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A i'RODUC,AO DA CASA NO BRASIL

1!169

A CASA POPULAR

CONSTRUTOR Em qualquer bairro operário, Limao, Americanópohs, Veleiros,


Vila Carra.o, Laranjal, !taquera, Taguatinga, Núcleo Bandeirante, etc. a maio­
ria das residencias foi construída pelos próprios moradores. Mesmo em Osasco,
bairro de oPerariado quahficado, estudo realizado para a elaborai;;ao de seu
Plano Diretor revelou grande porcentagem desta regra. Outra pesquisa,
orientada pelo professor Carlos Lemos sobre casas populares em Sao Paulo,
fornece as seguintes informai,;:0es: de 122 moradias levantadas, 108 (88 15%)
foram construídas pelos proprietários; para as restantes 14, empreiteiros ou
pedreiros foram contratados enquanto os proprietários "8.s vezes, até se trans­
formavam em serventes solícitos." Geralmente sós, com filhos ou a mulher,
rarainente em mutirao, os operários mesmos levantain para si, nos fins de
semana, feriados, ou férias, seu abrigo.1

MATERIAIS Os materiais, sempre os mesmos, sao os de menor prego: o tijolo


e a telha de barro, feítos manualmente nas olarias neolíticas, o barro, como

A pesquisa do professor Carlos Lemos, em andamento (1969), ainda niio foi publicada.
Seus resultados provisórios aparecemresumidos no relatório feito para o FAP (Fundo de
Amparo a Pesquisa), cuja cópia está no Departam_ento de História da FAUUSP. [A pesquisa
coordf;nada por Carlos Lemos e Maria Ruth Sampaio foi publicada em 1978, pela
sao Paulo. 61 FAUUSP, como título Habitariio popular paulistana autoconstruída. (N.o.)]
aglomerante, a madeira nao apan:;lhada de 3ª para estrutura do telhado.
Portas, janelas de tábuas, sem V1a(6.2 #lgmnas vezes, sao materiais usados:
31 das 122 casas pesquisadas pelo pr¿f�ssor Carlos Lemos empregara m mate­

rial de demolig8.o. �h_ª1;:t_ªpiloado,-.por vezes atijol�d_.o.,_r.a.ran:i-ente cimentado.


Nenhum embo90 ou revestimento. Em tese, outros materiais poderÍam ser
empregados. Mas mna série de restrigües orienta a escolha: o prec;o reduzido
do material é básico, ele precisa estar disponivel perto para evitar o transporte
oneroso, deve possibilitar compra parcelada com as reservas de cada salário ou
com o pequeno crédito do depósito suburbano, verdadeiro BNHzinho popular,
nao pode requerer mais do que um individuo para sua manipulac;iio e ) final­
mente, nao <leve exigir nenhuma técnica especial no seu emprego. É evidente
que todas estas limitag6es se resumem na estreita margem económica que
envolve o operá rio. A vinculac;iio, portanto, de tais materiais a casa popular
nao é questao de gosto, higiene, estabilidade ou conforto: é resultado do baixo
nivel de consumo permitido por seu salário.

__ !É_�!;i_!_g__A_A técnica utilizada, mais do que aprendida, é vista, vivida, absorvida


por contínua vizinhanga. rª-z_p.arW_�o cqnheclfr!-��to p912_ular quase espontá­
)
neo, que todos herdam, simples prática compatível com nenhuma especia­
lizagifo. A pesquisa referida mostrou pequena impossibilidade dos operários
enfrentarem, eles sozinhos, a construg[o da própria moradia, apenas 11,5%.
Entre os 88,5% capazes, havia de todas as áreas de prodU<;:8.o, téxteis, mecá­
nicos, carpinteiros, serventes, faxineiros. Nao há empenho, ou melhor, opor-
tunidade, para ousar alteragOes. _ G-ei:- _ ªl��nte__i:;;_fü;_a_dus_e_�Q_ID_-fil.ho_s La @S§. _Q.-9___ __
arrahalde 6-a ¡\l_tei:�a��?a_i_s �Ó!�icl_as �o�ci_ig6�.s .dQs_porOJ?�--� quartos dos bair­
ros centrais en_:i: decadéncia. A urgéncia elimina a inovagao, q�é poder� cuS-tar
--
te�po.-Aléiñ di;so, os pó:Cos tijolos obtidos devem seguir o modelo garan­
J
tido, afastado de experiéncias potencialmente perigosas. Como na cozinha
popular, as receitas tradicionais poupam cuidadosamente os ingredientes da
casa. �ontradigao menor que repete as maiores: _cop-:tinuamente, este mesmo
ºP�!ái:io li�ac����-i�:_v�_?g_a--ª·�-5-·iiieios de p;�dU1;[0, ao responder is suas
_
c_ar�pfias_ paJj;!_
_ c=:l,=llares_: -entr�t�nt_ o, .Q-jsp6e somellte de si e d� pouquíssimos
ir�stru�;ntos. Re���;-e· ;� ·que já foi largarñ�nte }}rovado no local, adaptando

O nosso subdesenvolvimento está espelhado nestes materiais. A fon,;:a do trabalho ainda


é o meio de produ\;iiO mais barato, nao porque sua manutenga.o, como av an\;o das
,·-,
for�as produtivas, tenha baixado de cusLo, mas porque o nível desta "manutern;;iio" é
baixíssimo. A respeito de sua insi:ficiéncia, ver Josué de Castro, Geopolítica dafome. Sao
62 Paulo: Brasiliense, 1965. 63
do. somente a raquítica técnica aos materiais que póde obter. Dispüe do tempo
-
ados: _p_����lado, nao emprega p:rocesso algum que exija trabalhtrCOñil��a:do;··i¿ill-� -­
1 mate- te!n�pt?� �':1:s _<weiti ..o. vell:lom_ QdQ� qJ1e_�-�í:l.PLQI)t:i_a-0-_Q --�-_y�ii_QVi9}i!}-_ �º_1!1:P!efa_ e m
-
mtado, cada -
etap.a_da-cans-trtl\fto-, --o-em-pill1ar-de-tijolos.-Desprovido de qualquer meio
--------

:n ser de prodw;ao, é operário, recolhe •ª"•�-�_p�riencia feita sem equipamento pouco


·duzido mais com�o. Devendo contar some;;te·coiii-elepr-6pi10,-SériiqUalquerfolga
..---------·-
·ansporte p"ara aprendizado, reencontra, cada vez 1 a mesma técnica pré-histórica.
alário ou
lopular, PRODUTO Os próprios usuários, portanto, com a técnica absorvida, dispüem
'i final- do material de menor prei;:o ou usado do melhor modo conhecido, o que, evi­
evidente dentemente, é sempre precário, O produto obtido com tais limitagües só pode
l que ser padrao. A casa mínima (entre as pesquisadas, 84 (70 1 5 %) possuíam uni­
pular <>\..) camente um cfltaf'EOEt.4ir;g%, apenas dois cümodos) é o utensího abrigo puro
lo baixo e elementar dotado exclusivamente do indispensável. J\._.!JJ_de_i?: .Q_QS_ffiª-_t_rrié!,iS r -·
___":_PT!JP.arieda_de técnica_ geram o núcleo restrito ao atendimento franco, ime-
, �i �_�o...:,._,:\. precisa.o imposta pela economía na produ98.o ressurge como preci-
-
>sorvida sa.o no produto, precisa.o �arga, nao resultado de engenho programado e
pontá­ escolhido, mas depósito obrigatório de infinitas carencias. Nenhum enfeite,
ec1a­ marca do "status" sobreposta: sua situa¡¡;:ao é evidenciada, exatam.ente por
rános ausencia.
1,5%.
necá- uso O utensílio elementar encaminha a urna utilizagao imediata, exata: assim
' opor­ como o supérfluo nao aparece na constru�ao, o uso dispensa cuidados. Res­
t§_ª--_{10_ tando no mínimo, nao há excessos que se interponham entre objeto e sua
,s bair- serventia. J2����1- 2-.2E:�rário reque!, __ jnicialmente, pouco mais que protet;3.o
- - -
a_ cuStar CQ;qtra c!:1_1:l:':'.:� E;_ f!io,__�!i.E-�5tq _i;;_ e_iicip���t
_ oS Süfici"ente"s i}ar¡ o preparo de ali­
rran­ mentos e descanso. Enfim, tem com ela a i-elai;;ao direta e· niió mediatizada;
nha �ºc��ó--s◊SUrgEtentre- homem e seu instrumento de trabalho pessoal. ��?_ é
.tes da -��...Y2b�-� i<:> :P�E_g_i::.3,_lq-µ.�_:r:__fetiche, usa simplesmente, sem mistério ou respeito
nesmo ���� •:l-Aº· A casa é feita para servi-lo e serve-se naturalmente dela. Orga:riizEl
-
8-s suas as áreas conforme sua utiliza�iio. A maior e prioritária é reservada ao local
mos onde prepara alimento, descansa, convive, os filhos brincam ou estudam: a
>tando cozinha (65 casas (541 8%) entre as estudadas possuem cozinha com área
superior a 11 m'!). O modo de usar evidencia a classe, tal como o produto
usado. Limitado económica e tecnicamente, o produto-gera sua forma de con­
10 ainda sumo, direta, eficaz. Interiorizado, o produto retorna como hábitos ou com­
L
as portamentos que o confirmam. A eficácia for�ada na produ�[o corresponde
:io" é a eficácia no consumo, que se propüe como móvel ideal para qualquer nova
Ome. Sao produ�[O:· E a heran�a inevitável será transmitida íntegra, imutada.
63

{.() 7. :
··s- !1-,.pe<lu<;iion.á-0.c;rj_..9-Bo_�_ente um o?j_�to pí:l_ra o sujeito, mas t�bém um
._ sujeito para o ob}e_to [,..] Produz, por conseguinte, o objeto do consumo, o
modo de consumo e o instinto de consumo. 3

�-..Y.--t\-.!-,_Q_�_J?.� _ _yso_ SOCIAL Ora1 .f6n;ado ao__pr_irp. árÍo por press5es económicas,
-:
atiuge .
o social: a eficácia, r;q_�--;;�ícfá�� p-o-�-co que tem,_imp5-�_ a permanén-
. .

cia da -��i{�_trµgiio em torno··¿� _€sqlle_rq.á__yálido -q-�.:m�e universalmente para


, .os__ Q.� -�rn(�l?-SS{j: I\�rtªQ!�, ��sax:_da for1?-a de pr_c:i_dw5ao artesanal e arcaica,
ape_s_g..r de -ººp.51:!u�!: .Ecl1:��i _ ..!. para atender 3.s_SJla_s_ _ne.cessidades t)_ásicas.parti­
cular...esv-despreocupado_cm _ n. possível utilizagiio por outros, o-valor que cria
é}J.m valor de uso social. O valor de uso :particular-na-misé_ria _ é intri�s�i:::a::­
mente �.:ui:i valor-de Uso-social entr-_�_�o�,dall3.dos d.i tena: -n[O há excessos que
permitam a objetiva9ao de idiossincr�;i;S; a·partiCülariza9ao. E como o nível
a que se deve ater é o da satisfaga.o única de imperativos vitais elementares,
os resultados sao pratica.m.ente os mesmos, sempre e em qualquer parte,
variando somente em furn;8.o do estágio histórico dos materiais primários
(isto é, qual o mais barato a cada momento e local) 4 compatíveis coma pro­
dut;:;ao artesanal e individual.

, ---.A
PEQUENA PROPRIEDAD:�)Como ser em transi�ao, o operário se determina
�n:l.CLSJl_Q_e_ s.sffo.-de-rearr;ac;Oes (efetivas ou apenas aspiradas) gradativamente
'superiores' de ser mercadoria, no operariado e na categoría dos trabalhadores
nao_ manuais assalariados; e, quando vem a participar da categoria dos peque-

K. Marx, Contribuii¡ao a crítica da economia política. Sao Paulo: Martins Fontes, 2003,
P- 237·
Em cerLa.s zonas, como Santa Catarina e Paraná, a madeira substitui o tijolo. A única
constante na casa popular, com relagao aos materiais, é seu baixo prer;;o e possibilidade
de aquisir;;ao parcelada. Em país subdesenvolvido, isto é sinónimo de produtos com
baixíssima composir;;ao orgallica do capital, isto é, muita forga de trabalho.
A taipa, por sua vez, só foi superada pelo tijolo depois que este foi suficientemente
provado aqui e de escassearem os barnbuzais. A cobertura da casa popular fornece ótimo
exemplo do conservadorismo técnico. A passagem do sapé a Lelha e da taipa ao tijolo foi
suave, contínua, sem grandes inovai,¡Oes. O Lijolo, entretanto, permite a cobertura em
abóbada, mais barata e eficaz que a telha. A técnica disponível na tradigao, entretanto,
1
nao possibilitou o seu surgimento. Novamente, o compromisso popular com determinada
1, técnica é baseado em condir;;ües históricas de formagao desta camada, no nível simples
que possua, nos materiais disponi;eis. Nao há urna técnica popular: a abóbada, aqui
desconhecida, foi a cobertura típicamente popular na krgélia. 65
1.um nos prnprietários urbanos ou almeja dela participar, continua a aceitar para os
uno, o outros, o ser mercadoria. 5

A pesquisa do professor Carlos Lemas revela que ge:r_'::¼o,ente..o-ope:rário ,vé


nóm1cas 1 é1.,pr6pri@."���-�- como_ t�mporá,y�a. O que corresponde a fatos comprovados:
rman€n- grande parte das que possuem tres ou mais cómodos sao anipliac;Oes de um
Jte para núcleo original de 1 ou 2 cómodos. E mais, a própria disposic;Eio no terreno
i arcaica 1 denota insatisfa¡;;:ao com o que tem: 60% das casas de 2 cómodos sáo locali­
as parti­ zadas no fundo dos terrenos, a frente permanecendo reservada para a futura
que cna casa maior. A possibilidade concreta para alguns de ir acumulando lenta­
:nnseca­ mente a área ocupada ) por sua vez, permite explicar a constatac;ao da exis­
:::essos que téncia de mais de urna casa no terreno ou de qua�rtos que sao postos a aluguel.
no o nível En:lliQ. i__ ?_2.P.�!'�i.9 __����! "�m. �r.?-n5-�<;lio" --�tin_ge__ ex�!IlpI.1
_ xme11te o q11e para a
nentares, -''! ;n_aioria permanece aspirai;,:iio irr�ali�adcl: � citeg��i¡ 9"_9- •(peq�e�o proi,rieiá-
parte, 1 ,¡ ,i, �.Ó-9�ili;�,��i::P.ªi§.ª·-ª-USJJ.fruir __d_e I�ndanao.P:_r_o���ien - te de sua v�nda, mas da
mános J_ zend_�-ª-�- ��us _'�bens_". _ Constituí corti<;os de péssimá.SColldii;Oes:i§:'_Valoi de uso
>m a pro- que ob'tivera Pensando em si, é visto e manipulado como mercador�)\
Entretanto, afirma o relatório da pesquisa, 1 'raros sao os que, a priori, já p�je­
tani no próprio corpo da casa os cómodos destinados a locac,;:ao", O ex�_ edente,
mina eventuahnente produzido, �-�JSP}�!:ªd.o.._como va:lorde·t-roca. · /-;
raxnente Em oposii;;:ao ao funcionaniento habitual da economía capitalista, nao é
alhadores valor de troca que estimula a produi;;:áo de valores de uso1 mas valores de uso
los peque- excedentes sao empregados como valor de troca. E o operário_g_u.etev.e_,), __qp?�::-­
tUIIidade de acumulá-los realiza o pr��S_!:1-pO_StO. de-·�uas-asp{fit·oes de·ascensao__
i ·;'cat�gOriá ·dos pequ'ellos-P��p��e��r�os_ urbanos'':- s-ua personalidade básica
:es, 2003, cafllt1�ista---niio·m�gad0!_ª _9,q_ siste_ll!'¿,_!P,aS µnica_ me_nte do statu� prole!_ário. 6
Pois bem, vÜl'te�os ao início. Nos feriados, fins de semana ou férias
A única quando ergue sua casa, o trabalhador produz para si. Niio como o faz diaria­
,ibilidade mente, como forga de trabalho vendida1 empenhada na valorizac,;:3.o do capital.
s com Nao como merca.doria abstrata - forga socialmente necessária - a produ-
zir valores genéricos encarnados em valores de uso a ele indiferentes, nao
J.temente enfrentando os meios de produgiio como poderes materiais hostis e alheios.
nece ótimo Ao contrário, produz com seus instrunientos seu abrigo, meios de produgao
to tijolo foi próprios guiados por sua vontade e diregiio a construir 1l1Il objeto para seu uso.
:ura em O guia da produc;iio 1 seu motor interno 1 a carencia que atende siio particu-
1tretanto,
leterminada
1 simples 5 Luiz Pereira, Trabalho e desenvolvimento no Brasil. Sao Paulo: Difusa.o Européia do
:i., aqui Livro, 1_965, p. 208.
65 6 Cf. Luiz Pereira, op. cit., cap. m.
lares
, •~
e próximos,
_ .. -""- .,. _
Mas, . no_ afasta.rnento das condic5es de producao negativas
D D _

,que encontra e:nquanto assalariado perde as conquistas que estas co?digües


lli_e__ p�r�i-tem. Pois é como trahalhador iSola:do1 só, que enfrenta o que quer
superar, s{ia miséria . Vendo-se só, servente e operário semi-qualificado, quer
proteger-se só. N.eg� _E: u_niversalJ19c.-d�a _ tingidad7Mte--0:o---trabalhadbt-éOietivo l
a�_uando com meios de prodw;,:ao em massa, nega a solidariedade org8.nica
e c�fetív·a fruto do trabalho comum e r�.tJ1��"2c--0 f'T"ineípio.,da.�p:r-oprieda:tll�-- -
1
qJ.J..e_JJ1�_,é_ ��ga�a enquanto assalariad_o._ E 6 que produz espelha, tam. bém
agora, como produz: ojp._d_ísP�:_:1-s�_vel_p� a sua _5�1?si�!�l!�i�.1. !:�sultado tosco
de. individualism.o- au-t0-suficiente, .. é a mini8.tura frustrante do lai'-billgues;
is_olada 1 fechada, ID<!Ycando nítidos .os contorrn?s de s�a possé.Vai buscar as --
rnais dist-arites e precárias regiües,_ esquecido de toda higiene e co·iiqüisti; ·­
�óCiai_¡_�p�ai_i_p_9_�jf·m_��te� ;�sguardada a unidade ob;iiiton-alliente dCSfeita
de sua família e a p�-�piiea~aae-de s Ua"S. - iigustiante·moradiá lentamente depo­
sitada na expectativa de transbordar sua racionada nece�.sidade e afirmar
sua admissao a pequeno hurgues senhor de capitalzinhd--)Sem dúvida, t�4,o
9-_iI,Y1:pel_�-�-����-�-ºl:c!-s_ao:_ a)mpossibilidade de sobreviver n·os~c-Or-ffg-os··¿��trais,.
onde a rela<;,:3.o próxi�-a com outros operários é mediada pela prorniscuidade,
a press8.o econOmica dos salários insuficientes, hábitos rurais, fruto da vida
segregada ainda presentes na sua forma<;,:3.o, a especula<;,:3.o imobiliária 1 o
sindicalismo ausente e oficial, o peso enorme do sistema, enfim. ��-�?l�_l:!:_ á
d-0:\'"�d�=-ª=l>-º-¡:µ_<;,:�-�-.9-:1e encontram, talv�?'.. ..a ún�_ �a __disponível, tem as marcas de
sofrida adaptacao.
______,[!_

-
BAIXA DE SALÁRIOS As conseqüencias silo imediatas: o barateaniento da
moradia que obteve recorrendo a todas as suas mínimas habilidades e dispo­
nibilidades, o seu sacrificio, terá como recompensa automática o abaixamento
relativo dos salários, sempre determinados pelo custo menor do absoluta-
mente indispensavel a sua manuten<;,:3.o. Seguranienfe, a economia feita na
obtern;ao da casa seguirá a reduc;§.o de seu salário real. É._a leido sistema. E
o antagonismo é insuperável dentro dele: nao pode permanecer sem casa, é
levado a construí-la. Faz com o que tem: nada, mil "jeiti:nhos", economizando
na já magra mesa. Portantoi faz com pequeno custo - nao paga administra-
98.0, empreiteiro, m8.o-de-obra, adota materiais rudimentares ou usados, área
mínima, sem banheiro, pia, esgoto, água corrente, luz. É tao baixo o custo que
:nem as barbaridades minuciosamente prograniadas no BNH conseguem com­
petir. Como conseqü€ncia da m. ultiphca9ao desta microscópica sub-produc;ao,
associada a deteriorac;,:8.o crescente das zonas centrais "modernas'\ baixa a cota
do salário destinada a moradia: E, progressivaniente, disfarc;ado sob aumentos
66 nominais totalmente inflacionados, baixa correspondentemente o salário real 67
rr,D '">

------
'
i\
1egativas do operário - baixa acentuada por novo gasto, o da conduc;ao. Basta:m como
Jndigües indicac;ao deste fato as seguintes informag6es do DIEESE (Departamento Inter­
que quer sindical de Estatística e Estudos Sócio-Econ&micos): no Boletím Informativo
:ado, quer n. g, de Janeiro de 1968, p. 2, lemos "Levantamentos efetuados pelo DIEESE
w·coretivo rnostram que o aluguel médio de casas na cidade de Sao Paulo, em Janeiro
rgán1ca (de 1968) foi de NCR$ 174,19, muito diferente da quantia de NCR$ 34,65 deter­
eda,:t-e· minada pelo referido decreto (sobre o salário mínimo)", Ora, tal discrepancia
mbém somente se explica pela enorme economía marginal que o operário consegue
:lo tosco ao produzir a própria casa, justificando runa redugao em relac;ao a média que
ñriigues; o governo decreta com satisfaga.o.
)Uscar as
quistas RESUMO Em resumo, encontramos na casa operária urna excer,;:8.o aparente ao
te dé-Sfeita sistema. A prodw;ao, aqui, nao é guiada pelo lucro, pelo valor de troca. O seu
Lente depo- > im.óvel é a produ93.o de um valor de uso. Entretanto, o sistema e o modo de
Lfirmar produc;ao capitalista estiio presentes sob várias outras formas: no fato do valor

---
Lda, tudo
_____..
:::is centra1s,
de uso particular na miséria tornar-se valor de uso social 1 e aparecer como
valor de troca, apontando a existencia de mercado de outros miseráveis; na
üscuidade, contradic;ao entre ser operário, expressiio social de um. sistema de produc;ao
J da vida avam;ado, e o fato de ter que recorrer, no atendimento a press6es vitais, as
ána, o formas mais atrasadas, e mesmo reacionárias, de produ93.o; na resultante de
1as nao há sua poupan9a, o pouco conforto irnediato, acarretando desconforto e preju­
, marcas de ízo mediatos maiores. A produc;8.o aparentemente marginal revela o sistema
totalmente inclusivo.

Lto da A MANSÁO
/1 ,;)ff',,i�,
�s e dispo­ • "'
11.,..
Í

)aixarnento , ,7,, > INTRODU�A.o No outro laq.fJ da escala social, no Monnnbi, por exemplo, o
s.d
,oluta­ ((fazer sua casa" signific'/�plicar capital. �� �� ���� s �� �!?i??:1º indispens�;.1:el
- - -- .- ¡
feita na a con,str��-�?--�º??-té�-� ��:iox_acúmulo -de elementos ..sup_��f��os c�!llP_atívªeis --"!
1
,tema. E corno funcionamento/e a sanidade.mental. Os materiais, a ip,3.o-de--=-obra-··­
m casa, é esp__e?t�liz_ªd·ª-�:·i��éCr}'{Ca na� ��is ¿o;stitue��ac;Oe�, � contrário, se o
,nornizando ieÜS�
--:.
·toa�� es�Fo-
capitalexíSt��-t{!ª-�-�-E_�r=rI:iti-do; 1:Üdo �
-
�iSpO�íveis: Pedi"as
ninistra­ de Oüió'Pietó:--iifo16es desenhad�s;tá.hullS deT�carandá dá Bahía de 50 cen-
ados, área tímetros, rnármores, granitos polidos, fórmicas, vidros de 2 metros, metais
:i custo que especiais, a90, alumínio, ladrilhos portugueses, massa corrida, "spots", lumi- i
.1ern com­ nárias suecas, torneirinhas em forma de peixe - materiais de tradii;;8.o nobre \
produi;;i:io, cu requintadamente industrializados ou artesanais alimentam a imagina9ifo
Jaixa a cota esgotada do decorador, Lajes, balan9os, pergolados, rampas, abóbadas, robus-!
) aumentos tas li3.mi�as de concreto de madeirit lixado, motores, engenhos eletrónicos,
;alário real 67 treli9as, taipas, pedrinhas - tecnicamente, qualquer ousadia é realizável.

r
SugestOes sutis, desejos remotos (comO "t>anheiros de teto de vidro1 vaga satis-
fa�8.o exibicionista), detalbadas subdivis6l:"1l___de fun�Oes diáfanas, efeitos mági-
cos, st.upresas, arranjos lúdicos-· encontrara.o hdesigners"
·- especializados aptos
··--------
para efetivá-los. � -� · -

PRODU9Ao Acompanhemos a p:rodw;;.ao. Adquire urna gleba grande em zona


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de for�a de trabalho e servi�osi desde o engenheiro, o calculista, o arquiteto, 1,

até serventes e vigías, passando por pedreiros, carpinteiros, rnestres, técnicos'...,'."


em hidráulica, elet:ricidade, eletrónica, decoradores, paisagistas, etc. Soma, na·::.
obra, quantidade elevada de conhecimentos, técnicas, habilidades e energías
diversificadas. Fornece-lhes todo material pedido em qualquer instante, sern­
pre com a me1hor qualidade. Enfirn, reclama dos custos, pressiona nos contra­
tos e salários, mas pOe na obra o desejado.
Q1:1-ard�, próxi�os _d_e_ _ �_i,___�-arquiteto, o _decorador, o engenheiro; o paisa-
gista. A-;;1es1mpoe_o--q{1� quer, -�om a- impressao de aspira<,;:8.o ainda nao rea­
lli_aaa:: Faz· c -om 'Cj_ue - Cónvivam cóm ·ele, jaiitem, -ccmversem -coiñ -SUa fa�Ui - a, ­
-
rev�Í;_�p�é_q}J.?ft:()_� _háb_Ítos,_ evenillai�J4F�_S_Sj.:g_Crp__s_i;s; }Jref�ri1:1:cias- eSil§ti��s, seu
amo:r;_J_efi�_i���(���---a_lg:un��p - O���nores, fr11�tra<;¡jes_��i±�_!!ca� �� - a� _
- rª-cJ
maro_ ,ltendimento. Arquiteto_ s e_
_ _decoradores tiram suas medidas, -
interpretam
------ -

sua vontade ,_�laboram s� imagem_._'_� tragam com largueza e generosidade


. ' -�

tud'O· 6"'que puder�-�-�;J?! ?:r. _ri�b-;!es _, �ter_at;:_?s��'- E.�_du..gfío____de_ _Q..\1��<!ias excessf�


vas. Neste momento ti,ro:r!E!.@:?.. i�ii�i.::i� i�:u::�.9-�º suple�-� ��?-X,-}ois pode
-
desconhecer a si próprio, as exigencias de bom gostO -e 'das llorrnas sociais
convenientes a seu "status". Sob medida, os planos recebem seu "imprima­
tur". Engenheiros e calculistas pOem suas equipes a dimensionar, precisar a
constrw;;.ao. Operários, supervisionados pelo mestre, transportam, levantam.
Enquanto a mansa.o cresce, o proprietário, insatisfeito com- efeitos nao previs­
tos e descobrindo hábitos nao atendidos, faz derrubar, modificar, acrescentar.
Em dois anos a obra está terminada. A sua casa, fruto de sua vontade, foi feita
a sua imagern e semelhan9a. Passa a usá-la.

A CASA COMO MERCADORIA Mas , olhernos melhor esta imagem, esta seme­
lhani;:a. Para "fazer sua casa", comprou matéria-prima, técnica, projetos e,
sobretudo, fon;:a de trabalho. Esse procedirnento nao lhe é desconheci�o ou
n9vo: as rela90es de produ98.o d� nianS[o- esti� ·p:r6Xllllá.S dá que" �-stá.b-elece na
..s.ua ip.9-�-s-=ti,ia o� �·�t_rº :.neg6Cí� ciü:álquer: COffio _aqui, lá a �erca:niiliza9ao está
_
68 im2l��i_ta- n� p-rOdU.9-aO. MEl.��-valia a¿um�j�qi - __cQTT±Px.�.o_s meins. p_a,rª ficar.gr-ª- 69
-

1/~ �I
[ fL {ijj'·

.Ir
vaga satis­ ._:sci.J!__a de nova mais-valia 1 só que aqui, sob a forma da prodw;:;3.o de um objeto
�itos mági­ -�s_p��Üí�i\_-��� 1ar; dOCé Tar. -K•ser.ñ:�ihan�a"de·-atúai;:;ao nos dois casos traz1 -como
dos aptos automática co��eqüéncia, comportamento semelhante diante dos produtos.
l\_�bos s8.o, para ele, mercadorias. As de lá, há que vender imediatamente, a
,�·:,, d-;;�-�á, permanecerá em seu poder.
', ,,,y··
· em zona Se for necessário ou conveniente, venderá. Mas para garantir esta possí­
/lifieUtQS vel venda, deverá zelar para que o produto, sua casa, possua Uill valor de uso
; _4a g�r_E!-n- social. Nas discuss5es como arquiteto, nas modificai;:;Oes que introduz na obra,
géneros tem sempre mn olho no mercado. E, consciente da dignidade de sua pou­
.rquiteto, panga, restringe o que fez de e��mamente pessoal para que nao contagie a
:, técnicos'•...,., validade social de sua..mans_ij9.._i�-��trigg_�__!!!ª.�- n§.o elimina todas as orig.i.nali-
:. Soma, na\
! energxas
ante, sem­ o uso CONSPÍCUO A sua imagem e seme1harn;a também tem que atentar para
nos contra- as conveniéncias sociais. É hmnem de prestígio, posse e visiio. Sua aparéncia e
a de seus objetos precisam responder as imposigües de sua posigao. É mesmo
o ·pa1sa­ fon;ado a isto.
niio rea-
:-f��li a,- Aos olhos da comunidade, os homens de prestígio precisam ter atingido mn
�ticas, seu certo padrKo convencional de riqueza, embora tal padriio seja de certo modo
e r�c;:la_-_ indefinido[ ... ] Para obter e conservar consideragao alheia, nao é bastante que
1terpretam c',j o homem tenha simplesmente riqueza ou poder. .É preciso que ele patenteie
rosidade tal riqueza ou poder aos olh6s de todos, porque sem prava patente nao lhe
lS excessf'.:'" clara.o os outros tal consideragao. 7
pois pode
;oe1a1s Nos primórdios históricos do modo de produgao capitalista - e cada parvenu
npnma­ capitalista percorre individualmente essa fase - predominam a sede de
rec1sar a riqueza e a avareza como paix.Oes absolutas. Mas o progresso da prodUí;ao
�vantam capitalista niio cria apenas rnn mundo de prazeres. Ele abre com a especulagao
.iio prev1s­ e o sistema de crédito milhares de fontes de súbito enriquecimento. �-�_c_�rt_o____ _
rescentar. lµ_�.!.E�-cl�s-��y.9!,Yirµ�n:_t_()1 l!IP- _gi:ªn c_orweucion_al d_e �sbanjamento, que é ao
le, foi feita mesmo tempo ostentagi:io de riqueza 1_ e portanto, meio de obter crédito, t9rna�
-��-�i_é�-��a,:nece�sidaae d6-iiegÓ�io pa:ra,_o 'infeliz' capitalista. O hum entra nos
custos de represe::_���º do capital. 8
-
;a seme­
jetos e,
�cido ou
::i.b�lece na 7 Thorstein Veblen, A teoría da classe ociosa. Sao Paulo: Pioneira, 1965, pp. 43 e 48.
izagao está 8 Karl M;arx, O capital. Tradu�ao de Regis Barbosa e Flávio Kothe. Sao Paulo: Abril
k_.-:ficar. grá- 69 Cultural, col Os Economistas, 1983, v.11 t.2, p. 173.
�­

As formas particulares do conswno conspícuo foram fartamente descritas por


Thorstein Veblen, Evidentemente elas se especificam numa situag[o diferente
da que usou como modelo de suas observa<;;,5es (a sociedade norte-ainericana
no fim do século XIX; o livro The Theory ef the Leisure Class é de 1899). Mas,
para o que nos interessa aqui, pouca importáncia tern esta especificagiio, meras
alterag5es superficiais derivadas de nossa situa1,;[o colonial, nossa burguesía
procurando sempre identificar-se coma internacional, buscando nos restos
portugueses os ares de aristocratizag[o pretendida, tudo enfatizado com tragos
de inquietagao que a própria posigao intermediária entre as cortes da metró­
pole e o resto da miserável populagao brasileira provoca, Q_Q_If!-g_"!_�do objeto
-� ou-ser_Yig9_fQ!lª--.WUidQ -�_xclusivamente pela classe A (burguesía), a -;;_;;:;¡fo
torna_-se __c,}?jeto de uso suntuário. O uso suntuário é diferenciador de classe, já
que o objeto 1uxuoso é a mat€rializat;3.o da riqueza. A fa:rtura de materiais
requintados, a complexa equipe mobilizada já mesmo durante a obra, exp5em
o poder do proprietário. A obra concluída 1 sua aparéncia, dimensao e cuidado
prosseguem revelando-o. Esta demonstrat;áo, além das vantagens psicológicas
que proporciona, é fundamental, nao esquet;amos, para o bom crédito na prac,;:a.
Receber bem, hospedar bem, divertir bem, sao obrigat;5es do bom burgués.
Quem esbanja e pede empréstimos nao pede para si1 pede para ampliar sua
poténcia, que a mansa.o prova. Lago merece o empréstimo.
Mas, o consumo conspícuo e o uso suntuário tem suas regras. Em primeiro
lugar, as coisas usadas exclusivamente por urna classe e que se prestam a um
uso suntuário nao envolvem, evidentemente, a vida privada: como todos a
possuem - a nao ser os que esta.o excessivamente afastados na escala social,
11
lumpens" e baixos proletários com os quais nem importa competir - nao
serve como diferenciac,;:8.o importante. 9
Como conseqüéncia, a vida privada, que eliminaría o efeito da distin t;ifo,
já que é elemento comum, é escondida. Assim, na mansa.o burguesa, grande
porcentagem da área se destina a exposi c,;: 8.o de poder e riqueza: entrada social ,
"hall", sala de visitas, sala de jantar, biblioteca, lavabo social, jardins, terrat;os i

o'
g "Ao mesmo tempo, o efeito sobre o consUIIlo é de concenLrá-lo sobre as linhas mais eviden­
tes aos observadores, cuja opiniiio favorável é alm.ejada, enquanto as inclinai;;Oes e aptidOes,
cuja prática niio envolve gastos honoríficos de Lempo e de substáncia tendem a ser religa­
das ao desuso. Através desta discriminai;;iio em favor do consillilo visível se verifica que a
vida doméstica da maioria das classes é relativamente mesquinha em comparai;;ao com a
parte ostensiva da sua existencia que se desenrola perante os olhos do observador. Como
U1Ila segunda conseqüéncia da me�ma discrinünai;;iio, as pessoas geralmente escondem da
70 observai;;iio pública a sua vida privada." T Veblen, op. cit., pp. 111-112. 71

..._____ _
j :_)·\,
'
1
,scritas por salas de jogos, de música, muros etc. Outra parte substancial, entretanto, é
io diferente destinada a disfa:n;ar a inevitável vida privada: circulac;§.o paralela de servigo,
mencana · .. sala de almogo, entrada e pátio de servi90, sala intima etc. Note-se que isto
.899). Mas, --nª9_12r�_te_:i1,4_©..siwp1es.µiente esconder empregados - que, afinal, sao demons­
- - -
:ag8.oi meras t!agao móvel de riqueza, -�aS-suB.s ocupag5es 1igadaS a vídcl priv�di.- - -
urguesia Ago�;,·Ó illstrürr:Í�-nto -abrigo - que malgrado a sobrecarga suntuária, é
)S restos ainda furn;:3.o da casa - é intruso componente de um todo maior, o ambiente
com trac;os demonstrador de riquezas, A exibig[o segue regras de comportamento radi­
da rnetró- calmente distintas das espontáneas maneiras de viver. Os milhares de tiques,
o ?�jeto gestos, etiquetas 1 cuja furn;:8.o é demonstrar que quem os exibe possui suficien­
nansa.o tes recursos para desenvolver estas ativ idades totalmente inúteis, tem cenário
� classe, já detenninado: salas, espac;os, móveis, tapetes, quinquilharias que nao devem
iteriais ser usadas. Aos caros comportam_ entos aleatórios, conespondem depósitos de
,ra, exp6em trabalho dirigidos para a produgi:io de objetos sem serventia. A prodigalidade
e cuidado se manifesta melhor quando nao é necessária.
sicológicas Mas, se o objeto por sua intrínseca razi:io servir, deverá servir contrariado:
ito na pra9a. se for obrigado a sentar ou habitar, deve ficar patente que se senta ou h abita
mrgues. revestido de normas e desconforto específicos: surge óbvia urna riqueza que
Jliar sua pode diluir-se em objetos e espagos absurdos.
'--· 1\1.a.s�.i.!!4...�_trial contemporáneo sabe o valor e o prest_ígj._o d _ a_té.cniGa--ef.icaz,
m primeiro da.J!!l�Q�agao q�ilisp-erü.-aa presern,;a--desagradável -¿(l- -�perário e _o explora
,tam a Ulll sorne!!�� itT��i�s ·de �Ei°aiag·¡:re-s ·cúin}JleXas. E O traba:lhO- de-sperdi-9ado terá
todos a d_uas oportunidades preferenciais de surgimento: nos_produtos de.mórbido
la social, ar�es-�-�to-e-·119-fpr�clutÜs de_ tec110logia a�angada ) empenhados em se!vic;os
r-nao di�p�D-sáve_is_, P�edes figurando taipa, formas minuciosamente desenhadas de
concreto, molduras de gesso patinadas escondem alto-falantes mudos,
::listinr,;:[o, \ "high-fidelities", interfones, controles remotos. Tudo em tom morno, discreta-
-------
a,grande \. menteª apa,rente: _
;rada social, ·- "-�i� ��igitPii���V:�i'l! � '.'11, _ ogy�;;m::richism� �-,; aparéncia para afirmar riqueza,
-
.s, terra90s, mor.rña"gó para espalhar- -fastio e indiferern;;a. O tema é imenso e asquerosa­
mente variado. Bastam essas referéncias. Percebemos já, com maior acuidade,
a imagem e semelhanga que a casa reflete: a sua casa, como ele próprio, existe,
IJ_/'--
_

l mais eviden- J para os outros, Qu melhor, para oferecer aos outros wna imagem de si, ima­
Des e apLidOes, ge_rn_ esperada, pré-estabelecida. Nao- u:ma kagelll real, ·a_ t11al, mas a 1:m.agem
a ser religa­ d.Q_Pil2�[so�{i1 j q�e_po - cfe, _por s ��;it;:;9io-�eco-�.6�ic�,- p��t�ñ1 e- r. A casa e o
rifica que a cenário convencional para a representagao de seu triunfo. Imagem e original
ra�ao coma comec;am a inverter suas posigües. Pois sua "imagem e semelharn;a", seu lar,
1dor. Como é componente essencial de sua definig8.o mesma e lhe empresta o sucesso e
�scondem da honrabiJidade que espelha.
71
TESO URO Ora_, ªJl]._éUJ.s3.q,_ yimos_, é mercadoria. Declara no imposto sobre a
renda entr; ¿s "bens" imó�eis e sabe que P�de realizá -la quando bem enten­
der. Para isso, entretanto, deve preservá-la, garantí-la contra a usura que
poderá corroer seu valor. Logo, é parcimonioso no seu emprego. Tem que
,ga��-tir a permanencia do valor de troca _ do �II?-Ó y_�l_e_me_smo_ a coÚti�uidade
dº)'"ªJ�i-aeus�·-soc1á.L-
como o operário de Veleiros jamais penetrará neste mercado, o "social,'
aqui, em oposi�ao radical ao que ocorre em V�l�i::_os, é sin_Qnimo__d,e_�'-societ�'-'�
:•a-m-au.��-�- só _tem valor de uso para os VIPS. Conseqü@;;:c{�; há origi_11•�Jidades
que se pe;�ite� - coillpietamerite �� -
- jeti�3.�-��s;�igora-..:..:;·mas q;e nao devem
-
�er iricompativei-s-com·o ·uso· ;¿qti.e•rido a uma casa por quaisquet daS-famí­
lias "society", Ora, o que podem ser tais originalidades possíveis? Vimos, a
vida-privada está eliminada. Sobram graciosos jogos de sala.o, ou talvez U1Ila
estufazinha para cultivar suas flores preferidas, as orquídeas parasitas ou, se é
intelectual, uma biblioteca para livros reais ou urna galería para seus primi­
tivos, ou qualquer outro "hobby 11 do género. Tais originalidades, entretanto,
se transpirarem na organizar,;:[o da casa, de modo algmn interferir[o no seu
eventual uso por outros, mesmo ao contrário, poder3.o ser sornadas as outras
manifesta�0es de consumo conspícuo, já que, para o novo proprietário, ter[o
a mesma esséncia, a inutilidade intrínseca dos gastos honoríficos e suntuosos.
Portanto, a originalidade nao corromperá sua mercadoria e isto possibilita a
concrega".o de sua aspirag3.o: que a casa seja diferenciadora, particular.
Mas, na.o basta afirmar-se como parte de urna classe, deseja afirmar-se
dentro dela, na hierarquia menor, incluída na maior, como superior aos
outros membros.
Uso parcimonioso de U1Il valor de uso de alto valor de troca , retido em
sua posse: é a definiga".o de tesouro. Sua casa é urna reserva substancial, posta
i margem da circulagao. Ouro feito concreto, conhece a alquimia que devol­
verá o ouro - a venda. O aspecto ostentatório colabora com a fungao tesauro:
porque a ostentagao é basicamente a exposigfio de trabalho inutilizado, mas
,--� _oncent:rado. O tesauro em qualquer de suas formas tem valor determinado
pelas horas de trabalho médio social posta nele. O objeto suntuário é denso
e farto em trabalho coagulado, sem prestimosidade imediata, é verdade,
mas sempre procurando pelos aspirantes ao prestígio social. É mesmo seu
resultado. Daí, inclusive, o horror, entre eles, a qualquer objeto produzido
em série, o que indica, quase sempre, baixo custo unitário, comparado com
o artesanalmente produzido. As formas ousadas ou rebuscadas, revestimen­
tos difíceis, caixilhos especiais etc., como arcas, cadeiras e santos velhos, sao
i i
prova de produg3.o artesanal, _com alto dispendio de forga de trabalho e, por­
tanto, valiosas. Porque é suntuária, a casa é excelente acúmulo de riqueza 73
'
;obre a social, isto é, trabalho. É excelente tesouro, portanto. (Há razOes mais deter­
�m enten­ minantes para que o proprietário da mansa.o a veja como tesouro. Adiante
·a que voltaremos a isso ).
n que "O tesouro nao tem somente uma forma bruta, tem tan1bém urna forma
tiriUídade estética": os objetos, espa<;os e requintes todos repletos de trabalho social
depositado, constituem os componentes da man sa.o, tesouro suntuariamente
"social" exposto. Se o consumo conspícuoprocura o que nao tem serventia, o tesouro
'_' society.": exige oconsmno cuidadoso, reduzido. Casamento perfeito: a riqueza reser­
'1idades vada está depositada no que nao estimula o uso, na inutihdade imediata, que
tifo devem constitui a maior parte da mansa.o. O entesourador nao precisa ter cuidados
.SJá.mí- maiores: como a casa, que fez para si, é fundrunentalmente inútil, seu con­
t.IIlos, a smno será, forr;:osa:niente-,-- m.í:nim.-o;··
vez runa E os criados, estas outras corporifica�Oes de riqueza, encarregar-se-3.o de
:as ou, se é retocar e arrumar quaisquer desarranjo p rovocadopelo raro uso.
1s pnm1- A sua casa, fruto de sua vontade, feita 8.. sua imagem e semelhanga, des-
tretanto, , tinada basicaJTI.ente a assinalar nao somente a sua c1asse, mas sua posic;;ao
:> no seu .�entro dela, sua personalidade, sua originalidade, para cuja prodw;ao criou
LS outras e·quipe a seu gosto, que comando u e submeteu, que fez penetrar na sua inti­
·io, ter[o mida0-e a procura de seus desejos específicos, a sua casa, na parte visível, n[o o
,untuosos. particulari�a.
úbilita a
ff. PARTICULARIZA<;:Ao Nela, representa personagem anterior a si mesmo, mais
nar-se �á.,
do que vive.__ como em todo tesouro, nao é o uso que garante a troca, mas
aos a �.!?.�a_pos_�í�_�lj�sti�ca_ �� s�-Ji_ajti_�o.-:�€_:�--�����loY � e uso é__o_ v�J_or g_e
iroca contido. No tesourosuntuário - do lar - templo burgu€s - - predomina o
doem - váro:r SObre o uso, a forma abstrata do trabalho social puramente quantitativa,
;ial, posta sobre a conveniéncia pessoal O ser medido, interpretado pelos projetistas, é
ue devol­ reflexo animado de suas coisas. Sua intimidade exposta, preferéncias estéticas,
) tesouro: fru�!I ª-�fie§_,_ hábitos, idiossincrasia�;[� -so���ie-desV-i�s,- �-áis ou menos pró­
-��os, -
:i.do, mas -da
- -fu�clam.ell1ag8.()· de seu-ser, a--magnitude do próprio capital. Mas a
rrninado casa híbrida do Morumbi se colllpüe-de duas partes, a visível e a privada. Ora,
é denso seria pouco prováveLque__ cl__ yiQ-_a_ P.!ivada nao fosse largamente contaminada
J.ade, pela ostentada: seus padrües sao apena·s-- pouco menos rígidos do que os públi-
no seu cos. A suP��i�rídáde a ser p:rovad·a d·iante de criado s, a ostentar;:iio <liante dos
:luzido \ íntimos, o comportamento tradicion�l entre os próprios membros da família,
tdo com enfim, toda a ideol a _.2_gia burguesa comparece taJTI.bém _aql!-1. A estereotipia da
:stimen­ f�ília b � - ;g�{e�a-e se�;h.-ábit�s rnternos-gera·-�� -�o�figurai;iio esteriotipada
lhos, sao da parte usável da casa que compOe, nao esque�amos, parte irremovível do
Lo e, por­ tesouro: E o dispéndio conspícuo se aproxima da esteriotipia privada pela rigi­
lqueza 73 dez anOnima de seus conteúdos.

- - ---- - - - - - -
-
Apesar, portan to, da possibilidade de consecw;;ao de todas as idiossincra­
sias, de todos os prazeres e de todo o conforto, só atravessa a complexa trama
do comportamento burgués em rela93.o a sua casa a autoritária presenga da
riqueza, Há diferenciagá.o; a esteriotipia da vida privada, do conteúdo da
ostentagao, a auséncia do prazer possível coexistem com a diferern;a, isto é, a
personifica�ao nao se dará através da adaptagao do esquema a urna pessoa e
sua família, seus hábitos e desejos especiais, mas pela simples variagao formal
do objeto morado. A casa é marca, sinal 1 nao utensílio particulaJ'..e sua vincu-
lag_a_o a tal prnprieíáDO-é-ConV-e"ncional, isto é, puramente jurídica. A diferern;;1:/
entre duas mansOes é a rnesma que separa dois capitalistas, tantos NCR$.

[Ao entesouradorJ só lhe interessa a riqueza na sua forma social e é por isso
que na terra a pOe forado alcance da sociedade [ ... ] Na sua sede de prazer
ilusória e sem limites, renuncia a qualquer prazer. Por querer satisfazer
todas as necessidades sociais 1 quase nao satisfaz as suas necessidades de
primeira ordem. 10

O capital do proprietá.rio é a mola e a chave deste enigma. ,:Ele possui o poder


--;�cial ;cumU.I;d�--em SU3.s-�a¿·s-. As forgas várias de trabalho e servi i;;os adqui­
ridos nada mais sao que a forma nova, agora atuante, de parte deste poder. Só
os adquire porque já possuía. Mas é possuidor caracterizado, pois o que faz, a
sua mansa.o, indica que pode isolar parte do que possui da prodw;ao e p6-la a
seu servigo. Reúne equipe e materiais para atendé-lo e nao empreender urna
tarefa qualquer. Material e equipe devem servi-lo acompanhando sua espe­
cificidade. Ora, o que o define sao suas possibilidades diferenciais, o que se
pode permitir e outros nao, conseqü€ncia de sua posigao na produgao. E suas
possibilidades diferenciais sao todas do mundo, proprietário que é do coringa
universal, o ouro. Sua especificidade nao é marcada por um ou outro possí­
vel, mas pela generalidade de seus possíveis, por suas quantidades e excessos.
Sao tantos que qualquer enumeragao niio os esgota. Somente sua opulencia
os exprime, o ouro em excesso. A especificidade do proprietário, o que deve
ser atendido, é a mesma causa visível nas dimensües e qualidade da equipe e
materiais que adquire, mais-valia ociosa.
Origem da equipe, do material excessivo, o capital sobrante é a alma do
proprietário retratado, a estrutura do objeto produzido, a mansa.o.
A ostentagao da riqueza é o mesmo que riqueza excessiva e suas regras
- eli�inagao do útil, do necessário - s[o meras manifesta«;;:Oes de seu núcleo.

10 Karl Marx, Contribuirao a crítica da economía política, op. cit., p. 136. 75

_L
,.v··•·

fSs1ncra­ Mas nem todo burgués tem a clarividéncia do Sr, Rotchild, cujo escudo
�xa trama e:ram. notas de nao sei quantos milhares de libras. Há que atribuir unia
sern;;a da forma qualquer ao ouro feito concreto. Mas qualquer forma frustra. Sua par­
do da ticularidade estreita nega a universahdade latente no ouro. A forma limita
:1., isto é, a o conteúdo. Mas o conteúdo específico do proprietário, para cuja captagao
pessoa e e configurac,;:3.o tanto ernpenho requintado foi pasto, é precisaniente aquela
�a.o formal universalidade. Na ausencia de forma concisa que a expresse1 o suceda.neo
ma..V1ncu- é a mu1tiplica�3.o de sua especificidade, a neutralidade anünima da riqueza
\. diferern;a/ invade sua moradia inteira.
lCR$. Tu.do fez para que a imensa gama de seus possíveis, todos os prazeres do
mundo, fosse revelada e concretizada. JVIas o triunfo final é de sua externa
é por lSSO raiz, a abstrata riqueza impessoal, revelada em cada canto de seu desandado
e prazer movimento. Gerado pelo capital, é Midas, irrecuperável, reproduz eterna­
sfazer mente sua origem. E mora na sua esséncia: no tesouro.
es de

O ESTREITO MERCAD_O DE MASSA


ii o poder
gos adqui­ Deixernos agora os extremos. Motivos diversos nos forgaram seu exame, par­
' poder. Só ticularmente a nitidez de posig6es contraditórias - que coexistem, entretanto,
1ue faz, a ....��__9}_ª§,1,g_.t;p__6dia>O extremo Morumbi pouco nos interessa em si, mas pesa nas
•e p6- la a expectativas que a pequena burguesía alimenta. O outro, Veleiros, o que mais
n.der Ullla pede ateng5.o, é, por algum tempo, ainda marginal. Mas hoje, é na marginali­
ua espe- dade que se refugia a pouca verdade sobrante. Importa-nos corno contraste de
' que se amarga autenticidade em rneio a pantomima. E_�aminaremo"�- �--![1.-�:rcadoria
'.o. E suas . � -��1:1-_ltado da construg[o civil em sua forma mais p;;�;_�1;1-;; �' ondeé produ­
o connga -zid¡:¡,_��--�assa· par-a_ Illercado massificado, a pródti«;;8.o para O co-nsumó pela
classe méd1-a .
o possí­
excessos. "'r
1 r
mléncia '_ .Q, \,; /RE VESTIMENTO Todos os padrües de consillilo derivam, por grada96es percep-
.y_! -' "J
()_ y'\
ue deve '' \I Ú\i' i tí veis, dos hábitos de raciocínio e dos usos da classe social e pecuniária mais
equipe e { \' -.._ _ . elevada, a classe ociosa abastada. 11

tlma do Na Consolagao, na Aclim_�_g,ii.o....na.J!ila_Buarque., os--canteiros-de .obras-expüem


_ _§,f"".!iqb;;,;" que os -�º Morumbi, se bem que largamente
.rnát_�.D..a1s..m_e:q
, regras /;�periores aos de Veleiros 011 C�i:ó.gU:i: Dais-grandes grupos: os básicos
�u núcleo. / - ferro, cimento, brita, tijolos, tubos galvanizados etc. - e UIDa boa mostra

75 11 T. Veblen,A teoria da classe ociosa. Sao Paulo: Pioneira, 1965, p. 105.

(ÍV \

\
dos incontáveis materiais - entre revestimentos e pastilhinhas, tacos, lam­
bris, azulejos, cerámica, elementos vazados, rod apés, granilite etc. Nao tem
a '"qualidade n do Mormnbi; mas sao fartos, os de segundo grupo, fundamen­
talmente. A anarquía da produc;ao é visível, nas suas dimensües: poneos tem
medidas compatíveis comas de outros. O tijolo de barro tem 11 centímetros h
de largura, o elemento vazado 9,5, os ladrilhos e a cerfunica 15, ou 10, ou 12.
Os vidros sao múltiplo de 5 ) o caixi1ho de nada. As madeiras sao cortadas em
centímetros, a tábua de pinho em polegadas. O sistema métrico predomina,
/ mas a tubu1a9ao é fiel 8. polegada de origern. Os restos inevitáveis freqüente­
mente va.o para Veleiros. i\!:megados "design�rs" ,__arquiteto_s �p.chem páginas,
an_µ�:=:���do q�e_ Q__.µi_ó_ª-_�1o__ exiSt€-:-M3.s o disperso capital constante, posto em
máquinas de ocasiao, está muito acima destes problemas secundários. Dizem
que o operário brasileiro tem baixo rendimento, cerca de 70%. É a ra�a,
também dizem.
A quantidade e diversidade dos materiais de acabamento que se disp0em
na constrw;:8.o civil média é altamente ilustrativa da classe média._��;i _pa,r_te
_,,,.d.a.osten-ta;;¡:ao...da_b�:rg_11_?§ÜLfugir do padrii�, do-que é produzido.industrial­
_mente. É vulgar. 12 A classe média ta:mbém se preocupa com a_ostentagao. Mas
�-félz rids·limites de sua dispónil5ílidadi� pecuniária menor. Tem que aceitar
a industriahzagao. Ora, assim como a mania da burguesía da colonia é ser
burguesia metropolitana - o que faz com que se comporte quase como classe
média metropolitana - a mania da classe média é ser burguesia. A burgue_�ia--­
usa produtos artesanais, a classe média os copia industrialmente: f6-�míéá -
imitando-- jacararrdá,- -feehaduras coloniais·da La Fonte, portas Polidor almo­
f�.?�da_s _n? l?-gar do portal _de -igrej-a·,--lustres também coloniais ·da Pelotas etc.
,,/ Como a própria palavra afirma, a regra do revestir é a máscara e a máscara,
no caso, é moldada nas originalidades do Morumbi e reproduzida em série.
A máscara nao tem originalidade. Logo, a mais precária também serve. Daí
várias conseqü€ncias sobre os materiais de revestimento, os básicos, comuns a
quase todas as obras, assim como a vida privada a quase todas as classes, niio
se prestando a ostentac;:8.o: a) fi�am _ _lim.itados ao poder aquisitivo desta classe,
isto im.plica em pequena produc;:ao ou inais freqüentemente em péssima

i i
12 Aqui, evidentemente. O produto industrializado no estrangeiro serve. A.final, a burguesia
norte-am.ericana é a mais alta classe brasileira. A nossa burguesía pode, porLanto,
consumir os produtos da classe média abastada de lá. O seu "status" relativamente é o
mesmo, descontadas pretensües ai:istocráticas que se satisfazem coma arca ou o santo
76 velho e a imita�Uo do colonial. 77
;, lam- \/.}Prodw;:a".o, por nao atingir quantidade compatível com boas instalag5es;13 b)
a.o tem substituem__qll_a_lidade por ef1::i�o, a repetigao enfática na propaganda de que
ndam.en­ ""ºS[◊-d�;á-;eis é a melhor prova de que nao sao; e) quando_sao contrafac;ao
cos tem de produtos industriais que a burguesia impo_r!a� J�stj.ficam _o emprego d�-­
.metros m�-q�_i�¡iio-VeIBo�-fjf[_::arnQ�iza:dcffoi.i-d�·p;ís, concorr�d� v�taj���-ente
), ou 12. �¿���en.tu;is si����s naci�;;ais. Se. _ �_a_? patentes metropolitanas baseadas,
- logia desenvolvid�..:....:: q ·u·e-nao "é i:\jJroVaVeimente, nao
, portante, exn. 1:1.:rn_ª__t,ecno_
;atlas em - -
lomina, será a nossa -, sao aqui. p.r.o_d_µ�tª.§:.�_�m condigües inferiores de "know -how n ,
�qüente­ mao--de=obr_a_, __9rgª_11i?;fl..�f(o_ d� nabalh;;-�qVij:;am�lifOs�)na-rér_ia;_:p"r""i:rii.iC<:ltc-.; sao" -
l pág1nas1 pbri g_9-t9ri_ª=1Il?
. �!� ��--q�a_lidade pr.ecária; 14 d) multiplicam-se ininterrupta­
,osto em mente, de acordo comos últimos figurinos nacionais, subproduto dos interna­
,. Dizem cionais; 15 e) etc.
É bom lembrar: tais revestimentos sao, na maioria, absolutaniente dispen­
'-Sáveis do ponto de vista técnico. Raros silo objetivam.ente necessários. Mas
1spüem consomem de 20 a 40% do on;amento de uma casa ou aparta:rnento - a varia­
� .paxte gao acompanhando os níveis da classe média atendida.
;trial­ O tema revestimento. parece-detalhi-smo-de-er-iti.ca-inóqua:,Mas exa­
Lg8.o. Mas minemos seu papel económico: em primeiro lugar, dizer que 30·%, em
Lceitar média, do capital empregado em constrrn;ao civil massificada vai p_ara
é ser "acabamentos'1, em país de imenso déficit habitacional, é caracterizar a
o classe ifracionalidade nuclear do sistema. A prodrn;ao da constrrn;ao representa
rrgue§>J.a-- _,terca de 10% do PIE. Destes 10%, metade é de construg3.o civil. Desta
lliCa (metade, 30% é revestimento, isto é, 1,5% do PIE. É rnuito. Em seguida, este
.-"' "

almo­ .\mesmo fato pode ser associado a outro: nao há déficit de materiais de cons­
, \
>tas etc. tr�o no Brasil. As indústrias <leste setor trabalham com 48% de capaci-
3.scara, dade � média.16 _ _ - --
- - __ ___ ,.---- - -- -
-�--
séne.
-e. Daí
)illUilS a
es, n[o
i classe, 13 Servem como exem.plo as primeiras tintas e colas plásticas aquí produzidas. Desde o
na precursor do Epox, fabricado pelo Sr. Pini, que niio conseguía aderir as paredes; e a cola,
debelo nome Dupont AE 704, que niio cola, as pequeninas indústrias que pululam.
14 Exemplos: "pumex" (concreto expandido), "eterniL" (fibro-cimento), vidros, lougas etc.
15 O burgués do Morumbi compra L'oeil ou o Connaisseur. Importa e copia. A Casa &
burguesia Jardim fotografa e traduz, e disso urna original industrieta de revestimentos pode surgir
to, tranqüilamente. Veja-se azulejo pintado, pedrinhas coladas (a Fulget faliu, passou a
mte é o moda).
1 santo 16 Vé-s� que a recente "crise do cimento" (em 1968) foi artificial. O cartel de produtos,
77 agora sob investiga<¡;iio, fez desaparecer o produto para aumentar o prego,

·'!>
SETORES CAPACIDADE OCIOSA MÉDTA %

Vidro 50
Plástico 40
Metal 57
Cimento 59
Cerámica e olaria 43
Madeira 36
l\1ármore e granito 51
IVIÉDIA 48

Dados Pxtraídos do Relatório d;i Coopern,;ao IndLtSlrial para o Plano Habüaciona1 -- CIPHSB. Es Ludo n. 10, vol
II,i g67,p.264-

A capacidade ociosa elevada, de 48%, outra vez relacionada com o déficit


habitacional, exprime o que todos sabem: só comparece ativarnente no mer­
cado brasilciro de 10 (dizern os pessimistas) a 30 (dizem os otimistas) milhües
de pessoas dentro de urna populagao de 85 milhües de habitantes. 17 Nao
comparecem ativamente, repetimos, porque, na verdade, comparecem pas­
sivamente num imenso exército de reserva de 55 (diziam os otimistas) a 75
(diziam os pessimistas) milhües de miseráveis a garantir baixíssimos salários.
Sub-habita9[0 e déficit habitacional de cerca de g milhües (850 mil de défi­
cit e 8 milhOes de sub-habita96es, diz o Relatório citado da CIPHSB, p. 269).
Num cálculo efetivamente arqui-otimista: 8.850.000 X 5 pessoas por casa=
44.250.000 marginais, número bem inferior ao otimista. De outro lado, urna
capacidade ociosa de 48%, ou 1,5 do PIB, em revestimento. Além de exprimir
a irracionalidade do sistema, sua monstruosa oligofrenia, revela que o estreito
mercado está abarrotado. Subdesenvolvimento doído: ao lado da fome imensa,
superprodm;ao acompanhando a morte lenta da maioria nas cho9as, a publi­
cidade niio consegue impingir todas as pastilhinhas ao consumidor saturado.
Mas surge o generoso BNH para atender aos milhües de desabrigados. Compre­
ende-se: os industriais de materia.is para constru98.o civil devem estar forma­
dos com os construtores no mesmo horror, seu ócio se esvai nesta capacidade
ociosa. l\!las a abundallcia de materiais superficiais nao é somente índice da
economia ilhada: os materiais sao a base da produ�ao, o receptáculo do traba­
lho transformador. A produ9[0 os transfigura, mas também guarda algumas

78 17 Dados da revista Conjuntura Económica de dezembro de 1968, artigo de fundo. 79


de suas características, as fundamentais sobretudo. O que sao transparecerá
na ob:ra que os incluir. A maioria é dispensável, concluiríamos, se fizéssemos
um exame rigoroso de sua raza.o de ser técnica. Constituiría trabalho inutili­
zado nao fosse a constituigao do consum]dor, sempre preparado para consumir
qualquer absurdo, desde que preencha alguma fungao mágica ou compensa­
tória, dita 1' estética".
O que sao estes materiais: produ�ao áspera como qualquer outra em nosso
sistema, resultado de trabalho pesado reunido superfluamente em merca-
doria de nen hum valor de uso real Eles escarncccm o hipotético contcúdo
hillllano genérico que deveria animar qualquer trabalho e o atendimento de
necessidades objetivas. Somcnte o trabalho que preenche lacunas reais pode
pretender a dignidade em sua definii;:áo. É bem verdade que na produc;ao capi­
o 11.10, vol talista nenhu.m trabalho atinge esta dignidade1 está sempre distante) é mediato,
imposto, em si aleatório. lVfas em nenhwn local se espelha com tanta nitidez
a indifereni;:a direta pela utihdade, a sua estima sornente como trabalho social
lcit médio, como valor (de troca) perseguido na mercadoria, que nas ocasiOes em
) mer­ que sua fun9iio preenchedora de caréncias rcais inexiste ou é muito ténue. Aí
milh5es o sistema aparece em sua nitidez pornográfica, capital fornicador em gestai;;:3.o
ªº permanente, que aniquila os pais desconhecidos que o semearam. e só quer
1 pas- filhos para alimentar-se. Sem finalidade, o trabalho, puro denominador comum,
) ª 75 é apreciado por sua quantidade. Emprega o produto de sua vacuidade que res­
:alários. surge, como contraponto obrigatório, na aparvalhada indecisa.o do consmnidor,
, défi­ ciscando nas banalidades do pseudogosto, motivai;;:Oes para o gratuito.
,69). Contraditoriamente , estes produtos de núcleo vazio, consumidos pela
3asa = aparéncia, na obra nada importam enquanto extcrioridade, sua raza.o está
>,urna na sua esséncia. Pois, o trabalho coagulado nos p:rodutos será aí empregado
pnm1r precisamente: na mas_caraca.9___9-() trabalho significativo._Tudo s� Rª-Ssa--eo'iiÍo

estreito _sE:i().sse-·questa:�- d �;t�- Mas qU:e gosto? Ó-g�sto hoje estT-;;;_:;r�o , nao há.
rmensa, .qiais..s1!.l?j_et _ivlc!ª-de_ livre q"lle o. sustente, nota Ado_rno. 18 Agora é __sinó_-�·iimo
publi­ de reconheci�e_:g.t_o, re-afirmai;;:3.o, princip�l�e_ i:i.te_:p_a c.lasse__média:.importa
urado.
;ompre­
:orma­ 18 Ver Theodore VV Adorno, "O fetichismo na música e a regress[o da audig[o", em Os
::idade pensadores: Benjamín, Adorno, Horkhámer, Habermas. Sao Paulo: Abril Cultural, 1980.
�e da "O próprio conceito de gosLo está ultrapassado [ ... ] já ni'io há campo para escolha; nem
1 traba- sequer se coloca mais o problema, e ninguém exige que os cánones da convern;;ao sejam
subjetivamente justificados; a existéncia do próprio indivíduo, que poderia fundamenLar
tal gosto, tornou-se Liio problemática quanto, no pólo oposto, o direito a liberdade de
urna � sco1ha, que o indivíduo sirnplesmente nao consegue mais viver empíricamente\ .. ]
Ao invés do valor da própria coisa, o critério de julgamento é o falo de a canga.o ➔
o gosto cont�:gipoi:áneo reencontrar as normas do status, repetir os
-;:'.�ijiaiS con;;��ionalment� "aCuIDUlados pela macú5a interiorizagao. 1
Tudo se
- - .. . . -· . . ---- -- - -. - - --- -- -----

pas§_?:·_�o:iiin .se"fós-sé-�qU-e.s:t�tid�Q§t.o, rp_=as_A prubkma..dfc:,,_i�_g��ªI?:t;ª n_aci_o_nal .


.Por baixo dos revestimentos há concreto, colunas, vigas, lajes, t�f;u_1a�·oes. -
' Há técnica e a simplicidade tosca da estrutura calculada. Há indica<;;:Ües
sóbrias de compromissos com a estática, coma resistencia dos materiais,
com a racionalidade enfim. E, associado a esta racionalidade, as marcas pre­
cisas do trabalho necessário, do empenho, do esfon;o, da habilidade do ope-
\ rário. O homem aparece no que faz, na.o se desfaz na aparéncia do que fez:
\sua mao e sua inteligencia, sua sensibilidade complementar deixam marcas
_:,q'l:!� nao permitem ilus0es. __
P�;6ai.xo·-(téis·revFstim:ento-s·á· obra revela 1i�nsa-�o�P�r�<;;:8.o �ntre neces­
sidade1 racionahdade, traba1ho em pureza despreocupada. Mesmo o espa90
absurdo levantado n[o destrói o impacto inevitáve1 desta revela98.o: muito
da profunda exalta<;;:ao que a visa.o do conjunto de Marselha de Le Corbusier
provoca vem da inequívoca presen<;;:a do trabalho que a obra conserva, inde­
pendentemente do conhecimento de seu desenho interno. A estética de Le
Corbusier é, praticamente, a didatizac;ao da técnica, do processo de trabalho,
as práticas efetivas das sólidas relag0es entre a necessidade estrutural, cons­ r
trutiva e de uso em suas reais dimens0es. 19 A densidade expressiva do con­
creto aparente (do concreto realmente aparente como Artigas emprega na
/
casa Bitencourt e nao do concreto bem arranjadinho da moda) é conseqüencia
v'
da finalidade com que registra o modo de execU(;;ao, os azares, a matéria resis­ 1
tente amoldada a um projeto racional, a cooperac;ao entre a forga física e o
domínio intelectual, a finalidade evidente.
Ora: o revestimento nao é questáo de gosto � ao mesmo tempo, é commn
a todas as casas. Curioso: este componente aparentemente desnecessário nao é
suprimido1 como fariam se pudessem com a vida privada aos que procuram a
distin9ao social. Sua variagao superficial é pequena se descontarmos diluídos
intervalos que separam a massa corrida do reboco, o artesanal da c'ontrafagao
industrial, ao passarmos de classe para classe. A semelhan<;;:a que aproxima
todos os revestimentos é mais forte que as oscilag5es que os distinguem. Nao
servem, portanto, a niio ser em casos excepcionais ao tesauro exposto. Logo,

➔ de sucesso ser conhecida de todos; gostar de run disco de sucesso _é quase o mesmo que
reconhecé-lo. O comportamento valorativo tornou-se runa ficr,¡3.o para quem se vé
cercado de mercadorias muisicais padronizadas." (p.165).
19 Ilusiio, ver "Desenho e o canle�o na concep\;ao do convento de La Tourette", pp.214-21
80 desta coletánea [Nota do autor em 2005] 81
:tiros _devem CQ!J_espondfr ao que é comum as casas da burguesía da classe média: l­
·i. for,rr:;i,a_JU.€lreadorirr, ·simp1e-smente:-··;.,
1Tudo se ,.-.. ____ .. "
:1 nacional.
tla�oes.­ FETICHE Á primeira vista, a mercadoria parece mna coisa trivial 1 evidente.
agües Analisando-a, ve-se que ela é 1,una coisa muito complicada, cheia de
er1a1s, sutileza 1netafísica e manhas teológicas. Como valor de uso, nao há nada
arcas pre­ misterioso nela, quer eu a observe sob o ponto de vista que satisfaz neces­
� do ope­ sidades humanas pelas suas propriedades, ou que ela somente :recebe essas
que fez: propriedades como produto do t:rabalho humano. É evidente que o homem
mmarcas por me.io de sua atividade modifica as formas das matérias naturais de
um modo que lhe é útil. A forma da madeira, por exemplo, é modifi-
·e neces- cada quando dela se faz urna mesa. Nao obstante a mesa continua sendo
1 espa�o madeira, uma coisa ordinária física. Mas logo que ela aparece como mer­
muito cadoria, ela se transforma numa coisa fisicaniente metafísica. Além de se
:orbusier pór comos pés no chao, ela se püe sobre a cabega perante todas as out:ras
'ª, inde- mercadorias e desenvolve de sua cabec;,:a de madeira cismas muito mais
1 de Le estranhas do que se ela comegasse a dangar por sua própria iniciativa.20
:rabalho,
'11, cons- mercadoria, para continuar seu reinado, esconde o que é e toma empres­
lo con- tado o que nao é. �sconde as re1a<;¡6es humanas de que é pura intermediária e
.¿;:
ega na faz p_arecer as--Fela�ciesliu--:--nianas-·com.--=-o-:cánsequencia- de -su.a -�mtólloma movi-­
/
1seqüencia ll?-entagao. Ac!_quire ar'Es 4_e_ ip_d_ep _ end&ncia. D__ v_alor, refle:xo__d9_ trabalho social
r--l
téria resis­ 1 genérico, se transforma em sua propriedade intrínseca.
-
nca e o ,_Ef�ti�hísillo dá merc"adoria o Ilo�-� d�;t�� se�s-"b'iZarros caprichos".
Esta inversiio, plenamente justificada pela aparencia do mercado, tem
� comum importante furn;;:ao entretanto. Pois é ela que permite as fabulagües da forma
,áno nao é mantenedora do sistema. Ela alicerca a falsa a- historicidade da forma merca­
·ocuram a doria, pois o valor e suas lei�-�rge�1 co���rop�i;;i�des natu��i�-das·c-�isi� �
-
; diluídos �i¿
�------�;-�o-dOi -lllOdC)s tiáiiSi101':i:OS d8_:� r�lªgi5es hillTianas.
·-··---· --- -- --- -- -
'
ntrafagao Sua importánciél é tal que, na proporgao mesma- ern que o sistema se
:-ox1ma desagrega, a mercadoria faz ginásticas para nao mostrar que é produto do
Lem. Nao trabalho humano, e persegue a aparencia dos objetos naturais ou de objetos
o. Logo, resultado dos processos industriais afastados de qualquer presern;a hllillana.
''Argúcias teológicas". Daí este desenho exato, de geometría perfeita moldada
.--eni-i:r:;r:epreensíveis superficies metálicas dos produtos rnais avangados, tipo
�smo que Ulrn e Cia\ Procedentes de misteriosa e sobre-humana tecnología, nao t@m
se vé

'pp. 214-21
81 20 Karl Marx. O capital, op. cit., v. I, t. 1, p. 70.
porque temer o desmascaraxnento: nao há homens na sua vizinhan9a, Ora,
por trás do revestimento, vimos, há sinais embara�osos de sua indubitável
presern;;:a. Mesmo difuso e freqüentemente atabalhoado, o registro das maos
do operário incomoda a periclitante paz do consumidor, cria problemas de
consciéncia, pois levanta perguntas a respeito dos anónimos e repelidos auto­
res do tesauro apropriado.
E isso é absolutamente daninho ao sistema. N.um temp9__ em _g__ue as coi-
5ªs_ d_eJ�J:J:_t;_!P_ 9 _homem 1 revelar que as co\sas encobrem rela9_6es humanas-
, é_��JJ:y�_rt�r _? _C?rie�·__Há que apagar o trabalho revelador1 e para isto nada
me1hor que o trabalho inútil, o revestimento. A esséncia do revestimento
é magnificamente adaptada: nele o homem operário está ausente, só com­
parece a for9a de trabalho abstrata a depositar valor nos materiais inú­
teis. Necessidade 1 carencia, finalidade objetiva, estes móveis de trabalho
humano significativo já fahavam na sua produ,;;:[o. A palmrra mesma diz: re­
vestir, cobrir o que já está completo, mascarar. Ou a outra, acabamento, com
suas ressonáncias fúnebres. O revestimento que fantasía cada classe de suas
aspirai;0es é o mesmo que encobre as marcas das razües que fundanientam
a mascarada: a aliena�ao do produto da for�a de trabalho alienada. Voltare­
mos ao tema.

MANUFATURA A areia, a brita s[o descarregadas. Um servente organiza os


montes no canteiro; outro transporta parte para o ajudante de pedreiro que os
mistura com cal ou cimento 1 trazido do depósito por um servente diferente;
o quinto p6e a argamassa em latas ou carrinho; leva ao pedreiro que assenta
tijolos, reboca, fixa ou preenche um.a fórma, assistido por seu servente que
carrega o vibrador ou recolhe o excesso caído.
¡! Em cima, o carpinteiro prepara outras f&rmas com a madeira empilhada
perto 1 depois de cam_inho semelhante ao da arganiassa com seus ajudantes
e serventes. O armador dobra as ferragens assistido do mesmo modo, e, por
toda a obra, vidreiros, marceneiros, pintores, eletricistas, encanadores, imper­
meabihzadores, taqueiros, faxineiros 1 sempre acompanhados de serventes
e mais serventes. Divis[o.~miú,clª-dn..tr.ahalh.orem cada_etíip�,_ divi_S�(?___4ie-
-
,r_.g�iE�_de fun90es. Pás, picaretas, talhadeiras, colheres, desempenadeiras,
-
baldes, v;;=as, PYruñóS, metros, níveis, hnhas, serrotes, goivas, formües 1 enxós,
martelos, escadas, brochas, so1dadores, rosqueadores etc. etc. Instrumentos
rudimentares adaptados as operai;0es diversas. Raraniente, urna betoneira 1
Ulll elevador, um guincho, um vibrador, uma serra elétrica, wna raspadeira.

Poucas máquinas de fun�ao auxiliar nas tarefas mais pesadas, nenhuma


operatriz. ;LJ:�Jf.l,?§:txe trans�ite instru90es, organiza a coopera�ao, fiscaliza,
82 impede d€moras, aperta: é, trunbém feitor. Caracterizam.os a típica manufa- 83

rn;a. Ora, tura serial Simplesmente, na const:rm;ao civil, a manufatura é deslocada, nao
ubitável seus produtos.21
, das maos
lemas de A maquinaria específica do pe:ríodo manufatureiro permanece o próprio
elidos auto- trabalhador coletivo, combina�ao de muitos trabalhadores parciais.22

que as c01- Urna quantidade enorme de operários subdividem as furn;:Oes motora e


h���ri-as operacional. A for�a do servente alimenta a operai;;:ao manual do pedreiro
1 isto nada carpinteiro, armador ou qualquer outro. O objeto imenso, o utensílio abrigo
�s tirnento em massa nasce em dezoito a trinta meses gerado pela ene:rgia pura do ser­
te, só com- vente, a habilidade tosca dos semi-qualificados acompanhando as ordens do
11s 1nú­ projeto. Coluna e viga moldadas em tábuas individualmente, apesar de iguais,
trabalho sustentam mi1hares de tijo1os diariamente acumulados; formando as figuras
,ma diz: re­ desenhadas no projeto, tudo encapado, alisado, para parecer rigorosamente
rrento, com produzido. Caixilhos, vasados, tubos, portas, tacos um a u1n, transportados,
;se de suas encaixados, amarrados ) adaptados, disfargados. A for�a de trabalho, meio de
runentam prodrn;ao mais barato, é abundante, cria a massa uniforme de moradias com
a. Voltare- técnica retrógrada. A produgao massificada dos alveo1ozinhos particulares é
feita pela explorat;¡lio em massa da energía individual.
, ,. 'A prodrn;iio nao se destacou, ainda, de seus fatores humanos, nao adquiriu�'-,
n1za os a independencia da linha de montagem automática e mecánica.
re1ro que os \,.,,____J;,.eu--.núcleo é o trabalhador coletivo, trabalhadores individuais em cooperagao.
liferente;
1e assenta DIVISA.o DO TRABALHO A divisa.o do trabalho, mais do que as exigencias do pro­
\nte que duto, segue as conveniencias dos produtores próximos. Assim, cada etapa da obra
pressupOe outra terminada, os servigos se sucedem no tempo. Há que terminar
rnpilhada as tarefas do pedreiro, antes que encanadores e eletricistas entrem na obra. A
udantes
:lo, e, por
,res, 1mper­ 21 O processo da conslrugíio civil é complexo, havendo combinagiio da manufatura serial
rventes com a manufatura heterogénea e a indústria. Por exemplo: há sinais da manufatura
lo h_ie­ heterogénea na sucessiio das várias eLapas, quando saem os pedreiros da obra e entram
iadeiras, os pintores, ou ainda quando pei;;as produzidas fora do canteiro sao montadas na obra
Oes, enxós, (caixilhos, armários, etc.). Os produtos industrializados tam.bém comparecem, ou como
Llllentos matéria prima (ferro, cimento) ou como pegas a serem incluidas na obra (metais,
�toneira, ferragens, lour,;as de banheiro, luminárias, etc.). A produr,¡íoi no seu conjunto, ou no
tspadeira. interior de cada etapa, entretanto, é dominantemente do tipo da mantúatura serial. E o
:1uma que caracteriza a forma de produgíio da construgiio civil é sua forma dominante, e nao a
fiscaliza, do co�ponente mais avangado técnica e historicamente.
1.manufa- 83 22 Karl Marx, O capital, op. cit., v. 1, t. 1, p. 275.
sim.ultaneidade raramente é possível e as várias equipes se alternani 1 e cada
urna deve completar seu servi90 de mna só vez. A divisa.o de furn;Oes, quando é
estabelecida no projeto, responde a este principio económico. Ora, daí surgem
várias conseqüéncias. Em primeiro lugar1 o g€nero de divisa.o do trabalho. Na
indústria, a divisa.o é guiada pelo processo objetivo de produgao determinado
pela linha de montagem mecánica. O que a determina s3.o as necessidades com­ \ ¿_,
plementares da máquinai aqueles fatores de prodw;:ao ainda nao automatizados,
ou que requerem escolha, decisfl.0 1 etc. Ao contrário, na manufatura, o determi­
nante é a destreza, a habilidade e a quantidade de trabalho compatível com a
unidade de prodw;ao, o operário, dada urna velocidade do prncesso geral
A divisifo n§.o é mais a do tradicional oficio, um campo de técnica dife­
renciada. É como se houvesse subdivisao <lestes oficios - mas guardando unia
característica sua, a condensac;ao de habilidades parciais no indivíduo, nao
exteriorizada na máquina. A condensa�8.o é menos ampla que no oficio - a
repeti9§.o constante das mesmas opera�0es parciais dispensa a generalidade
implícita nele. As equipes - e conseqüentemente em maior escala o operário
- se especializalll em etapas parciais.
Cada etapa é reduzida á.s suas formas mais simples e o ideal sempre pro­
curado é o de absoluta autonomia. Os incontáveis choques entre estas etapas
- enca11adores quebrando o servic;o do pedreiro, o azu1ejista o do encanador, o
colocador de pec;as e de portas, etc. - se origina nesta tendéncia de autonomia
e economía das partes. (Tendéncia, aliás, que encontra poderosa resisténcia,
em conseqüencia do fetiche-residéncia, que exige a aparéncia do nao produ­
zido). A própria organizac;ao do trabalho favorece esta autonomia1 pois mna
equipe sai quando a outra entra, seu contato mútuo e mínimo, e praticamente
só se realiza pela mediac;ao do mestre. Ao contrário da manufatura habitual,
aqui o trabalhador coletivo nao chega a formar urna totalidade orgánica, mas
a totalizac;ao é fum;ao de um operário específico, o mestre.
Há, portanto, incompatibilidade entre a divisa.o manufatureira do traba­
lho e a que requer a industrializac;ao. Aqui, nao haveria raz6es fundamenta.is
para a nao superposú;§.o das etapas atualmente distintas e sucessivas. Encana­
dores, pedreiros e eletricistas poderiam estar presentes em torno de determi­
nada pec;a produzida ininterruptamente.
Á sucessao substituiria a simultaneidade. Além disso, seguraTI1ente a divi­
sao de trabalho seria acentuada, completando a decomposic;ao dos oficios ini­
ciada pela manufatura: a atual semi-qualificai;:ao tenderia a desqualificag8.o e
a acentuac;[o da separac;iio entre as tarefas de pensar e as de fazer. Nao ha.verá,
portanto, passagem espontánea, orgánica e contínua da atual técnica constru­
tiva para a indú.stria da cons�rugiio. Será necessária a interferencia de fatores
84 externos. 85

;___¡
\.,-
cada '7/
Mas a própria manufatura atual nao apresenta seu melhor rendimento.
1ando é Entre suas virtualidades técnicas e de eficácia, e sua atuagao presente, interfe­
Lll'gem rem as infuneras determinac;Oes da mercadoria que produz.
Lo.Na '� A necessidade falsa de p�i:IícttV1(1uahzm;B:-0-psl-a-poose--do objeto.dife-
lnado r�--O-�fe1i!:h-€-,1]a-YGer:.ca.doxiª� _ a __cp�_enc�� de n�?- pr�_ _4uiid
_ ?--_ g_�!8:1!1 1 '_poros ''
0

des com- e_i;¡o.rmes�.TI.?--PJD.di;u;ao. A diferenciag[o i;i-Ótil �p;rcialmente formal reclaniá


atizados, unia contínua adaptac;iio das equipes 3.s pequenas mutac;Oes e, conseqüen­
.etermi- temente, gasto de tempo na compreensiio dos desenhos específicos. A falsa
com a aparéncia exige cuidados suplementares que nada tém a ver com o p:roduto
l. mesmo. Po_r �utro lado, ª est�u:�_1.1!!3-_u:r�a:na de lotes desigu�is_, o_próp!io s_istema
_ _ __
dife- de propriedade�priV3.dá do_ s�l_o _e a subdi;isio._ iiñaTqu-ícl.l-do� negócios im}}oe
ido urna deslocamentos, dis-iinClas, arrailjos_, atras9s, etc., todos.geradores de novos

1
1, nao 'pÜros" a diluir-ajá precária racionahdade da manufatura da constrU<5§.o civil.
1

10 -a A técnica disponível na construgiio civil massificada é toda a técnica do


lidade mundo absorvida e aplicável. Métodos testados, aprovados, garantidos, entre­
,peráno tanto, só sao incorporados em empreendimentos excepcionais e se difundem
estrebuchando, vencendo a imensa inércia sintomática. A aplicag[o de um
re pro- progresso técnico a um ram.o da produgiio depende de vários fatores, o mais
: etapas anémico sendo o génio ou generosidade do empreendedor e os fundamentais
nador, o o mercado, o sistema, as condigües da forc;a de trabalho e o meio de produgao.
tonomia Enquanto houver a possibilidade de venda de um produto produzido com
téncia, meios arcaicos baseados na fon;:a animal, o que significa, enquanto nao for
produ- imposto pelas regras da concorréncia a reduc;[o do valor da unidade produ­
suma zida, n[o haverá progresso. O capital faz avarn;:ar as forgas produtivas mas
LC8.Illente "na marra" e a contragosto. Por que se arriscari8.Ill os capitalistas se, como
1bitual, "know-how" adquirido, hábitos depositados, equipamento amortizado, admi­
1ca, mas nistragao e operários com comportamento conhecido e controlado produzem
<: e vendem? Para que tentar e ousar temerariamente?25 Além disso, a industria-
traba-
nentais
'
Encana- 23 Experiencia própria. Há alguns anos o IPESP pretendía financiar integralmente a constrrn;¡aü i i
etermi- de 7 mil unidades habitacionais em Cotia. A populag8.o urbana de Cotia era, enti'io, de quatro
mil habitantes, a nova cidade-dormit6rio teria de 30 a 35 mil habitantes. O projeto permitía
� a divi- a pré-fabricagaü total ou parcial. Cálculos feitos na ocasiao provaram que os empreendedores,
ClOS llll- financiados pelo IPESP, isto é, sem aplicar o próprio capital para instalar llllla indústria de
1ca9ao e pré-fabrica�i'io, obteriam, ao final, a mesma massa de lucros que a obtida pelo processo
:J haverá, tradicional de constrw5ao e mais a dita indústria totalmente amortizada. Apesar de o risco
constru- ser essencialmente do IPESP, a proposta de pré-fabrica<,;8.o foi rejeitada. A constrrn;¡aü seria a
fatores "provad� e testada tradicional, que evitava aventuras no desconhecido". Note-se: tratava-se de
85 llllla das maiores construtoras paulistas, faro.osa por sua eficácia e modernidade.
liza<;iio, o avarn,50 tecnológico e da produtividade do trabalho introduz contra­
di�Oes bem conhecidas: embora diminua a manutern,;ao da forga de t:rabalho,
possibilitando delicioso aumento na taxa de sua explonu;ao, aum.enta a com­
posi<;ao orgánica do capital, diminuindo criminosamente a taxa de lucro.
A máquina substituí operários, e, como o lucro vem da forc;a de trabalho
nao-paga e nao da máquina, freqüentemente é preciso aumentar a produ<;[o,
complicar a administrac;ao, etc. para produzi:r o mesmo lucro absoluto
(massa de mais-valia) para um capital maior (com conseqüente diminuic;ao
da taxa de lucro).
Esta :resistencia é mais operante na manufatura do que na indústria. Den­
tro de determinados limites, a indústria é o brigada a avarn;ar: aplica capitais
em máquinas, por vezes custosíssimas, e a cada substituic;ao imposta pela
usura escolhe as mais avanc;;.adas, de maior produtividade. As novas máquinas,
aplicadas por um.a indústria, penetra.ni necessariamente nas outras do mesmo
ramo e nas dependentes, forgadas pela concorr€ncia, impiedosa coveira da
"lua de mel" da primeira. A manufatura aplica seu capital sornente em maté­
ria-prima, pouquíssimas máquinas auxiliares para trabalho excessivamente
pesado e muita forga de trabalho. A base da manufatura é, ainda, o traba­
lhador coletivo1 isto é, trabalhadores em cooperag[o. E trabalhador, forga de
trabalho, é sempre o mesmo, ou melhor, sua produtividade decresce com as
gera96es, na mesma p:roporc;ao de permanéncia de sua explorac;ao, para tris­ 1 -,,

teza dos tayloristas. 24


A única possibilidade de avarn;;:o automático fica' restrita 8..s máquinas
auxiliares.
Paulo Bruna, em trabalho publicado pela FAUUSP ,25 analisa o surgimento
da industrializagiio da construgiio civil em alguns países da Europa depois da
Segunda Grande Guerra e aponta os seguintes pré-requisitos:
A) necessidade de reconstrw;ao das moradias destruídas pela guerra, isto é,
déficit habitacional sério;
B) poucos capitais disponíveis, dada a prioridade de apEca<;Oes dirigidas
para setores básicos que tanibém necessitavam reconstru98.o;

24 A respeito da progressiva decadéncia da forga de trabalho motivada pela fome


crónica e a sub-alimenta�ao prolongada por gera�Oes, ver as obras de Josué de Castro,
principahnente Geografia da Fome. Rio de Janeiro: O Cruzeiro, 1948 e Geopolítica da
Fome. Sao Paulo: Brasiliense, 1965.
25 Posteriormente editado pela Pe�spectiva, em 1976, com o titulo Arquitetura,
86 industrializar¡ao e desenvolvimento. [N.O.] 87
1 1

z contra­ e) poucos materiais e equipamentos, também prejudicados pela guerra;


trabalho, D) urgencia na supera�ao do déficit habitacional; e
a a com­ E) caréncia de m[o-de-obra, guerra outra vez.
ucro.
ilho Ora1 no Brasil valem integralmente os itens a) e b): déficit habitacional
)rodrn;;:ao, imenso (somos quase campeües mundiais) e pouquíssimos capitais. Quanto
to aos materiais, há excesso (vimos: 48% de capacidade ociosa em 1967) mas,
lllUl',;8.0 como nota o relatório da CIPHSB mencionado, insuficientes se tivermos em
vista o nosso déficit. Equipamento quase inexistente. Ternos que reconhecer
:na. Den­ que na.o há urgencia na superai;;:ao do déficit habitacional: o operário que
capitais more onde puder.
pela Entretanto, o pré-requisito que mais distingue a nossa situac,;:[o da européia
náqu1nas, do pós-guena é o re1ativo a mao-de-obra,26 Há excesso de m3.o-de-obra, sem­
lo mesmo pre houve: candango nao falta. Principalmente hoje: um dos cuidados maiores
ira da do nosso governo, sabemos, é manter exércitos e, com especial carinho e silen­
�m maté­ cioso pudor, o exército de reserva de m3.o-de-obra - desarmado, lógico.
amente O combustível básico da manufatura está garantido numa quantidade e a um
raba­ tal prei;;:o que dispensa quaisquer preocupac,;:0es quanto a sua substituic;[o.
Dn;a de Somente pressionado por violento empanturramento do mercado restrito
com as as faixas superiores, a classe média alta, poderíamos esperar alterac;0es
ara tris- significativas na construc,;:iio civil (Perdiio, há urna alternativa: ll1Il gringo
construtor qualquer, forc;ado a substituir suas máquinas na metrópole pelas
mas razües vistas, pode, a qualquer momento, desembarcá-las em Santos, aliando­
se ao nosso progresso). Mas, antes que isto ocorra, já foram providenciadas
imento medidas preventivas: o BNH foi criado.
lepois da Com a possível aproxim.ac;ao da crise no mercado imobiliário normal, isto
é, de classe média abastada, aproveitando a grita que o socialismo pequeno­
-ra, isto é, burgués sempre desenvolve, desde Proudhon, em torno da habitac;;[o operária
e suas precárias condi�0es, como se fosse mal isolado de todos os outros da
igidas condú;0es proletária, este organismo surgiu. Oportunamente: permite sugerir
generosas intenc;0es e, ao mesmo tempo, afastar as manchas de denúncia das
favelas. Afastar, nao apagar.

: Castro,
lítica da 26 "Nos paises ditos 'subdesenvolvidos' [ .. J a abundáncia e o pre1,;o baixo da rnáo-de-obra
nao incitam. a substituí-la por mn equipam.ento muito cusloso, exigindo, aléln disso,
quadro� de dire1,;áo e de vigiláncia de alta Lecnicidade". Georges Friedrnann, Le Travail
87 en Miettes. Paris: NRF, 1964, p. 210.
�-

É do interesse da bmguesia dissimular a existéncia de um proletariado


criado pelas condi150es da prodw;;:8.o capitalista e que é indispensável á sua
manutem;;ao. 27

Mas ) deixemos as inteng6es. Importa aqui o fato de o BNH criar1 comos recur-
sos extraídos do operariado pelo Fundo de Garantia por Tempo de Servi90) um
imenso mercado novo e relativamente artificial de classe média-média. (É bom
lembrar: apesar das ofertas 1 quase nao houve sindicato de trabalhadores que con­
seguisse formar cooperativas habitacionais. Os operários nao suportariam. as condi-
:,fg5es do "financiamento 1) feíto com seus próprios recursos do Fundo), Sintomatica­
mente, os illlensos recursos ) que facilmente equipariam indústrias suficientes para
a superas:ao real do déficit habitacional em poucos anos, com qualidade1 sao redi­
vididos, encamlllilados a grandes empreendedores e const.rutores. Os quais, com
a garantia do 1'desenvolvirnento do nosso subdesenvolvimento'\ de nenhum
gringo i vista com suas máquinas usadas, e da impraticabilidade de nova glo­
riosa guerra com o Paraguai, espalhan1, em doses homeopáticas, em salutares e
ténues despenhadeiros, suas casinhas, impulsionando com novo vigor o absurdo
e desumano processo tradicional da construc;ao civil.
Mas há razües mais determinantes para a tranqüilidade na contradiga.o
dos que discursam. desenvolvimento e estipularn processos arcaicos de pro­
dugiio. Antes de mencioná-las, entretanto, há que examinar o combustível: o
ope=��o d�_":_� nstru93.o civil.
- _
',
, "'--I?ºRvA DE TRABALHO .A)manufatura móvel que constituí a constrw;;ao civil
�:r;;-prega-uperári�ue podem ser reunidos em trés géneros: um pequeno

27 Friedrich Engels, A questii.o da habitara.o. Siio Paulo: Acadt'mica, 1988, p. 38. Neste
mesmo trabalho de Engels, coleta.nea de arLigos que escreve contra o proudhoniano A.
lvlulberger, si'io examinadas as relai,¡Oes entre a questiio da moracha operária, vista como
flagelo isolável dos demais problemas do proletariado e o socialismo pequeno-burguCs.
Engels demonstra, ao contrário, que "os focos de epidemias, os mais imundos porücs nos
quais, noite após noite, o modo de produgiio capitalista encerra nossos trabalhadores,
niio siio eliminados \pelos BNHs daquele Lempo] mas apenas... mudados de lugar/ A
mesma necessidade económica os faz nascer aqui como lá. E, enguanto subsistir o modo
de prodm;iio capitalista, será loucura pretender resolver isoladarnente a questi'io da
habitai;iio ou qualquer outra questao social que diga respeito a sorte dos operários. A
solm;;iio reside, sim, na aboli1sao d ste modo de produs:iio, na apropria�iio pela própria
_e
classe operária de todos os meios de produ�iio e de existéncia." F. Engels, op. ciL., p. 66. 89
.do grupo de semi-oficiais, seus ajudantes e grande quantidade de serventes. Na
a sua propor�ao de 30% dos dois primeiros grupos para 70% do último (informa­
�ifo do Senai).

�cur- A manufatura desenvolve uma hierarquía das fo:r<;¡as de trabalho, a qual


;o, Ulll corresponde urna escala de salários. 2ª
Ébom
1ue con- O sindicato patronal da construi,;8.o civil em Sao Paulo forneceu os seguintes
1 as condi­ dados sobre salários horários, no ano de 1968 129 que ilustram a composi�[o e a
tomatica­ hierarquía dos tres grupos:
mtespara
sao redi­
.1s) com MÉDlA DE SALÁRIOS HORÁR.IOS EM NCR$ EM 1968
nhurn
wa glo­ FUNy.Ao JULHO OUTUBRO
:ilutares e SETEMBRO DEZEMBRO
o absurdo
Pedreirn 1,02 1,06
ldi1;ao Ajudante de pedreiro 0,71 0,71
e pro­ Carpinteiro 1,08 1,11
stível: o Ajudante carpinteiro 0,77 0,77
Armador 1,03 1,06
Ajudante armador 0,75 0,73
:ivil Servente 0,58 0,58
lleno

Q�- -��!'X�.!1-te.s, cuja ocupac;;ao é ser pura energía física auto-movente, sao alta­
mente instáveis, trabalhando dias, meses, raramente anos em urna obra e
\l"este m.una empresa. Último dos empregos, salário-mínimo, nenhum direito traba­
niano A. lhista respeitado, sua posi i;;iio é disputadíssima: constituí ponto privilegiado de
ista como pressao do exército de reserva de for�a de trabalho. A manufatura particular,
burgués. seguindo seus cronogramas e gráficos "Pert" contrata e descontrata ininter­
porües nos ruptamente os operários desta área sem preocupai;;Oes, pois sabe que a oferta é
tdores,
w!A
ir o modo 28 Karl l\!Iarx., O capital, op. cit., v. 1, t. 1, p. 276.
o da 29 O salário horá.rio médio do servenl.e (NCR$ 0,58) corresponde ao salário mínimo,
rios. A aproxinrndam.ente. Os semi-oficiais portanto, recebem menos de dois salários míninlos
irópria mensa�s. Segundo informagües do DIEESE, o salário médio do operário da construg3.o civil,
t., p. 66. 89 em 1968, foi de NCR$ 182,52 (BoleLim citado).
macú;a a qualquer momento com a vantagem suplementar de escapar as leis
trabalhistas mais facilmente. Além disso, a mobilidade é refon;ada pelo com­
portamento do próprio servente: :rest:rito as tarefas primárias para as quais
nenhum aprendizado é necessário, mas sempre se vendendo como 1'se:r em
transi98.o", impossibihtado, portanto, de aumentar o valor de sua forc;a de tra­
balho pela aquisic;ao de maior qu.alificac;a'.o no próprio trabalho, procura rea­
lizar rnn valor maior para sua forga de traba1ho desqua1ificada deslocando-se
entre setores e ram.os de produc;ao. 30 Ora, objetiva e subjetivamente instável,
sem nenhum lago forte ou interesse específico em relac;ao a const:rug[o, lá só
permanece enquanto sua animalidade, sua forc;a, serve. A radical negagao de
sua humanidade no trabalho impede qualquer vincu1ag3.o nao contratual com
ela ou com o ramo. Constituí, assim, o operário-padrao, sornando a alienai;:8.o
objetiva dos produtos de seu trabalho a alienagiio subjetiva com relaga.o a pro­
dugao específica em que está envolvido. 31
Os outros operários t€m furn,;:0es específicas na obra. Estas, entretanto, sao
parte de oficios decompostos: por exemplo, na.o há um oficial que trabalhe
madeira em geral, nas empresas médias e grandes. Há o carpinteiro para as
fórmas de concreto, o especialista em tesouras e coberturas, outro em escadas
que nao rangem, o marceneiro que faz armários, outro caixilhos, o colocador
de pisos de tábuas, o taqueiro, o aplicador de lambris, etc, A divisa.o do traba­
lho desta manufatura móvel fragmenta os campos tradicionais, ainda visíve1
em casos mais restritos nas pequenas empresas. Note-se que esta semi-qua­
lificagao é distinta da semi-qualificag8.o industrial. Neste, o conhecimento
adquirido no manejo do maquinário é generalizável em muitos casos dentro
I! de certos limites tecnológicos. Permite a ampliagao e a transladag3.o sem
maiores dificuldades. Entretanto, a semi-qualificagao de alguns operários da
constrw53.o civil é intransferível para outros campos da produgao - e a pró­
pria industrializagao do setor imporia a formagao renovada, a experiencia da
1¡ .. �anufatura sendo praticamente inútil.
;
Cada operário <leste grupo torna-se senhor de urna fragmento ou seqü@n­
cia limitada de fragmentos de um oficio, num movimento de decomposigiio e
nao de composigao. Desenvolve sua destreza até o virtuosismo, economizando
gestos, aperfeigoando "macetes", selecionando instrumentos, misto de acordo
das recomendagües já meio arcaicas da scientifi'c management com a regrinha
do speed as a skill, dos tayloristas.

30 Ver a respeito, Luiz Pereira, op. cit. cap. rv, particularmente.


31 A dispersa'.o :im.ensa do "ba:ixo" op:-rariado da constrrn,;a'.o civil im.pede, entretanto, sua orga­
90 nizar;;3.o. É baixissima sua participar;¡a'.o nos sindicatos dos trabalhadores da construr;;aü civil. 91
r 8..s leis Compensam com a habilidade particularizada a extensa.o perdida do oficio. 32
�lo com­
qua1s A unilateralidade e mesmo imperfei i;,:3.o do trabalhador parcial tornam-se sua
:orem perfei c;,:8.o como membro do trabalhador coletivo.33
:a de tra­
ira rea­ Mas, mesmo amputado, vé o produto como realizaga".o com a qual tem a ver
ando-se pessoalmente, A manei:ra de produzir, arcaica e pré-industrial, exige con-
1.stável, tato direto com a matéria a que dá forma, sem a media',;8.o distanciadora da
lo, lá só máquina. Sao suas miios, e mais um instrumento primário, pá, colher, prumo,
a�ao de que organizam. 1 equilibran1, levantam; durante u1n 1 dois anos acompanha a
tual com obra, trabalha-a - e passa a se ver presente, tenuemente, é verdade1 na própria
1enagiio corporificagao de sua e:xplorag§.o. Esta visa.o nao é pura ilusa.o: de fato, a maté­
fo a pro- :ria informe só adquire forma através de seu esforgo pessoal, de sua habilidade
continuamente aplicada. Mas esforgo e habihdade só sao exercidos quando nao
nto, sao se pertence, quando é assalariadoi forga de trabalho de a�Oes impessoais, abs­
)alhe tratas, frias. Operário e capital coexistem com a presenga frágil de meia-obje­
)ara as tivaga.0 1 exigida pela forma primária de produgiio. O contraste dá mais cor e ¡i
escadas peso 8.. explora�a".o: o processo necessita que permanega atento e sensível, senhor i r¡

locador de seus poucos gestos específicos, que seja sujeito, limitado mas ativo e hábil,
) traba­ durante o tempo mesmo em que é pura mercadoria 1 Util enquanto para si é
visível valor de troca, objeto das determina90es do mestre, sempre preservando o que
t-qua­ levarrta,--ape�.?E de estar sempre levantando sua própria negagiio encarnada.
ento O semi-ofici-;;¡r;---d9no de reduzido campo tem com ele lagos mais deter­
dentro miriaNt{:§_9_:)Je..a. .f.ugá:.z sensa9fio de realizag[o suspensa, pois sua ocupa9ao
em parcelada é que lhe garante sustento e salário pouco maior que o mínimo,
.rios da representando semi-qualifica<;ao que aumenta o valor social de seu trabalho.
l prÓ­ Sua minúscula reserva é sua vinculaga".o única com um pouco mais de huma­
ncia da nidade: sua alimentag[o supera levemente a do ajudante. Há resquícios de
gente no que faz. Desaparei;:a sua furn;ao, superada por algmn progresso, e
;eqüén­ seu horizonte é o retorno ao subsolo dos serventes. Há que prezar, valorizar,
jOs1giio e defender o que faz. Mistificar mesmo, envolvendo de mistérios e imputando­
nizando lhe sabedoria tradicional, adquirida em anos de prática segura. A qualquer
� acordo inova�ao, instintivamente reage: a mudam;;:a, ameagando seu domínio inelás-
egrinha

32 A portaría 1-005 de 23/g/ig64 do Ministério do Trabalho acompanha, de certo modo,


a decadencia tecnológica do trabalho na construr,¡3.o civil, reduzindo as ocupar,;Oes
sujeitas a aprendizado neste campo de 68 para 37 e diminuindo para estas o tempo de
sua orga­ aprendi�ado.
raü civil. 91 33 Karl Marx, O capital, op. cit., v. 1, L. 1, p. 276.

11
tico, pode ser sinünimo de caréncia.540 ope:rá:rio semi-qualificado da const:ru­
r,;:[o civil, como conseqüéncia do modo arcaico de produgao manufatureira, é
tecnicamente conservador,55 como defesa passiva de sua subsisténcia. Nisto,
1

o operário da construi;;:8.o civil difere dos de outros setores industrializados. A


press[o operária para maior qualificag8.o de seu trabalho, o que acresceria seu
valor social, é generalizada. Entretanto, há ramos da produgíio em que esta
pressao é aleatória por nao comportar, estrutu:ramentei avan�os tecnológicos
significativos e, portanto, nao requere:rem maior qualifica�ao do trabalho.
A qualificagiio promovida pelos emp:resários corresponde i complexidade
crescente do ramo. Na construg[o civil, a melhor situa�iio superior almejada
e objetivamente possível para a1guns poucos operários é a dos mestre autó­
nomo, o empreiteiro. (Dai a grande quantidade de pequenas empresas, que
representam, segundo o DIEESE, mais de 70% do total). Ora, limitado quanto
aos recursos empregados, tem na defesa dos processos manuais tradicionais a
garantía de sua possibilidade de ascensao social,

34 Houve Lempo ern que o concreto aparenLe nao era moda e tinha raza.o de ser: r-azilo
económica. Seu emprego, entretanto, atraía forte rear;¡Ko. Dos prnpl"letários, para os
quais o concreto aparente aparentava economía - no que acertavam - corrornpendo o
efeito "estético" que o gasto conspicuo sempre produz na burguesía. E dos operários,
que temiam a inovar;¡íio: sujeira era deixada nas formas, ferros pressionados para
apaTecerern, tintas ou batidas intencionais procuravam impedir a permanencia do
concreto aparente. Sabotagem mesmo. Com o tempo, virou moda, o operário teve que
se submeter-. E até aproveitou: hoje é illlla nova especialidade paTa o operário que já
consegue reproduzir perfeitarnente, lisinho-lisinho, as graciosas filigranas dos projetos.
E, como conseqüenLemente ficou bem caro, destruindo sua intenr;¡íio original, pode ser
¡
1

!; incorporado avidarnente ao Morumbi: tornou-se "esLéLico".


35 Tecnicamente conservadm, nao politicamenLe. Aliás, o Sindicato dos Operários da Cons­
t.rugao Civil sempre foi, enguanto existiam sindicatos, dos mais ativos. IsLo ganha maior
significado se lembrarmos novamente que o servente é pouco sindicalizado: o sindicato
reúne semi-qualificados e ajudantes. O apego estruturalniente requerido do operário por
sua habilidade particular, ao produto desta habilidade, retrógrado tec nicamente, o faz
sentir com amargura e revolta mais nítidas a apropriar;¡§.o de seu trabalho pelo capital.
"Urna vez que a habilidade artesanal continua a ser a base da manufatura e que o meca­
nismo global que nela funciona nao possui nenhillll esqueleto objetivo independenLe dos
próprios trabalhadores, o capital luta consLantemente com a insubordinar;¡Ko dos traba­
lhadores." K. Marx, O capital, op. cit., v. 1, t. 1, p. 276. Dai, inclusive, a irnporLincia nas
obras do mestre, que sempre a�socia ao seu papel técnico as fungües de guarda e zelador
92 dos propósitos do capital contra a insubordinar;¡Ko operária. 95

1
�---·-
1 ___;

:onst:ru­ Vimos: tanto o capitahsta - o empreendedor imobiliário, o construtor, o


:eua, é incorporador ou qualquer outro nome sobo qual se disfarce - qua.nto o ope­
Nisto, rário semi-qualifica.do tém urn interesse comUJTI (rnilagre): conservar, manter
,dos, A enquanto for possível O processo de produ(,;3.0 da constrm;5.o civil, no Brasi\ é
ena seu intrínsecamente propenso a sua própria manutern;íl.o. É óbvio, entretanto, que
:! esta os interesses que se somam tém pesos diferentes pela própria posi<;[o no pro­
.óg1cos cesso de produ<;ifo. O interesse do operárjo é, praticamente, nao determinante .
Llho. Seria pura redundáncia repetir aqui toda a imensa carga de desumaniza¡;;ao e
ade subserviéncia que representa o traba1ho sobo capital. 56 No sistema capitalista,
nejada o capital, que se interp5e entre o trabalhador o os meios de prodw;ao, únicos
autó- fatores da produc;;ao, é todo poderoso._QJ:.�rY.�9:9:_tis��---ª--ª_s:_2nst!}-}�ao civil é,
s, que portanto, resultado de sua produc;;ao manufatureira sobo domglio_2=9�;�pit"8.T
-
---- �"---�---
quanto
ona1s a A indústria moderna nunca encara e nem trata a forma existente de
um processo de produc;;ao como definitiva, Sua base técnica é, por isso,

,zao 36 A respeito, entre a imensa bibliografía, ver: K Marx, O capital, op. cit., t. 1; K Marx,
1¡1
a os Manuscritos económico/ilos(!ficos. Sao Paulo: Boitempo, 2004; G. Friedmann, O traba­
2ndo o lho em migalhas. Sao Paulo: Perspectiva, 1972. Do operário, Taylor exige, sinLeÜzando ,¡,,
"

ários, o comportamento do capital, "nao produzir mais por sua própria iniciativa, mas exe­
1

a cutar pronLamenle as ordens dadas nos menores detalhes." F. VV. Taylor, La direction

·11,•.l
do des Ateliers, Paris: Dunod 1930, p. 137- Na manufatura ou mesmo na indústria sobo
i ¡i
ve que capitalismo, tudo o que é coletivo - mesmo a produüvidade maior do Lrabalho, fruLo de
.ie já sua divisao e da coopera9ao dos trabalhadores - é atribuído ao capital, quer haja ou nao

11
)rojetos. verdade nisso. Organiza¡;;ao, planejamento, decis5es sao fun95es que a todos envolvem
ade ser e, "naturalmente", direito do capital. Logo, a for�a conservadora do capital investido
na manufatura é infinitamente superior a do operário. Num trecho dos "Gnmdisse",
da Cons-
1a maior
apresentado como intTodugiio ao Livro u do Capital, diz Marx: "Sejam quais forem as
formas sociais da produgao, Lrabalhadores e meios de produ9ao continuam. sempre seus
1
llldicato fatores. Mas u.ns e outros só o sfio em potencial quando estiio mutuamente separados.
)rár10 por Para que haja produgiio ao todo, eles precisam combinar-se. O modo específico de levar
�, o faz a efeito essa combinagiio distingue as diferentes épocas económicas da estrutura social 11 "
i!
'apital. No presente caso, a separagaü do trabalhador livre de seus meios de produgiio é o ponlo
,1
� o meca- de partida dado." O capital. op. cit., v.II, pp. 32-3. Ora, tal separagiio dos meios de produ­
¡,¡
dente dos ¡;;iio implica necessariamente na separai;fio das razóes da prodrn,;fio, mediaLas e im.ediatas.
> traba- No caso específico, o operário da constrw;i'io civil niio somente é afasLado de seu produto, 'I
:1a nas mas desconhece mesmo, freqüentemente, suas razües de projeto, cálculo, oportunidade,
: zelador etc, Nao,tem, nem pode ter, portanto, qualquer influencia que pese nos scus rUlllos. Nos
93 manuscritos, Marx é explicito: "Até aquí examinanios o estranhamento, a extcri.orizai;¡i'io ➔
revolucionária, enquanto a de todos os modos de produg&o anteriores
era conservadora. 57

O mais dramático exemplo deste comportamento operário surgiu em Brasí­


lia. Alguns quilómetros separam a tentada harmonía de Lucio Costa e Nie­
meyer da caréncia completa, A miséria se espalha nos lodagais das cidades
satélites ("cidade" n§.o é a palavra apropriada para designar estes montes de
lixo, '!satélite'\ é: sub-homens gravitam em torno dos que tem o privilégio da
humanidade).
O núcleo Bandeirantes, antes acampamento vivo dos reais construtores
de Brasíha, campo de experiencias e expansao de vida de retirantes que des­
cobriam em si aberturas novas, hoje é a melancólica e doída marca de um
processo interrompido: guarda unicamente o cenário decomposto do que foi.
Conheceram os operários o que sao capazes de fazer e como fazer: antes da
inaugura�ao i no isolamento do chap adiio, ensaiaram as primeiras possibili­
dades da criai,;:ao coletiva, do projeto em que se empenharam todos. Fantasía
deslocada, nao há dúvida. Mas que a todos percorria diariamente, nas 24
horas de gigantesco e ininterrupto trabalho.
Havia empenho maior que o esperado de ass alaria(1os _-__i1?-gt½.1?-u� ��penho
_ s_or-dídá:iiiente e.Stiillülado pelo poder. A festa acabou, os donos chegaram. A
burocracia governamental, as agencias do capital ocuparam a cidade.
O ritmo das constru«;;:6es diminuiu. Mas os candangos, que pressentiram
através da ilusa.o urna possibilidade concreta, nao se arredaram. A volta a
vida crua do Nordeste nao mais seria suportável, nem o "novo-horizonte" das
margens infernais da Belém-Brasília. Entretanto, o capital nao requería mais
seu entusiasmo e aborrecía, a sua racionalidade gelada, a insistencia do ope­

'i
rário: já havia roubado o que desejava. Por meses, os alpendres das capelas
¡1 1

➔ do trabalhador sob apenas UIIl de seus aspectos, qual se ja, a sua relagao comos produ­

,
I'
tos do seu trabalho. Mas o estranham.ento nao se mostra somente no resultado, rnas
tarnbém, e principahnente, no ato da produgao, dentro da própria atividade produtiva.
Corno poderia o trabalhador defrontar-se alheio ao produto da sua atividade se no ato
rnesrno da produgao ele nao se estranhasse a si mesmo? O produto é, sim, somente o
resumo da alividade, da produgao." K. Marx, Manuscritos económico-filosóficos. op. cit.,
p. 82. Em resumo , o operário, apesar de tecnicarnente conservador na construgao civil,
é pouco determinante porque: a) nao tema posse dos meios de prodw;ao, b) a forma da
produc;¡ao imp6e , em certa :medida compatível como emprego de sua habilidade, a sua
alienag3.o quanto ao produto, suas raz6es.
94 37 Karl Marx, O capital. op. cit., v.I, t.2, p. 89. 95
:es das superquadras abrigaran1 centenas de familias de candangos sem ocupac;ao,
os antigos e os chegados, informados das antigas condic;Oes. Pouco a pouco
se retiraram para as fave1as chamadas cidades satélites. Retirantes, haviam
[l Brasí- JBrg�I!.S!-,Üi?~-�P!l Pf:i!Jt�º==d_Q_Qfic.ip'-,,.4guardam, definhando:-qu;- �olt�ID-a S€T­
L e Nie­ necessários, que o capital os compre, novamente, e como magia propiciatória,
ldades enfeitam suas choc;as com as colunas do Alvorada. O trágico lllillpesinato
ontes de oscila entre duas mortes: por miséria em Brasília1 por miséria no Nordeste ou
vilégio da outro inferno qualquer. A política brasileira foi desenhada no espac;o: branca
- ordem e conforto calculado para o senhor do capital e do poder e os que
utores cabem em suas reservas - e morte, marginahzac;ao, fome, afastamento para os
que des­ excedentes. E ainda assim, o candango conserva o que fez, prova de sua capa­
le um cidade, nao pisa na grama. Voltará.38
que foi. O que houve? O candango veio do campo-latifúndio - sohdao, doern;;:a,
tes da seca, terras boas cercadas, trabalho irregular quando havia.59 Em Brasília, um
ssibili­ salário e o aprendizado de urna ocupagao que garantía o salário, esforc;o cole­
:rantasia tivo cujo vazio dissimulado e o hipócrita feitio nao percebia, a vida gostosa do
LS 24 núcleo Bandeirante, com sua gente, cachac;a e prostitutas importadas. Téc­
nicos, arquitetos, operários, e até o presidente em aparente cooperagao con­
��penho sentida .• N •::jxupr-e:B:Sa,FlB-S-ciiscurso.s.,....o_..e_log_ill__p.Q !!JJ!Q§QL.�!!g__a;Q,ª(JQI: .Pf_p_Qi s,._ 8: . _
ram.A xer.da�o.-sist-e.ma:,-s-ua·im-ensa--i-ndifere:n�: ter.minada.a,_explo.r:ai;ª_Q, _d_�:-�� ___
�� os candangos. O candango resiste mudamente na amarga frustragao:
o.tiram achancto:·sep�uidor de habilidade ontem prezada, espera novo chamamento.
>Ita a Exige, por vezes, quando seu sindicato existia. O raquítico pegou elefantiase
)nte 11 das e a exibe supondo saúde. Para nada mais serve. E se soma, enquanto aguarda
�na mais impotente novo capricho do capital, ao enorme exército de reserva de mi'io-de­
do ope­ obra subocupada e desocupada, garantindo, exclusivamente, baixos salários
lpelas para os sorteados que conseguem ocupac;iio. Estima pelo trabalho feito, vai­
dade pelo sub-oficio apreendido, vínculo insubstituível e intransferível com
sua subsistencia, impotencia <liante das determinagOes do capital, colaboragao
; produ- mediata na manutenga.o do processo de produgao obsoleto e de alto grau de
i,mas explora98.o do trabalho.
rodutiva.
e no ato l,,,- __.,
, ,
,' -- ~- "·~--
'"
MAIS-VALI':}{.studemos numericam.ente as relac;Oes operário-empresário.
_
ente o '�_,.,<'-'--- Ape.sar ae"-Serem simples índices, estes números indicam a média do funcio­
JS. op. cit., namento real da especula9[0 imobiliária entre nós, hoje. Como poderíamos
;a.o civil,
forma da
de, a sua 38 Ver, a respeito, O. Niemeyer. iVfinha experiéncia em Brasília. Rio de Janeiro: Vitória, 1961.
39 Ver a respeito, Francisco Julia.o. Que sao as ligas camponesas? Silo Paulo: Civilizac¿ilo
95 Brasileira, 1962.
esperar, há carencia total de informai;Oes exatas a respeito nos vários órg§.os
púbhcos, mna de cujas furn;:Oes é obt€-los. Somente o DIEESE, entidad.e vincu­
lada aos sindicatos operários, possui alguns dados e análises gue apresentamos
em anexo. Suponhamos que o especulador possua um capital de 100 (mil,
milhües de dólares ou cruzeiros, nao importa) o qual, aliás, é freqüentemente
realizado pelos compradores. E que para a constrw;:;ao divida, em média, estes
Joo em duas partes: 75% aplica em rnatéria-prima e bens de produgao (areia,
cimento, pás, canteiro, etc.) e 25% em m3.o-de-obra (isto é, com 25 compra
fon;;a de trabalho e paga as leis sociais). Nenhum especulador que se preze
aceita participar em algum negócio imobiliário se seu lucro líquido, descon­
tados a desvaloriza�ao da moeda, a infla�ao, custos etc., nao atinge 100% no
mínimo em dois anos em média. Portanto, o incorporador paulista de 1969,
se p6e 100, retira 200, Ora, sabe-se que as trocas, fora flutua�Oes de prei;:o
determinadas pelas variag6es da oferta e da prodrn;:ao, sao foitas pelo justo
valor no mercado, pelo valor real. O iludido, portanto nao é o comprador que
teria adquirido por 200 o que valeria somente 100. O objeto produzido, a casa
ou apartamento, vale realmente 200. Entretanto, se pudéssemos examinar o
registro de gastos, o prego de custo, só encontraríamos 100. É que, no processo
de produgiio, 100 é acrescido aos 100 iniciais- o trabalho de transformagao da
matéria prima em casa ou apartamento gera um valor novo, cuja expressao
monetária é i gual a Joo.

Nao é somente a mercadoria que é criada durante a produg[o, mas também


a mais-valia: é precisamente assim que o valor avarn;ado se valoriza[ ... ] Esta
mais-valia existía antes da troca. Ela nao nasceu no curso da troca, mas no
seio da prodw;ao.40

Em esquema:

Capital dinheiro inicial = 100


Capital mercadoria final = 200
Lucro= 100 (mais~valia)
Míio-de-obra = 25 (capital variável)
Matéria prima e bens de produr;íio = 75 (capital constante)

40 Karl Marx. Le Capital París: Pléiade, 1968, L.n, p. 510 e nola p. 511. [Referencia
mantida na edir;;[o francesa, preparada e traduzida por Maximilien Rubel, pois nao foi
encontrada na edig[o brasileira, traduzida diretam.ente do alemíio, de edi r;;[o preparada
96 por Engels. (N.o.)J 97
1s órgaos Taxa de lucro lucro mais-valia 100 100%

de vincu­ cap. dinh. inicial cap. const. + cap. variável 100

esentamos
, (mil, Taxa de lucro maís-valia rno ±
:ntemente Mais-vaha salários cap. variável
édia, estes
a.o (areia 1
compra A taxa de mais-valia e:xpressa com maior aproximac;ao o grau de explorai;;ao do
� preze trabalho. A taxa de lucro, dividindo a mais-valia, que é produzida exclusivamente
, descon- pela forr,;:a de trabalho paga pelo capital variável, disfa.rr,;:a a magnitude desta
00% no explora�ao ao dividi-la, também, pelo capital constante. Dizer taxa de lucro de
:le 1969, 100% é dizer que a taxa de mais-valia é de 400%, é dizer que o sobre-trabalho
prei;:;o é 4 vezes superior ao trabalho necessário. Ou ainda, significa que o operário da
o justo construi;;a.o civil, durante sua jornada de trabalho de 8 horas por exemplo, produz
rador que o próprio salário em l hora e 36 minutos e o "lucro,, nas 6 horas e 24 minutos
ldo, a casa restantes nao pagas. Repetimos: apesar de os números serem simples exemplos,
rm1nar o as rela90es se aproximam das reais. Ou, seja, os candangos trabalham l hora e 36
o processo minutos para si e 6 horas e 24 minutos para o capitalista empreendedor � isto
rma9a'.o da em Sao Paulo, 1969. O lucro do incorporador é produzido diariamente, durante
:pressao a fase do processo de produ1,sao, durante a fase da construi;;ao. Sua realizagao, isto
é, a transformai;;:[o do capital mercadoria em dinheiro, a transfigura'58.o da forma
imóvel para a forma monetária é que se opera na venda. Lembremos ainda que
também nos 25% que representaram o capital variável esta.o incluídas as leis sociais.
,[... ]Esta Como estas leis representam cerca de 50% da folha de pagamentos, em
mas no verdade o operário recebe somente o produto de 48 minutos de seu dia de 8
horas de trabalho. Pode-se afirmar que, como tendencia geral como desen­
volvimento do capitalismo, as várias taxas de explorag[o do trabalho, as taxas
de mais-valia se aproximam nos vários setores de produ1,s8.o. Entretanto, essa
tendencia é contrariada por certos fatores: em particular, no caso da cons­
trui;;:8.o civil, o fato do exército de reserva de forga de trabalho exercer aqui,
prioritariamente, sua press[o, leva a acentuagao inevitável desta taxa no setor.
Mas1 a taxa de lucro real no setor deve ser ainda maior.

Em virtude da distinta composi98.o orgallica dos capitais investidos em diver­


sas esferas da produ9ao, portanto em virtude da circunstfillcia de que, con­
forme a distinta percentagem que o capital variável representa num capital
\ncia global de grandeza dada, capitais de igual grandeza pOem em movimento
mis nao foi quantidades muito diferentes de trabalho, quantidades também muito dife­
:) preparada rentes, de mais-trabalho sao apropriadas por eles ou massas muito diferentes
97 de mais-valia sao produzidas por eles. Conseqüentemente, as taxas de lucro
que prevalecem nos diversos ramos da produgao sao originalmente muito
diferentes. E essas diferentes taxas de lucro s[o igualadas pela concorréncia
numa taxa geral de lucro, que é a média de todas essas diferentes taxas
de lucro. 41

O grau de explora93.o do trabalho varia pouco de sefor para setor de produ9ao


mnna regia.o. Em compensa98.o, varia enormemente a taxa de lucro em fun93.o
das diferentes composi96es orgánicas dos capitais investidos em setores diferen­
tes e de seu respectivo tempo de rotai;ao. Alta composigao orgánica implica en1
pequeno capital variável relativo e, portanto, em pequena taxa de lucro.
Ao contrário, baixa composic,;:8.o orgánica implica em capital variável relativo
maior1 e conseqüentemente em maior taxa de lucro, Entretanto, estas diferern;as
pouco aparecem na prática. Já que ocorre contínua compensa98.o das diferentes
ta,""'{as de lucro, de tal modo que qualquer capital parece "produzir n a mesma taxa
de lucro, independentemente de suas composi90es orgánicas. Ora, a alta compo­
sigao orgánica do capital é conseqüéncia, através da altera9[0 de sua composi9ao
técnica, do progresso dos meios de prodU<;iio, quando a imobiliza9iio de parte do
capital constante (fixo) em máquinas é elevada, como o corolário necessário ao
aumento do volume (e da massa de valor) de matéria-prima, associado a dimi­
nui98.o relativa da milo-de-obra empregada. Como vimos, o avango tecnológico
é quase inevitável na indústria nao monopolista - o que acarreta: portanto, uma
tendéncia geral do capital industrial para o aumento de sua composi9iio orgánica,
atingindo seu limite na automa9[0 quando, na realidade, o capital nao mais
"produz" mais-valia, isto é, lucros. Ora, esta tendéncia inevitável, lei automática
e obrigatória do capital industrial, leva ao pesadelo maior do capitalista: a lei da
tendéncia decrescente da taxa de lucros. Aumento da composigiio orgánica, dirni­
nuii;ao relativa da for9a de trabalho comprada, dirninuigao relativa da mais-valia
produzida e queda da taxa de lucro.
O capitalista, que bem conhece esta tendéncia assustadoramente decres­
cente, manobra de vários modos para freá-la. Entre as escapatórias achadas,
trés sao bem conhecidas nossas: monopólios, imperialismo e manutengao de
áreas retró gr adas de produgiio. Apesar de estarem íntimamente associadas,
interessa-nos, em particular, a terce ira.

MAIS-VALIA EXCEDENTE Ao procurarmos descrever e caracterizar o processo de


produc,;3.o dominante nas empresas de constrU<5iio civil significativas (médias
e grandes) para o estudo da mercadoria moradia de classe rnédia, verificamos

98 41 Karl Marx, O capital, op. cit., v.III, t. 1, p.123. 99


i muito seu nível arcaico, Encontramos algumas explicat;;:óes para este fato, L11te:rnas
;ouéncia ao campo da produg[o da construgáo civil: o conservadorismo implícito no
compo:rtamento do setor, com origem fundamental no capital, mas tam­
bém apoiado no operariado. Agora, entretanto, podemos apontar urna causa
externa, cuja p:resenga, continuamente diluída na aparencia do funciona­
·odugao mento do setor, tem, talvez, peso dominante,
n fungao Em tese 1 sao áreas de prodrn;;iio arcaicas, como a constrw;;:8.o civil, que garan­
5 diferen­ tem urna taxa de lucro alta, num país subdesenvolvido, já que utilizam um
plica em capital constante relativamente menor que o capital constante industrial. A
o. taxa de lucro aparente, na construgiio civil, 100 % num giro de 18 meses, pouco
�lativo difere da taxa de lucro, também aparente, de outras áreas. Entretanto, devido a
diferern;;as baixa com posii;:8.o orgánica do capital que aí é empregado, isto é, devido i forma
iferentes arcaica de prodm;;ao, a taxa real de lucro é forgosaTI1ente mais elevada que a
:iesma taxa da indústria automobilística, por exemplo. Através de urna complexa série de
ta compo­ medi96es, que nao nos importa examinar aqui, a taxa de lucro se homogeneiza:
)mpos19iio parte da mais-valia, do trabalho nao pago, produzida na construc;;:iio civil e outros
, parte do setores atrasados de produi;;iio (agricultura, por exemplo) aparece como sendo
ssáno ao mais-valia produzida na indústria automobilística "nacional n .
) i dimi­ E como a indústria (automobilística) "nacional" está para a indústria
nológico metropolitana assim como a constrrn;;8.o civil está para a indústria (automo­
anto, mna bilística) ((nacional", podemos imaginar a densa e intrincada rede de fatores
Lo orgánica, interessados neste fato simples: a manutern;;ao do modo arcaico de produ98.o
,mais na constrrn;;ao civil. Em outros termos:
ttomática
a: a leida O desenvolv imento e o subdesenvolvimento económicos siio as caras opostas
nica, dimi­ da mesma moeda. Ambos sao o resultado necessário e a manifesta�ao
mais-valia contempora.Ilea das contradii;;5es internas do sistema capitalista mundial[ ... ]
O mesmo processo histórico de expansiio e desenvolvimento do capitalismo
� decres­ através do mundo gerou, simultaneamente e continua gerando - tanto o
achadas, desenvolvimento como o subdesenvolvimento. 42
engiio de
ociadas, Nmn sistema colonial, análogo a num sistema solar, em que o sol
metro politano se alimenta de suas colónias planetárias que, na qualidade de
metrópoles nacionais, mantém semelhante relag[o com suas próprias colónias
·ocesso de lunares. 43
; (médias
erificamos 42 André Gunder Frank, Capitalism and Undervelopment inLatinAmerica. Nova York: M.R.
Press, 1967.
43 André Gunder Frank. "El desarrollo del sub-desarrollo", Monthly Review, n.46-47,
99 ano V, jan./fev. 1968.
Há, entretanto, na constru�ao civil urna característica que diminui ligeira­
mente o efeito compensador para o sistema, no seu conjunto, de sua superior
taxa de lucro: o tempo de giro do capital. Esquematicam.ente, capitais produ­
zem lucros rea.is (nao os aparentes) maiores se seu tempo de giro for menor,
supondo-se composii;Oes orgánicas semelhantes. Entretanto, devemos conside­
rar o seguinte: em primeiro lugar, poucos capitais empregados em outros seto­
res, principalmente industria.is, tém composú;ao orgánica tifo baixa. Somente
outros ramos atrasados serian1 comparáveis. Mas, entre estes ramos atrasados,
poucos tém a característica específica da constrrn,;:ao civil: a quase auséncia de
capital fixo, investido em bens pesados de produgao.
Isso traz duas "vantagens j': nao há que contabilizar nenhum desgaste des­
tes bens inexistentes e o capital investido é integralmente recuperado a cada
giro. Quase todo o capital da construga'.o civil investido em matéria prima e
forga de trabalho é circulante. A flexibilidade aí é bastante elevada, portanto.
Se assim nao fosse, parte importante do capital deveria permanecer imóvel
sob a forma daqueles bens. Ora, esta flexibilidade permite rápidos desloca­
mentos, evitando em épocas de crise sua parahsia, que resultaría, em largos
períodos de tempo, na depreciag5.o da taxa de lucros total em setores alta­
mente imobilizados.
Mas, nao há dúvida que o tempo de gestaga.o do produto é o grande obs­
táculo para que a construg[o civil seja o néctar aspirado. Nao é por acaso que,
progressivamente, vemos construtores fazendo cursos de pert etc., e a reto­
mada dos cro_nogramas e dos vários turnos de trabalho.
Entretanto, este obstáculo nao destrói o dado fundamental, semente o
atenua: a constru�ao civil produz mais-valia excedente que vai alimentar
outros setores. O problema de tempo de giro do capital aplicado na construgao
civil, entretanto, está acarretando importantes modificagóes no campo. Em
primeiro lugar a pressao, nas obras públicas e privadas, sobre o prazo de cons­
trugao, fator que vem progressivarnente determinando as concorrencias. Mas,
para urna mesma produgao, supondo-se a mesma qualidade, as possibilidades
de eliminagao dos "poros" durante o processo de trabalho siio restritas. Daí
a imediata conseqü€ncia: é necessário diminuir a qualidade do produto para
obter melhores prazos - já que a industrializagao é sempre evitada. Ora, dimi­
nuir a qualidade é ampliar o mercado pela absor�ao de setores de pequeno
poder aquisitivo, é absorver setores ainda marginalizados da classe média.
Por outro lado, outro modo de reduzir o tempo de giro é eliminar o que
separa o fim da produgao da realizagao do produto soba forma de dinheiro.
Até algum tempo atrás, a casa somente era vendida pronta. Depois comegou a
venda na planta, que permitía _diminuir o capital próprio empregado. A seguir,
100 os financiamentos dominaram: capital oficial, realizai;:3.o imediata do produto 101
geira- para o capitalista., as desvantagens da prestac;a.o transferidas para o governo.
mpenor Ora, juntando baixa qualidade com financiamento caracterizamos a vaidade
:; produ- maior do poder atual: o BNH. lVIas o governo também nao quis ficar com as
menor, desvantagens do financia.mento tradicional: e criou o sistema do BNH, urna das
; conside- maiores explora,;:0es oficiais, que utiliza um fundo dos traballiadores e terá,
tros seto- como vantagem suplementar a longo prazo, o rebaixamento dos salários reais.
;omente
trasados, DUAS OBSERVA¡;:5ES FINAIS Em primeiro lugar, repete-se constantemente,
éncia de inclusive com apoio de arquitetos e engenheiros "progressistas n que, no Brasil,
é importante a manutem;iio· das características atuais da construc;ao civil por­
:iste des- que ela é um campo de absorc;iio de miio-de-obra, Ora, vimos que a constrU(;a.o
J a cada civil realmente sofre tremenda pressao do exército de reserva de fon;ra de
·1ma e trabalho. Mas, vimos tanibém que este exército provém fundamentalmente
,ortanto. do canipo e procura a constrrn;ao civil como serventes que dispensam qual­
móve1 quer qualifica�ao. Nao seria mais racional - ao invés de remediar a migrai;;iio
sloca- ininterrupta campo-cidade através da manutern;ao de um processo de produ­
largos g[o absurdo, arcaico, altamente explorador, incapaz de resolver realmente o
alta- enorme déficit habitacional - atacar a causa real de tal migragáo doentia: a
estrutura retrógrada do campo? Sabemos perfeitamente que esta estrutura
le obs- é intocável no atual sistema. Mas isto niio justifica a ades[o ideológica aos
aso que, remédios superficiais. Ao contrário, deveria encaminhar a crítica consciente
reto- e ao esforgo de transformagao real. A pressiio da forc;a de tr abalho sobre a li

l
constrrn;:iio civil é derivada. Como conseqüéncia, se quiséssemos efetivamente 'I
,1

;e o enfrentá-la, deveríanios resolver suas causas. E quando fizermos as imensas


Ltfil transformagües inevitáveis na sociedade brasileira, esta deverá ser a ordem de
1strw;iio atendimento: a construgao civil deveria esperar a resoluc;iio de quest0es mais


'.

fundamentais, o que niio dispensa, desde ja, o conhecimento de suas caracte­


'1

f.Em
le cons- rísticas e necessidades.
1s. Mas, Segunda observagiio. O governo fala no "boom" da construgao civil a partir
lidades de 1967. A milo-de-obra no setor, diz ainda o governo, passou de 12% a 20%
. Daí (sup0e-se que da milo-de-obra urbana-industria}). Imensos interesses se con­
o para centram: ora, para o industrial isolado que, no imediato, deseja urna "lua de
:a, dimi- mel", a industrializag8.o do setor é urna perspectiva tentadora, apesar de con­
1eno trariar seus interesses de classe. Já se pode apontar os primeiros investimentos.
dia. Seguramente, a forma de produi;;¡ao arcaica será contestada por capitalistas
, que cuja fome próxima de mais-valia afasta a cautela a longo termo. Os prognós­
1eiro. ticos, no caso ) s[o bastante difíceis. O que é seguro é que haverá atrito entre os
nec;ou a capitalistas isolados e seus representantes no poder) que t@m os olhos postos na
A._ seguir, classe e m�nos no seu componente particular. Mas nilo ultrapassará, segura­ l.
)roduto 101 mente, a regiiio das disputas cordiais. Afinal, eles se entendem. 11
1,,!
1

li

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