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Universidade de Brasília
Departamento de Filosofia
Aluno – Carlos Eduardo Silva Barbedo.
Matrícula – 12/0190877.
Professora – Gabriela Lafetá Borges.
Disciplina – Filosofia Francesa Contemporânea.
Texto – Extraído do livro “Gramatologia”, de Derrida (Editora Perspectiva).
Gramatologia
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A piedade concebida como uma virtude natural, segundo Rousseau, está
presente, inclusive, nas animálias. E constitui um impulso tão puro, tão estreitamente
relacionado à vida, que nem mesmo as intenções mais depravadas conseguem
corromper. A piedade, dentro do contexto da natureza, ocupa o lugar da lei. Consiste em
um instinto fundamental para a preservação das espécies, é o impulso intuitivo que
conduz o ser vivo – racional ou não – a socorrer o seu semelhante que está doente ou em
perigo.
Metaforicamente, ela também é comparada com as relações entre a mãe e o
filho, assim como entre a vida e a morte, constituindo uma doce voz que a tudo dirige –
uma voz que traduz o sussurro da virtude e da boa paixão. Trata-se de uma escritura que
nasce do íntimo do coração à qual Rousseau contrapõe a escritura que é composta pela
racionalidade – a lei instituída.
A piedade e a lei instituída, em Rousseau, exercem uma relação de
suplementaridade, na medida em que a autoridade da lei não-maternal, elaborada pela
razão, somente tem sentido quando afinada com a lei natural, essencialmente amorosa –
a doce voz implantada por Deus no coração dos homens.
A paixão absolutamente primitiva é o amor de si – um conceito que Rousseau
distingue do que se denomina amor próprio, que seria a sua forma corrompida. O amor
de si é a fonte primária, a origem da qual se desdobram todas as demais paixões, sendo
a piedade o seu primeiro desdobramento.
A piedade, embora seja a primeira derivação do amor de si, e se faça manifesta
anteriormente à razão, também tem a possibilidade de desempenhar o papel de suplente.
Isso pode ocorrer nas manifestações culturais, nas expressões artísticas, em que ela
constitui o objeto de reflexão e vivência.
Rousseau considera que a imaginação é o atributo inerente ao homem sem o
qual a piedade permaneceria inativa em seu coração. Essa competência que também
compõe o impulso criativo dos artistas é, para o Pensador Suíço, muito diferente da
capacidade de raciocinar, e constitui a força condutora da manifestação da piedade.
A imaginação, em Rousseau, é a competência que define a possibilidade de
progresso, que abre espaço para a perfectibilidade e que dá origem às perspectivas
históricas. Ela se destaca da razão como atributo exclusivamente humano, que
diferencia o homem dos outros animais.
Rousseau defende que todo animal tem ideias, na medida em que tem sentidos
e que pode relacionar as impressões por eles colhidas. Defende que alguns filósofos, em
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relação a esse assunto, chegam ao ponto de afirmar que pode existir mais diferença
entre um e outro homem do que entre um determinado homem e uma besta.
Não é, portanto, o entendimento que estabelece essa distinção entre os seres,
mas as suas respectivas capacidades de usar a imaginação, essa a condição fundamental
para que haja a perfectibilidade e, portanto, a liberdade.
Nesse sentido, a imaginação não é somente a condição da perfectibilidade –
que traduz a liberdade – mas, também, constitui um fator sem o qual a piedade não tem
o seu despertar e não se faz presente na ordem humana.
A razão, por conseguinte, que equivale a uma faculdade calculadora, a uma
função do interesse e da necessidade, não é a origem da linguagem. Esta nasce da
imaginação que suscita o sentimento ou a paixão, e que é o elemento que distingue o
homem dos outros animais.
Rousseau destaca que a diferença entre o desejo humano e a necessidade
animal, entre a relação com a mulher e a relação com a fêmea, é o temor da morte. A
imaginação pertence à mesma cadeia de significações que a antecipação da morte. A
imaginação é o poder, para a vida, de afetar-se a si mesma de sua própria re-
presentação. A imaginação, a liberdade, a fala pertence, portanto, à mesma estrutura que
a relação com a morte.
A imaginação, por outro lado, também se perverte a si mesma, na medida em
que desperta a faculdade visual, mas logo a transgride. Dá à luz a potência que se
reservava, mas ao mostrar-lhe o seu além, ela lhe significa a sua impotência. Ela anima
a faculdade de gozar, mas ela inscreve uma diferença entre o desejo e a potência.
Assim, a ética, em Rousseau, o caminho da verdadeira felicidade, consiste em
diminuir o excesso dos desejos sobre as faculdades. Ele acredita que o temor e a
fraqueza sejam as fontes da crueldade. A disposição para fazer o mal encontra seu
recurso na representação ilusória do mal que o outro parece disposto a me fazer. O
animal está pronto para fazer aos outros todo o mal que temia deles.
Referência Bibliográfica
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