Você está na página 1de 17

 

 
FAC - Faculdade de Comunicação.
Disciplina - Roteiro, Produção e Direção para Web, Vídeo e Cinema.
Professora - Erika Bauer.
Aluno - Carlos Eduardo Silva Barbedo.
Matrícula - 12/0190877.
Exercício - Proposta de ideia para um roteiro.
Título - Uma viagem às escuras.
Obs.: Essa proposta de roteiro é inspirada em um conto publicado pela revista “Seleções”, cujo
título e autor eu não consigo me recordar.

Personagens:
- José.
- Virgílio (Avô de José).
- Ana (Avó de José).
- Jorge (Pai de José).
- Simone (Mãe de José).
- Sofia.
- Amélia (Tia de Sofia).
- Ananda (Mãe de Sofia).
- Luís (Amigo de José).
- Janete (Amiga de Amélia).
- Enfermeira do Hospital Municipal de Mogi das Cruzes.
- Dr. Walter (Médico do Hospital Municipal de Mogi das Cruzes).
- Vaqueiro.

Rio de Janeiro, 20 de setembro de 2020.

Uma Viagem às Escuras

1.   EXTERIOR ESTAÇÃO DE TREM DE MOGI DAS CRUZES/SP – DIA.


Aparece a fachada da estação de trem de Mogi das Cruzes/SP. É mostrado o movimento de
passageiros que saem de seus carros, no estacionamento da estação, carregando malas e bolsas,
dirigindo-se para o interior da estação. Algumas pessoas descem de um ônibus, também com malas
e bolsas, segurando as mãos de suas crianças... e também caminham para o interior da estação.

2.   INTERIOR DA ESTAÇÃO DE TREM – DIA.


Funcionários das lojas localizadas no interior da estação de trem fazem seus trabalhos: acendem
seus letreiros, organizam suas vitrines, conversam com clientes. Profissionais de serviços gerais,
uniformizados, passam pano úmido no chão da estação. Alguns guardas fazem a ronda, outros
ocupam seus postos de serviço. O funcionário da bilheteria vende quatro passagens para uma
família. Atrás dos compradores, existe uma pequena fila de interessados em comprar passagens de
trem.

  1  
 
 
3.   INTERIOR DE AUTOMÓVEL – DIA.
Virgílio está dirigindo. José, seu neto, está sentado ao seu lado. José está um pouco apreensivo com
o horário. Virgílio encontra uma vaga no estacionamento da estação de Mogi das Cruzes/SP.

VIRGÍLIO Fique tranquilo. Temos tempo de sobra.


JOSÉ Estou tranquilo. Obrigado por me ajudar. Mamãe e papai não teriam
me deixado vir se não fosse por você.
VIRGÍLO Negativo! Saiba que o mérito é todo seu. Você conquistou esta
viagem. Merece ter a chance de lutar pelo seu objetivo. Lembre-se
que todos nós orgulhamos muito de você.
Vamos pegar sua mala.
CORTA PARA:

4.   INTERIOR DE TÁXI – DIA.


Sofia e Amélia, sua tia, sentam-se no banco de trás.

AMÉLIA Bom dia, Senhor. Estação ferroviária, por favor.


SOFIA Estamos atrasadas. Agradeceria muito se o Senhor puder acelerar.
MOTORISTA Claro que sim. A que horas deverá sair o trem?
SOFIA Às sete.
MOTORISTA Vamos conseguir. Apertem o cinto!

CORTA PARA:

5.   INTERIOR DA ESTAÇÃO (PLATAFORMA) – DIA.


José e Virgílio caminham lado a lado. José está cego, mas procura mascarar a sua deficiência. Puxa
sua mala com a mão esquerda. Ele tem relativa facilidade em fazê-lo, pois a mala tem rodinhas.
José segura o braço de Virgílio disfarçadamente. Virgílio carrega uma bolsa de José com sua mão
direita.
VIRGÍLIO Recapitulando: quando o trem chegar a São Paulo, você vai
permanecer no interior de sua cabine. O Dr. Otávio irá buscá-lo.
JOSÉ Ele realmente sabe o caminho da Clínica dos Olhos?
Não posso me atrasar.
VIRGÍLO Ele garantiu que sabe. Não fica longe do escritório em que trabalha.

CORTA PARA:

6.   INTERIOR DO TREM – DIA.


VIRGÍLIO Esta é a sua cabine. Entre por aqui. Seu assento é o da direita.
Por enquanto, você está só. Acho que vai poder dormir a viagem
inteira.

  2  
 
 
JOSÉ Obrigado.
VIRGÍLO Vá com Deus.
Preciso sair daqui antes que o trem parta.

Virgílio dá um beijo na cabeça de seu neto. Retira-se da cabine do trem com os olhos marejados,
segurando as emoções, evitando chorar.
CORTA PARA:
7.   INTERIOR DA ESTAÇÃO (PLATAFORMA) – DIA.
Virgílio caminha pela plataforma em direção à saída. Emocionado, fecha os olhos e sussurra um
mantra.

VIRGÍLO Meu Deus, cuida do meu neto.


Meu Deus, cuida do meu neto.
Meu Deus, cuida do meu neto.

CORTA PARA:

8.   INTERIOR BAIA DA ESCOLA PÉGASUS DE EQUITAÇÃO, EM MOGI DAS CRUZES –


DIA.
José decide montar o cavalo Rufus Baruck, considerado o mais afoito da Escola, mesmo sem a
devida autorização. Adota as medidas preparatórias para sair com a montaria: acaricia a cabeça do
cavalo, coloca os arreios, faz os ajustes necessários.

LUÍS Você vai montar o Rufus Baruck?


Ninguém está autorizado a fazer isso.
Vai dar problema.
JOSÉ Não vai dar problema nenhum. Vamos nos conhecer melhor, e
vamos ficar bons amigos. Não é, rapaz? Bom menino.

CORTA PARA:

9.   EXTERIOR TERRENO DA ESCOLA PÉGASUS DE EQUITAÇÃO, EM MOGI DAS CRUZES


– DIA.
José cavalga a montaria Rufus Baruck. Tudo corre bem. José demonstra habilidade, está se
divertindo. O cavalo entra em um bosque e passa por algumas árvores. José passa a se sentir
inseguro. Surge uma árvore com um tronco mais baixo. José tenta se abaixar, mas não consegue.
Bate com a cabeça no tronco e cai do cavalo.

CORTA PARA:

  3  
 
 
10.   INTERIOR BAIA DA ESCOLA PÉGASUS DE EQUITAÇÃO, EM MOGI DAS CRUZES –
DIA.
Luís observa o cavalo Rufus Baruck retornando à baia sozinho, sem José. Segura o animal e o
conduz ao interior da baia. Retira os arreios enquanto reflete sobre o que deve fazer. Pergunta a si
mesmo o que deve fazer. Decide sair para procurar José. Coloca os arreios em outra montaria e sai
cavalgando na mesma direção anteriormente seguida por José.

CORTA PARA:

11.   EXTERIOR TERRENO DA ESCOLA PÉGASUS DE EQUITAÇÃO, EM MOGI DAS


CRUZES – DIA.
Luís procura por José, gritando o seu nome enquanto cavalga lentamente. Puxa as rédeas do cavalo
e o faz parar no meio de uma área coberta de grama. Luís olha ao redor. Depois, fixa os olhos no
bosque e decide fazer com que o cavalo se dirija para lá.
CORTA PARA:

12.   INTERIOR RECEPÇÃO DO HOSPITAL MUNICIPAL DE MOGI DAS CRUZES – DIA.

Jorge e Simone, pais de José, chegam à Recepção do Hospital Municipal de Mogi das Cruzes.
Nervosos, caminham na direção de uma enfermeira que está atrás de um balcão. Virgílio e Ana,
pais de Jorge, chegam em seguida.

SIMONE Por gentileza, eu sou a mãe do paciente José, o rapaz que caiu
de um cavalo.
Sabe me dizer onde ele está?
Ele está mal?
ENFERMEIRA Soube que ele sofreu duas fraturas: uma no braço e outra no
crânio.
Está no CTI.
Vai ser necessário operá-lo.
Estávamos esperando pela família, pois precisamos colher a
autorização para o procedimento.

CORTA PARA:

13.   INTERIOR ENFERMARIA DO HOSPITAL MUNICIPAL DE MOGI DAS CRUZES – DIA.


José está sentado na cama, sem conseguir enxergar. A pancada na cabeça o fez perder a visão.
Jorge, Simone, Ana e Virgílio estão ao redor da cama, todos muito abatidos.

SIMONE O Médico disse que é possível você recuperar a visão.


Vamos pedir a Deus.

  4  
 
 
Tudo vai dar certo.
ANA Meu filho, como você está?
JOSÉ Estou cego. Simples assim.
ANA Mas não por muito tempo. Vamos encontrar uma saída.

Virgílio, sentado em uma cadeira no canto do quarto, repete o seu mantra sussurrando.

VIRGÍLO Meu Deus, cuida do meu neto.


Meu Deus, cuida do meu neto.
Meu Deus, cuida do meu neto.

CORTA PARA:
14.   INTERIOR DA ESTAÇÃO (PLATAFORMA) – DIA.
Virgílio segue o caminho de volta para o seu carro, pela plataforma, enquanto continua a recitar o
mantra em que pede que Deus cuide de José.
Sofia e Amélia cruzam com ele, andando em passo acelerado pela plataforma, com medo de perder
o trem. Sofia, cega, segura o braço esquerdo de Amélia e carrega uma bolsa com a outra mão.
Amália puxa a mala de rodinhas de Sofia.

CORTA PARA:

15.   INTERIOR DA CABINE DO TREM – DIA.


José está sentado no interior da cabine. Tem um sobressalto quando a porta subitamente se abre e
Amélia entra, seguida por Sofia.
Amélia cumprimenta José e procura conferir os números dos dois assentos situados à frente do
rapaz. Chega à conclusão de que são correspondem aos números dos seus bilhetes.
José responde ao cumprimento de Amélia.
Sofia também cumprimenta José.
José sorri e responde ao cumprimento de Sofia.

AMÉLIA Sofia, você se lembra das coisas que eu lhe contei sobre Janete, a
minha amiga de infância?

SOFIA A menina ruiva que pulava o muro da escola para jogar bola com os
meninos da rua? Claro que me lembro. Ele me parecia a mais
divertida de todas as suas colegas.

AMÉLIA Ela está na outra cabine. Quando eu passei pelo corredor, ela me
chamou e fez sinal para eu me sentar ao seu lado.

  5  
 
 
SOFIA Sim, eu ouvi. Você não prefere ficar lá com ela? Colocar a conversa
em dia? Eu fico muito bem por aqui, não se preocupe comigo.

AMÉLIA Então, eu vou. Quero ver como está aquela moça. Depois, eu volto.
E você, por sinal, parece que também vai ficar em ótima companhia.
Me dá uma beijoca.

José sorri e agradece pelo gracejo de Amélia.

JOSÉ Obrigado pelo elogio!


AMÉLIA Não tem de quê.

Amélia sai da cabine, deixando José e Sofia a sós.

JOSÉ Ela é sua amiga?

SOFIA Não. É minha tia. Mas eu a adoro, converso com ela como se fosse
uma amiga.

JOSÉ Dá para perceber. Ela me parece bastante jovial, animada.

SOFIA Sim, exatamente. Ela preenche uma sala.

JOSÉ Anima uma festa.

SOFIA Sim. Ela é muito divertida. As reuniões familiares sempre ficam


diferentes quando ela está presente.

JOSÉ A propósito, meu nome é José.

SOFIA Muito prazer. Eu me chamo Sofia.

O telefone celular de Sofia toca. O som é de uma música clássica: “Trenzinho Caipira”, de Heitor
Villa-Lobos.

CORTA PARA:
Conversa telefônica.
A ligação foi feita por Ananda, mãe de Sofia e irmã de Amélia, que permaneceu em casa.
Estava preocupada. Queria saber se as duas haviam conseguido embarcar no trem. E se estava tudo
bem.
A cena passa a ser dividida ao meio. Mostra, concomitantemente, as duas personagens, Sofia e
Ananda, em conversa telefônica.

  6  
 
 

SOFIA Alô, mamãe.

ANANDA Alô, Meu Amor. Vocês conseguiram embarcar no trem?

SOFIA Sim, mamãe. Deu tudo certo, Graças a Deus.


Mas foi um susto, tivemos que correr muito.
Chegamos a pensar que não fosse dar tempo.

ANANDA Amélia está aí com você?

SOFIA Não. Ela está na cabine ao lado. Encontrou a Janete. As duas estão
colocando a conversa em dia. Você se lembra dela?
ANANDA Sim. Ela é um amor. Se você falar com ela, mande-lhe lembranças.
Beijos e boa viagem, minha filha.
Quando chegar me ligue. Eu fico preocupada.
SOFIA Ligo sim, mamãe. Beijos.

Sofia desliga o telefone.


José está interessado em conhecer Sofia melhor. Ela prendia a sua atenção.
Percebeu que ela usava um perfume delicado, sutilmente adocicado.
O timbre de voz da moça era agradável; e a sua fala, melodiosa.
O perfume e a voz combinavam.
Mas ele ficou particularmente encantado pela educação e o refinamento do seu linguajar: sem
gírias, livre de afetações, sempre respeitosa... ele tentava imaginar o seu rosto e o seu corpo.
E também queria impressionar a moça.
Mas tinha vergonha de sua deficiência. Ainda não sabia como lidar com aquela condição de vida.
Decidiu puxar conversa.

JOSÉ Você gosta de música clássica?

SOFIA Sim, amo música clássica. É o meu assunto predileto.


Como você descobriu isso?

JOSÉ Pelo toque do seu celular.


Percebi que você se deu ao trabalho de baixar uma bela melodia.
Esse toque é padronizado para todas as pessoas ou somente para
alguém em particular?

SOFIA Somente para a minha mãe. Ela é professora de música, e adora o


Villa Lobos. Você gosta de música clássica?

  7  
 
 
JOSÉ Sim, muito! E, principalmente, a partir de agora!

Sofia sorri discretamente.

SOFIA É bom conhecer alguém que se interesse por arte.


Eu pretendo seguir a carreira de pianista profissional.

JOSÉ Estarei na fila do gargarejo.


Qual o seu compositor preferido?

SOFIA Eu gosto de quase todos.


É difícil aparecer alguma obra que não me agrade.
Mas tudo depende da nossa fase de vida.
Atualmente, estou apaixonada por Villa-Lobos.

JOSÉ Então você está numa fase de Villa-Lobos.


Eu não sei se isso é, exatamente, bom ou ruim para uma pessoa que
queira conhecê-la melhor.
Dizem que ele era uma pessoa um tanto geniosa.
Sofia sorri novamente.

SOFIA Ele era um gênio.


E, você sabe, os gênios têm as suas particularidades.

JOSÉ Sim, mas todos nós também não temos? Talvez seja injusto dizer que
os gênios sejam mais difíceis de se lidar do que as outras pessoas.
Afinal, o que realmente acontece é que eles ficam em evidência.
E não deve ser fácil viver sob os holofotes, assediado todo o tempo,
sendo reconhecido por onde passa. Eu enlouqueceria.

SOFIA Faz parte do pacote.

JOSÉ Enlouquecer?

Sofia sorri mais uma vez.

SOFIA Não. Enlouquecer não. Por favor, sanidade mental sempre!


Mas todos os artistas buscam a fama.
E ela tem o seu preço.

JOSÉ E você? Acha que está preparada para a fama?

  8  
 
 
SOFIA Na verdade, eu não tenho ideia. Isso seria muito novo para mim.

JOSÉ E quanto a mim?


Quando poderei apreciar um bom Villa-Lobos ao som da nova
sensação da música clássica brasileira – a pianista Sofia?

SOFIA Ah! Quem me dera. Ainda não estou pronta para isso.
Sinceramente, tenho muito chão pela frente.
É importante manter os pés no chão, dar um passo de cada vez.

JOSÉ Humildade é importante. Mas eu realmente gostaria de ouvi-la tocar.

SOFIA Você vai se decepcionar. Sou uma iniciante, estudo piano somente
há três anos. Conheço muita gente que toca bem melhor do que eu.

JOSÉ Mas, e esse perfume? E essa voz doce? E esse charme? E essa
conversa deliciosa? Quem mais os tem? Acredito que ninguém.

SOFIA Nossa! Meu perfume; minha voz... assim eu vou acabar ficando sem
graça.

JOSÉ Acontece que tudo tem um tempo certo para ser feito. Se deixarmos
para depois, a oportunidade vai embora.
E eu acredito que o melhor momento para me aproximar de você
seja antes de ficar famosa.
Sofia sorri novamente.

SOFIA Não precisa ter pressa. Vai demorar muito até que eu fique famosa.

JOSÉ Não preciso ter pressa? Quando esta viagem terminar, eu preciso
saber como reencontrá-la. Caso contrário, vou ficar sem poder ouvir
o Villa-Lobos.
Aliás, eu quase me esqueci de um pequeno detalhe: você é
comprometida?
Sofia sorri.

SOFIA Um pequeno detalhe? Essa á boa!


Diga o que você acha. Eu pareço ser comprometida?

JOSÉ Sinceramente, não sei. Mas você já sorriu algumas vezes para mim.
Se fosse comprometida, não seria assim.
Você cortaria as minhas asas.

  9  
 
 
SOFIA Você acha que eu sorri para você? Eu sorri para mim. Sorri porque
eu quis. Porque tive vontade.
E que estória é essa de asas? Você está cheio de asas aqui dentro?
Essa cabine não é muito apertada para as suas asas?

JOSÉ Estou quase alçando voo.

SOFIA Você é um paquerador, isso sim.

JOSÉ Um paquerador que precisa de um número de telefone.

SOFIA Você tem caneta e papel?

JOSÉ Não é necessário. Basta você falar que eu decoro.

SOFIA Vai gravar na sua memória? (11) 991004573.

JOSÉ Então você não é comprometida. É livre. Eu sabia.

SOFIA Você sabia? Convencido!

JOSÉ Todos esses sorrisos. Toda essa simpatia... isso é coisa de mulher
que não tem compromisso.

SOFIA Você está dizendo que eu estou encalhada? Que estou carente? Que
eu estou te dando mole?

JOSÉ Eu nunca diria isso. Você é o tipo de mulher que só fica encalhada se
quiser.

SOFIA Ah! Bom! Se saiu mais ou menos bem.

JOSÉ Mas que você me deu mole, desde que eu cheguei aqui... ah! Isso
deu.
Todo esse papo de estar apaixonada por Villa-Lobos... não sei como
eu fui cair nessa.

SOFIA Mas é a mais pura verdade. Minha mãe me ensinou a gostar de Villa-
Lobos. E, agora, eu estou cada vez mais apaixonada. Não posso?

  10  
 
 
JOSÉ Claro que pode. Mas estou ficando com ciúmes. O que ele tem de tão
especial? Por que ele é melhor do que o Carlos Gomes, por
exemplo?

SOFIA Carlos Gomes escreveu uma ópera importantíssima: “O Guarani”.


Mas ele realizou uma adaptação do romance de José de Alencar. Fez
uma releitura de um livro, retratou o Peri, a Cecília e as outras
personagens. É maravilhoso.
Villa-Lobos é diferente. Ele é único.

JOSÉ Sim. Mas porque a música de Villa-Lobos seria tão melhor que as
demais?

SOFIA Porque ele é totalmente inédito, não se enquadra em nenhum padrão.


Suas composições não se aproximam do trabalho de ninguém. Villa-
Lobos é, tão somente, Villa-Lobos e nada mais. Os críticos não
conseguem, sequer, classificá-lo. Quando se ouve uma de suas
músicas pela primeira vez, é possível identificar o seu traço, a sua
luz, o seu DNA.

JOSÉ Pronto. Agora é que eu vou morrer de ciúmes.

Sofia sorri.

SOFIA Villa-Lobos sempre fala do Brasil. E fala com amor, enaltecendo a


nossa pátria. Ele retrata a miscigenação dos diferentes povos como
quem louva essa obra primorosa de Deus. As pessoas, infelizmente,
acreditam que o certo, o bonito, o construtivo, é falar mal, reclamar,
criticar, apontar os defeitos.

JOSÉ Bem... eu não sou muito de reclamar.

SOFIA Quando ouvimos uma composição de Villa-Lobos, podemos


percorrer as paisagens das diferentes regiões do Brasil. É possível
ver a fauna e a flora, bem como os povos que aqui viveram e ainda
vivem. Resumindo: ele é tão importante que a data do seu
nascimento, cinco de março, foi decretada como o Dia Nacional da
Música Clássica.

JOSÉ Acho que vai ser difícil competir com ele.

SOFIA Diga-me uma coisa: você precisa de silêncio para se concentrar?

  11  
 
 

JOSÉ Sim, com certeza. Quando preciso estudar ou fazer algum trabalho,
sempre peço que diminuam o volume da conversa, da televisão ou
do rádio.

SOFIA Villa-Lobos nos ensina que o silêncio mais importante é aquele que
nós conseguimos estabelecer em nossas mentes, em nossa alma.
Você sabia que o “Trenzinho Caipira” foi composto em uma viagem
de trem semelhante a esta?

JOSÉ Não.

SOFIA Consegue imaginar o Maestro sentado no fundo de um vagão,


observando os demais passageiros? Toda essa gente simples do
interior do Brasil? Homens, mulheres e crianças... talvez, alguns
animais. Muito falatório, tudo muito barulhento, as paisagens da
janela?

JOSÉ Sim. Consigo imaginar.


CORTA PARA:

16.   INTERIOR DE UM VAGÃO DE TREM DE UMA CIDADE DO INTERIOR DO BRASIL–


DIA.
Villa-Lobos está sentado no fundo do vagão de trem. Ao observar as pessoas e as
paisagens, seu rosto assume uma expressão feliz e, ao mesmo tempo, atenta. Ele está encantado
com tudo o que vê ao seu redor. Está tocado pela luz da inspiração.
O Maestro, discretamente, retira o seu violão de dentro da capa. Depois, coloca um
lápis e um bloco de notas musicais no espaço do banco a seu lado. Então ele começa a desenvolver
o seu processo de criação. Faz alguns acordes, percorre uma escala, repete algumas vezes, fecha os
olhos... vira a boca do violão para baixo, para utilizar o bojo como apoio para escrever.
Depois, Villa-Lobos pega o lápis e o bloco de notas musicais e começa a registrar o
que estava tocando. Então, o som do ambiente vai gradativamente diminuindo, sendo substituído
pela música “Trenzinho Caipira”, tocada em um violão. A câmera faz um close em seu rosto. O
Compositor sorri para si mesmo, satisfeito com seu trabalho.
A câmera passa a alternar os registros de dois universos, ou melhor, de duas viagens
que acontecem dentro do mesmo cenário, quais sejam: a viagem do trem e a viagem da criação de
Villa-Lobos. Surgem, nesse sentido, porções do trilho que o trem percorreu ou que ainda vai

  12  
 
 
percorrer, todas sendo filmadas a partir de uma perspectiva de dentro do trem. Aparecem os olhos
de Villa-Lobos fixos em seu bloco de notas. Posteriormente, são mostrados os semblantes de alguns
passageiros. A câmera focaliza a mão de Villa-Lobos escrevendo. São mostradas as paisagens e as
nuvens. Villa-Lobos está dedilhando o violão. A câmera mostra as árvores e os rios. Villa-Lobos
sorri.
Dentro dessa alternância de imagens – viagem do trem e viagem da criação musical –
a música de fundo não cessa, mas o som do violão passa a ser gradativamente substituído pelo de
uma orquestra que continua a tocar o “Trenzinho Caipira” em um processo de mixagem.
CORTA PARA:
17.   INTERIOR DE UM TEATRO GRANDE E IMPONENTE – NOITE.

As imagens do trem e de Villa-Lobos são substituídas pelas do interior de um grande


teatro, sem que a música pare. São mostrados os detalhes da decoração da casa de espetáculos. O
público, que está vestido a rigor, mostra-se encantado com a orquestra que está tocando o
“Trenzinho Caipira”. Algumas pessoas sorriem, quando percebem que os instrumentos estão
imitando os sons típicos de um trem. Quando a orquestra termina, as pessoas aplaudem com muito
entusiasmo.

CORTA PARA:
18.   INTERIOR DA CABINE DO TREM – DIA.
José sorri.
JOSÉ Sofia, eu consegui visualizar tudo o que você disse.
Villa-Lobos é, realmente, extraordinário.
Sinceramente, não dá para entender por que uma trajetória de vida
tão bonita e uma música tão genial permanecem desconhecidas do
grande público brasileiro.
SOFIA Acredito que essa seja uma questão de natureza política que nunca
recebeu a devida atenção.
Existem muitos interesses por trás da falta de investimento em
educação e cultura. Eu pretendo dedicar a minha vida a esse assunto.

JOSÉ Nossa! É um desafio e tanto.

SOFIA Sim. Mas vai valer a pena. Estou empolgada.


Você já imaginou? Trabalhar para levar a música clássica às
pessoas?

  13  
 
 
A música de alta qualidade já me fez muito bem, e eu quero
proporcionar o mesmo benefício aos outros.

JOSÉ Por que você diz que existem muitos interesses que são contrários à
divulgação da música clássica?

SOFIA Porque a música de elevado padrão de qualidade pode ter uma


profunda influência sobre a mente e o espírito das pessoas. É capaz
de fazer com que se tornem, inclusive, mais inteligentes e críticas.
Imagine se o povo brasileiro fosse menos manipulável.

JOSÉ A música pode fazer com que a pessoa fique mais inteligente?

SOFIA Exatamente. Difícil de acreditar, não é? Mas já foram realizadas


experiências, inclusive, com gestantes. Puseram fones nos ouvidos
das mães e, também, nas suas barrigas para que seus bebês pudessem
ouvir.
O resultado foi impressionante. Dependendo dos compositores
ouvidos, os bebês nasceram com elevado pendor para as ciências
exatas. Muito inteligentes.

JOSÉ Mas por que isso não foi divulgado?


Quem não gostaria de ajudar seu bebê a ter mais facilidade para a
Matemática?

SOFIA Obviamente, existem aqueles que preferem dominar, escravizar e


manter os bebês das pessoas sob controle. E isso, em grande parte, se
consegue por meio da música que provoca alienação.

JOSÉ Isso é muito grave!

SOFIA Eu sei. Educação musical não é somente uma questão de


condicionamento dos ouvidos e do espírito. Mas também de
desenvolvimento pessoal, independência financeira, confiança em si
próprio.
E as pessoas, sem se dar conta, em sua imensa maioria, são
condicionadas a ouvir uma qualidade de música que faz com que
tenham, inclusive, dificuldade para dormir e se concentrar.

JOSÉ Você vai me condicionar direitinho? Vai fazer com que eu fique
mais inteligente? Onde você estuda música?

  14  
 
 
SOFIA Eu estudo no Conservatório Musical do Município de Mogi das
Cruzes. Passo, praticamente, o dia inteiro lá.

JOSÉ Então eu irei até lá só para ouvir Villa-Lobos ao piano. Só, não!
Corrijo-me! Vou querer conversar com você mais um pouco. Quero
aprender mais sobre a nossa música clássica. E também sobre a
história da nossa cultura.

SOFIA Um povo que não valoriza a sua própria cultura, que não pensa em
suas raízes, que não estuda a sua própria História, faz uma viagem às
escuras, sem saber para onde vai, ao sabor das surpresas que lhe são
impostas por pessoas mal intencionadas.

JOSÉ Eu juro que não estou mal intencionado. Será que estou?

SOFIA Não sei. Mas vou ficar esperando o seu contato e a sua visita. Já se
esqueceu do meu número de telefone? Aposto que sim!

JOSÉ (11) 991004573.

Sofia sorri.
SOFIA Isso mesmo. Está certo! Não é que ele gravou?

José sorri.
JOSÉ Mas o que você estava apostando mesmo?
Posso escolher?

SOFIA Não! Não pode escolher nada.


Imagina! Escolher...

O trem diminuiu sua marcha, preparando-se para estacionar no seu destino final – Estação da Luz,
em São Paulo/SP.
Amélia abre a porta e entra na cabine. Janete permanece na porta da cabine. As duas estão felizes

AMÉLIA Sofia, esta é Janete, minha amiga de infância.


Janete, essa moça linda é Sofia, minha sobrinha.

SOFIA Muito prazer.

JANETE O prazer é meu. Como vai a sua mãe?

  15  
 
 
SOFIA Vai bem, obrigada. Quando falei com ela por telefone, pediu que lhe
mandasse lembranças.

JANETE Obrigada. Realmente, temos muitas lembranças.


Nós nos divertíamos muito em Mogi das Cruzes.
Tivemos infâncias felizes, não é mesmo Amélia?
Mande um beijo para a sua mãe.

SOFIA Desculpem. Onde está a minha educação? Este é José.


José, estas são Amélia, minha tia, e Janete.

JOSÉ Muito prazer.

AMÉLIA Muito prazer.

JANETE E põe prazer nisso! (ela o diz dando uma piscadela para Amélia).

Amélia sorri e retira a mala de Sofia de cima do bagageiro.

AMÉLIA Podemos ir? Temos horário marcado com o Oftalmologista.


Não seria bom perdermos a consulta.

Depois de todos terem se despedido, as três mulheres se preparam para sair da cabine.
Sofia se levanta e permanece indecisa, um pouco apreensiva, sem vontade de sair da cabine e se
afastar de José. Fica decepcionada pela falta de atitude de José.
José sorri e permanece sentado em seu lugar, disfarçando a sua deficiência visual.
Um homem com roupas de vaqueiro entra subitamente na cabine e esbarra em Sofia que quase cai.
As mulheres soltam exclamações.
Ele retira o seu chapéu e pede mil desculpas pela sua falta de jeito.
As mulheres o desculpam e, por fim, saem da cabine.
O vaqueiro se senta no lugar onde estava Sofia.

VAQUEIRO Que desastrado! Quase joguei a moça no chão.

JOSÉ O Senhor chegou a vê-la?

VAQUEIRO Sim. Depois do meu pequeno desastre.

JOSÉ O Senhor a considera bonita?

VAQUEIRO Se eu a considero bonita? Uma morena linda daquela?

  16  
 
 
Parece capa de revista!
Cabelos compridos e lisos, rosto simétrico, corpo escultural.
Ela estava de óculos escuros, então demorei a ver seus olhos.

JOSÉ Olhos? Eram bonitos? O que o Senhor achou dos olhos dela?

VAQUEIRO Você não percebeu? Ela era cega.

FIM

  17  

Você também pode gostar