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Fabiano Toni
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Contenido
1. Introdução ...................................................................................................................... 11
7. Conclusões...................................................................................................................... 63
Bibliografia ............................................................................................................................. 71
Índice de Tabelas
Lista de Siglas
Apresentação
Doris Capistrano
Diretora do Programa Florestas e Governança, CIFOR
11
1. Introdução
do país, que, em tese, podem gerar im- políticas florestais estaduais quanto
portantes recursos para os Estados e pela mobilização de grupos de inte-
Municípios, por meio da arrecadação de resse que direta ou indiretamente são
impostos, taxas e royalties. afetados por tais políticas. Similar-
mente, uma descentralização que che-
Apesar das condições favoráveis, o gue ao nível municipal depende de
país não tem ainda uma política de como esses mesmos fatores se expres-
transferência de poderes e responsabi- sam em nível local. Além disso, ela
lidades sobre a gestão florestal do po- também é condicionada pelas compe-
der central para os Municípios. Mas isso tências que o governo estadual já pos-
tampouco quer dizer que a gestão flo- sui e por sua disposição de repassar
restal seja absolutamente centralizada. parte delas aos Municípios. Essa com-
O caso brasileiro é interessante justa- binação de fatores resulta em uma di-
mente pelas peculiaridades de seu sis- versidade muito grande de experiên-
tema federativo e de seu marco jurídi- cia de gestão florestal entre os diferen-
co. Quanto ao marco jurídico, é preciso tes Estados da Federação e entre os
entender que não é necessário um pro- Municípios de cada Estado.
cesso de descentralização ou de trans-
ferência explícita de responsabilidade Já se percebe uma divisão gradual
para que os entes federativos atuem na de competências e responsabilidades
gestão dos recursos naturais, ainda que entre os três níveis de governo. O go-
haja limites para essa atuação. Em ou- verno federal ainda centraliza muitos
tras palavras é possível haver um siste- poderes sobre a gestão florestal, enten-
ma não centralizado, sem que necessa- dida como as responsabilidade por
riamente haja descentralização (ver normatizar, autorizar e fiscalizar a ex-
Gregersen et al., 2005). ploração florestal e o desmatamento.
Entretanto, é cada vez maior a partici-
No que se refere ao sistema fede- pação dos Estados nessas tarefas, com
rativo é importante destacar o relati- destaque para Mato Grosso, Acre e
vo poder que os governos estaduais Amazonas, que nos últimos anos esta-
têm. Eles sim têm sido protagonistas beleceram convênios com o Instituto
de políticas mais consistentes de Brasileiro do Meio Ambiente e Recur-
descentralização, recebendo cada vez sos Naturais (IBAMA ) para formalizar
mais prerrogativas que eram do go- essa descentralização. Estados e União
verno federal, ainda que com enormes atuam também no estabelecimento de
diferenças no grau de envolvimento Unidades de Conservação, mas a últi-
de cada Estado com o tema. Essas di- ma tem papel muito mais destacado.
ferenças se explicam tanto pelo inte- Mais ainda, a União é responsável pelo
resse dos governantes em priorizar estabelecimento de áreas indígenas,
INTRODUÇÃO 13
maior parte de seu território sob con- nia, com destaque para a legislação
trole federal, o que limita o desenvolvi- existente e para a distribuição de po-
mento de políticas locais efetivas de deres entre os entes federativos. Na
gestão de seus recursos naturais. Tais seção 4 discutimos alguns obstáculos
Municípios ficam impedidos de criar e estímulos à descentralização, dando
unidades de conservação nestas áreas, foco à situação fiscal e política dos
ou mesmo de cobrar impostos sobre a municípios. Na seção seguinte, anali-
propriedade urbana, que é importante samos os papéis dos governos estadu-
fonte de receitas municipais. ais e municipais na gestão florestal na
Amazônia. Além de apresentar um
Este trabalho se divide em seis quadro geral da atuação dos Estados,
partes. Na primeira, fazemos uma ca- usamos os exemplos do Acre, Amazo-
racterização geral da Amazônia, com nas e Pará para enriquecer a discus-
atenção à ocupação territorial em ter- são. Em relação aos Municípios, abor-
mos de áreas privadas, unidades de damos algumas áreas de atuação nas
conservação, terras indígenas e popu- quais eles têm maior participação, uti-
lação. Na segunda parte, apresenta- lizando exemplos ocasionais. Final-
mos alguns dados básicos do setor flo- mente, na parte 6, apresentamos os
restal na Amazônia e discutimos al- comentários finais sobre as oportuni-
guns de seus principais problemas. dades e obstáculos à descentralização
Na terceira parte, analisamos breve- e fazemos sugestões de temas de pes-
mente o marco institucional no qual quisa que possam dar aporte à
se insere a gestão florestal na Amazô- descentralização da gestão florestal
15
Tabela 1
Distribuição das terras na Amazônia Brasileira
1
Os números relativos à cobertura vegetal, desmatamento total e taxas anuais de desmatamento são controverti-
dos e variam de acordo com as diferentes metodologias utilizadas por diversos autores e estudos, particularmente
pelo tratamento que se dá a áreas de cerrado e de transição entre cerrado e floresta. A respeito, ver Margulis, 2003.
16 GESTÃO FLORESTAL NA AMAZÔNIA BRASILEIRA
2
O grupo das Unidades de Proteção Integral é composto pelas seguintes categorias: I - Estação Ecológica; II -
Reserva Biológica; III - Parque Nacional (Estadual ou Municipal); IV - Monumento Natural; e V - Refúgio de Vida
Silvestre. Constituem o Grupo das Unidades de Uso Sustentável as seguintes categorias: I - Área de Proteção
Ambiental; II - Área de Relevante Interesse Ecológico; III - Floresta Nacional (Estadual ou Municipal); IV - Reserva
Extrativista; V - Reserva de Fauna; VI - Reserva de Desenvolvimento Sustentável; e VII - Reserva Particular do
Patrimônio Natural. Para um melhor entendimento do uso permitido para cada categoria de Unidade de
Conservação, ver Anexo 1
3
O IBGE estima que a população indígena seja de 154.004 mil habitantes, enquanto a Fundação Nacional do
Índio, (Funai) estima que seja de 175.571 mil. Os dados variam devido a diferenças metodológicas, que são discu-
tidas com maior profundidade no projeto Povos Indígenas do Brasil, da ONG Instituto Socioambiental (http://
www.socioambiental.org/pib/portugues/quonqua/quantossao/difest.shtm)
AMAZÔNIA : OCUPAÇÃO TERRITORIAL 17
18 GESTÃO FLORESTAL NA AMAZÔNIA BRASILEIRA
4 O número de associações cresceu rapidamente após a promulgação da Constituição de 1988, cujo artigo 232
abriu a possibilidade dessas associações se constituírem como pessoas jurídicas. Além disso, desde início da déca-
da de 1990, o “mercado” de projetos para organizações civis aumentou consideravelmente, ao passo que os recur-
sos do Estado foram diminuindo. O projeto Povos Indígenas do Brasil (ver nota anterior) traz uma análise mais
detalhada dessa proliferação de associações.
AMAZÔNIA : OCUPAÇÃO TERRITORIAL 19
Tabela 2
Posse de terras privadas na Amazônia Legal
Tabela 3
Evolução do setor madeireiro na Amazônia 1998 - 2004
1988 2004
Consumo de madeira em tora (milhões m_/ano) 28,3 24,5
Produção de madeira processada (milhões m_/ano) 10,8 10,4
Rendimento médio do processamento 38% 42%
Número de pólos madeireiros 72 82
Número de empresas 2.570 3.132
Número de empregos 353.044 379.621
Fonte: Lentini, 2005
Nessa fase a exploração se intensifica e deira pode ser uma importante fonte de
atinge o nível de 5 a 10 árvores por hec- renda. Como o preço do metro cúbico
tare, o que corresponde à média de 40 da madeira varia de R$ 60,00 a R$ 200,00
m3 a 50 m 3/ha , dependendo da região dependendo da espécie e de sua quali-
explorada. dade, o produtor pode ter uma renda
bruta de R$ 3.600,00 a R$ 12.000,00. Mes-
Grande parte da madeira extraída mo descontados os altos custos de pro-
na Amazônia hoje provém de áreas de dução e transporte, que podem facil-
desmatamento. Segundo dados da ONG mente chegar a 70% do valor bruto, a
Amigos da Terra, em 2002 aproximada- madeira pode contribuir significativa-
mente 75% da madeira da Amazônia mente para a renda dos pequenos agri-
tinha origem legal atestada por meio de cultores. Estimativas de 1995 mostram
autorizações de desmatamento, en- que o PIB per capita rural na Amazônia
quanto 5% dela era obtida por meio de era de US$ 1.411,00/ano. Esse é um va-
planos de manejo regulares. Os outros lor médio, que não considera as desi-
20% eram oriundos de fonte ilegal, sen- gualdades na distribuição de renda. Ou
do que 75% dessa fração era extraída seja, o estrato mais pobre da população
de unidades de conservação e 25% pro- tem uma renda ainda mais baixa. Os
vinham de planos de manejo irregula- recursos gerados pela venda da madei-
res (Smeraldi, 2002). ra são particularmente importantes pa-
ra os recém-assentados, que têm maior
O uso de madeira de desmatamen- necessidade de capital para financiar a
tos torna os pequenos produtores um abertura de novas áreas, a implemen-
importante elo na cadeia produtiva da tação de suas lavouras e a construção
madeira, uma vez que eles podem des- de suas casas.
matar anualmente até 3 ha, o que, em
tese, lhes permite extrair legalmente até
60 m3 de madeira por ano, sem necessi- 2. Problemas do setor
dade de apresentação de inventário flo-
restal6. Considerando que há mais de O setor florestal da Amazônia en-
500 mil famílias assentadas na região, e frenta sérios problemas estruturais,
que outras 50 mil são assentadas anu- dentre os quais se destacam: 1) os de
almente, só a produção de madeira de natureza institucional, notadamente o
pequenos desmatamentos poderia su- descompasso entre o marco normativo
prir a demanda da indústria nacional. existente e a capacidade operacional do
Para os agricultores, a venda dessa ma- Estado; 2) a situação fundiária caótica
6 Esse valor pode ser maior, mas, neste caso, é necessário apresentar inventário, o que não é economicamente
viável para os pequenos produtores.
24 GESTÃO FLORESTAL NA AMAZÔNIA BRASILEIRA
7 Para simplificar o processo, o Ibama publicou uma Instrução Normativa (nº 74), em agosto de 2005, aumentan-
do a gama de documentos aceitos para comprovação de posse da terra.
26 GESTÃO FLORESTAL NA AMAZÔNIA BRASILEIRA
8 Atualmente, segundo dados do Ibama há 5.366 autorizações expedidas, para uma área autorizada total de
2.407.081,39 ha de florestas. Segundo dados do FSC, em 2005 havia na Amazônia 23 projetos de manejo empresa-
rial certificados, com uma área total de 1.216.922,90 ha e oito projetos comunitários, com área total de 25.721,90 ha.
27
9 O artigo 23 é mais explícito e lista como deveres do Estado a proteção das paisagens naturais notáveis e dos
sítios arqueológicos (inciso III); proteção do meio ambiente e combate à poluição (inciso VI); preservação das
florestas, da fauna e da flora (inciso VII), registro, acompanhamento e fiscalização dos recursos hídricos e minerais
(inciso XI). No artigo 24, a Constituição trata do direito urbanístico (inciso I), florestas, caça, pesca, fauna, conservação
da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção ao meio ambiente e controle da poluição (inciso VII);
patrimônio paisagístico (inciso VII); e responsabilidade por dano ao meio ambiente (inciso VIII).
28 GESTÃO FLORESTAL NA AMAZÔNIA BRASILEIRA
existe uma regulamentação clara e ine- restas públicas, a definição dos concei-
quívoca dos artigos 23 e 24, o que cria tos de área de preservação permanente
vácuos de poder, sobreposição de pa- (arts. 2º e 3º) e de reserva legal (arts. 16ºe
péis e conflitos entre União, Estados e 44º), nas quais o desmatamento é proi-
Municípios. Por outro lado, esse marco bido. O Código estabeleceu a obrigação
indefinido deixa margem para a ação dos proprietários privados de conservar
complementar dos entes federativos e no mínimo 20% da cobertura florestal
para acordos entre os órgãos ambientais original de suas áreas (50% na Amazô-
dos três níveis de governo para coor- nia), como áreas de reserva legal. Em
denar suas atividades. 1996, como forma de conter o alarmante
ritmo de desmatamento da floresta
amazônica, o governo federal publicou
2. Código Florestal uma medida provisória aumentando a
proporção das reservas legais de 50%
O primeiro Código Florestal brasi- para 80% das propriedades na Amazô-
leiro foi promulgado em 1934, durante nia e de 20% para 50% no resto do país.
o governo de Getúlio Vargas. O marco
jurídico vigente que regula o uso das Outra inovação foi a exigência de
florestas, entretanto, é o Código de 1965 planos de manejo florestal para a
(lei nº 4.771), que foi alterado várias extração madeireira em florestas nati-
vezes por decretos-lei e medidas provi- vas. Essa exigência, na prática, foi ig-
sórias. Trata-se de um conjunto de leis norada por 20 anos, período em que
que regula o uso do solo tanto em áreas houve apenas avanços nas discussões
públicas quanto privadas. Por seu rigor de aspectos técnicos e jurídicos do ma-
e caráter conservacionista ele é comu- nejo. Em 1996, finalmente, efetivaram-
mente criticado por produtores rurais, se as primeiras normas de manejo flo-
que consideram a lei uma interferência restal, regulamentando o que havia sido
excessiva do Estado no direito de uso proposto no Código e, assim, os planos
da propriedade privada. de manejo começaram a ser implemen-
tados. A Tabela 4 sintetiza a evolução
Entre as principais inovações (e pon- da normatização do manejo florestal,
tos polêmicos) do Código estão a cria- com destaque para a Amazônia, desde
ção de parques (art. 5º), reservas e flo- a edição do Código Florestal, em 1965.
MARCO INSTITUCIONAL E JURÍDICO PARA A GESTÃO DAS FLORESTAS 29
Tabela 4
Evolução do marco normativo do manejo florestal na Amazônia
Código Florestal, lei 1965 Proibiu a exploração sob forma empírica das florestas primitivas da bacia
nº 4.771 amazônica. Estabeleceu necessidade de planos técnicos de condução e
manejo, mas não os regulamentou.
Lei nºo 7.511 Portaria 1986 Definiu manejo sustentado: “equilíbrio entre incremento líquido e corte,
nº 486/86-P quer anualmente, quer em período um pouco mais longo.” Conceituou o
Rendimento Sustentado como rendimento que corresponde ao incremen-
to da floresta.”
Ordem de Serviço 1989 Estabeleceu o Roteiro Básico para Análise de Planos de Manejo Florestal.
002/89-DIREN IBAMA
IN 080 IBAMA 1991 Definiu intensidade amostral e periodicidade do inventário contínuo, o nível
de abordagem do inventário florestal, da regeneração natural, tratamentos
silviculturais. Estabeleceu o ciclo de corte mínimo de 20 anos (posterior-
mente aumentado para 30 anos)
Decreto nº 1.282 1994 Delimitou a Bacia Amazônica.
Medida Provisória 1.511 1.996 Aumentou a área de Reserva Legal na Região Amazônica para 80%.
002/89-DIREN IBAMA
Instruções Normativas 1998 Estabeleceu as regras para o manejo florestal comunitário, manejo florestal
4, 5 e 6 (IBAMA) simplificado e manejo florestal empresarial
Instrução Normativa 1999 Regulamentou o desmatamento, nas seguintes condições:I - até 3 hectares
7/Ministério do Meio por ano, em área de até 100 hectares, revestida de floresta nativa (com
Ambiente (MMA) título de propriedade ou posse reconhecida); II - até 5 hectares por ano,
em áreas extrativistas de posse coletiva, de mais de 100 hectares, desde
que comprovada a prática de agricultura familiar; III - até 20% da área
total da propriedade em áreas de 100 a 200 hectares; IV - de acordo com
a MP 1.736-35 (Atualmente 2.080-61), em áreas acima de 200 hectares
(após vistoria).
Medida Provisória 2.080-61 2001 Regulou a conversão de floresta em agricultura e pecuária
10 De acordo com a Resolução Conama 237/98: Art. 4º - Compete ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos
Recursos Naturais Renováveis - Ibama, órgão executor do Sistema Nacional de Meio Ambiente, o licenciamento
ambiental, a que se refere o artigo 10 da lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, de empreendimentos e atividades com
significativo impacto ambiental de âmbito nacional ou regional, a saber:
I - localizadas ou desenvolvidas conjuntamente no Brasil e em país limítrofe; no mar territorial; na plataforma
continental; na zona econômica exclusiva; em terras indígenas ou em unidades de conservação do domínio da
União.
II - localizadas ou desenvolvidas em dois ou mais Estados;
III - cujos impactos ambientais diretos ultrapassem os limites territoriais do país ou de um ou mais Estados;
IV - destinados a pesquisar, lavrar, produzir, beneficiar, transportar, armazenar e dispor material radioativo, em
qualquer estágio, ou que utilizem energia nuclear em qualquer de suas formas e aplicações, mediante parecer da
Comissão Nacional de Energia Nuclear - CNEN;
V- bases ou empreendimentos militares, quando couber, observada a legislação específica.
§ 1º - O Ibama fará o licenciamento de que trata este artigo após considerar o exame técnico procedido pelos órgãos
ambientais dos Estados e Municípios em que se localizar a atividade ou empreendimento, bem como, quando
couber, o parecer dos demais órgãos competentes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios,
envolvidos no procedimento de licenciamento.
§ 2º - O Ibama, ressalvada sua competência supletiva, poderá delegar aos Estados o licenciamento de atividade
com significativo impacto ambiental de âmbito regional, uniformizando, quando possível, as exigências.
Art. 5º - Compete ao órgão ambiental estadual ou do Distrito Federal o licenciamento ambiental dos
empreendimentos e atividades:
I - localizados ou desenvolvidos em mais de um Município ou em unidades de conservação de domínio estadual
ou do Distrito Federal;
II - localizados ou desenvolvidos nas florestas e demais formas de vegetação natural de preservação permanente
relacionadas no artigo 2º da lei nº 4.771, de 15 de setembro de 1965, e em todas as que assim forem consideradas
por normas federais, estaduais ou municipais;
III - cujos impactos ambientais diretos ultrapassem os limites territoriais de um ou mais Municípios;
IV - delegados pela União aos Estados ou ao Distrito Federal, por instrumento legal ou convênio.
Parágrafo único. O órgão ambiental estadual ou do Distrito Federal fará o licenciamento de que trata este artigo
após considerar o exame técnico procedido pelos órgãos ambientais dos Municípios em que se localizar a atividade
ou empreendimento, bem como, quando couber, o parecer dos demais órgãos competentes da União, dos Estados,
do Distrito Federal e dos Municípios, envolvidos no procedimento de licenciamento.
Art. 6º - Compete ao órgão ambiental municipal, ouvidos os órgãos competentes da União, dos Estados e do
Distrito Federal, quando couber, o licenciamento ambiental de empreendimentos e atividades de impacto ambien-
tal local e daquelas que lhe forem delegadas pelo Estado por instrumento legal ou convênio.
MARCO INSTITUCIONAL E JURÍDICO PARA A GESTÃO DAS FLORESTAS 31
11
A respeito desses ciclos de descentralização e centralização, ver Nickson, 1989.
34 GESTÃO FLORESTAL NA AMAZÔNIA BRASILEIRA
isso, o INCRA , criado naquele período, rosos para o Estado (Nickson, 1999).
ganhou domínio sobre terras munici- Como conseqüência, o princípio
pais, inclusive em áreas urbanas. descentralizador da Constituição de
1988 se expressou na forma de um au-
Outras agências federais que con- mento progressivo dos recursos desti-
centraram poder e recursos foram a Su- nados aos governos municipais, acom-
perintendência de Desenvolvimento da panhado da transferência de alguns ser-
Amazônia (Sudam) e o Banco da Ama- viços anteriormente prestados pelos go-
zônia (Basa), responsáveis pelo vernos estaduais e federal.
planejamento e gerenciamento de gran-
de parte dos subsídios dados aos em- Atualmente os Municípios brasilei-
presários que se instalavam na região. ros gozam de uma autonomia relativa-
A centralização política também se acir- mente grande em relação aos governos
rou, uma vez que a população das ca- estaduais e federal. A Constituição de
pitais, das estâncias hidrominerais e das 1988 criou um arranjo institucional úni-
cidades localizadas em áreas conside- co, no qual os Municípios são membros
radas de “segurança nacional” perde- da União, juntamente com os Estados e
ram o direito de eleger seus prefeitos. o Distrito Federal. Com isso os Municí-
As forças armadas tiveram forte presen- pios ganharam poder de auto-organi-
ça na região durante todo esse período, zação, ou seja, de elaborar e aprovar
também intervindo direta ou indire- suas Leis Orgânicas, que são equivalen-
tamente na distribuição de terras. tes a constituições municipais. A com-
petência para legislar sobre a criação de
A Constituição de 1988 teve como novos Municípios também passou da
um de seus principais objetivos resta- União para os Estados 12.
belecer o equilíbrio de poder entre Es-
tados, Municípios e União. Esta tendên-
cia descentralizadora, além de ter sido 2. Situação fiscal dos Municípios
induzida pelo repúdio ao regime auto-
ritário, vigente até 1984, também foi ali- Os Municípios brasileiros têm duas
mentada por fatores externos, particu- fontes principais de recursos: as recei-
larmente as receitas de ajustes estrutu- tas tributárias próprias e as transferên-
rais impostas pelo Fundo Monetário In- cias feitas pelos governos estadual e fe-
ternacional aos países que enfrentavam deral. A luta de governadores, prefei-
crises fiscais. O FMI via na descen- tos e parlamentares que defendiam a
tralização uma maneira de aumentar a descentralização durante a elaboração
eficiência na prestação de serviços one- da Constituição de 1988 foi principal-
12
Com exceção do período 1967/1988, os Estados sempre tiveram o poder de legislar sobre a criação de novos
Municípios.
OBSTÁCULOS E ESTÍMULOS À DESCENTRALIZAÇÃO 35
federal, lançam mão de artifícios fiscais recadação tributária nominal dos Mu-
para evitar as transferência de recur- nicípios vem crescendo menos do que
sos. Isto é feito pelo aumento da co- a dos Estados e União; em outras pala-
brança de taxas e impostos que não vras, diminuindo proporcionalmente
fazem parte das transferências consti- ao longo do tempo, conforme indica-
tucionais. Como resultado disso, a ar- do na Tabela 5.
Tabela 5
Evolução da arrecadação tributária das esferas de governo, entre 1998 e 2002
(Em R$ milhões, valores correntes de 2002)
14
Os novos Municípios deveriam ter pelo menos 10.000 habitantes ou cinco milésimos da população do Estado;
eleitorado não inferior a 10% da população; centro urbano constituído com pelo menos 200 casas; e uma arrecadação
no exercício anterior de pelo menos cinco milésimos da receita estadual de impostos (Bremaeker,1991). Como
forma de controlar a multiplicação do número de Municípios, tendo em vista particularmente os desequilíbrios
fiscais que ela acarretava, em 1996 uma emenda constitucional voltou a estabelecer algum controle federal sobre a
regulamentação de novos Municípios. Entre outras medidas, passoua ser exigida a realização de um “estudo de
viabilidade” do novo Município, e as consultas populares para referendar a criação de novos Municípios foram
estendidas à população de todos os Municípios afetados pela mudança (Tomio, 2000).
OBSTÁCULOS E ESTÍMULOS À DESCENTRALIZAÇÃO 39
novos Estados significam novos cargos Os riscos são maiores em certas re-
eletivos e empregos públicos, sem a giões, como as de fronteira agrícola, ou
necessidade de competir com grupos já aquelas em que é alta a concentração
arraigados no poder. Não é raro que os da propriedade da terra, ou ainda onde
líderes de movimentos de emancipação a atividade madeireira é muito inten-
acabem constituindo pequenas oligar- sa. Por outro lado, Municípios que têm
quias locais, que se encastelam no po- setores sociais mais fortes e organiza-
der durante muitos anos. dos conseguem, até certo ponto, con-
trabalançar esta tendência de captura
Essa oligarquização e a influência de poder pelas elites. Em toda a Ama-
das elites econômicas sobre o poder lo- zônia há um grande número de sindi-
cal constituem outro sério problema catos de trabalhadores rurais, associa-
para a descentralização de políticas flo- ções de produtores e movimentos de
restais. Comumente se argumenta que base. Grande parte dessas organiza-
o poder local nos Municípios do interi- ções tem líderes que atuam na política
or pode facilmente ser capturado por partidária e que eventualmente são
elites que têm interesse direto no uso eleitos vereadores ou até mesmo pre-
predatório dos recursos naturais. De feitos em seus Municípios. Isso é mui-
fato, muitos Municípios da Amazônia to claro na região da Transamazônica,
são diretamente controlados por madei- no Pará e na região do Alto Rio Acre,
reiros que atuam na ilegalidade, por exemplo, onde os movimentos so-
pecuaristas responsáveis por grandes ciais tiveram sucesso ao formar coliga-
áreas de desmatamento ilegal, grileiros ções com outros partidos ou eleger
e seus prepostos. A transferência direta seus próprios representantes como pre-
de poder de decisão sobre o uso dos feitos, principalmente pelo Partido dos
recursos florestais para os Municípios Trabalhadores.
pode acarretar danos severos à floresta
e, principalmente, prejudicar pequenos De modo geral, os indígenas são o
posseiros, agricultores familiares, ribei- grupo mais vulnerável entre aqueles
rinhos e indígenas. Há exemplos recen- que necessitam dos recursos da flores-
tes muito claros disso: a luta dos pro- ta como meio de vida. Além de enfren-
dutores de arroz de Roraima contra a tar as ameaças de grandes empresári-
demarcação da Reserva Indígena Rapo- os dos setores agropecuário e madei-
sa-Serra do Sol; os conflitos entre ma- reiro, muitas vezes seus interesses se
deireiros/grileiros e populações tradi- chocam com os de pequenos agricul-
cionais em Porto de Moz; e a voraz tores e garimpeiros, a quem não agra-
grilagem das terras do entorno da BR- da a política de demarcar grandes ex-
163, que teve início com o anúncio da tensões de terras para os indígenas.
pavimentação da estrada. Um indicativo da debilidade política
40 GESTÃO FLORESTAL NA AMAZÔNIA BRASILEIRA
desse grupo é o fato de que nas elei- vimento rural, onde são tratadas ques-
ções municipais de 2004, nos 5.560 Mu- tões ligadas à infra-estrutura de trans-
nicípios brasileiros, somente 48 verea- portes, agricultura e, menos freqüen-
dores indígenas foram eleitos, entre 182 temente, extrativismo e florestas. Infe-
candidatos. Apenas nove indígenas se lizmente, não há números disponíveis
candidataram a prefeito; quatro foram sobre tais conselhos. Como agravante,
eleitos: um no Estado de Minas Gerais contudo, há o fato de que mesmo aque-
(São João das Missões), um no Amazo- les conselhos que têm caráter delibera-
nas (Barreirinha), um na Paraíba (Mar- tivo e costumam se reunir têm poder
cação) e outro em Roraima (Nor- muito limitado frente aos prefeitos e
mandia) ( CIMI, 2004). secretários municipais. São freqüentes
as acusações de que prefeitos e secretá-
Como forma de aumentar a partici- rios manipulam a composição dos con-
pação popular nas decisões municipais, selhos para que lhes sejam favoráveis.
foram criados Conselhos Municipais de Em outros casos, o poder executivo sim-
diversas áreas de políticas publicas –edu- plesmente ignora as decisões tomadas
cação, saúde, assistência social, meio pelos conselhos quando assim lhe con-
ambiente, criança e adolescente e outros. vém. Isso ocorre porque não há meca-
A Tabela 6 traz informações sobre a exis- nismos eficientes que garantam que as
tência de conselhos de meio ambiente deliberações sejam cumpridas, ou que
nos nove Estados da Amazônia, com punam os prefeitos e secretários que
base em informações do IBGE (2002). Em não as cumpram. Nas cidades do inte-
média, apenas 22,11% dos Municípios rior da Amazônia, os setores da socie-
têm um conselho formalmente constitu- dade civil que contestam as ações polí-
ído. Uma proporção menor ainda de ticas do poder executivo em geral têm
Municípios tem conselhos que de fato se dificuldades para contratar advogados
reúnem periodicamente (17,39% se reu- ou acionar o Ministério Público para ir
niram ao menos duas vezes no ano an- à Justiça e coibir os abusos cometidos.
terior à coleta de dados). Menos da me- Outra limitação séria para o bom funci-
tade dos conselhos existentes (46,07 %) onamento dos conselhos é a falta de
tem poder deliberativo. pessoal qualificado para participar das
discussões e da tomada de decisões.
Esse quadro tem como atenuante o Freqüentemente, os líderes de algumas
fato de que o conselho municipal de organizações de base se vêem quase que
meio ambiente não é necessariamente obrigados a participar de vários conse-
o único foro de discussão de assuntos lhos, pela simples falta de outras pes-
ligados às florestas. Muitos Municípios soas que queiram ou tenham condições
têm conselhos municipais de desenvol- mínimas para fazer isso.
OBSTÁCULOS E ESTÍMULOS À DESCENTRALIZAÇÃO 41
Tabela 6
Municípios com conselhos municipais de meio ambiente
nos Estados da Amazônia
15
Para uma discussão mais aprofundada dos valores e critérios de alocação do ICMS-ecológico, ver May, 2002.
43
6. Gestão descentralizada
nios e sem grandes atritos, está no fato suas populações tradicionais começou a
de que tais Estados estabeleceram suas ganhar vulto. Essa preocupação chegou
políticas florestais há muitos anos, an- aos governos estaduais mais recente-
tes mesmo da criação do IBAMA . No mente e agora começa a ganhar corpo
caso de Minas Gerais, por exemplo, o por meio do fortalecimento dos Oemas
IEF foi criado em 1962, antes portanto e da descentralização das políticas do
da criação do próprio Código Florestal, governo federal para os estaduais.
que é de 1965. Em outras palavras, eles
ocuparam um espaço político-adminis- Entre os fatores que afetam a trans-
trativo que estava aberto e que necessi- ferência de poderes para os Estados não
tava ser preenchido, uma vez que o podem ser desprezados os componen-
setor florestal era tido como importan- tes políticos e corporativos. Obviamen-
te para suas economias e que eram ne- te o IBAMA reluta em ceder poderes aos
cessárias ações de fomento, normati- Estados, mas não necessariamente co-
zação e comando e controle. mo uma decisão formal da instituição.
Sem dúvida há nas instâncias decisórias
Chama a atenção o fato de que os do órgão uma preocupação com possí-
Estados que têm mais iniciativa e mai- veis conseqüências negativas da des-
or autonomia em suas políticas flores- centralização, o que é legítimo. Por ou-
tais são justamente os com menor co- tro lado, há também uma percepção de
bertura de florestas. É possível que as que o trabalho centralizado é inefi-
políticas para esse setor tenham sido ciente, e que o órgão não precisa estar
elaboradas tendo em vista tanto a ne- por trás de toda e qualquer decisão –de
cessidade de assegurar o suprimento de caráter técnico, político ou administra-
matérias-primas florestais em um con- tivo– que afete o uso das florestas. Ape-
texto de escassez crescente quanto a sar dessa sensibilidade de parte da di-
constatação dos danos ambientais de- retoria do órgão, as relações dele com
correntes do desmatamento. Os Estados os Estados e, conseqüentemente, os re-
da Amazônia, por outro lado, até recen- sultados das negociações ou disputas
temente operavam sob uma lógica de entre eles são profundamente afetados
disponibilidade quase ilimitada de ma- pelas relações políticas entre os funcio-
téria-prima para a indústria madeirei- nários das gerências executivas do
ra e de terras para agricultura. De fato, IBAMA nos Estados e os dirigentes dos
na década de 1970 o governo militar es- Oemas. Atritos nos níveis mais baixos
timulou a ocupação do “vazio” amazô- da administração, motivados por fato-
nico por meio do corte da floresta e da res de ordem política ou defesa de inte-
implementação de pastagens. Somente resses corporativos, contribuem para a
após o início da década de 1990 a preo- demora no estabelecimento dos convê-
cupação com o destino da floresta e de nios e dificultam sua implementação.
GESTÃO DESCENTRALIZADA 45
Tabela 7
Gestão Florestal nos Estados da Amazônia
16
A Secretaria Municipal de Meio Ambiente de Rio Branco foi beneficiária do PGAI em sua primeira fase. Com
seu fortalecimento, a secretaria chegou a iniciar atividades de licenciamento ambiental, mas mudanças políticas
provocaram a interrupção desse trabalho.
17
A taxa, de R$ 1,10 por árvore –cerca de R$ 6,60 por metro estéril, ou R$ 8,80 por metro cúbico de madeira
extraída– como o próprio nome deixa evidente, deveria ser aplicada na recomposição dos estoques de madeira
nativa. Contudo, a aplicação real destes recursos nas atividades de reposição florestal é mínima, e muitos de seus
potencias beneficiários reclamam da ineficiência do arranjo institucional centralizado que coordena a atividade.
GESTÃO DESCENTRALIZADA 47
18
A produção de borracha, que era de 900 toneladas em 1999 atingiu 1.600 toneladas ao final de seis meses do
programa e 3.500 toneladas em 2004. Ainda assim, os técnicos do governo reconhecem que a atividade não é
economicamente sustentável para os extrativistas nos patamares atuais de preço (R$ 1,50 a R$ 1,60/kg + R$ 0, 70
relativos ao subsídio). A maior parte dos extrativistas, quando pode, concentra seu trabalho na coleta de castanha,
que nos últimos anos atingiu valores muito elevados, próximos de R$ 20,00 por lata.
48 GESTÃO FLORESTAL NA AMAZÔNIA BRASILEIRA
IBAMA na análise das propostas de ma- nos elaborados. Apesar desses avanços,
nejo florestal e na fiscalização do setor. o processo é limitado pela relativa mo-
Paradoxalmente, o governo do Amazo- rosidade e baixa capacidade do Ipaam
nas não reclamou para si a responsabi- de analisar os planos enviados elabora-
lidade para licenciar o desmatamento, dos pela agência e por particulares.
apesar do convênio firmado com o
IBAMA permitir e até incentivar mais A equipe da agência é relativamen-
esse passo na descentralização. Isto pos- te pequena, com técnicos presentes em
sivelmente se explica pelo fato de que apenas 15 dos 62 Municípios do Esta-
o governo estadual prioriza a explora- do. Considerando as dimensões do
ção florestal manejada e não quer ter Amazonas e as dificuldades de trans-
que se desgastar com o licenciamento e porte, é fácil concluir que esta estrutu-
controle do desmatamento. ra ainda precisará ser ampliada e des-
concentrada. Além disso, o problema
Uma importante inovação do go- fundiário continua sendo um limitante,
verno foi a normatização do Plano de pois é difícil para muitos moradores da
Manejo Florestal Sustentável com Pro- zona rural atestar a posse sobre suas
cedimentos Simplificados (PMFSPS), que áreas. Para otimizar o processo, a agên-
beneficia produtores que queiram ma- cia prioriza aqueles que têm título de
nejar áreas de até 500 ha. Essa norma suas áreas, o que de certa forma benefi-
(portaria SDS 040/03) elimina a exigên- cia os produtores que têm melhores
cia de estabelecimento de parcelas per- condições socioeconômicas.
manentes e de talhonamento da área a
ser manejada. Como precaução para O governo também tem utilizado
evitar a extração predatória da madei- subvenções e estímulos fiscais para o
ra, ele também estabelece um limite de setor. Um desses estímulos é a isenção
intensidade máxima de exploração anu- do ICMS sobre a circulação de produtos
al de 1 m 3/ha. florestais dentro do Estado. Outro mais
específico para os extrativistas foi a cri-
Além das normas terem sido sim- ação de uma subvenção de R$ 0,70/ kg
plificadas, a Agência de Florestas auxi- de borracha que, segundo dados da SDS,
lia os produtores no preparo dos pla- beneficiou 984 famílias em 2004 e acar-
nos de manejo. Como resultado, até fi- retou um aumento da produção de bor-
nal de 2004 já haviam sido elaborados racha da ordem de 79% entre 2003 e
288 planos, o que significava uma área 2004. Os extrativistas também se bene-
de 79.514.07 ha manejados. Os núme- ficiaram da instalação de uma usina de
ros de 2005 ainda não estão computa- castanha no município de Lábrea e têm
dos, mas técnicos da secretaria afirmam trabalhado na difusão de boas práticas
que até outubro já havia mais de 400 pla- de manejo do extrativismo não só de
GESTÃO DESCENTRALIZADA 51
22
http://www.sectam.pa.gov.br/uc.htm. Acesso feito em 23/10/2005.
GESTÃO DESCENTRALIZADA 53
Tabela 8
Estruturas Político-Administrativas Ambientais em Municípios dos Estados
que Compõem a Amazônia em 2002
tíveis. Por outro lado, essa associação produto de seu território e, com
tem um lado positivo: a preocupação isso, podem fiscalizar o repasse do
com a geração de renda pelo uso dos re- Imposto sobre Circulação de
cursos naturais em muitos Municípios. Mercadorias e Serviços (ICMS ) do
governo estadual para o municipal,
Experiências municipais o que evita a perda de arrecadação
de impostos gerados pelo setor de
Seja com fins de geração de renda, beneficiamento de madeira.
seja com fins conservacionistas, o fato é
que os governos locais tomam iniciati- Planejamento e ordenamento ter-
vas concretas que direta ou indireta- ritorial: Brasiléia e Epitaciolândia,
mente afetam o setor florestal. Entre tais no Acre, deram início à elaboração
iniciativas destacam-se a criação de leis de seus ZEE s municipais, com
e ações administrativas para proteger o auxílio do governo do Estado e da
setor, fomento a sistemas agroflorestais Cooperação Alemã ( GTZ ). Em Itai-
por meio de assistência técnica, coorde- tuba, a secretaria municipal de meio
nação institucional com órgãos gover- ambiente conseguiu estruturar um
namentais que afetam o uso dos recur- pequeno laboratório de geoproce-
sos florestais, criação de áreas protegi- ssamento, com recursos do PGAI, e
das, recuperação de áreas degradadas capacitou técnicos para produzir
e outras. A seguir citamos e discutimos mapas que podem fornecer valio-
alguns exemplos desses tipos de ação. sos subsídios a uma política de
planejamento de uso dos recursos
Legislação e fiscalização: Muitos naturais.
municípios procuram criar leis
municipais que impeçam a saída de Otimização de uso de recursos
madeira em tora do Município, evi- florestais e aproveitamento de
tando assim que a agregação de resíduos da indústria madeireira.
valor à atividade e a corresponden- Em Paragominas (PA), por exemplo,
te arrecadação fiscal sejam apro- a prefeitura desenvolve um projeto
priadas em Municípios vizinhos para o uso da serragem –material
que serram e beneficiam a madeira. abundante nesse importante pólo
Itaituba ( PA) já tem esse tipo de madeireiro– para a fabricação de
legislação. Em Porto de Moz (PA), “briquetes” combustíveis (Maia,
lei similar foi proposta, mas recu- 2005). Em Marabá, a secretaria Mu-
sada porque criaria um monop- nicipal de Meio Ambiente buscou
sônio no mercado de madeira. Há apoio da Universidade Federal do
Municípios, como Juína (MT), que Pará para encontrar uma solução
controlam toda a entrada e saída do tecnológica para diminuir o consu-
GESTÃO DESCENTRALIZADA 57
23
DFID: Department for International Development, do governo Britânico; EMATER: Empresa Paraense de
Assistência Técnica e Extensão Rural.
60 GESTÃO FLORESTAL NA AMAZÔNIA BRASILEIRA
Tabela 9
Acordos e convênios entre governos municipais e outros órgãos nos Estados da Amazônia
Estado
RO AC AM RR PA AP TO MA MT Total
Total de Municípios 52 22 62 15 143 16 139 217 139 805
Com convênio 18 8 33 8 54 13 35 61 59 289
Órgão Mun. 2 - 3 1 3 - 1 - 5 15
Órgão Est. 7 5 14 2 39 12 26 13 26 144
Órgão Fed 11 3 22 4 21 5 16 36 18 136
Empresa Estatal 1 - 2 - 4 - - 2 5 14
Inst.. Privada 3 - 4 3 7 5 3 8 8 41
Orgão Intern. 1 2 1 2 5 4 - 1 1 17
ONG 4 2 8 1 7 3 7 13 8 53
Univer. /Órgão Pesquisa 3 2 7 - 13 2 7 4 7 45
Outro 1 - 2 - - - 1 5 5 14
Fonte: IBGE – Perfil dos Municípios Brasileiros -2002
ter seus nomes associados a Xapuri e ente. Sem dúvida, prefeitos respondem
assim, ganhar uma projeção positiva. a estímulos que afetam diretamente o
Outra explicação, que não exclui essa pri- orçamento municipal. Uma secretaria
meira, é que alguns Municípios de fato deficitária que compete com outros ór-
buscam mais apoio externo, movidos por gãos administrativos do governo mu-
preferências políticas de seus prefeitos e nicipal por recursos orçamentários não
secretários e, muitas vezes, beneficiados é atrativa para um administrador pú-
por suas boas relações políticas na capi- blico. Porém mesmo o licenciamento de
tal e pela competência de alguns de seus pequenas atividades pode gerar recei-
técnicos. Isto torna a tarefa de fortalecer tas para o município e, em alguns ca-
os órgãos municipais de meio ambiente sos, custear o órgão ambiental A expe-
ainda mais importante. riência do Município de Marabá é bas-
tante ilustrativa nesse sentido. Mesmo
O fortalecimento de órgãos muni- sem conseguir tirar da SECTAM a res-
cipais de meio ambiente exige investi- ponsabilidade de licenciar grandes em-
mentos em capacitação e infra-estrutu- preendimentos, muitos deles claramen-
ra, o que pode ser feito pelos governos te da alçada municipal, a secretaria de
estaduais e federal e até mesmo pelas meio ambiente consegue gerar receitas
prefeituras. Uma importante discussão para pagar seus custos operacionais e
que precisa ser estimulada nos Municí- ainda presta com eficiência uma série
pios diz respeito à sustentabilidade fi- de serviços de gestão ambiental (Toni e
nanceira das estruturas de meio ambi- Pacheco, 2005).
63
7. Conclusões
Fica claro que apesar de não estar genas estivesse sob controle municipal
em curso um processo formal de des- ou até mesmo estadual.
centralização da gestão florestal no
Brasil, na prática os três níveis admi- A raiz dos conflitos é a necessidade
nistrativos se envolvem diretamente dos indígenas de ter acesso a amplas áre-
com o tema e cada um traz contribui- as de floresta, o que muitas vezes é con-
ções e problemas distintos para uma testado por outros grupos. O governo
gestão mais eqüitativa dos recursos federal tem sido fundamental para as-
naturais. As experiências aqui relata- segurar esse acesso por meio da criação
das e o histórico da ocupação ama- de Terras Indígenas. A demarcação de-
zônica e do próprio Brasil demonstram las e sua efetiva proteção ainda deixam
que, por mais desejável que possa ser muito a desejar, mas são justamente as
a descentralização, a presença do go- áreas mais bem protegidas da Amazô-
verno federal ainda é essencial para nia. Considerando as fortes pressões lo-
proteger os interesses dos indígenas. cais, é duvidoso que outros níveis de
Esses grupos têm se envolvido em con- governo pudessem assumir a responsa-
flitos com praticamente todos os outros bilidade pela criação e demarcação de
atores que ocupam a região: madeirei- Terras Indígenas. Outro ponto importan-
ros, pecuaristas, garimpeiros, grandes te é a dificuldade que os indígenas têm
empresas mineradoras e até mesmo para explorar a madeira de suas terras.
agricultores familiares. Seu poder po- Para que isso possa ser feito legalmente
lítico na esfera local é mínimo, e o gru- é necessário que se desenvolva um mar-
po poderia ser gravemente ameaçado co legal apropriado, o que, a princípio, é
se o poder de estabelecer Terras Indí- matéria de competência federal.
64 GESTÃO FLORESTAL NA AMAZÔNIA BRASILEIRA
O que existe de mais concreto na madeira têm tido nos Estados do Acre
região amazônica em termos de e Amazonas, tanto do ponto de vista de
descentralização de poderes de decisão geração de renda e diminuição de po-
ocorre no nível estadual. Entre os Esta- breza quanto fiscal.
dos, as causas, a natureza, o grau e as
conseqüências da descentralização são Os exemplos de atividades desen-
bastante variáveis e muito pouco foi volvidas por governos municipais são
feito até hoje para se compreender essa apenas circunstanciais. É necessário que
diversidade. Um estudo comparativo se faça uma sistematização e uma aná-
mais amplo sobre as condições para a lise comparativa mais ostensiva dessas
descentralização e suas conseqüências experiências, nas quais se busque apon-
seria muito adequado nesse momento tar os fatores que facilitam ou dificul-
em que alguns Estados decidem ampli- tam a inserção dos Municípios na ges-
ar suas competências na área enquanto tão florestal. Assim como no caso dos
outros relutam em fazê-lo. Tal levanta- Estados, esse tipo de pesquisa deveria
mento deveria incluir Estados de fora incluir Municípios de outras regiões,
da Amazônia, nos quais há experiênci- nos quais os governos municipais são
as mais antigas e consolidadas de ges- mais ativos na gestão de seus recursos
tão descentralizada, das quais se podem naturais. É muito importante ajudar a
extrair importantes lições. Ainda no ní- difundir essas experiências e promover
vel estadual, seria importante analisar intercâmbios entre administradores
o impacto que as políticas de subsídios municipais para que eles percebam as
ao extrativismo e de promoção da oportunidades e benefícios da des-
verticalização da cadeia de produção da centralização. Ainda nessa linha de es-
68 GESTÃO FLORESTAL NA AMAZÔNIA BRASILEIRA
Anexo 1
Tipos de Unidades de Conservação
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