar a formação da esteira à ré do casco, e como ela é afetada pela interação com

as cristas e cavados da onda incidente.


Capítulo 5

Conclusões e Perspectivas

A Fluidodinâmica Computacional é uma ferramenta bastante conável e comparativamente

econômica na análise de escoamentos ao redor de cascos, desde que bem aplicada. O

modelo desenvolvido em CFD deve ser capaz de representar bem os fenômenos físicos

envolvidos, de forma que os resultados das simulações sejam conáveis e representem

a realidade de forma adequada.

Ao longo deste projeto nal, buscou-se desenvolver um modelo que fosse capaz

de representar a física envolvida no problema e fornecer resultados condizentes com

o esperado. O modelo de casco utilizado foi gerado previamente pela equipe do

Polo Náutico da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Entretanto, o modelo

computacional em si foi desenvolvido neste projeto, desde a denição do domínio,

passando pela geração e renamento da malha em áreas de especial interesse, culminando

na sua utilização para determinar uma estimativa do equilíbrio dinâmico, resistência

ao avanço e comportamento em ondas da lancha.

Os resultados foram capazes de representar os fenômenos de afundamento, trim

dinâmico, efeito transom, resposta às ondas e distribuição de pressão sobre os casco

de forma coerente. Diante deste cenário, é possível concluir que o objetivo proposto

foi alcançado.

Entretanto, algumas questões ainda merecem ser investigadas em trabalhos futuros.

No caso da simulação em águas calmas, para uma velocidade de 35 nós, as oscilações


65

indicam que a lancha está em porpoising nesta velocidade. Seria interessante, desta

forma, variar a posição longitudinal do centro de gravidade e analisar sua inuência

sobre o fenômeno oscilatório.

Outra hipótese é que as oscilações possam ter origem numérica, relacionadas à

estrutura da simulação, e possam estar ligadas a:

Dimensão do domínio: Pode haver interferência na região da esteira da

embarcação, ou ainda reexão de ondas nas paredes. Neste caso, seria necessário

aumentar as dimensões do domínio computacional;

Resolução da malha: Pode ser necessário aumentar a resolução sobre a

superfície livre, casco e na região da esteira, de forma a captar mais precisamente

as variações dos campos de velocidade e pressão nestas regiões. Esta medida,

porém, teria como revés um aumento da capacidade de processamento necessária

pra executar as simulações;

Redução do passo de tempo e aumento do ramp time : A variação dos

campos de velocidades e pressões na condição de planeio e bastante intensa

nas imediações do casco. Desta forma, pode ser necessária a redução do passo

de tempo, de forma a reduzir os erros numéricos, assim como o aumento do

ramp time ;

Posição inicial da embarcação: Foi utilizada como posição inicial da embarcação

a posição de equilíbrio hidrostático nas condições mínimas de carregamento.

Desta forma, a convergência para a posição de equilíbrio hidrodinâmico é mais

demorada, pois há uma variação maior das forças e momentos agindo sobre

o casco ao longo do tempo. Quanto mais a embarcação se move até achar

sua posição de equilíbrio, mais a malha se deforma, acarretando em maiores

erros numéricos. Uma medida que pode ser tomada em trabalhos futuros, é

conrmar a posição de equilíbrio dinâmico da lancha utilizando como posição

inicial os resultados médios de afundamento e trim obtidos nas simulação deste

projeto.
66

Para as simulações em 40 nós, apesar de ser possível observar a existência de

uma posição de equilíbrio, o tempo simulado não foi suciente para atingí-la de

fato. Entretanto, devido à limitação de tempo disponível para a realização deste

trabalho, foi inviável a realização de tempos mais longos. Espera-se que com o

aumento do tempo simulado a situação de equilíbrio dinâmico seja atingida de fato.

Além destas medidas, trabalhos futuros podem incluir outras condições de carregamento

além da condição testada, representando a operação da lancha. Além disso, podem

ser simuladas outras faixas de velocidades e outros espectros de ondas, analisando a

resposta da embarcação às ondas incidentes para as diversas condições de carregamento,

além da construção de curvas de resistência ao avanço em função da velocidade. A

partir daí, será possível estimar a potência requerida para a operação da lancha.

O foco deste trabalho foi iniciar a construção de um modelo computacional,

que futuramente será aprimorado, fornecendo resultados mais precisos e conáveis.

Desta forma, servirá de base para trabalhos futuros, onde será possível utilizá-lo

com diferentes geometrias de cascos de planeio, até mesmo permitindo variação de

parâmetros para otimização da forma.


Referências

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pub/Main/TimCraftNotes_All_Access/cfd1-pt7.pdf, [s.d.]. Acesso em:

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REFERÊNCIAS 68

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Waves and Controlability, 2. ed. Jersey City: The Society of Naval Architects

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Marine Sci. Appl. 11, 2 (2012), 1781833.

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Journal of Hydrodynamics 22, 5 (2010), 468475.

[17] SUN, H.; FALTINSEN, O. M. Dynamic motions of planing waves in head

seas. J. Mar. Sci. Technol. 16, 2 (2011), 168180.

[18] WIRT, C. W.; NICHOLS, B. D. Volume of uid (vof ) method for the

dynamics of free boundaries. Journal of Computational Physics 39, 1 (1981),

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