Doutor Adriano de Freixo, Académico Brasileiro, licenciado em História com
especialização em História das relações internacionais e Mestre em História Política pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), doutorado em História Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Professor do Departamento de Estudos Estratégicos e Relações Internacionais do Instituto de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense (INEST - UFF), coordenador da Licenciatura de Relações Internacionais da Universidade Federal Fluminense (UFF), bem como do Laboratório de Estudos sobre a Política Externa Brasileira (LEPEB). Atua em simultaneamente em programas de Pós-graduação em estudos Estratégicos e Ciência Política na mesma instituição. Fora das instituições Académicas é também coordenador geral da coleção “Pensar Político”, da Editora Oficina Raquel. Autor e organizador de diversas obras e artigos onde se destacam: "Manifestações no Brasil: as ruas em disputa" (Oficina Raquel, 2016), "2016, o ano do golpe", (Oficina Raquel, 2016), "A política externa brasileira na era Lula: um balanço" (Apicuri, 2011); "Tempo negro, temperatura sufocante: Estado e sociedade no Brasil do AI-5" (Editora da PUC-Rio/Contraponto, 2008); "O Brasil de João Goulart: um projeto de nação" (Editora da PUC-Rio/Contraponto, 2006) e "A ditadura em debate: Estado e sociedade nos anos do autoritarismo" (Contraponto, 2005).
Nota introdutória
Na presente recensão proponho uma análise crítica às ideias apresentadas por
Adriano de Freixo no seu artigo “Ecos do Luso-Tropicalismo: A presença do Pensamento de Gilberto Freyre no discurso da Lusofonia” Publicado na revista Textos e Debates, Boa Vista, Jan./Jun. 2015. No supramencionado texto, o autor estabelece uma correlação entre o conceito de luso tropicalismo e lusofonia, e como o primeiro influencia o segundo de tal forma que a génese do luso tropicalismo, perdura aos dias de hoje sobre o nome de lusofonia. Assim, permanece o projeto português com “forte marca do nacionalismo Português”.
Crítica
A Pedra Angular de toda a construção do conceito de lusofonia, é, como bem
identifica o autor, o conceito de Luso-Tropicalismo e toda a sua ideologia. No entanto, para uma boa compreensão do termo, bem como a sua ideia nuclear, há que contextualizar o mesmo, bem como o seu autor. Gilberto Freyre. sociólogo, antropólogo, e sobretudo escritor (como o próprio se definia) Brasileiro, apresenta uma nova doutrina fundadora de um novo ramo científico ou “subciência” de análise sociológica e antropológica, a “Luso-tropicologia”, como forma de melhor compreender as civilizações que se estariam a formar nas áreas tropicais colonizadas pelos portugueses. Gilberto Freyre, demonstra, na primeira metade do século XX, que ao contrário de outros impérios coloniais, nomeadamente o Belga, Francês e Britânico, o colonialismo português caracterizava-se não pela exploração das colónias mas sim por características democráticas socias e raciais derivadas da miscigenação, já intrínseca na cultura portuguesa. Tal especificidade do “modo português de estar no mundo” do qual derivou o “modo Brasileiro de ser”, seria o fator de garantia de especificidade daquelas civilizações que se estariam a formar nos trópicos. Esta nova civilização em estado de gestação só era possível devido à tolerância e miscibilidade do seu elemento central, o povo português. Sendo incapaz de se afirmar por uma pretensa superioridade racial, avessa ao racismo, estava situado no eixo oposto às restantes potências colonizadoras que perpetuavam o sentido de superioridade racial e exploração dos povos autóctones. Em meados do seculo XX, após os acontecimentos da Segunda Guerra Mundial, a questão da superioridade racial levou a grandes transformações no panorama ideológico mundial. Outrora vista como progressista, a colonização torna-se, à época, num conceito retrógrado que necessitaria de ser erradicado. As grandes potências europeias iniciavam então o seu processo de descolonização. No entanto, para Portugal, a situação era diferente, como bem refere o autor, Doutor Adriano de Freixo. O país necessitava das colónias por forma a dar razão ao seu desígnio nacional de criação do “quinto império”, ou seja, as colónias ultramarinas eram uma “herança Sagrada”, sendo um imperativo histórico mantê-las. Assim, o Estado Novo, “aproveita-se” da visão apoteótica da colonização portuguesa criada por Gilberto Freyre, e inicia uma forte campanha de esforços para a justificação da manutenção das colónias e apropria-se da ideia do luso-tropicalismo, destorcendo-a a seu favor, acabando por transformar a mesma numa ideologia. Esta ideia, largamente difundida tanto no exterior com dentro do próprio território, como exemplifica a música de Alberto Ribeiro – “O Mapa está errado!” Esta é a vertente do luso tropicalismo que perdura até aos dias de hoje, sobe forma da lusofonia. Importa realçar um aspeto fundamental para cada uma das vertentes do luso tropicalismo: Sobre a primeira, científica, tem como objetivo alcançado a uniformização da identidade brasileira. No entanto, ao ter por base a sociedade brasileira, não é a meu ver coerente transplantar as mesmas premissas, por analogia, para o continente africano e restantes colónias, visto que cada colónia, de acordo com a sua importância, teve uma experiência diferente com o colonizador. Para tal, podemos comparar, a nível de exemplo, o Brasil, que em tempos deteve a capital do reino no seu território, com todas as vantagens que isso acarreta, com Cabo Verde que permaneceu apenas como um ponto logístico. Já na sua segunda vertente, a dimensão ideológico-política, retrata o colonizador Português avesso à superioridade racial. No entanto, como exemplifica o estatuto de indigenato, isso nem sempre se observou. Não obstante às vicissitudes supramencionadas, foi e continua a ser a última que perdura até aos dias de hoje sob forma de lusofonia, e que de acordo com a noção de tempo tríbio, estas e outras vicissitudes marcaram o passado, marcarão o futuro e estão latentes no presente. Permita-me o leitor, apresentar o caso de Cabo Verde, que nos dias de hoje atravessa uma tremenda crise de identidade, causada a meu ver pela imposição e enraizamento da ideologia do Luso tropicalismo. As ilhas de Cabo Verde, localizadas no Oceano Atlântico a cerca de 600Km ao largo da costa senegalense apresentam, devido à sua localização e importância geográfica como plataforma logística, uma forte miscigenação, o que lhe dotou de um forte sentimento de superioridade em relação às outras raças africanas apelidadas nas ilhas como “Mandjaco”. Essa mesma aversão ao continente africano, leva a uma tentativa de aproximação ao ex-colonizador Português, que, na minha opinião, se mostra infrutífera uma vez que, Portugal, por não corresponder, acaba por aproximar o arquipélago ao continente Africano, que o mesmo renega. Neste seguimento, é importante também mencionar a declaração do Historiador Cabo-Verdiano António Correia e Silva: “a ascensão do mulato ou negro, é o abatimento da “Casa Grande”, não é a “sanzala” que se tornou grande, a “Casa Grande” é que entrou em ruina.” Outro exemplo ilustra as várias modificações na representação de Cabo Verde no mapa, relatada pelo mesmo Historiador: em 1975 em período de descolonização, Cabo Verde era representado junto à Guiné-Bissau sob o lema “dois corpos um coração”; em 1980 após o golpe de estado encabeçado pelo general João Bernardo Viera, que pôs fim ao projeto de unidade entre Cabo-verde e a Guiné, o arquipélago de Cabo Verde passou a ser representado mais a norte, próximo do Senegal e finalmente já na década de 90, com o intuito de abrir o arquipélago para o mundo, passou a ser representado cada vez mais a noroeste em direção ao Atlântico. Tais representações, mesmo que caricatas, exemplificam a deriva de identidade latente em Cabo Verde como se fosse uma “jangada de pedra” à deriva.
Em conclusão, e em forma de síntese, realço a urgência de uma afirmação das
identidades dos países ex-colónias que fazem parte integrante da comunidade de países de língua portuguesa. Ao contrário do Autor doutor Adriano de Freixo acredito que o luso tropicalismo, na sua vertente científica, pode ser em conjunto cm com as ideias de Leopold Senghor, descritas na sua ideologia de Negritude, uma forte base que sustenta as esquecidas identidades.