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AUREA MARIA PAES LEME GOULART

Mestre e Doutora em Educação pela Aurea Maria Paes Leme Goulart


O livro Altas Habilidades/Superdotação:
Faculdade de Educação da Universidade de Nerli Nonato Ribeiro Mori
reexões e processo educacional, já em
São Paulo (FEUSP). Professora aposentada do Regina Lúcia Mesti sua segunda edição, traz à baila um
Departamento de Teoria e Prática da
Rosana Aparecida Albuquerque conjunto de reexões que evidenciam a
Educação e Professora Voluntária do
Sílvia Helena Altoé Brandão importância de aprofundar os estudos
Programa de Pós-Graduação em Educação da
sobre as altas habilidades/superdotação
Universidade Estadual de Maringá (PPE-UEM).
no contexto educacional e considerar sua
estreita relação com a prática
NERLI NONATO RIBEIRO MORI
prossional e a pesquisa.
Doutora em Psicologia Escolar e
Composta por seis capítulos, a obra nos
Desenvolvimento Humano pelo Instituto de
faz incidir acerca de inúmeros aspectos
Psicologia da Universidade de São Paulo
do corpo de conhecimento em altas
(IPUSP) e realizou estágio pós-doutoral pela
habilidades/superdotação, que
Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).

Altas Habilidades Superdotação:


perpassam desde seu histórico e as
Professora Titular do Departamento de Teoria
políticas educacionais; a contribuição
e Prática da Educação e do Programa de Pós-
histórico-cultural no estudo das funções
Graduação em Educação da Universidade
complexas do pensamento; a
Estadual de Maringá (PPE-UEM).
identicação, a avaliação e a prática
pedagógica para essa demanda; a
REGINA LÚCIA MESTI
Doutora em Comunicação e Semiótica pela
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Altas Habilidades/ importância da criatividade e da
imaginação na construção da
aprendizagem desses sujeitos e, por m, o
(PUC-SP). Professora do Departamento de
Teoria e Prática da Educação da Universidade
Estadual de Maringá.
Superdotação: cinema como um recurso pedagógico, que
propicia um fabuloso inventário do
contexto sociocultural.
2ª Edição
ROSANA APARECIDA ALBUQUERQUE
Doutora em Educação pelo Programa de Pós-
Graduação em Educação (PPE - UEM).
Psicóloga na Unidade de Psicologia Aplicada -
UEM, Maringá - PR. Professora da Faculdade
do Noroeste Paranaense (FANP- Nova
Esperança-PR).

SILVIA HELENA ALTOÉ BRANDÃO


Mestre em Educação pelo Programa de Pós-
Graduação em Educação (PPE- UEM).
Professora da Educação Básica, pela
Secretaria Estadual de Educação (SEED-PR).
ALTAS HABILIDADES/
SUPERDOTAÇÃO
REFLEXÕES E PROCESSO EDUCACIONAL

2ª. edição
EDITORA DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ

Reitor: Prof. Dr. Mauro Luciano Baesso. Vice-Reitor: Prof. Dr. Julio César Damasceno.
Diretora da Eduem: Profa. Dra. Terezinha Oliveira. Editora-Chefe da Eduem: Profa. Dra.
Gisella Maria Zanin.

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Prof. Dr. Raymundo de Lima, Profa. Dra. Regina Lúcia
Mesti, Prof. Dr. Reginaldo Benedito Dias, Prof. Dr.
Sezinando Luis Menezes, Profa. Dra. Terezinha Oliveira,
Profa. Dra. Valéria Soares de Assis.
Aurea Maria Paes Leme Goulart
Nerli Nonato Ribeiro Mori
Regina Lúcia Mesti
Rosana Aparecida Albuquerque
Sílvia Helena Altoé Brandão

ALTAS HABILIDADES/
SUPERDOTAÇÃO
REFLEXÕES E PROCESSO EDUCACIONAL

2ª. edição

Eduem
Maringá
2016
Copyright © 2016 para os Autores.

Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo
mecânico, eletrônico, reprográfico etc., sem a autorização, por escrito, do autor.
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quaisquer outros conteúdos utilizados, são de responsabilidade dos autores.

Projeto gráfico/diagramação: Hugo Alex da Silva


Capa: Ana Paula Umbelino de Oliveira
Imagem da Capa: Ana Paula Umbelino de Oliveira
Ficha catalográfica: Marinalva Aparecida Spolon Almeida (CRB 9-1094)
Fonte: Garamond
Tiragem - versão impressa: 1.500 exemplares
Financiamento: MEC-FNDE

Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)


(Eduem - UEM, Maringá – PR., Brasil)

A465 Altas habilidades / superdotação : reflexões e


processo educacional / Aurea Maria Paes Leme
Goulart... [et al.]. – 2. ed. -- Maringá :
Eduem, 2016.
142 p.: il. color.

Vários autores.
ISBN 978-85-7628-672-1

1. Prática pedagógica. 2. Inclusão escolar. 3.


Altas habilidades (Educação especial). 4.
Superdotação (Educação especial). 5. Atendimento
Educacional Especial (AEE). I. Goulart, Aurea Maria
Paes Leme. II. Mori, Nerli Nonato Ribeiro. III.
Mesti, Regina Lúcia. IV. Albuquerque, Rosana
Aparecida. V. Brandão, Sílvia Helena Altoé. VI.
Título.
CDD 21.ed. 371.95

Eduem - Editora da Universidade Estadual de Maringá


Av. Colombo, 5790 - Bloco 40 - Campus Universitário
87020-900 - Maringá-Paraná - Fone: (0xx44) 3011-4103
www.eduem.uem.br - eduem@uem.br
ILUSTRAÇÕES

Ana Paula Umbelino de Oliveira Capa

Sergio Augusto Medeiros. Modified 17

Flavia Gurniski Beltrami. Acaso perdido 31

Aletheia Alves da Silva. Joaninha 45

Felipe Franco Tomazella. Cão 61

Erica Maria Egea Gondolfo. Vida animal 3 73

Lourival Ponce Filho. Pássaros 91

Eva Alves Lacerda. Primata 101

Sergio Augusto Medeiros. Borboleta Orelha (Capa)


SUMÁRIO

PREFÁCIO......................................................................................... 9

APRESENTAÇÃO .........................................................................13

CAPÍTULO I

O ATENDIMENTO EDUCACIONAL ÀS PESSOAS COM


ALTAS HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO.........................19

CAPÍTULO II

TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL E FUNÇÕES


COMPLEXAS DO PENSAMENTO..........................................33

CAPÍTULO III

ALTAS HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO E PRÁTICA


PEDAGÓGICA ..............................................................................47
CAPÍTULO IV

IDENTIFICAÇÃO E AVALIAÇÃO DE PESSOAS COM


ALTAS HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO ........................ 63

CAPÍTULO V

CRIATIVIDADE E IMAGINAÇÃO......................................... 75

CAPÍTULO VI

O CINEMA COMO RECURSO PEDAGÓGICO ................. 93

CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................... 103

REFERÊNCIAS............................................................................ 105

ANEXOS........................................................................................ 113

8
PREFÁCIO

Escrever o prefácio de um livro é sempre um presente, um


privilégio, mas também uma responsabilidade, pois mais do que
um espaço de persuasão, prefaciar é o momento de referenciar o
potencial da obra e do tema elegido.
O livro Altas habilidades/superdotação: reflexões e processo
educacional, já em sua segunda edição, traz à baila um conjunto de
reflexões que evidenciam a importância de aprofundar os estudos
sobre as altas habilidades/superdotação no contexto educacional e
considerar sua estreita relação com a prática profissional e a
pesquisa.
Composta por seis capítulos, a obra nos faz incidir acerca de
inúmeros aspectos do corpo de conhecimento em altas
habilidades/superdotação, que perpassam desde seu histórico e as
políticas educacionais; a contribuição histórico-cultural no estudo
das funções complexas do pensamento; a identificação, a avaliação
e a prática pedagógica para essa demanda; a importância da
criatividade e da imaginação na construção da aprendizagem desses
sujeitos e, por fim, o cinema como um recurso pedagógico, que
propicia um fabuloso inventário do contexto sociocultural.
Apesar da importância de se oferecer as necessárias
condições para o potencial do alunado com altas
habilidades/superdotação é preciso reconhecer que o sistema
educacional brasileiro, na maioria das vezes, torna esse aluno
invisível, ou até mesmo excluído da e na escola. Como bem
referenciado, pelas nossas autoras no presente livro, a ampliação
de habilidades diferenciadas no início da infância precisam ser
orientadas e trabalhadas.
ALTAS HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO: REFLEXÕES E PROCESSO EDUCACIONAL

Isso demonstra de um lado, o quanto é preciso planejar e


investir em políticas públicas para que esse alunado, ainda
vulnerável diante dos próprios encaminhamentos destinados a eles,
enquanto público alvo da educação especial. De outro, não se
pode perder de vista que há no Brasil projetos, programas e
experiências memoráveis, mas que no geral estão atrelados a
esforços de professores, pais e pesquisadores que se dedicam a
essa área. De igual forma as publicações e pesquisas sobre esse
tema, ainda são escassas se considerarmos, como lembram Susana
Pérez e Soraia Freitas (2009, p. 13-14) as necessidades crescentes,
no que se refere a formação de profissionais; os temas abordados
pelas publicações “[...] ainda incursionam pelos aspectos
fundamentais da área, como a concepção e as características
básicas das pessoas com altas habilidades/superdotação”.
As autoras do livro captam com precisão esses aspectos e
convidam os leitores não só conhecerem, mas também
reinventarem o trabalho com os alunos com altas
habilidades/superdotação. Tanto para quem está iniciando seus
estudos nessa área, quanto para quem já possui uma trajetória
teórico-prática, o livro é um convite à reflexão.
Ao finalizar convido todos e todas a realizarem a leitura do
presente livro resultado do trabalho de pesquisadoras
comprometidas com a educação pública brasileira. Do mesmo
modo, o convite é também para que o leitor considere, o que a
grande pesquisadora Maria Helena Novaes, nos adverte sobre o
importante desafio de atender às necessidades dessa demanda, mas
também buscar caminhos viáveis, “[...] sejam eles profissionais,
culturais ou sociais para que possam realizar e desenvolver suas
capacidades e interesses pessoais, como também contribuir para
um mundo melhor e um convívio mais saudável para todos”
(2012, p. 15).
Uma ótima leitura!

10
PREFÁCIO

Referências

NOVAES, Maria Helena. Altas habilidades/superdotação,


talento, dotação e educação. Curitiba: Juruá, 2012.

PÉREZ, Susana Graciela Pérez Barrera; FREITAS, Soraia


Napoleão. Estado do conhecimento na área de altas
habilidades/superdotação no Brasil: uma análise das últimas
décadas. In: REUNIÃO ANUAL DA ANPED, 32., 2009,
Caxambu. Anais... Caxambu: Anped, 2009. Disponível em:
<http://www.anped.org.br/reunioes/32ra/trabalho_gt_15.html>.
Acesso em: 20 set. 2015.

Laura Ceretta Moreira

11
APRESENTAÇÃO

Existem diferentes termos utilizados para nos referirmos


àquelas pessoas que se destacam pelas altas capacidades e
habilidades que possuem. Os termos mais frequentemente
empregados são: “[...] mais capazes, talentosos, capacidade elevada
ou ainda bem dotados, expressão introduzida por Helena Antipoff,
na década de 30, e preferida por seus alunos e seguidores”
(GUENTHER, 2010, p. 3).
Na legislação brasileira, desde 1971, tem sido empregado o
termo superdotado, o qual nos documentos atuais foi modificado
para altas habilidades/superdotação.
Para Guenther (2010) essa terminologia não é precisa.
Provavelmente por ter sido publicada inicialmente em inglês e, em
função disto, além das dificuldades inerentes a traduções e
adaptações, ainda trouxe consigo sentidos, conotações e
imprecisões, fato comum quando são utilizados termos ou
expressões de outras culturas.
A pesquisadora alerta
que o termo mais usado é
gifted (dotado ou
presenteado), podendo ainda
ocorrer acompanhado de
adjetivos, como, very gifted
(bem dotado), ou highly gifted
(altamente dotado), o que
pode ter provavelmente
influenciado a criação do
Figura 1 - Jogando com o avô.
termo ‘superdotado’, Fonte: Acervo das autoras
empregado em nosso país.
ALTAS HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO: REFLEXÕES E PROCESSO EDUCACIONAL

Essa terminologia traz consigo a conotação de dom, de algo


inato, pronto e acabado, que não precisa ser estimulado ou
desenvolvido.
Nesta obra, defendemos exatamente o oposto do que esses
termos podem denotar. Consideramos que a criança se torna
humana e desenvolve suas habilidades no entrelaçamento das
condições biológicas, culturais e históricas, em um processo de
aprendizagem mediada socialmente, isto é, na interação com
outros seres humanos.
Vygotski (1991, p. 101) demonstra em seus estudos que
aprendizagem e desenvolvimento influenciam-se mutuamente e
constituem uma mesma unidade: “[...] aprendizado não é
desenvolvimento; entretanto, o aprendizado adequadamente
organizado resulta em desenvolvimento mental [...]”. Desse modo,
é importante considerar que o desenvolvimento ontogenético de
qualquer criança, com maior ou menor capacidade, está
intrinsecamente atrelado à apropriação da história e da cultura uma
vez que as funções psicológicas superiores correspondem às
relações culturais internalizadas.
Como não há um consenso a respeito da denominação a ser
utilizada para referir-se a esse alunado, no livro manteve-se aquela
estabelecida pelo MEC: altas habilidades/ superdotação.
No primeiro capítulo apresentamos alguns dados históricos
a respeito do atendimento a crianças com altas
habilidades/superdotação (AH/SD) e a legislação em vigor quanto
ao seu atendimento educacional no Brasil. Para isto, foram
organizados dois quadros com os principais fatos que marcaram a
história da educação de crianças com altas habilidades: o primeiro
traz um panorama mundial referente à educação dessas crianças
desde a antiguidade e o outro, os fatos educacionais mais
relevantes no Brasil.

14
APRESENTAÇÃO

No segundo capítulo, discutimos contribuições do ensino


organizado e a necessária mediação, tanto da família quanto do
professor para o desenvolvimento das funções psicológicas
superiores da criança com altas habilidades.
O terceiro capítulo versa sobre práticas pedagógicas para o
desenvolvimento de crianças com AH/SD. Para discutir o
atendimento educacional especializado (AEE) e o papel do
professor nesse processo analisamos alguns dispositivos
alternativos como: Salas de Recursos, participação em projetos,
dentre outros.
No quarto capítulo discutimos a contribuição de diferentes
estudos voltados para a identificação e avaliação de pessoas com
AH/SD. À luz de pressupostos da Teoria Histórico-Cultural
enfatizamos experiências de aprendizagem mediada e a avaliação
no contexto educacional, ou seja, no processo de realização de
atividades educacionais.
A criatividade e a imaginação, funções psíquicas complexas,
normalmente associadas às altas habilidades, são temas do quinto
capítulo, no qual demonstramos a importância das experiências de
aprendizagem e apropriação do conhecimento para o
desenvolvimento dessas funções. Nessa perspectiva são
estabelecidas algumas relações com a imitação, atividade teatral e
jogos dramáticos, criação literária, o jogo e a brincadeira.
No sexto e último capítulo apresentamos e discutimos
alguns filmes que tratam do tema em questão e podem auxiliar o
professor a compreender o conceito de altas habilidades e a
promover, situações de ensino, de conflito e de incentivo à
formação humana de crianças que de alguma forma manifestam
habilidades diferenciadas.
Ao final do livro constam registros fotográficos de
atendimento educacional especializado para alunos com AH/SD
realizados em escolas públicas de Maringá, Paraná. As imagens

15
ALTAS HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO: REFLEXÕES E PROCESSO EDUCACIONAL

foram autorizadas pelas escolas, professores e pais, a quem


agradecemos pela participação.
O livro traz ainda uma relação de organizações e serviços de
atendimento às pessoas com AH/SD e suas famílias.
As ilustrações do livro, incluindo a capa, são produções de
alunos do Curso de Artes Visuais da Universidade Estadual de
Maringá. A eles agradecemos pelo talento e disponibilidade.
Esperamos que a leitura do livro ora apresentado possa
contribuir para a ampliação de estudos na área de AH/SD, bem
como para o desenvolvimento de práticas pedagógicas que
possibilitem a esse alunado a apropriação de conteúdos científicos
e o desenvolvimento de sua potencialidade.

As autoras

16
Sergio Augusto Medeiros. Modified. 2013. Técnica mista sobre papel A4.
CAPÍTULO I

O ATENDIMENTO EDUCACIONAL ÀS PESSOAS


COM ALTAS HABILIDADES/
SUPERDOTAÇÃO

A história da humanidade é marcada por situações de


exclusão, discriminação, preconceito, temor, apego, valorização e,
até mesmo, mistificação frente a determinadas situações ou
personagens. Estudiosos como Bueno (2008), Mazzotta (1996),
Jannuzzi (1992) e Pessotti (1984), entre outros, pontuam episódios
de exclusão e/ou eliminação de pessoas consideradas desiguais,
perigosas, ligadas a poderes malignos. No grupo social, muitas
vezes, a aparência e a deformidade física, a incapacidade, ou ainda,
a demonstração de um maior domínio que os demais
companheiros em determinados campos das ciências, e/ou a
manifestação de habilidades incomuns, provocam reações
adversas.
Atualmente, com o desenvolvimento das ciências e a
contribuição dos recursos mediáticos, tem sido possível vislumbrar
o fortalecimento de um novo paradigma nessa sociedade
excludente e preconceituosa em que vivemos: o da diversidade.
Entender que os homens, antes de tudo, possuem uma
multiplicidade linguística, cultural, constituição física diversificada,
e valores divergentes, relacionados ao seu modus vivendi, isto é, à
forma como organizam e produzem sua vida, ainda tem recebido
pouca atenção como objeto de reflexão, seja no grupo social mais
amplo, seja no contexto educacional.
ALTAS HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO: REFLEXÕES E PROCESSO EDUCACIONAL

É importante entendermos que nenhuma pessoa nasce


pronta, independentemente de suas potencialidades genéticas.
Leontiev (1978, p. 238-239) deixa isso claro ao usar as palavras do
professor Piéron sobre a humanização: “[...] a criança no momento
de seu nascimento não passa de um candidato à humanidade, mas
não a pode alcançar no isolamento: deve aprender a ser um
homem na relação com os homens [...]”.
Para esse pesquisador russo, tudo o que há de
especificamente humano em nosso psiquismo forma-se no trajeto
da vida. Todos nós temos aspectos comuns e nos diferenciamos
pelas dificuldades ou habilidades, apenas no grau em que elas se
manifestam. Ainda, tomando como referência esse autor, não basta
trazer informações e colocar a criança frente aos objetos humanos
para que ela os conheça e deles se aproprie. Segundo o estudioso,
para que ela possa beneficiar-se do convívio com os demais e do
usufruto dos instrumentos criados pelos homens, implica termos
claro que: 1- a criança necessita ‘interagir de forma dinâmica’ no
ambiente em que se encontra; 2- as relações com o mundo dos
objetos humanos são mediadas por outro ser humano, por meio
de um ‘processo de comunicação’; 3- o que nos animais é
consequência de uma herança biológica, na criança ‘resulta da
apropriação’, de um processo de “[...] hominização do psiquismo
[...]” infantil (LEONTIEV, 1978, p. 238).
Frente a essas reflexões podemos afirmar: crianças com
algum tipo de deficiência, em função do processo de aprendizagem
e de mediações específicas, podem vir a melhorar e, até mesmo,
superar muitas de suas dificuldades.
Da mesma forma, crianças que manifestam uma série de
habilidades diferenciadas no início da infância (superdotadas/com
altas habilidades), poderão não desenvolvê-las, caso não sejam
orientadas para ampliar e direcionar esse potencial.

20
O ATENDIMENTO EDUCACIONAL ÀS PESSOAS COM ALTAS HABILIDADES/ SUPERDOTAÇÃO

Apresentamos na sequência algumas terminologias


relacionadas à AH/SD discutidas por Virgolim (2007) e, muitas
vezes, confundidas ou mal compreendidas: criança precoce,
prodígio, superdotada e gênio.

Quadro 1 - Algumas terminologias relacionadas à AH/SD.


Crianças Podem apresentar habilidades específicas de forma
Precoces prematura, em qualquer área do conhecimento, como
por exemplo: música, matemática, artes, linguagem,
leitura. A criança poderá apresentar um processo de
aprendizagem/desenvolvimento mais rápido que outras
crianças de seu grupo; isso não significa, no entanto,
que se tornará um adulto eminente. É preciso
acompanhar seu desenvolvimento para verificar se
essas características se mantêm (VIRGOLIM, 2007).
Crianças Os superdotados ou talentosos progridem mais rápido
Superdotadas que outras crianças manifestando maior facilidade em
uma das áreas do conhecimento. Embora para Winner
(1998), todas as crianças superdotadas sejam precoces,
nem todos os pesquisadores concordam com isto,
devido ao fato de que existem adultos que se tornaram
eminentes e não foram precoces.
Os superdotados se tornam, geralmente, adultos
notáveis, eminentes. Exemplo: Criança que se alfabetiza
muito cedo; que realiza tarefas complexas para sua
idade como por ex.: escrever livros; pintar quadros
(VIRGOLIM, 2007).
Crianças É como a criança é denominada ao apresentar um alto
Prodígios desempenho, ao nível de um profissional adulto em
uma área bastante específica (não demonstra
desempenho maior em outras áreas). De acordo com
Virgolim (2007), essas crianças são especialistas exímias,
em um campo particular do conhecimento, com rápido
domínio na área, aparentemente sem esforço. É

21
ALTAS HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO: REFLEXÕES E PROCESSO EDUCACIONAL

relativamente rara essa ocorrência e há necessidade da


reunião de uma série de situações para que possam
desenvolver todo seu potencial. Um prodígio em
música, por exemplo, foi Wolfgan Amadeus Mozart
que aos três anos já tocava cravo e aos sete compunha
(VIRGOLIM, 2007).
Crianças Estima-se que ocorra um caso de genialidade para cada
Gênios milhão de pessoas. “Genialidade, corresponde a um
grau superior de talento, que se manifesta em elevada
criatividade e com extraordinário significado histórico
para a vida da sociedade. A genialidade pode ocorrer
nas mais diversas áreas da criatividade humana: ciência,
arte, tecnologia, política. A genialidade distingue-se do
talento, especialmente pelo nível e características da sua
obra. Os gênios correspondem a pioneiros de uma
nova época histórica em seu campo [...]” (VYGOTSKI
apud DELOU; BUENO, 2001, p. 98). Atingem
patamares excepcionais. Exemplo de gênios: Leonard
da Vinci; Gandhi, Heitor Villa-Lobos; Stephen
Hawkins (VIRGOLIM, 2007).

Delou e Bueno (2001) utilizam-se da análise de Vygotski


para alertar a respeito do desenvolvimento das aptidões inatas de
qualquer criança e, em especial, daquela considerada com altas
habilidades. É necessário considerar as condições econômicas e
sociais favoráveis. Embora a genialidade dependa da constituição
genética, somente o meio social e cultural poderá tornar real essa
possibilidade. Uma vez que a educação escolar faz parte desse
meio social, entendemos ser o ensino o maior responsável por
acionar o desenvolvimento desse potencial (VYGOTSKI, 1989).
Diferentes fatores concorrem para esse processo e, portanto,
uma proposta de atendimento educacional voltado ao
desenvolvimento de crianças ou jovens com altas habilidades é

22
O ATENDIMENTO EDUCACIONAL ÀS PESSOAS COM ALTAS HABILIDADES/ SUPERDOTAÇÃO

apenas um dos passos a serem tomados pela instituição escolar


com vistas a um desenvolvimento integral.
A organização do ensino, já nos anos iniciais da
escolarização formal, necessita ser direcionada para o incentivo da
investigação científica e da produção criativa, visando à
aprendizagem de conteúdos científicos que ultrapassem o mínimo
estabelecido para o nível escolar em que esses alunos se
encontram, sem desvincular-se, porém, da educação comum,
objetivada no Projeto Político Pedagógico da escola.
Uma proposta educacional com esses objetivos poderá ser
desenvolvida tanto em sala de aula comum quanto em salas de
atendimento especializado. Além de visar equiparação de
condições, respeito à diferença, o atendimento escolar
especializado deve estar subordinado à educação em geral, ser
integrante da educação comum.
Frente a tais considerações, é importante resgatar marcos
históricos do atendimento às pessoas com altas habilidades e os
dispositivos legais que orientam e estabelecem as normas para o
atendimento educacional de alunos com AH/SD no Brasil.
Como acenamos anteriormente, o interesse a respeito das
pessoas que se destacam pela diversidade e as reações observadas
junto a essas pessoas, desde a admiração até inveja e desprezo, são
discutidas por Virgolim (1997). A autora se reporta aos mitos e
preconceitos que envolvem tais pessoas, a cultura e o ambiente
social nos quais elas estão inseridas e onde são construídos os
valores e as concepções relativas às expressões humanas.
Existem registros a esse respeito desde as civilizações da
Idade Antiga. Naquele período, uma grande atenção às pessoas
que se destacavam por sua inteligência foi dada pela cultura grega.
Platão denominava-as ‘crianças de ouro’ e indicava a importância
de serem identificadas logo na primeira infância, para serem
transformadas em líderes (ALENCAR; FLEITH, 2001).

23
ALTAS HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO: REFLEXÕES E PROCESSO EDUCACIONAL

No entanto, nem sempre essas crianças foram tratadas com


o objetivo de valorizar e desenvolver potencialidades. Entre os
séculos XV e XVI pessoas que se destacavam por suas habilidades
e façanhas, por pensamentos divergentes ou ainda por questionar
relações de autoritarismo e submissão, foram consideradas
perigosas, possuídas pelo demônio e maléficas à sociedade. Elas
foram, por isso, discriminadas, perseguidas e exterminadas.
Conforme os homens foram deixando de pautar-se basicamente
por questões religiosas e passaram a buscar o conhecimento da
natureza, novas teorias começaram a ser engendradas. No período
do Renascimento, a observação e a classificação dos fenômenos da
natureza passaram a ser valorizadas. Os desvios dos padrões, tanto
abaixo como acima do comum, eram interpretados como doença
nervosa, desequilíbrio ou instabilidade mental. Estas ideias
contribuíram para o entendimento de que crianças precoces
fossem consideradas diferentes, fisicamente frágeis e destinadas a
ter problemas emocionais.
Atualmente, a atenção aos alunos com AH/SD é entendida
como uma necessidade social, exigindo estudos, pesquisas,
implantação de políticas públicas e ações concretas para seu
atendimento.
Procuramos trazer alguns pontos basilares do atendimento a
esse grupo de pessoas, primeiramente no mundo e, a seguir no
Brasil, baseando-nos em pesquisas realizadas por Alencar e Fleith
(2001), Virgolim (1997), Delou e Bueno (2001), Brandão (2007) e
Mori e Brandão (2009):

Quadro 2 - Acontecimentos internacionais sobre o atendimento a


pessoas com altas habilidades.
1869- Inglaterra: Frances Galton - Defesa da transmissão hereditária das
habilidades mentais: Hereditary Genius. Introduz estatística às ciências
sociais

24
O ATENDIMENTO EDUCACIONAL ÀS PESSOAS COM ALTAS HABILIDADES/ SUPERDOTAÇÃO

1880- Estados Unidos: J.M. Cattell - Influenciado pelas ideias de Galton


utiliza testes psicométricos em doentes mentais.
1904 a 1911-França: Alfred, Binet e Theodore Simon, Primeiros testes
de inteligência para identificar crianças com dificuldades de
aprendizagem.
1911-Alemanha: William Stern- Cria o conceito de Quociente
Intelectual (QI), equação resultante da Idade Mental dividida pela Idade
Cronológica, multiplicada por 100. Inicia-se a era dos testes
psicométricos, utilizados durante anos para classificar, rotular e
discriminar aqueles que estavam fora da média.
1916-EUA: Lewis M. Terman, Estudo das inteligências superiores.
Propõe a Escala Stanford-Binet na Universidade de Stanford.
1921- Início da pesquisa longitudinal mais longa (seis décadas), com
crianças com QI igual ou superior a 140. Concluiu que o QI continua a
elevar-se ao longo da vida e que não teriam problemas de ordem
afetivo-emocional, uma crença corrente.
1924- Rússia: Vygotski. Valorização do ambiente sócio-cultural para o
desenvolvimento humano. Aprendizagem como fator que promove o
desenvolvimento das Funções Psicológicas Superiores (FPS).
1936-Suíça: Jean Piaget. O funcionamento mental depende da interação
dinâmica da pessoa com o ambiente e não somente da influência
genética. Privilegia o processo de desenvolvimento humano e não o
produto.
1940- EUA- Profa. Leta Hollinghworth Universidade de Columbia. A
escola deve assumir a educação de crianças com inteligência superior-
currículo diferenciado.
1960-(final) EUA: Joseph S. Renzulli. Começa suas investigações com
superdotados. Têm início os atendimentos educacionais.
1975- Israel: Conferência Mundial sobre Superdotação (primeira)
2006- Argentina, Mar Del Plata: VI Congresso Ibero-Americano de
Superdotação, Talento e Criatividade - Participação de 16 países.

Os destaques indicam o cuidado com o atendimento a


crianças com altas habilidades passou a ser mais sistematizado e
incentivado, principalmente a partir do início do século passado.
25
ALTAS HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO: REFLEXÕES E PROCESSO EDUCACIONAL

Nos países em desenvolvimento o movimento internacional


culminou nas declarações de Educação para Todos (UNESCO,
1990) e Declaração de Salamanca (UNESCO, 1994), estimulando-
os a assumirem maior compromisso com a educação.

O atendimento educacional ao aluno com AH/SD no Brasil

Conforme Delou (2007) houve inegavelmente um ganho


para a educação de crianças com AH/SD com a Lei de Diretrizes e
Bases da Educação (BRASIL, 1996) no que diz respeito ao
reconhecimento de suas necessidades educacionais especiais e
atendimento educacional especializado (AEE). Outras leis, de
alguma forma, também contribuíram para o avanço da
compreensão da necessidade de um atendimento diferenciado a
esse tipo de criança, como por exemplo, a Lei 5.692/71, (BRASIL,
1971).
Referindo-se ao artigo 9º desta lei, Delou esclarece:

Pela primeira vez uma lei de ensino previa,


explicitamente, que os alunos que
apresentassem deficiências físicas ou mentais,
os que encontrassem atraso considerável
quanto à idade regular de matrícula e os
superdotados deveriam receber tratamento
especial, de acordo com as normas fixadas
pelos competentes Conselhos de Educação
(DELOU, 2007, p. 29).

Segundo essa autora, os princípios doutrinários da educação


especial para os alunos superdotados foram definidos com base no
conceito de que crianças superdotadas e talentosas seriam aquelas
que apresentassem desempenho notável e/ou elevada
potencialidade nos seguintes aspectos (combinados ou isolados):
capacidade intelectual geral; capacidade acadêmica específica;
26
O ATENDIMENTO EDUCACIONAL ÀS PESSOAS COM ALTAS HABILIDADES/ SUPERDOTAÇÃO

capacidade de liderança, talento especial para artes visuais,


dramáticas e musicais, dança, pensamento criador ou produtivo,
entre outros.
Como signatário da Declaração Mundial sobre Educação
para Todos, realizada em Jomtien - Tailândia e posterior
participação em Salamanca - Espanha, na Conferência Mundial
sobre Necessidades Educacionais Especiais: Acesso e Qualidade, o
Brasil assumiu o compromisso de garantir o atendimento
educacional a todos, preferencialmente na rede regular de ensino.
É nessa perspectiva que o país delineou a opção por um sistema
educacional inclusivo (UNESCO, 1990).
Apresentamos a seguir uma pequena síntese dos
acontecimentos mais significativos a respeito do atendimento a
pessoas com altas habilidades no Brasil.

Quadro 3 - Ações brasileiras relacionadas à educação de pessoas


com AH/SD.
1929 Registro das primeiras validações de testes de inteligência
americanos em Recife e no antigo Distrito Federal.
1931 Leoni Kasef lança o livro Educação dos Supernormais.
1932 Estevão Pinto edita as obras O dever do Estado relativamente à
assistência dos mais capazes e O problema da educação dos
bem-dotados.
1939 As Escalas Wescheler de Inteligência (WISC) são introduzidas
no Brasil.
Helena Antipoff utiliza, nos Estatutos da Sociedade Pestalozzi,
o termo ‘supranormais’, em contraposição aos ‘infra normais’
ou ‘deficientes’.
1945 No Rio de Janeiro, primeiro atendimento implantado por
Helena Antipoff na Sociedade Pestalozzi do Brasil (alunos de
Colégios da zona sul para estudar literatura, teatro e música).
1950 São Paulo, Maria Julieta S. Ormastroni iniciou o concurso
Cientistas do Amanhã e a Feira de Ciências, que ocorre até os

27
ALTAS HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO: REFLEXÕES E PROCESSO EDUCACIONAL

dias de hoje.
1961 Primeiro registro federal, com a Lei 4.024 nos Artigos 8º e 9º
dedicados à educação dos excepcionais (deficientes mentais,
problemas de condutas e superdotados).
1967 O Ministério da Educação e Cultura cria uma Comissão
encarregada de estabelecer os critérios para identificar e atender
alunos com AH/SD (CENESP).
1971 Lei de Diretrizes e Bases da Educação 5.692/71 inicia o
movimento a favor da inclusão de alunos com AH/SD. Neste
ano, ocorre em Brasília o I Seminário Nacional sobre
Superdotados.
1972 Na Fazenda do Rosário (MG), Helena Antipoff cria um
Programa de atendimento a alunos superdotados das escolas
rurais e periferia urbana, que continuou sendo desenvolvido por
seu filho Daniel Antipoff, até seu falecimento.
1973 Criação do CENESP (Centro Nacional de Educação Especial)
no Ministério da Educação e Cultura, com o objetivo de
fornecer assistência técnica e financeira às iniciativas em prol
dos deficientes e superdotados.
1976 Em Brasília, a Fundação Educacional de Distrito Federal
implantou o primeiro Programa para Atendimento ao
Superdotado.
1979 Fundação da Associação Brasileira para Superdotados, no Rio
de Janeiro. Atualmente desativada, mas vários estados
brasileiros possuem associações com fins semelhantes.
1988 III Congresso Ibero-americano sobre Superdotação em Brasília.
1995 O Ministério da Educação e Cultura – Secretaria de Educação
Especial lança a Série Diretrizes, na qual é definido o conceito
de AH/SD e indica normas gerais para o atendimento.
1996 A Lei 9.394, atual LDBEN, no Capítulo V estabelece o caráter
inclusivo da educação de alunos com AH/SD.
2002 O MEC publica e distribui o documento Adaptações
curriculares em ação: desenvolvendo competências para o
atendimento às necessidades educacionais de alunos com

28
O ATENDIMENTO EDUCACIONAL ÀS PESSOAS COM ALTAS HABILIDADES/ SUPERDOTAÇÃO

AH/SD, dirigido à prática docente no contexto escolar.


2003 Em Brasília, é fundado o Conselho Brasileiro para
Superdotados - ConBraSd.
2005 Criação dos Núcleos de Atividades de Altas Habilidades/
Surperdotação – NAAHS.
2008 É publicado o documento: Política nacional de Educação
Especial na perspectiva da educação inclusiva.
Fonte: Brandão e Mori (2007).

No Brasil, mesmo venha sendo proposto desde 1971 pela


Lei 5.692/71, o atendimento a pessoas com AH/SD ainda não
atingiu a todas as unidades da federação. De acordo com Delou
(2007), são inegáveis os esforços do governo federal para ampliar a
capacitação de professores no âmbito da educação especial; no
entanto, eles ainda não foram suficientes para atender à demanda
nacional. Conforme a autora, para que o Capítulo V da LDBEN
seja cumprido será necessário “[...] encontrar no restante do corpo
da Lei, os elementos legais que viabilizem este cumprimento,
começando pela organização escolar que é tarefa dos sistemas de
ensino federal, estaduais e municipais, públicos e particulares”
(DELOU, 2007, p. 35).
Para concluir esse capítulo inicial, pontuamos que embora a
LDBEN tenha sido reformulada em 1996, sua aplicação ainda não
alcança todo o território brasileiro no que se refere ao rompimento
de barreiras e preconceitos quanto à inclusão de alunos com
AH/SD e ao atendimento educacional especializado. Sem dúvida,
trata-se de uma questão complexa que envolve a formação de
professores, gestores da educação, família e comunidade.
Conforme Delou (2007), as formações continuadas, voltadas
para a inclusão de alunos com AH/SD, auxiliam o professor a
entender que estes alunos possuem necessidades educacionais
especiais, precisam ser identificados e receber um atendimento

29
ALTAS HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO: REFLEXÕES E PROCESSO EDUCACIONAL

educacional especializado. Alerta ainda para a importância de uma


formação continuada intensa e integral.
Nessa perspectiva, ressaltamos a importância de uma
educação de qualidade para todas as crianças, com um ensino
voltado para a apropriação dos conteúdos científicos de forma
eficaz e significativa, contribuindo efetivamente na formação da
consciência.

30
Flavia Gurniski Beltrami. Acaso perdido. 2011. Óleo sobre tela, 50 x 70 cm.
CAPÍTULO II

TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL E FUNÇÕES


COMPLEXAS DO PENSAMENTO

No presente capítulo discorremos a respeito do


desenvolvimento das funções complexas do pensamento,
relacionando-as às AH/SD, com base nos pressupostos da Teoria
Histórico-Cultural, cujos principais pesquisadores são Lev
Semeonovich Vygotski (1896-1934), Alexander Romanovich Luria
(1902-1977) e Alexis Leontiev (1903-1979).
Com os princípios investigativos do materialismo histórico,
os teóricos analisam a origem da vida consciente e do pensamento,
averiguam causas, perspectivas e contradições, bem como a
influência da realidade concreta no desenvolvimento humano. Eles
destacam a importância da interação entre pessoas, mediação,
cultura, modo de produção da vida, códigos linguísticos e
instrumentos físicos disponibilizados na sociedade e das formas
histórico-sociais de vida da espécie humana. Conforme os autores
russos, a capacidade para criar e fazer uso de instrumentos e
objetos físicos é fundamental no e para o processo de
hominização, pois “[...] juntamente com o desenvolvimento
específico dos métodos psicológicos internos e com a habilidade
de organizar funcionalmente o próprio comportamento”
(VYGOTSKI; LURIA, 1996, p. 183), a mente desenvolveu-se ao
longo da história da existência humana de modo surpreendente. A
formação e o desenvolvimento das funções complexas do
pensamento ocorrem por meio da utilização de mediadores e
ALTAS HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO: REFLEXÕES E PROCESSO EDUCACIONAL

requisitam o relacionamento e a convivência entre os seres


humanos para sua efetivação.
Em suas produções, os pesquisadores não desconsideram o
biológico, mas afirmam que a partir de certo momento da
evolução da espécie, com o advento do trabalho, a história social e
cultural passou a promover o desenvolvimento humano. Para
Leontiev (1978), as bases biológicas herdadas não determinam as
aptidões psíquicas, mas possibilitam condições para a formação
destas. Aquilo que fornece ao homem o que ele tem de
verdadeiramente humano é, segundo esse autor, o mundo dos
objetos e fenômenos criados pelo trabalho.
Assim, a ação do homem por meio do trabalho permite a
transformação da natureza e de si mesmo, bem como o
desenvolvimento de relações sociais, a criação e utilização de
novos instrumentos. Analogamente aos instrumentos físicos
utilizados pelos homens para aperfeiçoar a ação do trabalho, os
signos linguísticos são os instrumentos da atividade psicológica,
destinados a operar mentalmente sobre os fenômenos do mundo e
da vida por meio do processo de representação mental, pois
substituem os objetos do mundo real. A invenção e o uso de
novos instrumentos físicos modificam o trabalho e as estruturas
sociais, tal como os novos instrumentos do pensamento fazem
surgir novas estruturas cognitivas.
O desenvolvimento de
funções psicológicas tais como
atenção voluntária, percepção,
memorização ativa, raciocínio
lógico e dedutivo, pensamento
abstrato, imaginação e os
processos mentais que
possibilitam a aquisição de Figura 2 - Pensando o jogo.
conceitos, associação de ideais, Fonte: Acervo das autoras

34
TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL E FUNÇÕES COMPLEXAS DO PENSAMENTO

generalização, abstração, capacidade de planejamento e resolução


de problemas próprios do ser humano ocorrem desde o início da
vida humana. As funções psicológicas se modificam de modo
dinâmico, qualitativo e evolutivo ao longo do tempo, no interior
das interações sociais estabelecidas. Elas constituem o pensamento
e podem expressá-lo por meio de diferentes representações, tais
como a escrita, o cálculo, o desenho, a arte, entre outras formas
criativas do desenvolvimento cultural.
A habilidade para utilizar instrumentos e mediadores
culturais intrapsíquicos indica o nível de desenvolvimento do
pensamento. A pessoa considerada com AH/SD, nesta perspectiva
teórica, consegue utilizar suas funções psicológicas ao associar
ideias, memorizar e aproveitar a experiência vivida com rapidez e
facilidade, diferentemente da pessoa com deficiência intelectual
que pode requisitar mediação externa constante. Quanto mais
avança no processo de desenvolvimento geral e das funções
complexas do pensamento, mais possibilidades a pessoa tem para
imaginar e criar dispositivos culturais auxiliares à memorização,
associação de ideias, raciocínio e solução de problemas
(VYGOTSKY; LURIA, 1996).
No desenvolvimento humano, a ligação inicial com o mundo
ocorre por meio das vias sensoriais. As sensações de fome e de
saciedade possibilitam os primeiros fenômenos psicológicos
vivenciados pelo bebê. Graças à interação que a criança estabelece
com as outras pessoas ao seu redor, o princípio das sensações
orgânicas de existência e dos reflexos incondicionados começa a
ser substituído pelo princípio da realidade advinda do meio sócio-
cultural. Para Vygotsky e Luria (1996), em todos os órgãos do
sentido, os aspectos biológicos vão sendo superados, em sua
funcionalidade, pela apropriação da cultura.

35
ALTAS HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO: REFLEXÕES E PROCESSO EDUCACIONAL

Vejamos como as funções psicológicas se desenvolvem e são


superadas por outras mais complexas, por incorporação, no
decorrer da vida.

As sensações e a percepção.

As vias sensoriais ligam o homem ao mundo exterior, que


representa fonte básica de informações, bem como condição
primária de desenvolvimento psíquico. Na medida em que o
princípio da realidade externa começa a incidir sobre o organismo,
o bebê humano reage a estímulos, inicialmente de modo instintivo
e, aos poucos, com direcionamento de movimento corporal. Por
volta de um mês e meio observa-se o início dos movimentos
coordenados dos olhos, condição necessária para ver; aos três
meses, o reconhecimento de rostos e em torno de quatro a cinco
meses o mundo visível se torna acessível.
Gradativamente, o princípio das sensações orgânicas de
existência começa a ser substituído pelo princípio da realidade
perceptiva externa e social. O conhecimento do mundo inicia-se,
principalmente pela boca, depois por meio das mãos e,
posteriormente, pelo uso da visão e audição.
Os estímulos luminosos recebidos pelos olhos, na síntese de
sensações e nos complexos sistemas de processamento das
informações, ultrapassam os limites das sensações isoladas e
passam a compor um conjunto; aos poucos, as imagens visuais
começam a ser percebidas com significado.
A criança, na faixa etária de dois a três anos, não possui
ainda mecanismos neurais de perspectiva; em geral ela percebe o
mundo como algo bem próximo (espacialmente), ao alcance da
mão. Sua orientação em relação ao espaço lhe permite perceber
objetos distantes como pequenos e os próximos como grandes.
Surge o período em que há confusão entre sonho e realidade,

36
TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL E FUNÇÕES COMPLEXAS DO PENSAMENTO

imaginação, fantasia, brinquedo, faz de conta. Por exemplo, a


criança se considera capaz de pegar a lua com a mão ou brincar
com a casinha situada no alto da montanha.
A percepção visual é um processo criativo, pois o estímulo
luz, recebido pela retina, é processado, transformado em imagens
mentais e avaliado, sendo atribuído ao mesmo um significado, pois
a imagem se funde com imagens deixadas pelas experiências
anteriores. Como resultado dessa síntese (unificação),
transformamos sensações isoladas numa percepção integral. A
percepção de objetos conhecidos é rápida, e se processa com dois
ou três indícios. Já a percepção de objetos novos ou desconhecidos
é mais complexa e envolve um trabalho de análise e síntese.
A criança com AH/SD consegue realizar um complexo
processo de discriminação e associação dos indícios essenciais do
objeto, compara hipóteses e suposições da informação que chega
com os conhecimentos já adquiridos e observa detalhes
relacionando-os aos seus possíveis significados (hipóteses).

A atenção inicial e a atenção voluntária

O processo de atenção envolve a percepção seletiva e


dirigida a uma determinada fonte de estímulo, com esforço de
concentração em uma determinada tarefa. É um mecanismo
neuronal que regula e focaliza o organismo, ao selecionar e
organizar a percepção, permitindo que um estímulo possa dar lugar
a um impacto, isto é, que possa desencadear um processo neuronal
eletroquímico. Nas primeiras semanas de vida, a atenção é
instintiva e reflexiva (não intencional) e provocada por estímulos
externos como luz intensa, brilhante, ruído, que geram movimento
corporal e organizam o comportamento tal como virar a cabeça
para a fonte do estímulo, fazer careta, chorar. Também são
acionadas reações corporais como a busca com a cabeça, o choro.

37
ALTAS HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO: REFLEXÕES E PROCESSO EDUCACIONAL

Essas reações podem ser advindas também de estímulos internos


como a fome.
Mediante a tranquilidade ou saciedade, quando o estímulo
enfraquece ou desaparece, a atenção se extingue e o
comportamento volta à condição indiferenciada que oscila entre o
sono e a vigília; posteriormente surge a atenção voluntária.
As experiências – condições culturais de vida – criam
estímulos adicionais (artificiais) que adquirem um sentido além dos
advindos pelo comportamento natural. Começam, então, a
aparecer forças que prendem a atenção focada e sustentada, tais
como o brincar, os objetos desejados do meio social, a escola, os
contextos ocupacionais em geral, gerando nova organização da
atenção.
O processo atencional voluntário gera nova organização do
comportamento e regula a entrada, a focalização, a seleção, a
exclusão e a sustentação de informações.
Na criança com AH/SD observa-se a agilidade e facilidade
com a qual resolve a competição entre estímulos, pois consegue
direcionar a atenção e a percepção para recrutar ou ativar
informações aprendidas emitindo respostas interessantes, e por
vezes, inusitadas. Além disso, organiza as reações num sistema
correspondente, discernindo e ordenando os indícios ou as ações
mais importantes e compreende como as situações difíceis se
submetem a determinados fatores fundamentais, centrais.
A atenção voluntária, a percepção e a ação mediada pela fala
egocêntrica são inicialmente reforçadas por ampla atividade
prática, que diminui gradativamente devido à internalização e
reorganização do pensamento que assegura seu planejamento,
regulação e controle internos. Este processo atencional arbitrário
consiste, segundo Luria (1991), em um desenvolvimento altamente
complexo, cuja fonte é a comunicação da criança com o adulto.

38
TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL E FUNÇÕES COMPLEXAS DO PENSAMENTO

A memória

As aquisições obtidas pela criança na primeira infância,


decorrentes da experiência cultural, reconstroem as funções
psicológicas básicas e estabelecem novas conexões neurais
equipando a criança com novos recursos. A plasticidade do
aparelho neuropsicológico possibilita, além de outros fenômenos,
a fixação e armazenamento de impressões recebidas, isto é, a
memorização. O desenvolvimento da memória progride
lentamente no decorrer da infância e adolescência e se mantém
sem grandes ampliações na idade adulta, entretanto, no adulto, a
memória assume características diferenciadas de vigor, amplitude e
variabilidade de registro.
A via do desenvolvimento da memória, ao longo da vida,
envolve a transição de formas naturais para formas culturais,
aprendidas, de lembrança. A criança apropria-se de sistemas já
prontos que a auxiliam e passa a relacionar o novo material
aprendido com a experiência anterior, valendo-se de sistemas de
associação mediados como tomar nota, grifar, listar, entre outros.
Conforme Vygotski e Luria (1996, p. 188), “[...] a criança manipula
objetos externos para conseguir o controle do processo interno de
memória”.
Ao discorrerem a respeito do funcionamento da memória
em crianças com AH/SD, Vygotski e Luria (1996) utilizam o
termo bem-dotada e destacam como característica preponderante a
considerável capacidade para utilizar dispositivos culturais.
Observaram por meio de experimentos a capacidade de pensar
conexões artificiais entre elementos para serem lembrados
posteriormente. Os pesquisadores verificaram ainda o uso de
estratégias de associação, como o estabelecimento de relação entre
palavras e figuras, como estratégia de memorização. As escolhas
para a realização de tais relações ocorrem de forma criativa, de

39
ALTAS HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO: REFLEXÕES E PROCESSO EDUCACIONAL

acordo com a vivência social e aquisições intelectuais como


dispositivos auxiliares.
Os sinais de desenvolvimento eficiente da memória são
manifestos pelas crianças com AH/SD desde pequenas, quando já
utilizam rede de estruturas mediadoras auxiliares como recursos
para a recordação. Elas transitam de um sistema de lembrança
imediata para um sistema de notação – dispositivo cultural,
artificial – e substituem métodos simples, com características
primitivas, por sistemas mais complexos, criados no decorrer do
processo de evolução histórica e, frequentemente, são aprendidos
na escola: leitura, uso da representação numérica de quantidades,
cálculo mental, entre outros. Como demonstraram Vygotsky e
Luria (1996), essas crianças utilizam recursos linguísticos por meio
do uso de mediadores culturais, como por exemplo, as figuras,
para lembrar palavras, estabelecendo relações diretas e, quando as
figuras permitem, relações complexas, em nível de abstração.
As mudanças das relações entre os processos psicológicos
básicos se manifestam com a transformação dos processos de
memorização da criança. De acordo com Luria (1991), se no início
do desenvolvimento a memória tinha caráter direto e traços de
continuidade da percepção visual, por meio de registro de imagens,
com o advento da fala e compreensão da linguagem verbal, o
pensamento adquire novas e complexas configurações mediadas
por palavras e significados. Estrutura-se a memorização mediata,
como decorrência da diminuição de ligação imediata (direta) com
os estímulos percebidos, fazendo com que o processo de
memorização adquira novas, importantes e decisivas correlações
com os processos de pensamento, raciocínio lógico, imaginação e
criatividade.

40
TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL E FUNÇÕES COMPLEXAS DO PENSAMENTO

A linguagem e o pensamento

Por meio da linguagem, o ser humano consegue nomear,


discriminar, focalizar a atenção, conceituar e armazenar na
memória os objetos do mundo, suas ações, intenções, qualidades,
relações entre os fenômenos, entre outras possibilidades. Isto é
possível porque a memória é um conjunto de códigos, dados no
âmbito social e construídos nos âmbitos histórico e cultural que,
ao serem internalizados, servem como instrumentos simbólicos
mediadores para a atividade prática e reorganizam a atividade
consciente do homem, tornando-se meio de regulação das funções
complexas do pensamento.
Inicialmente, fala e ação são independentes e em
determinado momento se encontram. Este momento é
considerado pelos autores da Teoria Histórico-Cultural como o de
maior significado no curso do desenvolvimento intelectual, pois
origina formas especificamente humanas de inteligência.
Os códigos linguísticos, estabelecidos pela sociedade e pela
cultura em seu tempo e contexto, refletem o mundo real. A criança
aprende, em função das circunstâncias em que vive, a organizar e
regular seu pensamento e ações e comunicar-se paulatinamente,
refletindo os aspectos culturais existentes nas relações
interpessoais do contexto em que se encontra.
Para Vygotsky (1993) há uma importante distinção entre
significado e sentido das palavras. O significado, estabelecido pelo
contexto social e cultural, é a capacidade de analisar e distinguir, no
objeto, propriedades essenciais das não essenciais e relacioná-las a
categorias específicas. O sentido da palavra surge com a escolha
mais conveniente que se faz entre diversos significados.
O significado da palavra é a unidade mínina e fundamental
da consciência humana. Por meio do significado, o pensamento e a
linguagem se unem. Esta confluência possibilita o

41
ALTAS HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO: REFLEXÕES E PROCESSO EDUCACIONAL

desenvolvimento do pensamento linguístico e da fala


intelectualizada.
A palavra, unidade fundamental da língua, conforme Luria
(1991), permite a mobilidade do pensamento para analisar os
objetos, reconhecer e delimitar, nestes, seus traços essenciais para
abstrair e relacioná-los a uma categoria específica generalizando.
A constituição do pensamento e da consciência,
instrumentalizada pela linguagem, se faz por meio da aquisição de
conceitos, inicialmente comuns, advindos do cotidiano e,
posteriormente científicos, com as apropriações de informação
obtidas, principalmente, na educação formal (escola). Os conceitos
possuem estruturas quanto ao significado, graças à integração e
correlação de diferentes funções psicológicas superiores, tais como
a percepção, a memória, o pensamento verbal abstrato na medida
em que se modificam e evoluem nas etapas sucessivas do
desenvolvimento.
O embate das concepções que a criança possui no início da
sua vida e as apresentadas pelos outros, movimenta o pensamento
e dinamiza a linguagem por meio da apropriação de novos e
diferentes significados, os quais dialogicamente evoluem e passam
a constituir novos sentidos a serem refletidos, negociados, aceitos
ou refutados. Estes processos enriquecem e diversificam o
pensamento discursivo.
A confluência da linguagem e do pensamento oferece
condições para a reconstrução cultural significativa e singular, para
a diferenciação entre realidade e fantasia e para o desaparecimento
das nítidas imagens visuais do pensamento concreto e absoluto.
Em seus experimentos, Vygotski e Luria (1996) observaram que,
no princípio da manifestação do pensamento falado, a criança
revela dificuldades em conter reações imediatas; para ela é mais
fácil dar uma resposta qualquer, até mesmo absurda, do que
esperar ou afirmar que não sabe. Com o desenvolvimento e a

42
TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL E FUNÇÕES COMPLEXAS DO PENSAMENTO

educação aprende a conter as reações impulsivas porque se iniciam


as condições que irão auxiliar no processo de reflexão do
pensamento do homem cultural adulto.
Em crianças com AH/SD é frequente observar a
proficiência linguística e o domínio de vocabulário elaborado.
Possivelmente, ao se comunicarem, elas expressam as operações
lógico-verbais do pensamento, acionando funções psíquicas
complexas e revelam o interesse e, em certas situações, o
conhecimento com base científica, resultado de investigações
advindas do acesso aos mediadores culturais dispostos em seu
meio. Quando a educação escolar incide neste momento de
aquisição do conhecimento, as operações mentais que a criança
realiza sozinha se ampliam rapidamente e, em curto intervalo de
tempo, um conceito novo é apropriado e utilizado com destreza,
elevando os níveis de raciocínio lógico. Assim pode surgir outro
interesse pessoal, ou curiosidade, devido a alguma informação, por
utilizar o pensamento associativo e a complexa cadeia de funções
psíquicas superiores de modo singular.
Vygotski e Luria (1996, p. 209) analisam momentos especiais
em que pode ocorrer falta de correspondência entre fala e
pensamento, em etapas variadas da vida, e não apenas nos estágios
iniciais, primitivos do desenvolvimento, como a expressão de
reações emocionais intensas manifestadas por gritos, sustos,
choros, risos, brados. Também discorrem a respeito da reflexão no
jogo de xadrez, a qual pode ocorrer “[...] sem fala interior, isto é,
exclusivamente com a ajuda de uma combinação de imagens
visuais”.

Abstração, generalização e raciocínio lógico

A abstração é parte integrante e necessária ao processo de


pensamento. A transição do pensamento concreto para o abstrato

43
ALTAS HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO: REFLEXÕES E PROCESSO EDUCACIONAL

depende, inicialmente, do uso de ferramentas externas e da prática


de técnicas complexas de comportamento, como, por exemplo, o
uso gráfico de registro dos números para realização de contagem e
operações quantitativas.
Com base principalmente na forma, na representação visual,
as crianças pequenas manipulam objetos, empilham, montam
torres, encaixam peças ou partes para compor o todo a ser
descoberto; comparam para dizer onde tem mais ou menos, a fim
de distribuir ou partilhar, por meio do uso primitivo do processo
de percepção visual e manual.
Quando as crianças sabem contar, organizam os objetos em
fileiras, mas a forma, concreta e visual, ainda influencia a contagem
quando são posicionados de modo sobreposto. No experimento
de Vygotski e Luria (1996), no arranjo de cubos em cruz, contam
duas vezes o cubo central.
A capacidade de abstrair e generalizar liberta o homem dos
limites da experiência concreta e, por meio da aquisição, associação
e combinação de conceitos ou elementos, promove atividades
mentais dinâmicas e complexas, a partir da função comunicativa e
representativa da linguagem. Algumas crianças com altas
habilidades conseguem realizar com facilidade atividades que
envolvem raciocínio lógico e pensamento abstrato generalizante de
modo rápido e eficiente e, por vezes, realizam cálculo mental e
expressam a resposta conclusiva. Essa comunicação, com
frequência gera inquietação por parte dos educadores, pois nem
sempre é fácil compreender o percurso do raciocínio do aluno.
O raciocínio e o significado das palavras transformam-se ao
longo do desenvolvimento, formando novos sentidos, no contexto
da reflexão e do discurso.

44
Aletheia Alves da Silva. Joaninha. 2013. Técnica mista sobre papel A4.
CAPÍTULO III

ALTAS HABILIDADES/
SUPERDOTAÇÃO E PRÁTICA PEDAGÓGICA

Buscamos nesse capítulo uma interlocução entre prática


pedagógica, abordagem Histórico-Cultural e Teoria da
Modificabilidade Cognitiva, aqui representadas por Vigotski, Luria,
Leontiev e Feuerstein, respectivamente.
O atendimento educacional em sala de aula deve estar
voltado para o desenvolvimento de todos os alunos, e, para que
isto se concretize, o professor precisa identificar as possibilidades e
dificuldades de cada um deles. Esse levantamento inicial poderá
auxiliá-lo na organização de um conjunto de ações pedagógicas
direcionadas às necessidades e especificidades de cada um
(GUIMARÃES; OUROFINO, 2007).
Com o objetivo de refletir sobre a prática docente, em
especial aquela destinada a alunos com AH/SD, apontamos
algumas das dificuldades enfrentadas pelos alunos com
necessidades educacionais especiais matriculados em salas de
ensino comum e em salas de recursos multifuncionais (serviço
especializado). Trazemos também formas de mediação docente
propostas pela equipe de Reuven Feuerstein e a possibilidade de
realizar adaptações curriculares como alternativas para promover o
desenvolvimento desses educandos.
ALTAS HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO: REFLEXÕES E PROCESSO EDUCACIONAL

Sala de ensino comum

A forma como a escola se encontra organizada atualmente


não tem minimizado as dificuldades no atendimento aos alunos,
independentemente de suas diferenças. A universalização do
ensino não oferece condições adequadas à inclusão escolar de
todos, ao contrário, aponta para o restrito acesso de uma minoria
ao conhecimento sócio-histórico e científico-tecnológico, em
detrimento de muitos excluídos não só do sistema educacional
como também do sistema produtivo.
O atendimento aos alunos com necessidades educacionais
em sala de ensino comum ainda tem se defrontado com a falta de
materiais adequados, de formação e apoio aos professores para
lidar com as diferenças, sejam elas na área de deficiência ou
AH/SD.
Muitos mitos em relação às crianças mais talentosas foram
superados mediante a realização e divulgação de pesquisas. Dentre
os mitos mais recorrentes destacam-se a crença de que elas não
necessitariam de ajuda para se desenvolverem; que seriam
fisicamente fracas e emocionalmente instáveis; o talento que
possuem desapareceria e, portanto, a criança não permaneceria
produtiva na vida adulta. O bem dotado nasceria com certas
características que não se modificariam e, desta forma, não teriam
sua potencialidade nem melhorada e nem piorada (GUENTHER,
2006 a ou b???).
A escola, sem dúvida alguma, pode desempenhar um papel
fundamental junto aos alunos talentosos, em sua identificação e no
desenvolvimento de projetos educacionais que atendam suas
necessidades e contribuam para a promoção de suas
potencialidades e habilidades. Mas, para isto ela precisa descobrir e
dedicar-se a estes alunos. Guenther (2010) destaca alguns indícios
que podem ser percebidos pelo professor ao longo do processo

48
ALTAS HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO E PRÁTICA PEDAGÓGICA

escolar: 1) sinais de produção superior ao esperado para sua faixa


etária e desenvolvimento; 2) produção duvidosa, a qual demonstra
que os educandos são capazes de fazer melhor ou ter uma
produção original e criativa em áreas que não sejam as curriculares;
3) interesse e atração por atividades que os mantém concentrados
por longo tempo; rejeições e fugas de atividades para executar
outras de seu maior interesse; 4) postura e posicionamento pessoal
expresso em ideias, ações e atitudes em diversas situações
escolares.
Como alerta Freitas (2005), apenas a formação docente não
é suficiente para promover o desenvolvimento da criatividade e
das capacidades individuais uma vez que outros fatores concorrem
para esse processo. Dentre estes fatores, a autora aponta a
necessidade de um currículo apropriado e flexível que viabilize a
utilização de práticas pedagógicas diversificadas. O envolvimento
da comunidade escolar e da família é imprescindível para que se
estabeleça um atendimento educacional articulado e coerente.
Os desafios encontrados pelo professor no cotidiano escolar
exigem uma postura diferenciada: compromisso com a formação
humana de seus alunos, conhecimento para identificar e
corresponder às suas necessidades diversificadas, potencialidades,
dificuldades, formas e ritmos de aprendizagem.

Sala de Recursos Multifuncionais

Para falar de atendimento educacional a pessoas com


necessidades educacionais especiais (e nessa categoria estão
incluídas tanto pessoas com deficiências, distúrbios, transtornos ou
com AH/SD) precisamos entender como ele veio transcorrendo
ao longo do tempo. Segundo Aranha (2001), o movimento de
desinstitucionalização de pessoas com necessidades especiais pelos
países ocidentais caracterizou-se por interesses diversos, desde a

49
ALTAS HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO: REFLEXÕES E PROCESSO EDUCACIONAL

diminuição de despesas nos cofres públicos até o retorno desta


população ao sistema produtivo, o que justificaria a criação do
termo integração, baseado na ideologia da normalização.
Na década de 1970 a disseminação do movimento voltado à
integração sofreu muitas críticas por se pautar na integração do
aluno com necessidades especiais ao ensino regular, sem se
preocupar com suas diferenças. Caberia ao aluno adaptar-se ao
espaço escolar se aproximando o máximo possível da tão esperada
normalidade. Desta forma, o objetivo das classes especiais nas
escolas seria a preparação do aluno para o ingresso na classe
comum.
Em 1980, o termo integração passa a ser substituído por
inclusão, uma tendência que se fortalece a partir da década de
1990, com a Declaração de Salamanca (UNESCO, 1994, p. 5), a
qual preconiza em seu item 10º:

O encaminhamento de crianças a escolas


especiais ou a classes especiais ou a sessões
especiais dentro da escola em caráter
permanente deveria constituir exceções, a ser
recomendado somente naqueles casos
infrequentes onde fica claramente
demonstrado que a educação na classe regular
seja incapaz de atender às necessidades
educacionais e sociais da criança [...].

Neste sentido, a Declaração de Salamanca enfatiza a


necessidade de elaborar e implantar na escola atendimentos de
apoio à inclusão de alunos com necessidades especiais
educacionais, com o objetivo de apoiar, complementar (para
aqueles com alguma deficiência) ou suplementar (para alunos com
AH/SD) os serviços já existentes no ensino regular, alguns destes
atendidos anteriormente em classes e escolas especiais.

50
ALTAS HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO E PRÁTICA PEDAGÓGICA

Às escolas caberia então, oferecer serviços de apoio


pedagógico especializado aos alunos com necessidades
educacionais especiais, como consta nas Diretrizes Nacionais para
a Educação Especial na Educação Básica (BRASIL, 1995).
O uso da Sala de Recursos como atendimento educacional
especializado torna-se possível quando o atendimento às pessoas
com deficiência passa a ser oficial, laico e educacional,
apresentando-se como estratégia de amenização do fracasso
escolar que atingia dimensões assustadoras. O início destas salas
no Brasil data da década de 1970, tomando como base as
referências americanas. Como explica Silva (2003), a intenção era
reduzir a distância entre ensino regular e ensino especial; as salas
de recursos seriam uma alternativa para a integração desses alunos,
respeitando suas necessidades e em oposição ao caráter
segregacionista das classes especiais. Este apoio indicava a
normalização das condições de escolarização oferecidas a pessoas
consideradas diferentes pela sociedade.
A Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da
Educação Inclusiva evidencia que os atendimentos aos alunos com
necessidades educacionais especiais devam ocorrer em Sala de
Recursos ou em Centros de Atendimento Educacional
Especializado, em contra turno ao período da classe comum. O
documento preconiza o atendimento especializado aos alunos com
AH/SD com o objetivo de enriquecer o currículo e promover o
desenvolvimento de suas potencialidades nas áreas acadêmica,
intelectual, psicomotricidade, artes, liderança e mecânica (BRASIL,
2008c).
Aranha (2001) aponta a necessidade de cada município se
organizar para: 1- identificar o perfil de seu alunado; 2- identificar
as necessidades educacionais presentes nesse conjunto; 3-
promover estudos pilotos para produzir conhecimento sobre a

51
ALTAS HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO: REFLEXÕES E PROCESSO EDUCACIONAL

prática e procedimentos mais eficazes; 4- desenvolver um projeto


pedagógico baseado nos resultados dessas avaliações.
Os serviços de apoio e os recursos oferecidos pela escola aos
alunos com necessidades educacionais especiais foram ratificados
no Decreto 6571/2008 (BRASIL, 2008a) e a sua implementação
ocorreu mediante a promulgação da Resolução 4 de 2 de outubro
de 2009, a qual institui Diretrizes Operacionais para o
Atendimento Educacional Especializado, na Educação Básica,
modalidade Educação Especial.
Esse documento torna obrigatória a matrícula de alunos com
deficiência, AH/SD e transtornos globais do desenvolvimento, no
ensino regular e no Atendimento Educacional Especializado
(AEE) oferecido em Centro de Atendimento Educacional ou em
Salas de Recursos Multifuncionais na rede pública ou em
instituições sem fins lucrativos. O atendimento oferecido deverá
ocorrer em contra turno à escolarização e não em substituição à
classe comum. Será desenvolvido na Sala de Recursos
Multifuncionais da própria escola, ou na mais próxima, caso não
haja o atendimento na escola em que o aluno está matriculado.
A organização do Projeto Político-Pedagógico do ensino
regular deve incluir o AEE e prever em sua organização as Salas de
Recursos Multifuncionais que envolvem espaço físico, mobiliário,
materiais e recursos pedagógicos e de acessibilidade, equipamentos
específicos, sob a responsabilidade de professor habilitado à
docência com formação específica em educação especial.
A Sala de Recursos Multifuncionais se caracteriza como
instrumento de natureza pedagógica, cujo objetivo é suplementar,
no caso dos alunos com AH/SD, e complementar nos casos de
alunos com dificuldades de aprendizagem acentuadas, relacionadas
ou não à deficiência.
Diferentemente das Salas de Recursos, as Salas de Recursos
Multifuncionais estão equipadas com materiais e equipamentos

52
ALTAS HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO E PRÁTICA PEDAGÓGICA

diferenciados, para atender, em um mesmo espaço, alunos com


deficiência física, mental, surdez, cegueira, AH/SD, déficit de
atenção, hiperatividade e demais necessidades educacionais
especiais, cada qual com seu cronograma específico. O trabalho
pedagógico docente poderá ocorrer individualmente ou em
pequenos grupos, em horário contrário àquele em que o aluno
frequenta na classe comum.
No período de 2005 a 2009, foram ofertadas 15.551 Salas de
Recursos Multifuncionais, distribuídas em todos os estados
brasileiros, atendendo 4.564 municípios, o equivalente a 82% do
total (BRASIL, 2008b).
A garantia de um atendimento educacional especializado é
indicada em documentos oficiais como a Constituição Federal
(BRASIL, 1988), o Estatuto da Criança e do Adolescente
(BRASIL, 1990), a Declaração de Salamanca (UNESCO, 1994), as
Leis de Diretrizes e Bases (BRASIL, 1996) e os Parâmetros
Curriculares Nacionais (BRASIL, 1997). As leis estão postas e a
política de inclusão está formatada; entretanto, questões
econômicas, políticas e estruturais que envolvem o contexto
educacional, muitas vezes impedem sua real efetivação
comprometendo o acesso a uma educação de qualidade a todos.

Adaptações curriculares: organização do ensino e o plano de


atendimento educacional

Segundo as Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação


Especial (BRASIL, 2001), o conceito de Escola Inclusiva implica
em:

[…] uma nova postura da escola comum, que


propõe no projeto político pedagógico, no
currículo, na metodologia de ensino, na
avaliação e na atitude dos educandos, ações

53
ALTAS HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO: REFLEXÕES E PROCESSO EDUCACIONAL

que favoreçam a integração social e sua opção


por práticas heterogênicas. [...] Inclusão,
portanto, não significa simplesmente
matricular os educandos com necessidades
especiais na classe comum, ignorando suas
necessidades específicas, mas significa dar ao
professor e à escola o suporte necessário à sua
ação pedagógica.

Ao assumirmos o entendimento de que a educação especial é


parte integrante da educação geral, nos comprometemos em
refletir, planejar e desenvolver uma prática educacional voltada à
diversidade de todos os alunos. Frente a isto, é de fundamental
importância repensar propostas curriculares como meios de
viabilizar a aprendizagem e desenvolvimento dos alunos e,
portanto, ajustar o currículo às suas necessidades e não o contrário.
Sob a perspectiva histórico-cultural, o desenvolvimento do
aluno ocorre em duas dimensões: primeiro externamente, sob a
influência social e cultural e depois internamente, quando o aluno
se apropria do conhecimento reelaborando-o e tornando-o seu.
Tomando como exemplo a criação literária proposta por Tolstói,
Vigotski (2009) argumenta que para auxiliarmos a criação da
criança precisamos incentivá-la e fornecer-lhe o material
necessário. Analisando os procedimentos utilizados por esse
escritor, o estudioso demonstra como a proposta de Tolstói forma
nas crianças o impulso para buscarem formas de compor,
combinar e expressar suas experiências e tomarem consciência do
seu relacionamento com o mundo. Ao contagiá-las com sua
preocupação o escritor proporciona procedimentos de criação.
Para Vigotsky (2009, p. 72) isto pode ser considerado
verdadeiramente como educação:

Educação, entendida correta e cientificamente,


não significa infundir de maneira artificial, de

54
ALTAS HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO E PRÁTICA PEDAGÓGICA

fora, ideais, sentimentos e ânimos totalmente


estranhos às crianças. A educação correta
consiste em despertar na criança aquilo que
existe nela, ajudar para que isso se desenvolva
e orientar esse desenvolvimento para algum
lado.

Em semelhante perspectiva, Feuerstein e seu grupo de


pesquisadores, conforme estudos realizados por Goulart (2000)
sistematizaram formas de mediação que podem auxiliar o
professor a promover a aprendizagem.
Segundo a autora, esses estudiosos voltaram suas
investigações para as diferenças evidenciadas na aprendizagem,
ligadas à exposição do indivíduo à própria cultura, por meio de
EAM (Experiências de Aprendizagem Mediada), ou seja, as formas
de interação mediadas por outro ser humano, em um dado grupo
social.
Experiências de Aprendizagem Mediada (EAM), portanto,
são situações vivenciadas pelos indivíduos, nas quais existe a ação
intencional de outro ser humano que filtra, direciona, enriquece ou
focaliza os estímulos, de acordo com a necessidade de quem está
sendo mediado.
Na aprendizagem mediada o professor poderá depositar
toda sua ação para atender ao alunado em suas especificidades. As
experiências mediadas por situações de aprendizagem podem
promover a flexibilidade das estruturas neuronais, oportunizando à
pessoa a aquisição de habilidades e competências que a auxiliam a
questionar, analisar, propor e a enfrentar situações novas.
No entanto, não é qualquer interação que resulta numa
experiência de aprendizagem mediada. Para que a experiência
alcance seu objetivo, algumas características básicas devem
permeá-la. Além da intencionalidade, já apontada como
fundamental no estabelecimento das mediações, Feuerstein (1980)

55
ALTAS HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO: REFLEXÕES E PROCESSO EDUCACIONAL

indicam outros critérios para auxiliar no processo de mediação.


Entre eles, encontram-se: atribuição de significado; sentimento de
competência, de otimismo; regulação da conduta;
compartilhamento; individuação e diferenciação psicológica no
interior do grupo; sentimento de pertencer a um determinado
grupo; compreensão de que o ser humano pode modificar-se.
O autodomínio ou controle da conduta, conforme destaca
Núñez reportando-se a Vygostski, é a função mais completa: “[...]
na opinião do referido teórico, a relação domínio e personalidade
significa o controle deliberado dos processos mentais” (NUÑEZ,
2009, p. 29).

Intencionalidade e reciprocidade

A intencionalidade e reciprocidade são condições


imprescindíveis para a aprendizagem ou uma interação com
resultados mais duradouros. É necessário que o professor tenha a
intenção de ensinar, clareza dos objetivos e a quem pretende
alcançar. Ao conhecer e organizar o ensino para um determinado
tipo de aluno, o profissional irá agir sobre os estímulos, filtrando-
os moldando-os, repetindo-os, reforçando-os, transformando-os,
caracterizando-os ou ainda eliminando-os, conforme as
necessidades desse aluno. Ao mesmo tempo, a criança precisa
envolver-se nesse processo e participar ativamente dele. Nesse
processo três elementos estão presentes: o mediador, o mediado e
o estímulo.
Ao levar a criança a perceber e registrar os estímulos, o
professor poderá contribuir para que ela alcance certas mudanças
na maneira de processar, organizar e utilizar a informação. Ao
mesmo tempo, ao deixar claro quais são seus objetivos, o
professor permite ao aluno compartilhar de forma ativa no
processo de apropriação de conhecimentos.

56
ALTAS HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO E PRÁTICA PEDAGÓGICA

Assim, em qualquer atividade, é importante ter como


objetivos mínimos:
1- Reconhecer os dados (O que é isto?);
2- Definir o objetivo ou problema (O que fazer? O que é
preciso fazer?);
3- Estabelecer estratégias para atingir o objetivo ou
solucionar o problema (como vamos fazê-lo?);
4- Avaliar as melhores estratégias (estabelecer critérios);
5- Verificar se o objetivo foi alcançado ou se o problema
foi solucionado.
Esses os objetivos delineiam e determinam as funções de
intencionalidade e reciprocidade.

Estabelecimento de relações (transcendência)

É essencial auxiliar a criança a preocupar-se não apenas com


as necessidades imediatas, mas com metas mais amplas. A
aprendizagem de uma série de dispositivos verbais, por exemplo,
auxilia não só na resolução de uma situação momentânea, mas
também para outras situações de aprendizagem e da vida cotidiana.
Isto significa levar a criança a uma conduta de estruturação para
que no futuro possa utilizar os conhecimentos já adquiridos
(SANCHEZ, 1989). Transcendência implica em que a criança
aprenda a buscar e relacionar significados, recorrendo a atividades
anteriores, elaborando estratégias para novas situações,
desconsiderando informações supérfluas, concentrando-se nos
aspectos básicos e essenciais para a solução de um problema.

Atribuição de significados

As situações de aprendizagem devem ser relevantes e


interessantes para os sujeitos, quaisquer que sejam suas

57
ALTAS HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO: REFLEXÕES E PROCESSO EDUCACIONAL

possibilidades. O significado cria uma nova dimensão para o ato de


aprender levando a um envolvimento ativo e emocional no
desenvolvimento da tarefa. Mais do que tudo é preciso que a
criança ou o adolescente aprenda a buscar e/ou atribuir
significados àquilo que faz.
A aprendizagem significativa se diferencia da automática por
relacionar-se a processos cognitivos de forma intencional,
resultado da aquisição de novos significados. A essência do
processo de aprendizagem significativa corresponde à relação
estabelecida entre as ideias expressas simbolicamente e as
informações previamente adquiridas pelo aluno. Esse tipo de
aprendizagem, oposta à aprendizagem mecânica, ocorre quando o
ato de aprender implica em relacionar uma nova informação a
outras com as quais o educando já está familiarizado e utiliza uma
estratégia para alcançar esse objetivo.
Em função do acima exposto, é preciso considerar a
importância da atuação do professor na organização de tarefas que
estejam adequadas à capacidade do sujeito, possibilitando-lhe
alcançar sucesso nos esforços empreendidos e não limitando a sua
curiosidade, a vontade de avançar em seus conhecimentos, dando-
lhe a oportunidade de ousar, aventurar-se no mundo das ciências,
da arte, do inusitado.
No âmbito da sala de aula, isto significa o cuidado do
professor em preparar, selecionar atividades, assim como produzir
materiais adequados ao interesse, à idade e à capacidade do
educando.
Em determinadas situações, uma tarefa que garanta o
sucesso da criança e traga em seguida alguns desafios que possam
ser superados, provavelmente, auxiliará no fortalecimento do
sentimento de competência do aprendiz. As pistas contidas nas
atividades ou algumas estratégias sugeridas pelo mediador podem
possibilitar ao sujeito enfrentar as dificuldades com maior

58
ALTAS HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO E PRÁTICA PEDAGÓGICA

segurança. Brincadeiras de caça ao tesouro (com mapas) é uma


ótima atividade para desenvolver as funções cognitivas
relacionadas à organização no espaço e que podem ser exploradas
de forma lúdica e eficiente.
É importante promover a socialização do aluno e também a
consciência de sua individualidade. O mediador deve ter como
objetivo levá-lo a aceitar-se como pessoa singular e diferenciada e
entendê-lo como participante ativo da aprendizagem capaz de
pensar independentemente de seus companheiros e até do próprio
professor. Nesse sentido, o conhecimento prévio do desempenho
das funções cognitivas do aluno auxiliará o mediador a conduzir o
processo de aprendizagem de forma mais envolvente e satisfatória.
Miranda (1996) aponta os cuidados a serem tomados pelo
professor nos seguintes aspectos: valorizar respostas
independentes; estimular a independência; proporcionar desafios
que levem à tomada de decisões; garantir a participação de trocas
culturais estimulando seus aspectos positivos; estimular o respeito
à diferença; garantir a possibilidade do desenvolvimento de
trabalhos individuais e em grupo; combater a obediência cega e
mesmo a identificação irrestrita a valores e crenças; praticar e
incentivar a tolerância diante das opiniões alheias.
Por meio da auto-avaliação, é possível auxiliar o aluno na
percepção de que é capaz de produzir e processar informações. Ele
toma conhecimento de seu potencial e de suas dificuldades
passando a ter consciência do que deve ou pode ser modificado. A
partir daí, a organização de seus processos cognitivos,
desencadeando mecanismos de interiorização, autocontrole e
regulação passarão a ser exercidos por ele mesmo.
Da Ros (1997) aponta a eficácia da proposição de situações
que levem a criança a identificar diferentes possibilidades para
resolver a mesma tarefa. A tarefa torna-se interessante e a criança
fica mais motivada quando nas situações de aprendizagem conta

59
ALTAS HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO: REFLEXÕES E PROCESSO EDUCACIONAL

com o auxílio de outro para descobrir pistas para a resolução do


problema. O educando, dessa forma, além de controlar sua
impulsividade, aprende a trabalhar com a organização e
sistematização, assim como, a estabelecer relações não lineares
com o objeto de conhecimento. O ser humano deve ser
compreendido como um complexo dialético que, em função da
plasticidade funcional de sua capacidade mental e do processo de
interação como outro, está em constante busca do
desenvolvimento das funções cognitivas (MIRANDA, 1996).
Frente ao que foi apontado tanto da perspectiva histórico-
cultural como da modificabilidade cognitiva podemos afirmar que
para que a criança se envolva e alcance maior desenvolvimento de
todas as suas funções é necessário que sejam acionadas suas
experiências anteriores, e que estas sejam elevadas a outros
patamares com o auxílio de novos conhecimentos. Para que isto
ocorra é preciso que haja um envolvimento com a tarefa,
incentivado, planejado e cuidadosamente colocado em prática pelo
professor, provocando ou alimentando no aluno a curiosidade e a
necessidade de ampliar seu conhecimento.
Como destacado, o Atendimento Educacional Especializado
(AEE), serviço a ser oferecido aos alunos com necessidades
educacionais especiais, vai legalmente se fortalecendo e
consolidando aspectos já presentes nos documentos oficiais. Isso
indica a elaboração e o fortalecimento de políticas públicas
educacionais direcionadas à educação especial como alternativa
para a inclusão escolar. Entretanto, ações coletivas, envolvendo
professores, equipe pedagógica, pais e sociedade, serão
indispensáveis para o sucesso desse serviço, não delegando
somente ao professor dos serviços especializados a
responsabilidade pelo aprendizado e desenvolvimento desses
alunos.

60
Felipe Franco Tomazella. Cão. 2011. Técnica mista sobre papel A2.
CAPÍTULO IV

IDENTIFICAÇÃO E AVALIAÇÃO DE PESSOAS


COM ALTAS HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO

Nas últimas décadas do século XX e início do século XXI,


uma série de ações político-pedagógicas (BRASIL, 2008d)
direcionadas ao atendimento de pessoas com necessidades
educacionais especiais, grupos minoritários e à efetivação da
educação inclusiva vem sendo amplamente discutidas, tanto no
cenário nacional como no internacional. Tais discussões estão
voltadas para a definição de necessidades educacionais especiais e
do papel das instituições educativas para o atendimento a pessoas
que apresentassem essas necessidades (SILVA; GALUCH, 2010).
Em atenção a este imperativo, por meio da Resolução nº 2,
de 11 de setembro de 2001, foram instituídas as diretrizes
nacionais para a Educação Especial na Educação Básica, que em
seu artigo 5º aponta como alunos com necessidades educacionais
especiais aqueles que apresentam:

I- dificuldades acentuadas de
aprendizagem ou limitações no processo de
desenvolvimento que dificultem o
acompanhamento das atividades curriculares,
compreendidas em dois grupos:
a) aquelas não vinculadas a uma causa
orgânica específica;
b) aquelas relacionadas a condições,
disfunções limitações ou deficiências;
II- dificuldades de comunicação e
sinalizações diferenciadas dos demais alunos,
ALTAS HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO: REFLEXÕES E PROCESSO EDUCACIONAL

demandando a utilização de linguagens e


códigos aplicáveis;
III- altas habilidades/superdotação, grande
facilidade de aprendizagem que os leve a
dominar rapidamente conceitos,
procedimentos e atitudes (BRASIL, 2001, p.
2).

Ainda assim, apesar dos diversos documentos


estabelecendo instruções e diretrizes para o atendimento de
crianças com necessidades especiais (Lei 5.692/71; Lei 9.394/96;
Política Educacional da Educação Especial na Perspectiva
Inclusiva, 2008), a preocupação com a educação e aprendizagem
de pessoas com altas habilidades tem sido deixada para segundo
plano. Como argumenta Guenther (2006b), de acordo com as leis
da probabilidade, 3% a 5% da população apresentam inteligência
acima da média e são talentosos; todavia, porque essas pessoas não
têm sido identificadas, ou em grande maioria, elas não chegam a
um nível de excelência? Para a autora, são inegáveis os avanços na
legislação sobre o tema; no entanto, a abordagem de aspectos
específicos a ele relacionados indicam a limitação dos
conhecimentos:

[...] enquanto a educação para deficientes é


discutida com especificidades referentes às
várias situações de deficiência, o mesmo não
acontece ao tratar alunos excepcionalmente
dotados. Vários talentos e expressões da
capacidade humana, que originam
necessidades diferenciadas, nos documentos
legais são agrupados sob o termo genérico e
pouco significativo, como superdotação ou
altas habilidades [...] o que se verifica é uma
quase total ausência dos sistemas públicos no
que diz respeito a assistência educacional aos

64
IDENTIFICAÇÃO E AVALIAÇÃO DE PESSOAS COM ALTAS HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO

alunos mais capazes e talentosos, a não ser


por alguns programas esparsos ou iniciativas
no contexto de Secretarias de Educação e
universidades públicas (GUENTHER, 2006b,
p. 30-31).

Para que isto venha a ocorrer, há que se conhecer os


alunos, suas características e necessidades específicas a fim de
proporcionar-lhes um atendimento educacional que realmente
contribua para seu desenvolvimento.
Nesse sentido, é imprescindível que a avaliação diagnóstica
e o planejamento do atendimento educacional sejam direcionados
a todas as crianças, desde a educação infantil.
Também Virgolim (2005, p. 2) se posiciona em semelhante
direção afirmando que as habilidades “[...] são características que
existem em todos os seres humanos, mas diferindo em níveis,
intensidades e graus de complexidade em cada um”.
Para Guenther (2006b, p. 52-53), nem sempre é possível
encontrar vestígios de talento na infância, pois nessa faixa de
desenvolvimento “[...] ainda não há produção como tal, mas o
processo do desenvolvimento é mais rápido e mais visível, e a
disponibilidade mental para receber influência mais plástica e
confiante”. Ela alerta também para a necessidade de perceber e
diferenciar potencial e capacidade na infância e precocidade da
produção ou desempenho. Segundo a autora, muitas vezes o
adulto considerado prodígio na infância não mantém essa
característica; por outro lado, pessoas muito talentosas nem
sempre manifestam sua capacidade tão cedo. Muitas pessoas nessa
condição são consideradas limitadas sob a ótica da escola, fato
ocorrido, por exemplo, com Pasteur, Beethoven, Tolstói, Einstein
e Newton entre outros.
É importante ainda a utilização de instrumentos
diferenciados para a identificação das diferentes capacidades dos

65
ALTAS HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO: REFLEXÕES E PROCESSO EDUCACIONAL

alunos e que tais instrumentos estejam em sintonia com os


referenciais teóricos utilizados para seu atendimento (FREITAS;
PEREZ, 2012).
Concordando e defendendo tal posicionamento, optamos
por trazer reflexões a respeito da avaliação das capacidades infantis
e juvenis decorrentes dos estudos realizados por Vygotsky e Luria
(1996) e de sua compreensão a respeito da inteligência e
criatividade para identificar as pessoas talentosas.
Empenhados em compreender, esclarecer e revisar o
posicionamento da psicologia russa à luz do materialismo dialético,
Vigostki (1996, p. 52) e seus colaboradores trazem, no início do
século XX, contribuições à chamada nova psicologia, mostrando a
importância de entendê-la com um ramo da biologia geral e, ao
mesmo tempo, base das ciências sociológicas, constituindo o
núcleo central em que estarão unificadas as ciências da natureza e a
do homem, estreitamente ligadas à filosofia científica. Apoiados
nesta fundamentação filosófica, esses estudiosos compreendem a
inteligência como algo uno, indivisível e que se expressa por meio
das diferentes funções, articuladas e interrelacionadas:

Para nós é indubitável que na nova psicologia


todos os conceitos, classificações,
terminologia, todo o aparato científico da
psicologia empírica, serão revistos,
reconstruídos e criados de novo. A nova
psicologia considera os instintos e os impulsos
como o núcleo fundamental da psique e
provavelmente não os estudará na última
parte do curso. Também evitará a análise
atomística, dispersa de fragmentos isolados da
psique, em que era decomposto o
comportamento do indivíduo na psicologia
mosaica (VIGOTSKI, 1996, p. 53).

66
IDENTIFICAÇÃO E AVALIAÇÃO DE PESSOAS COM ALTAS HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO

Este posicionamento nos permite afirmar que, antes de


tudo é preciso entender a criança como um representante da
espécie humana, com determinadas características gerais as quais
devem ser atendidas, independentemente de suas especificidades.
Vigotski (2001, p. 430) aponta o equívoco da ideia vigente à época,
isto é, que as leis gerais não atenderiam à educação dos talentosos
ou de crianças com deficiências e que haveria necessidade de
estabelecer leis específicas para a orientação dessas crianças. Para o
pesquisador, as “[...] leis gerais da pedagogia só poderão ser
consideradas científicas quando são aplicáveis a todo o campo da
educação”:

Assim, tanto o gênio como o idiota são, na


fase infantil, o mesmo objeto preciso de
educação como qualquer criança, e as leis
gerais da pedagogia foram escritas para elas na
mesma medida em que foram para todas as
crianças dessa faixa etária. Só partindo dessas
leis gerais da pedagogia conseguiremos
encontrar as formas corretas daquela
individualização que deve ser comunicada à
educação de cada uma delas. É igualmente
incorreta a idéia de que o problema da
individualização surge apenas em relação ao
que vai além dos limites da norma. Ao
contrário, em cada criança particular temos
certas formas de individualização...
(VIGOTSKI, 2001, p. 431).

A preocupação observada nas reflexões desse pesquisador


é a mesma com a qual ainda convivemos atualmente: em primeiro
lugar, dar primazia ao conhecimento individual das especificidades
de cada aluno levando em consideração as leis gerais de seu
desenvolvimento físico e psíquico e, em segundo lugar,
adequarmos individualmente os procedimentos de educação
67
ALTAS HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO: REFLEXÕES E PROCESSO EDUCACIONAL

levando em consideração a interferência do meio social em cada


uma delas. Isto feito, poderemos então definir de forma mais
criteriosa os objetivos individuais da educação para cada um dos
alunos.
No que diz respeito às habilidades e talentos, Vigotski
(2001) aponta a necessidade de se ultrapassar a visão tradicional do
talento como capacidade abstrata e comum levando em conta
estudos e testes concretos e práticos das habilidades reais
manifestas. Desta forma, o conceito de talento geral e abstrato
seria substituído pelo conceito de aptidão especial e concreta,
posicionamento que justifica com o seguinte argumento:

Essa correção se justifica com igual clareza


tanto para uma criança deficiente quanto para
um escritor genial. Todo talento é,
necessariamente um dom especial para alguma
coisa. Tolstoi, por exemplo, ocuparia um dos
primeiros lugares caso se estudasse o seu dom
de escrever e provavelmente ocuparia um
lugar muito modesto, talvez até um dos
últimos, caso se estudassem as suas
capacidades musicais, a sua aptidão para a
engenharia, o seu talento matemático.
Tchekhov foi um médico bastante mediano e
um grande artista. Também não são raros
casos em que semi idiotas podem brilhar por
uma memória fenomenal que causaria inveja a
gênios. Tudo isto mostra uma coisa: não
existe talento em geral, existem diversas
predisposições especiais para essa ou aquela
atividade (VIGOTSKI, 2001, p. 432).

Ao discorrer a respeito das formas científicas de


observação da criança, esse estudioso russo esclarece a respeito das
formas de estudo da personalidade da criança pela psicologia

68
IDENTIFICAÇÃO E AVALIAÇÃO DE PESSOAS COM ALTAS HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO

moderna evidenciando a necessidade de conhecermos os


procedimentos de observação e acompanhamento do
desenvolvimento do aluno. Ele analisa as três formas básicas de
estudo (observação científica ordenada dos fatos; classificação dos
fatos observados, o estabelecimento de relações entre os grupos de
fatos), aponta as falhas encontradas nesses procedimentos, critica
os estudos psicoexperimentais (testes psicológicos) e defende o
estudo denominado experimento natural (VIGOTSKI, 2001).
Este método permite que o professor realize as
observações sobre seus alunos em uma situação de atividades
pedagógicas normais:

O experimento natural consiste em que o


mestre que quer fazer observações
confecciona de antemão um programa e um
plano de trabalho com as crianças (o) que elas
costumam desenvolver, digamos, nas aulas de
russo, física, desenho, ginástica, etc. Nesse
caso, os alunos acham que estão em aulas
normais. Isso se consegue pelo fato de que o
trabalho do aluno transcorre em condições
normais e ele não se sente o tempo todo sob a
vigilância do olho do experimentador [...] O
grupo de estudo costuma ser constituído de
quatro a cinco alunos (VIGOTSKI, 2001, p.
443).

Para conhecer melhor as crianças e entender a respeito de


suas habilidades, Vygotski e Luria (1996) realizaram diferentes
estudos envolvendo as funções psicológicas (memória, atenção,
abstração, fala e pensamento) com crianças de diversos níveis de
desenvolvimento, comparando os dados obtidos na utilização da
memória natural de crianças de diversas idades desde a educação
infantil, até alunos do ensino fundamental (na época, escola

69
ALTAS HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO: REFLEXÕES E PROCESSO EDUCACIONAL

primária) com níveis bem variados de desenvolvimento. Por meio


dessas investigações constataram que não havia uma diferença
significativa entre as respostas de crianças que apresentavam
deficiência intelectual e crianças com altas habilidades:

[...] a memória natural (a marca mecânica


deixada por uma série de palavras sugeridas)
variava somente de maneira muito
insignificante, conforme a idade e o talento
global. Na média, a retenção do material
flutuou de 4,5 a 5,5 palavras entre 10 (dez).
Além disso, não percebemos distinção
significativa entre as crianças bem dotadas e as
retardadas (VYGOTSKY; LURIA, 1996, p.
229).

Tais estudos evidenciam que a maior diferença entre


crianças com deficiência intelectual e crianças superdotadas não se
encontra nos processos naturais, mas no uso que fazem dos
dispositivos culturais. Demonstram também, não ser suficiente, a
avaliação das características naturais, inatas da personalidade da
criança para identificar o talento e que essas habilidades devem se
consideradas apenas como ponto de partida. O desenvolvimento
cultural pode oportunizar manifestações absolutamente diversas
no desempenho dos alunos:

O talento cultural significa, essencialmente, a


capacidade de controlar seus próprios
recursos naturais; significa a criação e
aplicação dos melhores dispositivos no uso
desses recursos [...] O talento numa área não é
necessariamente evidente em outra [...] em
todos esses casos existe um fator comum. Ele
se reduz à capacidade máxima para utilizar as
capacidades inatas de uma pessoa para a

70
IDENTIFICAÇÃO E AVALIAÇÃO DE PESSOAS COM ALTAS HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO

invenção de técnicas internas e externas,


estruturalmente simples e complexas, cada vez
mais novas, que convertem os processos
naturais em processos culturais mediados,
artificiais (VYGOTSKY; LURIA, 1996, p.
237).

Para os pesquisadores acima mencionados, essas


capacidades, dinâmicas, constituídas na dinâmica do grupo social,
são a “[...] representação e o fruto do ambiente cultural [...]” na
vida dos indivíduos, deixando explicito que todo ser humano as
possui essas formas (VYGOTSKY; LURIA, 1996, p. 238). No
entanto, dependendo da história de cada um e do que os autores
denominam plasticidade variável de suas capacidades, elas poderão
ser muito desenvolvidas em alguns e em outros, permanecerem em
forma embrionária. Conforme relata Virgolim (2005), Vygotsky
referindo-se à genialidade, afirmava que as aptidões inatas são
otimizadas pelas condições sociais e econômicas favoráveis e que
enquanto a herança genética traz a possibilidade da genialidade, é o
meio social que concretiza esta possibilidade criando o gênio.
Guenther (2006b), posicionando-se de forma semelhante
aos pesquisadores anteriormente citados, esclarece que para
reconhecer aquela com altas habilidades, é necessário que o
professor a observe e a conheça no decorrer das atividades
educacionais levando em consideração sua vivacidade mental, além
de sua automotivação e confiança. A vivacidade mental pode ser
identificada pela curiosidade, questionamentos, argumentações,
senso de humor, maneira de encarar os desafios, domínio do
conhecimento e sua aplicação em diferentes situações, memória,
aprendizagem; modalidade de raciocínio. A automotivação e
confiança evidenciam-se pela independência, persistência,
autonomia, compromisso com a tarefa, além da concentração e
motivação interna expressas no comportamento da criança.

71
ALTAS HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO: REFLEXÕES E PROCESSO EDUCACIONAL

A criança pode manifestar sua alta habilidade em uma das


seguintes áreas: acadêmica (talento verbal, matemático e raciocínio
abstrato); criatividade (artes visuais e gráficas, teatro, música);
sensório-motora (dança, esportes, atletismo) e capacidade sócio
afetiva (relacionamento, liderança).
Frente a todas estas possibilidades, a identificação das
habilidades e características dos alunos, conforme Virgolim (2013,
p. 9) alerta, não está circunscrita a determinados períodos ou
etapas de avaliação; ao contrário, é um processo contínuo:

A identificação deve, portanto, ser vista como


um processo contínuo, um conjunto de
habilidades que emergem e se desenvolvem a
medida que a criança amadurece; e deve
preferencialmente apontar os pontos fortes,
aptidões e talentos de cada uma, em
detrimento de suas fraquezas e incapacidades,
como tradicionalmente se tem feito.

Diferentes instrumentos para a identificação, observação e


acompanhamento de crianças com altas habilidades foram
desenvolvidos por pesquisadores como Freitas e Perez (2012),
Guenther (2006a, 2006b), Virgolim (1997), Guimarães e Ourofino
(2007) e Fleith (2007), dentre outros. Estas investigações nos
auxiliam na compreensão de que toda criança possui capacidades
que poderão desenvolver-se ou não, em função da estimulação, das
experiências de aprendizagem mediadas, do afeto com que se
sentem amparadas e, portanto, dos instrumentos psicoculturais
vivenciados ao longo de sua vida.

72
Erica Maria Egea Gondolfo. Vida animal 3. 2011. Acrílico sobre Kraft A2.
CAPÍTULO V

CRIATIVIDADE E IMAGINAÇÃO

A imaginação criativa tem como ponto de apoio as


percepções exteriores e interiores que formam a base da
experiência da criança e compõem os materiais que serão
transformados pela dissociação e associação das impressões
percebidas. Podemos situar, portanto, o conhecimento como base
do processo criativo.
A imaginação e a criatividade se apoiam nas experiências e
conhecimento produzidos em condições históricas de
desenvolvimento da técnica e da ciência, conforme as necessidades
e as possibilidades criadas em cada tempo e meio social. O
conhecimento da cultura, da arte e da ciência, é imprescindível
para a imaginação criativa.

Qualquer inventor, mesmo um gênio, é


sempre fruto de seu tempo e de seu meio. Sua
criação surge de necessidades que foram
criadas antes dele e, igualmente, apóia-se em
possibilidades que existem além dele. Eis por
que percebemos uma coerência rigorosa no
desenvolvimento histórico da técnica e da
ciência. Nenhuma invenção ou descoberta
científica pode emergir antes que aconteçam
as condições materiais e psicológicas
necessárias para seu surgimento. A criação é
um processo de herança histórica em que cada
forma que sucede é determinada pelas
anteriores (VIGOTSKY, 2009, p. 42).
ALTAS HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO: REFLEXÕES E PROCESSO EDUCACIONAL

A análise do que significam as condições necessárias para a


imaginação e a criatividade contribui para determinar o objetivo da
mediação pedagógica no atendimento educacional especializado.
Se o processo criativo resulta da atuação da imaginação, o qual
depende das significações constituídas nas interações sociais em
relação às necessidades e aos interesses construídos historicamente,
a finalidade do trabalho educacional voltado para a imaginação e
criatividade deve ser o conhecimento da cultura, da arte e da
ciência.
Neste capítulo, desenvolvemos o estudo do processo de
criatividade e imaginação e apresentamos alguns recursos
educacionais para a promoção do processo criativo. Como aponta
Vygotsky (1991), é importante criar na escola um espaço maior
para a utilização da imaginação, da fantasia e do jogo imaginário e
dramático. Entre as formas de organização da prática pedagógica,
destacamos a valorização de experiências que contribuem de forma
especial à imaginação e a criatividade: a criação teatral ou
dramatização, o desenho e as artes plásticas, o jogo e a brincadeira,
a criação literária.

A criação e as experiências de aprendizagem

A criatividade não é um dom, privilégio de algumas pessoas,


mas uma habilidade que pode ser desenvolvida no decorrer do
processo educacional da criança no qual o professor tem um papel
diferenciado.
A intervenção pedagógica promovida pelo professor pode
contribuir para o desenvolvimento das funções psicológicas
(imaginação, atenção e memória voluntárias; percepção,
generalização e abstração), bem como da sensibilidade, da
ampliação do sentimento do autoconceito, por meio de um ensino
orientado para a solução de problemas; e da preparação do aluno

76
CRIATIVIDADE E IMAGINAÇÃO

para a produção do conhecimento incentivando-o à busca de


soluções criativas e inovadoras.
Algumas características do pensamento criativo, de acordo
com Alencar (2001), são: fluência, flexibilidade, originalidade,
capacidade de elaboração e de avaliação. A fluência distingue-se
pela capacidade de apresentar diferentes ideias a respeito de
assuntos distintos. A flexibilidade permite ao sujeito alterar o
pensamento ou imaginar categorias diversificadas de respostas.
A originalidade manifesta-se no indivíduo por meio da
capacidade de emitir respostas infrequentes ou incomuns. A
capacidade de elaboração pode ser observada no estabelecimento
de critérios e de planejamento para a realização ou análise de algo,
de acrescentar uma variedade de detalhes a uma informação ou
produção.
As formas tipicamente humanas de pensar surgem com a
capacidade de utilizar instrumentos simbólicos para complementar
uma atividade, por exemplo, quando uma criança pega um cabo de
vassoura e o transforma em um cavalo, ou em um fuzil, ou em um
cajado. Já os chimpanzés, por mais inteligentes que sejam, podem
no máximo utilizar o cabo de vassoura para derrubar bananas e
não para criar uma situação imaginária ou planejar algo. Por meio
da linguagem somos capazes de transformar decisivamente os
rumos de uma atividade, pensamento ou sentimento. Quando
aprendemos a linguagem específica de nosso meio sociocultural,
transformamos o nosso próprio desenvolvimento.
O que nos torna humanos, segundo Vygotsky, é nossa
capacidade de imaginar e planejar. A mudança e a criação são
manifestações da criatividade, pois o ato criativo advém da
transformação de algo em um produto novo, resultado de um
trabalho que depende da organização do pensamento, dos
sentimentos e das atitudes, bem como da consciência da

77
ALTAS HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO: REFLEXÕES E PROCESSO EDUCACIONAL

necessidade da inadaptabilidade da qual surgem necessidades,


aspirações e desejos que a impulsionam (VIGOTSKI, 2009).
A atividade reprodutora, a imitação em estreita relação com
a memória, consiste em um comportamento representativo da
repetição de normas de condutas sociais já formadas e criadas
anteriormente, decorrência do aprendizado adquirido nas
interações sociais, por meio da convivência (interpsíquico). Este
processo envolve atividades objetivas, num contexto de relação
com os indivíduos mais espertos e depende da riqueza e
diversidade de conhecimentos.
Utilizando-se de elementos de experiências anteriores, o
cérebro humano é capaz de combinar, transformar ou criar novas
ideias e ações não se limitando a, simplesmente, reproduzir o que
vê, pois evoca o passado e as adaptações com vistas às
possibilidades futuras. Portanto, “[...] é exatamente a atividade
criadora que faz do homem um ser que se volta para o futuro,
erigindo-o e modificando o seu presente” (VIGOTSKY, 2009, p.
14).

A criatividade e a imaginação

A imaginação e a fantasia são entendidas como atividades


criadoras fundamentadas na capacidade de nosso cérebro para
combinar elementos, assim todos os objetos e inventos da vida
cotidiana, são produtos da imaginação, inicialmente, e,
posteriormente, da criação humana baseada na imaginação.
Tal como no campo do pensamento, uma ideia formada traz
à mente novas combinações e correlações. Nas palavras do autor,
“[...] a imaginação, base de toda atividade criadora, manifesta-se,
sem dúvida, em todos os aspectos da vida cultural tornando
também possível a criação artística, a científica e a técnica”
(VIGOTSKY, 2009, p. 14). Frente a isso, podemos afirmar que a

78
CRIATIVIDADE E IMAGINAÇÃO

função criadora da imaginação é possível ao homem comum, ao


cientista, ao técnico, à medida que eles reproduzem mentalmente
aspectos combinados, retirados da realidade.
Em outras palavras, em geral todos os seres humanos
podem criar e tudo o que excede ao convencional e possui algo
novo, por mínimo que seja se comparado às obras dos grandes
gênios, tem sua origem no processo criador. Assim, o autor
destaca a capacidade criativa como característica de todos os
homens, não apenas de poucos privilegiados como os artistas.
No processo criativo, as diferenças se revelam, na maioria
das vezes, como produto de fatores sociais e culturais. Quando as
condições permitem uma cota significativa de descobertas ou
criação coletiva, que congrega pequenas novidades resultantes de
criações individuais que isoladamente não possuem importância, se
verá a criação coletiva resultante da união dos inventos anônimos;
aliás, a maioria das invenções pertence a autores desconhecidos.
Ao longo do
desenvolvimento humano,
cada momento tem uma
maneira de expressar a
criatividade a depender da
acumulação de experiências.
A função imaginativa e a
atividade criadora têm um
vínculo estreito com a
realidade, podendo se Figura 3 - Fazendo um quadro.
apresentar sob quatro leis Fonte: Acervo das autoras
ou formas.
Ao longo do desenvolvimento humano, cada momento tem
uma maneira de expressar a criatividade a depender da acumulação
de experiências. A função imaginativa e a atividade criadora possui

79
ALTAS HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO: REFLEXÕES E PROCESSO EDUCACIONAL

um vínculo estreito com a realidade, podendo se apresentar sob


quatro leis ou formas.
Na primeira, toda criação se constitui a partir de elementos
extraídos da realidade, da experiência anterior, ou seja, toda
atividade criadora da imaginação mantém relação direta com a
riqueza e a variedade do conhecimento acumulado pelo homem. A
imaginação se apoia na experiência e a combinação de elementos
da experiência é o material com o qual a mesma se estrutura.
A segunda se pauta na fantasia e em determinados
fenômenos complexos da realidade. Nesta forma de atividade
criadora, a experiência de conhecimento é apoiada na fantasia a
partir de outrem. Ao admirarmos um quadro vivenciamos, por
meio da percepção, da memória, da imaginação e dos sentimentos
novas combinações a partir da percepção de algo que outra pessoa
criou. A experiência mediata se pauta na imaginação e cria novas
combinações desta experiência anterior, a partir do relato ou
descrição de outrem.
A terceira forma de vinculação entre a atividade criadora e a
realidade é a emoção. A emoção seleciona impressões, ideias e
imagens de acordo com nosso estado de ânimo em dado
momento. Inicialmente, os sentimentos influenciam a imaginação e
esta, por sua vez, exerce influência sobre os sentimentos. “Todas
as formas de imaginação criativa contém em si elementos afetivos”
(VIGOTSKI, 2009, p. 28). As emoções que nos contagiam diante
das páginas de um livro, cenas de teatro, obras musicais, são
imagens artísticas fantásticas e completamente reais, criadas pelos
seus autores, que possibilitam a apreciação com sentimentos,
seriedade e profundidade.
As imagens da fantasia emprestam também linguagem
interior a nossos sentimentos selecionando determinados
elementos da realidade e combinando-os de tal maneira que
respondam a nosso estado interior de ânimo e não à lógica exterior

80
CRIATIVIDADE E IMAGINAÇÃO

destas próprias imagens. Ou seja, pode ocorrer a imaginação sem


estar em contato direto com a realidade, graças ao pensamento
constituído por impressões combinadas. Ex. Estudo da Revolução
Francesa.
Assim, a relação entre imaginação e emoção se manifesta de
duas maneiras:
a) O sentimento tende a expressar-se em determinadas
imagens, como se a emoção pudesse escolher impressões, ideias e
imagens correspondentes com o estado de ânimo que nos domina
em dado momento (o sentimento influi na imaginação);
b) As imagens da fantasia atribuem significados linguísticos a
nossos sentimentos, selecionam determinados elementos da
realidade e os combinam de tal maneira que respondem ao nosso
estado interior de ânimo e não à lógica exterior (a imaginação influi
no sentimento).
A base psicológica do fazer criativo consiste em ampliar e
aprofundar os sentimentos, reelaborando-os de forma criadora.
A quarta forma de relação entre fantasia e realidade refere-se
à apresentação de algo totalmente novo. Aquilo que advém da
fantasia, e pode representar algo novo, já estava posto em uma
condição embrionária, mas ao tomar forma a nova imagem,
convertida em objeto, passa a existir de fato no mundo real e a
influenciar outras atividades ou produções criativas. A realidade
concretizada consiste no referencial de onde o homem retira os
elementos constituintes da imaginação. Toda produção de um
inventor, por mais simples ou genial que seja, é sempre produto de
sua época e de seu ambiente, possui uma história atrás de si. Isto
explica a correlação e sequência no desenvolvimento histórico da
ciência e da técnica. Nenhum descobrimento ou invenção aparece
antes das condições materiais e psicológicas necessárias para sua
criação.

81
ALTAS HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO: REFLEXÕES E PROCESSO EDUCACIONAL

Ambos os aspectos – intelectual e emocional – são


importantes e necessários ao processo criativo.
A imaginação é o instrumental psíquico ativado
internamente a partir da experiência perceptual que movimenta o
pensamento no sentido da constituição da atividade criativa. Por
vezes isso ocorre quando há falta ou insuficiência de instrumentais
concretos, postos na realidade externa; a imaginação possibilita
evocar ou produzir imagens, por meio da mediação simbólica,
independente da presença do objeto ao qual se refere.
O mecanismo da imaginação criativa advém de uma longa
história de elaboração de informações captadas, inicialmente, pelas
percepções sensoriais externas e internas, baseadas nas vivências,
matéria prima para a constituição das fantasias e imaginações. As
impressões percebidas passam por processos de associação e de
dissociação ou fragmentação do todo em partes, cujos fragmentos
são selecionados sendo alguns destacados e outros esquecidos.
Conforme Vigotsky (2009, p. 36) “[...] esse processo é de extrema
importância em todo o desenvolvimento mental humano; ele está
na base do pensamento abstrato, da formação de conceitos”.
Conforme algumas partes das impressões percebidas são
destacadas, processa-se a modificação ou distorção e subsequente
reelaboração. Segue-se o momento de associação, união dos
elementos dissociados ou modificados, que culmina com a
combinação de imagens individuais e sua organização num sistema
subjetivo e complexo. Quando se cristaliza em imagem externa,
real, a atividade da imaginação criadora é concluída.
As necessidades, anseios e desejos, decorrentes da
inadaptabilidade, originam a força motriz do processo de
imaginação e a ativação de impulsos nervosos, resultado de
registros mnemônicos impressos no sistema nervoso central por
meio das sinapses. Efetuadas a partir das experiências, esses
registros fornecem material para a atividade imaginativa e criadora.

82
CRIATIVIDADE E IMAGINAÇÃO

A importância do contexto social, histórico e cultural é


imperativa na constituição do impulso criador. Para Vigotsky
(2009) o ímpeto para a criação é proporcional à complexidade do
meio ambiente.

Recursos educacionais e o processo criativo

O percurso de criação da atividade teatral e jogos dramáticos


é uma condição especialmente favorável para aquisições das
impressões que se tornam materiais a serem transformados pela
capacidade de dissociação e associação, um dos momentos do
processo de imaginação e criação. Para Vigotsky (2003), a atuação
das crianças nas etapas de produção de peças teatrais é uma
oportunidade rica de imaginação e criatividade.
A dramatização ou representação teatral constitui o tipo de
criação infantil muito próximo à forma da criança apresentar as
impressões do meio. Essas impressões captadas são concretizadas
pela criança de forma imitativa. Na forma dramática, a imagem
criada com os elementos da realidade se materializa e se realiza de
novo com a participação do processo de imaginação
(VIGOTSKY, 2003).
Um exemplo de forma dramática em que o processo de
imaginação se concretiza pode ser aquele no qual a criança atua de
diferentes formas para representar simbolicamente o trem. Ela
apresenta suas impressões, desenha no papel a locomotiva, assobia
para imitar o apito, imita sons, faz gestos que indicam o
movimento da máquina. A forma dramatizada tem identificação
com o jogo onde reside a raiz de toda criação infantil. Na
representação – encenação teatral infantil – as próprias crianças
criam, improvisam papeis, ensaiam uma peça, encenam alguma
produção literária. Essa preparação torna-se um jogo verdadeiro e
recreativo, um campo para criação técnica e imaginativa com a

83
ALTAS HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO: REFLEXÕES E PROCESSO EDUCACIONAL

confecção de acessórios de teatro, decoração e trajes. As crianças


desenham, recortam e costura; essas atividades correspondem ao
sentido e objetivo de um plano que as emociona.
O próprio jogo consiste na representação dos personagens;
esse trabalho contribui para uma expressão completa. O jogo é
identificado como uma forma primária de encenação e
dramatização; nestes casos de produção teatral o ator, o
espectador, o autor da peça, o cenógrafo, o diretor e o técnico
estão na mesma pessoa – a criança.

Na brincadeira a criação da criança tem o


caráter de síntese; suas esferas intelectuais,
emocionais e volitivas estão excitadas pela
força da vida, sem tensionar, ao mesmo
tempo e excessivamente, o seu psiquismo
(PETROVA apud VIGOTSKY, 2009, p. 100-
101).

O texto para a dramatização infantil que melhor colabora


para o jogo de dramatização deve resultar de um processo de
criação desenvolvido pelas crianças. As peças escritas por autores
adultos podem apresentar maior coerência no texto, mas
conseguem apenas a memorização e reprodução de palavras
distantes do sentimento e da compreensão das crianças que
entendem melhor os textos improvisados ou criados por elas
mesmas.

Na verdadeira encenação infantil, tudo - desde


as cortinas até o desencadeamento final do
drama - deve ser feito pelas mãos e pela
imaginação das crianças e somente assim a
criação dramática adquire para elas todo o seu
significado e toda a sua força (VIGOTSKY,
2003, p. 101).

84
CRIATIVIDADE E IMAGINAÇÃO

A criação teatral ou a dramatização relaciona e expressa a


criatividade artística e a vivência pessoal. O ato de dramatizar
envolve a dimensão emocional, física, pessoal e social; o individual
e coletivo são contemplados na interpretação e,
consequentemente, a significação das experiências de vida são
representadas. No exercício dramático a criança experimenta,
elabora e internaliza diferentes papéis e posições empáticas, bem
como planeja, antecipa e projeta conhecimentos e sentimentos. A
preparação cênica possibilita momentos divertidos e sérios,
brincadeiras, montagens, confecção de figurino, cenário, luz, som,
organização de tempo, sequência, relação de causa e efeito, que
contribuem para a interação social, visão de mundo, formação do
caráter e da personalidade.
A dramatização valoriza o processo de criação teatral infantil
e não o resultado propriamente dito, pois o resultado poderá ser
avaliado tendo como referência o desempenho do adulto. O
importante não é o que criam, mas sim o fato de criar. A
dramatização representa a natureza motriz da criação infantil.

A lei principal da criação infantil consiste em


ver seu valor não no resultado, não no
produto da criação, mas no processo. O
importante não é o que as crianças criam, o
importante é que criem, componham,
exercitem-se na imaginação criativa e na
encarnação dessa imaginação (VIGOTSKY,
2009, p. 101).

O desenho para Vigotski é a criação típica da primeira


infância, do período pré-escolar e se configura em expressão
observável da imaginação criadora do ser humano como função
psicológica superior redimensionada pela linguagem, resultado da
constituição social e cultural.

85
ALTAS HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO: REFLEXÕES E PROCESSO EDUCACIONAL

No início do desenvolvimento infantil, o desenho esboça


simbolicamente os objetos, mas sua configuração está muito
distante da representação real. Neste período, a criança desenha
utilizando a memória e não a observação direta, por isso seu
desenho expressa o que sabe das coisas ou o que sente em relação
a elas, com indícios essenciais ou superficiais do que já viu,
juntamente com a aquisição inicial da linguagem, em que
predomina a nomeação, o que indica seu processo de aquisição de
conhecimento expresso por meio da narrativa gráfica, pois a
linguagem acompanha as atividades da criança e ajuda na sua
constituição e organização.
Em seguida, surge o período simbólico-formalista, com o
início do traçado da forma e da linha com a caracterização de
aspectos concretos do objeto, isto é, rudimentos próximos ao real
com mais detalhes e relação entre as partes; formalista verossímil
quando surge o desenho dos objetos com traços bem próximos ao
real, com aparência de silhueta ou contorno mais precisa.
A maioria das crianças não ultrapassa o terceiro período,
pois o quarto é caracterizado pelo estilo formalista plástico porque
já se consegue identificar a imagem propriamente dita com noções
de relevo, luz e sombra, perspectiva, movimento e plasticidade,
bem como representação espacial do objeto. Este último período
exige a capacidade de observação sensorial visual, atenta e
detalhada, de vários aspectos representativos do objeto ou cena a
ser desenhado de forma integrada com a coordenação viso motora.
Isso é observado no desenho de sujeitos com altas habilidades e
são incentivados por pessoas do seu convívio a aperfeiçoarem sua
técnica e conhecimentos.
Algumas crianças com elevado desempenho no desenho
conseguem dedicar longos períodos de tempo de contemplação
para esta observação.

86
CRIATIVIDADE E IMAGINAÇÃO

As artes plásticas resultam da percepção sensorial,


memorização, combinação e expressam registros significativos e
representativos da subjetividade transformada em elemento
concreto, real, de mediação entre a criança e o mundo. Por meio
delas, as artes, o pensamento é retratado de forma livre em relação
ao modelo; são utilizadas mais as impressões internas do que o
estímulo visual concreto.
A criação literária, realizada por meio da expressão escrita, é
característica da idade escolar e predomina na adolescência, pois
envolve amadurecimento sexual, experiência de vida e domínio da
linguagem gráfica com consequente restrição da continuidade da
expressão via desenhos. A elaboração e registro por escrito dos
textos escolares exigem mais do que a expressão verbal,
frequentemente fluente e rica em detalhes, devido ao fato de que o
desenvolvimento da oralidade precede o da escrita, graças à
internalização da linguagem, cultura e práticas sociais, característica
do pensamento simbólico.
A fala egocêntrica indica que a fala está sendo interiorizada
para tornar-se um instrumento interno, do pensamento, do
discurso interior (o falar para si mesmo, para nortear ações,
orientar o raciocínio, solucionar conflitos, entre outros). A língua é
vista como suporte ou instrumento do pensar para resolver
problemas. A escrita é uma representação abstrata e condicional,
cuja produção implica na compreensão de sua função social,
sentido e significado e depende da necessidade interna do sujeito
ao utilizá-la. Quando os temas são estranhos e não se relacionam à
imaginação nem ao sentimento do sujeito, a produção literária fica
restrita ao cumprimento de tarefa e o pensamento criativo não se
revela.

Por isso, o desenvolvimento da criação


literária infantil torna-se de imediato bem mais

87
ALTAS HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO: REFLEXÕES E PROCESSO EDUCACIONAL

fácil e bem sucedido quando se estimula a


criança a escrever sobre um tema que para ela
é internamente compreensível e familiar e, o
mais importante, que a incentiva a expressar
em palavras seu mundo interior
(VIGOTSKY, 2009, p. 66).

Quanto mais nova a criança, mais sua fala reflete as


especificidades de suas impressões da realidade advindas da
vivência, bem como seu pensamento e emoções representativos
deste período de desenvolvimento, diferindo da fala do adulto.
Com a imitação, necessária ao processo inicial de aprendizagem,
observa-se a influência externa na criação literária da criança, que,
ao escrever, procura referenciais na fala do adulto ou em obras
literárias que conhece. As exigências de uma produção literária, que
corresponda às normas-padrão de uma obra reconhecida
socialmente, dificilmente são possíveis a uma criança; as
imperfeições, o conteúdo técnico, a estruturação formal das frases
não atende às expectativas dos referenciais postos pela cultura.
Assim, Vigotski alerta que não é correto nem justo aplicar a uma
criança os mesmos critérios de exigência utilizados com escritores
adultos. Entretanto, o efeito da aceitação da produção da criança é
extremamente importante para seu desenvolvimento e
encorajamento no sentido de continuar sua trajetória iminente
como escritor.
Nas palavras do autor,

[...] a brincadeira é necessária para a criança do


mesmo modo que a criação literária infantil o
é, antes de mais nada, para desencadear,
adequadamente, o empenho do próprio autor
(VIGOTSKY, 2009, p. 93).

88
CRIATIVIDADE E IMAGINAÇÃO

Por isso destacamos a importância do incentivo à criação


literária da criança que pode ser realizado por meio de estímulo e
direcionamento externo, valorizando-se o sentido e o significado
da mesma para quem o faz. Isto permite o aprofundamento,
ampliação e elaboração de emoções e sentimentos, o exercício dos
impulsos e o domínio da linguagem por meio das capacidades
criadoras expressas na escrita e na literatura.
A brincadeira se constitui em um estágio preparatório,
origem para a criação artística. A brincadeira surge de uma
necessidade e possibilita uma descarga rápida de energia e
sentimentos, tal como a criação que surge rapidamente para
satisfazer os mesmos fins, sempre vinculados ao interesse e
vivências pessoais e subjetivas. Já na adolescência observamos
aspectos da realidade externa, com tendência à representação
objetiva da realidade. Entretanto devemos considerar a evidência
de diferentes estilos a depender do autor e suas peculiaridades.
Em síntese, as práticas
pedagógicas com representação
teatral, jogo dramático, desenho,
artes plásticas e criação literária
favorecem a observação,
representação e exigem da
criança, formas de aquisição dos
materiais de experiências a serem Figura 4 - Desenhando.
transformados pela imaginação e Fonte: Acervo das autoras
criatividade.

89
Lourival Ponce Filho. Pássaros. 2013. Técnica mista sobre papel A4.
CAPÍTULO VI

O CINEMA COMO RECURSO PEDAGÓGICO

As representações fílmicas são consideradas excelentes


recursos pedagógicos, pois além da apreciação da composição da
obra cinematográfica, proporcionam rico inventário de traços
característicos do contexto sócio-cultural de cada obra
apresentada.
No presente capítulo buscamos conhecer as histórias
representadas nos filmes Lances inocentes (EUA, 1993), Billy Elliot
(Inglaterra, 2000), A voz do coração (França, 2004). A apreciação e a
análise dessas narrativas têm por objetivo reconhecer a
participação de diferentes tipos de interações sociais construídas
entre os personagens, adultos e crianças e entre crianças. São
histórias com diferentes tramas, mas nossa análise evidencia que
em todas podem ser observadas diversas formas de interações
sociais desencadeadoras de experiências de aprendizagem e
desenvolvimento.
Apresentamos um roteiro dos principais aspectos
interacionais de cada filme. A síntese de cada história é seguida da
sequência de narrativas com as ações, aquisições e transformações
dos personagens. Identificamos o contexto da história e, portanto,
as condições sócio-históricas de produção dos valores educacionais
relacionados ao tema de nosso estudo: atendimento educacional
especializado e AH/SD.
É importante considerar o roteiro como um recurso auxiliar
para o processo de conhecer o conteúdo do filme. Nessa
perspectiva, propomos aos docentes que: ampliem o estudo
desenvolvendo a análise; assistam cada um dos filmes com
ALTAS HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO: REFLEXÕES E PROCESSO EDUCACIONAL

atenção, façam uma síntese da história; observem cada sequência


narrativa, cada cena e cada cenário. A descrição da atuação de cada
personagem, de suas ações e modo de agir e de falar, os
sentimentos e conhecimentos manifestos, propostas, oposições,
conquistas e perdas, fornecem subsídios para o aprofundamento
do tema abordado. O personagem expõe sua interpretação das
situações nas quais está envolvido ele próprio e o outro? Existem
formas diversas de interações sociais entre as pessoas? Quais os
traços predominantes nas interações entre os adultos e as crianças?
São mediações de conhecimento, colaboração, cooperação,
compreensão, respeito, oposição, disputa, imposição, coerção?
Quais são as aquisições dos personagens crianças: novos
conhecimentos, habilidades, ações, gestos, atitudes?
Ao realizarmos um inventário dos traços característicos do
contexto sócio-cultural da história poderemos identificar e
descrever os percursos de experiências dos personagens crianças.
Quais interações sociais retratadas nos filmes estão comprometidas
com o percurso de aprendizagem e desenvolvimento da criança?
Essa forma de interação social está relacionada aos estudos que
desenvolvemos neste livro.

A VOZ DO CORAÇÃO

Ficha técnica
Direção: Christophe Barratier
Roteiro: Christophe Barratier e Philippe Lopes-Curval
Gênero: drama
Música: Trilha Sonora com a participação de Bruno Coulais (Vois surton
Chemin) e Jean-Phililppe Rameau (La Nuit)
País: França. 2004
Tempo de duração: 95 minutos, colorido

94
O CINEMA COMO RECURSO PEDAGÓGICO

Resumo

Pierre Morhange, famoso maestro, retorna à sua cidade-natal


ao saber do falecimento de sua mãe. Lá recebe a visita de um
colega de internato, Pipenót que lhe entrega um diário escrito por
seu antigo professor de música, o inspetor Clémente Mathieu. Por
meio desse diário, começa a relembrar sua própria infância.
Em 15 de janeiro de 1949, o músico Clement Mathieu chega
ao internato Fond de L’Etang, destinado a crianças problemáticas,
para assumir uma vaga de inspetor. Seu primeiro contato com o
Diretor do internato Sr. Rachin não é nada amistoso, homem
severo, frio e extremamente autoritário, cujo lema é ação-reação,
adota práticas cruéis com aqueles que desrespeitam as regras da
instituição.
Logo de início da história são apresentados ao maestro
alguns nomes de crianças com péssimos comportamentos, entre
eles Pierre Morhange. Mathieu assume algumas aulas e, ao ter
contato com as crianças, ele começa a sentir o desejo de trabalhar
com a música, como uma possibilidade levar aqueles garotos vistos
como casos perdidos a novamente se reconhecerem como pessoas.
Mathieu, com a autorização do diretor, organiza um coral, o
qual se torna conhecido na França. Ali, em meio aos garotos,
identifica em Morhange uma alta habilidade para música. Por não
concordar com os métodos de ensino utilizados por Mathieu, o Sr.
Rachin o demite e logo em seguida também perde o emprego
devido ao uso de práticas violentas. Morhange volta a morar com
sua mãe, ganha uma bolsa de estudos, alcança reconhecimento
social ao formar-se em música e tornar-se um grande maestro.

95
ALTAS HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO: REFLEXÕES E PROCESSO EDUCACIONAL

Destaques

O filme retrata a sensibilidade e afetividade de um professor


que acredita na música como um instrumento importante para o
desenvolvimento humano. A relação entre professor e alunos nos
revela a importância da mediação, do planejamento, da
organização e intencionalidade das aulas, o que possibilita a
aprendizagem e o desenvolvimento de potencialidades. Mathieu
identifica no garoto, considerado delinquente, um talento para a
música, o qual se desenvolve a partir do momento que tem acesso
às letras, partituras e à música por meio das mediações do
professor.
As características genéticas referentes ao talento musical de
Pierre Morhange, só podem se manifestar quando este tem acesso
às condições necessárias para o desenvolvimento de suas
habilidades. Como indicam Delou e Bueno (2001), desde que
existam condições favoráveis, o desenvolvimento de habilidades
pode ocorrer em toda parte e com frequência, ou seja, como
resultado das relações sociais.
Para o processo de humanização, a criança

[...] precisa se apropriar da força social


potencial que está construída no interpsíquico
e torná-la intrapsíquica, constituindo assim
seu arcabouço de potencialidades. Quanto
mais a pessoa tem acesso ao acervo científico,
filosófico e artístico, mais possibilidade tem de
avançar do primitivo ao cultural, subjetivando
talentos, habilidades, aptidões ou capacidades
(BIFON, 2009, p. 69).

Superar a visão puramente inatista, referente às AH/SD,


requer compreender a importância das relações sociais e de
condições adequadas para que tais habilidades se desenvolvam. O
96
O CINEMA COMO RECURSO PEDAGÓGICO

acesso aos bens produzidos culturalmente pelo homem, educação,


arte, música, cultura e tecnologia são imprescindíveis para o
desenvolvimento mental de todo cidadão, seja ele superdotado ou
não.

LANCES INOCENTES

Ficha técnica
Direção: Fred Waitzkin
Gênero: drama
País: USA, 1993, colorido
Tempo de duração: 111 minutos

Este filme, classificado como drama, é uma adaptação do


livro Searching for Bobby Fischer (Procurando Bobby Fischer, sem
edição em língua portuguesa) de Fred Waitzkin, baseado em fatos
reais a respeito da vida do filho do autor, Josh Waitzkin. Foi
produzido para o cinema pela Paramount Pictures em 1993.

Resumo

Josh é um menino norte-americano de sete anos de idade


que aprende a jogar xadrez observando um grupo de moradores de
rua em uma praça de Nova Iorque, local em que revela seu
interesse e habilidade. Sua mãe o observa com atenção, curiosidade
e amor e pede ao marido, um cronista esportivo, que jogue com o
menino. Inicialmente o pai parece distante do filho, entretanto
passa a dedicar-se ao recém-descoberto aprendizado do garoto
após o mesmo vencê-lo seguidas vezes. O pai resolve então
contratar o melhor professor para ensinar ao filho a técnica do
jogo e começa a inscrevê-lo em campeonatos, nos quais é tido
como uma revelação. O sucesso ameaça tornar-se obsessivo e o
garoto demonstra o desejo de treinar com o pessoal da praça, mas

97
ALTAS HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO: REFLEXÕES E PROCESSO EDUCACIONAL

o pai o impede. Após a derrota em uma partida, pai e filho têm


uma rara oportunidade de reavaliar sua relação. O menino expressa
seus sentimentos em relação ao distanciamento afetivo do pai e
este retoma suas ideias e postura e passa a acompanhar o seu
treinamento na praça. O que se sucede são conquistas de prêmios
e projeção no mundo do xadrez.
Josh revela facilidade de aprendizagem, raciocínio e
memória; acompanha as jogadas com interesse e demonstra
excelente capacidade de atenção e concentração, bem como para
examinar e armazenar as informações recebidas, associar e fazer
combinações utilizando princípios de análise e síntese visual e viso
motora com êxito, coragem, ousadia e criatividade. Quando
necessário, o garoto age com ponderação, programa e verifica suas
ações, reformula mentalmente e refaz os lances para obter
melhores resultados, pois a atividade de jogar xadrez exige a
criação de intenções, planos e estratégias.

Destaques

O drama apresenta a alta habilidade de Josh que, dentre as


situações apresentadas, passa pelo desgaste da competição de alto
nível e de problemas familiares com o desentendimento dos pais.
A experiência da vitória e da derrota, as pressões, frustração e
alegrias são vivenciadas com base na importância dos processos de
ensino e aprendizagem com os dois professores que lhe
transmitem a técnica e arte do jogo de xadrez. Além disso, vale
destacar a preservação do amor em família.
Uma história com lições de valores essenciais ao
relacionamento humano e com acontecimentos surpreendentes da
vida de um menino com altas habilidades no jogo de xadrez. Esses
elementos fazem deste um filme um bom recurso para pensar e
conferir um novo significado à atuação pedagógica.

98
O CINEMA COMO RECURSO PEDAGÓGICO

BILLY ELLIOT

Ficha técnica
Direção: Stephen Daldry
Roteiro: Lee Hall
Gênero: drama
Música: Stephen Warbeck
País: Inglaterra, 2000
Tempo de duração: 111minutos

Resumo

O filme conta a história de um garoto de família humilde,


que frequenta o ginásio para lutas de boxe, mas acaba se
deparando, coincidentemente, com a dança, por meio de uma
amiga. Ele interessa-se pela dança, mas tem que enfrentar o
preconceito de seu pai contra a dança, de toda a população de
mineiros com os quais convive na cidade de Durighan, Inglaterra.
Com o apoio e a mediação segura de sua professora, ele consegue
ser aprovado na escola de dança Royal Ballet. O filme quebra um
tabu sobre a orientação sexual de bailarinos.

Destaques

Esse filme mostra, inicialmente, as pistas que apontam para a


provável habilidade de Billy para a dança: ritmos, movimentos
sincronizados e elaborados, a sensibilidade musical e o
envolvimento com a dança. Possui uma família composta pela avó,
pelo pai e irmão que são mineiros e estão envolvidos com a greve
nos mineiros.
Embora vivendo em um ambiente rústico, como
encarregado de cuidar de sua avó Billy ouvia constantemente as
histórias sobre como ela e sua mãe (falecida) gostavam de assistir

99
ALTAS HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO: REFLEXÕES E PROCESSO EDUCACIONAL

filmes sobre dança e ouvir músicas. Ao entrar em contato com a


dança no próprio ginásio em que praticava o boxe, o menino
optou por frequentar o curso dado pela professora - Mrs.
Wilkinson (Julie Walters), a qual percebe nele habilidades
incomuns para a essa arte. Ela, a professora, será responsável por
sua aprendizagem e envolvimento com a dança auxiliando-o a
estabelecer significados para as tarefas necessárias à preparação
para o exame de seleção na escola Royal Ballet.
Esse filme mostra diferentes formas de mediação que
contribuíram para que Billy pudesse desenvolver suas
potencialidades. Destaca-se a mediação da avó, do pai e do irmão
quando conseguiram compreender a importância dessa
aprendizagem para Billy; da professora, com os incentivos,
correções e imposição de limites necessários para alcançar seus
objetivos; dos colegas que o apoiam.
O filme mostra que não basta ter potencial. Para
desenvolver-se, a criança ou o jovem precisa do conhecimento
necessário para lograr êxito, desenvolver as habilidades que se
encontram em estado de embrião e dependem da mediação, da
organização do ensino, do apoio familiar e social.
Como afirma Vigotski (2009), toda atividade de criação da
imaginação está diretamente relacionada à riqueza e às experiências
pessoais anteriores, as quais constituem a matéria prima da
fantasia. E, nesse aspecto as mediações estabelecidas com a criança
têm um valor extraordinário.

100
Eva Alves Lacerda. Primata. 2014. Técnica grafite sobre papel Canson.
CONSIDERAÇÕES FINAIS

No presente livro apresentamos um panorama histórico


acerca dos conceitos e atendimentos às pessoas com altas
habilidades/superdotação. Com base em pressupostos da Teoria
Histórico-Cultural enfatizamos a importância da escolarização, do
ensino organizado para o desenvolvimento das funções
psicológicas superiores, de modo que o aluno possa expressar e
ampliar sua potencialidade.
O atendimento educacional especializado para alunos com
AH/SD está previsto na política nacional de educação inclusiva
em fase de implantação desde 2008. No entanto, é preponderante
a ausência de referências escolares a alunos com essas
características; faltam informações e formação para a identificação
e avaliação desse alunado. Esses fatores contribuem para a falta do
atendimento especializado e para a continuidade de representações
culturais equivocadas e míticas sobre o tema.
Esperamos que os pontos abordados possam contribuir para
a formação de um novo olhar e o delineamento de práticas
pedagógicas mais inclusivas, que atendam as necessidades
educacionais dos alunos com AH/SD.
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Trad. Sandra Costa. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998.

112
ANEXOS
ATENDIMENTO EDUCACIONAL
ESPECIALIZADO PARA ALUNOS COM AH/SD
PESQUISA, CONSTRUÇÃO DE BONECOS E
CONFECÇÃO DE VESTUÁRIO

Professora: Eliane Belmont Moraes


COLÉGIO ESTADUAL DR. GASTÃO
VIDIGAL
Ensino Fundamental Médio e Profissional

SALA DE RECURSOS SÉRIES INICAIS


Séries iniciais do Ensino Fundamental

ÁREA: ALTAS
HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO

Professora: Rosangela Maria Henriques

PROJETOS DESENVOLVIDOS EM 2010

As fotos apresentadas foram feitas pelas professoras das salas de


recursos e pelas autoras, com autorização dos pais para publicação.
ANIMAIS E PLANTAS MARINHAS DA COSTA
BRASILEIRA

TORRE EIFFEL E CATEDRAL DE NOTRE DAME


ALTAS HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO: REFLEXÕES E PROCESSO EDUCACIONAL

O QUE O HOMEM ESTÁ FAZENDO COM O MEIO


AMBIENTE

A NEVE NOS ESTADOS UNIDOS

122
ANEXOS

DESMATAMENTO DA AMAZONIA

ARTE E PINTURA

123
ALTAS HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO: REFLEXÕES E PROCESSO EDUCACIONAL

OFICINA E TEATRO DE BONECOS

124
COLÉGIO ESTADUAL DR. GASTÃO
VIDIGAL
Ensino Fundamental Médio e Profissional

SALA DE RECURSOS 5ª/8ª SÉRIES

ÁREA: ALTAS
HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO

Professora: Maria Oriza R. dos Santos

PROJETOS DESENVOLVIDOS EM 2010

Parcerias:
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ Proresíduos e
Departamento de Matemática
CESUMAR
Departamento de Mecatrônica
SENAI CTM Maringá
COLÉGIO DR.GASTÃO VIDIGAL
Professores: Reinaldo Alves Souto e Marcos Antônio P. Costa
EDUCAÇÃO AMBIENTAL: RECICLANDO COM
GARRAFAS PET E CAIXAS TETRA PAK

Aquecedor solar

Isolamento térmico

Objetivo:
Conscientizar os alunos da importância da reciclagem, na
preservação do meio ambiente, mostrando que é possível, com o
processo da reciclagem direta, ou seja, sem processo industrial,
reutilizarmos essas embalagens (pós-consumo), na construção de
objetos como aquecedor solar e isolamento térmico. Esta iniciativa
é de grande valia para a comunidade escolar e outros seguimentos
da sociedade.
ALTAS HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO: REFLEXÕES E PROCESSO EDUCACIONAL

INICIAÇÃO A ROBÓTICA

Objetivo:
Oportunizar aos alunos o conhecimento científico na área da
mecatrônica e seus segmentos; bem como mostrar a importância
que a mesma tem para o mundo do trabalho na sociedade atual. É
ainda maximizar a criatividade e coordenação dos alunos
trabalhando com materiais alternativos.

128
ANEXOS

TRABALHANDO COM JOGOS MATEMÁTICOS

Objetivo:
Desenvolver habilidades de organização, atenção, raciocínio,
concentração e também despertar nos alunos o prazer pelo estudo
da matemática.

129
ALTAS HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO: REFLEXÕES E PROCESSO EDUCACIONAL

EDUCAÇÃO AMBIENTAL: RECICLAGEM DE PAPEL

Objetivo:
Conscientizar os alunos da importância da reciclagem do papel na
construção do meio ambiente sustentável, mostrando as vantagens
da reciclagem do papel, principalmente na escola, onde pode ser
usado na confecção de matérias didático alternativos.

130
ANEXOS

CONSTRUÇÕES GEOMÉTRICAS

Objetivo:
Estimular as habilidades matemáticas dos alunos, através das
construções geométricas, utilizando apenas régua e compasso.

131
ALTAS HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO: REFLEXÕES E PROCESSO EDUCACIONAL

EDUCAÇÃO AMBIENTAL EDUCANDO PARA A VIDA:


RECICLANDO COM GARRAFAS PET

Objetivo:
Conscientizar os alunos da importância da reciclagem na
preservação do meio ambiente, mostrando que é possível, com o
processo da reciclagem, além minimizar os efeitos danosos que
estes causam a natureza, construir objetos interessantes podendo
agregar valores.

132
ANEXOS

OS GRANDES FÍSICOS DA HISTÓRIA

Objetivo:
Organizar um livreto sobre vida e obra dos grandes físicos da
história, abordando conceitos físicos e experiências.

133
ALTAS HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO: REFLEXÕES E PROCESSO EDUCACIONAL

MITOLOGIA GREGA

Objetivo:
Estimular os interesses dos alunos pelo estudo da Grécia Antiga,
principalmente pela mitologia.

134
ANEXOS

VULCANISMO

Objetivo:
Aprofundar o conhecimento sobre vulcão, fazendo um vulcão em
erupção com reações químicas (ácido/base).

135
ALTAS HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO: REFLEXÕES E PROCESSO EDUCACIONAL

ROBÓTICA EDUCACIONAL

Robô de escova de dente

Objetivo:
Estimular o interesse dos alunos pela área da robótica. E também
maximizar a criatividade e coordenação dos alunos, trabalhando
com materiais alternativos. Montar um pequeno robô com escova
de dente.

136
ORGANIZAÇÕES E SERVIÇOS DE
ATENDIMENTO ÀS PESSOAS COM
AH/SD E SUAS FAMÍLIAS
ALTAS HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO: REFLEXÕES E PROCESSO EDUCACIONAL

Organizações e associações nacionais de apoio às pessoas com


AH/SD e suas famílias

Assessoria Cultural e Educacional no www.acerta.etc.br


Resgate a Talentos Acadêmicos (21) 2537 7839
Associação Brasileira para Altas
www.altashabilidades.com.br/
Habilidades/Superdotação
Associação de Pais e Amigos para
www.aspatpe.blogspot.com.br
Apoio ao Talento de Pernambuco
Associação de Pais, Professores e
Amigos dos Alunos com Altas
www.apahsdf.blogspot.com.br
Habilidades/Superdotação do Distrito
Federal
Associação Gaúcha de Apoio às Altas
www.agaahsd.org
Habilidades/Superdotação
Associação Paulista para Altas
www.apahsd.org
Habilidades/Superdotação
Centro para Desenvolvimento do www.aspatlavras.com.br
Potencial e Talento (35) 3694 4180
www.conbrasd.org
Conselho Brasileiro para Superdotação
(51) 9123 2554
Grupo de Pesquisa Talento Criativo www.ucb.br
Instituto para Otimização da
www.inodap.org.br
Aprendizagem Educação Especial -
(41) 3343 3448
Talento e Superdotação
Núcleo Paulista de Atenção à nucleopahs@gmail.com
Superdotação (11) 99729 0379
Programa Aprender a Pensar (PAP) - www.pucgoias.edu.br
GO (62) 3946 1386
Programa de Atendimento a Alunos
www.uff.br/paaahsd
com Altas Habilidades/Superdotação

138
ANEXOS

Organizações e associações internacionais de apoio às pessoas


com AH/SD e suas famílias

Asociación Valenciana de Apoyo Al


www.asociacion-aest.org
Superdotado y Talentoso - Espanha
Associação Nacional para o Estudo e
Intervenção na Sobredotação - www.aneis.org/
ANEIS- Portugal
Associação Portuguesa de Crianças
www.apcs.co.pt/
Sobredotadas - PRT
Association for Bright Children of
www.abcontario.ca/
Ontario
Connecticut Association for the
www.ctgifted.org
Gifted - USA
European Council for High Ability
www.echa.info
(ECHA)
NAGC - National Association for
www.potentialplusuk.org
Gifted Children - GBR
National Association for Gifted
www.nagc.org
Children - USA
World Council for Gifted and
www.world-gifted.org
Talented Children

139
ALTAS HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO: REFLEXÕES E PROCESSO EDUCACIONAL

Serviços de atendimento às pessoas com atendimento às pessoas


com AH/SD e Núcleos de Atividades de Altas
Habilidades/Superdotação (NAAHS)

Região Norte
Ministério Público do Estado do www.mp.ac.gov.br
Acre Acre (68) 3212 2000
NAAHS - AC (68) 3223 1100
Ministério Público do Estado do www.mp.ap.gov.br
Amapá (96) 3198 1600
Amazonas Ministério Público do Estado do www.mp.am.gov.br
Amazonas (92) 3655 0502
NAAHS - AM (92) 9996 9646
Ministério Público do Estado de www.mp.ro.gov.br
Rondônia (69) 3216 3700
Rondônia
www.naahsro.blogspot.com.br
NAAH/S - RO
(69) 3216 5068
Ministério Público do Estado de www.mprr.mp.br
Roraima (95) 3621 2900
NAAH/S - RR (95) 3623 2065
Roraima Centro de Atividades e
Desenvolvimento de Altas
(95) 3621 3011
Habilidades/Superdotação – CAAS
- RR
Ministério Público do Estado do www.mpap.mp.br
Amapá Amapá (96) 31981600
NAAHS – AP (96) 3223 3182
Ministério Público do Estado do www.mp.to.gov.br
Tocantins (63)3216-7600
Tocantins NAAHS - TO (63) 3218-6105
Centro para o Desenvolvimento do
(63) 3217-2037
Potencial e Talento
Ministério Público do Estado do www.mppa.mp.br
Pará Pará (91)4006 3400
NAAHS - PA (91) 3229 5581

140
ANEXOS

Região Nordeste
Ministério Público do Estado www.mpma.mp.br
Maranhão do Maranhão (98) 3219-1846
NAAHS - MA (98)3221 3264
Ministério Público do Estado
(86) 3216 4550
Piauí do Piauí
NAAHS - PI (86) 3216 2627
Ministério Público do Estado www.mp.ba.gov.br
Bahia da Bahia (71) 3103 0100
NAAHS - BA (71) 3244 1025
Ministério Público do Estado www.mpce.mp.br
Ceará do Ceará (85) 3452 1557
NAAHS - SE (85) 3101-2070
Ministério Público do Estado www.mprn.mp.br
Rio Grande do
do Rio Grande (84) 3232 7130
Norte
NAAHS - RN (84) 3232 4518
Ministério Público do Estado www.mppb.mp.br
Paraíba da Paraíba (83) 2107 6000
NAAHS - PB (83) 3224 0330
Ministério Público do Estado www.mppe.mp.br
Pernambuco de Pernambuco (81) 3182 7000
NAAHS - PE (81)3355 6904
Ministério Público do Estado http://www.mp.al.gov.br
Alagoas de Alagoas (82) 2122 3500
NAAHS - AL (82) 3315 1275
Ministério Público do Estado www.mpse.mp.br
Sergipe do Sergipe (79) 3209 2400
NAAHS - SE (79) 3211 9622

141
ALTAS HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO: REFLEXÕES E PROCESSO EDUCACIONAL

Região Centro-Oeste
Ministério Público do Estado www.mp.mt.gov.br
Mato Grosso de Mato Grosso (65) 3613 5100
NAAH/S – MT (65) 8122 4618
Ministério Público do Estado www.mp.ms.gov.br
Mato Grosso de Mato Grosso do Sul (67) 3318 2000
do Sul NAAHS – MS (67) 3314 1269
NAAHS - Dourados (67) 3421 3507
Ministério Público do Estado www.mp.go.gov.br
Goiás de Goiás (62) 3243-8000
NAAHS - GO (62) 3945 2159

Região Sudeste
Ministério Público do Estado www.mpes.mp.br
Espírito Santo do Espírito Santo (27) 3194 4500
NAAHS - ES (27) 3137 3693
Ministério Público do Estado www.mprj.mp.br
Rio de Janeiro do Rio de Janeiro (21) 2550-9050
NAAHS - RJ naahs@educacao.rj.gov.br
Ministério Público do Estado www.mpmg.mp.br
Minas Gerais de Minas Gerais (31)3330 8100
NAAHS - MG (31) 3277 8645
Ministério Público do Estado www.mpsp.mp.br
São Paulo de São Paulo (11) 3119 9183
NAAHS - SP (11) 5090 4600

Região Sul
Ministério Público do Estado www.mppr.mp.br
Paraná do Paraná (41) 3250 4000
NAAHS - PR (43) 3323 7630
Ministério Público do Estado de www.mpsc.mp.b r
Santa Catarina Santa Catarina (48) 3229 9000
NAAHS - SC (48) 3381-1695
Ministério Público do Estado www.mprs.mp.br
Rio Grande do
do Rio Grande do Sul (51) 3295 1100
Sul
NAAHS - RS (51) 3228 2112
Fonte: ConbraSd, 2014; Brasil (2014).

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