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net/publication/301479701
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Eduardo Uziel
Instituto Rio Branco
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All content following this page was uploaded by Eduardo Uziel on 19 April 2016.
The article analyses the references to Chapter VII of the United Nations Charter in decisions of the Security Council.
Historically, Chapter VII has been equated with mandatory decisions and the authorization to use force to
“impose peace”. There is a political and scholarly debate regarding the meaning of Chapter VII, which has
consequences for UN efforts to maintain peace. The article assesses speeches and legal and academic texts in
order to highlight the diverse meanings of Chapter VII. Security Council decisions may have divergent interpre-
tations mainly when they refer to Chapter VII. There is no consensus on the meaning of such references, a fact
that affects, above all, peacekeeping operations. The article concludes that the references to Chapter VII
evolved significantly over time and are politically manipulated.
Quando a imprensa noticia as discus- Chapter VII of the Charter of the United
sões e decisões do Conselho de Segurança Nations” –, ou traz meandros – “acting
das Nações Unidas (CSNU), com frequên- under Chapter VII of the Charter of the
cia realça as referências – ou ausência United Nations with regard to Section I
delas – ao Capítulo VII da Carta das below” – ou é vaga – uma situação “cons-
Nações Unidas contidas nas resoluções titutes a threat to international peace and
do órgão. Seja nas sanções ao Irã e à security”. O Estatuto de Roma, que criou
Coreia do Norte, na autorização para o Tribunal Penal Internacional, faz men-
proteger civis na Líbia ou na imposição ção, em dois artigos cruciais, a decisões
de sanções à Síria, o interesse por essa do CSNU tomadas sob o Capítulo VII da
menção ao Capítulo VII tem crescido. Carta.2
Mesmo uma leitura superficial das reso- O Capítulo VII da Carta consiste em 13
luções do CSNU nos últimos vinte anos artigos (39 a 51) e versa sobre “ações rela-
evidencia a presença de referências ao tivas a ameaças à paz, ruptura da paz e
Capítulo VII, a um ou mais de seus artigos atos de agressão”. Entre seus dispositivos,
ou a sua linguagem em um número sig-
nificativo de resoluções.1
O mais comum é que, ao final de um Eduardo Uziel é diplomata, atualmente subchefe da
preâmbulo, o Conselho afirme que, “acting Divisão de Oriente Médio I do Ministério das Relações
Exteriores do Brasil.
under Chapter VII”, tomará uma decisão. O autor agradece as contribuições de João A. C. Vargas
Mas há casos em que a formulação é mais e os textos enviados pelos professores Michael Wood e
específica – “acting under Article 40 of Patrick Johansson.
consultor jurídico da Missão britânica jun- debates sob o Capítulo VI ou VII da Carta.
to às Nações Unidas, confirmou esse racio- Não há invocação de um dos capítulos, mas
cínio. Para Wood, existe na Carta uma antes a avaliação do Conselho sobre a natu-
distinção clara entre recomendações e de- reza da questão, à luz de sua responsabili-
cisões que podem ser formuladas pelo dade primária na manutenção da paz, e sua
Conselho de Segurança. “Decisões” são consideração dos fatos em cada caso são
vinculantes para todos os Estados e dizem determinantes quanto ao modo de proceder.
respeito apenas a temas do Capítulo VII da O procedimento adotado foi genérico e
Carta. Com respeito a todos os demais ca- adequado para considerer temas sob os
pítulos, o CSNU pode apenas sugerir ou Capítulos VI e VII (Nações Unidas, 1954,
encorajar condutas dos Estados. Mesmo p. 463).
que essas sugestões tenham grande valor Daws e Bailey afirmam claramente que
político, não criam obrigações legais. Opina a Carta traz elementos insuficientes para
também que, em sua prática atual, o Con- determinar quais decisões são obrigatórias
selho, para evidenciar que uma resolução e afastam a ideia de que referências a artigos
deve ser considerada obrigatória, deve específicos (artigos 2(5), 25 ou 49) sejam
enunciar sua vinculação ao Capítulo VII da necessárias para estabelecer o caráter vin-
Carta (Wood, 2006a, pp. 7-15). culante. Apesar disso, afirmam que houve
Apesar de advogar a obrigatoriedade um consenso crescente nos anos 1990 de
somente de “decisões” relativas ao Capítu- que só as resoluções adotadas sob o Capí-
lo VII, Wood reconhece que, dentro desses tulo VII são obrigatórias e listam as resolu-
textos, pode haver aspectos recomendató- ções que consideram estar nessa categoria
rios. Isso significa dizer que uma obrigação (Bailey e Daws, 1998, pp. 266-271).
somente é criada quando o CSNU utiliza o Wood responde ao desafio de modo
verbo “decides” (ou um equivalente) para mais claro e baseado nos textos adotados.
indicar a conclusão a que chegou. Termos Para ele, três elementos devem estar pre-
como “encourages”, “calls upon” e seme- sentes: a) a determinação de que há ameaça
lhantes indicariam meras sugestões, ainda à paz, rompimento da paz ou ato de agres-
que incluídas no corpo de uma resolução são, nos termos do artigo 39; b) referência
explicitamente aprovada no âmbito do clara à ação sob o Capítulo VII; c) e existên-
Capítulo VII (Wood, 2006a, pág. 14; e Wood, cia de uma “decisão” conforme ao artigo
2006c, p. 12). Várias resoluções recentes 25, ou seja, o uso do verbo “decides” ou
que mencionam o Capítulo VII ou seus seus equivalentes. Essa fórmula é a favori-
artigos trazem linguagem de encoraja- ta dos P-3 e foi consolidada ao longo dos
mento ou sugestão para diversos atores anos 1990. Wood oferece como exemplo a
internacionais (Security Council Report, Resolução 1718 (2006), sobre Coreia do
2008, pp. 9-12). Norte, mas admite que é frequente a falta
Mas, para os que sustentam que somen- de clareza, o que sugere a necessidade de
te as resoluções adotadas sob o Capítulo recorrer à leitura dos debates e declarações
VII são obrigatórias, surge a necessidade dos Estados para poder ter certeza do cará-
de indicar claramente quais decisões são ter vinculante das resoluções (Wood, 2006a,
tomadas sob o Capítulo VII. Essa tarefa não p. 14). Aduz que, em alguns casos, o CSNU
é simples. Como assinala o Repertoire do chegou à conclusão de que havia ameaça à
CSNU produzido pelo Secretariado: paz, mas deixou de inseri-la no texto – o
Nenhuma distinção no procedimento pare- que não o torna menos obrigatório (Wood,
ce ter sido introduzida para diferenciar 2006c, pp. 5-6).
Uma terceira linha de raciocínio é dada ponto de vista formal, nota que todos os
por Johansson, que parte do pressuposto de atos de um órgão colegiado dependem da
que apenas sob o Capítulo VII pode o CSNU tomada de uma decisão. Assim, as ações do
tomar decisões obrigatórias e procura definir Conselho estariam sempre ao abrigo do
o que são “resoluções do Capítulo VII”. artigo 25 (Kelsen, 2000, p. 95). O segundo
Um de dois critérios tem que ser atendido: argumento explica que o artigo 25 é uma
1) haver constatação de rompimento da paz, especificação do artigo 2 (5)6 da Carta e,
ameaça à paz ou ato de agressão; 2) estar como tal, evidencia uma obrigação geral de
presente uma referência a agir sob o Capí- apoiar as Nações Unidas, dentro do campo
tulo VII, em conexão com a ação a ser toma- específico de atuação de seus órgãos (Kelsen,
da (Johansson, 2008, pp. 2-3).4 Admite que 2000, p. 97). Por fim, ressalta que qualquer
pode haver dispositivos referentes a outros medida decidida pelo Conselho poderá ser
capítulos da Carta que sejam inseridos em implementada por meio dos instrumentos
“resoluções do Capítulo VII”, as quais não previstos no artigo 39. Em seu entendi-
deixam de perder essa qualidade (Johansson, mento, quando pode haver uma sanção, há
2008, pp. 10-11). uma obrigação (Kelsen, 2000, p. 294). Acres-
Para Johansson, há um crescente uso centa que, se todas as decisões são obriga-
das “resoluções do Capítulo VII”. Seriam tórias, os Estados também estarão vinculados
três os objetivos do CSNU ao adotá-las: 1) mesmo quando o CSNU se vale de expressões
determinar a existência de situação grave que, aparentemente, introduzem recomen-
que justifique ação coercitiva; 2) manter dações (Kelsen, 2000, p. 444).
uma continuidade formal com resoluções Por meio da Resolução 284 (1970), o
anteriores; 3) delegar para países ou orga- CSNU solicitou uma opinião consultiva da
nismos regionais os poderes de uso da força Corte Internacional de Justiça sobre a manu-
constantes do Capítulo VII (Johansson, 2008, tenção da presença sul-africana na Namíbia,
pp. 21-23). apesar de a Resolução 276 (1970) ter decla-
Vale comentar que Johansson represen- rado ilegal que a África do Sul continuasse
ta uma tendência em que a referência ao a administrar o território vizinho. Como
Capítulo VII torna-se dominante. O autor questão preliminar à opinião solicitada,
não consegue explicar, porém, o que o per- emitida em 1971, a CIJ teve que tomar uma
tencimento ao Capítulo VII implica, para posição clara sobre a obrigatoriedade. Nesse
além da obrigatoriedade de parte das ações sentido, a Corte afirmou o caráter vinculante
acordadas pelo CSNU. Do mesmo modo, da Resolução 276 (1970) e explicou:
não explica porque o Capítulo VII prevalece Argumenta-se que o artigo 25 é aplicável
sobre ações claramente pertencentes a ou- apenas a medidas executórias adotadas sob
tros capítulos ou referências explícitas ao o Capítulo VII da Carta. Não é possível
Capítulo VIII eventualmente contidas na encontrar na Carta uma base para essa
mesma resolução.5 visão. O artigo 25 não se restringe a deci-
Tanto quanto a tradição da obrigatorie- sões sobre execução, antes referindo-se a
dade apenas do Capítulo VII, a ideia de que “decisões do Conselho de Segurança”
todas as resoluções do CSNU são vinculan- adotadas de acordo com a Carta. Ademais,
tes tem argumentos sólidos e data dos o artigo está não no Capítulo VII, mas logo
primeiros anos das Nações Unidas. Kelsen após o artigo 24, na parte da Carta que
igualmente, na década de 1950, constrói três trata das funções e poderes do Conselho de
argumentos para explicar que todas as Segurança (Corte Internacional de Justiça,
decisões do CSNU são obrigatórias. De um 1971, pp. 52-53)
podem ser identificados os dispositivos nas quaisquer dessas atitudes (Kelsen, 2000,
decisões que têm por objetivo ser obrigató- p. 96; Wood, 2006b, pp. 6-7).
rias (ainda que as recomendações tenham As discussões doutrinárias sobre a obri-
seu peso próprio) e quem tem a autoridade gatoriedade das decisões do Conselho de
para fazê-lo. Na primeira parte da questão, Segurança retratadas acima refletem, sobre-
parece haver consenso de que, em razão da tudo, a ausência de consenso no órgão sobre
natureza dos processos negociadores, o o tema. Nos primeiros anos das Nações
texto final das decisões do CSNU é frequen- Unidas, havia uma tendência de discutir,
temente ambíguo ou impreciso: inclusive em abstrato, o sentido dos artigos
No entanto, é fato que a linguagem do da Carta e os limites dos poderes do Con-
Conselho com frequência traz um grau de selho. Havia um autêntico desconhecimen-
ambiguidade e que isso deriva das com- to do que seria permitido à nova Organiza-
plexas negociações que precedem a adoção ção realizar. Combinado com a polarização
de uma resolução. Esse processo é regido característica da primeira fase da Guerra
pela necessidade de transigência política Fria, esse fato fez emergir discussões tra-
e algumas vezes pela urgência de decidir vestidas de caráter jurídico que incluíram
algo. Esses fatores muitas vezes prevale- temas como a obrigatoriedade das decisões.
cem sobre a consideração criteriosa da Somava-se a isso a instrumentalização do
redação e da clareza (Security Council CSNU pelos países ocidentais – mais nu-
Report, 2008, p. 9). merosos nas Nações Unidas – para realçar
Como consequência, os Estados, outros o isolamento soviético, o que favorecia o
atores internacionais e acadêmicos buscam ressurgimento periódico de temas em que
clareza para poder executar ou analisar as a URSS pudesse sofrer constrangimentos.
decisões. Os autores parecem concordar Ainda durante a Guerra Fria e sobretudo
que o principal mecanismo para tanto é a após seu fim, o CSNU reduziu sua tendên-
pesquisa das negociações e debates que cia a debater exaustivamente pontos con-
conduziram à decisão, combinada com dos troversos e passou a buscar o consenso
precedentes do próprio Conselho e a exe- como objetivo de suas deliberações (ainda
gese da Carta (Corte Internacional de que gere muitas vezes as ambiguidades
Justiça, 1971, p. 53; Wood, 2006a, p. 14). mencionadas acima). Nesse contexto, o
Quanto à segunda parte da questão, debate sobre o caráter vinculante das deci-
está afastada a ideia de que caiba revisão sões não desapareceu do CSNU, mas tor-
judicial das decisões do CSNU (Corte In- nou-se bem menos importante e reapareceu
ternacional de Justiça, 1971, p. 45). A auto- de modo ancilar em alguns casos.
ridade para interpretar as decisões do Esse debate não é só notável por reapa-
Conselho recai sobre ele próprio. Os Esta- recer esporadicamente, mas também por
dos, na prática, executam as decisões de demonstrar flutuações significativas das
acordo com suas interpretações, uma vez posições dos membros do Conselho. Embo-
que o CSNU raramente prescreve uma ra seja demonstrável que alguns dos mem-
maneira de fazê-lo. Mas o caráter obrigató- bros eletivos também alternaram suas opi-
rio das decisões é estabelecido pelo próprio niões, é mais fácil indicar que os P-5 o fizeram.
Conselho, seja ao exigir o cumprimento, Nas décadas de 1940 e início da de 1950, a
seja ao estabelecer sanções, seja ao interpre- URSS foi defensora da obrigatoriedade so-
tar suas próprias decisões anteriores. Isso mente das decisões referentes ao Capítulo
não significa afirmar, porém, que o Conse- VII, enquanto Reino Unido e França advo-
lho de Segurança tomará necessariamente gavam a prevalência do artigo 25. Quando
foi analisada a opinião consultiva da CIJ decisões do CSNU (Nações Unidas, 1954b).
sobre a Namíbia, em 1971, as posições já As próprias Resoluções 242 (1967) e 338
haviam se invertido totalmente, estando os (1973), vistas como base do processo de paz,
soviéticos a favor de uma interpretação têm sua obrigatoriedade discutida (Security
ampla do termo “decisions”, enquanto Council Report, 2008, p. 5).
britânicos e franceses preferiam restringir O personalíssimo relato do então Repre-
seu significado. Os EUA adotaram postura sentante Permanente dos Estados Unidos,
oscilante de início, mas sua interpretação John Bolton, sobre as negociações da Reso-
jurídica da questão tem tendido crescente- lução 1695 (2006) a respeito da Coreia do
mente a concordar com a de França e Reino Norte produz também outro exemplo.
Unido. Atualmente, a China é o membro Segundo o autor, os EUA tinham interesse
permanente que mais claramente sublinha em uma decisão do CSNU que fosse a pri-
o caráter obrigatório de todas as decisões meira em mais de dez anos a mandar uma
do CSNU, independentemente de referên- forte mensagem política à Coreia do Norte.
cias ao Capítulo VII, embora a Rússia dê Paralelamente, os juristas do Departamento
sinais de que tem a mesma interpretação. de Estado insistiam que uma resolução
Ao contrário do que querem alguns autores, somente seria vinculante se contivesse refe-
não há um consenso sobre o tema, e também rência a ameaça à paz, ao Capítulo VII e o
os membros eletivos defendem posições verbo “decides”. Bolton desdenha dos
divergentes (Security Council Report, 2008, juristas em seu relato porque considera a
pp. 8-9). Mas a lição parece ser de que os menção ao Capítulo VII uma “buzz phrase”
membros do CSNU (permanentes e eleti- com o objetivo de obter “protective comfort”,
vos) são guiados pelas conveniências polí- mas, nas negociações, insistiu em sua inclu-
ticas do momento em suas opiniões, ainda são. As pressões políticas, afinal, permiti-
que tentem manter um mínimo de coerência ram que China e EUA pudessem concordar
com o passado recente e com as doutrinas com uma linguagem que fazia alusão vaga
que promovem. ao Capítulo VII e que cada país interpretou
A razão para essa inconstância doutri- como preferiu do ponto de vista da obriga-
nária deriva das consequências políticas e toriedade. Japão e EUA argumentaram que
jurídicas de aderir a uma ou outra inter- a referência ao Capítulo VII era clara e
pretação. Bons exemplos podem ser eviden- tornava o texto vinculante; a China não
ciados em um tema controverso como o compartilhou dessa tese (Bolton, 2007, pp.
Oriente Médio. Poucas resoluções sobre 298-303).
o conflito israelo-árabe foram adotadas
explícita ou implicitamente sob o Capítulo
VII (Bailey e Daws, 1998, p. 272; Johansson, Uso da força
2008, p. 28). A implicação é clara: se for
aceito que somente o Capítulo VII pode O segundo motivo pelo qual o Capítulo
vincular os Estados, a esmagadora maioria VII é particularmente valorizado na lingua-
das penosas decisões do CSNU sobre o gem do CSNU está ligado às ideias de
tema seriam meras recomendações. No coerção, uso da força, consentimento das
entanto, na década de 1950, quando a situa- partes e soberania, sobretudo em seu rela-
ção política da região e o acervo de decisões cionamento com as operações de manuten-
do Conselho eram diferentes, Israel fez ção da paz das Nações Unidas e outras
afirmações que indicam concordância forças multinacionais autorizadas pelo Con-
com a tese de serem obrigatórias todas as selho. Mesmo durante as negociações que
Apesar dos esclarecimentos do Relatório exemplo. Adotada sob forte pressão dos
Brahimi, houve uma forte e duradoura EUA, contém a referência ao Capítulo VII,
associação entre as referências ao Capítulo e o verbo “decides” figura em vários pará-
VII (“missões do Capítulo VII”) e a ideia de grafos, mas não há autorização para o uso
imposição da paz. Esse verdadeiro mito no da força. A Resolução afirma, porém, que o
CSNU está no cerne do segundo motivo CSNU dá ao Iraque uma última oportuni-
pelo qual tanta importância é atribuída a dade para cumprir suas obrigações impos-
referência ao Capítulo VII, porque diz res- tas por outras resoluções.11 A Resolução
peito ao limite da atuação das missões de 1441 (2002) impôs um regime intrusivo de
paz estabelecidas pelo Conselho (Security inspeções de desarmamento ao Iraque, que
Council Report, 2008, p. 21). Esquematica- teve êxito limitado. Os EUA, então, procu-
mente, pode-se afirmar que há uma per- raram obter nova decisão do Conselho, no
cepção difundida de que qualquer missão início de 2003, que autorizasse claramente
militar cujo mandato contenha a menção o uso da força contra o Iraque. Na impos-
ao Capítulo VII é vista como de imposição sibilidade de amealhar os votos necessários
da paz. Como peace enforcement, poderia e ante a ameaça do veto francês e russo, os
desconsiderar a vontade das partes em EUA mudaram seu discurso para afirmar
conflito e mesmo a soberania de um Estado que a referência ao Capítulo VII, o verbo
e impor uma solução, mesmo que fosse “decides” e o descumprimento da cláusula
necessário recurso à força. Como conse- de última oportunidade criavam um gatilho
quência o termo “acting under Chapter VII” automático para o uso da força, sem neces-
tornou-se tabu para uns e um fetiche para sidade de nova decisão. Seguiu-se a invasão
outros. do Iraque, e o impacto do uso dessa argu-
Para Estados como França, Reino Unido mentação pelos EUA foi tão profundo que
e EUA, a menção ao Capítulo VII é suficien- cinco anos depois, russos e chineses reluta-
te para que o consentimento das partes vam em fazer referência ao Capítulo VII por
seja desnecessário. Esses mesmos países receio de que o mesmo raciocínio fosse
têm interesse em promover a associação empregado (Bolton, 2007, p. 300). Quando,
entre operações de manutenção da paz e nos casos da Coreia do Norte e do Irã,
forças multinacionais autorizadas pelo aceitaram uma fórmula de compromisso,
CSNU (como no Iraque e no Afeganistão), asseguraram-se de que as resoluções conti-
cujos mandatos também fazem referência vessem a ressalva: “underlines that further
ao Capítulo VII. Caracteristicamente, há decisions will be required should such
uma preocupação crescente dos países additional measures [relativas ao Capítulo
onde atuam as missões de paz de que sejam VII] be necessary”.
evitadas ou circunscritas as referências ao Como nota final, vale frisar que, nos
Capítulo VII, de modo a impedir que uma últimos anos, o Secretariado tem procurado
missão de paz possa utilizar a força contra dissociar a ideia de referência ao Capítulo
um governo ou possa permanecer em um VII do uso da força e de desconsideração
território contra a vontade das partes.10 pelo consentimento das partes. A razão
É importante notar que essas percepções para esse esforço é a preocupação crescen-
não decorrem apenas das experiências te de um número de países que contribuem
passadas e de confusão conceitual, mas com tropas para missões de paz, e suas
também da política do Conselho, que ali- forças não podem atuar em “operações do
menta a desconfiança. O caso da Resolução Capítulo VII” porque são de imposição da
1441 (2002), sobre o Iraque, é um bom paz. Do mesmo modo, alguns Estados
debate acabado, visto que não há consenso o que tende apenas a dificultar o debate
entre analistas e entre os Estados. sobre o tema (Bolton, 2007, p. 303; Wal-
Uso da força/consentimento das partes: com lensteen e Johansson, 2004, p. 18). Mas não
o crescente ativismo do CSNU após a Guer- se trata, fundamentalmente, de um pro-
ra Fria e abundância de referências ao Ca- blema derivado de confusão ou desconhe-
pítulo VII em suas decisões, surgiu uma cimento. A questão das referências ao
preocupação em precisar os poderes e limi- Capítulo VII é um item vivo (ainda que
tes das missões de paz e forças multinacio- sub-reptício) da política interna do CSNU.
nais cujos mandatos são explicitamente Para alguns países, é um instrumento útil
adotados com alusão ao Capítulo VII. Tema de barganha, para outros, é um motivo de
de consequências práticas no terreno, tende desconfiança que exige precauções espe-
a gerar correntes que podem ser divididas ciais, para outros ainda, é quase um tabu,
em dois grandes grupos. De um lado, os que deve ser evitado a todo custo. De
que veem na referência ao Capítulo VII uma qualquer modo, incluir ou não uma refe-
natureza distinta para essas operações, que rência ao Capítulo VII é uma decisão que
prescindiriam do consentimento das partes pode influir sobre a resolução de uma
em conflito para agir e teriam autorização disputa ou modificar o modo de atuação
para o uso legítimo da força, de modo a de operações de manutenção da paz no
impor uma solução se necessário. De outro terreno (Johansson, 2008, p. 25; Security
lado, os que advogam que a referência ao Council Report, 2008, pp. 28-29; Nações
Capítulo VII é uma expressão de apoio Unidas, 2006). Por fim, é necessário res-
firme do CSNU e que, ao menos para as saltar que, no que concerne ao Conselho
missões de paz, o consentimento das partes de Segurança, importam menos a lógica
ainda é indispensável e o uso da força deve jurídica ou o precedente histórico e mais
ser mínimo e em nível tático. a disposição dos membros do CSNU (e
Tanto para os analistas quanto para os não apenas dos membros permanentes)
diplomatas que atuam no Conselho de de tomarem as medidas para que suas
Segurança, há um considerável grau de decisões sejam implementadas.
ambiguidade e imprecisão no valor que deve
ser atribuído às referências ao Capítulo VII, Fevereiro de 2013
Notas
1. Com base em uma definição restritiva, Wallensteen e 2. Os artigos são o 13 (“The Court may exercise its juris-
Johansson indicam que, em média, cerca de 25% das reso- diction with respect to a crime referred to in article 5 in
luções do CSNU após 1990 são adotadas sob o Capítulo VII accordance with the provisions of this Statute if: b) A
e que 93% das resoluções adotadas sob o Capítulo VII são situation in which one or more of such crimes appears to
posteriores a 1990 (Wallensteen e Johansson, 2004, pp. have been committed is referred to the Prosecutor by the
19-20). Johansson e Amer afirmam que, nos anos de 2005 Security Council acting under Chapter VII of the Charter
e 2006, cerca de 50% das resoluções foram adotadas sob of the United Nations”) e 16 (“No investigation or prose-
o Capítulo VII (Johansson e Amer, 2007, pp. 5-6). Johansson cution may be commenced or proceeded with under this
afirma que, em 2007, mais de 60% das resoluções foram Statute for a period of 12 months after the Security
adotadas sob o Capítulo VII (Johansson, 2008, p. 17). Council, in a resolution adopted under Chapter VII of the
Charter of the United Nations, has requested the Court ‘Chapter VI’ or ‘Chapter VII’ resolutions (…) but upon
to that effect; that request may be renewed by the whether the parties intended them to be ‘decisions’ or
Council under the same conditions”). ‘recommendations’” (pp. 281-282).
3. Artigo 39: “O Conselho de Segurança determinará a 8. “A Resolution recommending (…) a specific course
existência de qualquer ameaça à paz, ruptura da paz ou of action creates some legal obligation which, however
ato de agressão, e fará recomendações ou decidirá que rudimentary, elastic and imperfect, is nevertheless a
medidas deverão ser tomadas de acordo com os Artigos legal obligation and constitutes a measure of supervision.
41 e 42, a fim de manter ou restabelecer a paz e a segu- The State in question, while not bound to accept the
rança internacional”. recommendation, is bound to give it due consideration
in good faith” (Corte Internacional de Justiça: 1955,
4. A definição completa dada pelo autor é “A Security
pp. 118-119).
Council Resolution is considered to be ‘a Chapter VII
resolution’ if it makes an explicit determination that the 9. O próprio Hammarskjöld percebeu que a ideia de
situation under consideration constitutes a threat to the peacekeeping não se encaixava exatamente em qualquer
peace, a breach of the peace, or an act of aggression, capítulo da Carta, e houve países que sugeriram a inclu-
and/or explicitly or implicitly states that the Council is são de um capítulo entre o VI e o VII. Por isso, o SGNU
acting under Chapter VII in the adoption of some or all referiu-se às missões como “Capítulo VI e meio”. Poste-
operative paragraphs” (Johansson: 2008, p. 14). riormente, nos anos 1990, a expressão foi erroneamen-
te recuperada para designar missões que tinham regras
5. O Capítulo VIII diz respeito à cooperação com arranjos
de engajamento menos restritivas quanto ao uso da
regionais para a manutenção da paz e da segurança
força em legítima defesa e estariam entre o peacekeeping
internacional, e tem ganhado crescente importância nas
tradicional e a imposição da paz (Security Council Report:
resoluções do Conselho na medida em que organismos
2008, p. 21).
como a União Africana e a União Europeia têm desen-
volvido estruturas para participar mais ativamente da 10. Para demonstrar a ubiquidade desses conceitos,
resolução de conflitos, inclusive por meio do envio de basta uma busca simples na internet com os termos
tropas. “Capítulo VII” e “imposição da paz”. Os resultados trarão
sites brasileiros, inclusive oficiais, e diversos artigos que
6. Artigo 2 (5): “Todos os membros darão às nações toda
fazem a associação taxativa entre a referência ao Capí-
assistência em qualquer ação a que elas recorrerem de
tulo VII e ser uma missão de imposição da paz.
acordo com a presente Carta e se absterão de dar auxí-
lio ao Estado contra o qual as Nações Unidas agirem de 11. Parágrafo 2: “Decides, while acknowledging para-
modo preventivo ou coercitivo”. graph 1 above, to afford Iraq, by this resolution, a final
opportunity to comply with its disarmament obligations
7. “The binding or non-binding nature of those resolutions
under relevant resolutions of the Council (...)”.
turns out not upon whether they are to be regarded as
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