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Brasília, 21 de fevereiro de 2021.

Universidade de Brasília
Departamento de Filosofia
Aluno – Carlos Eduardo Silva Barbedo.
Matrícula – 12/0190877.
Professora – Gabriela Lafetá Borges.
Disciplina – Filosofia Francesa Contemporânea.
Texto – Extraído do livro “Gramatologia”, de Derrida (Editora Perspectiva).

Gramatologia

Jacques Derrida, em seu livro “Gramatologia” (pág. 210), ao desenvolver uma


análise comparativa entre as interpretações de R. Deathé e J. Starobinski – dois
comentadores da obra de Jean-Jacques Rousseau intitulada “Essai sur logique des
langues” – destaca um determinado trecho, pertencente ao capítulo IX “Formação das
línguas meridionais”, em que os pesquisadores apresentam leituras que se distanciam
entre si.
Segundo Derrida, não seria correto se dizer que Deathé e Starobinski tenham
chegado ao extremo de apresentar opiniões diametralmente opostas em relação a
Rousseau. Mas o autor afiança que eles, de fato, se separam ao relacionar aquele ponto
do “Essai” com o que está presente no “Segundo Discurso”, também da autoria do
Pensador Suíço. E que esse atrito clarifica um conceito que considera importante em
Rousseau: a piedade.
Dentro desse exame, Derrida sublinha que Deathé demonstra considerar a
existência de uma linearidade entre o que está estabelecido por Rousseau nas suas obras,
bem como com o que consta do seu “Discurso sobre a desigualdade”.
Mas, na visão de Starobinski, existe uma evolução entre o “Segundo Discurso”
e o “Essai”. Afinal, no primeiro desses dois livros, a ideia de piedade traduz uma
virtude natural que precede o uso da reflexão – um atributo que é intrínseco ao homem e
que, portanto, é universal. E, no “Essai”, por outro lado, Rousseau defende que a
piedade precisa ser despertada e considerada pelo juízo.
Ocorre que as duas obras fazem alusão a dimensões distintas da experiência
humana: 1) aquela que é absolutamente natural (Segundo Discurso); e 2) aquela que é
regulada pelo contrato (Essai).

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A piedade concebida como uma virtude natural, segundo Rousseau, está
presente, inclusive, nas animálias. E constitui um impulso tão puro, tão estreitamente
relacionado à vida, que nem mesmo as intenções mais depravadas conseguem
corromper. A piedade, dentro do contexto da natureza, ocupa o lugar da lei. Consiste em
um instinto fundamental para a preservação das espécies, é o impulso intuitivo que
conduz o ser vivo – racional ou não – a socorrer o seu semelhante que está doente ou em
perigo.
Metaforicamente, ela também é comparada com as relações entre a mãe e o
filho, assim como entre a vida e a morte, constituindo uma doce voz que a tudo dirige –
uma voz que traduz o sussurro da virtude e da boa paixão. Trata-se de uma escritura que
nasce do íntimo do coração à qual Rousseau contrapõe a escritura que é composta pela
racionalidade – a lei instituída.
A piedade e a lei instituída, em Rousseau, exercem uma relação de
suplementaridade, na medida em que a autoridade da lei não-maternal, elaborada pela
razão, somente tem sentido quando afinada com a lei natural, essencialmente amorosa –
a doce voz implantada por Deus no coração dos homens.
A paixão absolutamente primitiva é o amor de si – um conceito que Rousseau
distingue do que se denomina amor próprio, que seria a sua forma corrompida. O amor
de si é a fonte primária, a origem da qual se desdobram todas as demais paixões, sendo
a piedade o seu primeiro desdobramento.
A piedade, embora seja a primeira derivação do amor de si, e se faça manifesta
anteriormente à razão, também tem a possibilidade de desempenhar o papel de suplente.
Isso pode ocorrer nas manifestações culturais, nas expressões artísticas, em que ela
constitui o objeto de reflexão e vivência.
Rousseau considera que a imaginação é o atributo inerente ao homem sem o
qual a piedade permaneceria inativa em seu coração. Essa competência que também
compõe o impulso criativo dos artistas é, para o Pensador Suíço, muito diferente da
capacidade de raciocinar, e constitui a força condutora da manifestação da piedade.
A imaginação, em Rousseau, é a competência que define a possibilidade de
progresso, que abre espaço para a perfectibilidade e que dá origem às perspectivas
históricas. Ela se destaca da razão como atributo exclusivamente humano, que
diferencia o homem dos outros animais.
Rousseau defende que todo animal tem ideias, na medida em que tem sentidos
e que pode relacionar as impressões por eles colhidas. Defende que alguns filósofos, em

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relação a esse assunto, chegam ao ponto de afirmar que pode existir mais diferença
entre um e outro homem do que entre um determinado homem e uma besta.
Não é, portanto, o entendimento que estabelece essa distinção entre os seres,
mas as suas respectivas capacidades de usar a imaginação, essa a condição fundamental
para que haja a perfectibilidade e, portanto, a liberdade.
Nesse sentido, a imaginação não é somente a condição da perfectibilidade –
que traduz a liberdade – mas, também, constitui um fator sem o qual a piedade não tem
o seu despertar e não se faz presente na ordem humana.
A razão, por conseguinte, que equivale a uma faculdade calculadora, a uma
função do interesse e da necessidade, não é a origem da linguagem. Esta nasce da
imaginação que suscita o sentimento ou a paixão, e que é o elemento que distingue o
homem dos outros animais.
Rousseau destaca que a diferença entre o desejo humano e a necessidade
animal, entre a relação com a mulher e a relação com a fêmea, é o temor da morte. A
imaginação pertence à mesma cadeia de significações que a antecipação da morte. A
imaginação é o poder, para a vida, de afetar-se a si mesma de sua própria re-
presentação. A imaginação, a liberdade, a fala pertence, portanto, à mesma estrutura que
a relação com a morte.
A imaginação, por outro lado, também se perverte a si mesma, na medida em
que desperta a faculdade visual, mas logo a transgride. Dá à luz a potência que se
reservava, mas ao mostrar-lhe o seu além, ela lhe significa a sua impotência. Ela anima
a faculdade de gozar, mas ela inscreve uma diferença entre o desejo e a potência.
Assim, a ética, em Rousseau, o caminho da verdadeira felicidade, consiste em
diminuir o excesso dos desejos sobre as faculdades. Ele acredita que o temor e a
fraqueza sejam as fontes da crueldade. A disposição para fazer o mal encontra seu
recurso na representação ilusória do mal que o outro parece disposto a me fazer. O
animal está pronto para fazer aos outros todo o mal que temia deles.

Referência Bibliográfica

-   DERRIDA, Jacques. Gramatologia. São Paulo: Editora Perspectiva, 1973.

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