Rio de Janeiro
2001
A Marcelo Duarte de Almeida e Elba Lima Guimarães, pela razão mais sublime.
AGRADECIMENTOS
“O que você acredita que é um artista? Um imbecil que só tem olhos se for pintor, ouvidos
se for músico, ou uma lira em todos os andares do coração se for poeta, ou mesmo, se for
boxeador, apenas músculos? Muito pelo contrário, ele é ao mesmo tempo um ser político,
3
constantemente em alerta diante dos dilacerantes, ardentes ou doces acontecimentos do
mundo, refletindo-os na forma como realiza as suas obras. Como seria possível
desinteressar-se dos outros homens? Graças a qual indolência dissociar-se de uma vida
que eles lhe trazem de modo tão abundante? Não, a pintura não é feita para decorar os
apartamentos. É um instrumento de guerra ofensivo e defensivo contra o inimigo”.
(Pablo Picasso)
RESUMO
ÍNDICE
ABRE-ALAS ......................................... 13
INTRODUÇÃO .............................16
1 - REFLEXÕES EM TORNO DA CULTURA POPULAR: O MUNDO DO SAMBA COMO
OBJETO DE ANÁLISE ACADÊMICA 41
1.1 – A procura das “raízes do samba” ............................................................44
1.2 – O embate ideológico: cultura erudita x cultura popular ...................53
1.3 – Cultura popular, culturas populares............................................59
1.4 – A ascensão do samba como expressão maior da cultura popular ...62
6 – CONCLUSÃO .........................258
7 – BIBLIOGRAFIA ......................264
ABRE-ALAS
1
CARNEIRO, Maria Luiza Tucci. Livros Proibidos, Ideias Malditas - o Deops e as minorias silenciadas. São
Paulo: Estação Liberdade: 1997.
2
ENGEL, Pascal. Pode a Filosofia escapar da História? In: Passados Recompostos – campos e canteiros
da História. Rio de Janeiro: UFRJ: Fundação Getúlio Vargas, 1998, p.112.
3
O registro PCB é cassado em maio de 1947, entretanto, o mandato de seus parlamentares é mantido até o
ano seguinte, permitindo ainda que de maneira restrita, a atuação legal dos deputados e senador
comunistas.
7
Tribuna Popular, ambos do Rio de Janeiro, lançados em 1945, com uma tiragem bastante
significativa, são bons parâmetros para se entender o aquecimento das atividades do
Partido Comunista naquele momento.
“(...) O auge desta imprensa de partidos, especialmente do PCB, acontece nos pós-1945,
com a redemocratização do país. Neste momento, o PCB possui nove jornais diários, nas
principais cidades brasileiras, inúmeros semanários, diversas revistas, duas editoras. (...)
Pela primeira vez em sua história, [o PCB] torna-se partido de massa: o número de
aderentes e de simpatizantes aumenta de maneira extraordinária. É vasta a quantidade
de jornais e revistas sob a sua chancela, publicados em todos os Estados e Distrito
Federal; são inúmeras as editoras e há toda uma orientação, não só na publicação de
material do próprio partido, como nas edições de romances e clássicos do marxismo”. 4
4
CARONE, Edgar. O PCB – 1943-1964. São Paulo: DIFEL, 1992, pp. 3 e 5.
8
A Tribuna Popular destacou-se por seu importante esforço em se aproximar das escolas
de samba, por intermédio de sua entidade representativa, a União Geral das Escolas de
Samba. As relações pareciam bastante sólidas (não fosse a forte repressão que o Partido
sofreria nos anos seguintes), chegando a Tribuna Popular a se intitular o veículo oficial
das escolas de samba e tomando a frente da organização dos desfiles em parceria com a
UGES, como o célebre desfile de novembro de 1946, em homenagem ao Cavaleiro da
Esperança.
Estimulado com o sucesso do desfile, o jornal passa a se dedicar mais intensamente à
cobertura dos preparativos para o desfile de 1947, denominado Carnaval da Vitória,
acompanhando a movimentação das escolas de samba e seus barracões, os ensaios e
festas, ressaltando o quanto inventivas e talentosas eram aquelas pessoas do morro, mas
sobretudo trazendo às suas páginas principais as mazelas sociais que acometiam as
camadas mais carentes da população. Intervir naquele cenário, através de uma
estratégia de condução dos sambistas – vislumbrados pelo Partido como “as massas”,
desorganizadas, mas com um estupendo potencial revolucionário – ao comunismo, mais
precisamente ao PCB, e eleger os seus candidatos para todas as esferas políticas,
passou a ser uma das preocupações centrais do Partido em relação ao mundo do samba.
No exame das fontes, perceberemos também uma outra expectativa em relação ao
mundo do samba: a de que seja tirada daí a orientação cultural dos comícios do PCB. A
cada festa eleitoral, era norma do próprio Partido chamar a indispensável presença das
escolas de samba que, com seu ritmo e com seus componentes de maior expressividade
entre determinada comunidade, atraíam as massas para ouvirem a mensagens da
inteligentsia do Partido, geralmente representada por João Amazonas, Jorge Amado e
Luiz Carlos Prestes.
As marchinhas e sambas com letras políticas eram os ritmos preferidos para as festas
eleitorais do Partido, que acreditava assim estar se comunicando melhor com as massas
e ao mesmo tempo prestando-lhes o serviço de levar-lhes cultura e educação, tarefas que
considerava serem da alçada do Estado, mas que há muito este estaria se eximindo.
As visitas à redação do Jornal Tribuna Popular pelos sambistas e as homenagens
constantes das diretorias das escolas de samba aos dirigentes do PCB e ao jornal, nos
revelam que as relações entre ambos não se davam de forma unilateral. Era patente a
reciprocidade do mundo do samba, que abria as suas portas para receber os membros do
Partido e sentia-se prestigiado pelas constantes incursões dos candidatos e dos
repórteres comunistas em suas sedes.
Contudo, ainda que o relacionamento entre o PCB e o mundo do samba parecesse
frutífero, havia um elemento que buscava a desarticulação dessa aliança. O
recrudescimento das atividades repressivas ao comunismo internacional ganhava espaço
naqueles anos iniciais da Guerra Fria, aumentando a atuação das polícias políticas. No
Rio de Janeiro, a DPS – Divisão de Ordem Política e Social, empenhava-se no combate e
prevenção ao comunismo em plena redemocratização. A organização, em 1947, de uma
segunda (e pretendia-se oficial) entidade representativa dos interesses dos sambistas, a
Federação Brasileira das Escolas de Samba, com o incentivo inclusive, do chefe da DPS,
Cecil Borer, reduziu dramaticamente os recursos da UGES para a execução do carnaval,
acusada de envolvimento com atividades subversivas. Somente as escolas de samba
filiadas à Federação receberiam a subvenção da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro.
Começaria aí o início da derrocada da UGES, assim como estava em pleno curso o
processo de desarticulação do PCB.
***
5
CARONE, Edgar. O PCB. São Paulo: DIFEL, 1982. A obra de Carone além de tecer uma competente
análise da conjuntura na qual o PCB se inscreve, contribui na viabilização de importantes fontes produzidas
pelo Partido, o que será de grande valia para o nosso trabalho.
6
CHILCOTE, Ronald H. O Partido Comunista Brasileiro: conflito e integração. Rio de Janeiro: Graal , 1982.
7
VINHAS, Moisés. O Partidão – A Luta por um Partido de Massas (1922-1974). São Paulo: Hucitec, 1982.
8
In: História Geral da Civilização Brasileira. São Paulo: DIFEL, 1981. Tomo III, vol.3, pp. 364-451.
9
PANDOLFI, Dulce. Camaradas e Companheiros: História e memória do PCB. Rio de Janeiro, Relume
Dumará: Fundação Roberto Marinho, 1995.
10
MAZZEO, Antônio Carlos. Sinfonia Inacabada: A política dos comunistas no Brasil. São Paulo: Boitempo,
1999.
11
BRANDÃO, Gildo Marçal. A Esquerda Positiva: As duas almas do Partido Comunista. São Paulo: Hucitec,
1997.
12
MARIANI, Bethânia, O PCB e a Imprensa: os comunistas no imaginário dos jornais - 1922-1989. Rio de
Janeiro: Editora Revan: UNICAMP, 1998.
13
Ainda que nossa delimitação temporal se restrinja à segunda metade dos anos 1940, isso não nos
impede de termos em conta fenômenos que excedem a temporalidade demarcada.
10
vinculadas ao que chamaremos de mundo do samba14 em relação às demandas do
Partido para esse grupo social; e os usos que o mundo do samba faz dessa expectativa
gerada pelo PCB, que propõe a valorização e adesão em massa desse grupo ao Partido,
com vistas à revolução democrático-burguesa, num primeiro estágio rumo ao socialismo.
Evidentemente ao cruzarmos o fenômeno PCB com o fenômeno cultura popular, mais
especificamente, com o mundo do samba – até então inexplorado pela literatura a
respeito do PCB e pouquíssimo enfocado pela literatura referente ao samba – teremos
necessariamente de recorrer ao exame de uma bibliografia especializada nesses dois
últimos agentes, valorizando uma perspectiva transdisciplinar de trabalho.
Das obras acima referidas, destacamos a contribuição de Hermano Vianna como
imprescindível para a nossa pesquisa. Privilegiando o problema da consideração do
samba como um fenômeno característico da cultura nacional, o que lhe dá o status de
símbolo daquilo que se conheceu entre os anos 20 e 30 como brasilidade, e analisando
todo o debate intelectual que se instala em torno da questão, Vianna vai desvelando o
mistério no qual num curto espaço de tempo promoveu o samba da condição de um ritmo
musical, resultante da balbúrdia e barbárie das classes baixas, da escória social, ao
patamar de manifestação cultural genuinamente brasileira, rica por sua complexidade de
sons, pela sua dança e pela riqueza na composição étnica dos que dele se ocupam, num
elogio aberto à mestiçagem.
Vianna vai nos mostrando como o discurso intelectual dos anos 20 e 30, especialmente
os escritos de Mário de Andrade, Gilberto Freyre e Sérgio Buarque são importantes na
formação de um elogio à mestiçagem e da valorização do samba como cultura brasileira.
Isso nos interessará bastante de perto se considerarmos que o discurso do PCB em favor
da cultura popular e as suas investidas ao mundo do samba se justificam, em parte, por
essa valorização da cultura popular, talhada a partir da Semana de Arte Moderna (não por
acaso no mesmo momento em que surge o Partido) e revigorada durante o Estado Novo,
com o grande incentivo de Vargas às escolas de samba. Também não é um acaso o fato
de ser na era Vargas instituído oficialmente o desfile das escolas de samba e a quase
unânime adoção de temas nacionais como enredos das escolas de samba.15
É interessante percebermos também a participação do próprio sambista como um agente
construtor ou mesmo um crítico dessa sua nova imagem, positivada, que em muitas
vezes lhe é conveniente, o que nos faz crer que a ação do mundo do samba em relação à
sua própria cultura não é menos política do que a do PCB. Essas ponderações são
imprescindíveis para que evitemos uma análise que peque pela sua unilateralidade,
podendo cair num reducionismo tão prejudicial a qualquer investigação científica.
Reconhecendo o mundo do samba como um baluarte da cultura nacional, o Partido
Comunista busca traçar uma estratégia de valorização das camadas populares,
procurando resgatar o seu lugar de bastiões da arte brasileira, produzindo um discurso
que enfatiza a dignidade daqueles que contribuem para o engrandecimento do País
através de sua arte, mas que ainda não receberam o devido reconhecimento do poder
público.
14
Adotamos a expressão popular mundo do samba como uma categoria que, no nosso entendimento,
poderá dar conta da multiplicidade dos elementos por ela representados, como rodas de samba, carnaval,
escolas de samba, sambistas, entre outros. Recorreremos, entretanto, sempre que necessário ao uso
dessas expressões isoladamente. É preciso salientar que reconhecemos que o mundo do samba é híbrido,
como esclareceremos melhor mais adiante. Essa será uma das questões centrais de nosso trabalho.
15
Uma das raras exceções conhecidas foi o enredo Branca de Neve e os Sete Anões, da Vizinha Faladeira,
em 1939. A escola fora desclassificada naquele ano por descumprimento ao regulamento. Vários
pesquisadores , entre eles Sérgio Cabral e Rachel Soihet, afirmam que tal penalidade foi decorrente da
proibição por parte do Estado Novo, de as escolas de samba desenvolverem enredos com temáticas
estrangeiras. Monique Augras discorda deste ponto de vista e afirma que a obrigatoriedade de temas
nacionais data de 1945, durante o Governo “democrático” de Dutra. Abordaremos melhor essa discussão no
capítulo 2.
11
Não se pode deixar de considerar também as orientações da III Internacional Comunista,
que prioriza a autodeterminação dos povos através da criação de uma Frente Nacional
Democrática e Popular, responsável por libertar os povos das heranças do imperialismo.
Na avaliação da IC, o imperialismo teria abafado as raízes nacionais dos povos
colonizados. Era preciso, então, fazer emergir as identidades locais, resgatar os
particularismos e valorizar a cultura nacional. Inegavelmente é também nessa fonte que o
PCB irá beber, caracterizando um intercâmbio de discursos produzidos por uma
intelectualidade de esquerda e pelo pensamento político da direita, como abordaremos no
segundo capítulo desta dissertação.
Só muito recentemente a historiografia interessou-se em pesquisar temas referentes ao
mundo do samba. Uma das abordagens mais comuns é a análise da letra de sambas que
façam referências a temas históricos, procurando compreender de que forma a cultura
popular concebe a história, mais precisamente, a história enquanto um saber escolar.
Podemos citar os trabalhos de Monique Augras16 como os mais expressivos nesse
campo.
Também podem ser encontradas análises que, a partir das letras dos sambas, procuram
privilegiar uma determinada temática e por meio dela tentar desenhar o contexto político e
o universo cultural em que o compositor estivera inscrito, como no trabalho Lupicínio
Rodrigues – o feminino, o masculino e suas relações17. Entretanto, na nossa avaliação, a
proposta do trabalho não se verifica ao longo do texto, já que não nos foi possível
identificar a articulação do texto com o contexto. A análise das canções de Lupicínio
foram tomadas como um corpus explicativo do comportamento do compositor, projetado
como sendo o comportamento social tipicamente masculino entre os anos 1930-1970, o
que na nossa avaliação é um ponto bastante questionável.
Ao classificar o samba em diferentes categorias, fracionando-o em samba apologético-
nacionalista, samba da malandragem e samba canção, os autores filiam a produção
musical de Lupicínio a esse último estilo. Tal classificação é original da obra de Cláudia
Matos18, e esse procedimento tornou-se bastante comum entre os pesquisadores que se
interessam pelo estudo do mundo do samba, numa tentativa de se reconhecer as
nuances e negar o caráter homogêneo do samba.
No entanto, é preciso levar em conta que um mesmo sambista necessariamente não se
restringe a um ou outro estilo. Sua produção não está condicionada a um modelo único.
Examinando a obra de Wilson Batista, por exemplo, é possível percebê-lo fazendo um
elogio aberto à malandragem, como no samba Lenço no Pescoço (1933), mas também
ouve-se um samba de tipo ufanista de sua autoria, Quero um Samba (1939):
Não danço tango
nem swing e nem rumba
gosto do choro
do batuque e da macumba
sou brasileira
tenho a pele cor de sapoti
gosto do samba porque faz
meu corpo sacudir.
Essa tipologia estabelecida por Cláudia Matos e amplamente utilizada pelos estudiosos,
se compreendida de forma a considerar ou isto ou aquilo, se for aplicada de maneira
excludente, antes de auxiliar o pesquisador, termina por distorcer a interpretação.
16
AUGRAS, Monique. Medalhas e Brasões: a história do Brasil no samba. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio
Vargas, 1992; O Brasil do Samba-enredo. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1998.
17
FARIA, Fernando A. e Matos, Maria Izilda S. de. Lupicínio Rodrigues – o feminino, o masculino e suas
relações. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1996.
18
Matos, Cláudia. Acertei no Milhar – samba e malandragem no tempo de Getúlio. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1982.
12
Os autores do estudo sobre Lupicínio ainda que ressaltem o seu ecletismo musical,
reproduzindo a fala do artista que abaixo citamos, mantém a tipologia proposta pela
autora de Acertei no Milhar, o que altera substancialmente o resultado de suas pesquisas.
É o próprio Lupicínio quem se encarrega de romper com classificações reducionistas,
chamando-nos a atenção para não incorrermos no erro de pensar que o mundo do samba
não é um bloco homogêneo e portanto estabelecermos tipos – diferentes e não-
relacionáveis – que justifiquem essa diferenciação interna. Antes disso, o mundo do
samba é híbrido, formado por sujeitos bastante diferentes, com uma produção musical e
um comportamento político e social variados, mas que não se excluem. Existe um
intercâmbio permanente nesse meio social que permite que um mesmo agente adote, em
momentos diferentes, comportamentos diametralmente opostos.
“Todo mundo pensa que sempre fui unicamente este romântico. Na verdade, cada fase da
vida tem seu ritmo musical. A infância tem um, a adolescência outro. Quanto mais a gente
vai amadurecendo, coisas mais vividas, músicas de mais sentimentos. Na velhice, a gente
modera os passos e vai na valsa. Termina na valsa. Quando eu comecei a fazer música,
que o Ciro gravava, eram todas músicas alegres, eu era um sambista mesmo... isso antes
da dor-de-cotovelo aparecer... é que eu fui o criador da dor-de-cotovelo”.19
Essa variação de comportamento e da produção musical dentro do mundo do samba será
uma das nossas maiores preocupações neste trabalho, procurando relacioná-la à
iniciativa comunista de penetração nesse híbrido mundo do samba.
Ainda com referência à produção a respeito do universo do samba, cabe-nos destacar
também a biografia de Mário Lago, uma figura central no nosso trabalho, por ter sido
simultaneamente sambista e comunista e pela sua participação direta no relacionamento
PCB-mundo do samba na periodização por nós escolhida. Produzida pela historiadora
Mônica Velloso, Mário Lago: Boêmia e Política20 é mais uma obra de fôlego que vem
contribuir imensamente nos ainda tímidos estudos historiográficos sobre o mundo do
samba e abre uma perspectiva de trabalho a partir do renovado gênero biográfico, que
voltou a ganhar força a partir de meados dos anos 90.
Ficam patentes as lacunas apresentadas pela historiografia acerca dos estudos referentes
à política cultural do Partido Comunista Brasileiro21 bem como aos trabalhos referentes à
história do samba. Recorrendo ao debate transdisciplinar, percebemos também ser ainda
muito tímida nas demais ciências afins a produção em torno dos dois elementos por nós
enunciados, abrindo um amplo leque de possibilidades a serem trabalhadas.
Fazer o cruzamento da literatura a respeito do Partido Comunista com a literatura sobre o
mundo do samba, amparadas em depoimentos por nós coletados, investigando as suas
redes de interlocução social. Eis a nossa tarefa principal, recorrendo ao suporte da
História Social como uma linha de pesquisa que, ao nosso ver, dá conta das demandas
aqui colocadas.
A História Social por um longo tempo esteve associada à macroanálise, apoiada no
estruturalismo, recebendo um pesado estigma de ser uma linha de investigação que, por
almejar encampar a totalidade (afinal qual história não é social?, provoca Hebe de
Castro22), uma vez que tudo poderia ser considerado social, terminava por cair num vazio
teórico e se tornara alvo de pesadas críticas em função de sua superficialidade e
generalidade. Com o avanço da discussão crítica acerca dos limites teóricos e
metodológicos da história social, vai amadurecendo, entre os anos 70 e 80, o
19
Apud. FARIA, Fernando e MATOS, Maria Izilda, op. cit. 52.
20
VELLOSO, Mônica. Mário Lago: Boêmia e Política. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1997.
21
Não se pode, porém, deixar de reconhecer as contribuições de Antônio Albino Canelas Rubim ao debate
em torno da política cultural do PCB. Dialogaremos intensamente com o autor, especialmente no capítulo 3.
RUBIM, Antônio Albino Canelas. .
22
CASTRO, Hebe. História Social. In: CARDOSO, Ciro e VAINFAS, Ronaldo (orgs.) Domínios da História.
Ensaios de Teoria e Metodologia. Rio de Janeiro: Editora Campus, 1997, p. 45-59.
13
reconhecimento de um sentido específico da história social enquanto abordagem
histórica, amplamente debatido e aceito no atual estágio dos debates historiográficos
nacionais e internacionais, o que vem promovendo um resgate da história social e
consolidando-a como um eficiente recurso analítico do comportamento e relações dos
diversos grupos sociais.
Nesse sentido, buscamos aplicar à investigação histórica de viés social um método
condizente com a especificidade de seu alcance, evitando reproduzir as macroanálises,
que, ainda que tenham contribuído grandemente para a historiografia, não favorecem a
percepção mais atenta de detalhes relevantes para a compreensão do todo social.
Referimo-nos, portanto, ao recurso da redução da escala na análise de nosso objeto,
considerando tal procedimento compatível com a nova história social, aberta ao diálogo
com a também revigorada história política e com a história cultural.
A micro-análise, para além da sua importância metodológica, da qual trataremos mais
adiante, ocupa também um importante espaço nesta discussão teórica. Com uma
preocupação cada vez maior no peso da narrativa sobre o resultado do trabalho
historiográfico – um dos debates mais intensos nos anos 1990 – a micro-história, através
de Carlo Ginzburg, nos chama a atenção para o perigo de se supervalorizar a retórica
argumentativa em prejuízo do social, o que identificaria a pesquisa histórica com um puro
e simples documento ideológico, uma atividade puramente retórica e estética, desgarrada
da sua pretensão de verdade. As muitas verdades que o discurso narrativo admite
compromete a verossimilhança das provas e do trabalho do historiador. Nesse sentido, ao
estabelecer a crítica não ao recurso da narrativa, tão valioso para o próprio Ginzburg, mas
a determinados usos que se faz dela na historiografia, que a aproxima à ficção, a micro-
análise, na perspectiva de Ginzburg, procura encontrar na constituição das provas, um
caminho para se chegar à verdade, comprometida com uma ética que está relacionada
àquilo que Michel de Certeau chama de lugar social do historiador23.
Para a nossa investigação, elegemos como fontes os jornais Tribuna Popular no período
de sua circulação – 1945-1947, O Globo, Jornal do Brasil, A Manhã e Voz Operária; os
prontuários e dossiês contidos nos arquivos das polícias políticas, em especial da DPS –
Divisão de Polícia Política e Social, durante o período 1945-1950; depoimentos de artistas
populares, colhidos pelo Museu da Imagem e do Som, além daqueles a nós concedidos
no decorrer de nossa pesquisa; discursos dos constituintes comunistas proferidos em
1946 e publicados no Diário da Assembléia; textos teóricos de autores comunistas, como
Levemos às massas a nossa linha política, escrito pelo deputado comunista Maurício
Grabois, em 1945 e correspondências do escritor Graciliano Ramos. Também se
constituem em fontes as entrevistas concedidas por deputados comunistas que
participaram da Assembléia Constituinte de 1946 à Revista de Sociologia e Política24, a
saber: Jorge Amado, João Amazonas, Joaquim Batista Neto e Goffredo da Silva Telles Jr.
No tocante à localização das fontes, temos que o vespertino Tribuna Popular – um
veículo de propriedade do PCB com tiragem diária, exceto às segundas-feiras, que
circulou entre os anos 1945/1947 – encontra-se microfilmado na Biblioteca Nacional. A
sua aquisição deu-se através de doação de colecionador, apresentando ausência de
alguns exemplares tanto pela sua não incorporação à coleção como pela censura política
sofrida em outras edições. Pretendemos percorrer toda a periodicidade do jornal,
considerando ser este um instrumento fundamental para a nossa análise, destacando
especial atenção a duas colunas, criadas especificamente para o mundo do samba: O
Samba na Cidade e O Povo se Diverte, assinadas sob os pseudônimos Satanáz e Grisú.
23
Segundo Certeau, a prática do historiador está relacionada com o lugar social que ocupa, a disciplina
metodológica e uma escrita. Ver CERTEAU, Michel. A Escrita da História. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 1982.
24
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA. Dossiê Constituinte de 1946. Curitiba: UFPR, 1996, n. 6 e 7.
14
A Tribuna Popular será utilizada em nossa pesquisa como um dos canais de comunicação
do Partido Comunista, sem que, no entanto, seja tratado como um representante da
totalidade, como a voz da esquerda comunista de sua época, uma vez que entre o Partido
e a sua imprensa existem várias nuances a serem consideradas.
Buscaremos, através do interrogatório sistemático da fonte Tribuna Popular, recorrendo
às contribuições da história cultural25, identificar as particularidades de um jornal político-
partidário, que procura sustentar o formato de um vespertino comum, trazendo inclusive,
páginas dedicadas aos esportes, em especial ao futebol e suplementos infantis aos
domingos; observar a lógica social do texto, procurando identificar que tipo de inserção o
jornal tem no contexto histórico; qual a percepção que o jornal faz do outro, que imagem
se faz do leitor e como está prevista a recepção; qual a disposição das colunas referentes
ao samba em relação às demais seções do vespertino; quais os topoi retóricos da cultura
política aplicados com freqüência às matérias e seções destinadas à cultura popular; qual
a recepção ou quais os usos que o mundo do samba faz do jornal; e qual a relação
implícita entre o jornal e o seu leitor, considerando haver graus diferentes de leitores e de
expectativas em relação ao que se lê26.
Sempre que necessário, em momentos de polêmicas travadas acerca de algum
acontecimento abordado pela Tribuna, recorreremos a outros diários, como os citados
acima, a fim de perceber qual o posicionamento do jornal comunista em relação aos
demais jornais. Também é nossa intenção comparar o enfoque dado por outros jornais
que se encarregaram de promover o carnaval e o desfile das escolas de samba, entre os
anos 1930 e 1940, como o Mundo Sportivo, O Globo e A Noite, para compreendermos
quais as especificidades da cobertura e promoção do evento, quando realizadas pelo
PCB. O Jornal Voz Operária, também de propriedade do PCB, destinado a um público
ligado ao movimento sindical e que coexistiu com a Tribuna Popular, também será um
importante parâmetro para se conhecer as diferenças de enfoque, concepção e
expectativas do Partido Comunista em relação às massas, expressas em seus dois
veículos de comunicação e propaganda.
Os arquivos da DPS encontram-se no Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro, e
conservam a sua própria lógica interna, estando divididos em setores – por iniciativa dos
agentes policiais que o organizaram – que englobam desde assuntos considerados de
caráter geral ou administrativo até os mais específicos, como setor japonês, setor
austríaco ou setor comunismo, onde se encontram documentos produzidos a partir do
relacionamento (ou do suposto relacionamento) do PCB com associações desportivas e
grêmios recreativos, incluindo-se as escolas de samba.
Roger Chartier, no seu texto Leitura e leitores “populares” da Renascença ao Período
Clássico27, nos fornece uma importante contribuição metodológica ao considerar que a
partir dos arquivos da repressão, pode ser possível reconstituir as maneiras de ler do
25
Cf. CHARTIER, Roger. A História Cultural – entre práticas e representações. Lisboa: Difel, 1990.
26
Podemos citar grupos de leitores que lêem por divertimento, leitores ocasionais e leitores profissionais,
enfim, uma gama de interesses diversos do que fora originalmente previsto pelos autores do texto. Nesse
aspecto, a contribuição de Martin Lyons nos é muito valiosa, ao se debruçar sobre os leitores operários no
oitocentos: “Os social-democratas alemães, na virada do século, promoviam a educação da classe operária
por meio de bibliotecas voltadas para as ciências sociais. Os leitores poderiam, de início, utilizar a biblioteca
para obter literatura de entretenimento, mas esperava-se que viessem a ‘progredir’ passando para os textos
clássicos do socialismo, para Kautsky e, eventualmente, para Das Kapital. O bibliotecário Griesbach, de
Dresden, declarou que a principal função dos bibliotecários entre os operários era ‘fazer com que os
usuários passassem da literatura de diversão para a leitura dos textos de não-ficção. (...) Esse otimismo
educacional, contudo, estava destinado a fracassar, na medida em que leitores das classes operárias, em
sua grande maioria, escolhiam a literatura de entretenimento oferecida pelas bibliotecas circulantes, fossem
elas patrocinadas por empregadores ou por sindicatos”. Lyons, Martin. Os novos leitores do século XIX:
mulheres, crianças, operários. In: CAVALLO, Gugluielmo e CHARTIER, Roger (orgs.) História da Leitura no
Mundo Ocidental 2. São Paulo: Editora Ática, 1999, pp.166-202.
27
Idem, idem, pp. 117-134.
15
povo, referindo-se em particular ao trabalho de Ginzburg em O Queijo e os Vermes.
Dessa forma, os dossiês e prontuários referentes às escolas de samba serão percebidos
aqui como um importante canal de expressão não só das forças de repressão em relação
ao evento, como também dos indiciados, retratados no documento senão como
colaboradores do comunismo infiltrados em escolas de samba, (quando o rastreamento
das polícias políticas acusava a presença de elementos “subversivos”), como
colaboradores da polícia e cumpridores do dever de informar nome e documentação dos
principais elementos envolvidos nos G.R.E.S.28
Os discursos dos parlamentares constituintes comunistas de 1946, publicados no Diário
da Assembléia, foram obtidos no Centro de Documentação e Informação, Seção de
Documentação Parlamentar da Câmara dos Deputados, em Brasília-DF. Nos interessarão
mais especificamente os acirrados debates relativos à cultura, questão bastante cara aos
deputados comunistas.
Os textos teóricos escritos pelos comunistas na década de 1940, selecionados para este
trabalho, encontram-se no Arquivo Asmob, sob a guarda da Universidade Estadual
Paulista e as correspondências ativas e passivas de Graciliano Ramos localizam-se no
Instituto de Estudos Brasileiros – IEB – da Universidade de São Paulo.
As entrevistas com os constituintes comunistas de 1946 foram colhidas especialmente
para a edição da Revista de Sociologia e Política, número especial pelos 50 anos da
Constituição de 194629 e serão consideradas aqui, assim como os depoimentos gravados
pelo Museu da Imagem do Som e aqueles por nós coletados, com o adequado tratamento
sugerido pela história oral, um método que chama atenção para as filtragens que a
informação do depoente ou entrevistado vai sofrendo e da importante interferência da
memória, seletiva e retrospectiva.
A partir da leitura crítica das fontes, organizadas num corpus documental bastante
significativo, procuramos dar-lhe o tratamento proposto pela micro-história, em especial
pelo método indiciário, enunciado por Carlo Ginzburg com base nas contribuições
oriundas da antropologia, da medicina e da prática policial.
Buscando encontrar os indícios que nos ajudem a constituir as provas suficientes para a
construção de uma argumentação coerente com o fato ali reconstituído, consideraremos
pertinente reduzir a escala de nossa observação com vistas a, através da observação
minuciosa do detalhe, do particular, ir além de uma constatação que as fontes possam
explicitar, como a tentativa de aproximação do PCB ao mundo do samba naqueles anos
1945-1950. Esse projeto tornar-se-á mais evidente com as contribuições trazidas pelo
interrogatório minucioso das fontes, em busca de novas pistas que possam descortinar
aquilo que está oculto. Com o propósito de alcançarmos esse estágio que atinge o objeto
em seus mínimos detalhes, optamos por aliar aos recursos fornecidos pela micro-história,
as contribuições da antropologia interpretativa, de Clifford Geertz, com sua descrição
densa, isto é, procurar a produção do sentido a partir de considerações que valorizam não
só o sentido interno do documento como também buscar o seu sentido externo em
relação ao público, na tentativa de dar conta dos mais diferentes tipos de conhecimento
suscitados pelo exame de nossas fontes, relacionando-os ao seu contexto histórico. Nas
palavras de Giovanni Levi:
“Em vez de iniciar com uma série de observações e tentativas para impor sobre elas uma
teoria de tipo legal, esta perspectiva [a descrição densa] parte de um conjunto de sinais
significativos e tenta ajustá-los em uma estrutura inteligível. A descrição densa serve
portanto para registrar uma série de acontecimentos ou fatos significativos que de outra
forma seriam imperceptíveis, mas que podem ser interpretados por sua inserção no
contexto, ou seja, no discurso social. Essa abordagem é bem sucedida na utilização da
28
Grêmio Recreativo Escola de Samba, uma denominação obrigatória, a partir de 1939, para todas as
escolas de samba.
29
Supra citado.
16
análise microscópica dos acontecimentos mais insignificantes, como um meio de se
chegar a conclusões de mais amplo alcance”.30
Assim, com o método indiciário, auxiliado por uma descrição densa, poderemos perceber,
para além das intenções do Partido em relação à cultura popular manifestas no discurso
do jornal, na sua forma, na sua linguagem, nas características e posicionamento da
fotografia de um sambista publicada no jornal, por exemplo, novas provas e possibilidades
de reconstrução e interpretação do mesmo fato, reveladas por detalhes que encerram
códigos que o texto escrito não pode revelar. Nesse sentido, também esses aspectos
constituir-se-ão em textos e a preocupação em se fazer uma análise com lupa de fatos
circunscritos, como enfatiza Ginzburg, será uma importante aliada na nossa perspectiva
de trabalho.
Percorrendo ainda o detalhe, a singularidade do evento, poder-se-á chegar a um sistema
de valores e representações que extrapolam o ambiente do partido político e a sua
interação com o mundo do samba, revelando aspectos importantes que marcam o
período por nós delimitado e que por vezes contribuem para esclarecer o contexto da
época. A vinculação de um acontecimento histórico singular a sistemas mais abrangentes
de códigos e significações, isto é, relacionar o micro com o macro, o seu contexto,
entendido aqui como uma estrutura dinâmica que dialoga com as práticas individuais, e
não uma coleção de microfenômenos, é uma das maiores contribuições que a micro-
análise, via método indiciário, pode fornecer à historiografia.
A observação do detalhe, nesta pesquisa, nos ajuda a perceber, por exemplo, sistemas
de valores que não se circunscrevem somente em torno das perspectivas do PCB
enquanto um agente estritamente realizador das orientações de Moscou, colocando por
terra algumas teses de que o PCB não teria autonomia e seria apenas uma extensão dos
interesses socialistas internacionais. Nesse aspecto, deve ser considerada uma série de
valores externos ao movimento comunista internacional, proveniente de uma determinada
cultura política brasileira capaz de influenciar fortemente o partido e que se mescla nessa
relação, com a influência do modernismo e do amparo estadonovista à cultura nacional.
Esta dissertação é composta de cinco capítulos. O primeiro, intitulado Reflexões
em torno da cultura popular: o caso do samba, discute a dificuldade científica em lidar
com o samba como objeto de análise. Em muitos casos, os estudos – científicos ou não –
carregam um juízo de valor que tende a superestimar ou, dependendo da perspectiva do
pesquisador, desvalorizar a importância do samba como um fenômeno político e cultural.
Esse parece ser o caso de muitos trabalhos que enfocam o samba pós-ditadura militar,
em particular o samba dos anos 1990, e que vêem nas transformações sofridas pelo ritmo
uma descaracterização completa de sua “natureza”, deixando transparecer um
conservadorismo que concebe o samba da atualidade como o suspiro derradeiro desse
gênero musical. A discussão cultura popular versus cultura erudita recebe nesse capítulo
um papel de destaque.
No segundo capítulo, discutiremos o processo de ascensão cultural do samba, uma
manifestação musical marginalizada, que é alçada à categoria de a música brasileira
dentro do projeto cultural do Estado Novo. É nesse momento que o Partido Comunista do
Brasil, interessado em atrair as massas para as suas fileiras, começa a perceber a
importância política do mundo do samba.
O capítulo três aborda o projeto comunista para as camadas populares,
destacando o papel da imprensa do Partido e a importância dos intelectuais como
organizadores da cultura. Também trataremos da participação dos constituintes
comunistas na Assembléia de 1946 e o seu esforço na defesa da cultura naquele fórum.
Informada pela estética do realismo socialista, a cultura política comunista apresentará
30
LEVI, Giovanni. Sobre a Micro-história. In: BURKE, Peter. A Escrita da História – novas perspectivas. São
Paulo: UNESP, 1992, pp. 141-142.
17
traços marcantes do modelo cultural soviético, expressando também variantes
significativas, encontráveis, por exemplo, no comportamento de Graciliano Ramos.
No quarto capítulo, será discutida a relação entre o Partido Comunista e o mundo
do samba, destacando a especificidade do projeto comunista para aquele segmento da
cultura popular, bem como a resposta das camadas populares às iniciativas comunistas.
E por fim, no capítulo final, trataremos dos desdobramentos políticos da relação
PC-mundo do samba, analisando a atuação das polícias políticas, que interferia
ostensivamente nessa relação, e apontando para a continuidade da parceria do Partido
com o mundo do samba.
CAPÍTULO 1
REFLEXÕES EM TORNO DA CULTURA POPULAR: O MUNDO DO SAMBA COMO
OBJETO DE ANÁLISE ACADÊMICA
Embora os estudos sobre a cultura popular tenham atraído uma considerável parcela de
historiadores nas últimas décadas, ainda é muito escassa a produção historiográfica de
trabalhos relacionados ao mundo do samba, reconhecidamente um dos maiores núcleos
representativos da cultura popular brasileira. No plano acadêmico, o tema irá ganhar
maior ressonância no campo da Antropologia e da Sociologia, produzindo relevantes
obras que vão desde o já clássico trabalho de Roberto da Matta, Carnavais, Malandros e
Heróis – para uma sociologia do dilema brasileiro , até os mais recentes, como o de
Hermano Vianna, O Mistério do Samba, com o qual muito iremos dialogar.
É fora do ambiente acadêmico que se concentra a maior parte das obras referentes ao
mundo do samba. São memórias, depoimentos, coletâneas de sambas, fotos e desfiles
carnavalescos, casos e histórias pitorescas, compêndios sobre a história do samba, como
por exemplo, a conhecida obra As Escolas de Samba em Desfile: Vida, Paixão e Sorte ,
escrita por dois importantes dirigentes de escolas de samba e promotores do carnaval
carioca. A Fundação Nacional de Arte – FUNARTE – ocupa um papel de destaque na
produção de trabalhos ligados ao samba, oportunizando os artistas populares e aqueles
que têm alguma inserção no mundo do samba, de imortalizarem a sua história e
preservarem a sua cultura nos livros editados por essa instituição governamental. Citamos
aqui, a título de exemplificação, as obras de Vagalume e de Lúcio Rangel . Também são
conhecidas as edições bilíngües, que procuram contar em linhas gerais fatos
interessantes do carnaval carioca e apresentar em fotos de dimensões consideráveis a
cultura popular e o Rio de Janeiro, considerado a capital do samba, na perspectiva de
divulgar a cultura e a Cidade no exterior e atrair um crescente número de turistas, tendo
em vista a imagem consolidada dentro e fora do Brasil como o país do samba, da praia,
da cachaça e do futebol.
Os trabalhos do jornalista Sérgio Cabral, bom entendedor de samba e antigo militante do
PCB, são considerados as maiores referências sobre o mundo do samba. É antiga a
incursão do jornalista na literatura a esse respeito. Responsável pela coleta de
importantes depoimentos de renomados sambistas para o Museu da Imagem e do Som,
como Cartola, Carlos Cachaça e Ismael Silva, Cabral é o autor da obra bilíngüe As
Escolas de Samba – o quê, quem, como, quando e por quê, editada em 1974, e de uma
nova versão, de 1996, atualizada e ampliada, que recebeu o título de As Escolas de
Samba do Rio de Janeiro. A obra, de grande fôlego, valoriza menos o formato turístico,
descartando o texto em inglês e o volume excessivo de fotografias de passistas em
evolução e prioriza o texto, enriquecido com a utilização de diversas fontes, ainda que a
sua sistematização não tenha sido adequada.
Maria Laura V. de Castro Cavalcanti alerta para uma tendência conservadora que vem
tomando lugar nos trabalhos relacionados ao mundo do samba, na qual o jornalista Sérgio
Cabral está incluído ao deixar clara a sua simpatia para com sambistas e escolas de
18
samba de reconhecida tradição e ao mesmo tempo manifestar a sua aversão às
mudanças percebidas no samba. Em novembro de 1999, Cabral lamentava-se no
seminário Deixa de ser rei só na folia: samba, cultura e memória que não freqüentava
mais a escola de samba Portela porque esta já não era mais a mesma dos anos 70, onde
a comunidade participava e não se tocava o tão criticado samba da moda.
O referido seminário, promovido pelos centros acadêmicos de História da UFRJ e da
UERJ procurava de alguma forma trazer contribuições a uma recente demanda por
estudos que privilegiam a relação música e História, mais particularmente, samba e
História, que vem sendo percebida nas universidades. A extensão universitária, trazendo
para a academia diversos sambistas e admiradores de samba, o diálogo com o senso
comum e o interesse provocado no público acadêmico, foram aspectos de grande
importância que fizeram do seminário uma experiência muito bem sucedida. Contudo, o
que nos chamou a atenção foi exatamente o tom conservador das discussões, conforme
apontava Cavalcanti. A tônica das discussões em torno do lugar social do samba e do
seu papel na cultura, eram as modificações pelas quais o mundo do samba atravessara,
provocando a sua descaracterização e a perda das suas raízes, uma questão bastante
polêmica e recorrente nos meios de comunicação, acentuada no período de carnaval.
Esse saudosismo que lamenta a perda de suposta essência, especialmente quando se
fala em samba, vem informando uma série de trabalhos dentro e fora da universidade,
que assumem o papel de perpetuadores dessas práticas “em vias de se perderem”. O
discurso das “raízes”, a partir das quais o samba se erigiria, é uma componente ideológica
do processo de construção da identidade da nação, que encontra eco tanto no senso
comum quanto nos trabalhos científicos e chega ao século XXI mais contundentes do que
nunca, face às incertezas típicas da virada do milênio e ao mal-estar surgido com a pós-
modernidade .
O objetivo deste capítulo é refletir sobre o significado e os usos do termo cultura popular
em relação ao mundo do samba, percebendo como o discurso em defesa das chamadas
“raízes do samba” se constrói a partir de uma determinada concepção acerca da cultura
popular.
O samba no início do século, identificado como produto das influências trazidas da África
e malvistas pela sociedade brasileira, fora espaço de perseguição policial e preconceito
de uma elite profundamente interessada em reproduzir certos aspectos da cultura
européia, em especial francesa, naquele começo de século, apelidado de Belle Epóque.
O batuque dos negros, as rodas de samba, as festas do candomblé, a boêmia, os teatros
de revista, enfim, as manifestações festivas de apelo popular, eram rotuladas por essa
26
elite como algo inferior, vulgar, onde se promovia freqüentes desordens, necessitando
assim da constante interferência policial. O carnaval das máscaras, ao estilo veneziano, a
música clássica, os saraus em sofisticados salões da cidade, é que gozavam de prestígio
pelas pessoas de ‘bon ton’.
No entanto, não é de nosso interesse absolutizar essa relação. Não se pode manter essa
discussão de forma polarizada, opondo cultura da elite à cultura do povo. É preciso
examinar os seus cruzamentos, as suas interpenetrações e os conflitos que advêm dessa
relação, como fizeram Carlo Ginzburg, Thompson e Roger Chartier, por exemplo. Ainda
que não perceba o conflito entre cultura popular e cultura de elite, que resultará num palco
de lutas e trocas culturais, este último considera fundamental a mediação entre o erudito e
o popular, o que nos exige uma análise mais criteriosa em relação ao estudo da cultura.
Seria absolutamente nociva, segundo Chartier, a sobreposição de valores do conjunto
letrado ao popular, numa relação de exterioridade. Mais que isso, é preciso fazer tais
cruzamentos de forma a entendê-los como “produtores de ‘ligas’ culturais ou intelectuais
cujos elementos se encontram tão solidamente incorporados uns nos outros, como ligas
metálicas”.
Essa interpretação parece ter encontrado paralelo nas análises de Sérgio Cabral e
Hermano Vianna : o primeiro considera, especialmente em relação à origem do samba,
que não há um endereço certo, não há uma referência exclusiva, como os morros do
centro do Rio de Janeiro, os bairros populares, ou os terreiros de candomblé da Bahia.
Tampouco seja produto de uma única classe social, ressaltando a sua complexidade. O
samba é um fenômeno híbrido, reunindo elementos de diversas camadas sociais e
diversos credos, incluindo-se judeus e ciganos, por exemplo. De acordo com Hermano
Vianna, recorrendo a Michel Vovelle, a possibilidade de associação entre o erudito e o
popular se dá por intermédio de “indivíduos mediadores”.
Vovelle entende como mediador cultural aquele que está:
“situado entre o universo dos dominantes e dominados, adquirindo uma posição
excepcional e privilegiada: ambígua também, na medida em que pode ser visto tanto no
papel de cão de guarda das ideologias dominantes, como porta-voz das revoltas
populares. [...] por outro lado, também pode ser o reflexo passivo de áreas de influência
que convergem para sua pessoa, apto a criar um idioma para si mesmo, expressando
uma visão de mundo bem particular”.
A música em geral, enquanto uma prática dos grupos sociais, pode ser compreendida
pelo que José Miguel Wisnik chamou de “terra-de-ninguém ideológica” , estando sempre
comprometida politicamente, e se tornando por isso, sempre foco de suspeita.
O samba é um lugar de produção e incorporação de valores, hábitos e comportamentos
da sociedade. É espaço também de política. Não é portanto, portador de uma estranha
inocência a qual tem-se procurado e buscado identificar como “raízes” da cultura popular.
Em nome do samba promove-se reuniões, festeja-se, discute-se, briga-se, mantém-se
laços de identidade e de atrito, apóia-se este ou aquele candidato, alia-se a este ou
aquele partido, enfim, o samba torna-se um meio de comunicação, de disputa política e
de sociabilidade. É também espaço favorável às questões sentimentais, geralmente
traduzidas sob a forma de lamento pelo amor perdido.
Nos últimos setenta anos, por exemplo, registra-se uma multiplicidade de tendências
políticas embutidas na voz do samba. Como parte integrante de uma cultura política de
determinada época, manifestou-se de forma apologética, valorizando o personalismo de
líderes políticos; ufanou-se de certas formas de governo ou do País; teceu críticas às
condições político-econômicas e a regimes políticos; manteve-se “indiferente” ao cenário
político, abordando temas pretensamente “neutros”. Essas tendências da cultura política
também interagem na organização do samba enquanto corporação (as escolas de
samba) e nos seus órgãos representativos: associações, uniões, ligas, federações, seja
influindo no regulamento dos desfiles das escolas de samba e do carnaval, um dos
27
espaços onde o samba se manifesta com grande intensidade, seja fornecendo subsídios
para a sua administração e sua própria organização.
Analisaremos mais detidamente nesta dissertação as “perigosas” relações do
Partido Comunista com o mundo do samba. Os comunistas utilizam como estratégia a
valorização do sambista como um elemento de resistência à falta de políticas públicas
comprometidas com aquela camada social. Nesse sentido, a imprensa comunista voltada
para esse eleitor popular – A Tribuna Popular – em seu período de circulação (1945-1947)
investe consideravelmente em matérias que procuram denunciar a carestia e as péssimas
condições de vida dos moradores daquelas favelas e bairros do subúrbio, onde não por
coincidência estão instaladas as escolas de samba.
Examinando a documentação formada pelo conjunto de reportagens e artigos da
Tribuna Popular, fica bastante claro o apelo do referido veículo à conscientização
daquelas massas de que elas têm uma importância fundamental na cultura (através de
seu samba) e principalmente na economia e na política do País, e que não podem se
conformar com a sua progressiva marginalização política e social. As camadas populares
são, para o PCB, agentes em potencial de resistência ao poder político e condutoras de
uma guinada política favorável ao proletariado. Ao levarem a sua arte para o asfalto e dali
para o resto do mundo, na ótica do partido, estão resistindo a um esforço programado de
redução de sua potencialidade, pois se devidamente conscientes – e isso ficaria a cargo
do PCB – mudariam radicalmente os rumos do País.
Essa consideração do partido de que as comunidades que fazem o samba são um
dos principais agentes de resistência, conforme exalta o PCB, produz no mundo do
samba uma grande excitação, pois lhe dá acesso às páginas principais de seu jornal,
abrindo uma série de canais diferentes de participação e culminando na criação de uma
parceria que lhe garante progressiva participação no jornal, bem como uma considerável
inserção do partido nos assuntos relacionados ao mundo do samba.
A mesma premissa de que o mundo do samba é por excelência um espaço de resistência
e que vem informando diversos trabalhos científicos, conforme discutimos no início deste
capítulo, chega à obra de Rachel de Soihet. A tônica do capítulo 5 de A Subversão pelo
Riso , intitulado Escolas de samba no carnaval carioca: origens e ascensão (1930-1945),
é a consideração de que o mundo do samba exerce um papel de resistência popular
fundamental ao marcar a sua presença num espaço permitido de atuação popular, que é
o carnaval,
“o que garante a vez e a presença dessa população no espaço público. Nesse sentido [o
que não distancia essa linha de raciocínio do entendimento que o PCB tinha nos anos 40
a respeito da resistência popular], embora de forma sub-reptícia, lançando mão da
carnavalização e não das maneiras postuladas pelos teóricos da revolução, os populares
demonstraram sua resistência às forças que os oprimiam, chegando a obter conquistas
consideráveis e relativizando a visão tradicional acerca de sua dominação e
manipulação”.
Numa tentativa de superar algumas teses que encaram as camadas populares como
vítimas da dominação e manipulação, Soihet de certa forma repete a mesma fórmula, só
que desta vez superestimando o papel dos sambistas, como os responsáveis por
resistirem à sua maneira, e dentro dos espaços permitidos, às tentativas de enquadrá-los
dentro de uma lógica estranha ao mundo do samba e de sua submissão total ao controle
institucional.
O próprio fenômeno da transformação do samba em símbolo da cultura nacional é
encarado como um reflexo da persistência do samba, “tão perseguido é estigmatizado
pela autoridade”, entre os populares. E a sua “presença na cultura dos mais diversos
segmentos sociais” também é apontada como um resultado desse esforço de resistência
do mundo do samba.
28
O que a autora admite em rápidas passagens do capítulo mas não desenvolve num
sentido de relativizar esse papel do mundo do samba como agente de resistência às
iniciativas governamentais, são as relações estabelecidas entre os sambistas e o poder
público. Muitas vezes, a questão não é da ordem da resistência ou incorporação pura e
simples de diretrizes vindas “de cima”. É preciso levar em consideração que a relação
entre o mundo do samba e o poder institucional é uma relação de negociação, numa
arena onde estão postos diversos interesses que não se resumem a um jogo dominação x
resistência. Nem sequer se pode considerar, como se tem visto na maioria dos trabalhos,
o mundo do samba como um todo homogêneo.
Essas considerações ajudam a construir uma visão saudosista contemporânea de um
mundo do samba isento de interferências estranhas a ele e a identificação de vários
sambistas da atualidade como elementos de resistência a essas tentativas de invasão “de
fora”.
Maria Laura V. de Castro lembra a própria luta por hegemonia dentro do espaço das
escolas de samba; as negociações das escolas com o poder paralelo da contravenção,
cedendo em alguns aspectos e beneficiando-se em outros; e também as várias
negociações com o poder público, onde as relações de afetividade e cordialidade não são
deixadas de lado.
A história de Paulo da Portela é um dos mais expressivos modelos para essa análise.
Paulo Benjamin de Oliveira vem ocupando as páginas de vários livros de samba não só
por ser um dos fundadores da Portela, como pela respeitabilidade que conquistou em sua
época devido a sua postura contrária aos códigos comportamentais vigentes no mundo do
samba. Para ele, era inadmissível um sambista desfilar na Portela, nos arredores da
Praça XI, sem que estivesse trajado à altura de um sambista da sua escola. Ou seja, era
proibido estar trajando tamancos de madeira e vestimenta desleixada. Um sambista da
Portela deveria estar com “pés e pescoço ocupados”, como dizia. Era necessário usar
terno alinhado, gravata e sapato muito bem engraxado, para fazer bonito no centro da
cidade.
Paulo da Portela assim como Heitor dos Prazeres, nos anos 30 e 40, empenhou-se em
conquistar espaços de atuação para a escola do subúrbio e o reconhecimento na cidade.
Por isso, considerava uma apresentação impecável fundamental para a boa receptividade
das camadas médias da cidade, uma vez que estava interessado em adquirir subsídios e
reconhecimento social para a sua escola, embora essa idéia não fosse do agrado dos
outros sócios fundadores, o que acabou provocando a saída de Paulo da Portela da
escola.
Nesse ponto é interessante retomar a discussão em torno da figura do malandro e fazer
um paralelo com a história de Paulo da Portela. Segundo Cláudia Matos (Acertei no milhar
– samba e malandragem no tempo de Getúlio. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982), o
malandro é um ser que se situa na fronteira entre o popular e a elite, carnavalizando a
estética burguesa do paletó e gravata e reinventando códigos burgueses a partir de seus
valores populares. Nesse sentido, o malandro subverte a ordem e é encarado então,
como um ser que resiste a essa mesma ordem instituída.
Tanto em Paulo da Portela quanto no caso do malandro, se percebe menos duas
propostas diferentes de resistência que querem garantir o seu espaço às custas da
rejeição de certos valores que lhes seriam – ou não impostos – e mais uma tentativa de
aproximação e negociação para que pudessem se inserir nessa ordem seletiva e
excludente, onde as oportunidades de participação e acesso da cultura popular não são
tão fáceis.
Assim, é preciso adentrar nesse tranqüilo consenso de que a cultura popular é por
excelência um espaço de resistências diversas e considerarmos que o mundo do samba
não se manteve numa posição oposta ao poder público em toda a sua existência,
resistindo com bravura a toda e qualquer forma de dominação externa. Ao contrário, o
29
mundo do samba, como dissemos, é híbrido, cheio de clivagens, onde fazem parte figuras
que transitam num e noutro lado e que procuram estabelecer relações entre os mais
diversos canais de atuação na sociedade. A relação que se estabelece é de luta de
interesses, sim, mas uma luta que não pode ser posta em termos de dominação e
resistência, o que seria demasiado simplista, e que não se resume apenas a uma disputa
por participação. Ela é muito mais complexa. Ter em conta esse aspecto gelatinoso da
cultura popular, para utilizar a terminologia gramsciana no que se refere às massas, é
essencial para não reproduzirmos uma visão idealizada, purista, acerca da cultura popular
e do mundo do samba, que certamente nos impediriam de ver a complexidade das
relações que envolvem o mundo do samba com o Partido Comunista.
CAPÍTULO 4
SAMBA, O ÓPIO DO POVO?
31
Apud Cabral, Sérgio, op. cit., p. 109.
30
Em ambos os discursos, prevalece a valorização do popular como elemento de
inventividade, dignidade e beleza e de retrato genuíno do País.
Essa tradição até hoje valorizada, foi perfeitamente incorporada pela esquerda, em
especial pelo Partido Comunista, objeto de nossas preocupações nesta dissertação,
influenciando diretamente as suas atitudes e diretrizes políticas em relação às massas,
mesmo em períodos distantes do carnaval. Aqui o sambista passa a ser identificado como
retrato de um povo sofrido, porém feliz, criativo e talentoso, mas sobretudo, mais uma vez
recorrendo ao discurso de Lacerda, como componente de uma classe, portadora de um
enorme potencial revolucionário por ela desconhecido, o que muito interessará ao Partido.
Era, pois, chegada a vez do samba entre os camaradas.
32
GRABOIS, Maurício. Levemos às Massas nossa Linha Política. Op. cit. pp. 14-15.
31
O jornal, de oito páginas, com uma tiragem que chegou a alcançar 50 mil exemplares 33,
combinava notícias advindas das agências comunistas internacionais, especialmente da
imprensa russa, com matérias locais, privilegiando o movimento operário, mas também
reservando espaço para as lutas camponesas, duas questões centrais para os
comunistas.
Ao lado de matérias a respeito de greves de operários, de alertas à população contra os
perigos do retorno do nazi-fascismo ou de notícias de lugares tão distantes quanto
variados, como a do aumento do custo de vida na Grécia, o espaço do entretenimento era
substancial, assumindo também a sua função política, em conformidade com as
determinações do Partido de construir uma política cultural para a sociedade.
O cinema e o teatro tinham um espaço fixo no jornal. A programação dos cines e casas
de espetáculo da cidade do Rio de Janeiro era divulgada diariamente acrescida de
comentários críticos a respeito do conteúdo dos filmes. A crítica pautava-se na ideologia
político-partidária, atendendo aos preceitos do realismo socialista:
“E sob o céu da China: O filme, ao invés de mostrar a resistência do povo e do exército
vermelho chinês, se resume à história de um simples triângulo amoroso durante a guerra.
Esse filme, contando não seja muito bom no gênero, poderá agradar” 34.
A preocupação dos comunistas em relação ao cinema e ao teatro não se restringia à
crítica de filmes. Em pleno auge do funcionamento da vasta teia de comunicações
montada pelo PCB, ainda que de forma limitada, os comunistas também se lançaram na
produção, distribuição e exibição de filmes. Nos primeiros anos de redemocratização,
diversos curta-metragens foram produzidos, desempenhando o papel de cinejornal,
extensão da Tribuna Popular nas telas. Também surgia nesse contexto a produtora
Liberdade Filmes, criada por Oscar Niemayer e Rui Santos, responsável pelo
documentário O comício de Prestes do Pacaembu, de 1946, pelo longa-metragem 24
anos de luta, com depoimentos de Astrojildo Pereira, Prestes, Jorge Amado, entre outros
comunistas35 e pelo registro em película de um desfile das escolas de samba, organizado
pelo Partido, em 15 de novembro de 1946, do qual trataremos mais tarde.
Se a boêmia não era bem vista pelos comunistas, como atesta Mário Lago36, o teatro de
revista, que ainda gozava de grande popularidade, embora já tivesse conhecido tempos
melhores, ao contrário, não era um empecilho para o Partido. A própria Tribuna Popular
publicava anúncios de revistas musicais, como Eu Quero é Rosetar, o maior desfile
político carnavalesco na mais carnavalesca das revistas, abordando temas ligados ao
clima político do momento37, e Eu Quero é Confusão, que prometia um espetáculo de
críticas políticas. Em ambos os anúncios, lia-se a referência “revista política”, um recurso
que compatibilizava as revistas musicais – com as características do jornal e do Partido.
Compatibilidade maior entre a linha política do partido e bens de consumo não poderia
haver, como é o caso do Sabão Russo, contra erupções, espinhas e panos, ou dos
perfumes Cavaleiro da Esperança, “a marca dos mais finos perfumes”. Ao comprar por
atacado produtos da marca Cavaleiro da Esperança, na Perfumaria Meu Sonho, o
consumidor era contemplado com folhinhas com retrato de toda bancada comunista.
Se em 1942 o jornal O Globo publicava anúncio de fantasias da casa A Exposição
sugerindo os modelos de marinheira e fuzileiro estilizado, a Tribuna Popular, por seu
turno, veicula anúncio da loja Inovação:
“Freqüente os grandes bailes de carnaval com a fantasia Marmiteiro. A fantasia oficial do
carnaval de 1946! Para brincar à vontade... com elegância e comodidade!... Em brim
refrigerado PICOLET a fantasia MARMITEIRO é confeccionada em todas as cores. Para
33
RUBIM, Antonio A. Canellas. Op. cit., p. 317.
34
Tribuna Popular, 30.08.1945, p.4.
35
RUBIM, Antonio A. C. Op. cit., p. 339.
36
Cf. VELOSO, Mônica. Mario Lago – Boêmia e Política. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1997.
37
Tribuna Popular, 15.01.1947, p. 4.
32
senhoras em modelo short ou slack e que depois do carnaval é uma elegante roupa
esportiva.”
Mas nem sempre os anúncios eram “engajados”, isto é, havia publicidade alheia a
qualquer tipo de vinculação entre a ideologia do jornal (e do Partido) e o produto em
questão: anunciava-se na Tribuna também – e principalmente – pelo fato dela ser
Popular. Dentaduras, gravatas, vestidos de noivas a preços baixos, elixires contra
calvície, paletós sob medida, terrenos, colégios, “gotas da juventude” e até revistas
musicais, com fotografias de vedetes em sua característica performance levantando as
saias, sem qualquer referência a críticas políticas.
Um dos elementos de grande identificação da Tribuna com o popular era o espaço
reservado ao futebol, àquela altura já o esporte da preferência nacional, sendo-lhe
dedicada diariamente quase uma página inteira. Famosos jogadores de futebol gozavam
de grande prestígio na Tribuna, que também trazia, em menor proporção, informações
sobre voleibol, tênis, natação e turfe.
As notas sociais – casamentos, aniversários, batizados – também tinham o seu espaço
garantido no periódico comunista, assim como a coluna ...e a caravana passa...,
especializada em piadas e mexericos sobre políticos e personalidades em evidência.
Tudo isso diferenciava consideravelmente a Tribuna dos demais veículos de divulgação
do Partido Comunista, como estratégia para atingir (e)leitores, que não exercem,
recorrendo à categoria de Gramsci, a função de intelectuais na sociedade.
Os produtos culturais eram assuntos recorrentes nas páginas da Tribuna Popular, que
reafirmava com freqüência a importância dos bens culturais como instrumentos de
divulgação e educação política do povo, consolidando o projeto político-cultural do PCB. A
seção A literatura e a vida, escrita por intelectuais, que nos anos de circulação da Tribuna
Popular estavam em massa no Partido Comunista, trazia crônicas de Pablo Neruda,
Graciliano Ramos e outros intelectuais comunistas. Para as crianças, o jornal preparava
um suplemento especial, que circulava aos domingos, com jogos e sabatinas, procurando
inserir os pequenos, de forma lúdica, na filosofia comunista.
O PCB, principalmente por meio de sua imprensa, mas não somente através dela,
procura abarcar uma variedade de campos artísticos e culturais, consolidando o seu
projeto de intervenção político-cultural. A Tribuna Popular era um lugar fundamental na
viabilização desse projeto, pois destinava-se a uma camada social que, no entender dos
comunistas, desconhecia o seu papel transformador no processo histórico, carecendo de
ações educativas e conscientizadoras. A arte e a cultura, nesse sentido, desempenhariam
uma função primordial.
O samba, a esta altura reconhecido pelos comunistas como uma das maiores formas de
expressão artística popular, conforme analisado nos capítulos anteriores, também estava
representado nas páginas da Tribuna, através das colunas O povo se diverte e O samba
na cidade, que, mesmo distante do período do carnaval não deixavam de ser publicadas,
ainda que surgissem esporadicamente, tornando-se diárias entre os meses de dezembro
e março.
Sob os auspícios dos cronistas Satanaz, Grisu e Calunga38, a coluna O povo se diverte
funcionava como um espaço de divulgação de assuntos ligados aos interesses de clubes,
escolas de sambas e outras entidades recreativas. Notas sobre a agenda e os
preparativos dos bailes carnavalescos nos clubes, convocações para as tradicionais
batalhas de confete, cartas de leitores relacionadas a assuntos pertinentes ao carnaval,
38
O jornalista Paulo Motta Lima, que atuou na Tribuna Popular durante os três anos de sua circulação, em
entrevista à autora, em 08.06.2000, informou desconhecer os responsáveis pela coluna, enfatizando que
nem todos os jornalistas que trabalhavam na Tribuna eram comunistas.
33
homenagens recebidas pela Tribuna Popular por parte das agremiações, enfim a cultura
popular, em especial o mundo do samba, encontrava na coluna O povo se diverte um
espaço de participação e representação.
“Para que paguem as passagens do bonde nos dias de folia
Condutor Roberto Davi pede publicação nesta coluna para que não deixem de pagar as
passagens. Diz o seguinte: “Aproximam-se os 3 dias de Carnaval, e sendo este o da
‘Vitória’, terá maior animação que nos outros anos. Para nós, entretanto, será um
verdadeiro suplício, porque os foliões, na sua quase totalidade jovens folgazões, não nos
pagam as passagens.”39
A carta do angustiado condutor de bonde é um indício da forte expectativa criada
em torno do carnaval de 1946, que deveria ser um período de grande catarse social, por
se tratar do primeiro carnaval do pós-guerra e da volta (?) da democracia no Brasil, tendo
sido batizado de Carnaval da Vitória, em alusão à cultura política do momento. O clima de
euforia construído pelos promotores da festa com a ajuda dos veículos de comunicação
também é veiculado pela Tribuna Popular, aparentemente contrastando com manchetes
que aterrorizavam os comunistas.
Um dos assuntos mais recorrentes e importantes para a Tribuna Popular no
período 1945-46 era a necessidade de se banir o que os comunistas chamavam de
resíduos do nazi-fascismo no Brasil e prevenir-se contra a volta do autoritarismo,
lançando-se numa maciça campanha pela revogação da Carta Constitucional de 1937,
apelidada de o Monstrengo Fascista, conforme abordamos no capítulo 3.
Ainda que estivessem apreensivos quanto à possibilidade de retorno do
autoritarismo, criando forte tensão entre os comunistas, estes, com a proximidade do
carnaval, procuravam voltar as suas atenções também para a organização e promoção
dos festejos momescos, que no ano de 1946 ficaram conhecidos como Carnaval da
Vitória, em alusão à cultura política do momento.
Os carnavais da década de 40 foram marcados pelo tenso clima político provocado pela
Guerra e pela euforia de seu término. O carnaval de 1943, com a declaração de guerra do
Brasil à Alemanha, seria cancelado. A Prefeitura do Distrito Federal, que subvencionaria a
festa, desistiu de seus planos. Também foi cancelada a apresentação das grandes
sociedades, dos ranchos e dos blocos. Já as escolas de samba, aderiram à iniciativa
conjunta da Liga de Defesa Nacional e da União Nacional dos Estudantes, que
organizaram o desfile no estádio de São Januário, em benefício da cantina do soldado
combatente, a pedido de Darci Vargas, primeira-dama do país.40
No ano seguinte, o carnaval foi festejado sob uma atmosfera de incerteza e apatia geral.
A União Geral das Escolas de Samba deixou a cargo de cada agremiação decidir pela
participação ou não do desfile. Os jornais, que costumavam realizar uma ampla cobertura
dos desfiles, não enviaram repórteres para o local da apresentação. O vespertino O
Jornal assim descreveu o clima reinante:
“O carnaval deste ano será mais triste. Estamos em guerra, atingidos pela crise mundial,
e aquela alegria contagiante do carioca desapareceu, surgindo uma nítida compreensão
do momento que atravessa a humanidade”.41
Em fevereiro de 1945, a Guerra dava sinais de que caminhava para o seu término. Os
foliões iam para as ruas e salões brincar o carnaval que marcaria o fim do período dos
“Carnavais de Guerra”, caracterizados por enredos patrióticos, que estavam diretamente
ligados à propaganda e às campanhas nacionalistas do período.
O espaço dedicado pela Tribuna Popular ao Carnaval da Vitória era bastante
considerável. Diariamente, no período de dezembro a fevereiro, o jornal publicava
matérias referentes à festa.
39
Tribuna Popular, O povo se diverte, 02.03.1946, p.5.
40
Cabral, Sérgio. Op. cit., p. 137.
41
Apud Cabral, Sérgio, idem, p. 139.
34
Na Coluna O povo se diverte, de 10.02.46, a Tribuna posicionava-se em defesa da
participação das crianças nos festejos carnavalescos, uma proibição feita através de
portaria baixada pelo Juiz de Menores. Os argumentos utilizados reforçam a grande
expectativa em relação àquele carnaval, que teria o valor simbólico de restabelecer a
alegria e encerrar um período de profunda tristeza, marcado pela guerra. O texto faz
referência também à alegria “típica” do carioca, traduzida na expressão espírito folgazão
do carioca e às “legítimas vibrações” do povo, que no texto representam a dimensão do
povo brasileiro, projetando a cultura carioca como a cultura nacional. Embora extenso,
consideramos interessante reproduzir o artigo:
“Durante a guerra. A popular instituição dos cariocas, o Carnaval, desceu a um nível de
entusiasmo jamais observado entre nós. Era natural no momento em que milhares de
pessoas se sacrificavam nos campos de batalha para extirpar da face da terra a besta-
fera fascista, que nosso povo não sentisse qualquer estímulo para se divertir à vontade”.
Cessada porém, a guerra, o espírito folgazão do carioca voltou a reanimar-se criando-se
grande expectativa em torno do próximo Carnaval, batizado unanimemente o Carnaval da
Vitória.
Dispondo sobre a participação dos menores nos próximos festejos carnavalescos, o Juiz
de Menores do Distrito Federal vem de baixar uma portaria em que se acham contidas
várias restrições a respeito. Algumas dessas medidas são até certo ponto justas, como,
por exemplo a que visa limitar o horário dos chamados bailes infantis. Outras, porém, são
inteiramente injustificadas, como a que se refere à proibição de menores de 14 anos
tomarem parte em cordões ou préstitos carnavalescos, mesmo de dia. O nosso povo já se
habituou ao espetáculo das festividades religiosas, com a participação pública de crianças
de tenra idade. Nas festas cívicas ou mesmo nas homenagens de que de vez em quando
são objeto alguns figurões políticos, é comum notar-se a presença de milhares de
crianças, expostas aos rigores do causticante sol, sem que o digníssimo Juiz de Menores
se lembre de tomar qualquer providência.
De modo geral, a portaria constitui uma tentativa de cercear as legítimas vibrações de
nosso povo, neste ‘Carnaval da Vitória’ e urge escoimá-la de seus senões”.
Outras formas de articulação do posicionamento político do Partido na conjuntura do pós-
guerra, via Tribuna Popular, com o carnaval eram as homenagens aos pracinhas da FEB,
a publicação de letras de sambas relacionados à participação do Brasil na Guerra, as
visitas dos comunistas às escolas de samba, onde proferiam discursos contrários ao nazi-
fascismo e divulgavam a linha política do Partido, e a promoção de eventos culturais e
esportivos, combinando torneios de futebol com exibições de escolas de samba. Tudo
isso contribuía para reforçar o clima de ansiedade e expectativa para aquele que prometia
ser um carnaval que inauguraria novos tempos, tempos de paz, no plano internacional, e
de democracia interna, às expensas das ameaças dos resquícios fascistas, como
pensavam os comunistas, além de coroar de êxito o trabalho de popularização do PCB.
“BATALHA DA VITÓRIA.
Será realizada, no próximo Sábado, dia 23, na rua Sampaio Ferraz, uma monumental
batalha de ‘confetti’, em homenagem à gloriosa F.E.B. A batalha será abrilhantada pela
presença de várias escolas de samba, representações de frevo, entre estes os ‘Pás
Douradas’. Comparecerão, ainda, os foliões da ‘Embaixada do Sossego’, ‘Tenentes do
Diabo’, etc. Duas bandas de música, além de vários conjuntos regionais darão uma nota
alegre à festa. Serão distribuídos vários prêmios ás escolas de samba, às representações
de frevo, á fantasia mais original, ao melhor estandarte e ao melhor conjunto. A Batalha
da Vitória está sendo organizada por uma comissão de moradores do bairro, em
colaboração com a União de Moradores do Estácio.” 42
“FESTA POPULAR NO LARGO DO ASSUNÇÃO
42
Coluna O povo se Diverte, 22.02.46, p. 5.
35
Por iniciativa da Célula Herculano, realizou-se ontem, no Largo da Assunção uma festa
popular para homenagear o Assunção Futebol Clube, Campeão de Futebol de 45 da Liga
de Amadores Sul Esportiva. Fez a entrega à taça oferecida pelo Comitê Popular local ao
club vencedor o Secretário Político da Célula Sr. Braulino Ferreira, que exaltou o feito e
fez um apelo aos espectadores, no sentido de darem o seu apoio á Autonomia do Distrito
Federal, e á revogação da carta para-fascista de 37.
Num palanque ornamentado foram montados vários números do próximo carnaval
comparecendo ao local a Escola de Samba Vermelho e Branco e o Conjunto Regional
Lourival Pereira. Compareceu o deputado Batista Neto, que fez um discurso, concitando o
povo a lutar pela Autonomia do Distrito Federal” 43
Os sambas-enredo para o Carnaval da Vitória e as marchas carnavalescas
receberam na Tribuna Popular, no período que antecedia o carnaval, um espaço
exclusivo para a sua divulgação. A seção Músicas de Carnaval publicava regularmente as
letras das músicas que seriam cantadas durante os festejos momescos. Os temas das
marchas e sambas publicados eram, invariavelmente, a vitória das forças democráticas
contra os nazistas e a participação dos brasileiros na guerra, como neste samba, de
Onésimo Gomes, Edgar Nunes, Horácio Rosário e J. Pereira, publicado na edição de
22.02.1946:
Confirmaram a tradição
Da saudosa geração
De Caxias a Barroso
Nomes de um passado tão belo
Com orgulho nesta homenagem revelo
Por deliberação do órgão representativo das escolas de samba, a União Geral das
Escolas de Samba, UGES, no Carnaval da Vitória, todas as escolas deveriam
desenvolver enredos relativos à vitória dos Aliados sobre as forças do Eixo, destacando a
participação do Brasil na guerra. Assim, as agremiações que desfilaram na Avenida
Presidente Vargas, então palco central do desfile das escolas de samba, desenvolveram
os seguintes enredos:
Quadro 2
43
Tribuna Popular, 17.02.46, p. 2.
36
44
CANDEIA. Escolas de Samba: a árvore que esqueceu a raiz. Rio de Janeiro: Lidador/SEEC, 1978, p. 19.
45
Sobre a permanência do preconceito ao samba, ver TUPY, Dulce. Carnavais de Guerra – o nacionalismo
no samba. Rio de Janeiro: ASB, 1985.
46
Idem, idem, p. 107.
37
funcionando como um espaço de representação institucional dos sambistas. Os assuntos
do interesse da União Geral das Escolas de Samba, que teve, guardadas as devidas
proporções, o mesmo papel que desempenha hoje a Liga Independente das Escolas de
Samba – Liesa, monopolizavam o espaço do Samba na Cidade, convocando dirigentes
de escolas de samba para reuniões, publicando portarias da Delegacia de Costumes e
Diversões acerca das medidas policiais em relação aos preparativos dos desfiles, e,
sobretudo, estabelecendo o vínculo ideológico entre as escolas de samba e o Partido
Comunista. A UGES tornou-se uma espécie de organismo classista vinculado ao partido.
A participação da UGES no jornal comunista, representava, através da coluna O samba
na Cidade, um instrumento de articulação dos interesses comunistas com as escolas de
samba.
38
O PCB, tendo cada vez mais consolidado o seu comprometimento com a utilização dos
ritmos e festas populares como estratégia de comunicação com as massas, também abre
espaço, na Tribuna Popular, para que as entidades tidas como representativas desse
popular – as escolas de samba – estabeleçam contatos entre si, de acordo com os seus
interesses (divulgar reuniões das diretorias das escolas de samba, convocar os sambistas
para ensaios e comemorações, tornar públicos os enredos das escolas para o carnaval,
entre outros) e principalmente, mantenham contatos com os próprios jornalistas e com o
Partido, executando o papel de um importante agente da práxis política comunista.
Convém ressaltar que o contato dos comunistas com os sambistas não era uma
novidade inaugurada pelo vespertino Tribuna Popular. Em 1935, um grupo de jornalistas
ligados ao Partido Comunista, tendo à frente Pedro Mota Lima, levou o professor da
Sorbonne, Henri Wallon, em visita ao Brasil, à sede da Portela, com recepção de Paulo da
Portela, onde a comitiva conheceu o samba que seria cantado no carnaval, intitulado, não
por coincidência, “O Samba Conquistando o Mundo”, com o qual a escola, que ainda se
chamava Vai como Pode, sairia campeã naquele ano. Em 1946, no auge da aproximação
do PCB com as escolas de samba, Pedro Motta Lima, então diretor da Tribuna Popular,
rememorava os acontecimentos de 1935 nas páginas do jornal comunista:
“A Portela engalanou-se. Cobriu-se de bandeirinhas o seu terreiro. Os ases do samba,
vindos de outras escolas, iam reunir-se naquele instituto da gente do morro. As mais
lindas pastoras, as vozes escolhidas, os músicos de fama, compositores e solistas
estavam convocados para a homenagem ao representante da velha sabedoria da França.
(...) Como a ciência ainda não encontrou a procurada maneira de defender as escolas de
samba em tais situações, um aguaceiro de trovoada carioca ameaçou não só o brilho,
mas a própria realização da festa franco-brasileira. Passamos as correntes nos pneus dos
nossos carros. Rumamos sem vacilação para o subúrbio. (...) O professor Wallon, sua
senhora, artistas e intelectuais brasileiros ali estavam sendo recebidos pelos filhos de
nosso povo com um calor de sinceridade ainda não conhecida nos círculos oficiais. O
mestre da Sorbonne foi saudado em francês por um dos diretores da escola: ‘Professor
Wallon, permita-me que vos saúde no belo idioma de Racine’. Em meio à festa, já no
salão onde cantavam e dançavam lindas pastoras, alguém pediu um improviso a Paulo da
Portela. (...) Paulo inspirou-se um momento, sua fonte larga banhava-se de luz, seus
olhos exprimiam por antecipação a música e a letra prometidas: ‘Como é linda a
Guanabara, jóia rara de beleza.’”47
A abertura desse espaço parece ter conquistado a credibilidade do jornal junto ao mundo
do samba. Constantemente eram publicadas cartas de escolas de samba simpáticas à
Tribuna Popular e, não raro, convidavam os jornalistas para participar de homenagens
feitas a esse folhetim. As “visitas de cordialidade” de dirigentes de escolas e sambistas à
redação tornaram-se cada vez mais freqüentes. O próprio jornal, através do seu concurso
“Embaixador e Embaixatriz do Samba”, abria as suas portas para que os candidatos e
torcedores presenciassem as apurações parciais e o resultado final do concurso.
“AOS PRESIDENTES DAS ESCOLAS DE SAMBA
Para tratar de assunto urgente, a direção da Tribuna Popular, órgão oficial das escolas de
samba, convoca para uma reunião hoje, ás 20 horas, na redação deste matutino, todos os
presidentes das escolas de samba” 48
“TRIBUNA POPULAR, ÓRGÃO OFICIAL DA ESCOLA DE SAMBA UNIÃO DOS
INDUSTRIÁRIOS DO REALENGO
47
Apud CABRAL, Sérgio. Op. cit., pp. 103-104. A data da publicação na Tribuna Popular não foi
corretamente indicada pelo jornalista Sérgio Cabral. Um dos pontos críticos da sua obra, que se tornou uma
referência para os estudiosos do mundo do samba, é exatamente a sistematização inadequada das fontes.
Ainda assim, tal fato não invalida a utilização do documento, considerando a dificuldade de localiza-lo em
nossa pesquisa na Tribuna Popular.
48
Tribuna Popular, 11.01.1947, p.5.
39
Recebemos assinada pelo sr. Durval Medeiros, secretário da ‘Escola de Samba União
dos Industriários do Realengo’, uma carta na qual o mesmo nos comunica que, de acordo
com a resolução da junta governativa da Escola, nosso jornal passa a ser o órgão oficial
para todas as publicações de seus festejos carnavalescos.” 49
“A ESCOLA DE SAMBA UNIDOS DA TIJUCA HOMENAGEIA A ‘TRIBUNA POPULAR’
A escola de samba ‘UT’, sábado último, fez uma brilhante homenagem ao nosso jornal.
Um dos componentes da escola falou em nome de seus companheiros saudando a
Tribuna Popular.” 50
Quadro 3
Mano Décio da Viola, famoso pelo lirismo de seus sambas, preparou para a festa o
samba-enredo Pelo Bem da Humanidade:
“Sempre lutando
Pela nossa liberdade
Sofreste
Ó grande nome
Cavaleiro da Esperança
Ficarás para sempre
Na nossa lembrança”
57
Os autores de Silas de Oliveira - do jongo ao samba-enredo apresentam outra versão para o samba de
Lourival Ramos e Orlando Gagliastro, afirmando, inclusive que o autor do samba teria sido Paulo da Portela,
membro da comissão de honra do desfile, que procurou omitir a sua autoria. O samba-enredo teria a
seguinte letra: Prestes, Cavaleiro da Esperança/ Foi o homem que pelo povo sempre relutante/ Teu nome
foi disputado nas urnas/ Ó Carlos Prestes/ Foi bem merecida a cadeira de Senador/ És o Cavaleiro que
sonhamos/ De ti tudo esperamos/ Com todo amor febril/ Para amenizar nossas dores/ E levar bem alto as
cores da bandeira do Brasil.
43
Brasil pautada no discurso historiográfico do século XIX, que perdurou até pelo menos
metade do século XX.58 Ao adotarem a mesma estrutura tradicionalmente ufanista, os
sambas-enredos em homenagem a Prestes produzem uma peculiar aproximação do
discurso historiográfico oficial com um personagem não muito simpático à historiografia de
cores positivistas e mitificado por alguns setores da cultura popular, que o insere, à sua
maneira, na história dos grandes homens que orgulharam a nação, lutando pela liberdade
e pelo progresso.
A escola de samba vencedora do desfile do Campo de São Cristóvão foi a Prazer
da Serrinha, com um samba que, curiosamente, não fazia referência ao grande
homenageado. Ao contrário, optou por cantar a sua própria história, através do samba de
Hélio dos Santos e Rubens da Silva:
“O PRAZER DA SERRINHA
Qualquer criança bate um pandeiro
Bate um pandeiro e toca cavaquinho
Acompanha o canto de um passarinho
Sem errar o compasso
Quem não acredita
Poderemos provar, podes crer
Nós não somos de enganar (BIS)
Melodia mora lá
No Prazer da Serrinha
Nós vivemos alegres a cantar
A nossa Escola, nos dá emoção (BIS)
Porque ninguém jamais
Poderá desmoronar a nossa união”
O desfile de novembro de 1946 foi memorável para a comunidade de Vaz Lobo, que até
então em seu currículo carnavalesco tinha como melhor resultado um 3º lugar em 1935 e,
nos anos 1940, sua melhor posição foi o 11º lugar no Carnaval da Vitória. Seria o seu
primeiro e último grande resultado.
Insatisfeitos com o autoritarismo e intransigência da direção da Prazer da Serrinha, um
grupo de sambistas dissidentes decidiu-se pela fundação de outra escola de samba, a
Império Serrano, resultado da fusão da Prazer da Serrinha com a Deixa Malhar, da Tijuca,
que fora extinta. A nova agremiação recebeu a adesão de elementos descontentes com a
Portela, o que fortaleceu ainda mais a nova escola.
Um dos responsáveis pela fusão foi Elói Antero Dias, o Mano Elói, personagem de grande
prestígio no mundo do samba. Mano Elói foi o primeiro cidadão samba do Rio de Janeiro,
eleito em 1936, numa promoção da União Geral das Escolas de Samba em parceria com
o jornal A Rua. Famoso jongueiro, respeitado Ogan, dono de centros de macumba,
colaborador na fundação de várias escolas de samba, o prestígio de Mano Elói valeu-lhe
a entrada no restrito círculo das gravadoras, onde gravou, em 1930, dois discos, um de
pontos de macumba e o outro de jongo, uma conquista bastante significativa, tendo em
vista a resistência social ainda reinante em relação à cultura africana. Os discos renderam
ao Ogan um convite de Chico Alves, o Rei da Voz, conhecido pelas “parcerias” nas
composições dos sambistas e pela compra de sambas, a gravarem juntos um novo disco
de macumbas, o que foi recusado por Elói59.
58
Essa tendência fixou raízes profundas no mundo do samba. No artigo O Carnaval dos 500 Anos e o ofício
do historiador, apresentado na ANPUH-2000, discutimos que obras clássicas da historiografia tradicional,
como História do Brasil, de Rocha Pombo, continuam norteando os trabalhos de carnavalescos e
compositores na confecção de enredos e sambas-enredo.
59
Cf. VALENÇA, Raquel Teixeira e VALENÇA, Suetônio. Op. cit.
44
Mano Elói, que fizera parte do corpo de jurados no Carnaval da Vitória, também era
conhecido por duas outras funções ligadas à atividade portuária, um dos setores de maior
incidência do Partido Comunista: era presidente do Sindicato da Resistência do Cais do
Porto e trabalhava como “fiscal de plataforma”. Elói levou para o porto muitos rapazes da
Serrinha:
“Em 1947 - conta Irênio Delgado [portuário e jornalista, ligado também às escolas de
samba] – o Elói era um dos presidentes do Sindicato da Resistência. Naquela época
existia uma função na fachada do cais, junto aos armazéns de descarga de navios. Era o
fiscal de plataforma. Ganhava não por uma pessoa, mas o total equivalente a tantos
‘ternos’ fiscalizasse. Ternos eram os grupos de homens. Se trabalhasse com cinco ternos,
ganhava por cinco homens. Esse cargo era disputadíssimo dentro da Resistência. O Elói
resolveu só dar tal função a quem morasse em Vaz Lobo e fosse participante do Império
Serrano. O escolhido era obrigado a doar o equivalente a um terno para a escola de
samba. Aí começou a entrar dinheiro e o Império pôde seguir com aquela força toda”. 60
A entrega da taça conquistada no desfile de 15 de novembro foi feita em 7 de dezembro,
na sede da Prazer da Serrinha.61 . Uma comitiva formada por Heitor Servan de Carvalho e
José Calazans, presidente e vice-presidente da UGES, Vespasiano Lyrio da Luz, Pedro
Motta Lima, Neves Manta, Edison Carneiro e a equipe de reportagem da Tribuna Popular,
foi recepcionada com um banquete, tradição entre as escolas de samba.
A relação entre o PCB e as escolas de samba, cada vez mais considerada pelo Partido
uma estratégia de penetração dos ideais comunistas entre as camadas populares,
estreitava-se no mesmo ritmo em que as escolas de samba iam se consolidando e sendo
reconhecidas, inclusive internacionalmente. Uma das atitudes do PCB que lhe garantiram
maior penetração entre os sambistas foi a sua interferência na organização do desfile das
escolas de samba no carnaval de 1947, batizado de Carnaval da Paz, novamente em
alusão ao fim da Segunda Guerra e à vitória dos Aliados. Como de praxe, cabia a um
jornal estar à frente dos preparativos, influindo na criação do regulamento e promovendo
um concurso de grande sucesso, para a eleição do Cidadão Samba e da Embaixatriz do
Samba daquele ano. A Tribuna Popular, contando com o respaldo da UGES, que fazia do
matutino comunista o seu veículo oficial, pela primeira – e única – vez conquistou o
cobiçado posto de promotora de uma das maiores festas populares do Rio de Janeiro, já
com grande projeção mundial.
Através do preenchimento e envio à redação da Tribuna de um cupom publicado pelo
jornal, o leitor participava da escolha do Cidadão Samba e da Embaixatriz do Samba do
Carnaval da Paz. Venceriam aqueles que obtivessem o maior número de cupons a seu
favor. A partir de 1º de janeiro de 1947, a Tribuna divulgava semanalmente os resultados
parciais da apuração, o que rendia novas matérias sobre os sambistas no jornal, inclusive
com fotos dos líderes do concurso e assegurava a popularidade do evento.
Os preparativos para o Carnaval da Paz, que exigiam uma participação direta da Tribuna
Popular, eram concomitantes aos preparativos do PCB para as eleições municipais e para
o Senado, a serem realizadas em 19 de janeiro. A Tribuna estabelecia um estreito vínculo
entre a campanha eleitoral do Partido e a campanha de divulgação e promoção dos
60
NASCIMENTO, Ernesto. Na rota do Prazer da Serrinha, o Império Serrano é um porto seguro para o
mundo atracar no Brasil. Rio de Janeiro: 2000 (mimeo). O referido autor é o atual carnavalesco da escola
de samba Império Serrano e o texto citado trata-se da sinopse do enredo apresentado no carnaval de 2001,
O Rio corre pro Mar, onde é feita referência à relação do Império Serrano com a estiva.
61
A edição de 15 de janeiro de 1947 noticiava que todas as escolas que desfilaram no Campo de São
Cristóvão receberiam, como prêmio de participação, assinatura anual da Tribuna Popular, o jornal do povo,
devendo informar à UGES o endereço de correspondência para receberem o matutino.
45
festejos de 1947. A presença e os discursos dos candidatos comunistas nas festividades
envolvendo o mundo do samba eram tão freqüentes quanto necessárias face ao
comprometimento político dos dirigentes da UGES com o Partido Comunista.
O aniversário de Prestes, data histórica para o Partido, fora entusiasticamente celebrado,
mobilizando uma extraordinária estrutura que contou com a assessoria de uma Comissão
de Festejos Comemorativos do Aniversário de Luiz Carlos Prestes, composta por Mário
Lago, presidente da Comissão, Vespasiano Lyrio da Luz, Pedro Motta Lima, Eugênia
Álvaro Moreira e Ariosto Assis. Foram várias as comemorações pela passagem do
aniversário de Prestes. Em todo o Brasil os comunistas organizaram festas. Passado um
mês de seu aniversário, Prestes ainda recebia homenagens das células do Partido em
outros estados e a Tribuna não parava de publicar telegramas de felicitações de leitores
de todo o país.
As comemorações foram batizadas pela Comissão de Festejos de festas populares em
homenagem a Prestes. As festas populares, promovidas pelos Comitês Distritais do PCB
no Rio de Janeiro, contavam com um grande número de atrações musicais, inclusive, com
a presença de cantores do rádio, de reconhecido sucesso do grande público. As escolas
de samba, mais uma vez, eram convidadas imprescindíveis:
“Entre as inúmeras festas com que o povo carioca comemorará o aniversário de Prestes,
destacam-se, sobretudo as seguintes:
Praça Saens Pena, na Tijuca, com desfile das Escolas de Samba – promotores: CD
[Comitê Distrital] Tijuca, Norte e Estácio.
Praça Irajá, com desfiles das Escolas de Samba. Promotores – CD Madureira, Rocha
Miranda e Irajá.
Praça do Norte em Engenho de Dentro, com desfile das Escolas de Samba.
Parque da Avenida Passos: festa para os filhos dos eleitores do Partido Comunista, da
Chapa Popular. Promotores: CD Esplanada, Santos Dumont e República.
Grande Festa do Campo de São Cristóvão – esta festa constará do seguinte programa,
planificado pelo CD de São Cristóvão:
A partir das 17 horas, irradiação de músicas populares;
Às 18:30h, os batutas da “Cidade Maravilhosa” (frevo);
Grande “show” pela cooperativa dos artistas.
Foram convidados especialmente vários artistas, como Jorge Veiga, Aracy de Almeida.
Haverá fogos de artifício, batalha de confete. Às 17:30h partirá a passeata da sede do C.
[Comitê] Distrital de São Cristóvão, havendo para isso transporte à disposição do
público”.62
O itinerário e o horário em que o senador do povo estaria em cada uma das festas
populares foi divulgado previamente pela Tribuna Popular para que todos pudessem
render a sua homenagem a Prestes. Em 1º de janeiro de 1947, à página 6, lia-se:
“Horário de passagem de Prestes pelas Festas Populares:
18:30h – Serzedelo Correa, em Copacabana
19:10h – Largo do Machado
19:30h – Parque da Avenida Passos
19:50h – Rio Comprido
20:10h – Praça Saens Pena
20:40h – Praça Rio Grande do Norte, em Engenho de Dentro
20:50h – sede da Célula Falcão Paim, a fim de cortar o bolo que lhe será oferecido.
21:30h – Praça do Irajá
22:15h – Praça das Nações, em Bonsucesso
23:00h – Campo de São Cristóvão”
62
Tribuna Popular, 01.01.1947, p.4.
46
As comemorações pelo aniversário de Prestes não se restringiam às festas programadas
pelo Partido com esse propósito. A pretexto da apresentação dos candidatos a Cidadão
Samba e Embaixatriz do Samba do Carnaval da Paz, a Tribuna Popular organizou junto
com a União Geral das Escolas de Samba um festival com a presença de várias
agremiações, filiadas e não filiadas à UGES. Luiz Carlos Prestes estivera presente ao
festival, ocorrido em 02.01, véspera do seu aniversário, ao lado do deputado federal João
Amazonas. O samba-enredo vencedor do desfile de 15 de novembro foi novamente
entoado, seguido de uma segunda parte, criada para a ocasião. O novo samba, de
Lourival Ramos e Orlando Gagliastro, ou de Paulo da Portela, conforme aponta Sérgio
Cabral63, ganhou os seguintes versos:
“Vivia constrangido e humilhado
Oh, Carlos Prestes
Mas nunca na sua vitória desacreditou”
63
CABRAL, Sérgio. Op. cit., p. 126.
64
Tribuna Popular 04.01.1947 – p.8.
47
A matéria de 8.01.47 não deixa qualquer dúvida que a parceria Partido Comunista-União
Geral das Escolas de Samba atingia o seu auge:
“Confiam os vereadores do povo para o êxito do próximo carnaval – as escolas de samba
esperam que os futuros membros do Conselho Municipal tudo façam para que a festa
máxima do povo honre as tradições carnavalescas do Rio.
Falam à nossa reportagem o sr. Antonio dos Santos e a srta. Doraci de Assis, candidatos
a Cidadão e Embaixatriz do Samba do Carnaval da Paz (...)”.
A proximidade das eleições fazia com que os comícios, que por orientação dos dirigentes
do Partido, deveriam se chamar festas eleitorais, se tornassem cada mais freqüentes,
recebendo ampla cobertura na Tribuna. As festas mobilizavam grande número de
militantes que se ocupavam das suas tarefas específicas, que iam desde a preparação de
material de divulgação e infra-estrutura do local da festa até tarefas a serem executadas
durante os eventos, como arrecadar fundos para a Chapa Popular e aumentar o número
de militantes para o PCB, que em 1947 chegaria ao significativo número de 200 mil
inscritos, contingente nunca antes conseguido pelo Partido.65
A presença de dirigentes do PCB e de candidatos da Chapa Popular ao pleito do dia 19
nas festas eleitorais era constante. As atrações também. Ao lado de cantores e artistas
populares, como enfatizava o Partido e das escolas de samba, Luiz Carlos Prestes, João
Amazonas, que concorria a uma vaga no Senado, Pedro Motta Lima, Vespasiano Lyrio da
Luz e Aparício Torelli, que pleiteavam uma vaga na Câmara Municipal – , eram presenças
garantidas, discursando para o público e apresentando a sua plataforma política.
Vespasiano Lyrio da Luz era dos candidatos do Partido Comunista, o que mais
popularidade mantinha entre os sambistas. Como jornalista da Tribuna Popular e
candidato, estivera por diversas vezes nas sedes das escolas de samba, onde proferia
discursos, recebia homenagens e apresentava o seu programa de governo que incluía a
criação de quadras para as escolas de samba, cursos profissionalizantes e de
alfabetização, serviços básicos – água, luz, saneamento e melhorias diversas para
aquelas comunidades carentes de políticas públicas e conhecidas como produtoras de
uma das maiores referências culturais do País.
“(...) Como verdadeiros organismos de massa, as escolas de samba, por exemplo, terão
oportunidade de lutar ao lado do povo pelas reivindicações do povo. Nos morros, favelas,
nos bairros, há falta d’água, de escolas, de ruas acessíveis, transitáveis facilmente. As
escolas de samba, estamos certos, têm o direito e desejam lutar para a solução urgente
desses angustiantes problemas. (...)” 66
As escolas de samba constituir-se-iam num espaço privilegiado de disputas
políticas. Buscar conquistar eleitores no mundo do samba não era uma idéia original do
PCB: na campanha eleitoral para a Câmara dos Deputados de 1938, projeto abortado
com o golpe de Vargas, o vereador Frederico Trota, que lutara pela conquista da
subvenção das escolas de samba no carnaval de 1935, fez do mundo do samba um
grande reduto eleitoral:
“A diretoria da Escola de Samba União Barão da Gamboa chegou a lançar um manifesto,
‘aos morros e ao povo das escolas de samba’, lembrando os serviços prestados por ele e
pela União das escolas de samba, entidade que o político ajudou a criar. ‘Infelizmente’,
dizia o manifesto, ‘essa situação não continuou porque indivíduos ambiciosos se
intrometeram, desvirtuando a diretriz inteligente e criteriosa dos seus prestigiosos
fundadores.’ Os sambistas da Gamboa destacaram também que a primeira diretora da
UES criou o Troféu Frederico Trota, destinado à melhor escola de samba de cada desfile,
exatamente para homenagear o político que tanto colaborou com o samba carioca.
Finalizava o manifesto: ‘O povo das escolas de samba vem mostrar que já pode eleger
alguém para seu representante no parlamento. Às urnas, pois, em 1938, com o nome de
65
Cf. VINHAS, Moisés. O Partidão. São Paulo: HUCITEC, 1982, pp. 129-130.
66
Discurso do candidato Vespasiano Lyrio da Luz. TP, 12.01.47, p.2.
48
Frederico Trota!’ A Estação Primeira de Mangueira também era considerada um reduto
eleitoral do político, tanto que promoveu um comício na Mangueira, com a presença do
seu candidato a presidente da República, José Américo de Almeida, além de políticos
importantes como João Neves da Fontoura, Batista Luzardo e o conde Pereira Carneiro”.
67
67
CABRAL, Sérgio. As Escolas de Samba do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Lumiar, 1996, p. 115.
68
Tribuna Popular, 08.01.1947, p. 3. [grifos nossos]
49
difusão devem ser mobilizados. Claro está que isso exige ampla movimentação de
finanças, que deve ser objeto de uma campanha especial”. 69
A manchete da edição de 9.01.47, pág. 8, atesta a percepção do Partido em falar a
linguagem das massas, incluindo, novamente, o mundo do samba :
“Novos métodos de propaganda eleitoral desenvolvidos pelo Partido Comunista –
Programas de calouros, blocos carnavalescos, programas de esquina, as iniciativas
tomadas – Circular do Comitê Metropolitano”.
Na referida reportagem, é apontada a eficiência de blocos carnavalescos,
aproveitando-se a proximidade do carnaval, para a concentração das massas, que
servirão para compor passeatas pelos bairros, entoando as músicas do Partido. Aqui a
condução dos blocos não está, necessariamente, a cargo de membros das entidades
ligadas ao mundo do samba, mas sim dos próprios membros do Partido.
“É claro que os camaradas não vão esperar que a massa se junte desde logo ao bloco
para então começar a passeata. É preciso a máxima iniciativa por parte dos camaradas.
Façam a concentração com os nossos elementos, comecem a cantar, iniciem a passeata.
E, principalmente não caiam na defensiva, alegando que não sabem cantar, que não têm
jeito para isso. É importante que os camaradas compreendam que isso é fundamental
para a propaganda de massas do Partido. Esse trabalho poderá ser feito sempre se
estiverem em locais onde haja aglomeração, em bondes, cafés, filas, no intervalo para o
almoço nos locais de trabalho, etc”.70
“IV PALHAÇOS
Pela sensação que um palhaço desperta sempre, êsse [sic] é um dos meios mais
eficientes de levarmos para a rua a nossa campanha. Um camarada que tenha veia
cômica, vestido de palhaço, percorre as ruas da cidade, fazendo palhaçadas, dando
cambalhotas, mexendo com os conhecidos (de preferência fazendo alusões às
dificuldades por que eles passam e às dificuldades gerais). Para chamar mais atenção ao
trabalho do palhaço, pode-se [convidar] os filhos dos camaradas e fazer uma adaptação
do conhecido ‘Hoje tem Marmelada?’. Damos aqui um exemplo dessas adaptações:
Palhaço: - No açougue tem carne?
Crianças: - Não tem, não senhor.
Palhaço: - Na leiteria tem leite?
Crianças: - Não tem, não senhor.
Palhaço: - O pobre tem escola?
Crianças: - Não tem, não senhor.
Palhaço: - E tem hospitais?
Crianças: - Não tem, não senhor.
Palhaço: - Que fazer para endireitar?
Crianças: - Votar na Chapa Popular”.
A presença das escolas de samba nos comícios e festejos do PCB tinha para o jornal, e
em última instância para o Partido, um triplo significado: além de atrair as massas para o
69
GRABOIS, Maurício, op. cit., p. 23. A Tribuna Popular organizava diversas ações entre amigos para
arrecadar fundos para a publicação do jornal bem como para a propaganda eleitoral do Partido.
70
Beatriz Ryff, famosa militante comunista que participou do levante de 1935 e esteve presa na Sala 4, a
primeira prisão política feminina, recorda-se de ter desfilado no bloco carnavalesco Filhos do Povo, ao lado
de Carlos Marighela, em 1947, o que confirma a importância do samba para o Partido Comunista. Cf.
DUARTE, Leneide. A Sobrevivente da Sala 4. Jornal do Brasil. Domingo, pp. 12-14.
50
comício e dar-lhes diversão, um direito do qual a carestia não lhes permitiria usufruir,
representava também a abertura de um espaço para que os artistas populares se
manifestassem, para que o povo sofrido e criativo das escolas de samba tivesse vez e
voz. “Está bem claro, vez mais, que os ‘shows’ são um poderoso instrumento de ligação
com as massas”. 71
Uma outra atribuição dos shows, para o Partido, era o seu caráter educativo, prestando o
serviço à sociedade de instrução política das massas desinformadas:
“O caráter festivo impresso ultimamente às nossas festas eleitorais tem dado maior brilho
às mesmas, tornando possível a realização de bons comícios em locais onde a massa
não está suficientemente esclarecida e onde é preciso levar a nossa palavra”. 72
“As músicas populares da campanha eleitoral podem e querem ser cantadas pela massa.
Para isso basta que os promotores da festa ao povo, profusamente, [distribuam?] volantes
com as letras das músicas. Esta é também, uma forma de educação política do povo”.73
Uma dessas músicas populares da campanha eleitoral, era a marcha Eu quero é votar,
paródia da música que dá título à comédia teatral carnavalesca, de grande sucesso, Eu
quero é rosetar. A autoria da letra da marcha carnavalesca, a ser cantada no comício
histórico de 16.01, encerrando a campanha eleitoral, foi atribuída ao povo. O povo
compôs a letra que se segue, para ser cantada com a música de “Eu quero é rosetar”:
“Por um comício teu, querido Prestes
Eu vou até o Irajá (bis)
Que importa que a intriga aumente
Eu quero é te escutar (bis)
71
Tribuna Popular, 09.01.1947, p. 8.
72
Idem, 09.01.1947, p.8.
73
.Ibdem, 05.01.47, p. 2.
74
Em Levemos às Massas nossa Linha Política, Maurício Grabois destaca como um dos mais importantes
instrumentos de aprendizagem política ouvir os discursos de Prestes.
51
função, a de festa da alegria do povo triunfante sobre os seus inimigos que tudo fizeram
para impedir a realização da campanha eleitoral e das eleições. A festa do povo era
também uma festa da cidade, da querida cidade de heróicas tradições democráticas.
O comício era anunciado como a maior manifestação de massas, jamais vista na capital
da República. Em se tratando de manifestação política “de massas”, organizada pelo
Partido Comunista na conjuntura do pós-guerra e que admitisse o clima de festa, como os
comícios/festas eleitorais, era obrigatória a presença de escolas de samba:
“Centenas de cantores populares mobilizados pelo partido do povo, bandas de música,
‘shows’ de todas as organizações do Partido Comunista, carros alegóricos, painéis, os
artistas das Escolas de Samba que falam a linguagem dos morros esperançosos de dias
melhores, estandartes, fogos de artifício – eis o que a grande massa verá no comício de
meio milhão, hoje, a partir das 4 horas da tarde, no Campo de São Cristóvão.
Maior que todas as grandes festas esportivas, maior que os desfiles das Escolas de
Samba, que fazem descer do morro os trabalhadores anônimos, que os ‘trabalhistas’ de
Getúlio e os udenistas de Hamilton Nogueira ainda ontem insultavam em seus jornais,
maior que todos os comícios das grandes jornadas anteriores, o comício ‘O 1º LUGAR
PARA O PARTIDO DE PRESTES’ deve ser igual à recepção da gloriosa FEB em que o
povo se irmanou nas ruas num grande dia da nacionalidade”.75
Falar a linguagem do morros esperançosos de dias melhores, além de transformar as
escolas de samba em porta-vozes das demandas sociais e políticas de suas
comunidades, como sugere o texto, significava também traduzir através da música, da
dança do samba e das alegorias alusivas ao enredo dos comunistas, a mensagem do
partido para as comunidades menos esclarecidas, de onde seriam provenientes as
escolas de samba, o que nos remete ao “drama” vivido por Graciliano Ramos ao ter que
discursar para os sambistas presentes à Praça Saens Pena.
As imagens que acompanham a publicidade do comício histórico são bastante
contrastantes e carregadas de simbologia. A matéria, de página inteira, é emoldurada
pela imagem, de um lado, de Prestes e de outro, de João Amazonas, feitas por
desenhista do jornal, dialogando com a frase Prestes e Amazonas falarão ao povo, a qual
introduz uma longa manchete, que inclui as escolas de samba. Prestes e Amazonas,
separados pelo longo texto sobre o comício, são representados sorrindo, em posição
movimento, sugerindo que estivessem caminhando. O olhar, fixo no horizonte, parecia
sinalizar confiança no futuro, o que é reforçado pelo gesto das mãos dos dois dirigentes
do partido: Prestes, com o braço direito elevado e punho cerrado, e o outro braço em
posição de movimento, como se tomasse impulso para caminhar, e Amazonas, com o
braço esquerdo alinhado ao corpo, e o outro erguido, acenando confiante.
Contrastando com as imagens dos dois oradores do comício histórico, ao final da página,
entre uma nota referente à participação do Exército na garantia da ordem durante as
eleições, e a marcha Eu quero é rosetar, uma charge, retratando Getúlio Vargas e suas
alianças políticas. A charge, formada por duas cenas, servia como ilustração do trecho da
matéria quando se refere aos trabalhistas, entre aspas, que costumavam insultar em sua
imprensa os trabalhadores anônimos do morro. Intituladas Ele disse... “trabalhador, o PTB
é o teu partido” , discurso de Vargas para as massas, afastadas e de costas, como se
estivesse indo embora, e Ele fez... “Mas estes são os donos do PTB”, fazendo referência
à burguesia industrial, representada por personagens em posições aristocráticas, vestidos
de fraque e cartola, que tinha o símbolo do cifrão desenhado. Um dos personagens
carregava sob o braço um trem, com um ponto de interrogação, sugerindo um
questionamento crítico sobre a que seria destinado aquele meio de transporte.
75
Tribuna Popular, 16.01.47, p.8.
52
Prestes e João Amazonas, ao contrário, trajavam paletós amarrotados, o que lhes
dava ares de simplicidade, buscando estabelecer uma identificação com as camadas
populares.
A participação das escolas de samba nos eventos promovidos pelo Partido
Comunista, bem como a inserção dos comunistas no mundo do samba, especialmente
através das visitas às escolas de samba e comparecimento às festividades promovidas
por aquelas agremiações, fazem parte de uma complexa teia de relações estabelecidas
pelo Partido durante a sua legalidade.
Buscando atuar dentro dos padrões legais, o Partido procura lançar mão dos mais
diversos recursos possíveis para conquistar a credibilidade das massas e atraí-las para os
seus quadros. Durante as eleições de janeiro de 1947, as discussões acerca dos métodos
para eleger os candidatos da Chapa Popular se intensificaram, sendo destinada à cultura
e à arte grande atenção. A arte e a cultura, especialmente se voltadas para as camadas
populares, eram apontadas como um dos principais instrumentos de mobilização,
educação política e propaganda. Ao lado dos torneios de futebol, das apresentações de
cantores da era de ouro do rádio, dos concursos e gincanas promovidos pelos militantes,
as escolas de samba desempenhavam um papel importante, funcionando como o
principal elo de ligação do Partido com as comunidades dos morros do centro da cidade e
de muitos bairros do subúrbio carioca, onde o samba era um elemento gerador de
identidade local, como acontece ainda hoje nos bairros de Oswaldo Cruz, Madureira,
Bento Ribeiro e Vaz Lobo. Para os comunistas, faltava ainda consolidar, nessas
comunidades, uma identidade política, em nome da qual o Partido Comunista acessaria
recursos materiais e humanos.
CAPÍTULO 5
A QUARTA-FEIRA DE CINZAS
“Tinha censura, mas o pessoal já sabia e ninguém fazia nada de político. Realmente o
samba ia para a censura, mas os nossos sempre passavam porque os nossos
compositores não tinham maldade política (...) o povo veio a se ligar em política de uns
tempos pra cá, antes ninguém sabia quem era quem, não sabia e nem queria saber”.
(D. Neuma da Mangueira)
O período compreendido entre 1945 e 1964 tem recebido dos estudiosos diversas
denominações, dentre as mais utilizadas, podemos citar: “período de democratização”;
“período de redemocratização”; “República Populista”; “Intervalo Democrático” ou ainda “A
Era dos Partidos”, expressões alusivas a um período caracterizado pela promulgação de
uma nova Constituição, em substituição ao que a Tribuna Popular chamou de “Carta
Fascista de 37” e de “O Monstrengo Caduco de 1937”e pela volta do pluripartidarismo,
sobretudo.
Cabe aqui salientarmos que, apesar de uma nova Constituição, que garantia conquistas
importantes para os brasileiros, como o fim do voto classista, à moda do nazi-fascismo e a
instituição do voto feminino obrigatório, e apesar do retorno à legalidade dos partidos
políticos, fatores que contribuem para a caracterização do período como democrático, há
de se argumentar que a nova Constituição conserva alguns traços marcantes do período
de autoritarismo, como a manutenção da CLT e o forte controle sindical, dando seqüência
à subordinação dos sindicatos ao Estado, como fizera Vargas. E o retorno ao sistema
partidário, “a despeito do seu caráter pluralista, confrontou-se em condições altamente
desfavoráveis, no terreno do processo decisório estatal, com a burocracia de Estado,
então organizada como força política autônoma.”
53
A própria Constituinte de 1946 já se revelaria ultraconservadora em sua base, objetivando
a manutenção de um Congresso forte a fim de se contrapor ao quadro anterior, onde o
Executivo predominava. A emenda n.º 3.159, proposta por constituintes do PSD
sentenciava: “É vedada a organização , bem como o registro ou funcionamento de
qualquer partido ou associação cujo programa ou ação, ostensiva ou dissimuladamente
vise a modificar o regime político e a ordem econômica e social estabelecidos nesta
Constituição”
O governo Dutra, marcadamente conservador, contribuiu para a instabilidade da
democracia de diversas maneiras. O alinhamento total, na política externa, aos Estados
Unidos e a diluição das reservas obtidas na II Guerra através da aquisição de produtos
absolutamente irrelevantes para o desenvolvimento interno, como ioiôs, além da
resistência à promoção do desenvolvimento industrial brasileiro, não só custaram-lhe o
apelido de “presidente ioiô”, como traduziram a subserviência do Brasil aos interesses
monopolistas do capital estrangeiro, contribuindo para a deflagração de uma onda de
protestos e insatisfação dos trabalhadores, seguidas de forte repressão policial através da
chamada “polícia especial”, a polícia especializada em desarticular violentamente
comícios e manifestações dos trabalhadores.
Também é durante o governo Dutra que os comunistas eleitos para a Constituinte de 46
terão seus mandatos cassados e o Partido, que vinha ganhando expressividade,
encabeçando a lista dos mais votados no Rio de Janeiro, por exemplo, será posto na
clandestinidade. A imprensa comunista também será reprimida, provocando uma
circulação irregular, o empastelamento da redação e o fechamento definitivo dos seus
jornais. Os comícios comunistas interrompidos a bala deixou um saldo de vários militantes
mortos e apontavam mais uma vez para o descompasso entre a garantia constitucional de
direitos democráticos e a práxis política.
Em linhas gerais, os acontecimentos do período que se seguiu a 1946, ao contrário do
que se costuma argumentar mesmo com ressalvas, não são o prenúncio de tempos
democráticos que serão interrompidos com o golpe de 1964, mas antes, a manutenção de
instituições conservadoras que se apresentam sob uma nova roupagem, procurando
desvencilhar-se do autoritarismo com que estiveram comprometidas na 1ª era Vargas e
garantindo a permanência dos interesses oligárquicos e do capital estrangeiro. A
democracia, abalada pelas fortes repressões aos trabalhadores e pela cassação primeiro
dos parlamentares, “inconvenientes ao processo constituinte” e depois do Partido
Comunista, revelava-se tão frágil, a ponto de, após os conturbados fatos de agosto de
1954, um grupo de juristas promover a I Reunião Nacional de Juristas pela Defesa das
Liberdades Democráticas, exigindo em sua resolução geral, o cumprimento “intransigente”
dos direitos democráticos assegurados pela Constituição de 1946 e repudiando “os
diversos projetos de lei e normas violadoras desses direitos e liberdades”.
O legado do Estado Novo se transfere para o “período de redemocratização”, por
exemplo, no acentuado controle das polícias políticas sobre qualquer tipo de
manifestação, com base no apriorismo de que espaços de agremiação popular, como
movimentos sindicais, greves, passeatas, movimento estudantil, grupos militares de baixa
patente e também diversões públicas, incluindo-se aí as escolas de samba, eram
considerados propensos a atos subversivos, devendo ser investigados e submetidos à
censura ostensivamente.
A revista Lei e Polícia, intitulando-se um órgão técnico de repressão à delinqüência
e combate ao comunismo, de junho de 1948, publica no artigo A censura Prévia nas
Diversões Públicas, telegrama do então representante da Ação Católica Brasileira,
partidária da famosa Concordata de Mussolini com a Igreja Católica, Mons. Hélder
Câmara, ao Ministro da Justiça, Adroaldo Mesquita da Costa:
“A Ação Católica Brasileira felicita Vossa Excelência pela publicação do decreto
permitindo às entidades especializadas, de fins morais e educativos, a assistência aos
54
trabalhos de censura prévia das diversões públicas. A iniciativa de V. Ex. credencia seu
nome à gratidão de quantos anseiam dar às diversões sua verdadeira finalidade
educativa, neutralizando o poderoso fator dissolvente das tradições de honestidade da
família brasileira”.
Em relação ao carnaval, a maior diversão pública do Brasil, ao contrário do que se
costuma afirmar, a censura não é uma invenção do DIP. O nacionalismo expresso nos
enredos das escolas de samba durante o Estado Novo, segundo Augras, é resultado da
propaganda ideológica do regime, à qual as agremiações, correspondem com enredos
nacionais, buscando o seu reconhecimento e consolidação num cenário marcado pelo
autoritarismo. Para a autora, a censura aos enredos surge com o relacionamento das
escolas de samba, via UGES, com o Partido Comunista. Não por acaso, em janeiro de
1947, a menos de um mês do Carnaval da Paz, tão entusiasticamente alardeado na
Tribuna Popular, era divulgado o regulamento do desfile para aquele ano, contendo
medidas que visavam a conter a euforia comunista junto às escolas de samba:
“Art. 1º O desfile obedecerá exclusivamente à orientação da Prefeitura do Distrito Federal,
representada pela comissão de festejos designada pelo sr. Prefeito do Distrito Federal, de
acordo com a Portaria nº 20, de 17 de janeiro do corrente ano. Para o julgamento da
presente competição, a comissão de festejos designará a comissão de julgamento. [era
costume entre o jornal organizador do concurso, elaborar o regulamento e destacar a
comissão julgadora. Em 1947, porém, a prefeitura antecipou-se, assumindo para si esta
responsabilidade].
(...) Art. 6º Há inteira conveniência na divulgação dos enredos, ficando os concorrentes
com inteira liberdade de distribuição aos jornais desta Capital. É obrigatório nos enredos o
motivo nacional”.
Atenciosas saudações,
Eduardo P. da Costa
58
Delegado
Em 1.º de dezembro de 1950”.
“DPS
Serviço de Informações
Setor Arquivo
Nº 47915
Ref. Prot. 22962/50
2.º) Quanto aos demais nomes que compõem o quadro de diretores do ‘Grupo
Carnavalesco Sodade do Cordão’, nada consta neste Setor” [ Setor Arquivo do Serviço
de Investigações].
Em 02.12.1950
Chefe do Setor”
“(...)
1. JOSÉ SOARES DE OLIVEIRA, o atual 2º Procurador do “GCS do C” [Grêmio
Carnavalesco Sodade do Cordão], registra antecedentes políticos (comunistas).
2. Procedeu-se a sindicância, apurando-se que JOÃO MESSIAS DOS SANTOS, atual
2.º Tezoureiro [sic] da supracitada sociedade, não é a mesma pessoa cujos antecedentes
estão informados pelo Setor Arquivo do S.I. . Os demais membros dirigentes da
sociedade em aprêço, não registam antecedentes nêste Setor. [sic]
Cecil Borer
Chefe do Setor Trabalhista”
Renato Lahmeyer
Chefe do Serviço de Informações”
“DPS
Referente Prot. nº 17.819/48
Dos sócios fundadores do Grêmio Recreativo e Desportivo 1º de Março, figuram
registados nesta Divisão, como célebres agitadores comunistas (...)
Assim, esta Divisão, considerando que a referida entidade foge às finalidades que
realmente deveria ter, não só opina pela não concessão da licença ora pleiteada, como
pela cassação do seu registo. De ordem, devolva-se à Delegacia de Costumes e
Diversões.
Em 5/11/1948.
Renato Lahmeyer
Chefe do Serviço de Informações”
“DPS
Informação n.º (...)
Relativamente ao pedido de licença do “GRÊMIO RECREATIVO E DESPORTIVO
PRIMEIRO DE MARÇO” e, considerando:
a) que não padece qualquer dúvida sobre a existência e a nocividade de elementos
comunistas que integram sua diretoria, sem excluir seu procurador e representante legal –
Dr. Heitor Rocha Faria - que não faz segredo de suas convicções moscovitas;
60
b) que é um verdadeiro paradoxo a alusão que faz no item 3º do seu recurso, dizendo
que costumazes agitadores fichados de longa data nesta DPS e com um vasto cartel de
atividades comunistas são apenas “inofensivos rapazes”.
c) que apesar de fazer a declaração leviana de que o “GRDPM não duvida nem cogita
de saber se entre seus fundadores e diretores há alguém que pertencesse ao extinto
Partido Comunista”, a verdade meridiana e inconteste é a de que jamais agitadores
comunistas se congregaram ou se congregam em torno de qualquer entidade apenas
para se conduzir em coerência com seus Estatutos mas, sim, e tão somente, para dar asa
aos seus pendores de agitadores; esta Divisão, tendo em vista a impossibilidade material
de afastá-los da direção da entidade em causa, pois são eles a sua razão de ser e a ela
se acham intimamente identificados, não vê outra alternativa senão aquela de solicitar ao
Excelentíssimo Sr. General Chefe de Polícia seja providenciado o competente despacho
ao representante do Ministério Público, pleiteando a dissolução do “Grêmio Recreativo e
Desportivo Primeiro de Março”, à semelhança do que já se verificou com várias outras
entidades congêneres, por se tratar de medida de verdadeira profilaxia social. Devolva-se
ao Gabinete de S. Excia.
Em 21/09/1949.”
Diretor da Divisão”
A relação entre a União Geral das Escolas de Samba e a polícia oscilava entre
momentos de crise e de cordialidade. Buscando transitar num terreno movediço, mantido
sob constante vigilância, a UGES, em sua seção na Tribuna Popular, fazia referências
amistosas à polícia e até envia-lhe mensagens de felicitações. Na coluna O samba na
Cidade, da edição de 19.01.1947, publica um telegrama enviado pelo chefe de polícia, o
General Lima Camara, retribuindo os votos de feliz Ano Novo.
No mesmo dia da publicação do telegrama do chefe de polícia, a coluna O Samba
na Cidade repudia a ação da “famigerada” Delegacia de Ordem Política e Social, que
enviou à sede da UGES, no dia 16.01, data do desfile em homenagem a Prestes,
“(...) um “beleguim”(...), interessado em saber quais as escolas de samba que desfilariam
à tarde em homenagem ao senador Prestes. [o agente do Dops] Ameaçou adiante que as
escolas participantes deste desfile teriam a sua licença cassada. (...) Inteirando-se do
fato, o sr. José Calazans [vice-presidente da UGES] constatou momentos mais tarde, não
passar o sr. Nestor Fernandes da Rocha de um ‘tira’ da famigerada delegacia de Ordem
Política e Social. Foi assim, mais uma vez, repelida outra provocação dos caixeiros do sr.
Imbassaí.
Os tempos são outros e a turma do samba não se deixa arrastar facilmente para as
provocações policiais. Os sambistas sabem também da existência de uma Constituição
que lhes assegura as liberdades fundamentais”.
O texto acima revela que a UGES não ocupava na Tribuna Popular um simples
espaço de divulgação de seus interesses. Percebe-se uma simbiose entre o seu discurso
e o discurso do jornal comunista, que repudiava com freqüência as atividades dos
“beleguins” da “famigerada” DOPS. A Tribuna não só era o “órgão oficial da União Geral
das Escolas de Samba” como também o seu porta-voz.
Indignado com a proibição do carnaval de 1947, feita pelo chefe de polícia, o
Carnaval da Paz, para o qual a Tribuna Popular vinha se preparando ansiosamente, o
jornal passa a tecer ácidas críticas à medida e ao chefe de polícia. Com a revogação da
portaria, o jornal comemora, em 10.01.1947, o feito e atribui a si a responsabilidade da
conquista.
Os anos 1960 foram marcantes na história das escolas de samba pela forte aproximação
das agremiações com as camadas médias. O CPC da UNE foi um dos grandes canais de
divulgação dos sambistas e de consolidação de uma cultura de valorização do artista
popular junto à classe média carioca.. Cada vez mais os sambistas, antes desvalorizados
em função de seu modesto nível de escolaridade e de sua condição social, conquistavam
respeitabilidade entre os jovens da Zona Sul da Cidade.
A visita aos terreiros e a subida dos morros do subúrbio à procura do encontro com a
cultura popular, tornava-se uma prática cada vez mais comum entre estudantes
secundaristas e principalmente entre os universitários, convencidos de seu papel na
inclusão social das massas. Zé Kéti, Cartola, Nelson Cavaquinho eram alguns dos artistas
do mundo do samba que mais diretamente atuaram nos projetos do CPC, participando de
seminários nas universidades, cantando para um público jovem que começava a
descobrir a voz do morro.
O Partido Comunista, via movimento estudantil, participava diretamente desse
movimento, que tinha como instrumento pedagógico das camadas populares a arte
popular revolucionária.
Nesse período, o interesse da censura pelas escolas de samba continuava acentuado. O
enredo do Salgueiro, História da Liberdade no Brasil, não agradou à censura, que numa
atitude de represália à ousada iniciativa, obrigou a escola a conviver com a falta de luz na
quadra, cortada pelas autoridades policiais.
Durante os anos 70, imbuídos de uma cultura política que repudiava o movimento
estudantil e todas as manifestações de liberação e democratização feitas pela juventude,
os agentes do DOPS instauraram investigação a respeito de várias iniciativas em torno da
criação da Ala dos Estudantes, na Portela. Considerando ser o pretexto para a
penetração ou infiltração (termos largamente utilizados que, segundo Bethania Mariani
sugeriam a idéia de invasão de um espaço não permitido ) dos interesses comunistas,
após uma série de protocolos e pareceres, ficou decidida a proibição da ala de desfilar no
carnaval, sob a pena de a escola ser punida pela sua conivência. Ou a agremiação bania
de vez os estudantes, que por natureza, seguindo a lógica que atravessou toda a
existência das polícias políticas no Brasil, mantinham um elo com a subversão e não se
inseriram na escola de samba com propósitos comuns aos foliões, ou seria indiciada por
compactuar com a prática subversiva. Os extremos permaneciam. O meio termo, a
relativização, para quem elege grupos privilegiados de subversão, não constam em seu
vocabulário nem muito menos orientam a suas ações. As escolas de samba, apontadas
como um dos alvos preferenciais dos “elementos comunistas”, recebem atenção dos
censores até a extinção do órgão, em meados dos anos 1980.
José de Oliveira, ressalta duas tendências da cultura política manifestas nos enredos
apresentados pelas escolas de samba durante o regime militar: o “Carnaval
Compromisso” – representado em larga escala pela Beija-Flor – com seus temas
ufanistas, que ressaltavam as realizações da ditadura militar (MOBRAL, Brasil 2000 ) – e
o repúdio a esse comportamento, através de enredos críticos, como os da Caprichosos de
Pilares e Império Serrano. Não encontramos, porém, nos arquivos das polícias políticas,
referências a essas escolas, embora sejam de domínio público os contratempos
enfrentados, por exemplo, pelo G.R.E.S. Caprichosos de Pilares por conta de seus
enredos críticos.
64
No entanto, o DOPS produziu diversos documentos a respeito da G.R.E.S. Unidos de Vila
Isabel, por ocasião de uma homenagem – como nos tempos da “redemocratização” – das
escolas de samba ao Cavaleiro da Esperança, na passagem de seu aniversário.
“(...) Este DEPARTAMENTO GERAL, em atenção ao solicitado, informa que a festa em
homenagem aos 85 anos de Prestes, contou com a presença de cerca de mil e
quinhentas pessoas, que, com a chegada do homenageado, cantavam o ‘slogan’: ‘de
norte a sul, de leste a oeste, o povo todo grita LUIZ CARLOS PRESTES.’ (...) No final da
solenidade, PRESTES foi presenteado com um auto Chevrolet Opala, placa RJ/OU-2785
sedan, prata azulado e metálico”.
A Unidos de Vila Isabel, ainda na década de 1980, teve como presidente Russa, que
elegeu-se vereadora pelo Partido Comunista. As relações entre os comunistas
(distribuídos entre o PCB, PC do B e mesmo o PPS) e o mundo do samba, guardadas as
devidas proporções, mantêm-se até hoje. Em 2000, durante a campanha eleitoral para a
Câmara Municipal, circulou pela Cidade um panfleto de campanha do candidato a
vereador pelo PC do B, Beto Salgueiro, marítimo e integrante do mundo do samba, que
trazia como plataforma:
Em 1999, Luiz Carlos Prestes foi cantado na avenida, num curioso samba da
Acadêmicos do Grande Rio. Dessa vez, não num desfile promovido pelo Partido, mas,
com todo o aparato que cerca o carnaval carioca da atualidade, no desfile oficial. Sinal
dos tempos.
CONCLUSÃO
Procuramos neste trabalho contribuir para o debate em torno das relações do Partido
Comunista do Brasil com a cultura popular, escolhendo como estudo de caso o samba.
Recorrendo aos teóricos que se ocuparam do conceito de cultura popular, optamos por
considerá-la não como um palco de luta, um duelo com uma cultura de elite, onde sairiam,
necessariamente, vencedores e perdedores, estes fadados a perderem a sua essência,
como vimos em alguns trabalhos analisados durante nosso estudo, mas cultura popular
como um espaço que se relaciona dialeticamente com a cultura de elite, num constante
processo de definição e redefinição de ambas as partes.
O samba, considerado um fenômeno eminentemente popular, torna-se nessa discussão
um elemento fundamental, pois é um espaço de apaixonadas discussões preocupadas
em conservar as suas “raízes”, que seriam guardiãs de uma cultura popular em seu
estado puro, sem interferências da mídia, investimentos empresariais ou penetração de
elementos estranhos a ele (pessoas não oriundas dos subúrbios e favelas cariocas ou
pertencentes a uma elite intelectual), responsáveis por lhe causar deformações e afastar-
se das suas raízes. Nessa medida, a cultura popular de nossos dias já não seria mais
autêntica, seria um produto da voraz indústria cultural, salvo alguns resquícios que devem
ser preservados.
Esse discurso, que ganha alguns novos contornos com o passar do tempo, como a
questão pagode carioca (“verdadeiro”) versus pagode paulista (“falso”), remonta, como
procuramos analisar, às primeiras décadas do século, quando o samba, da condição de
maldito pelas elites, fruto das manifestações de uma camada social marginalizada,
ascende como símbolo da cultura nacional, raiz da cultura popular, sendo cantado e
exaltado por ilustres músicos, intelectuais e pelas elites políticas nos anos pós-1922.
Observando o mundo do samba a partir do seu relacionamento com o Estado,
especialmente na sua atribuição de portador do monopólio da violência, percebemos que
a relação entre ambos sempre fora conflituosa, marcada pelo ofuscante predomínio de
uma cultura política pouco afeita a uma série de comportamentos e hábitos sociais de
uma classe cujo status beirava a condição de marginalidade.
Ao buscar a normatização do carnaval, por exemplo, o poder público não só ansiava
incluir nos seus parâmetros uma manifestação popular que reconhecidamente transitava
entre os pomposos salões da elite carioca, através dos compositores de samba, que
funcionavam como uma espécie de mediadores culturais, como também decretava a
extinção de lendários personagens populares, como o zé pereira e o malandro, que
procuravam sobreviver dentro dos espaços limitados de atuação.
O ultranacionalismo, que imprimiu à Era Vargas o seu caráter conservador, promoveu
uma obsessiva busca da essência do ser brasileiro, uma autenticidade mitificada que
elegeu a mestiçagem como signo da cultura brasileira e nomeou o samba o seu ritmo
66
genuíno, e, dentro dessa perspectiva, oficial. Coube ao Departamento de Imprensa e
Propaganda a divulgação desta nova maravilha pelos arredores do Brasil e do mundo e a
promoção de uma nova imagem do sambista: a de trabalhador regenerado, refeito do
vício da boêmia e das agruras da malandragem.
O carnaval a partir de então ganhara subvenção do Estado, transformara-se num
espetáculo internacional, tipo exportação, e tornara-se competitivo. Os sambas e enredos
obedeciam a um tom apologético, de exaltação, ganhando arranjos marciais.
A partir do governo Dutra, precisando obedecer a um rígido regulamento, que previa a
inclusão das escolas de samba na categoria “grêmio recreativo”, os sambistas passaram
a ter o seu comportamento regrado pela Delegacia de Costumes e Diversões, que
mantinha estreito relacionamento com a DPS, a polícia política herdeira das atribuições
da polícia de Vargas.
Nos arquivos da DPS, encontram-se à disposição dos pesquisadores prontuários e
dossiês relativos a pessoas e entidades ligadas ao mundo do samba, com destaque para
os documentos produzidos durante o chamado período de redemocratização. No período
em foco, ressaltamos a importância dos registros produzidos pela DPS referentes às
diligências feitas junto aos grêmios recreativos e associações desportivas que pleiteavam
o seu alvará de funcionamento. Só mediante o “nada consta” da Divisão de Polícia
Política e Social é que seria permitida a manutenção de componentes da diretoria na
escola de samba, ou em outra entidade em questão, ou mesmo seria concedida a licença
para essas agremiações desenvolverem as suas atividades.
Na nossa amostragem, foram analisados alguns documentos indicativos do temor das
autoridades policiais em relação à atuação de elementos envolvidos com atividades
comunistas nestes locais de aglomeração das camadas populares, considerando, através
do mecanismo da suspeição, ser uma estratégia há muito conhecida a penetração de
interesses “subversivos” nesses espaços. Numa medida textualmente denominada de
“profilaxia social”, os agentes secretos inspecionavam e buscavam censurar as atividades
das agremiações, resguardando a sociedade dos perigos que o comunismo internacional
provocaria no país, sem no entanto, buscarem elucidar o significado do termo
“comunismo” e seus derivados, além das expressões vinculadas ou mesmo substitutas
daquele termo, como por exemplo o adjetivo “subversivo”, ao qual tanto repudiavam.
Ao longo dos anos 1946-1964, considerados de distensão política, o que é bastante
discutível, o trabalho das polícias políticas com seus censores desenvolvia-se em larga
escala. Músicos, poetas, compositores, enfim toda a classe artística, bem como todas as
organizações populares não foram poupadas da suspeição de que ali poderia haver um
anti-nacionalista em potencial.
Mesmo sob a vigilância das polícias políticas foi possível ao PCB, via Tribuna
Popular, durante um espaço de tempo tão breve quanto a própria existência do
vespertino, uma sólida aproximação com as escolas de samba, “verdadeiros organismos
de massa”, buscando construir a imagem do jornal como o veículo oficial de divulgação
dos interesses das escolas de samba, e o Partido como o legítimo defensor daquela
gente talentosa e sofrida dos morros cariocas.
As campanhas do Partido, sempre voltadas para as massas, conforme os ideais
comunistas, traziam como estratégia a realização de vários shows populares, visando a
conquista das camadas menos favorecidas por meio daquilo que tanto prezavam: a sua
cultura. A necessidade constante de ter entre suas atrações durante os comícios, que não
por acaso passam a ser chamados de festas eleitorais, a exibição das escolas de samba,
e a criação de uma série de marchinhas carnavalescas que exaltavam as qualidades do
Partido e de seus candidatos, entre outras diretrizes políticas devidamente estabelecidas
pelas células e Comitês Democráticos, representavam para a inteligentsia do PCB
mecanismos de educação política das massas e de aproximação do Partido com a base,
formada pelo operariado que, segundo o leninismo, teria papel primordial na tomada do
67
poder e na transformação da sociedade rumo ao comunismo. Cabia aos intelectuais do
PCB a função de organizar as camadas populares, preparando-as para a sua participação
decisiva no processo histórico, sob o comando do Partido.
As relações entre o PCB e o mundo do samba pareciam perenes. A UGES, entidade
representativa das escolas de samba, mostrava-se cada vez mais entusiasmada com o
interesse que despertava junto ao jornal e ao Partido, declarando o seu apoio aos
candidatos da Chapa Popular, para as eleições de 1947, e ostentando a idéia – pela qual
pagaria um alto preço – de que a Tribuna passara a ser o seu canal oficial de
comunicação. A relação de parceria indicaria bons frutos para o carnaval daquele ano,
onde a Tribuna não só faria ampla cobertura como também participaria da organização
dos festejos e inclusive da elaboração do regulamento, como fizera no desfile em
homenagem a Prestes no ano anterior.
Entretanto, a UGES que agregou em torno de si um expressivo número de escolas de
samba e respondia até então pelos interesses dessas entidades, passando a receber
destaque nas páginas da Tribuna Popular, começaria a amargar os dissabores do
ostracismo, provocado pela criação de uma nova corporação, a Federação Brasileira das
Escolas de Samba, uma iniciativa de setores comprometidos com a direita brasileira,
ligados inclusive à DPS, cujo intuito explícito era “libertar” o samba dos “elementos
perniciosos” que dele estariam se apoderando, devolvendo-o à condição de música
nacional, isenta das abordagens subversivas. A Manhã, um matutino de conhecido
posicionamento conservador, estava para a Federação assim como a Tribuna Popular
esteve para a UGES, num duelo desigual que colaborou para o fim daquela que parecia
uma sólida aliança entre as massas advindas do mundo do samba e o Partido. A nova
regulamentação baixada pela prefeitura, que assumia o controle do carnaval, previa o
corte de subvenções às escolas não alinhadas à Federação. Essa medida provocou um
considerável enfraquecimento da UGES, que sucumbiu ao lado da Tribuna Popular e do
PCB, posto na ilegalidade. A era da democratização finalmente expunha de fato o seu
rosto. O mundo do samba, como já de costume, estivera mais uma vez diante da força
instituída pelo poder estatal.
O estreitamento dos laços entre o Partido e as escolas de samba, na segunda metade
dos anos 1940, consolidou uma parceria bastante sólida, que, mesmo durante a
ilegalidade não se dissolveu. Durante a ditadura militar, a relação Partido Comunista-
mundo do samba ganhava um novo fôlego, motivada pelo interesse de alguns setores da
classe média, especialmente entre os estudantes universitários e a classe artística, em
abrir caminho para a participação das camadas populares no processo social.
A relação do PC com o mundo do samba, entretanto, não pode ser vista como uma
apropriação total do outro. Havia uma aproximação mútua, caracterizada pela
reciprocidade do mundo do samba, que via no espaço aberto pelo Partido uma
oportunidade de garantir os seus próprios interesses.
BIBLIOGRAFIA
1. Obras teóricas:
AYALA, Marcos et al. Cultura Popular no Brasil. São Paulo: Ática, 1995.
BORGES, Vavy Pacheco. História e Política: laços permanentes. In: Revista Brasileira de
História. São Paulo, v.12, n.º 23/24, set. 1991/ago, 1992.
BORDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997.
BOSI, Alfredo (org.). Cultura Brasileira – Temas e situações. São Paulo: Ática, 1987.
BOUTIER, Jean e JULIA, Dominique (orgs.) Passados Recompostos – Cantos e canteiros
da História. Rio de Janeiro: Editora UFRJ: Fundação Getúlio Vargas, 1998.
BRESCIANI, Maria Stella, LEWKOVICZ, Ida e SAMARA, Eni de M. (orgs.) Jogos da
Política: Imagens, representações e práticas. São Paulo: ANPUH: Marco Zero, 1992.
68
BURKE, Peter (org.). A Escrita da História. Novas Perspectivas. São Paulo: UNESP, 2.ª
ed., 1992.
CAPELATO, Maria Helena R. Imprensa e História do Brasil. São Paulo: Contexto:
EDUSP, 1988.
CARDOSO, Ciro Flamarion e BRIGNOLI, Héctor Pérez. Os Métodos da História. Rio de
Janeiro, Graal, 3.ª ed., 1983.
CARDOSO, Ciro Flamarion e VAINFAS, Ronaldo (org.). Domínios da História: ensaios de
teoria e metodologia. Rio de Janeiro: CAMPUS, 1997.
CAVALLO, Guilhermo e CHARTIER, Roger. História da Leitura no Mundo Ocidental 2.
São Paulo: Ática, 1999.
CHARTIER, Roger. A História Cultural – entre práticas e representações. Lisboa, Difel,
1990.
CAVALLO, Guilhermo e CHARTIER, Roger. História da Leitura no Mundo Ocidental 2.
São Paulo: Ática, 1999.
CERTEAU, Michel de. A Escrita da História. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1982.
CHALHOUB, Sidney e PEREIRA, Leonardo Affonso de M. (org). A História Contada:
capítulos de História Social da Literatura no Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998.
CHARTIER, Roger. A História Cultural – entre práticas e representações. Lisboa, Difel,
1990.
CHAUÍ, Marilena. Conformismo e Resistência – aspectos da cultura popular no Brasil.
São Paulo: Brasiliense, 1986.
FERREIRA, Marieta de Moraes (org.). História Oral. Rio de Janeiro: Diadorim, 1994.
__ (org.). Usos e Abusos da História Oral. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas,
1997.
FREYRE, Gilberto. Casa Grande e Senzala. Rio de Janeiro: José Olympio, 1981.
__. Uma Cultura Ameaçada: a luso-brasileira. Rio de Janeiro: Casa do Estudante do
Brasil, 1942.
GEERTZ, Clifford. A interpretação das Culturas. Rio de Janeiro: Zahar, 1978.
GRAMSCI, Antonio. Os Intelectuais e a Organização da Cultura. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1979.
GUINZBURG, Carlo. O Queijo e os Vermes: o cotidiano e as idéias de um moleiro
perseguido pela inquisição. São Paulo, Companhia das Letras, 1987.
GUINZBURG, Carlo. A Micro História e Outros Ensaios. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,
1991.
__. O Queijo e os Vermes: o cotidiano e as idéias de um moleiro perseguido pela
inquisição. São Paulo, Companhia das Letras, 1987.
__. Mitos, Emblemas e Sinais. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.
HOLANDA, Sérgio Buarque de. “Depois da ‘Semana’”. In: Tentativas de Mitologia. São
Paulo: Perspectiva, p.273-279.
JOYCE, Patrick. “The end of social history?” In: Social History, vol. 20, n.º 1, janeiro de
1995.
LEITE, Dante Moreira. O Caráter Nacional Brasileiro: História de uma ideologia. São
Paulo: Ática, 1992.
LUA NOVA – Revista de Cultura e Política. Especial: Cultura Política. São Paulo, Marco
Zero, 1992, n.º 26.
PELOSO, Silvano. O Canto e a Memória: História e utopia no imaginário popular
brasileiro. São Paulo: Ática, 1996.
RÉMOND, RENÉ (org.). Por uma História Política. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1996.
REVEL, Jacques (org.) Jogos de Escalas. A Experiência da Microanálise. Rio de Janeiro:
Fundação Getúlio Vargas, 1998.
STRINATI, Dominic. Cultura Popular. Uma Introdução. São Paulo: Hedra, 1999.
69
THOMPSON, E. P. A Miséria da Teoria ou um Planetário de Erros: uma crítica ao
pensamento de Althusser. Heildelberg: Springer Verlag, 1981.
__. Costumes em Comum. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
VERNON, James. “Who’s afraid of the ‘linguistic turn’? The politics of Social History and
its discontents”. In: Social History, vol. 19, nº1, pp. 81-97, janeiro de 1994.
VOVELLE, Michel. Ideologias e Mentalidades. São Paulo: Brasiliense, 1987.
2. Obras específicas:
ARANTES, Otília. Política das Artes/ Mário Pedrosa. São Paulo: Editora da USP, 1995.
Textos Escolhidos I.
ARAÚJO, Érica Ari. Expressões da Cultura Popular: as escolas de samba e o amigo da
madrugada. Petrópolis: Vozes, 1978.
ARAÚJO, Hiram e JÓRIO, Amaury. As Escolas de Samba em Desfile. Vida, Paixão e
Sorte. Rio de Janeiro, Ministério da Cultura, 1969.
ARAUJO, Mônica da Silva. O Realismo Socialista no Brasil (1945-1948). Niterói:
Universidade Federal Fluminense. Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, 1998.
Monografia (mimeo)
As Vozes Desassombradas do Museu: Pixinguinha, João da Baiana, Donga. Secretaria
de Educação e Cultura: Museu da Imagem e do Som. 1970, vol.1.
AUGRAS, Monique. Medalhas e Brasões: a história do Brasil no samba. Rio de Janeiro,
Fundação Getúlio Vargas, 1992.
__. O Brasil do Samba-enredo. Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, 1998.
AUGUSTO, Sérgio. Este Mundo é um Pandeiro: a chanchada de Getúlio a JK. São Paulo:
Companhia das Letras, 1993.
BARBOSA, Orestes. Samba: sua história, seus poetas, seus músicos e seus cantores.
Rio de Janeiro: FUNARTE, 1978
BARCELLOS, Jalusa. CPC da UNE: uma História de Paixão e Consciência. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 1994.
BASBAUM, Hersch. Cartas ao Comitê Central: história sincera de um sonhador. São
Paulo: Discurso Editorial, 1999.
BOSI, Ecléia. Cultura de Massa e Cultura Popular: Leituras de operárias. Petrópolis:
Vozes, 1986.
BRAGA, Sérgio Soares. Quem Foi Quem na Assembléia Constituinte de 1946 – um perfil
socioeconômico e regional da Constituinte de 1946. Brasília: Câmara dos Deputados,
Coordenação de Publicações, 1998, 2 v.
BRANDÃO, Gildo Marçal. A Esquerda Positiva. As duas almas do Partido Comunista –
1920/1964. São Paulo: Hucitec, 1997.
CABRAL, Sérgio. As Escolas de Samba do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Lumiar, 1996.
__. As Escolas de Samba: o quê, quem, como, quando e por quê. Rio de Janeiro:
Fontana: 1974.
CANDEIA. Escolas de Samba: a árvore que esqueceu a raiz. Rio de Janeiro:
Lidador/SEEC, 1978.
CARNEIRO, Maria Luiza Tucci. Livros Proibidos, Idéias Malditas. O Deops e as Minorias
Silenciadas. São Paulo: Estação Liberdade, 1997.
CARONE, Edgar. A Quarta República (1945-1964). São Paulo: DIFEL, 1980.
__. A Terceira República (1937-1945). São Paulo: DIFEL, 2.ª ed., 1976.
CHACON, Vamireh. História dos Partidos Brasileiros. Brasília: Editora Universidade de
Brasília, 1998.
CHILCOTE, Ronald H. O Partido Comunista Brasileiro – Conflito e Integração – 1922-
1972. Rio de Janeiro: Graal, 1982.
CONTIER, Arnaldo Daraya. Música e Ideologia no Brasil. SP: Novas Metas, 1985.
70
COSTA, Valeriano M. Ferreira. Vertentes Democráticas em Gilberto Freyre e Sérgio
Buarque. In: LUA NOVA, n.º 26, 1992.
DOMONT, Beatriz. Um sonho interrompido: o Centro Popular de Cultura da UNE, 1961-
1964. Rio de Janeiro: Editora Poeta Calendário, 1997.
DUARTE, Leneide. A Sobrevivente da Sala 4. Jornal do Brasil. Domingo, 25 de junho de
2000, pp. 12-14.
FALCÃO, Frederico José. Ilusões de Estratégia: O PCB do apogeu à crise do stalinismo.
Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro, 1996, 2 v., mimeo (dissertação
de mestrado).
FERREIRA, Maria Nazareth. Imprensa Operária no Brasil. São Paulo: Ática, 1988.
FIGUEIREDO, Apolinário Rebelo. A Imprensa Central do Partido Comunista do
Brasil. Brasília: Centro Universitário De Brasília-UNICEUB, Instituto de
Ciências Sociais Aplicadas-ICSA: 2000, mimeo. (monografia)
GAMA, Lúcia Helena. Nos Bares da Vida: Produção cultural e sociabilidade em São Paulo
– 1940-1950. São Paulo: Editora SENAC, 1998.
GARDEL, André. O encontro entre Bandeira e Sinhô. Rio de Janeiro: Secretaria
Municipal de Cultura, 1996.
GOMES, Ângela de Castro. História e Historiadores. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio
Vargas, 1999.
GOMES, Bruno Ferreira. Custódio Mesquita; prazer em conhecê-lo. Rio de Janeiro:
FUNARTE, 1986.
__. Wilson Batista e sua Época. Rio de Janeiro: FUNARTE, 1985.
GUIMARÃES, Francisco [Vagalume]. Na Roda de Samba. Rio de Janeiro: FUNARTE,
1978.
GUIMARÃES, Valéria Lima. O “Carnaval da Vitória” e Outros Carnavais: relações entre
política e samba – 1945-1950. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro –
Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, 1998, mimeo (monografia).
KHÉDE, Sonia Salomão. Censores de Pincenê e Gravata: dois momentos da censura
teatral no Brasil. Rio de Janeiro: CODECRI, 1981, Coleção Edições do Pasquim.
LAGO, Mário. Na Rolança do Tempo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979.
LENHARO, Alcir. Cantores do Rádio: a trajetória de Nora Ney e Jorge Goulart e o Meio
Artístico do seu Tempo. Campinas: Editora UNICAMP, 1995.
LOPES, Nei. O Samba na Realidade: a utopia de ascensão social do sambista. Rio de
Janeiro: CODECRI, 1981.
DE LORENZO, Helena Carvalho e COSTA, Wilma Peres (org.). A Década de 1920 e As
Origens do Brasil Moderno. São Paulo: UNESP: FAPESP, 1997.
MAGNANI, José Guilherme Cantor. Festa no Pedaço. Cultura Popular e Lazer na Cidade.
São Paulo: HUCITEC: UNESP, 1998.
MARIANI, Bethania. O PCB e a Imprensa: os comunistas no imaginário dos jornais (1922-
1989). Rio de Janeiro, Revan, 1998.
MATOS, Cláudia. Acertei no Milhar: Samba e malandragem no tempo de Getúlio. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1982.
MATOS, Maria Izilda S. de. Melodia e Sintonia em Lupiscínio Rodrigues: o feminino, o
masculino e suas relações. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 1996.
MATTA, Gildeta Mattos da. Samba: Marginalidade e ascensão. Rio de Janeiro:
PPGHIS/UFRJ, 1981, mimeo (dissertação de mestrado).
MAZZEO, Antônio Carlos. Sinfonia Inacabada: a política dos comunistas no Brasil. São
Paulo: Boitempo Editorial, 1999.
MENDES, Marly Lucília. “O Partido é V. Exa.”: A evolução do PCB (1945-1954). Rio de
Janeiro: UFRJ/PPGHIS, 1987.
MORAES, Dênis. O Imaginário Vigiado. A imprensa comunista e o realismo socialista no
Brasil (1947-1953). Rio de Janeiro: José Olympio, 1994.
71
MORAES, Eneida. História do Carnaval Carioca. Rio de Janeiro: RECORD, 1987.
MORAES, João Quartim de (org.). História do Marxismo no Brasil. São Paulo: Editora da
UNICAMP, 1998, vol. III.
MOTTA, Carlos Guilherme. Ideologia da Cultura Brasileira. São Paulo: Ática, 1990.
MOURA, Roberto. Tia Ciata e a Pequena África no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro:
Secretaria Municipal de Cultura, 2.ª ed., 1995, Col. Biblioteca Carioca.
NAVES, Santuza Cambraia. O Violão Azul. Modernismo e Música Popular. Rio de
Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1998.
OLIVEIRA, Lúcia Lippi (coord.). Elite Intelectual e Debate Político nos Anos 30. Rio de
Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1980.
Os Arquivos das Polícias Políticas: reflexos de nossa história contemporânea. Rio de
Janeiro, FAPERJ, 2.ª ed., 1996.
OLIVEIRA, João Batista de. O Estivador no Sindicalismo. Rio de Janeiro: APE, 1999.
OLIVEIRA, Lúcia Lippi (coord.). Elite Intelectual e Debate Político nos Anos 30. Rio de
Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1980.
PALAMARTCHUK, Ana Paula. Ser Intelectual Comunista. Escritores brasileiros e o
comunismo (1920-1945). Campinas: UNICAMP, 1997, dissertação de Mestrado.
PANDOLFI, Dulce. Camaradas e Companheiros. História e Memória do PCB. Rio de
Janeiro: Relume-Dumará: Fundação Roberto Marinho, 1995.
__. (org.) Repensando o Estado Novo. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1999.
PECAUT, Daniel. Os Intelectuais e a Política no Brasil – entre o povo e a nação. São
Paulo, Ática, 1990.
PEDROSA, Henrique. Música Popular Brasileira Estilizada: o popular e o erudito na
cultura brasileira: o caso da música. Rio de Janeiro: USU, 1988.
PELOSO, Silvano. O Canto e a Memória: História e utopia no imaginário popular
brasileiro. São Paulo: Ática, 1996.
RANGEL, Lúcio. Sambistas e Chorões. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1962.
Coleção Contrastes e Confrontos, vol. 6.
RODRIGUES, Sonia Maria B. Calazans. Jararaca e Ratinho – a famosa dupla caipira. Rio
de Janeiro, FUNARTE, 1983.
SILVA, Alberto Ribeiro da (MOBY). Sinal Fechado – a música popular brasileira sob
censura. Rio de Janeiro: Obra Aberta, 1994.
SILVA, Hélio. 29 de outubro. História da República Brasileira (1946-1950). Rio de Janeiro:
Editora Três, 1975.
REIS FILHO, Daniel Aarão (org.). Intelectuais, História e Política. Rio de Janeiro: 7 Letras,
2000.
SEVERIANO, Jairo. Getúlio Vargas e a música popular. Rio de Janeiro, Editora da
Fundação Getúlio Vargas, 1983.
SILVA, Marília T. Barboza e MACIEL, Lygia Santos. Paulo da Portela: Traço de união
entre duas culturas. Rio de Janeiro: FUNARTE, 1989.
SILVA, Marília T. Barboza e OLIVEIRA FILHO, Arthur L. de. Silas de Oliveira – do jongo
ao samba-enredo. Rio de Janeiro: FUNARTE, 1981.
SOARES, Maria Thereza Mello. São Ismael do Estácio. O sambista que foi rei. Rio de
Janeiro: FUNARTE, 1988.
SODRÉ, Muniz. Samba, o dono do corpo. Rio de Janeiro: MAUAD, 1998.
SODRÉ, Nélson Werneck. História da Imprensa no Brasil. Rio de Janeiro. Civilização
Brasileira, 1966.
SOIHET, Rachel. A Subversão Pelo Riso: estudos sobre o carnaval carioca da Belle
Époque ao tempo de Vargas. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1998.
SWARCZ, Lilia. Complexo de Zé Carioca. Notas sobre uma identidade mestiça e
malandra. In: TEMPO SOCIAL, número 29, outubro de 1995.
72
TINHORÃO, José Ramos. Música Popular de Índio, Negros e Mestiços. Petrópolis: Vozes,
1972.
__. Pequena História da Música Popular: da modinha à canção de protesto. Petrópolis:
Vozes, 1974.
TRAVASSOS, Elizabeth. Modernismo e Música Brasileira. Rio de Janeiro: Jorge Zaharr,
2000.
__. Os Mandarins Milagrosos: arte e etnografia em Mário de Andrade e Béla Bartók. Rio
de Janeiro: FUNARTE, 1997.
TUPY, Dulce. Carnavais de Guerra. O Nacionalismo no Samba. Rio de Janeiro: ASB,
1985.
VALENÇA, Rachel e VALENÇA, Suetônio. Serra, Serrinha, Serrano: o Império do samba.
Rio de Janeiro: José Olympio, 1981.
VELLOSO, Mônica Pimenta. As tias baianas tomam conta do pedaço ... Espaço e
identidade cultural no Rio de Janeiro. In: Revista de Estudos Históricos, nº 6, 1990.
__. Mário Lago: boêmia e política. Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, 1997.
VIANNA, Hermano. O Mistério do Samba. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor/ UFRJ,
1995.
VIEIRA, Luis Fernando. Sambas da Mangueira. Rio de Janeiro: Revan, 1998.
VILHENA, Luís Rodolfo. Projeto e Missão: o movimento folclórico brasileiro - 1947-1964.
Rio de Janeiro, FUNARTE: Fundação Getúlio Vargas, 1997.
VINHAS, Moisés. O Partidão – a Luta por um Partido de Massas (1922-1974). São Paulo:
Hucitec, 1982.
WOLFF, Marcus Straubel. Modernismo Nacionalista na Música Brasileira: Camargo
Guarnieri e Oscar Lorenzo Fernandez nos Anos 30 e 40. Rio de Janeiro: PUC, 1991.
3. Fontes e Bibliografias
3.1 Impressas:
ARQUIVOS DA RELAÇÀO: ARQUIVOS DA POLÍCIA POLÍTICA NO RIO DE JANEIRO.
Rio de Janeiro: Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro: 2000. (catálogo da
exposição de material apreendido pelo DOPS a partir da década de 1940, realizada no
Museu da República, 2000)
BIBLIOGRAFIA DO CARNAVAL BRASILEIRO. Rio de Janeiro: IBAC, 1992.
DIÁRIO DO PODER LEGISLATIVO. Distrito Federal: Fevereiro a Junho de 1946.
ELEIÇÕES E PARTIDOS POLÍTICOS – Bibliografia. Brasília: Senado Federal, 1996.
GRABOIS, Maurício. Levemos às massas nossa linha política. Informe de Divulgação. Rio
de Janeiro: Edições Horizonte, 1946.
JORNAL DO BRASIL. Rio de Janeiro, 1946-1947.
O GLOBO. Rio de Janeiro, 1945-1947.
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA. Dossiê Constituinte de 1946. Curitiba: UFPR,
1996, n. 6 e 7.
__. Dossiê Esquerda. Curitiba: UFPR, 1997, n. 8.
TRIBUNA POPULAR. Rio de Janeiro, 1945-1947.
VOZ OPERÁRIA. Rio de Janeiro, 1945-1950.
3.2. Manuscritos
NASCIMENTO, Ernesto. Na rota do Prazer da Serrinha, o Império Serrano é um porto
seguro para o mundo atracar no Brasil. Rio de Janeiro: 2000 (mimeo). [sinopse do enredo
apresentado no carnaval de 2001, O Rio corre pro Mar].
RAMOS, Graciliano. Carta enviada a Junio Ramos em 12.10.1945. Arquivo Graciliano
Ramos – IEB/USP, Série Correspondências ativas, cód. 41.
73
ROSENTAL, M. Questões da Ciência Estética Soviética. Archivio Storico Del Movimento
Operaio Brasiliano – ASMOB, 1965.
3.3. Entrevistas
Jair do Cavaco (Velha Guarda da Portela, parceiro de Paulo da Portela), entrevista
concedida à autora em 07.11.1999.
Sr. Altair (velha Guarda da Portela), idem.
Srs. Edgar e Levi Correa (Velha Guarda do Império Serrano), entrevista concedida à
autora em 17.08.2000.
Paulo Motta Lima (ex-diretor da Tribuna Popular), entrevista concedida à autora em
08.06.2000.
3.4. Internet
CENTRO DE DOCUMENTAÇÃO E MEMÓRIA (CEDEM). Arquivo Astrojildo Pereira.
Disponível online via www.cedem.com.br. Arquivo consultado em 2000.
4. Arquivos
Archivio Storico Del Movimento Operaio Brasiliano – ASMOB: Centro de
Documentação e Memória – CEDEM – UNESP.
Arquivo Graciliano Ramos. Instituto de Estudos Brasileiros – IEB/USP.
Arquivo de Memória Operária do Rio de Janeiro – AMORJ.
Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro.
Arquivo Sonoro do Museu da Imagem e do Som.