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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ

INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS


FACULDADE DE HISTÓRIA

Larissa Maia Machado

“CHEGUEI AO FIM DA VIDA”: A MÍDIA E AS REPRESENTAÇÕES DO SUICÍDIO


EM BELÉM NOS ANOS DE 1940 A 1950.

BELÉM/ PA
2019
Larissa Maia Machado

“CHEGUEI AO FIM DA VIDA”: A MÍDIA E AS REPRESENTAÇÕES DO SUICÍDIO EM


BELÉM NOS ANOS DE 1940 A 1950.

Trabalho de conclusão de curso (TCC) apresentado à


faculdade de história como requisito obrigatório para a
conclusão do curso de licenciatura em História.

Orientadora: Profª Dra. Cristina Donza Cancela.

Belém/PA
2019
Larissa Maia Machado

“CHEGUEI AO FIM DA VIDA”: A MÍDIA E AS REPRESENTAÇÕES DO SUICÍDIO EM


BELÉM NOS ANOS DE 1940 A 1950.
.

Trabalho de conclusão de curso (TCC) apresentado à


faculdade de história como requisito obrigatório para a
conclusão do curso de licenciatura em História.

Aprovado em: __/__/___

Banca examinadora:

Prof.ª Dra. Cristina Donza Cancela


(Orientadora)

Prof. Dra. Franciane Gama Lacerda

BELÉM/ PA
2019
AGRADECIMENTOS

Agradeço muito a minha madrinha por ter me proporcionado espaço e apoio para
continuar na graduação, foi de extrema importância ter várias possibilidades nos obstáculos a
seguir. Ao meu namorado, Fábio, que do inicio, no meio e nessa etapa final da academia estava
e está sempre comigo, me ajudando, aguentando minhas crises, me fazendo superar todos os
transtornos emocionais que vieram com essa carga de estudos, só tenho a agradecer por sua
presença e ajuda mutua.
Aos meus amigos eternos, que foram imensuráveis dentro da academia, começamos o
curso juntos, mas alguns problemas impossibilitaram de trilhar esse caminho dessa forma, no
entanto, isso não nos impediu de ajudarmos uns aos outros e por causa deles pude dar vários
passos adiante, Keila e Dani, muito obrigada. Aos meus amigos da faculdade Larissa e Gabi,
por momentos descontraídos, amizade incondicional e companheirismo, por me ensinar muito
sobre a vida e sobre minhas próprias convicções. As minhas amigas de curso para a vida além
da faculdade, Leidi e Cris, que nos momentos mais difíceis, nas questões mais maçantes,
estávamos juntas superando isso. Meus amigos para além da vida academicista, Augusto e
Jenny. Aos meus familiares, minha mãe, meu pai, minha irmã, sobretudo ao meu irmãozinho
Lucas. As minhas filhas Megg, minha gatinha manhosa e Julieta, minha cadelinha carente.
Um agradecimento especial ao RPG e a galera que o compõe que fez meus fins de
semana mais tranquilos e divertidos, impedindo possíveis surtos por estresse. Dos mangás que
pude ler durante esse período, as fanfics que escrevi, as leituras de livros agradáveis que
aumentaram minha percepção de mundo. Ao Andrei Bastos que me ajudou nesse sentindo, com
conversas marcantes e descompromissadas.
Minha total gratidão à professora Carol por aflorar minhas perspectivas, sobretudo no
que se trata do ensino básico, mostrando o quanto ser feminista dentro de uma faculdade
machista é crucial e lutar por seus direitos tem importância política fundamental. A minha
orientadora Profª Cristina Cancela, que com muita paciência me fez finalmente chegar ao fim
da minha monografia, muito grata. Ao professor Otaviano por me ajudar com a escolha de tema
e a finalização do meu primeiro capítulo. A professora Nana por me dar oportunidade de
ingressar no PIBID me fazendo ter certeza de que a docência era meu desejo.
Por fim, agradeço ao CENTUR por disponibilizar seu acervo de jornal para que o
trabalho pudesse ser encaminhado. A Hemeroteca digital pelo mesmo proposito e ao CMA, a
paciência e dedicação dos bolsistas por acharem os documentos nos inativos, me cedendo mais
fontes sobre os casos de suicídio. A faculdade e ao laboratório de história por me darem o
espaço e assistência necessária nesses anos de graduação.
RESUMO:

Este trabalho apresenta uma análise acerca dos casos de suicídio que apareciam em processos
na década de 1940 a 1950 na capital paraense, os quais eram muitas vezes noticiados pelos
jornais Folha do Norte e O Liberal. O objetivo é mostrar que a mídia tinha uma visão
particular sobre a questão do suicídio, essas tragédias que se transformavam em contos por meio
das folhas das prensas diárias. Dia 10 de setembro de 1940 é promulgada a nova Constituição
do Brasil, a qual abrange o suicídio, tendo como base a indução, o que trás mudanças na
mentalidade não mais religiosa. A proposta é olhar o suicídio por meio da lente do estudo de
gênero, encarando suas diferentes representações nos jornais e nos processos. O âmbito
feminino era habitado pela perspectiva de que mulheres apenas morriam por paixões, por
violações da integridade do corpo, como a perda da virgindade diante da sociedade patriarcal
que prezava a mocidade. Quando falamos sobre a masculinidade e o suicídio, temos que ter em
mente o fato do papel masculino diante da sociedade, a importância da honra, a importância da
posse dos corpos femininos pelos homens que em seu papel social precisavam exercer sua
dominância. Para isso, foram utilizados os jornais belenenses Folha do Norte e O Liberal,
além dos documentos processuais sobre o suicídio, sendo feito o estudo dos casos. Como
resultado, podemos notar as diferentes formas de suicídio, diferenciado por gênero, a qual
mulheres eram representadas por seus papeis femininos impostos e os homens pela
masculinidade compulsiva da sociedade. O trabalho contribui para uma pesquisa de gênero nas
décadas de 1940-1950 em Belém.

Palavras-chaves: Suicídio. Estudo de gênero. Mídia. Século XX.


RESUMEN:

Este trabajo presenta un análisis acerca de los casos de suicidio que aparecían en procesos en
la década de 1940 a 1950 en la capital paraense, los cuales eran muchas veces noticiados por
los periódicos Folha do Norte y el Liberal. El objetivo es mostrar que los medios tenían una
visión particular sobre la cuestión del suicidio, esas tragedias que se transformaban en cuentos
por medio de las hojas de las prensas diarias. El día 10 de septiembre de 1940 se promulga la
nueva Constitución de Brasil, la cual abarca el suicidio, teniendo como base la inducción, lo
que traslada cambios en la mentalidad no más religiosa. La propuesta es mirar el suicidio por
medio de la lente del estudio de género, encarando sus diferentes representaciones en los
periódicos y en los procesos. El ámbito femenino estaba habitado por la perspectiva de que las
mujeres sólo morían por pasiones, por violaciones de la integridad del cuerpo, como la pérdida
de la virginidad ante la sociedad patriarcal que prezaba la juventud. Cuando hablamos sobre la
masculinidad y el suicidio, tenemos que tener en mente el hecho del papel masculino ante la
sociedad, la importancia del honor, la importancia de la posesión de los cuerpos femeninos por
los hombres que en su papel social necesitaban ejercer su dominación. Para ello, se utilizaron
los periódicos belenenses Folha do Norte y O Liberal, además de los documentos procesales
sobre el suicidio, siendo hecho el estudio de los casos. Como resultado, podemos notar las
diferentes formas de suicidio, diferenciado por género, a la que las mujeres eran representadas
por sus papeles femeninos impuestos y los hombres por la masculinidad compulsiva de la
sociedad. El trabajo contribuye a una investigación de género en las décadas de 1940-1950 en
Belém.

Palabras claves: Suicidio. Estudio de género. Los medios de comunicación. Siglo XX.
ÍNDICE DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1: Novo caso de envenenamento – a tresloucada era uma jovem cobradora da viação ‘pina’ . 16

Figura 2: Suicidou-se pela manhã de hoje o Mundo Social conhecido médico Aluizio Fonseca, 14 de
maior de 1951, O Liberal ..................................................................................................................... 20
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 10

1. O SUICÍDIO ..................................................................................................................... 13

1.1 O suicídio visto através dos “olhos” da imprensa Belenense ......................................... 13

1.2 A criminalização do autocídio e o discurso jurídico ....................................................... 21

2. SUICÍDIO: MULHER NA DÉCADA DE 40-50 ............................................................. 28

2.1 Representações das motivações que levaram a mulher ao autocídio .............................. 28

2.2 O papel feminino: mulheres, trabalho e suicídio. ........................................................... 35

3. O SUICÍDIO MASCULINO ................................................................................................ 41

3.1 Entre o amor e a honra: Representações do suicídio masculino na mídia e nos processos
.............................................................................................................................................. 41

3.2. – Trabalho, sexualidade e o peso da morte .................................................................... 46

CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................... 53

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................................................... 55


10

INTRODUÇÃO

O PIBID (Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência) foi marco chave


para escolher trilhar o caminho da licenciatura dentro da Universidade Federal do Pará, visto
que a bolsa durou de 2014 a 2017. Nessa gama de propostas acadêmicas no ensino básico, tive
grande oportunidade de me deparar com o estudo de gênero. De lecionar aula sobre a Segunda
Guerra Mundial com enfoque nas mulheres e seus papeis e participações referentes à guerra,
dando-lhes voz e protagonismo necessário em uma turma do terceiro ano. Porém, o que me fez
escolher o tema de suicídio foi pesquisar no CENTUR, especificamente os jornais da década
de 1940-1950, procurando por notícias de mulheres trabalhadoras. O que chamou a atenção
nessa busca foi encontrar dois suicídios femininos, antes a ideia seria apenas explorar como
essas mulheres eram representadas pelos jornais e documentos, no entanto, decidi abranger mais
o trabalho com a ajuda dos meus orientadores, abordando as motivações masculinas, visto que
o tema era pouco explorado, principalmente aqui na região Norte.
Poder dar visibilidade ao suicídio em Belém, sobretudo as representações desses
homens e dessas mulheres tem fundamental importância em uma historiografia ainda recente
cujos trabalhos não abordam esse período estudado, principalmente para compreendermos o
estudo de gênero em uma perspectiva diferente da que é feita normalmente, abordando uma
história social pouco presente em análises historiográficas.
O Suicídio como foco historiográfico vem sendo estudado de maneira recente, um dos
primeiros grandes trabalhos sobre o tema, utilizado como referência em outros textos e
pesquisas acerca do suicídio é o “Suicídio e Saber médico: estratégias históricas de domínio,
controle e intervenção no Brasil do século XIX” de Fábio Henrique Lopes, 2008, o qual será
abordado nesse trabalho. Também foi utilizado Kety Carla de March com seu artigo “Hoje eu
resolvi deixar o Mundo: narrativas de suicídio em Guarapuava-PR nos anos 1950”, o qual é
muito bem construído acerca das condutas suicidas, cartas e os papeis femininos e masculinos
pautados no autocídio.

O estudo de gênero tem fundamental importância para história social, sobretudo com
a colaboração efetiva de várias autoras e autores abordando sobre a temática, como Carla Pinsky
coloca em Gênero e história social, principalmente quando tratamos de uma história que dá
11

maior enfoque aos homens brancos ocidentais. Esse estudo prioriza o feminino e o masculino,
fazendo um balanço de representações através das duas condições mediante ao período
abordado, as fontes e documentações, diante da sociedade, mostrando a importância de fornecer
agencia e protagonismo as mulheres, que por muito tempo tem sua história negligenciada e
silenciada. Dessa forma, o trabalho tem como objetivo analisar, pela perspectiva histórica
social, o autocídio em mulheres e homens nas décadas de 1940 e 1950.
Por ser um tema recente, não se tem quase nenhum estudo sobre suicídio no período
da década de 1940 e 1950 na Amazônia, o objetivo do trabalho vem para trazer o foco para a
região. O fato de ter escolhido esse recorte temporal tem a ver com as mudanças de
mentalidades na sociedade, sobre o que é ser homem e mulher, influenciada de certa forma pelo
fim da Segunda Guerra Mundial, principalmente quando falamos sobre a questão do trabalho,
além disso, nesse espaço de tempo não há trabalhos sobre suicídio em Belém, ou seja, é de
extrema importância que seja feito e visto como esse suicídio era pensado e lido nessas décadas,
sobretudo com as novas vivencias. As mulheres saindo do âmbito doméstico para ir às fábricas,
aos trabalhos informais. Os homens tendo a masculinidade colocada em pauta, tendo sua esfera
pública invadida pelo feminino.
O suicídio acontecia e ainda acontece tanto com homens quanto com mulheres, apesar
disso, é pouco estudado pela historiografia. O que venho fazer nesse trabalho não é dizer a causa
do autocídio ou como muitos autores chamam: morte voluntária, contudo, perceber as várias
representações dessas pessoas, ler suas cartas, analisar como são colocadas em evidência nos
jornais, nos processos, seja através da escrita de uma notícia ou por meio de testemunhas ou
das palavras da própria vítima.
O objetivo é mostrar essas representações por meio do estudo de gênero, sua relevância
e importância através dos agentes que ganham protagonismo pela escrita de uma micro história
feita na década de 1940-1950, em Belém, utilizando jornais (Folha do Norte e O Liberal) e
documentos encontrados no CENTUR, Hemeroteca digital e Centro de memória da Amazônia
(CMA).
A monografia está dividia em três partes, o primeiro capitulo trata sobre a questão
midiática e jurídica. Como a mídia representava e pensava no suicídio através de suas notícias
quase como formato de folhetim ou romance, retratando os atos de suicídio como tragédia,
como atos de loucura levados por diferentes motivações. No segundo tópico do primeiro
12

capítulo, temos em foco a questão jurídica, analisando o caso de João dos Santos1, acusado por
indução de suicídio, que constava na recente Constituição de 1940, passando a uma nova
mentalidade, saindo do âmbito religioso, cujo pecado condenava a alma do suicida, do âmbito
médico que explanava possíveis motivos biológicos para o suicídio, até ser finalmente pensado
em termos judiciais.
O segundo capítulo vai mostrar as mulheres e suas representações através dos
documentos e jornais, supostamente morrendo por paixões e romance. Será demonstrado a
importância da virgindade, do casamento e do romance para essas mulheres, nesse período,
principalmente como isso era mostrado na mídia. Mesmo quando o motivo não era exatamente
um romance rompido, a vítima de autocídio tinha que deixar claro para que sua vida não fosse
resumida a um ato de amor falho, pois a mulher era descrita nesse momento pela fraqueza
emocional, por suas condutas morais no que se refere ao próprio corpo. Na segunda parte do
segundo capítulo, pretendo dar enfoque na mulher no mundo do trabalho, como isso poderia
ser mostrado através dessas fontes ou o que isso representava nesse período, sobretudo quando
se tem a mentalidade de que o papel feminino estava no lar.
O último capitulo foca no suicídio masculino, mostrando que os homens muitas vezes
tinham motivações de honra e de posse. O suicídio masculino era ligado por representações
morais ou quando se tinha o abandono do seu “objeto de devoção”, no caso, a sua amada,
perdendo a posse pelo corpo do outro ou como esse homem era visto diante da sociedade, suas
representações morais nos jornais e documentos, que especulavam motivações para o ato de
autocídio. No segundo tópico do terceiro capítulo, explorarei a sexualidade, a questão do
trabalho, da esfera pública e da doença, no que esses elementos implicavam para a formação de
um papel masculino diante da sociedade de 1940-1950. Sempre tendo em mente o diálogo com
a sociedade e como esses agentes eram colocados nesse âmbito social e cultural através dos
documentos e jornais.

1
DOCUMENTO DO CENTRO DE MEMÓRIA DA AMAZÔNIA – CMA – 5ª vara penal – Suicídio (1935/1940-
1941/1943); processo João dos Santos (1940).
13

1. O SUICÍDIO

1.1 O suicídio visto através dos “olhos” da imprensa Belenense

O autocídio2 é algo sintomático de várias sociedades, sendo vislumbrado em vários


tempos, de várias formas diferentes, mesmo que através da literatura ou documentação, como
processos, ou notícias de jornais. O suicídio faz parte de algumas populações, no entanto, a
forma como é visto, lido ou presenciado diferiu socialmente, em épocas diferentes e momentos
históricos diferentes. Por isso, pretendo analisar nesse tópico, como a mídia belenense de 1940-
1950 percebia o suicídio. A retratação dessa “tragédia”, na maioria das notícias, era posta de
forma romantizada pelos veículos de informação de Belém.
Para realizar a análise irei utilizar o jornal Folha do Norte de 1896-1974, “tendo como
objetivo principal lutar pelo desenvolvimento político e social da região combatendo a política
3
de Antônio Lemos.” E o jornal O Liberal que inicia no ano de 1946, circulando até hoje,
fundado por Luis Geolás de Moura Carvalho, e “saia com o objetivo de fazer frente ao jornal
‘Folha do Norte’4. Ambos são jornais de importância, principalmente quando falamos sobre
Belém, pois tinham grande circulação diária e tiragem.
Com o título: “O narcisismo, suas consequências e a escola Freudiana”, o jornal O
Liberal faz referência em sua manchete ao contexto da psicanálise vivido na década de 50,
citando Freud5. Diz à matéria que: “O suicídio não nasce momentaneamente, surge, assim, um
ato impulsivo que prendendo a própria personalidade sem causa apreciável”6, não pretendo
analisar a psicanálise nesse trabalho, contudo, mostrar que havia discussões sobre essa questão
por parte do Folha do Norte e d’OLiberal. Por isso irei pensar o autocídio na década de 1940-
1950 em Belém, tendo em vista uma abordagem histórica. No trecho citado podemos notar a

2
Substantivo masculino. Suicídio. Etimologia (origem da palavra autocídio). Auto + cídio. Fonte: Dicio,
Dicionário Online de Português. Disponível em: < https://www.dicio.com.br>. Acesso em: 25 de setembro de
2018.
3
Biblioteca Pública do Pará. Jornais Paraoaras – Catálogos. Belém: Secretária de Estado de Cultura. Desportos e
Turismo, 1985. Pág. 154 -155.
4
Biblioteca Pública do Pará. Jornais Paraoaras – Catálogos. Belém: Secretária de Estado de Cultura. Desportos e
Turismo, 1985. Pág. 271 -273
5
Sigmund é considerado o grande nome da psicanálise de todos os tempos. Ele foi o responsável pela revolução
no estudo da mente humana.
6
Trecho retirado do jornal O liberal - Sexta feira 19 de outubro de 1951 (tese do Freud que aborda o suicídio) –
Encontrado na Hemeroteca digital.
14

importância de falar sobre o suicídio, perceber que estava em análise e em pauta desde o século
XVIII como discursão aberta à psicanalise e ao saber médico7.
A década de 1920 a 1930 foi fundamental para colaborar em novas percepções no que
se refere a mentalidade belenense, principalmente quando se trata da industrialização ocorrida
nesse período.8 Não podemos esquecer que nesse momento Belém ainda está vivendo o declínio
da borracha, dos seus monumentos, passando pela reestruturação e reurbanização, que ocorria
em meio a crise do abastecimento de água, principalmente devido ao aumento populacional
(CHAVES, 2016, p. 81-82). A bela época tinha sido um marco para a cidade, esse tempo deixou
seus patrimônios, mas as mentalidades foram modificando e podemos ver isso por meio dos
“olhos” da imprensa e suas representações de realidades distintas, os jornais se comportavam
de forma diferenciada, disputando espaço nesse novo cenário da capital paraense.
O jornal Folha do Norte9 e O Liberal10 foram periódicos que estavam presentes no
cotidiano dos belenenses, as notícias vinculadas traziam novidades ligadas ao cotidiano comum
da cidade, à política, à economia paraense que normalmente é abordada nesses veículos de
circulação. Contudo, há algo mais sintomático que poderemos perceber ao passar pelas folhas
do jornal diário, que são as notícias de autocídio ligadas a população paraense. A mídia tinha a
própria forma de perceber as questões como o autocídio, a forma particular representativa sobre
cada caso.
Nas prensas diárias o suicídio poderia ser o conteúdo favorito, apesar da sua
espetacularização quando se trata de noticiários, o mesmo se tornou fomentação do drama
cotidiano da cidade (CARVALHO, 2012, p. 11). A exemplo disso temos a matéria sobre o caso
de Enzo Gusmão, 43 anos, branco, paraense, cujo título da notícia mostra a representação do

7
No livro Suicídio e saber médico: estratégias históricas de domínio, controle e intervenção no Brasil do século
XIX do doutor Fábio Henrique Lopes, faz uma ampla discussão sobre a questão do que era o suicídio no século
XVIII e como a medicina foi se ampliando na discussão, que iremos abordar apenas nos próximos capítulos.
8
Dentre as novas classes sociais surgidas no processo de produção fabril, os trabalhadores constituem uma das
dimensões importantes do processo produtivo e de novas relações sociais e culturais, isso porque o espaço fabril
se coloca como marco organizatório e disciplinador de uma nova modalidade de trabalho, de formação técnica
desse setor social e de relações econômicas e sociais de trabalho. (MOURÃO, 2017, p. 11)
9
Entrou em circulação em 1896 até 1974. Jornal de circulação diária, independente, noticioso, politico e literário,
fundado por Enéas Martins. Em 27 de junho de 1973, Romulo Maiorana adquire o jornal, dando nova estrutura e
feição jornalística, permitindo que circulasse por mais um ano, para em seguida, em 1974, tira-lo de circulação.
Fonte: Biblioteca Pública do Pará. Jornais Paraoaras – Catálogos. Belém: Secretária de Estado de Cultura.
Desportos e Turismo, 1985. Pág. 154 -155.
10
Entrou em circulação em 1946, se mantendo até hoje. Em 20 de maio de 1950, em meio a acirrada campanha
política entre os partidários de Barata e os oposicionistas, que apoiavam Zacarias de Assumpção, um dos redatores,
Paulo Eleutério Filho, foi assassinado pelo capitão Humberto e Vasconcelos dentro da redação. Fonte: Biblioteca
Pública do Pará. Jornais Paraoaras – Catálogos. Belém: Secretária de Estado de Cultura. Desportos e Turismo,
1985. Pág. 271 -273.
15

suicídio: “ENFIM, MORTO! – As duas e cincoenta da madrugada de hoje, faleceu, no hospital


da Santa casa, o Dr. Enzo Gusmão”11. O médico teve sua “morte voluntária” exposta pelo jornal
Folha do Norte, a matéria estava em caixa alta, mostrando que existia a preocupação para que
as pessoas lessem, prestassem atenção necessária, chamando o leitor para especular sobre o
ocorrido, sem saber o que teria levado Enzo a cometer suicídio. Segundo CARVALHO:

As notícias sobre os atos suicidas, ocorridos na Belém da época, transformavam-se


em relatos do extraordinário, marcados por um profundo sentido moralizante, em que
os valores da época eram expressos para indicar ao leitor o limite entre o certo e o
errado (CARVALHO, 2012, p. 12).

“Um noivado desfeito e uma bala no coração.”, conta o jornal Folha do Norte de 1940,
sobre o caso de Saturnino de Jesus, preto, ‘bahiano’, solteiro, de 21 anos, residente à travessa
Campos Salles, n.150 12. Segundo a notícia, Saturnino teria se matado depois de sua namorada,
Jacyra Nery ‘synpathica e grácil senhorinha’, romper com o jovem, apesar da notícia expor o
tiro no coração, o soldado atirou no próprio rosto após passado dias do término. Ainda de acordo
com a notícia, aparentemente a moça não o queria mais, porém, o jornal descreve seu romance
como ‘bonito, com sinistros alvos de profunda agonia’. Quase relatando um romance pitoresco,
a matéria da Folha do Norte publica uma narrativa da morte de Saturnino explorando-a de
forma trágica passando a imagem de um livro de contos13.
A forma que as mídias belenenses veem o suicídio passa muito por sua romantização,
por suas paixões14, mesmo que nem sempre o suicida tenha morrido por causa de algum vínculo
romântico. Desse modo, a tendência dos jornais de Belém é de “espetacularizar”15 a notícia da
morte desses indivíduos.

11
Trecho retirado do Folha do Norte - 2 de dezembro de 1940 – Enzo Gusmão - Encontrado nos arquivos do
CENTUR.
12
Trecho retirado do Folha do Norte – 12 de dezembro de 1940 – Saturnino de Jesus. - Encontrado no arquivo
do CENTUR
13
Tanto a imprensa como a literatura narravam e divulgavam vários tipos de suicídio. Apresentavam a seus leitores
as histórias de homens e mulheres que se matavam em situações diversas, indicando os mais diferentes meios
utilizados. Multiplicavam, dessa maneira, as possibilidades de ele vir a ocorrer. (LOPES, 2008, p. 158)
14
Segundos trabalhos recentes, como o dicionário Aurélio, paixão é um sentimento ou emoção levados a um alto
grau de intensidade, sobrepondo-se à lucidez e à razão; amor ardente; inclinação afetiva e sensual intensa; afeto
dominador e cego; obsessão; entusiasmo muito vivo por alguma coisa; atividade, hábito ou vício dominador;
desgosto, mágoa e sofrimento; arrebatamento, cólera ou disposição contrária ou favorável a alguma coisa, e que
ultrapassa os limites da lógica. Fonte: (LOPES, 2008, 103)
15
O espetáculo antecede historicamente em muito o surgimento da mídia, em sua conformação contemporânea de
aparato sóciotecnológico de comunicação, acontecido de modo substantivo em meados do século XIX. Antes da
existência de uma sociedade ambientada pela mídia, o espetáculo tinha sua produção associada quase sempre à
política e/ou à religião. (RUBIM, 2003, p. 12)
16

“Pôs termo à vida – um jovem de 20 anos – ignorados os motivos que o levaram a esse
gesto extranho”. Julio Ferreira Queiroz, 20 anos16, cometeu autocídio por motivos que o jornal
O Liberal de 1947 ignora, pois, o importante, aparentemente, era colocar Júlio como notícia,
tendo em vista que o rapaz cometeu suicídio após ser despedido da “casa Gambela”, contudo,
não há especulação sobre sua morte, apenas uma amostra do que foi esse suicídio sem grandes
informações. Sobre essa questão, CARVALHO argumenta que:

Observa-se que as notícias sobre as ocorrências de suicídio não se tratavam de


descrições frias e diretas dos fatos ocorridos – como hoje se pretende atribuir ao
discurso e à técnica jornalística. Eram, na sua maioria, narrativas carregadas de efeitos
melodramáticos e de tons coloquiais – que garantiam a sua fácil compreensão e rápida
leitura –, mas marcadas por um fundo moralizante. Algumas dessas notícias assumiam
mesmo a estrutura de fábulas. (CARVALHO, 2012, p. 14).

Quando falamos das notícias que estão tratando do suicídio, é possível notar
claramente uma narrativa, possivelmente, pitoresca, quase em forma de fábulas. Para atrair o
leitor e o espectador ter interesse, é escrita uma crônica que não pode ser fria e sem significados.
É necessário despertar para a leitura, quase como uma abordagem literária para promover uma
história apaixonada, no caso do suicídio, com final trágico, CARVALHO (2012).
FiguraNa1:seguinte
Novo caso de do
notícia envenenamento
jornal: – a tresloucada era uma jovem cobradora
da viação ‘pina’

Fonte: Hemeroteca Digital Brasileira, O Liberal – 2 de setembro de 1947

16
Trecho retirado do jornal O Liberal – 16 de setembro de 1947 – Julio Ferreira Queiroz – Encontrado nos acervos
do CENTUR.
17

Na figura 1 vemos a notícia de Domingas de Oliveira17, branca, cobradora, que morreu


em 2 de setembro de 1947, tem que deixar claro que não estava morrendo por amor, a mulher
deixa um bilhete para mãe afirmando que seu suicídio nada tem a ver com o romance, inclusive
pede a irmã que deixe uma foto com seu namorado. Apesar de ser lida como louca pelo jornal,
a ‘jovem’ tenta deixar claro que seu intento não teve reverberação amorosa.
A narrativa do jornal tem como intuito transmitir uma determinada mensagem, porém,
muitas vezes ela ocorre de maneira sensacionalista18. Colocar a notícia em destaque sobre o
envenenamento de Domingas pode ter esse fim, de chocar, de buscar interesse do público. Os
textos às vezes lembram os folhetins, quase como fábula contando a notícia da morte de um
determinado indivíduo.

Não de outro modo, percebe-se o grau de pormenorização com que se revestiam as


notícias sobre práticas de suicídio, principalmente quanto aos que seriam os últimos
momentos de vida do suicida. Estratégia narrativa acabou por dar a essas notícias
interessante tom ficcional, principalmente quando o ato era praticado, na maioria das
vezes, sem a presença declarada de testemunhas. (CARVALHO, 2012, p. 16).

O suicídio é um problema social, mesmo visto sob a análise do jornal, é notório


perceber como esse veículo midiático representa esse suicídio, e os motivos destacados pelo
jornal para o seu público. Fosse à crônica jornalística, fosse à fala das testemunhas, a paixão
era apontada como a possível motivação das pessoas cometerem suicídio, que também está
ligado ao fator social, além da sociedade que estes indivíduos estão inseridos. Vale lembrar que
já que nem sempre há cartas de suicídio (MARCH, 2017, p. 77-78), o relato das testemunhas
constitui-se em fonte privilegiada para conhecer o universo das pessoas envolvidas no ato de
suicídio.

Mais do que uma auto violência, entendemos aqui o suicídio como um fenômeno
associado diretamente a aspectos sociais e a tempos e espaços específicos que o
promovem e
regulam. (...). As vidas e mortes relatadas nesses inquéritos falam de
existências de sujeitos comuns que decidiram, por variados motivos, dar fim a própria
vida. (MARCH, 2017, p. 79).

17
O Liberal – 2 de setembro de 1947 – Domingas Oliveira. Encontrado na Hemeroteca digital.
18
Por outro lado, as notícias, que levavam ao conhecimento público os casos de suicídios, exploravam o
sensacional não apenas pelo tema escolhido, mas pelas formas e pelos recursos narrativos então empregados. (...)
Observa-se que não se trata de simples descrições frias de fatos ocorridos – como se pretende atribuir ao discurso
e à técnica jornalísticos –, mas são narrações carregadas de efeitos melodramáticos, de tons coloquiais e, sobretudo,
de um fundo moralizante. Algumas narrativas assumem mesmo a estrutura de fábulas. O princípio era elevar à
potência máxima o absurdo e o extraordinário de fatos criminais ou bizarros – entre eles, óbvio e principalmente,
os suicídios –, à maneira dos velhos folhetins. (CARVALHO, 2011, p. 4)
18

“Suicidou-se a Maria do Magalhães”19. Na notícia do jornal O Liberal, há referência


à jovem bailarina, de seus 18 anos de idade, que estava no apogeu da fama; contudo, o jornal
especula, sem provas ou testemunhas, que a causa de sua morte poderia ter sido de amor. Ou
seja, novamente a paixão está sendo utilizada como discurso do suicídio, pois na perspectiva
do jornal, o que levaria uma jovem promissora no auge de sua fama a cometer o suicídio, senão
esse suposto amor?
No caso de Delfina Raqueijo20, que ingeriu arsênio para se matar, aparecendo na
notícia da Folha do Norte de 1940, morreu, supostamente de acordo com o jornal, em função
da separação de João dos Santos, seu antigo namorado. De acordo com a notícia, o pai da moça
não queria que os dois continuassem o relacionamento, enviando Delfina para outra casa. O
jornal faz parecer que a moça, não suportando as pressões da vida sem João, acabou por escolher
o caminho do suicídio por ingestão de Arsênio. Delfina não deixou cartas, o namorado não
utiliza suas palavras no jornal como testemunha. O jornal Folha do Norte conta a história de
amor dessa jovem, cuja família estava desolada, seu pai e sua mãe lhe disseram através de sua
visão o que aconteceu, nesses depoimentos o jornal dá o tom “fabulesco” na narrativa que faz
transparecer o amor trágico dessa jovem.
Em outras matérias, o fim do relacionamento também é apontado como a causa do
suicídio.
Diz a matéria:

“Depois de Abandona-lo ainda zombava de sua pessoa passeando com outros pela rua – Pôs termo a’
existência um jovem apaixonado – os motivos do suicídio.” 21

A notícia parece tornar a morte de Cosmo de Alencar um espetáculo, além disso, a


romantização da relação com a jovem que, supostamente, zombava de sua pessoa, é colocada
como a culpada por ter dado “termo a’ existência”. O que poderia chamar a atenção nesse trecho
destacado d’O Liberal? As palavras em caixa alta, anunciando o título da matéria, além de dar
os possíveis motivos da morte ao longo do noticiado. Utilizando a paixão ou as paixões para

19
Trecho retirado do jornal O Liberal – 30 de janeiro de 1951 - Maria Magalhães. Arquivo encontrado na
Hemeroteca digital.
20
Folha do Norte – 19 de dezembro de 1940 – Delfina Raqueijo – Encontrando nos arquivos o CENTUR.
21
Trecho retirado do Jornal O Liberal - 18 de setembro de 1947 - Cosmo de Alencar - Encontrado na hemeroteca
digital.
19

demonstrar a morte, romantiza22 de certa forma o que aconteceu, contando histórias a sociedade.
LOPES constata:

A constatação de que o amor romântico tem condições de existência sugere que foi
preciso aprender a amar romanicamente, que foi constituído e/ou permitido pelas
obras literárias românticas e por determinadas características. Entre as características
mais importantes, pelo menos em relação ao suicídio, estão a inconfundível disposição
ao sofrimento, um modo trágico, heroico e dramático de amar, e a inviabilidade da
relação amorosa. (LOPES, 2008, p. 170).

A tragédia está presente nas noticias dos jornais abordados, A Folha do Norte e O
Liberal, ambos transcreveram em suas prensas as narrativas vinculadas aos atos de autocídio
quase como uma história romântica, como as fontes nos mostram, as representações desses
indivíduos tem o romantismo literário quase intrínseco e verossímeis passado ao público com
tons pitorescos irreais, mas que nos ajudam a compreender a realidade cotidiana da sociedade
belenense de 40-50.
A morte do fotógrafo23 Francisco Moreira de Sousa, teve a seguinte notícia:
“Impressionante suicídio á madrugada de hoje – Os prováveis motivos do gesto de desespero
de um jovem fotografo.”24. A morte está sendo retratada de forma chamativa para causar
empatia no público, além disso, ao contrário de muitos suicídios mostrados nesse tópico,
Francisco teria se matado, possivelmente, por ter sido acometido pela “peste branca”25. A
especulação da motivação da morte de Francisco não é interesse da matéria do jornal, e sim

22
As paixões, consideradas como causas determinantes morais de monomania e de
suicídio, tumultuariam a vida dos homens (população citadina) sem deixar lesões
orgânicas. Sua intensidade, porém, é comprovada pelo grande número de casos
provocados em situações onde imperam, absolutos, os costumes da vida nas cidades, a
exaltação dos sentimentos e dos desejos, a libertinagem e todo tipo de excesso. Guiados
por violentas forças que anulariam o pensamento racional e ordenado, os homens
agiriam segundo um sentimento ou uma paixão. Assim, explicam-se muitos casos de
suicídio. (LOPES, 2011, p. 8)
23
O processo fotográfico na região tinha suas dificuldades, em particular quando se argumentava a distância para
os fotógrafos se deslocarem, mas a grandiosidade e exuberância das paisagens e as narrativas místicas atribuídas
à região, atraía os pesquisadores e fotógrafos, que se motivavam também pela curiosidade sobre as experiências
da modernidade amazônica representadas pelas edificações do ciclo da borracha, em que se destacaram muitas
características europeias. (Ribeiro, 2016, P. 739)
24
Trecho encontrado no Jornal O Liberal - 18 de maio de 1951 - Francisco Moreira de Sousa – Encontrado na
hemeroteca digital.
25
A tísica pulmonar, como era conhecida a tuberculose, foi uma doença de elevado índice de mortalidade, tanto
no período colonial, quanto no Império. Em cada família brasileira, era certo haver uma pessoa, pelo menos, com
tuberculose. Fonte: Tuberculose, a peste branca. A voz da Serra. Disponível em:
<http://avozdaserra.com.br/colunas/historia-e-memoria/tuberculose-a-peste-branca>. Acesso em 12 de julho de
2018.
20

colocar “holofotes” sob o corpo morto do jovem, afinal, a chamada dessa notícia deixa clara
que a intenção, provavelmente, é conquistar o possível leitor.
Uma das formas mais comuns de suicídio em Belém na década de 1940-1950 era o
envenenamento por vários tipos de tóxicos, como o Formicida Tatu26, o qual normalmente era
divulgado pelos jornais paraenses como “violento tóxico”. “Novo caso de envenenamento”27,
a notícia faz referência a Domingas Oliveira, que ingeriu o tóxico citado, mas podemos perceber
que a palavra “novo” pode também se referenciar por ter tido outros casos de envenenamento
com esse mesmo produto, o que tornava esse aspecto comum, um predomínio pela ingestão de
substâncias no caso do suicídio.
O fato de que houve uma grande vinculação midiática, principalmente nos jornais, seja
O Liberal ou o Folha do Norte, com relação ao suicídio, retratando muitas vezes de forma
romântica ou mesmo sensacionalista, dando detalhes minuciosos sobre alguns aspectos do
autocídio da vítima, poderia influenciar para a predileção de tóxicos para o suicídio. O tóxico
formicida tatu deveria ser de fácil acesso, visto que a maior parte dos suicidas nos documentos
ou jornais eram de classe com renda baixa, então o veneno, além de ser de possível acesso,
tinha o preço acessível a essas pessoas que optavam por ingerir o formicida.

Figura 2: Suicidou-se pela manhã de hoje o Mundo Social conhecido médico Aluizio Fonseca.

26
Produto químico destinado a combater as formigas. Fonte: https://www.dicio.com.br/formicida/ contudo, o
“tatu”, é a marca a qual esse formicida pertence, feito de cianureto, extremamente tóxico e perigoso, se ingerido
levara a morte do indivíduo.
27
Trecho encontrado no jornal O Liberal – 2 de setembro de 1947 – Domingas Oliveira. – Encontrado na
hemeroteca digital.
21

Fonte: Hemeroteca Digital Brasileira. O Liberal - 14 de maior de 1951.

A figura 2 tirada do O Liberal do dia 14 de maio de 1951, do médico Aluizio


Fonseca28, mostrando a notícia em destaque na página, com letras grandes, indica que a prática
de exibir o suicídio em Belém não era típica apenas do final do século XIX e início do XX,
contudo, também estava sendo usada nos séculos estudados nesse trabalho. De fato, algumas
notícias não parecem ter tanta relevância, sendo colocadas em notas pequenas, no entanto,
algumas ganham o devido destaque, principalmente quando se tem bastante material para
fomentar a matéria de jornal. Segundo SILVA:

A forma como a imprensa em geral trata a questão do suicídio vem sofrendo alterações
ao longo dos tempos. Desde fins do século XVII a imprensa atinge um público cada
vez maior, contribuindo para secularizar a visão do suicídio, mostrando-o sob uma
perspectiva exclusivamente humana. (SILVA, 2009, p. 82).

Ao mesmo tempo que o jornal transmite a notícia sobre questões do suicídio, quase
como uma história de literatura romântica transformada em fato cotidiano, é notório que esse
tipo de mídia vem se tornando ainda mais popular principalmente com a alfabetização da
população. Isso pode ter colaborado para a banalização do suicídio, além de, sendo uma fonte
de informação, ajudar a disseminar determinadas formas de atingir ao suicídio, podendo ser ou
não uma fonte de informação para a população.
Entre 1940 a 1950, vemos nos jornais belenenses analisados, uma forte tendência a
narrativas românticas, quase literárias, sobre o ocorrido com as vítimas de suicídio.
Principalmente quando vemos o início das matérias, as motivações desses indivíduos a optar
pela morte voluntária, que nem sempre está clara nas notícias, mas que existe grande
especulação sobre o caso, sejam homens ou mulheres, parecem estar em um palco prontos para
serem lidos pelos seus espectadores.

1.2 A criminalização do autocídio e o discurso jurídico

28 O Liberal - 14 de maio de 1951 - Aluizio Fonseca – Encontrado na hemeroteca digital.


22

“Por questões amorosas, uma jovem de 18 anos põem termo a vida, ingerindo grande
29
dose de arsênico.” , a matéria do Folha do Norte faz referência a Delfina Raqueijo30, que
cometeu suicídio, supostamente, devido ao fim do seu romance com João dos Santos31, contudo,
esse caso teve repercussão nos jornais da época, datando de setembro de 1940, devido ao fato
de que, de acordo com o processo aberto e a notícia sobre o caso nos jornais, possivelmente, o
namorado a teria induzido a cometer tal ato. De acordo com o processo, houve provável indução
de suicídio, constando como crime no código penal de 194032.
O que pretendo analisar é a história da criminalização do suicídio, além de como esse
discurso jurídico pode ter sido usado no processo de Delfina. É importante sabermos as
discussões que se constroem acerca dos motivos do suicídio, além de suas implicações após a
morte do suicida ter relevância fundamental, afinal, como a sociedade percebe a morte desses
indivíduos ao longo da história até 1940, quando o suicídio se categoriza de forma médica,
social e jurídica?
O comportamento suicida sempre existiu e relatos sobre o tema são encontrados em
todos os povos desde os mais remotos tempos da humanidade. A forma de encarar o
ato é que vem mudando ao longo do tempo: Em algumas culturas ele vai ser
incentivado, em outras, condenado como se crime fosse, em outras, tratado com
indulgencia, dependendo das circunstâncias. (SILVA, 2009, p. 12).

O suicídio sempre existiu, no entanto, dependendo do tempo, da sociedade, da cultura,


até mesmo da forma que o individuo comete a morte voluntária, irá ser sua condenação ou sua
glória. Como no Ocidente, até o século XVIII, o suicídio era tratado por um viés filosófico-
moral-religioso (SILVA, 2009, p. 13). A história do autocídio nos faz perceber o quanto houve
mudanças até estarmos em 1940-1950. Seja como a literatura ou as matérias de jornal
percebiam a morte voluntária, como vimos no capitulo anterior, a peculiaridade da sua
retratação pode influenciar na sociedade.

29
Trecho retirado do Jornal Folha do Norte – 19 de dezembro de 1940 – Delfina Raqueijo – Encontrado no acervo
do CENTUR.
30
DOCUMENTO DO CENTRO DE MEMÓRIA DA AMAZÔNIA – CMA – 5ª vara penal – Suicídio (1935/1940-
1941/1943); processo Delfina Raqueijo (1940)
31
DOCUMENTO DO CENTRO DE MEMÓRIA DA AMAZÔNIA – CMA – 5ª vara penal – Suicídio (1935/1940-
1941/1943) – João dos Santos (1940)
32
No ano de 1940 devido aos grandes números de leis criminais foi promulgado o novo Código Penal, onde a sua
vigência ficou marcada para o dia 01 de janeiro de 1942, ressaltamos que este Código teve a sua origem através
do projeto de Alcântara Machado, onde o trabalho revisor se deu por uma comissão composta com os ilustres
mestres doutrinadores Nélson Hungria, Vieira Braga, Marcélio de Queiroz e Roberto Lyra, sendo que após o
surgimento deste código, veio a anos depois no dia 21 de outubro de 1969 o Código Penal elaborado por Nélson
Hungria, mas este foi revogado no dia 11 de outubro de 1978. (D’OLIVEIRA, 2014, p. 37).
23

A forma como era visto o suicídio, seja com base filosófica, ou mesmo religiosa, foi
se transformando ao longo do tempo e distintas sociedades passavam a estudá-lo, mesmo por
motivos de cunho judaico-cristão, afinal, cometer o “crime” de morte voluntária para a Igreja
era um pecado indiscutível, a condenação não vinha só do corpo físico, mas da alma do
indivíduo que nunca encontraria a paz de Deus. Contudo, conforme foi o suicídio foi ampliando
sendo analisado, em outras perspectivas, o tema foi se ampliando, sendo contemplando por
outros estudos: filosóficos, médicos e jurídicos. De acordo REIS:

A noção de dignidade da pessoa humana remonta ao pensamento clássico e ao ideário


cristão, contudo para alcançar o significado que, ao menos, parece majoritariamente
lhe ser atribuído hoje, sofreu profundas transformações por meio de contribuições
filosóficas infindáveis até, finalmente, alcançar o tratamento jurídico. Sem pretensão
de percorrer na integralidade os esquemas antecessores à concepção hodierna de
dignidade da pessoa humana, opta-se por eleger “como marcos a tradição judaico-
cristã, o Iluminismo e o período imediatamente posterior ao fim da Segunda Guerra
Mundial. (REIS, 2015, p. 138).

A concepção cristã era muito predominante quando se pensava em suicídio, não existia
o julgamento da pessoa morta e a compreensão do que levou esse indivíduo a atentar contra si
mesmo, no entanto, havia a condenação da alma. Negavam-lhe o céu, negavam-lhe a benção
divina, muitas vezes arrastando seu corpo por ruas, mostrando seu pecado. Segundo LOPES:

No lugar da perseguição e peso do pecado, dos demônios e das forças malignas, a


liberdade individual de decidir pela vida ou morte passou a encabeçar a lista das
causas de morte voluntária. O fato de uma existência não considerada digna, junto de
considerações em torno dos limites da liberdade humana, foram questões arduamente
invocadas em diversos trabalhos, principalmente filosóficos, sobre o tema. (LOPES,
2008, p. 62).

Ao analisar o delito contra si mesmo, comumente podemos notar, analisando os


processos, que a morte tem uma causa social, envolvendo tanto mulheres quanto homens, além
do que, essa indução pode ser de cunho religioso, por doença, ou mesmo por não atender a
demanda social daquela determinada sociedade. Mesmo que muitas vezes essas pretensões
suicidas estejam ligadas ao individual, também está ligada com a coletividade social.
Alguns filósofos como Montesquieu, declara que as punições ao suicida eram injustas,
pois, de acordo com o filosofo as instituições religiosas que condenavam o ato de autocídio,
arrastando o corpo morto pelas ruas estavam matando o sujeito pela segunda vez com a
condenação da carne e da alma. Para Montesquieu, a vida era como um favor divino, então
poderia devolvê-la quando não fosse mais necessária. LOPES (2008, p.63)
24

O suicídio estava sendo amplamente discutido no século XVIII passando a ser um


debate filosófico ao invés de apenas religioso, posteriormente no século XIX, esteve ligado ao
saber médico, como algo em torno da loucura e da saúde, futuramente, com os códigos criminais
criados no Brasil, o discurso se tornou jurídico e, já não se punia mais o indivíduo através da
exoneração cristã (a não ser para aqueles que seguiam a religião) ou da sua loucura, o corpo
daquele que cometia a morte voluntaria já não era mais punido, contudo, a indução, o auxílio
ou o instigar ao suicídio33 seriam vistos como crime.
Foi na Renascença que começava a se repensar no que seria esse suicídio,
questionando sua condenação religiosa, afinal, nesse tempo começava a tentar se entender a
individualidade humana, questionando leis, tentando justificar o suicídio. FALK (2011, p. 133).
No Iluminismo, a concepção da morte voluntária havia se modificado pelos questionamentos
anteriores. Possivelmente por isso, no código de 189034 não se considerava mais o suicídio
como crime da alma, contudo, já se punia por indução. Porém, foi apenas com o código de 1940
que houve elaboração de fato do que seria esse crime de suicídio como conhecemos hoje.
Segundo ARAÚJO:

Em 1830, o Código Criminal do Império do Brasil punia o auxílio ao suicídio, com


pena de prisão por dois a seis anos. Dizia o artigo 196: "Ajudar alguém a suicidar-se,
ou fornecer lhe meios para esse fim com conhecimento de causa". Já nas primeiras
décadas do século XIX, a legislação brasileira não incriminava o suicídio ou a
tentativa deste (Roberti, s.d.).
No Código Penal de 1890, o artigo 299 determinava a execução da pena de prisão por
dois a seis anos para a pessoa que auxiliasse moral ou materialmente alguém a matar-
se. Contudo, se o ato suicida não culminasse em morte, não se determinava a
penalização para o seu cúmplice.
Na legislação penal brasileira vigente, de 1940 (Artigo 122), o suicídio ou a tentativa
de suicídio seguem não sendo considerados crimes, contudo, o induzimento ao
suicídio pode conduzir à pena de reclusão de dois a seis anos se o suicídio se consuma
ou reclusão de um a três anos se a tentativa de suicídio resultar em lesão corporal
grave. (ARAÚJO, 2012, p. 726).

33
Induzir → Significa despertar, dar, criar a ideia na cabeça da vítima a qual ainda não possui. Ex: (A vítima conta
seus problemas a um sujeito e ele sugere que dê fim a sua vida)
Instigar → Significa reforçar, encorajar uma ideia já existente. Ex: (Sujeito em cima do prédio e, a multidão em
baixo gritando pula, pula).
Auxiliar → Significa dar apoio material ao ato suicida, disponibilizar os meios materiais para que o suicídio morra.
Ex: (emprestar arma de fogo para que a vítima se suicide). Fonte: Induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio -
artigo 122 CP. Conteúdo Jurídico. Disponível em: <http://conteudojuridico.com.br/artigo,induzimento-instigacao-
ou-auxilio-ao-suicidio-artigo-122-cp,26301.html>. Acesso em 23 de agosto de 2018.
34
Podemos destacar que devido a este curto espaço de tempo na elaboração deste Código, ou seja, para apresentar
as ideias da Escola clássica, pois esta estava em seu auge, fato este que acolheu vários adeptos dentro os renomados
juristas, mas não deixando de criticar que este Código estava eivado de erros, e quando observaram os erros na
legislação, veio ai as promulgações das diversas legislações extravagantes. (D’OLIVEIRA, 2014, p. 37).
25

Ao analisarmos o código penal de 194035, que tem como base a criminalização da


indução ao suicídio, compreende-se em uma perspectiva laica que a pessoa que faz o autocídio
não tem motivos para receber punição, contudo, caso alguém que a induza ou manifeste
pretensão de levá-la à morte, este sim merece a punição. Isto foi o que ocorreu no processo de
Delfina Raqueijo36, cuja indução, possivelmente partiu do namorado João dos Santos37, que
supostamente pretendia fazer um duplo suicídio devido à negação do amor do casal pela família
da moça, declarado nos autos do processo de Delfina.

“Hoje, mais um temos a acrescentar na lista, não pequena, dos que procuraram no
silencio das causas inanimadas a felicidade tranquila, que vida lhes negou, caprichosa
e má.” 38

A notícia da Folha do Norte trata da trágica morte da jovem Delfina que levou seu
fim através da ingestão de arsênio, supostamente, induzida por seu namorado João dos Santos,
o qual estaria ciente da proposta de duplo autocídio. O fato ocorrido na cidade de Belém tem
como denunciante o pai da jovem, que acusava o namorado dela de induzi-la e auxiliá-la na
decisão final de pôr fim à vida.
O jovem João dos Santos, namorado de Delfina, era proibido de namorar com a moça.
De acordo com o depoimento do pai no processo, o namorado a perseguia após o termino, tendo
por fim, de acordo com o progenitor, oferecido arsênio, para ocorrer um duplo suicídio; apesar
disso, João dos Santos não veio a falecer, apenas a moça. Os dois morreriam pelo “amor
proibido” imposto pela família de Delfina. Porém, o namorado foi socorrido a tempo, após
beber o arsênio na mesma noite que a moça, mesmo em lugares diferentes, levado
imediatamente ao hospital, pelo que consta no seu processo.
Havendo a consumação39 do suicídio, tendo sobrevivido, João dos Santos teve que
responder no processo por ter, possivelmente, dado arsênio a Delfina. Contudo, apesar do

35
CODIGO PENAL BRASIL Decreto-Lei nº 2.848 de 07.12.1940 alterado pela Lei nº 9.777 em 26/12/98.
36 DOCUMENTO DO CENTRO DE MEMÓRIA DA AMAZÔNIA – CMA – 5ª vara penal – Suicídio (1935/1940-
1941/1943); processo Delfina Raqueijo (1940)
37
DOCUMENTO DO CENTRO DE MEMÓRIA DA AMAZÔNIA – CMA – 5ª vara penal – Suicídio (1935/1940-
1941/1943) – João dos Santos (1940)
38
Trecho retirado do jornal Folha do Norte – 19 de dezembro de 1940 – Delfina Raqueijo – Encontrado nos
arquivos do CENTUR.
39
Consumação e Tentativa → O crime de Participação ao Suicídio se consuma com a morte ou lesão corporal de
natureza grave. Se não ocorrer morte ou lesão corporal de natureza a fato é atípico. Não é admitido tentativa no
crime de Participação ao Suicídio. Fonte: Código Pena de 1940.
26

código civil de 194040 contemplar a indução do suicídio, o rapaz saiu em liberdade, não sendo
condenado.
Apesar disso, as leis do período são claras quanto ao fato de que o crime de suicídio
praticado de forma que duas pessoas tentem se matar, se um dos dois sair vivo teria que ser
julgado. Foi o que aconteceu no processo de Delfina, onde João dos Santos foi acusado de ter
fornecido o arsênio à Delfina, tendo que responder por homicídio (Praticando o ato
executório)41. Contudo:

“O acusado nega ter fornecido esse tóxico a vítima, mas não ignora seu envenenamento por arsênico.”42

Apesar de o pai ter acusado João de indução, auxílio ou participação no caso de


suicídio de sua filha, o namorado nega as acusações, tendo conflito no próprio depoimento do
homem e de João. Aparentemente, Delfina fora deflorada pelo namorado, não podendo casar-
se com João, por sua família proibir o envolvimento dos dois, a menina se sentia desonrada,
por isso teria cometido o suicídio, não constando, posteriormente como duplo suicídio, pois a
própria Delfina teria dado cabo da própria existência, mas não João. Contudo, no processo
podemos notar que o depoimento de João possa ter sido contido ou mesmo equivocado,
acreditando-se que tenha sim fornecido o veneno a moça.

40
No ano de 1940, era criado o Código Penal vigente no Brasil pelo decreto-lei nº 2.848, pelo então presidente
Getúlio Vargas. Este é o 3º da história do Brasil e o que está há mais tempo em vigência, após os códigos de 1830
e 1890. Disponível em: <https://seuhistory.com/hoje-na-historia/criado-o-codigo-penal-brasileiro-por-getulio-
vargas>. Acesso em 25 de novembro de 2018.
41 Pacto de Morte → Exemplo comum é do casal de namorados que se tranca em uma sala abrindo a torneira de

gás. Temos as seguintes situações:

I.
Aquele que abriu a torneira sobrevive, enquanto o outro morre. O sobrevivente responderá por homicídio, uma
vez que praticou ato executório.

II.
Ambos sobrevivem sofrendo lesão corporal de natureza grave. Aquele que abriu a torneira responde por tentativa
de homicídio, todavia, o a outra pessoa responde pelo induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio.

III.
Se ambos sobrevivem e não há lesão corporal de natureza grave, aquele que abriu a torneira responderá por
tentativa de homicídio, por outro lado, a outra pessoa não responderá por nada, visto que o fato é atípico. Fonte:
Induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio - artigo 122 CP. Conteúdo Jurídico. Disponível em:
<http://conteudojuridico.com.br/artigo,induzimento-instigacao-ou-auxilio-ao-suicidio-artigo-122-
cp,26301.html>. Acesso em 23 de agosto de 2018.
42
Fala do Exc. Sr. Dr. Chefe de polícia sobre o processo retirada do DOCUMENTO DO CENTRO DE MEMÓRIA
DA AMAZÔNIA – CMA – 5ª vara penal – Suicídio (1935/1940-1941/1943) – João Santos (1940)
27

“Pelo depoimento de João, de palavras medidas e com a preocupação de tudo omitir,


vê-se claramente, pelas afirmativas que ia fazendo e que as concertou, que apezar da
sua astucia, deixa transparecer, ser ele o responsável pela morte de Delfina,
proporcionando-lhe o veneno que resultou a morte da mesma.”43

Devido ao seu falho depoimento com relação a própria namorada, João foi denunciado
pelo art. 299 da consolidação das leis penais, por ter induzido e fornecido o tóxico a Delfina.
No entanto, não se pode provar, pois as testemunhas que participaram do caso não souberam
informar se teve participação tão direta de João dos Santos no suicídio de Delfina, mesmo sendo
coincidência que os dois tomassem o mesmo tóxico, pois a moça poderia ter obtido de outras
formas.

Consequentemente, podemos entender porque o suicídio seria investigado pelas


autoridades competentes. Além do mais, há duas formas de morte, segundo o direito
judiciário: A natural e a violenta. Esta consistindo nas mortes por acidentes, homicídio
ou suicídio, logo este se torna alvo de investigação, pois há a necessidade de
determinar qual foi a verdadeira causa desta morte. De fato como poderia haver o
envolvimento de crimes nos casos de suicídios, logo necessita-se de averiguação
policial. (FALK, 2011, p. 134-135).

É notório que o ato do suicídio em si não era mais pautado em crimes, mesmo que
ainda se discutisse a sanidade do indivíduo, ou mesmo se ele era movido por suas paixões,
como foi o caso de Delfina, que, supostamente, se matou por já não ser mais moça, por não
poder casar com João. Sendo a mesma vítima da situação, contudo, agora se acusava por
participação, indução, por isso, o sobrevivente do veneno de arsênio, João, foi inquerido
judicialmente, nos mostrando que o Jurídico poderia intervir em casos de participação do
suicídio das vítimas, independentemente de suas motivações, aqueles que colaborassem para o
ato de autocídio, sofreriam as consequências.44

43
Fala do Exc. Sr. Dr. Chefe de polícia sobre o processo retirada do DOCUMENTO DO CENTRO DE MEMÓRIA
DA AMAZÔNIA – CMA – 5ª vara penal – Suicídio (1935/1940-1941/1943) – João Santos (1940)
44 Estas consequências, de acordo com o código penal de 1940, seria de 2 a 3 anos de prisão.
28

2. SUICÍDIO: MULHER NA DÉCADA DE 40-50

2.1 Representações das motivações que levaram a mulher ao autocídio

No que se refere feminino e ao âmbito do romantismo, que será bastante estudado


nesse capítulo, ou mesmo do casamento, sobretudo no século XVIII e XIX, nota-se a mulher
como parte crucial dessas práticas associadas à família, aos relacionamentos e à vida a dois.
Contudo, as mulheres tinham pouca escolha ou poder de interferir na opção do cônjuge, pois o
casamento não era algo que dizia respeito apenas aos indivíduos, mas também à parentela.
Assim, ela não estava apenas casando para si, mas para o grupo, o casamento passa a ser uma
espécie de contrato burguês45, cuja importância tinha cunho material46 e social, pois deveria ter-
se posse para que o casamento fosse concluído.
A construção dessa ideia de casamento por benefício47 se reflete no que iremos estudar
quanto a união, ao amor romântico no século XX, em que, mesmo que as mulheres tenham mais
escolhas, certa liberdade e ocupações, ainda há sugestões de papeis impostos, interferência a
nível social em seus cônjuges, principalmente analisando a representação dessas mulheres
suicidas, que precisam, apesar de nem sempre atender essas demandas, viver naquele momento
de acordo com os moldes de 1940-1950 na cidade de Belém. As revistas, as mídias tiveram sua
parte de contribuição nesse sentindo, quando mostram essa mulher pretendendo casar,
mostrando seus dotes formosos a pretendentes ainda sem rosto, mas com a intenção de um bom
casamento.
Ao lermos os processos ou as páginas de jornais de 1940 e 1950 em Belém, sobretudo
no contexto anterior, em 1930, com a urbanização imposta por Vargas, podemos perceber vários
centros urbanos se industrializando, desenvolvendo-se, isso afeta a vida diária da população,

45
(PAIS, 1986, p. 183)
46
Entra a questão do dote nesse sentindo: “O dote foi um costume praticado por milênios no Ocidente, sendo uma
herança de origem portuguesa em virtude do processo de colonização. Tradicionalmente se constituía a partir dos
bens materiais que a noiva levava para a vida conjugal, permeando a vida familiar e sendo o meio necessário para
se efetuar o pacto matrimonial. Como meio viabilizador dos casamentos entre as famílias de posse, ele era o grande
responsável pelos acordos e estratégias familiares envolvendo interesses políticos e econômicos. (FERREIRA,
2011, p. 1)
47
O amor e o casamento, tal como o conhecemos hoje, surgiu com a ordem burguesa, mas só ganhou feição a
partir do século XVIII, quando a sexualidade passou a ocupar um lugar importante dentro do casamento. O amor,
no sentido moderno de consensualidade, escolha e paixão amorosa, não existia no casamento, sendo, em geral,
vivenciado nas relações de adultério, e a sexualidade não era vivida como lugar de prazer, sua função específica,
era a reprodução. (ARAÚJO, 2002, p. 1)
29

principalmente dessas mulheres, quando nos referimos a ocupações ou mesmo à forma


sintomática de ver o romance ou o amor. Podemos perceber determinadas representações
femininas pensadas e reproduzidas pelas mentalidades daquele período. O objetivo desse
capítulo é perceber, por meio dessas fontes e dialogando com autoras e autores sobre essas
representações ligadas ao suicídio, o papel imposto a mulher nesse período, as possíveis
pressões que a levaram ao autocídio, como foi vista após a morte, as implicações do peso da
morte a nível social para a sociedade patriarcal da época.
Iniciamos com o Processo de Dulcineia Lopes dos Santos, dia 23 de abril de 1951,
jovem de 15 anos, doméstica e alfabetizada que cometeu suicídio com o punho de uma rede
enrolada em seu pescoço no quarto da casa que morava e trabalhava como doméstica. Conta
Carmita Gonçalves Resende, a primeira testemunha declarante do caso de autocídio,
acompanhada da mãe, pois era menor, tendo apenas 15 anos, empregada na mesma casa de
Dulcineia, que diz ter encontrado o corpo da moça estirado no chão do quarto, ao lado a carta
de suicídio que teria escrito um pouco antes de morrer. Carmita conta como a moça de 15 anos
cometeu suicídio e o que acredita ser os possíveis motivos que teriam levado a menina a fazê-
lo. Descreve que Dulcinea andava triste, suspirando de amores ou de desilusões, pois andava
gostando de um rapaz chamado Ofir, tamanho eram seus sentimentos, de acordo com Carmita,
que a suicida queria ter um filho do dito. A moça relatou em seu depoimento que Dulcinea
estava dizendo que queria se matar, que não seria mais moça.48
No processo de suicídio de Dulcinea Lopes dos Santos, havia possíveis indicações da
motivação que levou a moça a cometer o ato de suicídio, a qual é relatada pela testemunha que
cita o fato de Dulcineia afirmar não ser mais moça ou, por outra, por não poder ter o amor de
Ofir. O que podemos entender, por meio da análise dos processos, que há uma representação
feminina que vai ser comum ao longo dos documentos e notícias de jornal.
Os estudos sobre suicídio estavam no âmbito médico e psicológico existiam
diferenciações biológicas para prováveis motivações que levavam homens e mulheres a
cometer o suicídio, a maioria pautada em pensamentos patriarcas referidos no século XIX e
XX. LOPES (2008). As distinções têm a ver com a racionalidade atribuída ao ser masculino e
a emocional atribuída ao ser feminino. As explicações biológicas tinham como perspectiva os
órgãos internos, pois os da mulher eram delicados, flexíveis, mais fácil de ferir, isso dava o

48
DOCUMENTO DO CENTRO DE MEMÓRIA DA AMAZÔNIA – CMA – 8ª vara penal – Suicídio (1950-
1957); processo de Dulcinea Lopes dos Santos (1952)
30

aspecto inferior. Muito tempo se acreditou que mulheres se matariam por serem mais fracas.
Os homens seriam os mais fortes, então não cairiam naquela “armadilha” sentimental que era
o suicídio. Ainda segundo LOPES:

Se os médicos tinham razão ao afirmar que o homem era superior à mulher, mais
acostumado pensar, raciocinar e discernir, mais forte, mais apto à vida social e muito
mais resistente às vicissitudes da vida, e que as mulheres eram fracas, débeis,
limitadas, sentimentais, emotivas e frívolas, porque as mulheres se suicidavam muito
menos do que os homens? As respostas desses estudiosos para esse paradoxo
remetiam, uma vez mais, à inferioridade das mulheres. Pelo ato de serem consideras
fracas e sentimentais, não teriam a coragem necessária para por fim a seus dias.
(LOPES, 2008, p. 143).

A diferenciação sexual estava presente no âmbito das explicações, no entanto, não


podemos deixar de perceber as diferentes pressões sociais que tinham em torno do masculino e
do feminino.
Do nosso amor, apenas nasceu um olhar, cresceu de um sorriso, depois de
um beijo, e morreu de uma lágrima. Mas não faz mal, com tudo isto eu ainda lhe amo,
e tenho saudades imensas das suas horas melancólicas, por que a saudade é o
sentimento mais nobre, na vida de uma mulher desiludida, por uma amor, que para
ela nunca morrera e finalmente é luto na vida de uma mulher que vive de recordações,
e recordar é viver.
Algum dia eu arranjo um alguém, e que sofre a dor insuportável de
um primeiro e único amor.
Estou arrependida de ter terminado o namoro consigo, julgava que não
viesse sofrer tanto quanto estou sofrendo? Eu sei perfeitamente que você sempre
duvidou do meu amor, mas errou muito, pois você pode crer em minhas palavras
“Você foi e será meu único homem que amei em minha vida, disto eu tenho plena
certeza, jamais amei outro, seja ele quem for...49
.

Na carta de suicídio acima que Dulcinea Lopes de Souza escreveu e que foi anexada
ao processo remetida ao rapaz pelo qual tinha afeto, constava seus amores por Ofir, que por sua
vez, ao testemunhar no processo, deixa claro que não tinha envolvimento romântico com a
moça. De acordo com Ofir Nogueira de Castro, pardo, de 19 anos, a moça o perseguia,

49
Trecho retirado da carta de suicídio de Dulcinea Lopes dos Santos que consta nos autos do processo de suicídio
encontrados no Centro de memória da Amazônia (CMA.)
31

desejando se “amancebar”50 com o jovem militar, além de deixar claro no testemunho que sentia
certa “facilidade” vindo de Dulcinea, que sempre a negou, principalmente por estar
“enamorado” de outra, de acordo sua declaração que consta nos altos do processo. A declaração
de Ofir se contrapõe à carta deixada por Dulcinéia e endereçada a Ofir onde declara que seria
“eternamente sua”51. Em relação aos motivos do suicido, MARCH destaca que:

Já nos casos em que as testemunhas narraram a não adequação do sujeito aos modelos
normativos, temos a ampla participação de familiares como depoentes. Nesses
inquéritos foi possível identificar as principais motivações apontadas pelas
testemunhas para os suicídios. (...) Entre as mulheres foram citados: defloramento;
impossibilidade de anulação de casamento; viver com condição de amasiada; ter sido
enganada pelo namorado; morte do companheiro e doenças. (MARCH, 2017, p. 83).

Na linha de argumentação, não foi incomum nos processos ou nos jornais pesquisados
para Belém que o suicídio feminino fosse atribuído à motivos amorosos.
Desse modo, analisando um segundo caso de suicídio de Delfina Raqueijo52, de 18
anos, ocorrido no dia 19 de dezembro de 1940, denunciado por seu pai, mais uma vez o fim do
relacionamento é associado à sua morte. No relato do pai, este afirma que a filha foi induzida
ao suicídio por João dos Santos, o qual foi acusado de indução de suicídio, como visto no
capítulo anterior. No processo53, as testemunhas não sabiam afirmar se o rapaz teria entregue o
arsênio, utilizado pela namorada para dar termo a própria vida, assim ambos poderiam morrer,
visto que estavam separados e impossibilitados de continuar seu namoro, pois o pai da moça
não a queria com João.
Mesmo que não possamos ter certeza do motivo que poderia ter levado Delfina a
cometer suicídio, é notório que a mídia ou mesmo o processo documentado do inquérito aberto
pelo pai, Manoel Raqueijo, consta a ideia de que foi por amor ou induzida por amor, que a vida
da jovem terminou por desavenças amorosas ou proibição do pai quanto ao seu namoro, às
representações nos jornais deixam claro a intenção de promover a ideia do romance54.

50
Constando no depoimento de Ofir Nogueira de Castro. Amancebar significa: ligar-se, juntar-se em
concubinato, à uma pessoa, sem vínculos oficiais de casamento. Fonte: Dicionário Informal. Disponível em:
<https://www.dicionarioinformal.com.br/amancebar/>. Acesso em 25 de agosto de 2018.
51
Carta que se encontra enxada no processo. DOCUMENTO DO CENTRO DE MEMÓRIA DA AMAZÔNIA –
CMA – 8ª vara penal – Suicídio (1950-1957); processo de Dulcinea Lopes dos Santos (1952)
52
DOCUMENTO DO CENTRO DE MEMÓRIA DA AMAZÔNIA – CMA – 5ª vara penal – Suicídio (1935/1940-
1941/1943); processo Delfina Raqueijo (1940)
53
DOCUMENTO DO CENTRO DE MEMÓRIA DA AMAZÔNIA – CMA – 5ª vara penal – Suicídio (1935/1940-
1941/1943) – João dos Santos (1940)
54
A relação entre o desenvolvimento dos jornais e a ascensão do romance não é simplesmente uma coincidência
temporal. Muitos romances foram publicados nos jornais como folhetins. Até hoje essa palavra se refere,
32

Maria Oneide, 20 anos, operária, residente na travessa José Pio, cometeu suicídio por,
suposto, rompimento do vínculo romântico. O bilhete que a própria mulher deixou para sua
mãe dizia: “Mamãe, este é para dizer-lhe que cheguei ao fim da vida. Peço-lhe que não culpe
ninguém e reze por mim para que eu descanse em paz desta vida cansada. Adeus, felicidades e
perdoe esta sua infeliz filha, ONEIDE”55, o seu amante, de acordo com o jornal, afirmou que
tiveram uma briga aquela manhã, e que talvez por isso a mesma tenha tirado a própria vida.
Contudo, a representação é explicita quanto à motivação de Oneide. Supostamente, as mulheres
morriam por seus amores, por sua honra.
A questão amorosa era tão sintomática que Domingas Oliveira56, cobradora, branca,
suicidando-se em 1947, deixou claro na carta a qual remeteu a sua irmã, que não cometeu o ato
de suicídio por questões amorosas. O fato de Domingas ter que deixar claro em seu bilhete 57 à
mãe e à irmã que não foi motivada por amor, nos mostra que existiam questões envolvendo
mulheres e os sentimentos românticos. As notícias de jornais ou documentações parecem nos
induzir a achar comum que o amor era motivo característico das mulheres que cometiam
suicídio. Assim, o fato de Domingas deixar claro que não era esse o real intento que a levou ao
autocídio, nos faz perceber como questões amorosas eram colocadas em pauta a ponto da
mulher fazer questão de dizer o contrario, mesmo sem deixar explicito seu real motivo.

Para as mulheres, o que havia de mais aviltante era ser reconhecida socialmente como
alguém que se desonestara por manter relações sexuais antes do casamento e ter sido
abandonada, ou ter sua infidelidade descoberta, afinal, a feminilidade estava amparada
na pureza sexual do corpo, na castidade e fidelidade, o que garantia a posse sexual do
corpo feminino ao marido. Essa situação a tornava companhia questionável entre as
demais mulheres e pouco desejada como esposa, já que a sua honestidade era colocada
em questionamento. (MARCH, 2017, p. 35).

A importância de determinado papel de acordo com a sociedade que essas mulheres


estavam inseridas, a valorização da pureza e da honestidade. A indução a um determinado
comportamento feminino, de como as mulheres precisavam agir, mulheres belenenses na
década de 1940-1950 tinham que seguir as estirpes sociais, era o que a sociedade esperava de
uma mulher feminina, tanto que constantemente eram divulgadas na revista paraense A

geralmente de forma pejorativa, a intrigas de enredos rocambolescos e de alto apelo popular. (ALVIM, S/D. p.
01).
55
Trecho retirado do jornal O Liberal – 27 de agosto de 1947 - Maria Oneide, encontrado na Hemeroteca Digital.
56
O Liberal – 2 de setembro de 1947 – Domingas Oliveira, encontrado na Hemeroteca Digital.
57
Recorte da notícia sobre a vítima de suicídio Domingas Oliveira, no jornal O liberal: “Domingas deixou um
bilhete, no qual esclarecia que não fora levada a esse gesto tresloucado por motivos de amores”
33

semana58, como página de capa para serem oferecidas em casamento, com sua formosura.
Essas mulheres que normalmente apareciam nas capas ou nas matérias da revista vinham de
classe média e, muitas delas, desejavam obter bons casamentos, justamente para seguir o papel
social estipulado para a mulher nesse momento. Não seguir essas determinadas normais sociais
poderia fazer com que essa mulher fosse “falada” pela sociedade, assim como Dulcinea que
teve, suspostamente, sua mocidade perdida com Ofir, o qual afirmou não a conhecer. Ainda de
acordo com seu testemunho, dizia que a mesma “facilitava”, não desejando assumir algo com
a moça, que por sua vez atentou contra a própria vida.59 Não tem como descartar a importância
da perda da pureza para essas mulheres vivendo em Belém nesse período.
A revista A Semana tinha partes dedicadas a apresentações de moças, como “A
semana nos lares – novas professoras”60, que atribui a profissão de professora a sentimentos
como gentileza e simpatia, ou seja, existe uma construção de que esses sentimentos são
atribuídos sobretudo ao ser feminino, a mulher era anunciada nessas revistas como se fossem a
propaganda ou promessa de boa esposa para encontrar um bom casamento, vendia-se uma
imagem para que se pudesse ter algo que era imposto como o próprio casório, então, talvez por
essa pressão ao não conseguir casar-se, como no caso da Dulcineia, ou obter o homem que
desejava depois de perder sua virgindade, poderia causar a retirada de sua própria vida, “morrer
de amores” como as próprias testemunhas contaram.
Essas representações começavam muito cedo na vida de uma mulher:

E esta encantadora promessa de mulher, que já parece ter nos olhos todos os mistérios
e todos os encantos de seu sexo? É a trefega Ana Virginia dileta filha a Mme, Risoleta
Rocha Vasconcelos, viúva do Sr. Virginio E. de Vasconcelos e que pelos seus
encantos tornou-se o ídolo de quantos a conhecem61

Esse trecho é um exemplo sobre como a mídia representava as mulheres, visto que se
trata de uma criança, a qual já estava sendo exposta em toda sua mocidade como futuro exemplo

58
Uma das revistas ilustradas de maior circulação e duração do Pará (1919 - 1942). Tratava de generalidades do
Estado e do Brasil. Contou com artigos escritos de grandes nomes da poesia e literatura paraense: Oswaldo Orico,
Rocha, Tavernard, entre outros. Fonte: http://www.fcp.pa.gov.br/2016-12-13-19-40-20/a-semana-revista-
ilustrada#1930
59
DOCUMENTO DO CENTRO DE MEMÓRIA DA AMAZÔNIA – CMA – 8ª vara penal – Suicídio (1950-
1957); processo de Dulcinea Lopes dos Santos (1952)
60
Revista A Semana, edição: n.1159, v.23, 6 dezembro, encontrada: http://www.fcp.pa.gov.br/2016-12-13-19-
40-20/a-semana-revista-ilustrada#1941
61
Revista A Semana, edição: n.1159, v.23, 6 dezembro, encontrada: http://www.fcp.pa.gov.br/2016-12-13-19-
40-20/a-semana-revista-ilustrada#1941
34

de mulher formosa. Havia algo que se esperava dessas mulheres, a feminilidade, o romance, o
casamento e outras diretrizes designadas ao universo feminino. Não atender essas expectativas
poderia ser um fator crucial para levar essa mulher ao suicídio. Apesar do número menor de
casos de suicídio de mulheres em relação aos homens nos documentos processuais e nos jornais,
não podemos ignorar que mulheres se matavam, afinal todos parecem convergir para
representações amorosas que se idealizava na época. SILVA (2009)

Mas, se o nascente mercado de jornais ajudou a consolidar a passagem do tema da


esfera religiosa para a esfera leiga, a competição entre os jornais levou-os a se
aventurar no campo ficcional na hora de informar os casos de suicídio. Essa cultura
sensacionalista chega até o Brasil dos anos 1950, onde jornais brasileiros, tentando
“furar” a concorrência, apuram os casos diretamente na Delegacia de polícia e, muitas
vezes, no próprio local o ocorrido, antes mesmo da chegada das autoridades policiais
competentes. Parentes das vitimas eram entrevistados, fotos e cartas de despedida,
publicados. Muitos casos de suicídio eram acompanhados pelo jornal como uma
pequena novela. (SILVA, 2009, p. 83).

Enquanto na documentação se especula a morte de Delfina Raquejo62, muito se diz


sobre o que levaria a jovem a fazer isso, no documento muito se fala sobre a suposta indução
do namorado para contribuição da decisão da moça de se suicidar, ingerindo o arsênio, em
linguagem laboral própria dos processos policiais. “Que na tarde do dia 18 de dezembro
próximo findo, DELFINA RAQUEJO, menor de 18 anos de idade, ingeriu forte dose de
arsênico, do qual resultou vir a falecer...” consta na documentação do processo da moça. “Hoje,
mais um temos a accrescentar na lista, não pequena dos que procuram no silencio das cousas
inanimadas a felicidade tranquilla, que a vida lhes negou, caprichosa e má”63. Também referente
a notícia do jornal Folha do Norte de 1940 sobre Delfina, a moça foi retratada de duas formas
diferentes, enquanto a mídia retratou sob um olhar romântico o fim da vida da moça, que morreu
para encontrar a suposta felicidade em meio ao silêncio da morte, o processo vem com o
objetivo jurídico e investigativo sobre a morte, mesmo que nele ainda exista representações
sociais dos seus depoentes. O jornal teve fundamental importância para o tom novelesco do
suicídio, do seu acompanhamento e como passar essas informações para a sociedade quase
como um conto de romance trágico. SILVA (2009)
A questão que leva as mulheres a cometer suicídio são representadas de formas
diferentes tanto pelos documentos processuais quanto pelos jornais, porém, há algo em comum,

62
DOCUMENTO DO CENTRO DE MEMÓRIA DA AMAZÔNIA – CMA – 5ª vara penal – Suicídio (1935/1940-
1941/1943); processo Delfina Raqueijo (1940)
63
Folha do Norte – 19 de dezembro de 1940 – Delfina Raqueijo, encontrado no CENTUR.
35

o papel de feminilidade imposto pela sociedade patriarcal, a qual ter um namoro estável, manter
a mocidade intacta, ter relacionamentos amorosos frutíferos poderiam interferir diretamente em
como essa mulher poderia ver a morte, talvez como forma de escapar dessas desilusões
amorosas, ou fugir do julgamento e do olhar imposto por aqueles que detinham a moral, ser
separada de um amor impossível parecia motivo plausível para o autocídio, porém, o que temos
que ter em mente é que essa retratação da possível realidade estavam aos olhos da mídia, a qual
representava a sociedade ou o que a sociedade gostaria de ler no jornal. Enquanto o processo
fala sobre o autocídio, o jornal faz a representação do olhar social sobre essas mulheres,
exigindo suas possíveis condutas. Tendo em vista que os jornais eram escritos majoritariamente
por homens, pensados e redigidos pelo masculino, isso refletia a sociedade patriarcal inserida
no meio jornalístico.

2.2 O papel feminino: mulheres, trabalho e suicídio.

O período de 1940-1950 foi marcado por guerras, sobretudo a Segunda Guerra


Mundial, os contextos globalizantes, a expansão do capitalismo. Belém, como capital de grande
relevância entrou nesse clima de urbanização e modernização com a expansão das ideias
liberalistas. A capital paraense deveria ser pensada como espaço em desenvolvimento, áreas de
expansão no sentido físico ou mesmo midiático, cultural e social (CHAVES, 2016). Talvez por
essa busca de um novo modelo de Belém ligado a uma americanização, as ideias de
emancipação feminina nesse período podem ter influenciado o comportamento dessas mulheres
belenenses, as quais algumas já ocupavam postos de trabalho, demanda exigida na capital, pois
o crescimento urbano necessitava da ocupação de determinados locais, nos quais as mulheres
foram adentrando. Tendo em vista que antes essas funções eram essencialmente masculinas,
como: cobradora de ônibus ou operária de uma fabrica de perfumaria, mesmo ocupando cargos
relativamente menores, ou ganhando menos64, não podemos deixar de perceber a importância
do que foi essa expansão das mulheres no âmbito trabalho no período da Segunda Guerra
Mundial. Como nos mostra SILVA:

64
Mulheres e homens, lado a lado, estavam inseridos no processo produtivo. O fato em si não alteraria, de imediato,
a relação subordinada das operárias na sociedade. Estas ocupavam as piores funções no trabalho produtivo, as
menos remuneradas. (MENDÉZ, 2005, p. 52.)
36

Em momentos de crise e guerra, a demanda pela força de trabalho feminina é


fortemente expandida, devido à ausência de figuras masculinas. Todavia, logo após a
reestruturação das condições econômicas, essa mesma força é mandada de volta ao
seu lugar de origem - nas atividades domésticas, de cuidado e de reprodução. (SILVA,
Lays, 2018, p. 1)

Em todas as fontes analisadas para compor o trabalho, pude perceber que as mulheres
exerciam funções relacionadas ao trabalho, sejam domésticas ou ocupando algum cargo. É
pertinente compreender o significado disso, principalmente nas décadas as quais estou tratando.
Sobretudo quando tratamos de domesticidade, que se referiu por muitos anos como o papel
feminino dentro do lar. Algumas das testemunhas chave para o caso de suicídio são domésticas,
como Carmita Gonçalves Resende65 citada no capítulo anterior, testemunha do caso de
Dulcinea, sendo também doméstica da família Montesuma Tobosa, como aparece nos autos do
seu suicídio. Segundo RIOS (2014):

Nesse conjunto de expansão das forças produtivas, a educação escolar foi avaliada
como ferramenta essencial de inclusão social, tanto por educadores, quanto para uma
extensa parcela da população que ambicionava uma função nesse processo. Às
pretensões republicanas sobre a educação como propulsora do progresso, soma-se a
sua função de instrumento para a reconstrução nacional e a promoção social.
Desta forma, as mulheres começam a entrar no mercado, em ocupações consideradas
compatíveis com a mulher, como professora, enfermeira, datilógrafa, taquígrafa,
secretária, telefonista e operária têxtil. Na mesma época, começam a entrar no mundo
acadêmico como minoria absoluta, na área de ciências sociais, onde é maioria hoje.
(RIOS, 2014, p. 2).

De acordo com as fontes, não tem como afirmar se essas mulheres foram para escola,
porém, a maioria sabia ler e escrever, pois deixavam cartas de suicídio aos seus familiares ou
pessoas que consideravam importantes. Como no caso de Dulcinea, que tinha apenas 15 anos,
deixando a carta ao seu amado Ofir66, mostrando que tinha certo grau de educação escolar.
Além disso, as cartas de suicídio eram muito presentes, e refletem uma instrução das mulheres
que cometeram autocídio. É pertinente pensar que havia determinada educação acerca dessas
mulheres nesse período, afinal, elas estavam saindo do âmbito doméstico para adentrar no
mercado de trabalho, mesmo que fossem como empregadas ligadas ao lar, ainda eram
assalariadas, RIOS (2014).

65
DOCUMENTO DO CENTRO DE MEMÓRIA DA AMAZÔNIA – CMA – 8ª vara penal – Suicídio (1950-
1957); processo de Ducinea Lopes dos Santos (1952)
66
DOCUMENTO DO CENTRO DE MEMÓRIA DA AMAZÔNIA – CMA – 8ª vara penal – Suicídio (1950-
1957); processo de Ducinea Lopes dos Santos (1952)
37

Doméstica, cobradora, bailarina, operária, comerciante, são exemplos de trabalhadoras


que cometeram suicídio de acordo com as fontes que se pôde obter acesso. Mesmo que tenham
sido representadas como “tresloucadas”67, não tem como descartas as pressões sociais impostas
no período estudado.
É importante destacar que ao falarmos de suicídio, os estudos realizados baseiam-se
em um âmbito de produção de conhecimento masculino. Estudos realizados por homens no
século XIX, amplamente discutido por médicos. Já se fazia diferenciação de gênero quando o
masculino estava em pauta e o feminino era visto de forma diferente, fragilizada, diminuída e
até mesmo menosprezada. Segundo LOPES (2007):

Assim, as próprias diferenças sexuais que são constituídas em discursos médicos brasileiros e
franceses sobre o suicídio, e que se expandem social e culturalmente, são territórios masculinos,
pois foram criados por homens, mais especificamente pelos homens da ciência, conferindo
status de verdade masculina e científica, ou seria melhor dizer, verdade científica masculina.
(LOPES, 2007, p. 243).

Por isso, quando falamos sobre suicídio feminino temos que ter cuidado com os
discursos sobre a causa associada à fraqueza da feminilidade, principalmente quando as
mulheres estão deixando o âmbito do lar para participar da vida comum. Se já não existia uma
boa visão sobre essas mulheres que deixavam o ambiente que a sociedade dizia ser seu lugar,
então nos discursos podemos ver certas reações, principalmente quando estamos falando sobre
a questão midiática. Afinal, mesmo que essas mulheres morressem devido a pressão de
conseguir um emprego, mesmo que houvesse motivações diferenciadas, as representações
sobre elas caíam no discurso do romance e da paixão.
Desse modo, em uma das matérias coletadas encontramos a seguinte notícia:
“Desconhece-se o motivo do ato que levou a tresloucada bailarina ao suicídio, correndo rumores
que fora amor contrariado”68, ou seja, as especulações, mesmo não garantidas e pouco
exploradas da curta notícia sobre a bailarina tem como foco sua vida amorosa, sendo que essas
mulheres que cometem o autocídio, muitas vezes, eram resumidas nesse aspecto. Enquanto os
homens tinham mais especulações acerca dos motivos que o levaram ao ato, as mulheres
“morriam de amor”.
Os papeis de gênero vão entrar no âmbito do casamento, cuja felicidade seria no
momento que os pares estão juntos, assim, os homens sendo os provedores do lar, pais

67
Diz-se da pessoa que não tem razão nem juízo; desvairado. Indivíduo que não tem juízo; enlouquecido.
68
Trecho retirado do jornal O Liberal – 30 de janeiro de 1951 Maria Magalhães. Encontrado na Hemeroteca
Digital.
38

amorosos, e as mulheres sendo cuidadoras do ambiente doméstico, ensinadas a cuidar do lar,


não cometeriam suicídio, LOPES (2007, p. 248). Pelos solteiros estarem jogados a vida
promíscua, principalmente as mulheres que ainda não haviam se tornado mães ideais, estariam
mais propensas ao suicídio. O que não se sustentava, pois nos casos em que analisamos, as
mulheres eram tanto casadas quanto solteiras.
A notícia vem quebrar esse pressuposto:

“Suicidou-se após o casamento – uma jovem de alta sociedade baiana atirou-se do


terceiro andar do Palace hotel, horas após o casamento – seu esposo ainda não pôde
falar”69

Apesar da notícia não ser referente a Belém, sendo noticiada no O liberal, podemos
perceber que mesmo recém-casada a jovem tirou a própria vida, ou seja, mesmo que as
especulações médicas para que pessoas que são solteiras teriam mais propensão ao suicídio por,
supostamente, serem promiscuas, essas afirmações parecem levianas se pegarmos alguns casos
documentados, sobretudo de homens nos processos que são casados. Não apenas o casamento,
contudo, quando se trata da mulher como mãe, tendo uma vida materna, caso negasse sua
natureza, provavelmente estaria entregue as insanidades da vida.70 A mulher deveria cumprir
seu papel ditado pela sociedade, caso não estivesse cumprindo suas funções sociais, estaria mais
facilmente influenciada pela loucura.
Para diversos setores do ambiente citadino, as leis naturais estabelecem o lugar da
mulher no lar e o do homem seria na esfera pública. Juntar esses seres tão diferentes e com
destinações sociais divergentes consistia em algo antinatural e desobedecia a ordem no plano
religioso. Tendo isso em vista, deveria haver educação diferenciada para meninos e meninas de
acordo com a herança do passado para reafirmar a ordem familiar. ALMEIDA (2014, p. 339)
Seria em nome de Deus, da família e da Pátria que deveria restringir-se o lugar da mulher ao
ambiente doméstico, ao lar, para, além disso, a questão biológica fornecia alvará para que a
manutenção do poder patriarcal mantivesse os símbolos femininos em submissão e obediência
nesses jogos de poder.

69
Trecho retirado do jornal O Liberal – 15 de janeiro de 1951. Obtido na Hemeroteca Digital.
70
A maternidade era vista como a verdadeira essência da mulher, inscrita em sua própria natureza. Somente através
da maternidade a mulher poderia curar-se e redimir-se dos desvios que, concebidos ao mesmo tempo como causa
e efeito da doença, lançavam-na, muitas vezes, nos lodos do pecado (LOPES, 2007, p. 249)
39

As mulheres sempre tiveram seus papeis impostos socialmente, porém, nesse período,
tornava-se comum que fossem designadas ao âmbito da domesticidade, então, a partir do
momento que esses papeis eram questionados ou mesmo subvertidos haveria críticas e
imposições. Quando tratamos de suicídio essa realidade não muda, principalmente porque para
muitos o suicídio tratava-se de uma doença social atribuída a indivíduos tresloucados, que
fugiam da racionalidade da sociedade.

Os médicos brasileiros que se dedicaram ao estudo o suicídio, (re)criaram, reforçaram


e impuseram distinções entre os campos do masculino e do feminino. Identificaram o
masculino com as imagens da força, resistência, trabalho, intelecto, razão e todo tipo
de atividade produzia em espaço público do trabalho e da vida social. Ao feminino,
ligaram imagens de fraqueza, debilidade, limitação, sentimentos incontroláveis,
emoção, docilidade, inferioridade física, mental e intelectual, frivolidade, atitudes e
comportamentos considerados próprios do espaço privado – a casa, o lar. (LOPES,
2008, p. 132).

A visão do feminino e do masculino a ver com o suicídio reflete a sociedade patriarcal


vivida na época. LOPES percebe que quando mesmo médicos atribuem determinadas
características “inferiores” a mulheres e a “superioridade” ao homem, isso vai se desenvolver
em estudos baseados em características sociais a ver com o que se representa do suicídio na
sociedade, quando o aspecto emocional está inteiramente ligado ao feminino e ao moral e o
trabalho e a honra estão ligados ao masculino.
De acordo com o documento de Delfina Raqueijo:

“Dai induzir-se que João houvesse deflorado Delfina não há algum tempo, e, fosse
esse motivo plausível do envenenamento de Delfina de vez que seu casamento com
João, fosse quasi impossível, e temer chegasse seu par e ter disse conhecimento. O
defloramento a vitima está descrito no laudo de exame cadavérico.”71

Mesmo que estivesse na década de 1940, a virgindade era imprescindível, mesmo que
não tenha como saber se Delfina matou-se por ter sido deflorada72, pois o processo dá
determinada importância a isso, afinal, Delfina foi, supostamente, proibida pelos pais a casar-
se com seu namorado. A moça poderia ter feito isso para manter sua honra moral como moça

71
Consta nos autos do processo: DOCUMENTO DO CENTRO DE MEMÓRIA DA AMAZÔNIA – CMA – 5ª
vara penal – Suicídio (1935/1940-1941/1943); processo Delfina Raqueijo (1940)
72
"Deflorar significa “tirar a flor”. Esse termo foi criado pela Justiça ainda no Código Penal de 1830, mas tornou-
se crime previsto com esta nomenclatura no Código Penal de 1890. É definido pelo Artigo 267 como crime contra
a segurança da honra e honestidade das famílias e do ultraje ao pudor público. Na consolidação das Leis Penais de
1932, o assunto ainda aparece como: “Deflorar mulher de menor idade, empregando sedução, engano ou fraude”.
Fonte:<https://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/a-legislacao-do-defloramento-
3h52bbgsvgdzy3fvajzcwo5se/>
40

virgem, no entanto, isso foi a representação imposta pelo processo pelo ato que Delfina cometeu
naquele momento, não se sabe se pelo namorado ou mesmo por realmente não poder continuar
com o envolvimento romântico. O que podemos perceber é quanto tais prerrogativas tinham
determinada importância para a vida feminina, mesmo quando falamos sobre suicídio.
Ser questionadas o tempo inteiro sobre sua honestidade moral, principalmente quando
essas mulheres tinham tenra idade ou mesmo trabalhos remunerados, certa independência
financeira e emocional, poderiam ser fatores chaves que as levassem a cometer o autocídio. O
trabalho feminino sempre foi questionado, principalmente pela capacidade ou não de exercer
determinada função, tais ações poderiam ser complicadas quando era preciso conciliar ser a
esposa fiel e o trabalho, diante das pressões sofridas.
A morte vinha com o intuito de por fim à tristeza, ao desamor, desilusão ou vergonha,
a morte encerra as dívidas e os falatórios, principalmente quando levamos em consideração as
cartas como forma de ruptura, apesar de seguir carregada de pedidos de perdão e de
justificativas. Tem-se uma confiança de que haverá perdão divino e terreno pela morte
voluntária. Mesmo o mistério das cartas, suas subjetividades e construção de determinados
segredos que apenas o suicida e a quem é remetido a mensagem sabem ou deveria saber,
MARCH ( 2017, p. 96).
O suicídio faz parte do cotidiano da vida belenense, sendo estampado em jornais sob
notícias extravagantes, sendo mensurado através de representações que povoam o imaginário
popular, o imaginário midiático que é porta voz da sociedade a qual essas pessoas estão
inseridas. As mulheres cometem o autocídio por motivos diversos, no entanto, não podemos
deixar de perceber as diferenças em cada uma dessas questões, seus desamores, suas tristezas,
suas dores, seu papel social naquele momento enquanto agente feminino da sua própria história,
afinal, havia uma motivação, contudo, o interessante é perceber como essas situações são
retratadas por meio de uma visão da sociedade patriarcal a qual impõe o papel feminino e muitas
vezes o não cumprimento desses papeis serviam de motivação para o fim da vida, ou pelo
menos, era este o discurso presente na narrativa dos jornais.
41

3. O SUICÍDIO MASCULINO

3.1 Entre o amor e a honra: Representações do suicídio masculino na mídia e nos


processos

Não podemos tratar de suicídio sem fazer diferenciações, sobretudo o que se propõe o
trabalho: a questão do gênero. Homens e mulheres se matam por motivações diferentes e
representações distintas impostas socialmente. Não podemos pensar no suicídio como algo
genérico, afinal, as diferentes pressões sociais que são impostas para esses grupos podem
influenciar diretamente em suas motivações, mesmo na forma a qual o jornal pensa na matéria.
Enquanto vimos no capítulo anterior que o suicídio feminino muita das vezes é atribuído ao
amor, mesmo que não necessariamente seja isso, o romance é ligado ao âmbito da mulher.
Contudo, quando percebemos o masculino, fica claro que a honra é uma motivação pertinente,
a humilhação publica a qual diversas noticias abordam nos faz refletir o quão importante e
valorizada seria a figura do homem como um padrão de comportamento moral e ético, ao qual
não iria se dispor a sofrer diante da esfera pública ou privada, mediante os olhares da sociedade.

Algumas matérias do jornal O Liberal consegue nos fazer perceber o quanto essa
questão da honra tinha importância em âmbito social. Como no primeiro caso que analisaremos,
Cosmo de Alencar73 ingeriu violento tóxico misturado a guaraná para atentar contra a própria
vida, afirmando em carta que Elizabeth Pacifico, sua ex-namorada, andava com outros pela rua
da sua casa para humilhá-lo publicamente. Para o homem, sua honra tem importância legítima
perante os tratos sociais. Segundo MARCH:

Ser traído trazia consigo o medo da perda da credibilidade social e a obrigação de


suportar o deboche e o escarnio que atingiriam diretamente a masculinidade tantas
vezes reforçada ao longo da vida por esse homem que não se imagina como sujeito
social sem o respeito adquirido no grupo. Para as mulheres o peso da traição era
diferente, pois atingia o sentimento pessoal, mas não alçava poder e importância social
ao nível do que ocorria com os homens. (MARCH, 2017, p. 85).

Ser visto pelo grupo tinha importância genuína, principalmente quando falamos sobre
a construção da masculinidade tendo em vista a sociedade patriarcal a qual esses agentes estão
inseridos. Os homens também sofriam de pressões sociais, apesar da óbvia diferenciação de
gênero que implicava para cada um dos indivíduos.

73
O Liberal - 18 de setembro de 1947 - Cosmo de Alencar – Encontrado na Hemeroteca digital.
42

A questão da honra era sintomática, principalmente quando analisamos os


depoimentos das testemunhas que presenciaram o suicídio ou receberam cartas de despedida da
vítima, como o caso de Manuel Durans Lisboa74, pardo, 42 anos, viúvo, cujo filho Manuel
Durans Filho, de 14 anos, afirmou em depoimento escrito no processo que não notara em seu
progenitor nenhum abatimento moral ou físico. Talvez dois motivos os quais levariam o homem
a cometer suicídio na década de 40 em Belém, afinal, temos um jovem de 14 anos atribuindo
motivações a um autocídio a qual ninguém, nem mesmo a vítima descreveu a sua real
motivação. Há alguns aspectos sociais comuns nos processos analisados, que poderiam aparecer
nos autos do processo e que talvez motivaram Manuel Durans a cometer o ato de tirar a própria
vida, a questão moral, honra, posse, doença ou sexualidade. Apesar da incógnita de seu ato, o
homem deixou algumas cartas de suicídio direcionadas a parentes, porém, nenhuma delas
consta de fato o motivo do suicídio.
No próximo caso, temos no curto bilhete de suicídio deixado por Alexandre Bastos
Mercês, 25 anos, branco, o texto seguinte:

Oneide Lopes Pinto, Residente na Rua Tupinanbás, nº 444 ou seja agora Avenida
Ceará confronte a estação. Pederasta ativa, prostituta das baixas possível e tendo ainda
o vício mais nojento que existe em deliciar-se de ‘chupar o membro de alguém como
fez com o meu’.

Alexandre Bastos Mercês.75

De acordo com o depoimento de Oneide Lopes Pinto, que consta no processo, ex-
namorada de Alexandre, a moça havia terminado com o rapaz que, inconformado, buscou pela
mulher outras vezes, inclusive aparecendo com o tóxico “formicida tatu”, para que a mesma se
matasse, no entanto, quem cometeu o ato foi o próprio Alexandre. Este deixara esse bilhete, de
acordo com o depoimento de outras testemunhas, com intenção de difamar sua ex-namorada.
Outros depoentes dizem que Alexandre agiu com despeito em relação a Oneide, escrevendo
que acreditavam que o rapaz se matou devido ao fim do relacionamento, não satisfeito, decidiu
tentar desmoralizá-la por meio do bilhete perante aqueles que o leriam.
A honra para Alexandre Bastos, vinculada ao sentimento de posse por Oneide, consta
nos documentos como motivação primária para o ato de suicídio.

74 DOCUMENTO DO CENTRO DE MEMÓRIA DA AMAZÔNIA – CMA – Inativos; processo de Manuel


Durans Lisboa (1942)
75
DOCUMENTO DO CENTRO DE MEMÓRIA DA AMAZÔNIA – CMA – Inativos; Alexandre Bastos Mercês
(1949)
43

O discurso da referida vítima tentava deixar algo claro à sociedade, como Alexandre
Bastos Mercês quis colocar todo seu desgosto pela vida em forma de bilhete a alguém que nutria
grande frustração. Porém, o discurso serve para a desmoralização, assim como sua moral e
honra foram atentados contra a sociedade, além do motivo da sua posse ter sido tirada. Afinal,
o bilhete de Alexandre, de acordo com algumas testemunhas, teve a intenção de difamar Oneide
Lopes Pinto76 após o termino com o suicida.
Os homens devem seguir determinados papeis sociais, esse papel funciona como um
status de conjuntos e deveres que devem ser seguidos (NADER e CAMINOTI, S/D, p. 5), algo
parecido com normas estipuladas. Por isso, muito se fala aqui sobre a questão da honra ou do
romance ligado a posse, explorando esses dois aspectos percebe-se que o lado masculino tem
diferenças nuanças em questões de tratos sociais, principalmente o que seria exigido desse
homem perante a sociedade.
A sociedade exige que o homem seja sexualmente ativo, que a transformação para a
vida adulta seja estabelecer vínculos sexuais com mulheres, normalmente de grupos sociais
diferentes, que tenham flexibilidade em ter uma vida sexual ativa. Dessa forma, a construção
do ser masculino adentra no âmbito afetivo e sexual, como esse homem era visto diante de
outros homens, como provar que era ativamente em sua própria masculinidade construída para
mostrar ao nicho social que poderia ser aceito como homem adulto. A literatura acaba ajudando
na visão desse universo masculino no período do século XX, homens deveriam ser, de acordo
com muitos literatos, rudes, sem refinamento, além de não aceitar desobediência ou negação da
sua autoridade. BRANDO (2008). Essa construção do ser masculino influencia diretamente no
que se pensa através dos jornais sobre aqueles homens que cometem suicídio, sobretudo quando
são contrariados, quando estão em posição de serem zombados ou mesmo tem seu objeto de
afeição negados ou mesmo os abandonando, isso relaciona-se a motivação de um possível
suicídio ou o que a impressa e os documentos acreditaram ser as suas reais motivações.
Saindo na capa do jornal do Folha do Norte uma notícia triste, Saturnino de Jesus77,
soldado, baiano e preto, cometeu suicídio com um tiro no próprio rosto, porém, a noticia trata
de romantizar quando diz que seu coração foi ferido, afinal, a noiva rompeu com o noivado. A
moça disse que não deveria ser esse o motivo que levaria o homem ao suicídio, no entanto, a

76
DOCUMENTO DO CENTRO DE MEMÓRIA DA AMAZÔNIA – CMA – Inativos; Alexandre Bastos Mercês
(1949)
77
Trecho retirado do jornal Folha do Norte – 12 de dezembro de 1940 – Saturnino de Jesus – Encontrado nos
arquivos do CENTUR.
44

notícia deixa claro acreditar que o rapaz de 24 anos morreu por amor interrompido, por não
mais ter sua amada ao seu lado.
Essa negação pela posse ou o impedimento, pelos mais variados motivos, as possíveis
derrotas numa disputa pela posse do corpo feminino ou a dedicação desses sentimentos serão
expressados nas cartas ou por outras formas. Compreender que há uma possessividade acerca
dos sentimentos de romance podem nos fazer entender que tipo de representações a sociedade
tem desse ser masculino, quando perde algo que acreditava lhe pertencer, isso pode terminar
em tragédia ou ser mostrado como uma. MARCH (2017, p. 92)
Quando se trata de amor para o universo masculino normalmente está ligado à posse.
Para o homem, a mulher lhe pertencia tanto quanto a um objeto, esse “amor possessivo” é
perceptível nas notícias, e poderia estar ligado ao suicídio desse homem, ao perder sua amada,
seu objeto de devoção, podendo acarretar no corte de seu vínculo com o mundo, cometendo o
autocídio.
Se a sociedade e a justiça consideravam que o homem poderia matar por amor, então
porque não tirar a vida pelos mesmos fins? Se seu motivo de posse não lhe correspondia ou
mesmo não se mantinha fiel a união estabelecida pelos dois, seja por abandono ou traição. Isso
nos faz refletir que existe um grande peso na solidão devido ao abandono ou mesmo quando o
homem é traído, além de ser julgado pela, suposta, incapacidade de sustentar o relacionamento,
sua honra seria quebrada e essa honra é um pilar de sustentação social tanto para o masculino
quanto o feminino, apesar de ser considerado de maneira diferenciada. Para as mulheres tinha
a ver com as regras acerca do próprio corpo, para os homens era o controle sobre o corpo
feminino e a vigilância constante. MARCH (2017, p. 85)
A posse nas questões amorosas tinha grande importância para esse homem que estava
sujeito a chacotas sociais caso perdesse seu objeto de devoção. Talvez por isso João dos
Santos78 era acusado de ter induzido Delfina Raqueijo79 ao suicídio, por ter perdido a moça
naquele momento, pela falta de permissão dos pais, não queria morrer sozinho. Se não ficariam
um com o outro, morreriam juntos. Apesar da indução de suicídio não ter sido comprovada, não
há duvidas de que houve o processo e suas representações seriam coerentes naquele momento

78
DOCUMENTO DO CENTRO DE MEMÓRIA DA AMAZÔNIA – CMA – 5ª vara penal – Suicídio (1935/1940-
1941/1943) – João dos Santos (1940)
79
DOCUMENTO DO CENTRO DE MEMÓRIA DA AMAZÔNIA – CMA – 5ª vara penal – Suicídio (1935/1940-
1941/1943); processo Delfina Raqueijo (1940)
45

com o tipo de visão que a sociedade tinha desse amor romântico, ao qual os dois não estariam
dispostos a abdicar, por isso, possivelmente, foram levados ato de suicídio.
O imaginário social construído acerca do romantismo, muitos personagens da
literatura eram capazes de matar ou morrer, MARCH cita o exemplo de Romeu e Julieta.
Naquele momento, até mesmo os juristas que fizeram comentários sobre o código criminal de
1940 afirmavam que era esperado um homem matar sua namorada, tomado por violenta
emoção, tentado o suicídio logo em seguida, pois seria incapaz de imaginar o seu mundo sem
a presença de seu objeto de afeição. Nesse caso, a tentativa de suicídio ou indução apareciam,
como prova de amor, MARCH (2017, p. 88).
As justificativas como o “amor”, o “romance”, “honra”, tinham perspectivas diferentes
dependendo do agente que cometia o suicídio, no caso dos homens era a posse e sua imagem
social perante a sociedade. Quando esta era abalada de alguma forma, poderia gerar
consequências e uma delas era o autocídio. Segundo RODRIGUES:

É nesse sentindo que o suicídio é entendido não como casos isolados de homens e
mulheres que por loucura acabaram com suas vidas, mas sim acontecimentos que
estão ligados à sociedade em que essas pessoas viveram. (RODRIGUES, 2007, p. 37).

Não necessariamente o suicídio acontecia pelos motivos expostos nos jornais ou


mesmo nos documentos, eram especulações que muitas das vezes vinham no conteúdo de forma
“espetacularizada” para que a leitura fosse mais atrativa. Então, quando notamos determinadas
notícias vinculadas à morte de um homem, podemos perceber a inclinação dos veículos
médicos, que fazem determinadas suposições a partir do que se compreendia por medicina do
suicídio ou do suicida no século XIX, a qual não passa a ser mera loucura, mas possui fatores
biológicos pertinentes. LOPES (2008) Além da questão médica tinham determinadas
tendências sociais, como no caso dos homens que cometeram suicídio devido a paixão de posse,
a honra quebrada diante da sociedade que tinha uma ordem vigente. Como já se esperava alguns
comportamentos resolutos do agente que cometeu o autocídio, era de se assumir que o jornal
refletiria aspectos ligados a exigências sociais.

“Levado por violenta paixão resolveu pôr termo á vida – quem e’ a vitima”80

80Trecho tirado do jornal O Liberal - 19 de novembro de 1947 - Alcindo Carvalho Brito – Encontrado na
Hemeroteca digital.
46

O jornal especula sobre uma possível paixão que teria arrancado a vida de Alcindo
Carvalho de brito, mais conhecido como “abaete” ou “Paisandú”, paraense e engraxate, apesar
da especulação, a matéria não aprofunda o que acredita ser a motivação de Alcindo, a suposta
conjectura parecia suficiente ao jornal, tendo o rapaz como alguém “boêmio” que encontrou
um forte amor, matando-se em seguida. Nada mais que isso, sem nenhuma outra argumentação
ou categoria, motivos ou cartas, apenas a violenta paixão, como se para o jornal fosse motivo o
suficiente para que o jovem tenha morrido. Se conformavam com tal expectativa, sem o
aprofundamento sobre a morte. Não é como se não considerassem a loucura daquele ato, afinal,
o suicídio era visto como ato de tresloucados. LOPES afirma:

A constatação de que o amor romântico tem condições de existência sugere que foi
preciso aprender a amar romanticamente, que foi constituído e/ou permitido pelas
obras literárias românticas e por determinadas características. Entre as características
mais importantes, pelo menos em relação ao suicídio, então a inconfundível
disposição ao sofrimento, um modo trágico, heroico e dramático de amar, e a
inviabilidade da relação amorosa. (LOPES, 2008, p. 170).

A tragédia ligada a vida amorosa está em diversos documentos, sejam de homens ou


mulheres, as paixões violentas, a posse sobre o corpo feminino pelo masculino, em sua maioria
ligadas ao sentindo trágico, de um amor interrompido, uma paixão que não deu certo por isso
termina nessa trágica literatura romântica exposta pelos jornais dá época, como se contassem
uma história de um acontecimento quase pitoresco, divulgando amores ou humilhações
masculinas que deveriam ser mostradas ao mundo, mesmo que os protagonistas dessas matérias
não necessariamente concordassem ou mesmo se vissem dessa maneira, contudo, são suas
representações acerca do que essa sociedade percebe ou mesmo que ela exige como uma quase
dramaturgia do suicídio.

3.2. – Trabalho, sexualidade e o peso da morte

O suicídio tem várias representações, sobretudo quando lemos os documentos ou


notícias de jornais, uma das prováveis motivações para a morte desses suicidas masculinos é a
questão do trabalho, que tem uma fundamental importância na sociedade, principalmente nesse
período de 1940-1950, em que o homem é o suposto provedor do lar, então cabe a ele a
responsabilidade de subsidiar o sustento da família, além de sofrer pressão social para que isso
47

seja uma verdade quase indiscutível. Nesse tópico vamos analisar não apenas o trabalho ligado
a honra, mas também a sexualidade e as nuanças do suicídio.

Um homem de sucesso não se suicida. Só poderia ele então estar louco! Essa era uma
constatação corrente nas explicações dadas por testemunhas sobre suicídios de
pessoas abastadas, que exerciam uma profissão, tinham família, amigos e nenhuma
anomalia física aparente. (MARCH, 2017, p. 89).

Homens cometem suicídio pelos mais variados motivos possíveis, porém, não era
incomum a atribuição a loucura, ou como chamavam os jornais, tresloucados. No primeiro caso
desse tópico temos o psiquiatra Dr. Aluizio Fonseca81, paraense, casado, notícia de 1951,
homem bem-sucedido, conhecido na sociedade paraense como médico de boa índole, como
mostra o jornal O Liberal, cuja matéria traz grande comoção a respeito do homem. Porém, o
que levou alguém bem-sucedido a cometer suicídio? O jornal especula que Aluizio, desde que
houvera dado alta a um paciente com problemas mentais, vinha sofrendo abatimento, pois o
paciente Samuel Muller não estava “radicalmente curado” da doença da loucura, como constata.
O psiquiatra relutou em atender o pedido de Samuel que disse querer trabalhar e receber alta,
mas comovido por sentimentos “humanitários” atendeu a solicitação do homem, porém, isso
iria contra sua ética médica, ao atentar contra a própria moral diante da sociedade, O Liberal
coloca: “julgando ser desmoralizado com aquele gesto, a que fora levado pelo coração o Dr.
Aluizio Fonseca foi ao extremo de por termo à vida”. O médico cometeu suicídio enforcando-
se no punho de uma rede.
Pela falha que cometeu o médico, foi de extrema importância para ele como agente
social transparecer uma imagem de honestidade que foi abrasada por sua suposta fraqueza
emocional. O discurso da notícia de jornal deixa claro que se pensa no emocional masculino
como algo falho, algo que não deveria existir, principalmente porque supostamente o homem
deveria ser dotado de racionalidade nessa sociedade que os papeis estão pré-estipulados,
contudo, quando esse homem foge disso, o que restaria a ele senão a retaliação e o fim da vida.

“Repercutiu dolorosamente o gesto tresloucado do psiquiatra – as causas do suicídio”82

Apesar do “saber médico” nesse período abordar de forma biológica e a nível mental
certos casos de suicídio, não é incomum que os atos de autocídio caiam na questão da loucura,

81O Liberal - 14 de maio de 1951 - Aluizio Fonseca – Arquivo encontrado na Hemeroteca digital.
82
Trecho retira do jornal O Liberal - 14 de maio de 1951 - Aluizio Fonseca – Arquivo encontrado na Hemeroteca
digital.
48

principalmente quando se trata de um médico psiquiatra bem sucedido que cedeu ao seu lado
humanitário e deu alta a um paciente o qual não deveria, sofrendo as pressões de sua moral por
causa dessa atitude, porém, é importante perceber que o próprio jornal atribui conceitos ou
mesmo culpa a determinadas atitudes, responsabilizando o indivíduo ou mesmo atribuindo
loucuras que não necessariamente existiam na vida do agente suicida, pois eram as deduções
de senso comum da sociedade representadas em manchetes de jornal.
Nesse sentindo conhecemos o caso de José Alves Lessa Filho83, 38 anos, funcionário
do S. M. L., casado, que foi acusado em seu emprego de ter roubado uma caneta. De acordo
com o documento, não ficou provado que o homem realmente afanou o objeto, contudo, o
policial investigador do caso afirmou que Lessa jogara a caneta ao pátio para não ser acusado.
Após ingerir o famoso Formicida tatu84, usado comumente nos suicídios analisados, faleceu
tendo deixado uma única carta endereçada a aquele que, supostamente, o havia induzido ao ato
de suicídio, pela acusação, atentado contra sua honra diante da sociedade.
Como esse homem era visto diante da sociedade tinha importância crucial e a imagem
que o jornal passa é como se tentasse justificar o suicídio de Lessa 85, que deixou a carta
praticamente acusando outros a tal ato. O suicídio não é apenas uma violência contra si, muitas
vezes é uma reação contra a sociedade, contra terceiros que o cercam, por isso muitas cartas de
suicídio indicam uma culpabilização de outras pessoas.86 Pelo que podemos perceber nos
jornais, o senso é de que as mulheres se suicidam por homens e os homens não apenas por
mulheres, mas também situações que envolvem outros homens.
A questão da sexualidade pode entrar em voga quando se trata de suicídio,
principalmente pela forma que essa homossexualidade (tratando-se de homens) era vista pela
sociedade. Do âmbito religioso, o homossexualismo87 começou a ser tratado pela ciência de
forma higienista, sobretudo no século XX, como passou a ser doença, poderia ser tratado pela

83
DOCUMENTO DO CENTRO DE MEMÓRIA DA AMAZÔNIA – CMA – 8ª vara penal – Suicídio (1950-
1957); José Alves Lessa Filhos (1957)
84
O Formicida tatu que existe nos dias de hoje é encontrado em vários processos e notícias de jornal, sendo bastante
comum o suicídio por ingerir o veneno, seguido de enforcamento com punho de rede. É sintomático pensar na
facilidade do acesso ao veneno para que aconteça a ingestão desse produto popular entre os que ameaçavam a
própria vida.
85
DOCUMENTO DO CENTRO DE MEMÓRIA DA AMAZÔNIA – CMA – 8ª vara penal – Suicídio (1950-
1957); José Alves Lessa Filhos (1957)
86
Se muitos não deixavam indicações da culpa de terceiros, às vezes fazendo questão de informar que ninguém
havia contribuído para tão deplorável fato, outros não pouparam palavras para acusar pessoas. (FERREIRA, 2004,
p. 90).
87
A homossexualidade foi ao longo dos tempos e das diferentes culturas, motivo de punição, de vergonha,
segregação e violência contra todos aqueles que atravessassem a fronteira da heteronormatividade. (MOLINA,
2011, p. 950).
49

medicina, ainda sendo visto de forma negativa pela sociedade. MOREIRA (2012, p. 256-257)
Pelas pressões impostas socialmente, um homossexual ou pederasta, mais comumente chamado
no período de 1940-1950, poderia cometer suicídio por causa de sua sexualidade. Contudo, ser
visto apenas dessa forma pelos processos indicava o quanto à sociedade não estava preparada
para esses tipos de vivências. Segundo MACHADO:

A extensão dos domínios de ação do poder e saber médicos se fez a partir da família
burguesa, do núcleo familiar burguês. Foi a família que exigiu e incitou o discurso
médico e foi ela que o reproduziu. Foi ela que articulou os objetivos gerais de um
projeto de ação sobre a saúde do corpo social com a ação sobre os indivíduos, sobre
o corpo individualizado. (MACHADO, 2010, p. 20).

Lucival Ataíde da Silva88, 16 anos, pardo, paraense, estudante, cuja família acreditava
que a melhor forma de sanar o seu “problema” era enviando-o para o Educandário “Magalhães
Barata”89, na ilha de Cotijuba, pois o rapaz fora acusado de roubo e pederastia90, sendo um
“pederasta passivo” 91 como informa o documento, o qual relata que, apesar dessas acusações
e pelo local que Lucival era mantido, o rapaz tinha boa índole, contrastando com suas
inclinações sexuais.
A família acreditava que manter o rapaz no Educandário por mais 6 meses iria lhe
fazer bem, porém, Lucival fugiu do local sendo encontrado em uma estrada com a latinha de
Formicida tatu em sua posse, indicando envenenamento, ainda tentaram acudi-lo do suicídio.
A mãe que recebera suas cartas pedindo que o deixasse voltar para casa, não se pronunciou nos
documentos, indicando certo afastamento, talvez devido a homossexualidade do rapaz que a
levou a coloca-lo em prisão, tão mais isso que o roubo que cometera anteriormente.

88
DOCUMENTO DO CENTRO DE MEMÓRIA DA AMAZÔNIA – CMA – 8ª vara penal – Suicídio (1950-
1957); Lucival Ataíde da Silva (1950)
89
Fundado em 1933, o educandário era na verdade um presídio para jovens infratores. O primeiro presídio do
Pará. Altos índices de criminalidade na época fizeram com que se construísse esse prédio. Foi durante o governo
de Magalhães Barata, que comandou com braço de ferro o local. Dizem que os presos mais famosos e perigosos
eram mortos quase que imediatamente à chegada ao local. Isso fez com que se criasse uma falsa imagem do
governante como apaziguador da ordem pública. Porém, todos sabiam a razão dos marginais terem sumido da
cidade. Durante o governo/ditadura militar de 45 serviu de prisão para presos políticos. Fonte:
http://www.lugaresesquecidos.com.br/2013/11/ruinas-na-ilha-de-cotijuba-amazonia-pa.html.
90
[Pejorativo] Indivíduo do sexo masculino que mantém relações sexuais ou afetivas com outros homens. Fonte:
https://www.dicio.com.br/pederasta/
91
Os escritores brasileiros estavam de acordo quanto à existência do pederasta “ativo”, bem como do “passivo”,
como fizeram Viveiros de Castro e Pires de Almeida na virada do século, mas a ênfase estava no indivíduo que se
ajustasse mais de perto às representações tradicionais da mulher na sociedade brasileira, ou seja, o homem
afeminado que, segundo as aparências, era receptivo no ato sexual. O parceiro “ativo” presumivelmente possuía
características masculinas e, logo, não compartilhava da mesma essência homossexual fixa típica do homem
afeminado. (GREEN, 2000, p. 238).
50

Eis então o contexto no interior do qual é desenhado o personagem do “adulto


perverso”, que por sua vez dará origem ao homossexual; indivíduo este definido por
sua sexualidade anormal e desviante, que será diagnosticado e que deverá ser curado.
É então a instituição médica que o define, que o desenha e que dele se ocupa.
(MACHADO, 2010, p. 26).

O discurso e as pressões que Lucival Ataíde recebeu durante os dois anos que passou
no Educandário para ser tratado de uma doença que nunca existiu, podem ter contribuído para
seu ato de por fim a própria vida. Principalmente em uma sociedade que não aceitava as
diferenças sexuais, que priorizava um modelo familiar, onde o que quer que fugisse disso
poderia ser facilmente questionado. Homens deveriam exercer seus papeis fundamentais, então
não poderiam ter a livre sexualidade, apenas quando esta era para seu oposto, o feminino. De
acordo com MACHADO:

Em suma, poderíamos afirmar que a delimitação dos contornos do corpo perverso se


deu em um momento em que a sexualidade começou a se tornar um domínio
específico da personalidade dos indivíduos e o sexo se tornou uma preocupação para
a sociedade por sua capacidade de produzir vida e de reproduzir vícios e taras.
Elemento que os define, a sexualidade é um domínio de sua natureza que deve ser
interrogado, revelado, confessado. O confessionário então dá lugar ao consultório, ao
divã e à clínica. (MACHADO, 2010, p. 34)

A sexualidade naquele período poderia passar por um desvio, principalmente quando


a analise médica estava estipulando seus limites com relação a sexualidade de outrem. O
suicídio era considerado ato daqueles que eram “loucos”, tresloucados que não conseguiam se
prender a vida, optando pela morte, a homossexualidade tinha os mesmos princípios, de
anormalidade perante ao fluxo imposto pela sociedade ditando a vida de outro indivíduo.
Lucival92 poderia ou não ter cometido suicídio por ter sido preso devido a sua natureza
sexual, principalmente pela pressão sofrida da família, o rapaz era tido como pederasta passivo,
como citado nos documentos, nos autos do seu laudo de morte, isso significa que de certa forma
o rapaz era visto como tendo uma natureza “feminina”.
Chegava a ser comum que muitos autores brasileiros reproduzissem a ideia marcante
de feminilidade na homossexualidade masculina. Assim como vários autores europeus que
trabalhavam sobre delimitações da diferenciação. Ainda de acordo com seu artigo, os médicos
brasileiros reafirmavam a natureza inegável e natural da separação dos sexos, reconstruindo a
imagem de um homossexual cujo gênero era invertido. MACHADO (2010, p. 77)

92
DOCUMENTO DO CENTRO DE MEMÓRIA DA AMAZÔNIA – CMA – 8ª vara penal – Suicídio (1950-
1957); Lucival Ataíde da Silva (1950)
51

Pela natureza desses pensamentos, principalmente quando a figura feminina é ligada a


fragilidade e a masculina ao poder e à força, pode-se percebe os papeis de gênero sendo
quebrados, questionados e mexidos, então não se aceitaria plenamente a sexualidade do outro,
essas imposições e pressões poderiam ter feito Lucival Ataíde93 cometer suicídio, com a
colaboração de julgamentos dos que estavam ao redor ou seus parentes, mas o que importa
analisar é sobre como essa sexualidade poderia ser notada, sobretudo nas décadas de 1940-
1950, como Leonardo Machado afirma em seu texto sobre homossexualidade, não era aceitável
devido a uma construção de anos ao redor dos pensamentos que permeavam a vida cotidiana
dessas pessoas, muitas vezes ligadas à religiosidade, posteriormente ao saber médico, há uma
possível cura ou uma imposição jurídica sobre reincidência.
A doença poderia ser um fator motivador do suicídio, tanto por homens quanto por
mulheres. MARCH (2017, p. 94). A expectativa de morrer devido a alguma doença fatal poderia
ser um fator crucial para o suicídio em questão. O fotógrafo Francisco Moreira de Sousa94 de
19 anos, pardo, paraense, cometeu suicídio ao descobrir que não tinha muito tempo de vida.
Aparentemente, o rapaz estava com a chamada “peste branca”, como a notícia diz, teria que
conviver com a doença até o fim dos seus dias, os quais não tardariam a chegar, por isso, de
acordo com o jornal O Liberal, envolveu a corda no pescoço, tirando a própria vida. No jornal
fala sobre o ato “desesperado” que o rapaz se acometeu assim que descobriu estar doente, não
podendo sobreviver por muito tempo.

A partir dessas condições de possibilidade, o olhar médico fora obrigado a buscar


também no meio social as causas de suicídio, aquilo que poderia fazer um indivíduo
considerado ―normal‖ preferir a morte à vida. Mas essa influência considerada
―externa‖ ao indivíduo o atingiria inevitavelmente, alterando, seu físico, seu
equilíbrio mental e emocional. (LOPES, 2011, p. 3).

Levar alguém a cometer suicídio em tamanho desespero por ter recebido a notícia de
que sua morte estava próxima é algo sintomático, principalmente quando tratamos de homens
que deveriam ser, de acordo com estudos da época, principalmente explanados por médicos,
pilares de racionalidade, de força, contudo, como podemos perceber pelos processos, essa
masculinidade compulsória só serve para que aqueles que quebram os padrões se sintam errados

93
DOCUMENTO DO CENTRO DE MEMÓRIA DA AMAZÔNIA – CMA – 8ª vara penal – Suicídio (1950-
1957); Lucival Ataíde da Silva (1950)
94
O Liberal - 18 de maio de 1951 - Francisco Moreira de Sousa – Arquivo encontrado na hemeroteca digital.
52

em sua própria sanidade. O equilíbrio emocional, físico e mental pode ser muito bem
influenciado por fatores externos muitas vezes dessas realidades apresentadas.
Seja por imposições sociais, seja por doenças, seja pela sua sexualidade, o homem em
foco é vítima de uma sociedade que impõe seus alicerces firmes e rígidos para que se siga um
padrão construído, ao que se refere em ferir esses paradigmas impostos, se foge do que é correto
e moral, do que é ético, o indivíduo analisado quebra esse padrão de alguma forma, o homem
“ideal” fica apenas na linha da idealização, quando na verdade não se deveria exigir que se
seguisse um roteiro pré-estipulado, a morte é uma forma de controlar a própria vida95.
Esses homens são agentes de sua própria história e da sua natureza, em protesto
silencioso, representados por suas condutas pertinentes, muitas vezes mostrados como loucos
por fugir da via que infligia sua emocional racionalidade, são tomados e julgados em certa
instância. Verifica-se a forma que eram vistos e lidos, muitas vezes fugindo do discurso de suas
cartas, os homens que pretendiam dar significado ao recado para outros ou para a sociedade
como uma forma de protesto pela suposta condição a qual se encontravam.

95
“Pode-se dizer que o velho direito de causar a morte ou deixar viver foi substituído por um poder de causar a
vida ou devolver à morte”. Foucault explora a questão do poder dos governantes sobre a vida de determinados
indivíduos, onde o suicídio é em certa instancia o agente tomando controle da sua própria vida, determinando o
momento que ela termina. ( FOUCAULT, 1997, p. 130).
53

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O que podemos notar com relação ao suicídio são suas diversas nuanças e
singularidades dependendo do agente que o emprega. Todos esses casos foram, ou amparados
pela justiça através dos processos, ou especulados pelos jornais em suas notícias “fabulescas”,
quase como um romance com final trágico. Essas fontes têm diversas representações diante da
sociedade e do período abordado nesse trabalho, de 1940 a 1950. Todos têm legítima
importância diante do que se propõe a ser apresentado e estudado. É por meio dos suicídios
pesquisados e ocorridos nesse período que venho fazer uma análise do que seria essa construção
diante da imprensa que noticia tais tragédias, além da concepção do que é uma mulher suicida,
o que ela simboliza diante de uma sociedade patriarcal. Homens que cometem o suicídio devido
a honra, a sexualidade ou ao que se é exigido do ser masculino.
A lente de gênero vai tomar espaço quando tratamos de diferenciações e
representações do suicídio, visto que até o século XIX se acreditava que mulheres se matavam
mais, atribuindo, através do discurso médico, que essa característica era ligada a fraqueza
moral, ao corpo biologicamente frágil dessa mulher que cometia o autocídio, porém, através de
estudos no período do século XX, percebeu-se que homens se suicidavam mais, nesse intento,
o discurso médico muda, se antes se atribuía fraqueza e fragilidade, agora a coragem prevalece
como símbolo masculino para o suicídio, já que esse homem sofria pressões diárias de esfera
publica, era comum que cometesse com frequência maior o autocídio, no que se reflete em uma
possível coragem diante da sociedade que o oprimia para matar-se. LOPES (2008) Talvez por
isso as fontes de suicídio feminino são relativamente mais escassas. Além disso, normalmente
nesse período de 1940-50 se optava, em sua maioria, tomar tóxicos, ressaltando a ingestão do
“formicida tatu”.
Nos jornais pesquisados, as notícias acerca do suicídio eram narradas com semelhança
a contos, com teor de tragédia no final, com certas fábulas em suas folhas para chamar a atenção
do leitor, ao contrário dos processos cujo intuito jurídico deixava claro a pretensão de análise e
arquivamento dos casos, visto que na sua maioria não havia indução ao suicídio, então não tinha
porque ocorrer investigações além de ouvir as testemunhas próximas da vítima. A escrita era
predominantemente técnica, de certo modo, com análise de cartas ou bilhetes, quando havia,
54

para explicitar as possíveis motivações. Algumas manchetes dos jornais deixavam claro que
muito do que se escrevia na notícia fora reportado através da polícia ou de inquérito processual.
O ato de suicídio nada mais é do que exercer o controle sobre o próprio corpo: “não
deve surpreender que o suicídio – outrora crime, pois era um modo de usurpar o direito de morte
que somente os soberanos, o daqui debaixo ou o do além, tinham o direito de exercer”. A
sociedade diz o que devemos ou não fazer sobre nossas vidas ou mesmo o nosso corpo, não
deveríamos nos matar por motivos religiosos ou mesmo pela fraqueza emocional, toda a carga
moral que o autocídio trás consigo. Então, quando alguém comete suicídio é como se fizesse
um protesto silencioso contra esse sistema de manutenção de poderes que coíbem esse homem
ou essa mulher de viverem fora dos papeis pautados nas diretrizes impostas socialmente,
FOUCAULT (1977, p. 130)
“Eu sim pertenço a mim”, (LIMA, 2015, p. 9). O Suicídio afronta o poder religioso
que opera em nós um grande temor sobre a morte, diz o autor. O Autocídio Subverte o discurso
médico, psiquiátrico, deixando uma carta, um bilhete, um sinal as vezes inventado, suas
revoltas, seus amores, paixões, tudo de certo modo resumido em algumas palavras para
determinadas pessoas ligadas ou não ao suicida, parecendo o último suspiro silencioso antes do
abraço da morte, LIMA (2015).
A ruptura com a vida é um ciclo que se encerra para essas pessoas que em seu íntimo
deixaram alguma impressão ao mundo, seja por meio de carta ou mesmo frases ditas a pessoas
próximas. Os suicídios estudados, as testemunhas, os agentes que cometeram o ato da morte
contra si mesmo, em uma perspectiva distinta do que poderia ser noticiado, de alguma forma
são protagonistas das suas próprias histórias, seja a mulher que sofreu por amor, por suas
paixões, essa era a imagem que a mídia queria passar, o romance feminino e delicado. Seja o
homem cujo papel social era estabelecido desde a mocidade, com intento de ser o provedor, de
mostrar sua racionalidade, em muitos dos momentos posto a prova por mazelas morais e éticas
que o induziam ao suicídio.
Portanto, os papeis sociais devem ser constantemente questionados, através do suicídio
podemos perceber como isso atinge essas pessoas de maneiras distintas, quase como uma obra
literária cujo final é a morte. A história contada por relatos sejam eles escritos ou falados, as
mensagens anunciadas, as denúncias, os desesperos, seus desamores, tudo isso entra em voga
diante de duas décadas pertinentes na cidade de Belém, cuja imagem se reflete por meio dessas
vozes antes silenciadas.
55

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Fontes primárias
Periódicos:
O Liberal
Folha do Norte
A Semana

Processos:
DOCUMENTO DO CENTRO DE MEMÓRIA DA AMAZÔNIA – CMA – 5ª vara penal –
Suicídio (1935/1940-1941/1943); processo João dos Santos (1940)
DOCUMENTO DO CENTRO DE MEMÓRIA DA AMAZÔNIA – CMA – 5ª vara penal –
Suicídio (1935/1940-1941/1943); processo Delfina Raqueijo (1940)
DOCUMENTO DO CENTRO DE MEMÓRIA DA AMAZÔNIA – CMA – 8ª vara penal –
Suicídio (1950-1957); processo de Dulcinea Lopes dos Santos (1952)
DOCUMENTO DO CENTRO DE MEMÓRIA DA AMAZÔNIA – CMA – 8ª vara penal –
Suicídio (1950-1957); José Alves Lessa Filhos (1957)
DOCUMENTO DO CENTRO DE MEMÓRIA DA AMAZÔNIA – CMA – 8ª vara penal –
Suicídio (1950-1957); Lucival Ataíde da Silva (1950)
DOCUMENTO DO CENTRO DE MEMÓRIA DA AMAZÔNIA – CMA – Inativos;
Alexandre Bastos Mercês (1949)
DOCUMENTO DO CENTRO DE MEMÓRIA DA AMAZÔNIA – CMA – Inativos; processo
de Manuel Durans Lisboa (1942)

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