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INTRODUÇÃO

Do descuido das ações sociais, da falta de responsabilidade do


mercado financeiro e, principalmente, da falta de princípios resultou a
grande crise que assolou o mundo em 2008, fato que fez com que
executivos de todo o mundo elevassem a sua preocupação com a gestão
de riscos e a transparência das suas ações. A partir dos colapsos
financeiros, percebeu-se que o sucesso empresarial está relacionado ao
equilíbrio entre as questões de governança e os princípios éticos e
sustentáveis. Ao mesmo tempo, os diversos problemas ambientais que
vêm assolando a humanidade nos últimos anos levaram a uma reflexão
sobre o papel do setor empresarial em todo esse contexto.
As organizações devem buscar lucro e resultados, trabalhar a
competitividade, gerar renda e emprego, e ter estabilidade: esses são
alguns dos elementos que as mantêm vivas e, além disso, movem a
sociedade. No entanto, a ascensão de uma empresa não está relacionada
apenas à sua capacidade de gerar receita, mas à sua capacidade de
implantar um processo de sustentabilidade que seja condizente com as
necessidades da sociedade e os impactos gerados no planeta onde
vivemos. O próprio “pai” da Administração moderna, Peter Drucker
(1994), considera importantes não só os aspectos econômicos das
empresas mas também o seu papel social: “As organizações não vivem
para si próprias, mas são meios, são órgãos da sociedade que visam a
uma tarefa social”.
Enquanto as empresas buscarem apenas o bem imediato e
próprio, o desenvolvimento do setor privado será limitado. Não há
possibilidade de sucesso em uma organização cuja crença se direcione
somente ao bem individual. Ao contrário, essa busca exclusiva pelo bem
pessoal leva à corrupção e às práticas reprováveis que vemos todos os
dias na televisão. Nesse sentido, muitos movimentos incentivadores de
práticas de gestão empresarial mais sustentáveis têm surgido nos últimos
anos, buscando dar suporte ao controle da negligência no setor privado
e, dessa forma, constituírem-se como uma forte via de responsabilidade
social corporativa. As Nações Unidas e movimentos como o Pacto
Global, por exemplo, criaram uma série de princípios universais para
combater essa realidade.
Como podemos notar, é imprescindível que o setor privado reconheça o seu poder no
controle de impactos ambientais e que os líderes empresariais sejam protagonistas nessa jornada,
garantindo as boas práticas e baseando-se tanto na ética quanto na governança responsável. Só a
união do setor direcionará a transformação desse quadro. No entanto, colocar esses conceitos em
prática é ainda um desafio. Em 2019, o CEO Study, realizado pelo Pacto Global juntamente com
a consultoria Accenture, mostrou que, apesar de 71% dos CEOs acreditarem que as empresas têm
uma grande responsabilidade no atingimento dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável,
25% dizem que a falta de clareza com o valor do negócio é uma das maiores barreiras para a
implementação da sustentabilidade.
Para reverter esse quadro, entidades empresariais e os próprios empresários precisam
levantar a bandeira da sustentabilidade nos negócios e fomentar agendas de discussão sobre o
assunto de maneira transparente. A implantação de práticas sustentáveis não deve ser apenas uma
estratégia de marketing, mas fazer parte do DNA da Instituição, e isso só é possível por meio do
desenvolvimento de líderes conscientes e responsáveis. Em outras palavras, confiança, aptidão e
vontade de fazer a diferença são características imprescindíveis a líderes que queiram transformar e
influenciar o cenário atual das suas empresas e de outros setores. Nesse ponto, a educação
executiva é a via para a inovação e para a disseminação do conhecimento com foco em valores.
Considerando esse contexto, o objetivo da apostila Práticas de gestão empresarial
sustentável é oferecer reflexões e modelos de gestão sustentável a serem aplicados nas
organizações. Para tanto, iniciaremos o nosso estudo apresentando um histórico da questão
socioambiental no Brasil e no mundo. Em seguida, ilustraremos práticas de gestão sustentável nas
empresas, de modo a contribuir para a construção de estratégias eficazes e para o aperfeiçoamento
do relacionamento e da comunicação com stakeholders. Discutiremos também acerca dos novos
paradigmas de sustentabilidade presentes na sociedade contemporânea. Sob esse foco, esta apostila
está estruturada em quatro módulos.
No módulo I, apresentaremos uma retrospectiva sobre a questão socioambiental no Brasil e
no mundo. Para isso, abordaremos a importância e o papel das empresas na geração de riquezas e
os princípios que regem a sua responsabilidade para com a sociedade. Além disso, apresentaremos
a Agenda 2030, documento que trata dos objetivos do desenvolvimento sustentável como uma
oportunidade de desenvolvimento empresarial.
No módulo II, focaremos algumas práticas para gerir organizações baseadas no contexto da
sustentabilidade, mais especificamente sob o viés ambiental. Para tanto, abordaremos temas como
estratégias de gestão de projetos, ciclo de vida dos produtos, Sistema de Gestão Ambiental, ISO e
legislações pertinentes.
No módulo III, buscaremos entender quem são as partes interessadas da empresa e
veremos a forma mais adequada de comunicar a esse público as iniciativas e os avanços
relacionados à sustentabilidade.
No módulo IV, discutiremos alguns temas que propõem certa reflexão acerca dos novos
paradigmas ligados à sustentabilidade. Abordaremos, por exemplo, como a inovação transversal e
a sua integração com a sustentabilidade podem impactar novas maneiras de fazer negócio.
Discutiremos também o conceito de economia circular e a tendência de criação das smart cities,
que colocam a população como o centro das atenções e utilizam a sustentabilidade e a inovação
como fator de transformação e reorganização. Discutiremos, por fim, o tema da liderança para a
sustentabilidade e a questão da inserção dos conceitos de ética e compliance nas organizações.
SUMÁRIO
MÓDULO I – HISTÓRICO E EVOLUÇÃO .............................................................................................. 11 

IMPORTÂNCIA DAS EMPRESAS NA GERAÇÃO DE RIQUEZAS E RESPONSABILIDADE SOCIAL 11 


Princípios garantidores dos interesses sociais ....................................................................11 
Responsabilidade social empresarial....................................................................................12 
AGRAVAMENTO DOS PROBLEMAS AMBIENTAIS MUNDIAIS ......................................................14 
Poluição do ar e mudanças climáticas ..................................................................................14 
Desmatamento ........................................................................................................................15 
Extinção das espécies ..............................................................................................................16 
Superpopulação .......................................................................................................................16 
Escassez de água .....................................................................................................................17 
Geração de lixo.........................................................................................................................18 
APERFEIÇOAMENTO TECNOLÓGICO E EVOLUÇÃO DA GESTÃO AMBIENTAL ...................................19 
Marcos históricos .....................................................................................................................19 
Ferramentas voltadas para a minimização da geração de resíduos ................................20 
INCORPORAÇÃO DA CONVENÇÃO DA SUSTENTABILIDADE NAS EMPRESAS E NA SOCIEDADE
............................................................................................................................................................21 
Triple bottom line ......................................................................................................................21 
Geração de valor.................................................................................................................22 
Pacto global ..............................................................................................................................22 
Programa Cidades .............................................................................................................. 24 
Princípios para o Investimento Responsável (PRI) .........................................................25 
Princípios para Educação Executiva Responsável (PRME) ............................................25 
World Business Council for Sustainable Development (WBCSD) ......................................26 
OBJETIVOS DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL ....................................................................26 

MÓDULO II – GERINDO ORGANIZAÇÕES MAIS SUSTENTÁVEIS ...................................................... 33 

PAPEL DO SISTEMA DE GESTÃO AMBIENTAL (SGA) NA REDUÇÃO DE CUSTOS E RISCOS


AMBIENTAIS ......................................................................................................................................33 
NORMAS ISO DA FAMÍLIA 14000....................................................................................................34 
Aplicação da ISO 14001 ...........................................................................................................35 
CICLO PDCA NA GESTÃO INTEGRADA ...........................................................................................37 
ECOEFICIÊNCIA COMO ELEMENTO SUSTENTÁVEL ESTRATÉGICO .............................................40 
ADOÇÃO DA METODOLOGIA DA PRODUÇÃO MAIS LIMPA (P+L) ..............................................42 
ETAPAS DO PROCESSO DE PRODUÇÃO MAIS LIMPA ..................................................................43 
Níveis de aplicação ..................................................................................................................44 
Nível 1...................................................................................................................................45 
Nível 2...................................................................................................................................46 
Nível 3...................................................................................................................................46 
CICLO DE VIDA DO PRODUTO ........................................................................................................47 
Tipos de responsabilidade da empresa................................................................................47 
Cradle-to-cradle (C2C) .........................................................................................................48 
LOGÍSTICA REVERSA E PERSPECTIVAS DA POLÍTICA NACIONAL DE RESÍDUOS SÓLIDOS ......50 
ROTULAGEM AMBIENTAL: ROTULANDO A QUALIDADE SOCIOAMBIENTAL DA CADEIA PRODUTIVA 51 
Tipos de rotulagem ambiental ...............................................................................................52 

MÓDULO III – RELACIONAMENTO COM SHAREHOLDERS E STAKEHOLDERS .................................... 53 

CRIAÇÃO DE VALOR SUSTENTÁVEL: DESAFIOS MULTIDIMENSIONAIS .....................................53 


Criando valor sustentável para os shareholders ..................................................................54 
ORGANIZAÇÃO E IDENTIFICAÇÃO DE QUESTÕES CRÍTICAS DA EMPRESA ...............................56 
Guia SDG compass ...................................................................................................................58 
FOCO NOS STAKEHOLDERS E PAPEL DESEMPENHADO PELAS EMPRESAS NA CONSTRUÇÃO
DO PROCESSO DE MAPEAMENTO, COMUNICAÇÃO E ENGAJAMENTO ....................................60 
Identificação .............................................................................................................................61 
Priorização ................................................................................................................................61 
Relacionamento .......................................................................................................................62 
Monitoramento ........................................................................................................................63 
ENTENDENDO A ABORDAGEM DOS STAKEHOLDERS E A AVALIAÇÃO DA QUALIDADE DA
LICENÇA PARA OPERAR DAS EMPRESAS .......................................................................................63 
GERAÇÃO DE VALOR COMPARTILHADO .......................................................................................64 
DIVULGAÇÃO DOS RESULTADOS AOS STAKEHOLDERS ................................................................65 
Relatórios Integrados (RI)........................................................................................................65 
Princípios de transparência do processo de relato .......................................................66 

MÓDULO IV – NOVOS PARADIGMAS EM SUSTENTABILIDADE ........................................................ 69 

INOVAÇÃO E SUSTENTABILIDADE.................................................................................................. 69 


Negócios voltados para a base da pirâmide ........................................................................70 
Microcrédito: experiência de sucesso .............................................................................71 
ECONOMIA CIRCULAR .....................................................................................................................72 
SMART CITIES ......................................................................................................................................73 
Evolução do conceito...............................................................................................................74 
Importância da mudança........................................................................................................ 75 
COMPLIANCE E ÉTICA ........................................................................................................................75 
Compliance ................................................................................................................................75 
Princípios de governança corporativa como base do sistema de compliance ...........77 
Formatação de um sistema de compliance efetivo ........................................................78 
IMPORTÂNCIA DA ÉTICA .................................................................................................................79 
LIDERANÇA PARA SUSTENTABILIDADE .........................................................................................80 
Tipos de líder ............................................................................................................................82 
Impactos positivos da liderança para a sustentabilidade ..................................................83 
CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................................................... 85 

BIBLIOGRAFIA ...................................................................................................................................... 86 

PROFESSORES-AUTORES ..................................................................................................................... 88 


MÓDULO I – HISTÓRICO E EVOLUÇÃO

Neste módulo, apresentaremos uma retrospectiva sobre a questão socioambiental no Brasil


e no mundo. Para isso, abordaremos a importância e o papel das empresas na geração de riquezas
e os princípios que regem a sua responsabilidade para com a sociedade. Além disso,
apresentaremos a Agenda 2030, documento que trata dos objetivos do desenvolvimento
sustentável como uma oportunidade de desenvolvimento empresarial.

Importância das empresas na geração de riquezas e


responsabilidade social
Princípios garantidores dos interesses sociais
O desenvolvimento de uma sociedade é papel de todos, e esse esforço coletivo deve estar
atrelado ao fortalecimento da economia. As empresas são uma das principais responsáveis por esse
fortalecimento, pois fazem com que bens e serviços circulem pelo planeta. Esse processo é
chamado de comercialização de bens ou prestação de serviços, e é administrado por sócios ou
gestores profissionais (capital) e exercido por empregados (trabalho), podendo ou não ser aberta a
todos a participação nos lucros (NONES, 2013). O conceito de empresa não deve, contudo,
resumir-se à sua atividade produtiva, visto que, além de visar ao lucro, toda empresa deve exercer
a sua função social e atuar com responsabilidade em relação ao meio ambiente.
Para atingir a sua função social, a empresa deve observar alguns princípios básicos que
garantem os interesses sociais. Vejamos:

a) Princípio da dignidade empresarial:


Ao exercer a sua atividade-fim, a empresa deve cumprir a sua função econômica e social de
maneira equilibrada, respeitando a ética nas relações empresariais e com o consumidor.

b) Princípio da boa-fé empresarial:


O princípio da boa-fé empresarial se relaciona com a valorização da ética, da moral e dos
bons costumes, buscando o equilíbrio entre o livre mercado e os interesses sociais.

c) Princípio da dignidade da pessoa humana:


A garantia à dignidade humana é um dos mais importantes princípios atrelados às relações
empresariais e à função social da empresa. Por meio desse princípio, defende-se que a atividade
econômica não pode estar voltada apenas para o bem-estar do empresário e dos seus acionistas,
devendo visar também às boas condições do corpo de trabalhadores e aos interesses coletivos.
Esse princípio está presente na Constituição Federal Brasileira como um valor supremo e
primordial. Além disso, a Declaração e o Programa de Ação de Viena, documento assinado na
Conferência Mundial dos Direitos Humanos que ocorreu em 1993, prevê que “todos os direitos
humanos são universais, interdependentes e inter-relacionados.” Dessa forma, a “comunidade
internacional deve tratar os direitos humanos globalmente de forma justa e equitativa, em pé de
igualdade e com a mesma ênfase” (1993, p. 4).

Ao analisarmos esses princípios, podemos concluir que a função social de uma empresa deve
incluir a geração de riquezas e empregos, visando ao lucro, mas também deve promover a
qualificação e a diversificação da força de trabalho, estimular o desenvolvimento científico e
tecnológico, além de gerar uma melhor qualidade de vida por meio de ações educativas, culturais,
assistenciais e de defesa do meio ambiente.

Responsabilidade social empresarial


As discussões sobre a responsabilidade social das empresas são recentes na era pós-Revolução
Industrial e, segundo o Direito Empresarial, iniciaram-se nos Estados Unidos, após a Guerra do
Vietnã. Nesse momento histórico, a sociedade e as empresas – principalmente a bélica – iniciaram
um processo de contestação das políticas adotadas pelo país. Esse “movimento” deu início ao
surgimento dos primeiros relatórios socioeconômicos, chamados de Balanços Sociais, que
apresentavam as relações da empresa com os funcionários, a comunidade e a sociedade em geral.
Surge então o conceito de responsabilidade social empresarial.

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Segundo o Instituto Ethos, a responsabilidade social empresarial (ou corporativa) pode ser
conceituada como uma forma de gestão definida pela ética transparente da empresa com todos os
públicos com os quais ela se relaciona (stakeholders) e pelo estabelecimento de metas corporativas
que estimulem o desenvolvimento sustentável da sociedade, preservando recursos do meio
ambiente e da cultura para gerações futuras, respeitando a diversidade e promovendo a redução
das desigualdades.

O Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social é


uma das principais referências no que se refere à
responsabilidade social empresarial (RSE). Criado em 1998
por um grupo de executivos da iniciativa privada, é uma
Oscip que tem como objetivo mobilizar, sensibilizar e ajudar
as empresas a gerirem os seus negócios de forma
socialmente responsável, tornando-as parceiras na
construção de uma sociedade sustentável e justa.

Para garantir o sucesso desse processo, a RSE deve procurar harmonizar interesses
privados dos acionistas com interesses coletivos de outros stakeholders, provendo resultados
financeiros e socioambientais a curto e a longo prazo, visando à perenidade da organização
(ARTIACH et al., 2010).
A definição de stakeholder é crucial para entendermos o conceito de responsabilidade social
da empresa. Entende-se por stakeholder um grupo ou um indivíduo que legitima as ações de uma
organização exercendo um papel direto ou indireto nos seus resultados e que pode por eles ser
afetado de maneira positiva ou negativa, dependendo da forma como essa organização atua.
Internamente, os stakeholders de uma empresa podem ser, por exemplo, os seus colaboradores,
gestores, proprietários, acionistas, fornecedores, clientes, etc. Em um âmbito mais externo, podem
ser organizações sociais, prefeituras, governos, sindicatos, concorrentes e diversas outras
organizações que se relacionem com determinada ação ou projeto.
Quando entendem a importância dos stakeholders, os gestores conseguem enxergar de
maneira mais ampla todos os envolvidos no processo de entrega da proposta de valor da
organização, analisando de que forma eles podem contribuir para o sucesso desse processo e
determinando como serão impactados pela sua realização.

Os stakeholders são elementos fundamentais no


planejamento estratégico e no processo de geração de
riquezas de uma empresa ou organização.

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Agravamento dos problemas ambientais mundiais
Ao analisarmos a evolução histórica das sociedades, podemos observar que, desde o início
dos tempos, o ser humano tem modificado o ecossistema para suprir as suas necessidades e os seus
interesses. Isso contribui, de forma progressiva, para o desequilíbrio do planeta e da humanidade.
Após o advento da Revolução Industrial, o ser humano mudou a sua interação com o
planeta, buscando, principalmente, elevar a produtividade e os ganhos socioeconômicos. A
poluição do ar, as mudanças climáticas, o desmatamento, a extinção de espécies, a escassez de
água e a superpopulação são alguns dos grandes problemas ambientais mundiais gerados por essa
busca desenfreada pelo desenvolvimento industrial e pelo lucro. A seguir, veremos cada um deles
com mais detalhes.

Poluição do ar e mudanças climáticas


O carbono é fundamental para a vida na Terra, fazendo parte do seu solo, da sua atmosfera
e dos seus oceanos. O CO2 atmosférico absorve e reflete os raios ultravioleta do Sol, fazendo com
que o solo, as águas e o ar fiquem mais quentes, o que garante a manutenção da vida terrestre. No
entanto, tudo em excesso torna-se um problema. As atividades industriais, a queima de
combustíveis fósseis e o desmatamento aumentaram a concentração atmosférica de CO2 em quase
duas vezes nos últimos 200 anos. A emissão desenfreada desses gases acentua a ação do chamado
efeito estufa, ou seja, deixa a “camada protetora” da atmosfera mais grossa, a ponto de não
permitir que a radiação solar, depois de absorvida na Terra, volte ao espaço. Isso bloqueia o calor,
gerando um aumento da temperatura média no planeta. Um dos principais danos causados por
esse aquecimento é o derretimento das calotas polares, que gera a elevação do nível dos mares e
oceanos, inundando cidades costeiras e afetando o dia a dia de comunidades ou atividades
econômicas como agricultura e pesca.

14
Figura 1 – Esquematização do efeito estufa

As discussões sobre o efeito estufa já permeiam, há alguns anos, a agenda de governos e


comunidades científicas, e apontam como solução a diminuição da emissão de gases nocivos à
atmosfera. Na tentativa de reunir esforços para a concretização dessa redução, foram realizados
alguns acordos e conferências mundiais, como o conhecido Protocolo de Kyoto.

O Protocolo de Kyoto, instituído no ano de 1997, na cidade


de Kyoto (Japão), foi assinado por 84 países inicialmente. Os
assinantes, majoritariamente países desenvolvidos,
comprometeram-se a reduzir a emissão de gases de efeito
estufa para aliviar os impactos do aquecimento global.

Desmatamento
O desmatamento não é problema novo na sociedade. A destruição de florestas acontece
frequentemente para manter o processo produtivo, a criação de gado e a agricultura. Além disso,
com a urbanização constante, é cada vez mais frequente em áreas adjacentes a centros urbanos,
estradas e rios.

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As florestas são reservas de biodiversidade e funcionam de modo parecido com o dos nossos
pulmões, absorvendo o CO2 e mantendo os gases nocivos fora da atmosfera e dos oceanos.
Segundo o WWF, os principais impactos do desmatamento são os seguintes:
 perda de biodiversidade;
 degradação de habitats;
 modificação do clima mundial e
 perda do ciclo hidrológico.

Todos esses impactos geram também impactos sociais. Com a redução das florestas, as
pessoas têm menos possibilidade de usufruir dos benefícios advindos dos recursos naturais
oferecidos por esses ecossistemas.

Extinção das espécies


A destruição de habitats é um dos principais fatores que levam à extinção das espécies,
seguida apenas da caça ilegal de animais selvagens para obtenção de carne ou produção de itens
“medicinais”. A União Internacional para Conservação da Natureza (UICN) calcula que 95% das
espécies que passaram pela Terra já desapareceram. Hoje são extintas cerca de 5 mil espécies por
ano, aproximadamente 13 por dia.
A Indonésia é o país recordista em destruição de biodiversidade, perdendo uma espécie por
dia, o que se deve, principalmente, ao aumento da degradação ambiental: poluição das águas, dos
solos e do ar, desmatamento e contaminação do meio ambiente por radioatividade e agrotóxicos.

Superpopulação
A cada ano, nascem cerca de 81 milhões de pessoas, número próximo ao da população de
toda a Alemanha. Nesse ritmo crescente, segundo a ONU, chegaremos a 9,6 bilhões de habitantes
em 2050, 2 bilhões de pessoas a mais do que temos hoje no planeta.
Sabemos que a Terra possui, praticamente, a mesma quantidade de água (em todos os
estágios) e terra de milhares de anos atrás e que a ciência ainda não encontrou formas de ampliar
essa quantidade de maneira efetiva. Isso significa que, com o aumento populacional, recursos
básicos para a sobrevivência humana, como água e alimentos, começarão a faltar.
Hoje a maior parte da população mundial vive nas áreas mais pobres da África e da Ásia, e
os estudos apontam que isso deve manter-se nos próximos anos. Entre 2010 e 2100, as
estimativas são de que os países africanos tenham taxas de crescimento populacional que cheguem
a 1.200%.

16
O gráfico a seguir é resultante de um estudo lançado em 2017 pelo Department of Economic and
Social Affairs da ONU (Desa) e mostra a divisão populacional do nosso planeta por áreas habitadas.

Figura 2 – População total por grande área

O gráfico nos mostra que metade das pessoas que habitarão o planeta em 2100 estarão
vivendo em apenas oito países: Tanzânia, Congo, Nigéria, Uganda, Etiópia, Índia e Estados
Unidos. Essa configuração se deve não só a fatores culturais e religiosos, mas também à falta de
educação, de acesso a métodos contraceptivos e de planejamento familiar, especialmente nos
países subdesenvolvidos.

Escassez de água
Sempre ouvimos dizer que a Terra é o Planeta Água. No entanto, 97% de toda essa água é
salgada, ou seja, não pode ser consumida por seres humanos. Os outros 3% estão no subsolo do
planeta ou nos seus polos, caso em que se encontra congelada. Resta menos de 1% nas redes de
distribuição para utilização, o que inclui o consumo próprio, o uso industrial e o agrícola.

A escassez de água é um problema para toda a


humanidade. 40% da população do planeta é afetada por
falta de água, mais de 2 bilhões de pessoas bebem água
insegura para consumo e 4,5 bilhões não têm acesso a
saneamento básico.

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Apesar de cerca de 12% da água doce do mundo estar concentrada no Brasil, a crise hídrica
é algo também presente na nossa realidade. A cidade de São Paulo, por exemplo, região mais
populosa do Brasil, enfrentou um longo período de escassez de água em 2014. Além da ausência
de chuvas no período, foram causas a má distribuição da água e a má gestão dos recursos naturais
na cidade.
Os processos industriais e agrícolas também colaboram para a manutenção desse tipo de
problema. Para produzir uma tonelada de grãos, por exemplo, são necessárias 1.000 toneladas de
água. Além disso, houve um aumento do consumo de produtos industrializados e mesmo de
carne bovina, suína e de aves por conta do fenômeno de ascensão social ocorrido no País. Há
também o fato de as pessoas estarem vivendo mais em cidades, o que gera um processo de
urbanização crescente, ampliando a necessidade de água encanada e saneamento.

Geração de lixo
Chamamos de lixo todo o resíduo gerado por atividades humanas que não tem mais
utilidade e está em desuso.
Tendências apontam que, com a ascensão do consumo – aliada ao crescimento
populacional, ao crescimento econômico e à urbanização –, estimula-se cada vez mais a produção
de bens e serviços, o que gera mais resíduos. Se não destinados de maneira correta, esses resíduos
tornam-se lixo e acabam degradando o ecossistema.

O panorama apresentado nos mostra a realidade em que se


encontra o nosso planeta e alguns dos principais desafios a
serem enfrentados. Para entender quantitativamente todo
esse impacto ambiental, foi criado o conceito de Pegada
ecológica, que representa a relação entre a exploração, a
utilização e o consumo dos recursos naturais, versus a
capacidade do planeta em repor tudo isso de maneira
natural. Essa metodologia avalia a biocapacidade da terra
em suportar a vida humana, sem comprometer a sua
disponibilidade para as próximas gerações. Por isso, é
importante abordar a responsabilidade da gestão e as
práticas empresariais realizadas frente a esse contexto.

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Aperfeiçoamento tecnológico e evolução da gestão ambiental
Marcos históricos
Segundo José Barbieri (2011), uma das grandes referências da área no Brasil, as
manifestações iniciais de gestão ambiental surgiram devido ao esgotamento de recursos naturais
como a madeira, cuja exploração, para a construção de moradias, móveis e instrumentos, e a
produção de combustível, era intensa desde a era medieval. A escassez de qualquer recurso gera
um alerta e provoca a reflexão, o que foi bastante importante nessa trajetória.
Nos anos 1950 e 1960, não se falava muito em gestão ambiental nas empresas, que se
limitavam a atender a pobre legislação vigente na época. Muito comuns até os anos 1970, as
tecnologias de remediação eram as que imperavam, ou seja, as empresas só se preocupavam com a
gestão ambiental quando ocorria algum tipo de desastre ambiental. Nesse contexto, um marco
importante foi o lançamento do livro Primavera silenciosa (Silent spring), de Rachel Carson.
Publicada em1962, nos Estados Unidos, a obra, que ficou alguns anos na lista das mais vendidas,
alertava para o uso de agrotóxicos no meio ambiente, principalmente em aves, causando a
diminuição da espessura das cascas dos ovos, criando problemas reprodutivos e,
consequentemente, levando a mortes. O movimento ambientalista ganhou força a partir desse
momento e passou a ter um certo grau de destaque na sociedade.
O aumento da preocupação com os impactos do processo produtivo no meio ambiente
resultou em dois grandes marcos nos anos 1970:

a) Relatório do Clube de Roma:


O relatório do Clube de Roma, chamado Os limites do crescimento, apresentou estudos
realizados por pesquisadores do MIT e concluiu que, se a humanidade continuasse a consumir os
recursos naturais no modelo da época por consequência da industrialização, eles se esgotariam em
até 100 anos.

b) Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano:


A Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, realizada em
Estocolmo, em 1972, foi primeira grande reunião de chefes de estado organizada pela ONU para
tratar de questões relacionadas à degradação ambiental.

A partir desses marcos, a discussão sobre a temática se acirrou, refletindo bastante na gestão
e no posicionamento dos países. No Brasil, por exemplo, o Governo Federal editou as suas
normas e políticas ambientais e criou, já em 1975, a Sema (Secretaria Especial do Meio
Ambiente). Nos anos seguintes, reformulou a Política Nacional do Meio Ambiente e, em 1986, a
partir da obrigatoriedade da realização de estudos e relatórios de impacto ambiental, apoiou
crescentes debates em relação às questões ambientais e aos novos padrões de produção e consumo.

19
Ferramentas voltadas para a minimização da geração de resíduos
A pressão da sociedade e dos governos impactou o ambiente empresarial, provocando o
surgimento dos processos chamados fim-de-tubo, em que são aplicadas tecnologias aos resíduos
gerados pela empresa (perdas do sistema de produção, como emissões de gases nocivos à
atmosfera, resíduos sólidos e efluentes líquidos) a fim de minimizar os impactos ambientais. No
entanto, apesar de esses processos e tecnologias serem bastante efetivos no fim-do-tubo, como o
próprio nome já diz, a preocupação só começa após a geração de resíduos.
Com a sofisticação e o encarecimento do processo de tratamento de alguns resíduos, as
empresas passaram a estimular ações anteriores a geração desses resíduos, ou seja, passaram a agir
de maneira preventiva. Dessa forma, percebeu-se que a questão ambiental não era apenas um
problema que ocorria na saída do sistema de produção, mas que fazia parte da estratégia da
organização. Assim foram surgindo ferramentas que buscavam minimizar a geração de resíduos,
como os sistemas de gestão ambiental (SGA) e a produção mais limpa (P+L).

A diminuição da geração de determinado resíduo por meio


de técnicas de P+L gera, usualmente, menores custos de
tratamento, o que traz também um diferencial competitivo
para a empresa perante o mercado e a sociedade.

Como vimos, as mudanças aconteceram de maneira gradativa e começaram a ser efetivas


quando o setor privado percebeu que poderia beneficiar-se da incorporação de questões ambientais
nos seus modelos de negócio e produção. O conceito de ecoeficiência surge nesse contexto, sendo
definido como a capacidade de produzir e realizar atividades com o menor impacto ambiental
possível, consumindo menos recursos naturais e gerando o mínimo de resíduos.
Em 1987, o termo “desenvolvimento sustentável” foi utilizado pela primeira vez no
relatório Nosso futuro comum, também conhecido como Relatório de Brundtland. Nele foi
demonstrado que, para garantir a perenidade dos negócios, as empresas não devem olhar apenas
para a questão ambiental, mas também para os aspectos sociais e econômicos. Em outras palavras,
considerando a sua função produtiva, as empresas devem levar em consideração esse tripé da
sustentabilidade e trabalhar sob um modelo de negócio que satisfaça as necessidades presentes sem
comprometer as necessidades das gerações futuras.

20
Incorporação da convenção da sustentabilidade nas
empresas e na sociedade
A globalização e a atual dinâmica do ambiente de negócios exigem que as empresas sejam
flexíveis para se adaptarem, de maneira mais ágil, às mudanças do mercado. Essas mudanças vão
em direção à sustentabilidade e à responsabilidade corporativa, e essa pressão de adaptação está
relacionada, principalmente, a fontes externas como os stakeholders, ou seja, organizações
internacionais, o governo e o próprio mercado, que exigem mais transparência e melhoria em
aspectos que vão além do financeiro nos negócios.

Triple bottom line


Como vimos anteriormente, a sustentabilidade não era algo presente nas empresas e estava
associada, principalmente, a estratégias de gestão ambiental. No entanto, a evolução do conceito
trouxe a discussão a respeito do triple bottom line, que estimula a atuação tanto ambiental quanto
social e econômica.
Desenvolvido pelo norte-americano John Elkington, o conceito de triple bottom line, ou
tripé da sustentabilidade, defende que as dimensões social, ambiental e econômica devem
interagir de maneira holística caso a empresa queira ser considerada sustentável.
Como utilizado no primeiro relatório de sustentabilidade da empresa de óleo Shell em
1997, o triple bottom line também pode ser resumido por meio dos chamados 3 Ps:

1. People (pessoas):
A dimensão social se relaciona, principalmente, às pessoas, à igualdade social e ao capital
humano. Diz respeito a práticas comerciais justas e benéficas para a comunidade onde a empresa
está inserida, prevendo que a empresa conceba uma estrutura em que não só os interesses
corporativos e trabalhistas, mas também o bem-estar de todos os stakeholders sejam respeitados de
maneira interdependente.

2. Planet (planeta):
A dimensão relacionada ao planeta se refere a práticas ambientais sustentáveis, que busquem
respeitar a ordem natural do planeta e minimizar ao máximo o impacto ambiental nele produzido.

3. Profit (lucro):
A dimensão do lucro se refere ao valor financeiro criado pela organização, ao lucro, ao
crescimento, à produtividade de trabalho e aos gastos com pesquisa e desenvolvimento.

21
Figura 3 – Triple Bottom Line

Geração de valor
No panorama atual, em que a sociedade vem exigindo a adoção de uma postura
socialmente responsável por parte das organizações, o desenvolvimento de estratégias de negócio
que satisfaçam essa demanda deve ser visto como uma oportunidade, pois uma gestão sustentável
pode contribuir não só para a elevação da rentabilidade da empresa mas também para a
manutenção da sua reputação. Isso acontece porque esse modelo de gestão, que propõe uma
maior transparência junto aos stakeholders e a atuação em projetos de cunho social e ambiental,
impacta positivamente a imagem da empresa, ou seja, é uma forma de agregar valor e aumentar a
competitividade, tornando-se um uma vantagem competitiva sustentável (ALENCAR, 2007).

Pacto global
Como os estados e governos não têm conseguido exercer por completo a sua função de
geradores do bem-estar social, a preocupação constante com questões éticas, sociais e ambientais
tem sido transferida às organizações como uma nova responsabilidade. Para discutir esse novo
papel empresarial, houve uma série de reuniões, associações e projetos internacionais, como o
Fórum Econômico Mundial, que ocorreu em Davos, em 1999. Nele o então Secretário Geral da
ONU Koffi Annan convocou os líderes empresariais mundiais a participarem de uma nova
iniciativa, que buscava difundir os benefícios do desenvolvimento econômico por meio de
políticas e ações corporativas voluntárias baseadas em determinados princípios. No ano seguinte,
foi então lançado o Pacto Global.
O Pacto Global é a maior iniciativa de sustentabilidade corporativa do mundo,
contabilizando, em 2018, cerca de 13.000 signatários em mais de 170 países. O seu objetivo é

22
estimular as empresas a adotarem políticas de responsabilidade social corporativa e
sustentabilidade, reportando a sua implementação. Além disso, o pacto busca catalisar ações tanto
locais quanto globais a fim de auxiliar o alcance das metas das Nações Unidas, como os objetivos
do desenvolvimento sustentável.
Para atingir os seus objetivos, o Pacto Global mobiliza a comunidade empresarial
internacional para que adote 10 princípios nas áreas de direitos humanos, trabalho, meio
ambiente e anticorrupção. Esses princípios foram inspirados em algumas declarações das Nações
Unidas, como a Declaração Universal de Direitos Humanos, a Declaração do Rio sobre Meio
Ambiente e Desenvolvimento, a Declaração da Organização Internacional do Trabalho sobre
Princípios e Direitos Fundamentais do Trabalho e, mais recentemente, a Convenção das Nações
Unidas contra a Corrupção.
A seguir, apresentamos cada um dos 10 princípios do Pacto Global:
 Princípios relativos aos direitos humanos:
1. as empresas devem apoiar e respeitar a proteção de direitos humanos
reconhecidos internacionalmente;
2. as empresas devem assegurar-se da sua não participação em violações desses
direitos;

 Princípios relativos ao trabalho:


3. as empresas devem apoiar a liberdade de associação e o reconhecimento efetivo
do direito à negociação coletiva;
4. as empresas devem apoiar a eliminação de todas as formas de trabalho forçado ou
compulsório;
5. as empresas devem apoiar a abolição efetiva do trabalho infantil;
6. as empresas devem eliminar a discriminação no emprego;

 Princípios relativos ao meio ambiente:


7. as empresas devem apoiar uma abordagem preventiva dos desafios ambientais;
8. as empresas devem desenvolver iniciativas para promover maior responsabilidade
ambiental;
9. as empresas devem incentivar o desenvolvimento e a difusão de tecnologias
ambientalmente amigáveis e

 Princípio relativo ao combate à corrupção:


10. as empresas devem combater todas as formas de corrupção, inclusive extorsão e
propina.

23
O Pacto Global não é um órgão regulador das Nações Unidas, mas um compromisso de
livre adesão por parte de empresas, organizações, sindicatos e academias. Ao tornar-se signatária, a
instituição assume o compromisso público e voluntário de implantar os princípios apresentados
nas suas atividades e prestar contas aos seus stakeholders por meio da COP (comunicação em
progresso) ou COE (comunicação de engajamento). A COP e COE devem ser publicadas
periodicamente, de maneira pública e transparente.
O Pacto Global acredita que, ao envolverem-se com esse compromisso, as empresas
contribuem para a criação de uma sociedade mais justa e inclusiva, além de melhorarem a sua
compreensão a respeito das oportunidades existentes no novo contexto social em que vivemos,
que é mais complexo, dinâmico e mutável.

Programa Cidades
Pouco depois do lançamento do Pacto Global, a cidade de Melbourne, na Austrália,
questionou se as cidades também poderiam tornar-se signatárias da iniciativa, pois isso incentivaria
um maior compromisso local com a mudança, além de motivar a participação nas discussões
internacionais. Em 2002, com a aprovação da ideia, foi lançado o Programa Cidades, que se tornou
um braço do Pacto Global. O objetivo desse programa é melhorar a vida urbana nas cidades de todo
o mundo, desenvolvendo sociedades mais justas, inclusivas, sustentáveis e resilientes por meio de
uma plataforma de colaboração intersetorial denominada Modelo de Melbourne.
O Modelo de Melbourne se baseia na colaboração entre governos, sociedade civil e
empresas, como podemos ver no esquema a seguir.

Figura 4 – Modelo de Melbourne

24
Concebido para ajudar a desenvolver a missão do Programa Cidades, o modelo procura
“catalisar e combinar os recursos do governo, das empresas e da sociedade civil”, com o objetivo
de encontrar soluções concretas para os problemas sociais, econômicos e ambientais urbanos que,
aparentemente, não têm solução.

Princípios para o Investimento Responsável (PRI)


Considerados uma iniciativa irmã do Pacto Global, os Princípios para o Investimento
Responsável (PRI) são uma rede internacional que tem como objetivo entender as implicações da
sustentabilidade para o mercado de investimentos e apoiar os signatários a incorporarem essas
questões nas suas tomadas de decisão quanto a investimento e propriedade, criando assim um
ambiente global financeiro mais sustentável.
Esses princípios criam diversas possibilidades de ação que visam incorporar questões
sustentáveis e de governança corporativa a práticas de investimento de todos os tipos. Atualmente,
são mais de 2.000 signatários em cerca de 60 países. No Brasil, há grandes representantes da
iniciativa, como a Bolsa de Valores B3, a SulAmérica Investimentos, o Itaú Asset Management, a
Caixa Econômica Federal e o Banco BTG Pactual.

Princípios para Educação Executiva Responsável (PRME)


Outra iniciativa apoiada pelo Pacto Global é a dos Princípios para Educação Executiva
Responsável (PRME), lançada em 2007 durante o UN Global Compact Leaders Summit, em
Genebra. O PRME procura “inspirar a educação executiva responsável, a pesquisa e o
pensamento global dos futuros líderes, convidando as escolas de negócio e instituições de ensino
superior para contribuir com um mercado global mais estável e inclusivo e ajudar a construir uma
sociedade mais próspera e bem-sucedida” (PRME, 2018).
Ao tornar-se signatária, a instituição deve comprometer-se com a implementação dos seis
princípios do PRME, que são os seguintes:
 propósito;
 valores;
 metodologia;
 pesquisa;
 parcerias e
 diálogo.

Além disso, deve adaptar, gradualmente, os seus currículos, pesquisas, metodologias de


ensino e estratégias institucionais aos novos desafios globais e oportunidades de negócio.

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Esses princípios colaboram como um direcionador para as instituições, integrando a
responsabilidade corporativa, a sustentabilidade e os objetivos do desenvolvimento sustentável de
maneira gradual e sistêmica dentro dos seus modelos educacionais.

World Business Council for Sustainable Development (WBCSD)


Outra organização que merece destaque por atuar na área é o World Business Council for
Sustainable Development (WBCSD), instituição global liderada por CEOs de mais de 200
empresas que procuram acelerar o processo de transição para um mundo mais sustentável.
As empresas associadas ao WBCSD vêm de diversos setores de negócio e representam uma
receita de mais de US $ 8,5 trilhões, empregando cerca de 19 milhões de funcionários.
No Brasil, o WBCSD é representado pelo Conselho Empresarial Brasileiro para o
Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), que promove o desenvolvimento sustentável de empresas
locais interagindo com os governos e a sociedade civil, além de promover as boas práticas e
inovações relacionadas ao tema.

Objetivos do desenvolvimento sustentável


Durante o mês de setembro de 2015, os chefes de estado de 193 países e um grupo de
representantes da Organização das Nações Unidas (ONU) estiveram juntos na sede da
organização em Nova York, onde foram adotados os objetivos de desenvolvimento sustentável
(ODS) como parte da Agenda 2030 para o desenvolvimento sustentável.
Seguindo o trabalho desenvolvido por meio dos objetivos do desenvolvimento do milênio
(ODM), lançados nos anos 2000, na Cúpula Mundial da ONU, os ODS são um plano de ação para
a humanidade construído de maneira coletiva por governos, empresas, academias e sociedade civil.
Os ODM estabeleceram, além de outras prioridades, objetivos mensuráveis e
universalmente acordados para combater a pobreza extrema e a fome, prevenir doenças que
causavam grande mortalidade e expandir a educação primária para todas as crianças. Durante 15
anos, esses objetivos impulsionaram o desenvolvimento em várias áreas importantes, apoiando
ações que visavam ao acesso a água e saneamento, à redução da mortalidade infantil, à melhora da
saúde materna e à redução da extrema pobreza. Mais significativamente, também fizeram grandes
avanços no combate ao HIV e a outras doenças como a malária e a tuberculose.

26
Os ODS compreendem 17 objetivos, divididos em 169 metas, conforme demonstrado no
quadro a seguir:

Quadro 1 – Objetivos do desenvolvimento sustentável

OBJETIVO DESCRIÇÃO

Acabar com a pobreza em todas as suas formas,


1. erradicação da pobreza
em todos os lugares.

Acabar com a fome, alcançar a segurança


2. fome zero e agricultura sustentável alimentar, melhorar a nutrição e promover a
agricultura sustentável.

Assegurar uma vida saudável e promover o bem-


3. saúde e bem-estar
estar para todos, em todas as idades.

Assegurar a educação inclusiva, equitativa e de


4. educação de qualidade qualidade, e promover oportunidades de
aprendizagem ao longo da vida para todos.

Alcançar a igualdade de gênero e empoderar


5. igualdade de gênero
todas as mulheres e meninas.

Assegurar a disponibilidade e a gestão sustentável


6. água potável e saneamento
da água e do saneamento para todos.

Assegurar o acesso confiável, sustentável,


7. energia limpa e acessível
moderno e a preço acessível à energia para todos.

Promover o crescimento econômico sustentado,


8. trabalho decente e crescimento
inclusivo e sustentável, o emprego pleno e
econômico
produtivo, e o trabalho decente para todos.

Construir infraestruturas resilientes, promover a


9. inovação, indústria e infraestrutura industrialização inclusiva e sustentável, e fomentar
a inovação.

Reduzir a desigualdade dentro dos países e entre


10. redução das desigualdades
eles.

Tornar as cidades e os assentamentos humanos


11. cidades e comunidades sustentáveis
inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis.

27
OBJETIVO DESCRIÇÃO

Assegurar padrões de produção e consumo


12. consumo e produção responsável
sustentáveis.

13. ação contra a mudança global do Tomar medidas urgentes para combater a
clima mudança climática e os seus impactos.

Conservar os oceanos, mares e recursos marinhos


14. vida na água
para o desenvolvimento sustentável.

Proteger, recuperar e promover o uso sustentável


dos ecossistemas terrestres, gerir de forma
15. vida terrestre sustentável as florestas, combater a
desertificação, deter e reverter a degradação da
terra e deter a perda de biodiversidade.

Promover sociedades pacíficas e inclusivas para o


desenvolvimento sustentável, proporcionar o
16. paz, justiça e instituições eficazes acesso à justiça para todos e construir instituições
eficazes, responsáveis e inclusivas em todos os
níveis.

Fortalecer os meios de implementação e


17. parcerias e meios de implementação revitalizar a parceria global para o
desenvolvimento sustentável.

Fonte: adaptado de Nações Unidas (2017).

Segundo o Programa Nacional das Nações Unidas (PNUD), a agenda dos ODS está
interligada aos três elementos da sustentabilidade do triple bottom line (crescimento econômico,
proteção ambiental e processos de inclusão social), tendo sido estruturada a partir de cinco itens
considerados cruciais para a humanidade:
 pessoas;
 planeta;
 prosperidade;
 paz e
 parceria.

Além disso, os objetivos dos ODS são indissociáveis e, segundo o PNUD (2015), só serão
alcançados mediante o envolvimento, o compromisso e a ação de todos. As empresas
desempenham, portanto, um papel fundamental no cumprimento desses objetivos, além de terem

28
uma grande oportunidade de alavancar novos negócios, pois os ODS podem ser vistos como uma
janela de possibilidades para o desenvolvimento e a implementação de tecnologias e soluções
empresariais rumo a uma sociedade mais próspera.
Segundo o Pacto Global (2015), alguns dos benefícios gerados pelos ODS são os seguintes:
 identificação de oportunidades de negócio futuras;
 valorização da sustentabilidade corporativa;
 fortalecimento das relações com as partes interessadas e manutenção do ritmo com as
políticas públicas;
 utilização de uma linguagem comum e de uma finalidade compartilhada e
 investimento em um ambiente propício aos negócios.

De acordo com o SDG Compass, os negócios não podem


prosperar em sociedades que fracassam. Isso quer dizer
que investir nos ODS significa investir nas bases de sucesso
dos negócios, ou seja, em mercados justos e
regulamentados, sistemas financeiros transparentes,
economias eficientes e sem corrupção.

Um documento recentemente lançado pelo CEBDS demonstra que os ODS podem


representar novas oportunidades de valor se alinhados às estratégias empresariais. Com o
surgimento de novos mercados, existe um grande incentivo para que as empresas vanguardistas
nessa temática disponibilizem tecnologias e soluções relevantes para os objetivos do
desenvolvimento sustentável, por meio de modelos de gestão mais sustentáveis e inclusivos.
Segundo expectativas, adotar os ODS até 2030 pode gerar mais de U$ 12 trilhões em novos
negócios ao ano.

29
No quadro a seguir, podemos observar o aumento das maiores oportunidades de mercado.

Figura 5 – Oportunidades de mercado

*Valores em milhões de dólares.


** Valores referentes a 2015.

Fonte: Better Business, Better World, Business & Sustainable Development Commission.

Analisando o gráfico, podemos verificar que o setor de cidades é um dos que apresenta
oportunidades mais expressivas e está relacionado ao objeto n° 11 dos ODS, que trata do
desenvolvimento de cidades e comunidades sustentáveis. O progresso nesse setor estimulará,
segundo o gráfico, a criação de novos sistemas de mobilidade, soluções em edificação,
infraestrutura urbana e construções acessíveis e funcionais. Já no setor de alimentação, que se
relaciona mais diretamente com o ODS n° 2, serão geradas oportunidades para negócios que
reduzam a perda e o desperdício, além de soluções que garantam a produção de alimentos de
forma mais sustentável.

30
Os ODS e todos os seus desafios já são uma realidade. Cabe,
agora, a cada setor da sociedade desempenhar o seu papel
no cumprimento dessa agenda até 2030. Governos,
organizações sociais, empresas e a população devem
trabalhar juntos para articular ações que contribuam para o
desenvolvimento sustentável.

31
MÓDULO II – GERINDO ORGANIZAÇÕES
MAIS SUSTENTÁVEIS

Neste módulo, focaremos algumas práticas para gerir organizações baseadas no contexto da
sustentabilidade, mais especificamente sob o viés ambiental. Para tanto, abordaremos temas como
estratégias de gestão de projetos, ciclo de vida dos produtos, Sistema de Gestão Ambiental, ISO e
legislações pertinentes.

Papel do Sistema de Gestão Ambiental (SGA) na redução


de custos e riscos ambientais
A partir dos anos 1970, logo após a ascensão dos movimentos ambientalistas, a pressão da
sociedade em relação à proteção do meio ambiente por parte das empresas cresceu
significativamente, fazendo com que estas passassem a pensar em estratégias que contemplassem a
preservação dos recursos naturais. Surgiram então diversos processos e metodologias para tornar o
processo produtivo menos nocivo ao meio ambiente, como a sistematização de processos de
gestão ambiental.

O Sistema de Gestão Ambiental (SGA) é o conjunto de


práticas, políticas e procedimentos utilizado por uma
empresa para obter o melhor desempenho ambiental
possível nos seus processos produtivos.

O SGA é regulamentado pela norma ISO 14001 (International Organization for


Standardization), que estabelece requisitos de implementação e operação por meio dos quais as
empresas buscam a sua certificação.
As estratégias sustentáveis devem ser inseridas em uma organização de modo a alinharem-se
com o verdadeiro propósito do SGA. Em outras palavras, no processo de implementação de um
Sistema de Gestão Ambiental, todos os setores da empresa devem estar alinhados com os objetivos
do sistema, cientes dos seus papéis e obrigações. Para tanto, devem ser seguidos cinco princípios:
1. entender e conhecer o que deverá ser realizado, de maneira a assegurar o
comprometimento com o SGA e definir a política ambiental da empresa;
2. construir um plano de ação para cumprir a política ambiental da empresa, baseando-se
nos requisitos legais, aspectos ambientais, objetivos e metas;
3. garantir meios para o cumprimento dos objetivos e metas ambientais de maneira
efetiva, por meio da implementação de estruturas organizacionais e ferramentas de
sustentação;
4. realizar avaliações periódicas para verificar se a política ambiental da empresa está sendo
cumprida, criar medidas preventivas e mitigar possíveis impactos negativos e
5. revisar e aperfeiçoar a sua política, os seus objetivos, as suas metas e ações, em um
processo de melhoria contínua do seu desempenho ambiental.

Normas ISO da família 14000


Sediada em Genebra, a International Standardization for Organization (ISO) é uma
organização que tem como objetivo normalizar diversas práticas internacionalmente. A
implementação de princípios e sistemas de gestão ambiental foi normatizada pela ISO 14000, que
visa minimizar os efeitos nocivos causados pelas atividades das organizações ao meio ambiente.

Ao orientarem as empresas quanto à sua maneira de


operar, as normas estimulam a prevenção de
contaminações ambientais, sempre atentando para as
necessidades atuais e futuras do mercado e,
consequentemente, para a satisfação do cliente.

A certificação ISO 14000 só é alcançada quando a empresa se compromete com a legislação


ambiental do seu país. O reconhecimento atesta que a empresa se preocupa com a natureza e
possui uma estratégia voltada para a preservação ambiental, valorizando os seus produtos e
serviços. Além disso, a organização deve ter um plano de treinamento que prepare os seus
colaboradores para seguir todas essas regras e ser capazes de identificar soluções para os problemas
que a empresa causa ao meio ambiente, reduzindo assim o seu impacto.

34
O conjunto 14000 engloba seis séries de normas que atendem a assuntos específicos da
gestão ambiental. Vejamos:
 ISO 14001 – aborda o Sistema de Gestão Ambiental (SGA);
 ISO 14004 – assim como a 14001, aborda o SGA, contudo é mais voltada para
orientações de implementação, focando o uso interno do sistema pela empresa;
 ISO 14010 – assegura credibilidade ao processo de certificação ambiental, pois se refere
a auditorias ambientais;
 ISO 14031 – apresenta normas de desempenho ambiental;
 ISO 14020 – traz normas de rotulagem e declarações ambientais, e
 ISO 14040 – aborda normas sobre a análise do ciclo de vida.

Por tratar da implementação do Sistema de Gestão Ambiental, a ISO 14001 é uma das
mais utilizadas e, como parte da família 14000, baseia-se no princípio da melhoria contínua. Para
garantir o sucesso da sua aplicação, é necessário que a organização tenha maturidade para buscar o
comprometimento da alta direção e criar uma estratégia de comunicação interna que vise ao
envolvimento de todos os atores organizacionais.

Aplicação da ISO 14001


Por ser uma certificação, a aplicação da ISO 14001 exige certo rigor. Dessa forma, é
comum se sugerir a utilização de um apoio especializado que colabore na adequação da empresa às
normas e garanta o sucesso da sua implementação. A seguir, apresentamos um passo a passo
destacando os principais pontos desse processo. Vejamos:

a) Organização interna:
Um bom primeiro passo consiste em formar uma equipe interna para a implementação do
projeto. Essas mesmas pessoas podem tornar-se, posteriormente, os auditores internos do processo.
Formada a equipe, o trabalho deve começar pela análise daquilo que já existe na
organização. Nesse sentido, algumas perguntas podem ajudar:
 Que sistemas de qualidade existentes já atendem aos requisitos da ISO 14001?
 O que os meus stakeholders acham da minha gestão ambiental vigente?
 Quais são os feedbacks?

b) Conferência de requisitos:
Na segunda etapa, já com a ajuda de um especialista, devem-se identificar os tipos de
impacto ambiental produzidos pela empresa em todos os seus processos, relacioná-los à legislação
aplicável e definir a política ambiental da empresa.

35
c) Planejamento:
Na fase de planejamento, devem-se definir os objetivos e metas do projeto, e desenvolver os
planos de ação, baseando-se nas ações ambientais a serem realizadas e no levantamento das
restrições e obrigações (requisitos legais) da organização.

d) Implementação:
A fase de efetivação das ações é, normalmente, realizada com o apoio de um especialista, de
modo a garantir que as definições e os planos da empresa sejam realizados de maneira adequada.
Nessa fase, são desenvolvidos manuais e procedimentos que venham a colaborar com a
implementação de novas rotinas e formas de trabalho.

e) Treinamento:
A fase de treinamento é necessária à implementação das novas rotinas, pois os
procedimentos devem ser conhecidos por toda a organização. Além disso, a realização de
treinamentos empodera os colaboradores para que busquem alcançar os novos objetivos da
empresa estando cientes da nova estratégia e alinhados ao seu propósito.

f) Auditoria interna:
A fase de auditoria interna assegura que a empresa está respeitando a norma e está em
conformidade com todas as suas exigências.
Os auditores internos são um time criado pela organização para conferir se todos os
requisitos estão sendo cumpridos após a conclusão da implementação.

g) Auditoria externa independente:


A fase de auditoria externa consiste na verificação das operações da empresa por um
auditor da certificadora. Esse auditor verifica se os parâmetros estão em conformidade com a
norma e se a documentação está atualizada. Concluído esse processo, a empresa passa a ter a
certificação ISO 14100.

36
Ciclo PDCA na gestão integrada
O PDCA é uma metodologia de gestão interativa que busca a melhoria contínua de
processos e produtos de maneira eficiente. A sigla PDCA é formada pelos seguintes termos em
inglês: plan, do, check e act. Esses termos representam as etapas a serem seguidas na aplicação da
metodologia, como podemos ver a seguir:

a) Planejar (plan):
Nesta etapa, ao avaliar o estado atual da organização, deve-se reunir o máximo de informações
e procurar melhorias por meio do desenvolvimento de possíveis soluções e meios de execução.

b) Desenvolver (do):
Nessa fase, devem-se experimentar os planos propostos, certificando-se de que todas as
partes envolvidas entendam as mudanças, pois é uma etapa importante para obter um
resultado preciso.

c) Verificar (check):
Nessa fase, a empresa deve acompanhar a eficácia das ações a fim de observar as alterações
realizadas. Em outras palavras, deve comparar o estado atual da empresa (medido e experimentado
na etapa de desenvolvimento) com os resultados esperados (estabelecidos no planejamento).

d) Agir (act):
Após comparar os resultados reais com os resultados planejados, nessa fase, a organização
deve verificar as diferenças mais relevantes e implementar ações corretivas para minimizar o seu
impacto, sempre determinando as suas causas.

37
O ciclo PDCA é contínuo, ou seja, fornece um modelo para a realização de mudanças e
melhorias contínuas. Isso significa que, ao concluirmos um ciclo do processo, um outro deve ser
iniciado, focando a evolução, a adequação e a execução de novos projetos e soluções, como
podemos ver no esquema a seguir.

Figura 6 – Ciclo PDCA

38
O Sistema de Gestão Ambiental também se orienta para a melhoria contínua,
especialmente se associarmos a sua realização com a adequação às normas ISO. Dessa forma,
podemos relacionar as fases de aplicação do SGA às do PDCA. Vejamos:

Figura 7 – Relação entre o SGA e o PDCA

Como podemos notar, analisada sob a perspectiva do SGA, a fase “planejar” do PDCA
contempla, inicialmente, a definição da política ambiental da empresa, pois esse é o momento em
que se expõem as intenções da empresa em relação ao meio ambiente e também se estabelecem as
diretrizes para a definição dos seus objetivos e metas ambientais. Depois de instituída a política
ambiental, são estabelecidos os planos, metas e programas para cumpri-la.
Assim como ocorre na fase “desenvolver” do PDCA, a fase de implementação do SGA prevê o
atendimento do que foi proposto na sua política, nas suas metas e nos seus objetivos, o que deve ser
realizado por meio da concretização das estruturas organizacionais direcionadas ao programa, do
treinamento e da conscientização de equipes, da comunicação efetiva aos stakeholders, da
documentação e do controle, da precaução e do atendimento a situações emergenciais.
Após a fase de implementação, é necessário verificar se a política ambiental proposta
está sendo cumprida e corrigir aspectos não desejáveis, mitigando os impactos negativos que
possam existir. Nessa etapa, os auditores internos assumem um papel bastante importante,
pois colaboram para o monitoramento e a medição das ações, além de auxiliarem no controle
dos registros e das conformidades.

39
Por fim, a etapa de análise do SGA propõe que seja realizada uma revisão no processo de
gestão baseando-se nos resultados da avaliação do processo anterior. Essa etapa possibilita a
realização de alterações na política ambiental e no planejamento da empresa caso seja necessário.
Como ocorre no PDCA, a análise estimula o processo de melhoria contínua.

Ecoeficiência como elemento sustentável estratégico


Em 1992, o conceito de ecoeficiência foi desenvolvido pelo World Business Council for
Sustainable Development (WBCSD) e, desde então, tornou-se amplamente conhecido no mundo
dos negócios.
O modelo de gestão focado na ecoeficiência baseia-se na sustentabilidade, preocupando-se
com o desempenho ambiental e econômico da organização. Aplicada a todos os aspectos do
negócio por meio de mudanças tecnológicas e processuais, a ecoeficiência visa reduzir o uso de
recursos e o impacto ambiental em toda a vida útil do produto ou serviço – desde a compra de
matéria-prima e a sua produção, até o marketing e a sua distribuição.
A implementação de medidas ecoeficientes proporciona às empresas uma maior
compreensão das suas atividades e dos impactos por elas causados, já que requer o
desenvolvimento de diferentes perfis organizacionais, financeiros e ambientais (mais ação, menos
impacto). A adoção dessas iniciativas demonstra ser mais lucrativa e competitiva, pois estimula
um menor uso de matérias-primas virgens, água e energia, além de gerar menos resíduos e
contaminação, melhorar métodos de produção e incentivar o desenvolvimento de novos produtos
ou serviços por meio do uso da reciclagem de materiais já existentes.
De modo resumido, alguns dos aspectos característicos da ecoeficiência são:
 redução de energia, água e matéria-prima virgem por meio da utilização sustentável de
recursos renováveis;
 redução de desperdícios e níveis de poluição;
 extensão da funcionalidade e, consequentemente, da vida útil do produto ou serviço;
 incorporação dos princípios do ciclo de vida;
 reutilização e reciclagem de produtos ou serviços ao final da sua vida útil e
 maximização da intensidade do serviço de bens e serviços.

A aplicação da ecoeficiência não se limita às áreas internas da empresa, mas envolve toda a
cadeia de valor do produto. Desse modo, estimula a inovação e a criatividade como formas de
encontrar a solução para os desafios pontuados e o desenvolvimento de novas maneiras de produção.
As oportunidades podem aparecer em qualquer momento do processo e, por isso, os colaboradores
devem ser capazes de identificá-las, reconhecendo o valor que agregam à realidade corporativa. Para
isso, a estratégica de ecoeficiência deve estar integrada à operação da empresa de maneira transversal,
permeando todos os processos e áreas, estimulando a cooperação e o trabalho compartilhado.

40
Uma gestão que alinhe progresso econômico, equilíbrio social e preservação do meio
ambiente requer empenho, vontade de inovar e mudar os paradigmas existentes. Essa nova
postura pode gerar melhores dividendos, ganhos de reputação e imagem, além de crescimento
econômico e perenidade ao negócio.
O Conselho Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável (BCSD) de Portugal
identificou alguns aspectos que fazem da ecoeficiência um instrumento estratégico para os
negócios. São eles:
 otimização de processos;
 reciclagem de resíduos;
 novos produtos e serviços;
 organizações virtuais/ redes e
 ecoinovação.

No esquema a seguir, podemos observar em que consistem cada um desses aspectos:

Figura 8 – Aspectos da ecoeficiência

Fonte: Adaptado BCSD Portugal (2013).

A adoção de uma estratégia ecoeficiente exige a adaptação do modelo de gestão e a


integração de planos e políticas ambientais.

41
A medição das ações de ecoeficiência, por meio do uso correto de indicadores, é
importante para:
 determinar o sucesso financeiro e ambiental da empresa;
 identificar e rastrear tendências;
 priorizar ações e questões, e
 propor melhorias.

Como veremos mais adiante, o relato tanto interno quanto externo também é
extremamente necessário para comunicar o progresso e os obstáculos encontrados pela empresa
aos reguladores, assim como para construir a confiança do acionista e do consumidor. Esses
relatórios podem ser integrados aos mecanismos de comunicação e relatórios já existentes.

Adoção da metodologia da produção mais limpa (P+L)


A produção mais limpa (P+L) é uma abordagem preventiva utilizada para gerenciar os
impactos ambientais de processos, produtos e serviços de modo a ampliar a eficiência da produção
e reduzir os riscos para o planeta. O termo, criado em 1989 pelo United Nations Environment
Program (Unep) e pela Division of Technology, Industry and Environment (DTIE), passou a
integrar as empresas do Brasil após a ECO 92, Conferência das Nações Unidas sobre Meio
Ambiente e Desenvolvimento que ocorreu no Rio de Janeiro.
Uma estratégia que tenha como base a P+L realiza mudanças em tecnologia, processos,
recursos e práticas para:
 reduzir os riscos de desperdício, impactos ambientais e à saúde;
 utilizar energia e recursos naturais de forma mais eficiente;
 aumentar a rentabilidade e competitividade do negócio e
 melhorar a eficiência dos processos de produção.

42
O esquema a seguir ilustra a estratégia de P+L.

Figura 9 – Estratégia de P+L

Etapas do processo de produção mais limpa


Apesar de diferir de uma organização para outra, o processo básico de produção mais limpa
ocorre em cinco etapas, que também se aproximam às do modelo PDCA, conforme podemos ver
a seguir:

a) Planejamento e organização:
Nessa etapa, é necessário fazer com que todos os stakeholders (internos e externos) conheçam
a iniciativa de P+L e prevejam como podem contribuir para o processo (fazendo parte de um time
de implementação, por exemplo).
Nesse momento, a política ambiental deve ser escrita ou revisada, os orçamentos devem ser
criados e um programa específico de implementação deve ser construído.

b) Avaliação:
Nessa etapa, são identificadas e avaliadas as entradas e saídas de materiais, os processos e
custos, os impactos ambientais e à saúde. Em seguida, são identificadas as oportunidades de
produção mais limpa.

43
c) Análise de viabilidade:
Nessa etapa, cada oportunidade de P+L é avaliada de acordo com o seu impacto ambiental,
viabilidade econômica e disponibilidade tecnológica, o que possibilidade a seleção da estratégia
mais adequada.

d) Implementação:
Na fase de implementação da estratégia, um programa de monitoramento e avaliação deve
ser estabelecido.

e) Continuidade:
Nessa fase, um processo de auditoria regular oferece subsídios para uma gestão eficaz e um
processo de tomada de decisão eficiente. Nela as partes interessadas devem ser informadas acerca
do progresso da iniciativa, bem como a empresa deve monitorar o seu ganho em imagem e
reputação, o seu crescimento econômico e a perenidade do negócio.

Processos como o apresentado colaboram para a assertividade do modelo de P+L, reduzindo


os custos e riscos empresariais, e auxiliando nos procedimentos de inovação e reposicionamento
de processos e produtos.

Níveis de aplicação
O Conselho Nacional de Tecnologias Limpas (CNTL) do Senai estimula as empresas a
definirem um grau de prioridade para as oportunidades encontradas quando da aplicação da
produção mais limpa. Conforme demonstramos no fluxograma a seguir, os níveis de prioridade
para aplicação da P+L são os seguintes:
 nível 1 – redução da geração de resíduos e emissões;
 nível 2 – reintegração dos resíduos que não puderem ser evitados ao processo de
produção da empresa e
 nível 3 – tomada de medidas de reciclagem fora da empresa, considerando a
impossibilidade de consecução do nível 2.

44
Figura 10 – Níveis de aplicação de produção mais limpa

Fonte: Adaptado CNTL Senai.

A seguir, veremos cada um desses níveis com mais detalhes.

Nível 1
O nível 1 se refere à redução de resíduos e emissões na fonte, o que pode acontecer por
meio das seguintes mudanças em processos:

a) Housekeeping:
Como nos aponta a própria tradução do termo, essa prática consiste em “cuidar da casa”,
ou seja, realizar revisões periódicas no layout da organização (disposição de máquinas e
equipamentos) de maneira a melhorar a produtividade e reduzir desperdícios, estimular o uso
consciente de matérias-primas e materiais, e a prevenção de resíduos.

b) Substituição de matérias-primas:
Essa prática envolve a revisão do processo de manuseio operacional, procurando materiais
que sejam mais resistentes e seguros, e buscando substituir insumos não renováveis por renováveis
ou menos nocivos ao meio ambiente.

45
c) Modificação tecnológica:
A modificação tecnológica colabora para a eficiência e otimização de recursos, seja por meio
do uso de controles que permitam rastrear perdas no processo produtivo ou reduzir os riscos de
acidentes de trabalho, seja pelo desenvolvimento de novos produtos e serviços.

Quanto à redução de resíduos e emissões por meio de modificações no produto, podem ser
realizadas as seguintes mudanças:

a) Substituição de produto:
Produtos que gerem um grande impacto ou toxicidade ao meio ambiente devem ser
abolidos ou substituídos por produtos menos agressivos.

b) Ecodesign:
O ecodesign propõe o redesenho dos produtos, levando em consideração o viés ambiental como
uma forma de gerar novos negócios e reduzir custos. Isso implica a substituição de materiais, o
aumento da vida útil do produto, a possibilidade de reciclagem e a otimização dos processos.

Nível 2
Caso os resíduos não possam ser eliminados, eles devem ser reintegrados ao processo produtivo,
levando em consideração o seu ciclo de vida, ou até mesmo ser aproveitados nas áreas operacionais e
administrativa da empresa. Podem ser criadas, por exemplo, composteiras para o tratamento de
resíduos orgânicos que possam vir a ser usados como adubos para os jardins da instituição.

Nível 3
De acordo com a priorização, o nível 3 surge após esgotadas e analisadas todas as
possibilidades de minimização de resíduos e emissões. Nesse caso, a reutilização de resíduos e
emissões pode-se dar por meio:
 da reciclagem externa dos resíduos – requer a conscientização interna da empresa a
respeito do que é e do que não é lixo, a separação, coleta e destinação correta dos
resíduos ou
 de ações nos ciclos biogênicos (ou biogeoquímicos) – referem-se, principalmente, aos
impactos no ciclo da água, do carbono, do oxigênio e do nitrogênio.

46
Ciclo de vida do produto
Tipos de responsabilidade da empresa
O processo de consumo de bens e serviços presume, inevitavelmente, a geração de resíduos.
Tudo que produzimos e consumimos é lançado ao meio ambiente ao final do seu ciclo, seja
tratado, enterrado ou incinerado. Esses resíduos se tornam tóxicos, poluindo o ambiente e
impactando tanto a saúde quanto o bem-estar da humanidade.
Como vimos anteriormente, o Sistema de Gestão Ambiental de uma empresa prevê o
controle e a destinação correta dos resíduos seja por pressão legal ou dos seus stakeholders. Dessa
forma, podemos dizer que a responsabilidade da empresa se subdivide da seguinte forma:

a) Responsabilidade legal (Política Nacional de Resíduos Sólidos):


A legislação brasileira prevê a responsabilidade da empresa por todo o ciclo do produto,
inclusive se ela destinar o tratamento dos resíduos a um terceiro. Vejamos o que diz o Artigo 27
da Política Nacional dos Resíduos Sólidos (Lei Federal 12.305/10):

“Art. 27 As pessoas físicas ou jurídicas referidas no art. 20 são


responsáveis pela implementação e operacionalização integral do plano de
gerenciamento de resíduos sólidos aprovado pelo órgão competente na
forma do art. 24.1
§ 1° A contratação de serviços de coleta, armazenamento, transporte,
transbordo, tratamento ou destinação final de resíduos sólidos, ou de
disposição final de rejeitos, não isenta as pessoas físicas ou jurídicas referidas
no art. 20 da responsabilidade por danos que vierem a ser provocados pelo
gerenciamento inadequado dos respectivos resíduos ou rejeitos.”

Como pudemos observar na referida lei, a culpa pelos danos causados por resíduos é do
gerador, independentemente do seu envolvimento com a causa real desses danos, bastando apenas
tê-los gerado.

b) Responsabilidade objetiva:
Independentemente de culpa, o poluidor é responsabilizado por qualquer dano ambiental
causado pela sua atividade, sendo obrigado a indenizar e reparar tais danos causados ao meio
ambiente e, até mesmo, aos indivíduos afetados.

1
Refere-se ao processo de licenciamento ambiental de atividades e empreendimentos.

47
Por exemplo, imaginemos que uma empresa destine os seus resíduos a um aterro sanitário
que, depois de fechado, passe a contaminar o solo ou gerar elementos a ele nocivos. Nesse caso, a
empresa geradora dos resíduos pode responder criminalmente pelos danos.

c) Responsabilidade solidária:
A responsabilidade solidária reforça a importância que a empresa deve dar a escolha dos seus
fornecedores e membros da sua cadeia de valor, ou seja, a empresa se torna corresponsável por
esses problemas tanto legal quanto institucionalmente. É por isso que uma organização deve se
importar com a contratação de empresas terceirizadas, exigindo por exemplo, a comprovação de
atendimento à legislação vigente, a obtenção de licenças e cadastros ambientais.
Essa responsabilidade reforçou, por muito tempo, o conceito de tratamento “do berço ao
túmulo”, segundo o qual as empresas devem preocupar-se com o caminho percorrido pelo seu
produto até a cova. No entanto, o tratamento adequado dos resíduos, o monitoramento dos
fornecedores, os gastos com a mitigação de impactos negativos e o alto risco de manchar a
imagem corporativa em escândalos ambientais fizeram com que essa não fosse a solução mais
sustentável e lucrativa para as empresas.
Tratar os impactos do “berço ao túmulo” refere-se, principalmente, a tratá-los em um
processo linear que leva em conta a extração, a produção e o descarte. Por meio da reflexão
advinda desse conceito, as empresas avançaram compulsivamente na criação de estratégias
sustentáveis e ecoeficientes. No entanto, novas tendências que procuram evitar essa geração de
impactos vêm surgindo.

Cradle-to-cradle (C2C)
Em 2002, o arquiteto William McDonough e o engenheiro Michael Braungart lançaram o
conceito de cradle-to-cradle (C2C), ou “do berço ao berço”, que ia na contramão do que defendia
o conceito de tratamento “do berço ao túmulo”.
O C2C defende a gestão de recursos de maneira circular, ou seja, o final de cada ciclo
torna-se, novamente, o berço de criação de um novo produto, possibilitando a reutilização de
recursos de maneira contínua, fluida e benéfica para o planeta.
Segundo os princípios do cradle-to-cradle, toda matéria é rica em nutrientes, e esses nutrientes
fazem parte de dois ciclos: o biológico e o técnico. No ciclo biológico, materiais biodegradáveis e
orgânicos, como produtos de higiene, beleza e alimentos, devem voltar ao meio ambiente de forma
segura. Já no ciclo técnico, o que não é produzido de maneira contínua pela biosfera, como gadgets,
metais e plástico, deve ser reaproveitado em processos industriais sem perda de qualidade, ou seja, os
fabricantes devem aceitar os produtos de volta para produzir novos.

48
Os ciclos biológico e técnico podem ser observados no esquema a seguir.

Figura 11 – Ciclo “do berço ao berço”

A humanidade é o único grupo de seres vivos do planeta que produz lixo. Como podemos
ver no esquema apresentado, o conceito “do berço ao berço” propõe que o processo produtivo
funcione de modo semelhante ao que acontece na natureza, eliminando a ideia de “lixo” e
entendo que, dentro de um ecossistema, o resíduo de um organismo (vivo ou morto) circula
gerando alimentos para outros organismos, o que leva a um ciclo sem fim.
Essa tendência já vem sendo absorvida por diversas empresas ao redor do mundo como uma
forma de melhorar as receitas e garantir a competitividade. Além disso, as construções e cidades
inteligentes (smart cities) inspiram-se nesse modelo cíclico para criar espaços harmônicos.

A estratégia C2C estimula a criação de modelos de negócio


inovadores, que estendam a experiência do consumidor
com o produto ou serviço adquirido e que possam mudar as
relações de produção e consumo considerando o novo
panorama econômico.

49
Logística reversa e perspectivas da política nacional de
resíduos sólidos
A logística reversa refere-se a todos os procedimentos associados à devolução de materiais já
utilizados no processo produtivo: reparos, manutenção, reciclagem e desmontagem.
No processo de produção e consumo, os produtos seguem um fluxo linear: fornecedores →
produção → distribuição → venda → consumo. A logística reversa segue o caminho inverso,
indo do pós-consumo à origem do produto. Por meio dela, objetiva-se reaproveitar os resíduos
sólidos ou descartá-los de maneira apropriada, garantindo a preservação ambiental e estimulando
a sustentabilidade dos negócios.
A Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), apresentada pela Lei nº 12.305/2010,
define a logística reversa da seguinte forma:

"[...] instrumento de desenvolvimento econômico e social caracterizado


por um conjunto de ações, procedimentos e meios destinados a viabilizar
a coleta e a restituição dos resíduos sólidos ao setor empresarial, para
reaproveitamento, em seu ciclo ou em outros ciclos produtivos, ou outra
destinação final ambientalmente adequada.”

A logística reversa é obrigatória e regulamentada pelo Decreto 7.404/2010, segundo o qual


importadores, distribuidores, fabricantes, comerciantes, consumidores e governos têm
responsabilidade compartilhada pelos resíduos gerados após o uso dos produtos. Dessa forma,
desde que seja economicamente viável e tecnologicamente possível, todos os produtos originados
de um processo de industrialização devem passar pelo processo de logística reversa no Brasil, com
especial destaque para os produtos citados diretamente na Lei, como pilhas e baterias, óleos
lubrificantes, lâmpadas, remédios, agrotóxicos, eletrônicos e seus componentes, e embalagens
plásticas, metálicas e de vidro.
Para que a logística reversa seja efetiva, todos os agentes da cadeia devem ser estimulados,
sejam os fabricantes, as transportadoras ou a sociedade. Isso pode ser realizado por meios legais ou
por programas de incentivo. A coleta seletiva, por exemplo, é uma forma de engajar a população
na separação de resíduos úmidos e secos, recicláveis e não recicláveis. Nesse caso, os governos
devem garantir o transporte e a destinação adequada desses resíduos domésticos, além de
implementar iniciativas para o tratamento limpo, a gestão adequada de aterros sanitários e o
cumprimento da legislação quanto à eliminação de lixões.
No nível empresarial, a estruturação dos sistemas de logística reversa se dá por meio de um
acordo setorial. Isso acontece porque, para que a logística reversa seja viável economicamente, é
necessário juntar grandes quantidades de resíduos semelhantes, o que requer a colaboração de
todos os agentes atuantes em determinado setor produtivo. Nesse sentido, o Decreto federal nº

50
9.177/2017 estabelece, no seu Art. 1º, “normas para assegurar a isonomia na fiscalização e no
cumprimento das obrigações imputadas aos fabricantes, aos importadores, aos distribuidores e aos
comerciantes de produtos, seus resíduos e suas embalagens sujeitos à logística reversa obrigatória.”
Isso significa que, independentemente de acordos setoriais ou termos de compromisso, todos
devem implementar sistemas de logística reversa em consonância com o que determina a Política
Nacional de Resíduos Sólidos.

Além de obter o benefício de estar cumprindo a lei, a


empresa que utiliza a estrutura de logística reversa gera
vantagens para a sociedade e assim melhora a sua imagem.

Rotulagem ambiental: rotulando a qualidade socioambiental


da cadeia produtiva
Como já discutimos, a sociedade vem cada vez mais se preocupando com a sustentabilidade
e procurando maneiras de colaborar com a redução do impacto ambiental baseado nas suas
escolhas de consumo. À medida que isso vem sendo percebido como uma vantagem competitiva,
muitos selos e rótulos vêm surgindo, como o “ecologicamente correto”, o de “baixo consumo de
energia”, o “biodegradável”, o “reciclado”, o “orgânico”, etc. No entanto, como não há o
monitoramento adequado, isso gera o chamado greenwashing, que nada mais é do que a
propaganda enganosa.

O termo greenwashing, que significa “lavagem verde”, é a


prática corporativa de afirmar, de maneira enganosa ou
infundada, que há benefícios ambientais em um produto,
serviço, tecnologia ou atividade empresarial.

Infelizmente, o greenwashing é uma prática muito comum, por isso, como consumidores,
precisamos estar atentos às certificações ambientais dos produtos, ao seu ciclo de vida e a quem
são os fornecedores daquilo que estamos consumindo.
A rotulagem ambiental surgiu então como uma forma voluntária de certificação e
classificação de produtos e serviços que tenham desempenho ambiental adequado, sendo também
uma importante ferramenta para comunicação com os diferentes stakeholders. Diferentemente dos
“selos verdes”, que identificam os produtos que causam menos impacto ao meio ambiente quando
comparados aos seus concorrentes, a rotulagem ambiental utiliza metodologias desenvolvidas por
terceiros (como a ISO) para classificar produtos de acordo com um padrão regulatório ambiental
que tem como base considerações a respeito do seu ciclo de vida.

51
Rótulos e declarações ambientais são o tema da série ISO 14000 e fornecem informações
quanto aos aspectos ambientais de produtos ou serviços, colaborando não só para a escolha dos
consumidores mas também para o aumento da adesão de fornecedores ao processo de redução do
impacto ambiental. Isso acontece porque, quando um rótulo ou declaração ambiental é eficaz
para influenciar a decisão de compra dos clientes, a participação de mercado desse produto ou
serviço aumenta e, consequentemente, influencia outros fornecedores (concorrência) a
aprimorarem os aspectos ambientais dos seus produtos ou serviços, o que resulta em um ciclo
positivo de redução do impacto ambiental de determinada categoria.

Tipos de rotulagem ambiental


Orientada pela ISO 14020, a rotulagem ambiental é classificada em três diferentes
tipos. Vejamos:

a) Tipo I – programas de selo verde:


Programas que, baseados em critérios múltiplos de certificação, concedem uma licença que
permite utilizar rótulos ambientais de acordo com o ciclo de vida do produto.

b) Tipo II – autodeclarações ambientais:


Declarações (controladas) da própria empresa fabricante.

c) Tipo III – avaliações de ciclo de vida:


Avaliações que fornecem dados ambientais quantificados de determinado produto de
acordo com categorias e parâmetros pré-definidos por terceiros qualificados e independentes. Têm
como base a avaliação do ciclo de vida do produto.

A rotulagem ambiental contribui para a inovação nos


setores produtivos, para o desenvolvimento tecnológico,
para a criação de novas estratégias de gestão e
comunicação, e, consequentemente, para a proteção
ambiental e a conscientização da sociedade.

52
MÓDULO III – RELACIONAMENTO COM
SHAREHOLDERS E STAKEHOLDERS

Neste módulo, buscaremos entender quem são as partes interessadas da empresa e


veremos a forma mais adequada de comunicar a esse público as iniciativas e os avanços
relacionados à sustentabilidade.

Criação de valor sustentável: desafios multidimensionais


Como vimos, os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável são indissociáveis em sua
essência, ou seja, exigem uma atuação sistêmica para que sejam atingidos. A meta 17, por
exemplo, que trata do incentivo e da promoção eficazes de parcerias públicas, público-privadas e
com a sociedade civil, demonstra que o desafio é multidimensional. Os gestores devem estar,
portanto, preparados para o desenvolvimento e a implementação de processos que contribuam
para enfrentar esse desafio, levando em conta tanto a relação com os diversos stakeholders quanto a
rentabilidade financeira da empresa.
Nesse sentido, a inovação se apresenta como uma aliada fundamental. Modelos de negócio
disruptivos podem trazer soluções mais radicais e escaláveis, gerando mais impacto na resolução
dos problemas. Afinal, como afirmou Albert Einstein: “Insanidade é continuar fazendo a mesma
coisa e esperar resultados diferentes.” É urgente, portanto, rever os atuais modelos de negócio para
levar um planeta a um estágio diferente. Se observarmos os desafios globais relacionados à
sustentabilidade com as lentes do negócio, poderemos identificar estratégias e práticas que
venham a contribuir para um mundo mais sustentável sem deixar de gerar valor para os acionistas.
Os acionistas, ou shareholders, são os que, costumeiramente, fornecem os recursos
financeiros necessários às operações da empresa. Por muito tempo, esse grupo não apoiou o
desenvolvimento de estratégias baseadas em sustentabilidade por vê-las como um custo, e não
como um investimento. Hoje já podemos observar uma mudança nesse panorama, mas ainda
estamos longe de alcançar o nível de apoio necessário. Daí a enorme importância de o gestor
cumprir o seu papel de demonstrar aos stakeholders e shareholders os verdadeiros benefícios de uma
gestão sustentável. Alguns estudiosos, como Porter e Kramer (2011), afirmam que, caso atenda às
necessidades de todas as partes interessadas, o gestor criará diretamente valor para os acionistas;
caso não atenda, poderá destruir o valor gerado, devido a boicotes dos consumidores e da
sociedade, à perda e retenção de talentos, e ao pagamento de taxas e multas ao governo.

Criando valor sustentável para os shareholders


Assim como os desafios globais relacionados ao desenvolvimento sustentável possuem
múltiplas dimensões de ação, a criação de valor sustentável para o shareholder ou acionista requer
desempenho multifacetado, envolvendo preocupações econômicas, sociais e ambientais. Esses
desafios têm implicações em, praticamente, todos os aspectos da estratégia e do modelo de
negócios de uma empresa.
Hart e Milstein (2004) desenvolveram um modelo que apresenta as diferentes dimensões de
geração de valor sustentável para os shareholders. Esse modelo é baseado em dois eixos:

a) Eixo vertical:
O eixo vertical é uma ponte do modelo atual para o futuro, ou seja, a necessidade de
gerenciar os negócios de hoje de modo a criar oportunidades tecnológicas e novos mercados para
o amanhã, gerando expectativas de resultados de curto, médio e longo prazos.

b) Eixo horizontal:
O eixo horizontal representa a necessidade de crescimento da empresa e a emergência de
proteger as suas capacidades organizacionais internas, além das novas perspectivas e dos
conhecimentos que surgem a partir do seu exterior. Dessa forma, em um processo dicotômico, a
empresa precisa proteger o seu núcleo técnico para que possa operar sem maiores distrações, mas
também precisa permanecer aberta a novos modelos de negócio e tecnologias disruptivas.

54
Ao cruzar esses eixos, cria-se uma matriz com quatro dimensões de desempenho que
colaboram para a geração de valor para o acionista. Vejamos:

Figura 12 – Matriz de dimensões de geração de valor para o shareholder

Na matriz apresentada, o quadrante superior esquerdo propõe que a empresa deve não
só ter um desempenho eficiente nos negócios atuais mas também estar atenta à geração de
produtos e serviços no futuro, observando o dinamismo do mercado e desenvolvendo ou
absorvendo internamente habilidades, competências e tecnologias que a permitam caminhar
em direção à inovação.
Já o quadrante superior direito foca as dimensões externas associadas ao futuro. Nesse
sentido, a empresa deve saber, com clareza, qual será a sua trajetória de crescimento para, dessa
forma, criar expectativas confiáveis acerca do seu crescimento e gerar valor para os seus acionistas.
Essa trajetória de crescimento contempla o oferecimento de novos produtos ou a exploração de
novos mercados ou clientes que não eram previamente atendidos, devendo também orientar o
caminho de desenvolvimento de novos produtos e tecnologias.
O quadrante inferior esquerdo aborda a redução de custos e riscos, aspectos de desempenho
que são, majoritariamente, de natureza interna e de curto prazo. O aumento do lucro e a redução
da exposição a passivos ambientais ou sociais colaboram para a criação de riquezas. Isso significa
que a empresa precisa operar de maneira eficiente e reduzir o seu risco para gerar o valor
adequado ao acionista.

55
O quadrante inferior direito também se refere a uma dimensão de curto prazo, mas aponta
stakeholders externos, como fornecedores, clientes, órgãos reguladores, comunidades, ONGs e
meios de comunicação. A inclusão criativa dos interesses desses stakeholders promove um
posicionamento diferenciado da empresa, levando à melhora da sua reputação e, principalmente,
da sua legitimidade.
A partir da análise que acabamos de realizar, percebemos que, para que sejam bem-
sucedidas, as empresas devem atuar de maneira eficiente nos quatro quadrantes, como uma forma
de maximizar o valor gerado aos acionistas. Em outras palavras, ao observarem essa matriz e
relacioná-la com os desafios associados à sustentabilidade, as empresas devem identificar e
desenvolver estratégias para elevar o desempenho concomitante das quatro dimensões,
fomentando a criação de valor sustentável.
É nesse sentido que a definição ESG constantemente amplia a sua abrangência e
visibilidade. O termo vem do inglês Environmental, Social & Governance, ou seja, conectam
melhores práticas ambientais, sociais e de governança. São critérios que associam as empresas que
possuem na sua missão e operação um propósito de geração de impacto positivo para o planeta,
respeitando as normas ambientais, éticas e legais.

Organização e identificação de questões críticas da


empresa
Enxergar a empresa de maneira sistêmica é uma das formas de vê-la como um todo formado
por partes não isoladas que interagem de forma dinâmica. Além disso, por estar inserida em um
ecossistema, as ações e reações da empresa impactam toda uma cadeia natural de processos
internos e externos que estão integrados, bem como os fluxos de origem e entrega, e o processo de
comunicação junto ao mercado e aos clientes.
Modelos como o de Hart e Milstein (2004), apresentado anteriormente, colaboram para o
desenvolvimento desse olhar e um melhor direcionamento do gestor. Uma outra forma de
concretizar essa visão consiste em utilizar modelos que foquem o mapeamento da cadeia de valor,
como o desenvolvido por Michael Porter (1989).

O modelo de Porter auxilia o gestor a analisar atividades


específicas por meio das quais a empresa cria valor para o
seus stakeholders e gera vantagem competitiva perante o
mercado.

56
No seu modelo, Porter definiu uma cadeia de atividades comuns a maioria dos negócios,
baseando-se na maneira como os inputs (matérias-primas) são transformados em outputs
(produtos) adquiridos pelos consumidores. Essa cadeia é dividida em atividades primárias e
atividades de suporte, conforme apresentado no esquema a seguir.

Figura 13 – Cadeia de valor de Porter

Fonte: Adaptado de Porter (1989).

As atividades primárias se referem, basicamente, às atividades de criação, venda,


manutenção e suporte dos produtos e serviços. São elas:
 logística interna – refere-se aos processos de recepção, controle de inventário e transporte
de chegada. Tem na relação com os fornecedores o principal ponto de criação de valor;
 operações – tratam da maneira com que a matéria-prima se transforma em produtos. As
suas atividades incluem a produção de embalagens, montagem, manutenção e manuseio
de equipamentos e maquinário;
 logística externa – refere-se a atividades basicamente voltadas para a entrega do produto
ou serviço ao cliente, envolvendo armazenamento e distribuição, e
 marketing e vendas – referem-se ao modo como a empresa vende e comercializa os seus
produtos ou serviços. O valor está em como os benefícios gerados pelo que a empresa
tem a oferecer são percebidos pelo cliente.

57
As atividades de apoio auxiliam as atividades primárias a entregarem a sua proposta de
valor. São elas:
 infraestrutura – refere-se aos sistemas de gestão utilizados para manter as operações
administrativa, legal e financeira da empresa;
 gestão de recursos humanos – lida com recrutamento, treinamento e retenção de
colaboradores;
 desenvolvimento tecnológico – apropria, principalmente, da inovação para gerar valor
em áreas como a de pesquisa e desenvolvimento (P&D), design e otimização de
processos, e
 aquisição – refere-se aos processos realizados pela empresa para obter os recursos
necessários à sua atividade produtiva, como a aquisição de matérias-primas,
equipamentos e estrutura.

A apropriação e o desenvolvimento da cadeia de valor exigem um trabalho complexo por


parte da empresa, visto que cada uma das atividades contempla uma série de subatividades que, de
forma direta ou indireta, visam garantir a qualidade das atividades anteriores. Em outras palavras,
é necessário observar a interligação existente entre as partes integrantes do modelo para, a partir
daí, buscar oportunidades de geração de valor.

Guia SDG compass


Em 2016, o Pacto Global da ONU lançou o Guia SDG Compass, uma ferramenta para
inserção, alinhamento e mensuração dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) nas
empresas. O guia é dividido em cinco passos que têm como base o reconhecimento da
responsabilidade legal das empresas, o respeito aos padrões internacionais e o tratamento
prioritário dos impactos negativos nos direitos humanos.

58
O modelo do SDG Compass pode ser replicado em empresas de todos os níveis e também
na criação de qualquer estratégia de geração de valor sustentável. Na figura a seguir, podemos
observar os cinco passos a serem seguidos de acordo com o modelo.

Figura 14 – Modelo SGD compass

Fonte: UNGC (2015).

Vejamos, agora, cada um dos passos do modelo com mais detalhes:

a) Entendendo os ODS:
Nesse primeiro passo, procura-se promover a familiarização com os ODS e compreensão de
quais oportunidades e responsabilidades representam para o negócio.

b) Definindo prioridades:
Ao definir prioridades, é necessário realizar o mapeamento da cadeia de valor, a fim de
identificar as áreas de maior impacto da empresa tanto interna quanto externamente e de
selecionar e monitorar indicadores.

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c) Estabelecendo metas:
Depois de definir as prioridades, é necessário definir o ponto de partida, os tipos de meta e,
principalmente, o nível de ambição que a empresa quer atingir com cada uma delas.

d) Integração:
O próximo passo deve consistir em integrar os objetivos e metas de maneira transversal na
atividade da empresa, ou seja, promover uma estratégia de sustentabilidade em todos os níveis e
funções da empresa.

e) Relato e comunicação:
Por fim, é necessário comunicar o que está sendo realizado em relação aos ODS, o que
pode ser feito por meio de relatórios e publicações dos resultados.

Todo o guia aborda o impacto dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável nos negócios
e oferece ferramentas e práticas que contribuem para posicionar a sustentabilidade na estratégia
empresarial. O passo 2, por exemplo, sugere o mapeamento da cadeia de valor para definir as
áreas de impacto. Esse exercício contribui para que a empresa identifique os impactos positivos e
negativos que está gerando em processos que vão além do escopo dos seus ativos, ou seja, que
estejam em outras etapas da cadeia. O mapeamento colabora ainda para o direcionamento da
empresa, auxiliando-a a perceber onde deve concentrar os seus esforços e a identificar e monitorar
indicadores que possam expressar a relação das atividades empresariais que geram impacto no
desenvolvimento sustentável.

Foco nos stakeholders e papel desempenhado pelas


empresas na construção do processo de mapeamento,
comunicação e engajamento
Segundo o sociólogo Edward Freeman (1984), o stakeholder é um indivíduo ou grupo que
pode afetar ou é afetado pelo alcance dos objetivos empresariais, além de ter o direito legitimado
de atuar nas ações de gestão e nos resultados dessa mesma organização. Também chamados de
partes interessadas, como vimos anteriormente, são stakeholders de uma empresa: colaboradores,
proprietários, fornecedores, concorrentes, clientes, sindicatos, Estado, ONGs, entidades sociais,
ou seja, todos que são impactados pela atividade empresarial.
A Teoria dos Stakeholders, proposta por Freeman, faz um contraponto ao modelo
econômico clássico, em que a gestão é focada apenas nos proprietários e acionistas das empresas
(ou shareholders), evidenciando a necessidade de incluir todos os outros stakeholders como peças-
chave da organização. De maneira resumida, o que a teoria procura explicar é a relação da

60
organização com o ambiente externo e o seu comportamento dentro desse ambiente,
considerando o seu relacionamento com os diversos grupos que influenciam ou são influenciados
pela empresa e com os seus interesses, que influenciam os processos de tomada de decisão.
Ao analisarmos as ideias de Freeman, podemos estruturar a atuação junto aos stakeholders
em quatro etapas:
 identificação;
 priorização;
 relacionamento e
 monitoramento.

A seguir, veremos cada uma delas com mais detalhes.

Identificação
A identificação de stakeholders é um processo que deve ser liderado pela gestão, envolvendo
diversas áreas diferentes da empresa. Nele a empresa deve fazer um exercício de mapeamento dos
seus públicos estratégicos, e isso pode ser realizado de diversas formas, como por meio da análise
da cadeia de valor ou de uma reflexão acerca do processo produtivo.

Priorização
Para atender às demandas de todas as partes interessadas, é necessário criar critérios para
priorizar o atendimento a determinados grupos. Considerando essa necessidade, Mitchell, Agle e
Wood (1997) desenvolveram o modelo de stakeholder salience, que auxilia os gestores a analisarem
as necessidades das partes interessadas da empresa, levando-os a identificar com mais facilidade os
públicos que devem receber atenção prioritária. Nesse modelo, são utilizados três parâmetros:
 poder de influência e capacidade de afetar a empresa;
 legitimidade das demandas e
 urgência de atendimento.

61
No quadro a seguir, podemos melhor compreender esses conceitos:

Quadro 2 – Parâmetros do modelo de stakeholder salience

parâmetro definição

Poder que o stakeholder do projeto tem de influenciar os resultados


poder
e entregas de uma organização.

Autoridade ou nível de envolvimento que as partes interessadas têm


legitimidade
para com a empresa.

Tempo que os stakeholders da empresa podem esperar para ter as


urgência
suas expectativas atendidas.

Essa visão tridimensional das necessidades e expectativas colabora para a priorização e


definição das demandas dos stakeholders mais críticos.

É importante destacarmos que as características atribuídas a


cada stakeholder não são estáticas, mas construídas
socialmente. Além disso, os stakeholders não têm
consciência dos seus próprios atributos.

Relacionamento
Após serem mapeados e identificados, a empresa deve construir um relacionamento com os
stakeholders por meio de um processo de aperfeiçoamento e fortalecimento da imagem
corporativa. Construir canais abertos de comunicação e ouvidoria colaboram para essa
aproximação, principalmente junto aos públicos mais “difíceis” e até aos considerados ameaças. A
divulgação clara das ações e iniciativas da empresa e do progresso em relação às ações com as
partes interessadas também é um ativo importante.
Engajar os stakeholders pode ser uma ferramenta de comunicação integrada, pois, por meio
dessa ação, é possível identificar as demandas dos públicos de interesse e, muitas vezes, antecipar e
gerenciar conflitos. Além disso, o engajamento facilita a troca de conhecimento e inovação, leva a
um melhor gerenciamento de riscos e agrega valor aos shareholders.
A norma Stakeholder engagement standart (AA100 SES) é uma boa referência para a
construção desse engajamento com as partes interessadas. A partir de alguns padrões, ela oferece
uma base para o desenvolvimento, a implementação, a avaliação, a comunicação e a garantia de
qualidade do envolvimento dos stakeholders. Segundo a SES, o engajamento é também um

62
“mecanismo fundamental de accountability, uma vez que obriga uma organização a envolver as
partes interessadas na identificação, compreensão e resposta a questões relacionadas à
sustentabilidade e a relatar, explicar e responder às partes interessadas a respeito das suas decisões,
ações e desempenho.”

Monitoramento
O monitoramento do relacionamento com os stakeholders deve ser constante, a fim de que
se consiga relacionar a satisfação dos interesses desses stakeholders às ações realizadas pela empresa,
bem como à imagem e à reputação corporativa.

Entendendo a abordagem dos stakeholders e a avaliação


da qualidade da licença para operar das empresas
Empresas que adotam uma postura responsável atingem, ao longo do tempo, ganhos
tangíveis como maior eficiência e eficácia de custos e aumento de produtividade. Internamente,
essas práticas produzem estímulos adicionais de melhoria, como o alinhamento do propósito, das
políticas e práticas da organização, influenciando diretamente a qualidade da gestão.
Para operar, toda organização necessita de uma licença. Parte dessa licença é formal e
baseia-se na legislação e na regulamentação locais. A outra parte é informal e intangível, e
representa a aceitação e aprovação das suas atividades por parte das comunidades locais e dos
stakeholders. Essa é a conhecida “licença social para operar”, que emerge dos conceitos de
responsabilidade social corporativa e sustentabilidade, e baseia-se na ideia de que instituições e
empresas precisam de algo que vai além da permissão regulatória: a permissão da sociedade para a
condução dos negócios. Essa licença tem tido cada vez mais importância no contexto empresarial,
visto que muitas empresas sem apelo popular não conseguem o apoio governamental nem as
licenças e permissões operacionais.

É importante observarmos que a licença para operar não é


um acordo ou documento formal, mas se refere à
credibilidade, confiabilidade e aceitação de organizações por
parte da sociedade.

63
Geração de valor compartilhado
O valor compartilhado é uma estratégia de gestão por meio da qual as empresas
desenvolvem novas oportunidades de negócio considerando problemas presentes na base da
pirâmide social. Essa estratégia direciona o trabalho dos líderes para a maximização do valor
competitivo por meio da solução de problemas sociais relacionados a novos clientes e mercados, o
que promove uma diferenciação diante da concorrência.

Ao integrar stakeholders como ONGs, governos e a


sociedade, as empresas geram escalabilidade para criar
mudanças reais no planeta.

Uma nova onda de inovação e crescimento global se aproxima, induzindo à criação de


formas inéditas de fazer negócio. Nesse novo paradigma, as empresas buscam rever os seus
propósitos e direcioná-los a estratégias de valor compartilhado, em uma relação de “ganha-ganha”.

A relação de “ganha-ganha” acontece quando as empresas


prosperam em comunidades prósperas. Uma comunidade
próspera gera demanda por novos produtos e serviços, ao
mesmo tempo em que precisa de empresas prósperas para
gerar empregos e riquezas que a façam prosperar.

O valor compartilhado pode ser criado de três diferentes formas. Vejamos:

a) Reconcepção de produtos e mercados:


As empresas podem atender às necessidades sociais acessando novos mercados e
desenvolvendo novos produtos ou até reduzindo os custos por meio da inovação.

b) Redefinição da produtividade na cadeia de valor:


A implementação de mudanças nas práticas da cadeia de valor pode impulsionar a
produtividade a partir da melhor utilização de recursos, funcionários e parceiros de negócios.

c) Estímulo ao crescimento do cluster local:


Como vimos, as empresas fazem parte de um grande ecossistema. Por conta disso, elas
podem ampliar o seu crescimento estimulando o desenvolvimento de uma base de fornecedores
confiável e criando um bom relacionamento com as instituições de apoio às comunidades onde
opera. Dessa forma, poderá impulsionar a produtividade, a inovação e o crescimento.

64
Michael Porter e Mark Kramer (2011) afirmam que a geração de valor compartilhado
representa uma nova abordagem para a gestão de negócios, englobando diversas áreas. O poder do
valor compartilhado na promoção da inovação em escala é notável, pois, ao longo do processo de
busca de soluções para problemas sociais ou ambientais, ocorrem muitas trocas entre os diversos
stakeholders. O consequente aprendizado resultante dessa relação faz com que as empresas procurem,
cada vez mais, alternativas de desenvolvimento de produtos e serviços, melhorias nos processos
internos, etc., sempre com a intenção de trazer mais impactos positivos para os negócios.
Dessa forma, a geração de valor compartilhado pode ser vista como uma estratégia a ser
utilizada pelas empresas para tornarem-se mais competitivas e sustentáveis, gerando valor para
todas as partes interessadas. Para isso, os seus processos internos devem ser capazes de mapear e
gerenciar todos os envolvidos, contribuindo, efetivamente, para o crescimento econômico e social.

Divulgação dos resultados aos stakeholders


Um dos papéis fundamentais de uma gestão baseada na sustentabilidade é comunicar o que
está sendo feito aos stakeholders e shareholders da empresa. Os reports sobre o desempenho
econômico, social, ambiental e de governança corporativa são fundamentais para fortalecer uma
relação transparente e que inspire confiança.
Depois das crises que assolaram os mercados internacionais em 2008, a sociedade passou a
pressionar mais as corporações no que diz respeito à transparência, induzindo-as à apresentação de
informações que vão além dos resultados financeiros, ou seja, que abranjam todas as esferas de
atuação da empresa, os seus impactos positivos e negativos. Nesse contexto, surgem os Relatórios
Integrados (RI).

Relatórios Integrados (RI)


Os Relatórios Integrados foram instrumentos criados a partir da necessidade de as
instituições não só apresentarem os seus dados contábeis e financeiros, mas também mostrarem
como atuam na esfera socioambiental e na prática de governança corporativa.
As premissas dos RI foram definidas pelo Conselho Internacional para Relatórios
Integrados (IIRC), que reúne especialistas, ONGs, órgãos reguladores, empresas e investidores, e
alinhadas às propostas do Global Reporting Initiative (GRI).
Atualmente, empresas de todos os portes procuram construir os seus relatórios de
sustentabilidade, pois o perceberam como uma forma de gerar valor e fortalecer a imagem
corporativa. Os relatórios também são uma forma de comparar o seu desempenho frente ao de
seus concorrentes, evidenciar boas práticas, influenciar planos de negócio e demonstrar a
conformidade legal da empresa.

65
Muitas instituições ainda sinalizam, contudo, dificuldades na mensuração dos impactos que
as estratégias de sustentabilidade geram na sociedade, não enxergando os verdadeiros resultados
dessas medidas no dia a dia. Alguns modelos de relatório podem auxiliar nesse processo, como o
concebido pelas normas Global Reporting Initiative (GRI).

Segundo dados divulgados pela Global Reporting Initiative,


das 250 maiores corporações do mundo, 93% reportam as
suas ações em sustentabilidade e 82% utilizam a GRI.

A iniciativa surgiu na Holanda, a partir de uma reunião de investidores que tinham os


objetivos de elevar o processo de construção dos relatórios de sustentabilidade ao mesmo nível dos
relatórios financeiros e criar um padrão a ser utilizado por todas as empresas.
Segundo a GRI, os relatórios podem ter como premissa três pontos fundamentais:
 colaborar para a mudança de mentalidade, visando à necessidade de se pensar em ganhos
sociais e ambientais, e não somente em ganhos financeiros;
 estimular o diálogo e a identificação dos riscos e oportunidades de gerar novos negócios e
 servir como um guia para a gestão baseada em dados confiáveis.

Em uma relação com o modelo do PDCA, o monitoramento das informações referentes às


atividades empresariais com base tanto no desempenho passado quanto nos objetivos futuros é
uma das diretrizes para o estabelecimento das novas metas de um próximo ciclo. Essa é uma ideia
que permeia tanto o relato de sustentabilidade (processo) quanto o relatório de sustentabilidade
(produto) em si. Além de metas operacionais e estratégicas, os objetivos futuros também são
aqueles necessários para a construção de uma economia sustentável, baseada na proteção da vida
na Terra, na diminuição da pobreza e na proteção dos direitos humanos, todos itens defendidos
pela Agenda dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável.

Princípios de transparência do processo de relato


A GRI estabelece alguns princípios fundamentais para garantir a transparência do processo
de relato, conferindo-lhe eficácia e credibilidade. Esses princípios estão divididos em dois grupos.
O primeiro aborda a definição do conteúdo, ou seja, o processo necessário à identificação dos
conteúdos a serem inseridos no relatório, levando em conta o processo produtivo da organização,
os seus impactos e o interesse dos seus stakeholders. O segundo grupo se refere aos princípios para
assegurar a qualidade do relatório e conta com diretrizes para certificar a qualidade da
apresentação das informações descritas, permitindo avaliações de desempenho justas e que
estimulem a adoção de medidas adequadas. Vejamos:

66
Figura 15 – Processo de relato

O relatório é um excelente ativo para a empresa, e a GRI orienta que ele seja divulgado de
modo amplo, ou seja, o documento deve estar disponível por completo para os leitores
interessados em redes públicas de divulgação.

67
MÓDULO IV – NOVOS PARADIGMAS EM
SUSTENTABILIDADE

Neste módulo, discutiremos alguns temas que propõem certa reflexão acerca dos novos
paradigmas ligados à sustentabilidade. Abordaremos, por exemplo, como a inovação transversal e
a sua integração com a sustentabilidade podem impactar novas maneiras de fazer negócio.
Discutiremos também o conceito de economia circular e a tendência de criação das smart cities,
que colocam a população como o centro das atenções e utilizam a sustentabilidade e a inovação
como fator de transformação e reorganização. Discutiremos, por fim, o tema da liderança para a
sustentabilidade e a questão da inserção dos conceitos de ética e compliance nas organizações.

Inovação e sustentabilidade
Nos últimos tempos, o termo “inovação” tornou-se um jargão obrigatório na linguagem das
empresas, pois inovar passou a ser fundamental em todos os segmentos do mercado. Com isso,
assistimos a cultura da inovação emergir e atribuímos a esse substantivo uma visão extremamente
positivista: inovar virou sinônimo de “mudança para o sucesso”. No entanto, não podemos nos curvar
à simplicidade dessa afirmação. O conceito de inovação é muito mais complexo e está baseado no
desenvolvimento de novos bens, na implantação de diferentes métodos de produção e na criação de
novas formas de organização, fatos que refletem o comportamento atual da sociedade.
É evidente que estamos passando por mudanças de comportamento social. Tais mudanças
se relacionam a questões econômicas e políticas, a novos padrões de produção e consumo, e a
diferentes formas de fazer negócios no Brasil e no mundo. De acordo com uma visão mais cética,
a redução de empregos frente a outras soluções tecnológicas, o consequente aumento da
desigualdade social e a mudança do ritmo de crescimento das grandes economias são pontos
preocupantes desse processo. Para os que enxergam a partir dessa perspectiva, a inovação pode ser
uma grande vilã.
No entanto, uma visão mais otimista sugere que, cada vez mais, a inovação é aplicada em
pesquisas científicas para a cura de doenças crônicas, no desenvolvimento de novos materiais e no
investimento em energias limpas e renováveis. Assistimos também a grandes transformações no
campo educacional, como o incentivo à adoção de novas tecnologias, à capacitação das pessoas
para um novo cenário econômico e, até mesmo, ao surgimento de novas profissões como
alternativa para o mercado.
Ricardo Voltolini, no seu livro Sustentabilidade como fonte de inovação (2016), afirma que,
para obter bons resultados, a empresa precisa saber claramente por que quer inovar, em que quer
inovar, como inovar, com quem inovar, quanto tempo deve ser dedicado a essa inovação e até
onde ela pode ir. Em outras palavras, a inovação pela inovação apenas não basta. É necessário
encontrar o equilíbrio e clarificar os seus objetivos.
Como vimos, em 2015, foi estabelecida pela ONU a Agenda 2030, que definiu os 17
Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, desdobrados em 169 metas interdependentes e
interconectadas que orientam a sociedade na construção de um mundo economicamente viável,
ambientalmente correto e socialmente mais justo até 2030. Para alcançar esses objetivos, é
fundamental que as práticas de gestão atuem de forma integrada, estabelecendo iniciativas que
possam aproximar a inovação e a sustentabilidade. Considerando esse contexto, devem ser
desenvolvidas habilidades técnicas e estratégias de gestão associadas a valores como a ética e o
desenvolvimento sustentável.

Negócios voltados para a base da pirâmide


A criação de sociedades mais justas e inclusivas prevê que mais pessoas consumam produtos
e serviços, o que gera maiores impactos ambientais. No Brasil, por exemplo, em um período de
aproximadamente 10 anos, 40 milhões de brasileiros ascenderam à classe C, o que gerou uma
população de aproximadamente 120 milhões de pessoas na nova classe média. Em pouco tempo,
essa classe passou a comprar carros, eletrodomésticos, eletrônicos, produtos manufaturados e
outros recursos.
Stuart Hart, professor da Cornell University, foi um dos primeiros a chamar atenção para
um novo setor da sociedade, a base da pirâmide (BoP), que reúne bilhões de pessoas em estado de
pobreza no planeta. Segundo ele, o desenvolvimento sustentável só será bem-sucedido quando
puxado de baixo para acima, fato corroborado por Prahlad no livro A riqueza na base da pirâmide
(2005), onde o autor afirma que “essa base oferece enormes oportunidades e desafios às empresas
que operam exclusivamente no topo da pirâmide.” Isso significa que as empresas devem olhar
para esse novo consumidor como uma oportunidade de gerar novos negócios com menor impacto
ambiental e de contribuir para o desenvolvimento social.

70
Negócios voltados para a BoP não estimulam a adaptação de produtos já oferecidos ao topo
da pirâmide – o que significaria bilhões de pessoas consumindo de maneira insustentável como
boa parte da sociedade atual –, mas sim o desenvolvimento de novos produtos e serviços para esse
novo consumidor, por meio de novas tecnologias sustentáveis que promovam a inclusão social.
O sucesso dos negócios voltados para a base da pirâmide está na abordagem participativa
dos stakeholders, em um processo de cocriação e colaboração. Como falamos anteriormente,
stakeholders devem ser entendidos, ouvidos e engajados para garantir a prosperidade dos negócios.
As necessidades dessas comunidades mais carentes apontam oportunidades de negócio para as
empresas. Por exemplo, o acesso e a distribuição de energia renovável, a utilização de
biocombustíveis, a purificação de água, a criação de biomateriais – especialmente em técnicas de
construção –, o acesso à tecnologia da informação e a agricultura sustentável são algumas das
ações que podem auxiliar na resolução dos desafios globais.

Microcrédito: experiência de sucesso


Um dos mais célebres exemplos de negócio baseado na BoP foi a criação do microcrédito,
que teve como protagonista o ganhador do Nobel da Paz Muhammad Yunus. Por meio do seu
Grameen Bank, Yunus oferece pequenas quantias de dinheiro a pessoas pobres que não têm acesso
a crédito. O banco, que hoje conta com mais de 2.000 agências, originou-se de uma experiência
conduzida pelo próprio Yunus. Ele emprestou dinheiro a algumas moradoras próximas à região
onde dava aulas para que pudessem adquirir a matéria-prima necessária à produção de artesanato.
Todos os empréstimos foram pagos pontualmente, e isso fez com que a ideia pudesse ser
viabilizada e multiplicada.
O Grameen Bank é um exemplo de prosperidade de negócio voltado para base da pirâmide.
Além disso, a sua experiência deve ser observada por outros bancos, pois, após ter emprestado
mais de 5 bilhões de dólares e empregado mais cerca de 19 mil pessoas nos últimos anos, o novo
banco teve uma taxa de inadimplência de apenas 1,15%, enquanto as taxas do setor tradicional
ficam entre 5 e 10%.
Exemplos como esse demonstram que devemos enxergar os problemas e desafios como
oportunidades de inovação e sob a ótica da sustentabilidade, criando inovações que contribuam
para a diminuição do impacto ambiental, prosperem financeiramente e colaborem para a
construção de uma sociedade justa.

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Economia circular
Como vimos, o planeta Terra é um organismo vivo e funciona de maneira sistemática, em
um processo cíclico. O sistema produtivo da sociedade atual, no entanto, funciona de forma
linear: exploramos matéria-prima, produzimos o que queremos e descartamos o que não
queremos mais. Esse movimento não é sustentável, pois acumula um grande número de resíduos
e gera um grande impacto ambiental.
A economia circular surge então com o objetivo de redefinir esse processo, focando a
criação de benefícios positivos para toda a sociedade, dissociando, de maneira gradual, a atividade
econômica do consumo de recursos finitos e projetando resíduos fora do sistema.
Alguns dos princípios da economia circular são:
 maximizar a usabilidade dos recursos utilizando-os de maneira mais eficiente;
 regenerar os sistemas naturais e
 recuperar os produtos e materiais durante o seu ciclo de vida.

Como podemos notar, esses princípios alinham-se ao conceito de tratamento “do berço ao
berço”, visto anteriormente.
A transição para uma economia circular deve levar em consideração o produto, o processo,
o uso e todo o ciclo nele envolvido. Representa, portanto, uma mudança sistêmica, que cria
resultados de longo prazo, gera oportunidades comerciais e econômicas, e proporciona benefícios
ambientais e sociais, exigindo não só mudanças tecnológicas mas também mudanças
comportamentais da sociedade.
Como estratégia de inovação, a economia circular torna-se relevante em diversos setores
produtivos, como os de transportes, serviços e agricultura. Vejamos um exemplo de cada setor:

a) Transportes:
No setor de transporte, por exemplo, novas soluções de locomoção, como a Uber e o
Cabify, permitem que as pessoas se movam de um lugar a outro sem que precisem de carro
próprio. A conectividade melhora, cada vez mais, a relação do motorista com os veículos e alia-se
também a iniciativas de condução autônoma (carros autodirigidos). Empresas como a Tesla, que
oferece ao mercado carros elétricos, colaboram com o avanço tecnológico e, consequentemente,
com a diminuição do impacto ambiental.

b) Serviços:
No âmbito dos serviços, podemos citar as iniciativas de co-working, espaços colaborativos
utilizados para trabalho que ficam, normalmente, em ambientes inovadores e criativos,
permitindo maior interação entre pessoas de diferentes nichos de mercado e troca de experiências.
Esses espaços representam um grande ganho para toda a humanidade, pois diminuem o impacto

72
ambiental por meio da otimização de recursos. Com eles, temos menos escritórios funcionando,
reduzimos consideravelmente os custos com construção, energia, água e internet, e diminuímos a
geração de resíduos.

c) Agricultura:
Na agricultura, a tecnologia vem otimizando os processos para reduzir o desperdício na
cadeia. No ciclo biológico da economia circular, os alimentos e os materiais de base biológica
(como algodão ou madeira) são projetados para retornar ao sistema por meio de processos como
compostagem e digestão anaeróbica. Esses processos regeneram sistemas vivos (como o solo)
fornecendo-lhes nutrientes, e esses sistemas fornecem recursos renováveis à economia.

A economia circular propõe uma mudança de perspectiva, uma mudança no modo como a
nossa economia funciona. Essa transformação só é possível por meio da criação de produtos e
formas de fazer negócio que sejam cíclicos e estimulem a colaboração e a integração dos sistemas
terrestres. A criatividade e a inovação são a base para essa reconstrução de uma economia que
possa colaborar para a restauração e a prosperidade do nosso planeta.

Smart cities
Com o avanço progressivo da utilização das tecnologias da informação e comunicação
(TICs) no dia a dia da população, observamos uma mudança na maneira como as pessoas se
relacionam, o que traz, cada vez mais, reflexos para os espaços públicos. Ao mesmo tempo, os
índices de urbanização crescem em alta velocidade, criando grandes centros e megacidades.
Nesse contexto de desenvolvimento dos núcleos urbanos, surge o conceito de smart cities:
cidades inteligentes, entendidas como espaços urbanos onde a inteligência está a serviço dos
cidadãos na forma de tecnologias avançadas, promovendo o desenvolvimento sustentável, o
crescimento econômico e a qualidade de vida. Nesse caso, o envolvimento dos cidadãos, o
investimento em infraestrutura, o capital social e as tecnologias digitais tornam as cidades mais
habitáveis, resilientes e capazes de responder aos desafios enfrentados pela sociedade.
Algumas iniciativas governamentais já podem ser observadas no sentido de alterar o modelo
atual de cidades, como o 20/20/20, plano da União Europeia para reduzir poluentes e melhor
aproveitar os recursos naturais. O objetivo do plano é, até 2020:
 reduzir em 20% o consumo de energia primária;
 reduzir em 20% as emissões de gases do efeito estufa e
 ampliar em 20% a contribuição das energias responsáveis no consumo total da população.

73
Os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável também são um exemplo, pois têm como
uma das suas metas a promoção de cidades como comunidades sustentáveis, além das metas
relacionadas à produção e ao consumo nas cidades. Os desafios são imensos, e desencadeiam uma
série de consequências que vão desde uma maior necessidade de mobilidade, até o aumento de
demanda de estratégias de segurança pública.

Evolução do conceito
O conceito inicial de cidade inteligente data da década de 1990, quando era visto como um
modelo de cidade integrada, criada para resolver os problemas de sustentabilidade relacionados,
principalmente, à esfera energética e de redução das emissões de gases nocivos à atmosfera. Hoje
esse conceito evoluiu e apresenta algumas características específicas, como podemos observar no
quadro a seguir.

Quadro 3 – Características das smarts cities

habitação e inclusão Criar melhores oportunidades de moradia para todos.

Promover a qualidade de vida, reduzir o congestionamento,


a poluição do ar e o esgotamento de recursos, impulsionar
cidades inclusivas e humanas
a economia local, promover interações e garantir a
segurança.

Pensar a cidade não apenas para veículos e transporte


público, mas também para pedestres e ciclistas. Deve-se
acessibilidade urbana
considerar a construção de modais e a integração dos
serviços de transporte oferecidos.

Criar parques e espaços recreativos, a fim de melhorar a


preservação e
qualidade de vida dos cidadãos, reduzir os efeitos do calor
desenvolvimento de áreas
urbano e promover o equilíbrio ecológico respeitando a
abertas
biodiversidade.

Promover, por parte do governo, um diálogo constante e


transparente com o cidadão. A tecnologia e os meios
digitais colaboram nesse sentido, gerando
responsabilidade e promovendo a transparência, além de
governança pública efetiva
facilitarem o uso de serviços públicos. As redes sociais
também são canais que podem ser utilizados para ouvir a
população e obter feedback sobre programas e políticas de
governo, ou para realizar consultas públicas e de opinião.

74
Importância da mudança
Como vimos, enfrentamos hoje um alto índice de urbanização. Cerca de 54% das pessoas
do mundo vivem em cidades, índice que, segundo projeções, deve chegar a 66% até 2050. Se
combinarmos esses dados com o crescimento esperado da população, nos próximos 30 anos,
teremos a inserção mais 2,5 bilhões de pessoas em cidades. A sustentabilidade apresenta-se,
portanto, como uma ferramenta ambiental, social e econômica necessária ao acompanhamento
dessa rápida expansão que está sobrecarregando os recursos das nossas cidades.

Com o lançamento dos ODS, mais de 190 países


concordaram em buscar alcançar as metas para o
crescimento sustentável, e as cidades inteligentes surgem
como um canal fundamental para o sucesso dessa iniciativa.

O principal objetivo das smart cities é colocar as pessoas no centro das atenções. A cidades
devem ser pensadas para tornarem-se espaços amigáveis, que fazem com que os seus moradores
possam integrar-se ao lugar onde vivem.
As empresas devem entender a importância desse novo conceito para a gestão, pois são parte
integrante das cidades e têm as suas ações e atividades impactadas, assim como geram impactos. Além
disso, os stakeholders cobram cada vez mais essa contribuição das organizações e o seu pioneirismo em
ações que contribuam para a criação e o desenvolvimento de espaços mais inclusivos.

Gestores conscientes da importância que exercem dentro


da construção de modelos de gestão compatíveis com essa
nova realidade têm maiores condições de gerir empresas
para prosperar.

Compliance e ética
Compliance
Como vimos, os modelos de gestão estão mudando de forma acelerada, fato que se deve a
uma série de fatores, como inovações disruptivas, transformações digitais, ameaças de crise,
escândalos de fraude e corrupção. Esse panorama fez com que as organizações aumentassem o
foco em estratégias de governança que contemplem as mais diversas partes interessadas, indo além
dos acionistas e administradores. Essa mudança também eleva a responsabilidade no processo de
tomada de decisão, avaliação e julgamento dos gestores.

75
Segundo o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC, 2015), a governança
aplicada às corporações pode ser assim definida:

“[...] sistema pelo qual as empresas e demais organizações são dirigidas,


monitoradas e incentivadas, envolvendo os relacionamentos entre sócios,
conselho de administração, diretoria, órgãos de fiscalização e controle, e
demais partes interessadas.”

As boas práticas de governança corporativa (GC) referem-se à conversão dos princípios


básicos da empresa em recomendações mais assertivas, que alinhem os seus interesses com a
finalidade de “preservar e otimizar o valor econômico de longo prazo da organização, facilitando
seu acesso a recursos e contribuindo para a qualidade da gestão da organização, sua longevidade e
o bem comum.”
Cada vez mais, a governança corporativa vem se aproximando da sustentabilidade, pois a
sociedade passou a exigir que fossem publicadas informações sobre os aspectos econômicos, sociais
e ambientais nos relatórios e demonstrações de resultado das empresas. Os stakeholders esperam
das empresas um comportamento ético e transparente, que considere os direitos humanos,
preserve os recursos naturais e colabore para reduzir os impactos negativos à sociedade.
Considerando essa necessidade, a GC por ser um tipo de guia de atuação, uma promotora de um
ambiente de confiança, ético e baseado em valores.
Nesse cenário, vemos crescer a pressão por parte do governo e da sociedade em relação à
compliance, termo em inglês que significa conformidade. Após inúmeros escândalos expostos pela
mídia e operações como a Lava Jato, diversos acordos internacionais surgiram, promovendo a
cooperação entre autoridades de diversos países para combater a corrupção e os atos ilícitos nos
setores público e privado. Além disso, as legislações estão cada vez mais rígidas e com maior teor
punitivo financeiro, atingindo tanto empresas quanto indivíduos. Há ainda os pactos
autorregulamentados pelo próprio mercado. Vejamos alguns exemplos:
 Lei Anticorrupção (Lei n° 2.846/2013);
 Lei das Estatais (Lei n° 13.303/2016);
 Programa de Integridade estabelecido pelo Decreto n° 8.420, elaborado pelo Ministério
da Transparência e pela Controladoria-Geral da União;
 grupo de trabalho anticorrupção da Rede Brasileira do Pacto Global;
 Programa Destaque em Governança de Estatais e
 revisão do regulamento do Novo Mercado (B3).

Os custos de não conformidade também foram ampliados, resultando de questões não só


jurídicas mas também éticas, pois as empresas que se envolvem em escândalos têm a sua reputação
e imagem extremamente afetadas.

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Aplicado à realidade das empresas, o termo compliance se refere a estar em conformidade
com todas as suas obrigações legais. Um sistema de compliance contempla um conjunto de
processos interdependentes que contribuem para a efetividade do sistema de governança
corporativa, guiando as ações dos funcionários no desempenho das suas funções e estimulando-os
por meio de uma conduta ética e íntegra.

O sistema de compliance é um mecanismo usado para


estimular o cumprimento das leis e normas tanto internas
quanto externas, funcionando também como uma
blindagem contra desvios de conduta e como uma garantia
de geração de valor econômico.

Princípios de governança corporativa como base do sistema de compliance


O termo compliance surgiu como princípio na década de 1990 e era usado, principalmente,
em instituições bancárias como sinônimo de “adequação jurídica”. No entanto, com o tempo,
observou-se que não era possível implementar processos de compliance sem um alinhamento com
os procedimentos e as políticas internas da empresa, estratégias de gestão de pessoas, processos de
qualidade e melhoria continua, saúde financeira, etc. Por conta disso, atualmente, ao tratarmos de
compliance, referimo-nos a um sistema que se estende a todos os níveis da empresa, alinhando-se
aos seus objetivos estratégicos, à sua missão e à sua visão.
Dessa forma, na base de um bom sistema de compliance, estão os princípios básicos de
governança corporativa. Conforme define o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa
(IBGC), tais princípios são os seguintes:

a) Transparência:
Desejo ou necessidade de apresentar aos stakeholders as informações que sejam do seu
interesse, e não somente as impostas por disposições de leis ou regulamentos. Como já vimos, as
partes interessadas devem ser ouvidas e informadas não só a respeito do desempenho econômico
da empresa, mas também quanto aos fatores tangíveis e intangíveis que fazem parte da gestão
organizacional e que conduzem à preservação e ao fortalecimento do valor da organização.

b) Equidade:
Necessidade de tratar, de maneira justa e equivalente, todos os shareholders e stakeholders,
levando em consideração os seus direitos e deveres, interesses, necessidades e expectativas.

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c) Prestação de contas (accountability):
Necessidade de os agentes de governança prestarem contas sobre as suas formas de atuação com
clareza, de maneira concisa e compreensível, assumindo integralmente as consequências dos seus atos e
as suas omissões, atuando com diligência e responsabilidade no âmbito papéis que assume.

d) Responsabilidade corporativa:
Responsabilidade dos agentes de governança, que devem garantir a viabilidade econômico-
financeira das organizações, reduzir as externalidades negativas dos seus negócios e das suas
operações, e maximizar os impactos positivos, levando em consideração os diversos capitais
(financeiro, intelectual, humano, tecnológico, social, ambiental, reputacional) nos curto, médio e
longo prazos.

Formatação de um sistema de compliance efetivo


Quando organizado de maneira efetiva, um programa de compliance fortalece a cultura
corporativa e protege a reputação da organização, além de alavancar e oportunizar negócios. O
Ministério da Transparência, Fiscalização e Controladoria-Geral da União também reconhece,
publicamente, empresas que estabelecem programas desse tipo com o selo Pró-Ética.
O Pró-Ética é um conjunto de esforços dos setores público e privado para promover no País
um ambiente corporativo mais íntegro, ético e transparente. A iniciativa visa à adoção voluntária
de medidas de integridade pelas empresas, por meio do reconhecimento público daquelas que se
mostram comprometidas com a implementação de medidas voltadas para a prevenção, detecção e
remediação de atos de corrupção e fraude.
A seguir, apresentamos um passo a passo de como formatar um sistema de compliance efetivo:

a) Envolver a alta direção:


A liderança pelo exemplo e a disponibilidade de recursos são dois fatores essenciais nesse
processo. O tema deve ser colocado como uma das prioridades da gestão, com reflexo nas metas e
nas políticas de reconhecimento, sendo inserido no dia a dia como parte integrante do negócio. A
alta direção é também responsável por garantir que os recursos necessários à realização do
programa estejam disponíveis.

b) Entender o momento atual da empresa:


Identificar as leis e os regulamentos aplicáveis ao setor da empresa e mapear todos os riscos
do negócio.

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c) Criar uma equipe capacitada:
Criar uma função de compliance é o indicado para o cumprimento efetivo dos controles
internos adotados. Além disso, deve-se estabelecer quem serão os funcionários responsáveis por
implementar e executar o programa. Essa equipe, juntamente com a alta direção da empresa, deve
definir metas, prioridades, prazos e orçamentos.

d) Redigir um código de ética e conduta:


A empresa deve criar regras para orientar o comportamento dos colaboradores. No texto
dessas regras, deve ser utilizada uma linguagem simples e objetiva, deixando claras as expectativas
direcionadas ao comportamento dos funcionários. Esse código deve ser revisado periodicamente.

e) Criar políticas e procedimentos corporativos:


Depois de entender o momento atual da empresa e de identificar os riscos, devem ser
criados processos e canais para que os funcionários possam tirar dúvidas e denunciar possíveis
violações de conduta. O canal de denúncias ou ouvidoria é parte fundamental do sistema de
compliance e, para que seja confiável, deve ter disponibilidade, prontidão e capacidade de captar e
analisar as informações de maneira adequada.

f) Fomentar a cultura:
Desenvolver treinamentos, comunicação e programas de incentivo são ações fundamentais
para atingir os colaboradores de todos os níveis, além dos stakeholders externos, promovendo a
cultura do compliance e disseminando os objetivos e as normas aplicáveis.

g) Monitoramento e auditoria:
De maneira independente, interna ou externamente, o programa deve ser avaliado
periodicamente para que sejam desenvolvidos planos de contenção com base nas lacunas sinalizadas.

Importância da ética
Apesar de todas as regulamentações, normas, sugestões e diretrizes sobre o tema de
governança corporativa e, mais especificamente, de compliance que vimos até aqui, seria leviano
pensarmos que apenas medidas de mitigação, ferramentas e mecanismos de segurança
conseguiriam resolver os problemas apontados. O fator humano é essencial em todo esse processo:
líderes íntegros, que promovam uma cultura ética nas organizações, são os grandes vetores de
transformação.

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O conceito de ética deriva do grego ethos (caráter, maneira de ser) e constitui um conjunto
de princípios e valores morais que norteiam a conduta humana na sociedade. De maneira
simplificada, significa agir de forma apropriada e correta, conforme os bons costumes da nossa
comunidade e de outras onde temos algum interesse particular. Diferentemente das leis, a ética
está relacionada ao sentimento de justiça social.
A ética e o compliance devem caminhar lado a lado e até se sobrepor em alguns momentos. Isso
quer dizer que de nada adianta ter um excelente programa de compliance em uma empresa que não
tem funcionários éticos. É importante ter em mente que o compliance é uma realidade reativa, em que
se reage às legislações e regras vigentes. Já a ética, é apenas proativa, é uma escolha do indivíduo. No
que se refere ao programa de compliance, podemos estruturar essa iniciativa dentro da empresa
utilizando os melhores exemplos e boas práticas, e até mesmo as melhores intenções. No entanto, sem
lideres éticos as práticas serão vazias e não alcançarão os resultados esperados.

Liderança para sustentabilidade


A liderança pode ser conceituada como um processo de influência social que maximiza o
esforço dos outros na direção do atendimento de determinado objetivo ou meta. Os líderes são
capazes de transformar essa visão em realidade, que, segundo Bill Gates, fundador da Microsoft,
inclui a capacidade de empoderar outras pessoas. Os líderes ajudam a si mesmos e aos outros a
fazerem as coisas certas, guiando para um caminho pré-definido. Eles definem a direção,
constroem uma visão inspiradora e criam algo novo.

Agir com liderança é construir um mapa que mostre o


caminho a ser seguido para ser um "vencedor" como um
time ou organização.

Por muito tempo, o líder foi considerado como aquele indivíduo responsável pelos
resultados financeiros da organização. Era, portanto, visto mais como um chefe ou gerente do
que, efetivamente, como um líder. Hoje sabemos que um líder é bem mais do que isso, devendo
ser uma fonte de inspiração e motivação para os seus colaboradores, engajando esse grupo para
atuar como um time. Engajar se refere a manter os colaboradores motivados e em sintonia com os
objetivos da empresa, cientes do seu papel no atendimento dos resultados corporativos e também
do que isso representa para a sociedade como um todo.
Como falamos no decorrer deste conteúdo, inserir uma estratégia de sustentabilidade nas
organizações é um grande desafio e torna-se cada vez mais essencial no momento atual do
mercado e do planeta. As questões acerca do tema geram novas oportunidades e benefícios, como
a diferenciação competitiva no mercado e a contribuição para a humanidade. O líder tem um
papel bastante importante nesse sentido, sendo visto como um dos pilares essenciais para alcançar

80
esse sucesso. Dessa forma, deve ser um profissional que traga as discussões a respeito do tema de
maneira transversal e que inspire e lidere a sua organização em direção à competitividade e à
diferenciação, fortalecendo um modelo de gestão que alie resultados ambientais, sociais e
econômicos de maneira integrada às suas estratégias e tomadas de decisão.
Além da ética, já discutida anteriormente, outras virtudes como integridade, transparência,
responsabilidade e respeito às pessoas e ao meio ambiente formam o conjunto de características
que nos possibilita definir um líder sustentável.
Baseando-nos em alguns exemplos de práticas organizacionais e também em autores e
pesquisadores do tema como Ricardo Voltolini, autor do livro Conversas com líderes sustentáveis,
podemos listar algumas características mais específicas desses indivíduos. Vejamos:

a) Acreditar e praticar a sustentabilidade no seu dia a dia:


O líder deve “vestir a camisa” da causa e ter atitudes, dentro e fora da empresa, que
correspondam ao seu discurso. Esse é a chamada liderança pelo exemplo, por meio da qual os
líderes demonstram as suas crenças e os seus valores aos seus liderados por meio das suas atitudes.

b) Coragem:
Como já discutimos, inserir uma estratégia de sustentabilidade nem sempre é um caminho
fácil, então um líder sustentável deve ser resiliente e lidar com as divergências de forma firme,
pois, muitas vezes, para colocar em prática as suas ideias, terá de “remar contra a maré”.

c) Sinergia:
É essencial construir uma relação sinérgica entre as pessoas, as ideias e os recursos
disponíveis para desenvolver uma estratégia eficaz, que atenda às necessidades de todos os atores
dentro de uma organização.

d) Inovatividade:
A inovação é o grande vetor da transformação em sustentabilidade. Dessa forma, o líder
deve estar atento aos grandes temas globais e impactos, e colocar esses desafios no centro da sua
estratégia como uma oportunidade de inovar e colaborar com a sociedade.

e) Visão sistêmica:
Enxergar a empresa como um ecossistema é importante para observar a relação de
interdependência das ações e atitudes da empresa em relação com todo o ambiente em que ela
está inserida.

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f) “Preparação do terreno”:
Um líder cria um espaço fértil dentro da empresa para que outras pessoas também se
tornem lideres sustentáveis. São criadas condições, políticas e iniciativas para o surgimento desses
novos indivíduos, que entregam valores em forma de resultados.

g) Vontade:
Um líder tem como característica adicional o desejo de tornar o mundo um lugar melhor
para se viver, buscando deixar um legado para a sociedade.

Tipos de líder
Outro grande pesquisador na temática, o sul africano Wayne Wisser, categorizou quatro tipos
de líder sustentável, definindo-os como agentes de transformação dentro das empresas. Vejamos:

a) Especialista:
O líder especialista atua de maneira mais racional e procura especializar-se na temática para
sentir-se mais seguro ao tomar as atitudes necessárias para a gestão. Enxerga possibilidades de
inovação tecnológica na busca de soluções para os desafios de sustentabilidade, utilizando o
conhecimento como principal ferramenta.

b) Facilitador:
O líder facilitador busca empoderar o time para atitudes mais sustentáveis, criando uma
cultura favorável para isso. Tem o foco em uma gestão mais harmonizadora, unindo os fatores
humanos e técnicos no ambiente de trabalho.

c) Catalisador:
O líder catalisador tem um perfil mais visionário e atento às tendências, ciente de que a
sustentabilidade é o único caminho para a empresa prosperar. Como o próprio nome já diz, é
um catalisador de habilidades, gerindo times de diferentes habilidades que congregam um
perfil sustentável.

d) Ativista:
O líder ativista é, muitas vezes, considerado o “eco-chato” dentro das organizações. No
entanto é um líder que procura contribuir, de maneira genuína, não só para a empresa, mas
também para o planeta e a sociedade. Move-se pela paixão e por um propósito sustentável,
promovendo uma gestão mais colaborativa.

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No quadro a seguir, podemos ver um resumo das características de cada um dos tipos de líder.

Quadro 4 – Inserir título

especialista facilitador catalizador ativista

 especialização;  generalista;  visionários;  contribuição


 inovação;  trabalho em equipe;  ousados; genuína ao
 racionalidade e  empoderamento de  gestores e planeta;
 busca de soluções. pessoas e  catalisam  propósito;
 cria um ambiente diferentes  paixão e
favorável. habilidades.  colaboração.

Fonte: Adaptado da obra de Wayne Wisser (2008).

É importante observarmos que os líderes congregam habilidades de todos os perfis, e é isso


que constrói um modelo de gestão eficaz baseado na sustentabilidade.

Impactos positivos da liderança para a sustentabilidade


A liderança para sustentabilidade, baseada no conceito de triple bottom line, abrange uma
visão de mundo global, que reconhece a conexão entre o planeta e a humanidade. Dessa forma,
por meio de escolhas pessoais e organizacionais, produz mudanças ambientais e sociais positivas.
Empresas que assumem esse papel tornam-se fonte de inspiração e movimentam o mercado
em direção a um outro patamar, criando um efeito cascata de práticas organizacionais que se
voltam para o bem comum. A formação de lideranças para a sustentabilidade e a inserção desses
profissionais nas organizações são parte fundamental de todo esse processo.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em tempos de globalização, em que o nosso cotidiano é atingido por uma avalanche de


informações, reviravoltas políticas, crises humanitárias, mudanças econômicas, desastres naturais e
novas tecnologias constituem um turbilhão de notícias que acabam por criar um senso de
urgência que permeia toda a sociedade. Nesse sentido, os Objetivos do Desenvolvimento
Sustentável ressaltam a necessidade da promoção do progresso inclusivo, igualitário e baseado
tanto nos direitos humanos quanto no desenvolvimento sustentável.
Considerando esse contexto, buscamos apresentar, nesta apostila, um material útil para os
profissionais que desejam guiar uma gestão sustentável e responsável. Para tanto, abordamos todo
o processo evolucional dos conceitos relacionados ao tema, visando expor os grandes marcos
ambientais e de responsabilidade social, bem como a forma como essa agenda vem sendo inserida
na realidade empresarial. Apresentando também práticas que auxiliam a gerir organizações mais
sustentáveis, como o Sistema de Gestão Ambiental, que colabora para a redução de custos e riscos
ambientais. Nesse sentido, vimos que novas perspectivas baseadas na ecoeficiência e em técnicas
que levam em consideração o ciclo de vida dos produtos despontam como um caminho a ser
seguido. Falamos ainda sobre a importância de as empresas conhecerem e atuarem junto às suas
partes interessadas, criando um ambiente colaborativo e sinérgico. Por fim, discutimos os novos
paradigmas da sustentabilidade, a fim de ampliar o entendimento dos líderes quanto às novas
tendências globais.
Depois de percorrer esse longo caminho, podemos concluir que a educação para o
desenvolvimento sustentável e as práticas de gestão baseadas nos princípios de sustentabilidade são a
ponte para estilos de vida sustentáveis e para o alcance de outros fatores fundamentais, como os
direitos humanos, a igualdade de gênero, a promoção de uma cultura de paz e não violência, a
cidadania global, a valorização da diversidade cultural e a preservação do meio ambiente. Que todos
nós, professores, líderes, gestores, empreendedores e sociedade, estejamos cada vez mais engajados
com esse propósito e possamos contribuir para a evolução pacífica e próspera do planeta.
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PROFESSORES-AUTORES
Norman de Paula Arruda Filho é doutor em Gestão
Empresarial Aplicada, pelo Instituto Superior de Ciências do Trabalho
e da Empresa (ISCTE), Portugal. Atualmente, é presidente do
Instituto Superior de Administração e Economia – ISAE, conveniado
à Fundação Getulio Vargas, professor do mestrado em Governança e
Sustentabilidade, do ISAE/FGV, e coordenador do Comitê de
Sustentabilidade Empresarial da Associação Comercial do Paraná
(ACP).
Parceiro dos projetos educacionais da ONU, atua como
presidente do Capítulo Latino-americano e Caribenho do PRME,
integra o PRME Champions Group – grupo das 30 escolas de negócio
do mundo mais atuantes do PRME – e é membro do Comitê Brasileiro do Pacto Global.
Um entusiasta da educação executiva responsável no Brasil, integrou o grupo que criou os
Princípios para Educação Empresarial Responsável (PRME) da ONU, diretrizes que desde 2007
norteiam a gestão de mais de 500 Escolas de Negócio do mundo todo, incluindo o ISAE.
Atualmente, integra o restrito grupo de Conselheiros do PRME.
Em 2019, foi eleito Membro da Academia Brasileira de Ciência da Administração. Em
2020, foi premiado como “Educador de Gestão Responsável do Ano” pelo CEEMAN
Champions Award.

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Gustavo Fructuozo Loiola é mestre em Sustentabilidade e
governança corporativa pelo Isae/FGV, especialista em Administração e
negócios internacionais pela Uninter e graduado em Publicidade e
propaganda pela Universidade Federal do Paraná. Sempre valorizou as
experiências internacionais como parte da sua formação, tendo
especialização em Inovação e Empreendedorismo, pela Universidade da
Califórnia (USA), Gerenciamento de Projetos, pela George Washington
University (USA), além de imersões em Smart Cities, na cidade de
Nantes, na França, e Negócios para a Base da Pirâmide, pela
Universidade de Externado da Colômbia.
Na sua trajetória profissional, trabalhou com comunicação e marketing em agências de
publicidade e na área interna de empresas como Correios, Aliança Empreendedora e Ashoka. Por
alguns anos, esteve também envolvido no trabalho com o terceiro setor e o desenvolvimento social
no Brasil e na América Latina.
Na área de educação, atuou na gestão de marketing de instituições de ensino presenciais e a
distância, desenvolvendo estratégias de captação e retenção de alunos, e como consultor em
empresas de educação internacional que auxiliam estudantes a buscarem oportunidades de
desenvolvimento fora do Brasil. Desde 2014, como colaborador do Instituto Superior de
Administração e Economia da Fundação Getulio Vargas (Isae/FGV), está envolvido com projetos
de expansão internacional, desenvolvimento de startups e novos negócios, e coordena a área de
Sustentabilidade da instituição, responsável pela relação com programas e parcerias internacionais
das Nações Unidas como os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, o PRME e o Pacto
Global.

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