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42º Encontro Anual da Anpocs

GT 6 - Conflitos e desastres ambientais: violação de direitos,


resistência e produção do conhecimento

Apontamentos sobre a violência contra ativistas socioambientais na


América Latina:

Perspectivas a partir dos casos do Brasil, Honduras e México

Autora:

Simone da Silva Ribeiro Gomes


Professora do Departamento de Sociologia e Política IFISP-UFPel

Coautora:

Renata Barbosa Lacerda


Doutoranda em Antropologia, PPGAS-Museu Nacional-UFRJ

2018
2



Introdução


Assentada A: Os argumento dos fazendeiros com nós era
assim [...], “quem foi que te colocou aqui?”. [...]
Mandavam gente ir lá ameaçar nós, ameaçou dar tiro. [Um
fazendeiro] falou, “eu não quero nenhum vagabundo e
nenhuma vagabunda aqui dentro, porque eu já falei pra
vocês que isso aqui é minha fazenda, isso aqui não é terra
de Incra1 nem de governo não”. Aí eu fui e falei pra ele,
“[...] eu não sou vagabunda, eu sou trabalhadora”. Aí foi a
hora que ele levantou a mão pra dar no meu rosto [e] me
jogou pra trás [no] fogão a lenha [e] eu queimei aqui [...].
Aí depois disso ele foi mais umas três vezes lá em casa
brigar de novo. [Depois] acharam um ourão rico lá pros
fundos. [Aí os fazendeiros] começaram a arrumar a estrada
[...]. Eles tão estudando uma maneira de não deixar aquilo
ali virar um assentamento [...]. Aí a coisa não anda. [...] É
um negócio meio de ameaça [...] mas se nós tivesse medo
mesmo de ameaça, não tinha feito [nada]. Tem horas que
eu fico, meu Deus do céu, gente, olha quanta gente é
ameaçada! Ainda ontem eu tava assistindo a história da
falecida Dorothy [Stang] né, então... meu Deus... Nós
somos sobreviventes! [O irmão do fazendeiro] que tava
discutindo e que veio me bater [...], eu vi ele levar a mão
embaixo da camisa pra sacar a arma [na] hora que [o
outro] começou a me chamar de vagabunda [...]. E o gado
deles solto todo tempo, torturando a vida da gente,
devoram tudo [...].
Assentada B: [A gente ficou lá, mesmo com as ameaças,
porque um ex-diretor do Incra] dizia que se a gente não
fosse pra cima da terra, eles tomavam, davam pra outra
família e o nome da gente ainda ia ficar sujo, que não ia
receber terra do governo nunca mais. [...] eu tive que pedir
conta e me enfiar pra lá sem infraestrutura sem nada, as
estradas que tem lá foi nós que fizemos. [O Incra] não
vinha pra dar apoio pra gente, eles vinha pra humilhar a
gente [...]. Não fez assentamento, fez um jogamento de
pessoas.

(Conversa com agricultoras do Projeto de


Desenvolvimento Sustentável-PDS Terra Nossa,
assentamento criado em esquema ilegal do Incra de
Santarém com indústrias madeireiras; Sudoeste do Pará;
02 jun. 2017).




1
Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, autarquia responsável pela gestão de
assentamentos rurais e beneficiários da reforma agrária no Brasil.
3



O presente trabalho objetiva explorar algumas nuances das violências sofridas por
ativistas socioambientais na América Latina, com foco no Brasil, México e Honduras, a
partir dos confrontos em torno de projetos extrativistas, os quais envolvem Estados
Nacionais, empresas transnacionais e outros agentes que atuam em sua implantação.
Entendemos esse ativismo como parte importante de mobilizações e de movimentos
sociais contemporâneos relativos à terra e à defesa de territórios e populações frente ao
avanço de atividades extrativistas. Isto é, aquelas que praticam a exploração intensiva de
um grande volume de recursos naturais – principalmente produtos agropecuários,
florestais e minerários (metais, petróleo, urânio e gás natural) –, com pouco ou nenhum
processamento, voltadas sobretudo para exportação, nos termos de Gudynas (2013).

Consideramos as mobilizações e as violências desencadeadas nesses conflitos


socioambientais2 como específicas aos contextos latino-americanos, mormente pela sua
intensidade ao atualizarem a contenda elites versus campesinatos. Nesse sentido,
apontamos algumas continuidades e descontinuidades do modelo de exploração colonial,
reproduzido nos extrativismos implantados na região no presente, de modo a
contextualizá-los com base em um processo histórico de subordinação “desde el Sur
global” (Losekann, 2016).

Em comparação com outras regiões dependentes da exportação de recursos


naturais para o Norte Global, a América Latina se destaca por concentrar países que
possuem o maior registro tanto de violência contra ativistas socioambientais no mundo,
quanto de lutas demandando justiça frente aos impactos das explorações minerárias,
agrícolas e madeireiras, bem como de energias renováveis, sobretudo a hídrica, e não
renováveis, como o petróleo3. Como mostra o ranking elaborado pela ONG internacional
Global Witness (2018), entre os 22 países do mundo que apresentaram assassinatos em
conflitos socioambientais em 2017, os dez latinoamericanos registraram 121 mortes, os
cinco asiáticos somaram 65 mortes e os seis africanos contabilizaram 19 mortes. O Brasil
ocupou o primeiro lugar com 57 ativistas mortos4, o México o quarto lugar com 15




2
Para Svampa (2012), os conflitos socioambientais se caracterizam pela desigualdade no acesso e controle
dos recursos naturais e território, supondo interesses e valores divergentes em torno desses.
3
Chamamos de ativistas socioambientais para enfatizar o confronto com projetos extrativistas, mas
também podem ser chamados de defensoras(es) ou lutadoras(es) sociais ou ambientais.
4
Cerca de 80% desses assassinatos ocorrem na Amazônia Legal.
4



mortos e Honduras caiu para o oitavo lugar com 5 mortos – ainda que o país tenha
registrado um aumento significativo nesse índice e em outras violações de direitos
humanos desde o golpe de Estado de 2009. Na tabela abaixo podemos verificar algumas
das principais diferenças entre os três países, que, no entanto, convergem em altos
índices de desigualdade social que se manifestam em desigualdades étnico-raciais e de
gênero5.

Tabela 01: Dados sobre Brasil, Honduras e México

Extensão (km²) Produto Interno População (hab.) População


Bruto abaixo da linha
de pobreza (%)
(milhões U$)

Brasil 8.515.767 2.055.506 214.018.892 4

Honduras 112.492 22.979 8.462.461 30*

México 1.958.201 1.149.919 132.710.666 46

Fontes: Country Meters (2018); Index Mundi (2018); Wikipedia (2018); World Bank (2018).
*Dado referente a 2014. Os demais são para 2018.

A análise se baseia em dados qualitativos e quantitativos, além de uma extensa


revisão bibliográfica, incluindo fontes jornalísticas, documentos de organizações não
governamentais (ONGs) e bancos de dados sobre violência e conflitos socioambientais.
Foram realizadas incursões etnográficas e entrevistas semiestruturadas no estado de
Guerrero, no México, e no Sudoeste do Pará, Brasil, enquanto os dados relativos à
Honduras foram obtidos através de uma pesquisa documental. No Pará, estado brasileiro
com maior número absoluto de assassinatos no campo desde a década de 1980 (CEDOC-
CPT, 2017), foram feitos três trabalhos de campo em 2013 e 2017 na região da BR-163
(Cuiabá-Santarém), onde houve sucessivos confrontos envolvendo madeireiras,
mineradoras, pecuaristas, indígenas, pequenos agricultores e garimpeiros especialmente



5
Cf. Middeldorp, Morales e Haarb (2016) para Honduras. Os três países apresentaram diferenças de
distribuição de renda entre 2002 e 2012 (Amarante; Galván; Mancero, 2016). O Brasil teve maior
equilíbrio na distribuição de renda e no seu crescimento do que México e, principalmente, Honduras.
Neste, o aumento de renda favoreceu muito mais os mais ricos do que os extratos mais pobres.
5



desde o anúncio da pavimentação dessa rodovia em 2003. Em Guerrero, uma pesquisa de
campo foi conduzida em 2015 com ativistas de uma rádio comunitária engajados em
atividades contra a mineração e contra projetos de infraestrutura que prejudicavam as
populações locais. Em Honduras, a literatura mostra uma prevalência de conflitos contra
mineradoras, barragens e exploração ilegal de madeira (Witness 2018).

A noção de confronto político (McAdam, Tarrow e Tilly, 2001) nos norteará


nesse trabalho, por sua abordagem multidimensional, considerando os distintos atores,
repertórios de confronto e oportunidades.

1. Infernos e paraísos extrativistas: México, Honduras e Brasil

Para compreender o destaque da América Latina nos dados sobre conflitos


socioambientais, é importante observar que essa despontou como um paraíso para a
mineração, como mostra Chaparro (2002) a partir dos dados compilados da Comissão
Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL). Desde 1994, essa região
concentrou os maiores investimentos para exploração minerária, sendo três quartos
dessas atividades concentradas em cinco países: Chile (18,2%), México (16,6%); Peru
(16,0%), Brasil (14,5%) e Argentina (8,8%) (Scotto, 2013). Somado a isso, o continente
se consolidou nas últimas décadas como o maior exportador de alimentos do mundo, em
especial em termos de cereais como o milho, oleaginosas como a soja, óleos vegetais,
açúcar, carne bovina, aves e peixes (FAO, 2015, p.7)6.

No início dos anos 2000, as condições de produção e de comercialização desses


recursos naturais se tornaram ainda mais favoráveis, haja vista o boom dos preços
internacionais de matérias primas e bens de consumo que gerou o consenso das
commodities, multiplicando os projetos extrativistas no continente, as incursões de
companhias transnacionais nas áreas de ‘fronteira” e os conflitos decorrentes disso. Por
um lado, há uma linha de continuidade do modelo colonial, que se dá pelas geografias de
extração e de consumo, conforme nos lembra Svampa (2013), visto que a América Latina



6
O relatório da FAO de 2015 mostra que o Brasil se destaca no continente, concentrando por exemplo
mais da metade das exportações mundiais de açúcar. Se encontra ao lado dos EUA e da União Europeia em
quantidade de exportação de alimentos. Já a África se consolidou como região importadora de alimentos e
a Ásia continua sendo uma grande produtora, embora a maior parte do que consome seja importada.
6



produziu e continua produzindo grande parte dos recursos naturais no mundo – como
bauxita, cobre e ouro –, mas só consome uma parte minoritária desses produtos, ao passo
em que importa produtos manufaturados com cada vez maior incorporação tecnológica e
valor agregado dos países para onde exporta bens primários. Por outro lado, embora as
cicatrizes dessa desigualdade do modelo extrativista tenham marcado a história da
América Latina desde o século XV, nas últimas décadas passou a se inserir em um novo
padrão de acumulação de capital. Esse modelo se expandiu cada vez mais como um fim
em si mesmo, atraindo investimentos em países e áreas que até então não haviam sido
explorados por não serem considerados lucrativos, incluindo, recentemente, a América
Central, onde Honduras ganhou destaque com a mineração (Middeldorp, Morales, Haarb,
2016). Até o início dos anos 2010, treze países latinoamericanos passaram a figurar entre
os quinze maiores produtores mundiais de commodities minerais, incluindo petróleo e
gás natural (Altomonte et al., 2013), e o continente ultrapassou a África e a Ásia em
atração de investimentos em mineração (Penman, 2016).

Essa intensificação extrativista foi promovida em grande parte pela China, novo
parceiro comercial dos países desse continente7, num contexto em que os EUA reduziram
seu interesse geopolítico na região – com exceção do México, que possui um papel
proeminente na exportação de commodities graças ao Acordo de Livre Comércio da
América do Norte (NAFTA). Exemplos do crescente papel chinês são a construção de
um controverso canal na Nicarágua com capitais de empresas chinesas desde 2016 e a
criação do Fundo Brasil-China em 2017, voltado principalmente para o investimento em
projetos de infraestrutura que estimule a já existente exportação de commodities agrícolas
(principalmente soja) e minerais (ferro e petróleo). É significativo ainda o crescente
papel do Canadá enquanto um dos principais investidores na América Central,
notadamente em Honduras, influenciando suas relações econômicas e diplomáticas
(Gordon; Webber, 2016)8.

Uma das novidades desse período de consenso foi a legitimação dos projetos
extrativistas, o que possibilitou o engajamento de amplos setores da sociedade, inclusive



7
A China também fez grandes investimentos em projetos extrativistas na África. Cf. Arsel; Hogenboom e
Pellegrini (2006).
8
O Canadá, inclusive, segundo Gordon e Webber (2016), já influencia a política de defesa de Honduras,
notadamente após o golpe de estado em 2009.
7



de trabalhadores urbanos que contribuíram para a eleição de governos progressistas como
ocorreu em Honduras (2005-2009) e no Brasil (2003-2016). Estes defendiam a
centralidade do Estado na expansão desse modelo de desenvolvimento e se
fundamentaram na necessidade de se inserir de modo subordinado no mercado mundial
enquanto fornecedores de commodities para, com isso, se atingir o desenvolvimento
socioeconômico e promover justiça social através de políticas sociais, melhoria de
infraestrutura, geração de empregos e de renda 9 . Já em países onde governos
conservadores se mantiveram no poder durante esse consenso, como o México, não foi
observada uma expansão dos direitos sociais nos últimos decênios.

É importante lembrar que a história da América Latina é, notadamente, uma


sequência de eventos em que quaisquer medidas consideradas revolucionárias ou à
esquerda, são encaradas pelas elites tradicionais, as forças conservadoras e os militares
como ameaças, que agem de maneira violenta para proteger seus interesses. É nesse
enquadramento que consideraremos a jovem democracia em Honduras, dado que o país
enfrentou uma longa ditadura militar entre 1963 e 1982. Conquanto o regime fosse
repressivo, as mobilizações no campo seguiram pungentes desde a década de 1960,
notadamente influenciadas pela Revolução Cubana, em 1959, que auxiliou a proposta de
reforma agrária em 1962, fruto de reivindicações frequentes do campesinato. Nesse
período, foram expropriadas terras e formou-se a Federacion Nacional de Campesinos
Hondureños (FENACH), um marco para os movimentos na época10 (Gordon; Webber,
2016).

De forma semelhante, a democracia brasileira é recente, visto que viveu sob


regime militar entre 1964 e 1985. Mas em contraste com aquele país, a reforma agrária
nunca foi implantada apesar das volumosas mobilizações no campo mesmo durante a



9
Gudynas (2009) denominou esse modo de legitimação do extrativismo de neoextrativismo. Arsel,
Hogenboom e Pellegrini (2016) chamam de imperativo extrativista.
10
A posição desse país, então, era estratégica para os Estados Unidos, dado que seus vizinhos El Salvador,
Guatemala e Nicarágua passavam por contendas políticas importantes, que incluíam a formação de
movimentos guerrilheiros vitoriosos, como a Frente Sandinista de Liberación Nacional (FSLN), no
ulterior. Assim, a contra insurgência estadunidense apoiou os Contra, mas igualmente serviu para reprimir
a dissidência interna no país, entre os anos de 1980 e 1984, com o desaparecimento de 290 ativistas
sindicalistas, estudantes e camponeses, tal como quem se identificasse como esquerdista (Gordon, Webber,
2016). A identificação com movimentos de esquerda seguiu nos anos vindouros, junto à chegada de
práticas econômicas neoliberais no país desde 1990, assim como os movimentos camponeses seguiram
uma força social importante no país.
8



ditadura 11 quando, com a colaboração estadunidense, foram presos, torturados e
assassinados ativistas considerados “esquerdistas”, bem como milhares de indígenas e
camponeses. Em nome do desenvolvimento, integração e segurança nacionais, os
governos militares forneceram crédito e incentivos fiscais a latifundiários e empresários
– em troca de apoio ao regime – para investirem na mineração e na “modernização” do
setor agropecuário. Ademais, construíram hidrelétricas e abriram uma série de rodovias
que passavam a atravessar o país, como a Transamazônica e a BR-163 (Cuiabá-
Santarém). Para isso, dizimaram e removeram povos indígenas e, através das políticas de
colonização, provocaram o deslocamento de camponeses do Nordeste e do Sul para o
Centro-Oeste e, sobretudo, a Amazônia (Brasil, 2014; CCV, 2014).

Já o México não sofreu com nenhum regime militar recente, apesar de ser
considerado o país da Ditadura Perfeita12, haja vista os 79 anos ininterruptos de governo
do Partido Revolucionário Institucional (PRI), um partido de direita, comprometido com
grandes projetos hidro e termoelétricos, além da mineração. Conquanto o autoritarismo
governamental, que incluiu mais doze anos do Partido de la Acción Nacional (PAN),
entre 2000 e 2012, seguidos da volta do PRI em 2012, tenha duramente reprimido os
movimentos, as organizações e movimentos sociais, ativismos e mobilizações no país são
uma constante desde a Revolução Mexicana, em 1910.

2. O ativismo socioambiental: identidades, ações e pautas

O autoritarismo estatal que de diferentes modos impôs o modelo extrativista,


buscou historicamente sufocar as lutas sociais no continente. No entanto, produziu o
efeito contrário, visto que estas se multiplicaram, gerando uma diversidade cada vez
maior de identidades coletivas, e conquistaram apoios nacionais e internacionais,
principalmente ao incorporarem a linguagem dos direitos humanos e do meio ambiente.
No caso da última, integrou o processo de ambientalização dos conflitos sociais, já em
construção desde as lutas contra a devastação ambiental nos anos 1960, mas que se




11
Ver, por exemplo, as mobilizações e resistências analisadas em Fernandes, Medeiros e Paulilo (2009).
12
O intelectual peruano Mario Vargas Llosa chamou, em um encontro com intelectuais latino-americanos
em 1990, o México de “a ditadura perfeita”, referindo-se às artimanhas usadas pelo PRI para manter-se no
poder durante quase um século.
9



tornou uma questão pública global, o que transformou o Estado – suas políticas públicas,
organização institucional, legislação e formas de mediação de conflitos sociais – e o
comportamento de variados agentes sociais (Leite Lopes, 2004) 13 . Em termos de
mobilizações sociais na América Latina, esse processo gerou a “ambientalização das
lutas indígenas e camponesas” e a “emergência de um pensamento ambiental
latinoamericano” (Leff, 2006, p.37-38; tradução livre). Houve, assim, um “giro
ecoterritorial” que reuniu a defesa da territorialidade por camponeses e indígenas com o
discurso ambiental, produzindo ações coletivas comuns que impulsionaram alterações
institucionais, bem como difundindo pautas como a descolonização, o Estado
plurinacional, a soberania alimentar, a justiça ambiental, o “bem viver”, direitos da
natureza, entre outras (Svampa, 2013, p.38-40)14.

Em paralelo, a luta internacional por direitos humanos que vinha sendo construída
desde o pós-guerra se fortaleceu com a Declaração das Nações Unidas para Defensores
de Direitos Humanos em 1998 e, no continente, ganhou peso com a instituição em 2001
da Unidade de Defensores de Direitos Humanos, no âmbito da Comissão Interamericana
de Direitos Humanos (CIDH), da Organização dos Estados Americanos (OEA) (Santos;
Souza, 2017)15. Nesse processo de universalização da cidadania, foi constituída a defesa
da transversalidade e indivisibilidade dos direitos, sejam eles sociais, econômicos,
culturais, civis, políticos ou mesmo ambientais/difusos, o que implicou na ampliação da
concepção de direitos humanos e da base social das mobilizações, que foram articulando
identidades cada vez mais plurais (Scherer-Warren, 2006).

Principalmente desde meados dos anos 1990, povos indígenas, camponeses em


sua diversidade, ambientalistas, comunidades locais, mulheres, universidades, entre
outros agentes na América Latina se mobilizaram e articularam entre si em variadas




13
Para além dos atores estatais, poder-se-ia dizer que a governança de territórios e populações foi
transformada, enquanto configuração de forças (Neiburg, 2014), passando a incluir também no caso do
extrativismo: movimentos sociais e ONGs de diferentes escalas; forças militares, paramilitares e de
segurança; agências multilaterais; e empresas nacionais e internacionais.
14
Em exemplo disso é a rede Coordinadora Andina de Organizaciones Indígenas (CAOI), que desde 2006
agrupa organizações do Peru, Bolívia, Colômbia e Chile e defende a criação de um tribunal que julgue
crimes ambientais (Svampa, 2013).
15
A CIDH foi criada em 1959. A OEA foi fundada em 1948, quando já incluía Brasil, México e Honduras.
Já em 1992 havia sido criada a Plataforma Interamericana de Direitos Humanos, Democracia e
Desenvolvimento (PIDHDD) que começou na América do Sul e se expandiu para a América Central.
10



escalas em contraposição aos projetos extrativistas. Uma das principais identidades
plurais difundidas nesse contexto foi a de atingidos ou afetados, categoria já empregada
no Brasil desde o fim dos anos 1970, quando começaram a ser organizadas as comissões
que se contrapuseram às hidrelétricas de Tucuruí (Pará), Itaipu (Paraná), Sobradinho
(Bahia) e Itaparica (Pernambuco) e que deram origem ao Movimento dos Atingidos por
Barragens (MAB). Svampa (2013) e Scotto (2013) fizeram o levantamento dos seguintes
movimentos e redes, por país e ano, que seguiram a noção de atingido/afetado:

a) Peru, 1999: Coordinadora Nacional de Comunidades Afectadas por la


Minería del Perú;
b) Argentina, 2004: Red de Comunidades Afectadas por la Minería;
c) El Salvador, 2005: Mesa Nacional contra la Minería Metálica;
d) Guatemala, 2007: Frente Nacional contra la Minería Química de Metales;
e) México, 2008: Red Mexicana de Afectadas y Afectados por la Minería e a
Asamblea Nacional de Afectados Ambientales;
f) Brasil, 2010: Movimento de Atingidos pela Vale;
g) Bolívia, 2010: Coordinadora Nacional de Comunidades y Organizaciones
Afectadas por Contaminación Minera.

Essas pesquisadoras mencionam ainda a criação de observatórios cujo principal


papel tem sido registrar os conflitos e as violações de direitos, de modo a contribuir para
a luta pelo reconhecimento social dos agentes afetados pelo extrativismo, como o
Observatorio Latinoamericano de Conflictos Ambientales (OLCA), criado em 1991 no
Chile, que desenvolveu o banco de dados do Observatorio de Conflictos Mineros de
América Latina (Ocmal), surgido em 1997 no Equador e formalizado em 2007 na
Bolívia. O Ocmal se apoia em grande parte na categoria de afetados, além de lideres
sociales (Ocmal; Censat, 2016), abarcando em publicações produzidas em coautoria
outras classificações, como a de defensores(as) de direitos humanos e da natureza
(Ocmal; Acción Ecológica, 2011). Houve outras iniciativas de produção de bancos de
dados, como a da ONG Global Witness – que usa a expressão defensores(as) da terra e
meio ambiente, mas também defensores ambientais, ativistas ambientais e ambientalistas
(Witness, 2015, 2018) – e a da CIDH, que emprega o termo defensoras(es) de direitos
humanos, o que engloba conflitos não só socioambientais. Portanto, em meio a uma
multiplicidade de modos de se reportarem aos agentes que resistem e lutam contra o
11



extrativismo, predominam referências à condição de afetado/atingido 16 por esses
projetos, bem como às suas causas, podendo-se enfatizar o seu caráter ambiental e/ou de
cidadania em geral.

No Brasil, foi no contexto ditatorial que surgiram a maioria dos principais


movimentos sociais ligados à luta contra as violações perpetradas por atividades
extrativas: a Comissão Pastoral da Terra (CPT); o já mencionado MAB; o Movimento
dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e a Central Única dos Trabalhadores
(CUT)17. Desde então e com a confluência de outros movimentos e ONGs atuantes na
América Latina, as ações coletivas dessas organizações inspiraram diversas mobilizações
no país, além da aparição de outros movimentos sociais que demandam direitos frente à
ofensiva das atividades extrativistas e dos grandes projetos, como: o Movimento pela
Sobrevivência na Transamazônica (MPST), hoje Fundação Viver, Produzir e Preservar
(FVPP), surgido em 1989 por pequenos agricultores pela implantação efetiva do projeto
de colonização, que havia sido paralisado em meados dos anos 1970 (Souza, 2014); e o
Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM), anteriormente chamado de
Movimento dos Atingidos pela Mineração, criado em 2012 no Sudeste do Pará pelos
afetados pelo Programa Grande Carajás (PGC), implantado na ditadura por iniciativa do
governo federal e da mineradora Vale S.A. (Magno, 2017)18.
Diferentemente da área de entorno da Transamazônica, desde a ditadura militar o
padrão ocupação da região da rodovia BR-163 foi de maiores extensões de terra, o que
continuou com a criação de grandes assentamentos que previram menos famílias por




16
No Brasil, a Comissão Pastoral da Terra (CPT) registra os conflitos sociais no campo desde 1985,
atentando inicialmente para a questão fundiária e para as categorias de trabalhadores rurais ou pobres do
campo. Com o tempo, foi abarcando outras categorias identitárias conforme foram se apresentando.
17
Cabe lembrar do surgimento do Partido dos Trabalhadores (PT) nesse período e que os movimentos
mencionados foram precedidos pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag),
fundada logo antes do golpe de 1964 na luta pela extensão de direitos trabalhistas para o campo. Apesar
dos sindicatos de trabalhadores rurais terem sido perseguidos durante a ditadura, continuaram tendo papel
fundamental nas lutas por direitos no campo (Fernandes; Medeiros; Paulilo, 2009).
18
Na Amazônia brasileira, o modelo de desenvolvimento extrativista que antes fazia parte da intenção
proclamada de integrar o país, em 1999 passou a se inserir num planejamento continental de integração
com a Iniciativa para a Integração da Infraestrutura da América do Sul (IIRSA). No Brasil, isso se traduziu
nos Programas de Aceleração do Crescimento (PAC), que investiram em expansão e melhoria da malha de
infraestrutura que já havia sido iniciada na ditadura, seja para a mineração, como o PGC, seja para projetos
agropecuários, como a pavimentação da rodovia BR-163 Cuiabá-Santarém (Castro, 2012). Sant’Ana Júnior
e Alves (2018) demonstram como o PGC continua produzindo grandes efeitos derrame ao integrar diversas
faces do extrativismo, não só no Pará, mas no Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia (Matopiba).
12



hectare19. Ao lado disso, enquanto na primeira há historicamente um elevado registro de
conflitos por terra e de ações coletivas, segundo dados da CPT, na área da rodovia
Cuiabá-Santarém não foi construída uma tradição equivalente de organização de ações e
movimentos sociais de luta pela terra e recursos naturais. Mesmo assim, sobretudo
posteriormente ao anúncio da pavimentação da BR-163, ativistas socioambientais dessa
região recorreram no passado e ainda aplicam práticas de luta como: a criação e
ocupação de associações locais e sindicatos de trabalhadores rurais (filiados à Fetagri-
PA20, da Contag) e, desde 2004, de sindicatos de trabalhadores na agricultura familiar
(Fetraf-PA, da Contraf-CUT 21 ); ações coletivas como abaixo-assinados, cartas de
denúncia ao Ministério Público e manifestações como os bloqueios da rodovia; reuniões
com autoridades governamentais; além da resistência cotidiana expressa em rumores e
boicotes a reuniões organizadas por fazendeiros, madeireiros e mineradoras.

Em Honduras, por seu turno, os ativistas socioambientais contaram notadamente


com o Movimiento Amplio por la Dignidad y la Justicia (MADJ) e a Mesa para la
Incidencia de Gestión de Riesgos (MIGR) mediando o contato entre os empresários e as
Juntas de agua (conselhos de água) em zonas de mineração (Middeldorp; Morales;
Haarb, 2016). Para Villeda (2014) o amplo apoio da Frente Nacional de Resistencia
Popular (FNRP) nesse país permitiu que não só ativistas auto identificados se
engajassem, mas também membros das comunidades afetadas que não se organizavam
anteriormente em nome dessas pautas. Esses passaram a se engajar em assembleias, um
indicador de novas formas organizativas no país, com um realinhamento da esquerda
nacional, progressista e de movimentos liberais.

Já no México as organizações rurais, campesinas e contra a mineração e as hidro


e termelétricas se organizam e se estabelecem notadamente em suas zonas rurais, das
quais o estado de Guerrero ganha proeminência, no que se convencionou chamar de
“franja de ouro” do país. O local possui uma intensa atividade extrativa, com 705
concessões mineiras vigentes, atualmente ocupando cerca de 20.5% do território da




19
Cf. Castro, Monteiro e Castro (2004); Incra (2018); Torres, Doblas e Alarcon (2017).
20
Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado do Pará.
21
Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar do Estado do Pará (Fetraf-PA) e Confederação
Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar do Brasil (Contraf), ligada à CUT.
13



região 22 (Gomes, 2016). Nesse país, a categoria mais amplamente utilizada é a de
luchador social, que implica em sujeitos que não necessariamente seriam quadros
orgânicos de um movimento social, mas cuja identificação, em Guerrero, mas não
exclusivamente, é exaustiva, como pudemos observar. Cabe mencionar que o México se
tornou símbolo da luta indígena com o surgimento do Exército Zapatista de Libertação
Nacional em 1994, quando se posicionaram internacionalmente contra o NAFTA. Foi
ainda importante na articulação da luta camponesa no continente, visto que sediou a
Segunda Conferência Internacional da Via Campesina23, em 1996, quando foi declarado
o dia 17 de abril como “Dia Internacional da Luta Camponesa” em homenagem aos
camponeses assassinados logo antes no Massacre de Eldorado dos Carajás (Pará).

Levando tudo em consideração e seguindo a argumentação de Middeldorp


(2016), podemos verificar que o próprio extrativismo criou as condições para o
surgimento de organizações, redes e movimentos sociais que abarcam identidades plurais
ao incorporarem pautas internacionalmente reconhecidas como as do meio ambiente e
dos direitos humanos. Isso faz parte das estratégias das(os) ativistas no enfrentamento às
relações de dominação em seus territórios, de modo a serem reconhecidos como agentes
legítimos pelo Estado, imprensa, as empresas e demais agentes do confronto; bem como
meio de conseguirem apoios diversos para a luta – seja de agentes pastorais, advogados,
pesquisadores, órgãos governamentais e não governamentais, movimentos sociais,
agências multilaterais etc.

É importante enfatizar que entendemos que as(os) ativistas não são apenas
aqueles que confrontam abertamente os empreendimentos associados ao extrativismo,
mas também aqueles e aquelas que resistem politicamente ao modelo extrativista, às
“estratégias de deslegitimação e criminalização e à ausência de reconhecimento social de
suas demandas” (Santos; Souza, 2017, p.7). Visto que as identidades foram produzidas
não só ritualmente em ações coletivas, mas no cotidiano das comunidades afetadas pelo
extrativismo, incluímos no conceito de resistência política as práticas elencadas por Scott
(1986), as quais são pouco visíveis ou mesmo invisibilizadas, como a disseminação de



22 Fonte: Sistema Integral de Administración Minera da Secretaría de Economia. Disponível em:
<http://www.siam.economia.gob.mx/es/siam/em_2014>. Acesso em: 01 nov. 2015.
23
Segundo seu site oficial, a Via Campesina surgiu em 1993 na Bélgica para fazerem frente às políticas e
empresas agrícolas que se tornavam cada vez mais globalizadas.
14



fofoca, e a realização de roubos e boicotes dirigidos a agentes dominantes, bem como a
rejeição de categorias impostas por estes, a produção de memórias coletivas e a
transmissão de experiências prévias de expropriação e de valores em contextos de
violação de direitos24.

3. O imperativo das violências e ilegalidades

A violação de direitos humanos por meios legais acompanhados de mecanismos


ilegais é herança de uma longa história de múltiplas violências associadas a projetos
extrativistas no continente, que contam com a aliança de advogados, políticos, juízes,
forças militares e paramilitares, policiais, entre outros, no processo de expulsão e
aniquilação de ativistas. Porém, a partir do consenso das commodities, a expropriação,
repressão, criminalização de ativistas e a flexibilização dos direitos passaram a ocorrer
numa escala, velocidade e intensidade ainda maiores, levando a impactos desigualmente
distribuídos geograficamente e por marcadores de gênero, classe, raça e etnia25.

Desde a década de 1990, já haviam sido alterados diversos marcos regulatórios


relativos à mineração, com cerca de vinte países da região realizando mudanças ao longo
desse período, no bojo do que Santos (2005) chama de Estado meta regulador. Isto é,
aquele que assume a responsabilidade de “criar espaço para reguladores não-estatais
legítimos, onde atores econômicos poderosos detêm um grande poder de controle sobre
recursos vitais essenciais para as pessoas” (idem, p.15). Durante o consenso, houve novas
alterações dessas regulamentações, inclusive com maior tendência à criminalização da
desobediência civil, que em muitos países latinoamericanos passou a ser enquadrada
como tentativa de terrorismo (Arsel; Hogenboom; Pellgeini, 2006), como a Lei
Antiterrorismo sancionada em 2016 no Brasil pela presidenta Dilma Rousseff (PT).

Mesmo os mecanismos legais de controle social dos grandes projetos, como os


Estudos de Impacto Ambiental (EIA) em caso de barragens ou projetos minerários não



24
Por exemplo, na epígrafe do presente texto, uma assentada nega ser vagabunda, o que é associado ao
imaginário sobre os sem terra e grileiros na região, reiterando ser trabalhadora, o que associa em outros
momentos do relato à sua condição de agricultora. Quanto à transmissão de experiências passadas, ver
Lacerda (2015). Cf. Carvalhosa (2016) para casos de resistência referentes sobretudo aos valores frente aos
impactos da mineradora Anglo American em Minas Gerais.
25
Cf. Ocmal e Censat (2016); Santos e Souza (2017); Svampa (2013); Zhouri (2018).
15



são seguidos plenamente nem pelos órgãos estatais responsáveis pela sua fiscalização,
nem pelas empresas, sejam elas nacionais ou transnacionais. Estas fazem uso de
mecanismos legais que mais se assemelham à noção de alegalidade de Gudynas (2013)
visto que, apesar da aparência de legalidade, produzem efeitos ilegais, sobretudo por
violarem direitos humanos. Algumas dessas vias “alegais” citadas pela literatura são: a
divisão entre atingidos e não atingidos, separando pessoas da mesma comunidade ou
família; realização de publicidade que omite ou mente sobre os riscos à população; a
compra de terras de uso comum como se fossem propriedades particulares sem o
consentimento de todos que vivem no local; a criação de fato consumado pela
fragmentação do processo de licenciamento em trechos das obras e a não realização da
consulta pública prévia às populações locais que mais poderiam confrontar o projeto,
realizando-a depois do início das obras etc. Isso sem mencionar as práticas corruptas
largamente denunciadas por ONGs e movimentos sociais ou os lobbys no Legislativo que
geram decisões judiciais favoráveis aos seus interesses, bem como medidas
administrativas e leis que ampliam seu acesso aos recursos naturais enquanto reduzem a
sua carga tributária e as normativas para que sejam respeitados os direitos humanos26.

Outra prática semelhante muito empregada não só pelas empresas, mas por
autoridades estatais, é a criminalização dos ativistas e populações locais. Embora possua
uma aparência legal, ela implica no uso abusivo do direito e da administração pública
com suas forças repressivas. Além da judicialização dos conflitos, inclui a produção e
divulgação de informações mentirosas e a estigmatização de ativistas socioambientais,
podendo tomar a forma de calúnias (no caso de acusação de crime), difamações ou
injúrias27. Soma-se a isso os processos administrativos nos órgãos públicos, que atingem
a parcela de funcionários públicos que busca agir legalmente em defesa dos direitos
humanos. A criminalização implica em um conluio entre o Estado, enquanto




26
Cf. Alarcon; Millikan; Torres (2016); Cardoso (2015); Carvalhosa (2016); Torres, Doblas, Alarcon
(2017); Witness (2015, 2018); Zhouri (2018); entre outros.
27
Um caso recente que ilustra essas práticas é a prisão do Padre José Amaro Lopes de Sousa em março de
2018, agente da CPT que sucedeu o trabalho da irmã Dorothy Stang, religiosa estadunidense naturalizada
brasileira, assassinada em 2005 a mando de grileiros em Anapu. Ele foi preso por noventa dias no mesmo
presídio em que se encontram os condenados pelo assassinato de Dorothy. Desde junho ele aguarda o
processo em liberdade. O processo se baseou em calúnias dos fazendeiros que o acusaram, sem provas, de
assédio sexual, lavagem de dinheiro e até de assassinato, tendo por fim não só prendê-lo, mas também ferir
sua imagem frente à sociedade local e nacional (Análise..., 2018).
16



protagonista, e as empresas, incluindo-se nestas os meios de comunicação empresariais.
Seu objetivo último é silenciar e destruir as oposições aos projetos extrativistas, minando
sua organização política e seu potencial de adesão social (OCMAL, 2016).

Além disso, os meios de comunicação empresariais invisibilizam essas


violências, não esclarecem a população sobre os perigos dos megaprojetos ao destacarem
seus “benefícios” e exercem pressão sobre o campo político em favor das transnacionais
extrativistas. Quando noticiam dados de violências produzidos por organizações como a
CPT ou a Global Witness, costumam enfatizar os impactos ambientais dos projetos,
raramente fazendo menção à violação de direitos trabalhistas e do direito ao acesso à
terra e aos recursos naturais por camponeses e indígenas. É de praxe ainda a
individualização da responsabilidade ou a sua naturalização enquanto “desastre”, o que
mascara o caráter sistemático de usurpação de direitos das ações empresariais e
governamentais. Soma-se a isso a alegação do suposto desconhecimento das grandes
corporações sobre as violações de direitos humanos e de normas ambientais em suas
cadeias de fornecedores 28 , embora as mesmas transnacionais abordem em seus
congressos os “desafios” em termos de regulamentações ambientais e conflitos sociais
entre comunidades locais e empresas na América Latina29.

Entretanto, nenhuma dessas práticas se dá sem ao mesmo tempo o uso da força


contra agentes opositores. Como afirmam Middeldorp, Morales e Haarb (2016), há uma
utilização cada vez mais frequente de seguranças privados, companhias e instituições
estatais de segurança para limpar o caminho; ou seja, nessas comunidades, forças
militares e policiais vem sendo empregadas como seguranças desses projetos, e não
como forças promotoras da lei, havendo uma militarização dos territórios (Ocmal;
Censat, 2016). A repressão dos protestos com armas letais ou não letais não raro resulta
em mortes. Ademais, são frequentes as lesões corporais, remoções forçadas, sequestros,
torturas, destruição de bens de uso comum ou familiar, seja por parte de agentes públicos
ou privados. No caso de assassinatos e desaparecimentos, são em geral encobertos como
consequência de acidente, latrocínio ou envolvimento em atividades criminosas.




28
Para uma análise sobre a imprensa e hidrelétricas, cf. Alarcon, Millikan e Torres (2016) e Zhouri (2018,
p.65-110, p.221-258) para a relação entre imprensa e mineração.
29
Ver, por exemplo o 24th World Mining Congress de 2016 (IBM, 2016).
17



Em Honduras, a criminalização e assassinato de ativistas como prática sistemática
dos governos data mormente da década de 1980. Em 1998, foi assassinado Ernesto
Sandoval, um proeminente ativista do Comité de Derechos Humanos de Honduras
(CODEH), mas também Padre Tamayo, padre e ativista ambiental do Movimiento
Ambiental de Olancho (MAO), em 2001. Nos anos 2000, eram rotineiras as notícias de
ameaças, o desaparecimento e assassinato de juízes e advogados de direitos humanos no
país. Em 2013, Tomás Garcia, ativista indígena envolvido com movimentos contra a
hidroelétrica em Intibuca, foi assassinado, além de Bertha Cáceres, da Frente Nacional
de Resistencia Popular (FNRP), em 2016. O ativista sindicalista e membro da resistência
ao golpe Julio Fúnez Benitez, foi assassinado em 2009, e nos anos seguintes, entre maio
de 2012 e novembro de 2013 (quando houve eleições), dois ativistas e candidatos do
LIBRE foram assassinados. Somente no ano de 2014, segundo dados da Global Witness
(2015, p.8) foram 12 ativistas ambientais assassinados no país.

Segundo a Via Campesina 30 foram 700 campesinas e 3.500 campesinos


criminalizados em quatro anos em Honduras, com acusações de usurpação de terras,
danos a propriedade privada, inclusive de sedição, além do assassinato de mais de 162
campesinos. Em informe de 2016, a Ocmal alertou que o Brasil e Honduras, se
encontravam na categoria de alto grau de violência e de criminalização. Nesse último
país, como nos vizinhos Guatemala e Nicarágua, as empresas extrativas se aproveitam de
conflitos armados internos já existentes, usando os grupos armados a favor das
explorações minerais e contra as populações locais.

A situação no México é preocupante, ainda que o país não figure entre os cinco
primeiros países onde mais se assassinam ativistas e líderes sociais. Desde 2014 foram
aprovadas cinco leis conhecidas como “leis anti-protesto”, na qual figuram reformas,
iniciativas e leis que restringem a liberdade de expressão e a ocorrência de mobilizações
nas ruas, com a coação dos manifestantes a usar determinadas vias e horários, com a
obrigação prévia de fornecer detalhes das marchas, entre outras obrigações (Frente Por la
Libertad De Expresión y Protesta Social, 2015). Ademais, a repressão direta do aparato
de segurança contra os ativistas cresceu significativamente nos últimos anos. Conforme



30
Fonte: https://viacampesina.org/es/honduras-dia-internacional-de-las-luchas-campesinas-2017-derechos-
de-los-campesinos-derechos-humanos/ Acesso: 20 set. 2018.
18



afirma o relatório da Ocmal foram documentados casos de uso desproporcionado da
força, sequestro relâmpago feito pela polícia, violência sexual contra mulheres, censura,
entre outras violações de direitos humanos.

No Brasil não é muito diferente. Como a epígrafe do presente texto mostra, com
relatos de agricultoras do PDS Terra Nossa que se assemelham a outros testemunhos pelo
país e América Latina, a luta contra violações de direitos é cotidiana. Estas incluem
desde a destruição da roça por gado criado solto até a agressão física, passando por
injúrias e difamações que podem se converter na judicialização dos conflitos. Na região
da BR-163 em Novo Progresso e Altamira, foram relatados em entrevistas ou em
reportagens locais ao menos quatorze assassinatos de agricultores e trabalhadores rurais
em decorrência da apropriação ilegal de terras públicas e recursos naturais desde 2002,
sendo que quatro ocorreram no mencionado assentamento.

O caso do PDS Terra Nossa é emblemático das relações que atravessam


diferentes atividades extrativistas e segmentos estatais em prejuízo da consolidação dos
projetos de reforma agrária. Apesar dessa modalidade sustentável de assentamento ter
sido idealizada por Dorothy Stang para atender a pequenos agricultores na Amazônia, foi
implantada entre 2005 e 2006 pelo Incra de Santarém (SR-30) para atender a demanda do
Sindicato da Indústria Madeireira do Sudoeste do Pará (Simaspa), sua localização em
áreas de floresta primária propiciava um estoque de madeira legalizada para os
madeireiros da região. Apesar das dezenas de PDS criados no Oeste do Pará terem sido
embargados pelo Ministério Público Federal em face de denúncias desse esquema ilegal,
foram assentadas centenas de famílias que tiveram que conviver com embargos e
processos judiciais que impediram durante muitos anos a implantação de infraestrutura e
acesso a crédito. Além disso, enfrentam ameaças de fazendeiros que participam direta ou
indiretamente da exploração ilegal de ouro e madeira de áreas que foram consideradas
fruto de grilagem em vistoria recente da autarquia. Embora sejam pretensões fundiárias
irregulares, isso não impediu a sua venda no mercado de terras, inclusive para a
mineradora Chapleau Ltda., que realizou pesquisa e exploração minerária numa área de
cerca de 17% do assentamento sem licença para isso (Incra, 2017).

É importante ressaltar que muitos dos assentados trabalham ou já trabalharam


como peões ou garimpeiros das fazendas ou como funcionários da mineradora e
dependem disso para terem o mínimo acesso a serviços básicos e renda devido
19



justamente à não consolidação do PDS. Ao mesmo tempo, esses agentes cerceiam seu
direito de circular pelo assentamento com uso de seguranças armados. Representam
ainda uma ameaça de perda do acesso à terra e da possibilidade de se tornarem
assentados de fato, visto que desde 2013 buscam reduzir ou cancelar o assentamento por
meio de processos na Justiça (Lacerda, 2015) ou de “acordos” ilegais com diretores do
Incra de Santarém através do apoio de políticos locais e regionais (Torres; Doblas;
Alarcon, 2017).

A relação entre legalidade e ilegalidade está presente também no financiamento e


apoios diversos de 112 transnacionais à bancada ruralista brasileira, cujos integrantes são
eles mesmos fazendeiros que exploram e exportam recursos agrícolas para essas
empresas, não raro com uso comprovado de trabalho escravo e agrotóxicos. Foi através
dessa relação de troca de favores com congressistas que conseguiram mudanças legais
importantes para o setor ainda na época do consenso das commodities, como o Novo
Código Florestal de 2012, que reduziu em 40% as áreas sob proteção ambiental no
Brasil, com a compensação de reserva legal (Lara, 2018). As ilegalidades atravessam as
relações entre Sul e Norte globais e entre o local e o internacional. Por exemplo, grande
parte da madeira extraída em áreas protegidas na Amazônia é exportada por meio de
notas falsificadas para os Estados Unidos, Europa, China e Japão (Greenpeace, 2015), de
modo semelhante ao que é feito para que a carne bovina produzida ilegalmente seja
exportada para outros estados do Brasil. As empresas que compram as commodities do
Sul Global, em sua maioria estadunidenses, chinesas, europeias e japonesas, ainda por
cima costumam vender seus produtos em seus países-sede com o marketing da
sustentabilidade, o que expõe como a causa do meio ambiente foi incorporada pelas mais
diferenciadas posições sociais, construindo uma nova forma legítima de ser empresário.
Dessa forma, a ambientalização convive com a expansão do extrativismo e o aumento
dos índices de desmatamento e de poluição (Almeida, 2008; Leite Lopes, 2004).

Portanto, seguindo a argumentação de Gudynas (2013) a violação de direitos


humanos e ambientais, bem como as práticas ilegais, corruptas ou travestidas de
legalidade que a acompanha, não são consequência dos projetos extrativistas, mas sua
própria condição de existência. Essas formas de violência, por seu turno, tem no
autoritarismo governamental seu ápice, que se manifestou no passado em golpes de
20



Estado e voltaram a ser uma realidade desde o período pós-boom, quando passou a haver
grandes oscilações nos preços internacionais das commodities31.

Nesse sentido, conforme defende Villeda (2014) a respeito do Golpe de Estado


em Honduras em 2009, este deve ser entendido como uma reprimenda aos movimentos
progressistas no país, posto que foi executado em colaboração com a elite do Partido
Liberal (PL), as elites corporativas, os militares e setores conservadores da Igreja
Católica. Tais atores antes apoiavam o presidente deposto Manuel Zelaya, antes de sua
guinada à esquerda. Para a autora, o golpe teria piorado sensivelmente o assédio aos
trabalhadores e ativistas nas regiões diretamente implicadas com o extrativismo,
conforme exemplificado no assassinato de mais de noventa pessoas na região. Os
ativistas do Movimiento Campesino del Aguán Guadalupe teriam continuado a se
organizar, mas muitos foram presos por defender suas terras recém adquiridas pelas
transnacionais.

Assim, foi aprovada uma nova legislação relativa à mineração logo após a queda
de Manuel Zelaya, posterior à lei de setembro de 2007 que previa medidas para impedir
um recrudescimento e eventual colapso ecológico em Honduras, designando quase 90%
do território nacional como áreas protegidas, além da recusa presidencial em privatizar a
Empresa Nacional de Energia Elétrica (Gordon; Webber, 2016). Dessa maneira, as novas
legislações relativas à mineração em Honduras, segundo Middeldorp, Morales e Haarb
(2016), pavimentaram políticas controversas de instalação de minas de ouro exploradas
por empresas canadenses em San Andrés e San Martín, por exemplo. Diferentemente da
legislação anterior, o novo marco jurídico requere um consentimento da comunidade para
a fase de exploração desse projeto, o que tem levado a esforços de intimidação, violência
e estratégias de criminalização aos opositores dessas minas. Os autores afirmam que
frente à ameaça de criminalização, os líderes dos movimentos vem adotando um perfil
mais discreto em suas ações.




31
Embora o volume de exportações tenha mantido o crescimento, passou a haver uma oscilação de preços
salientada nas quedas bruscas de 2008 e 2016, o que colocou em xeque o nível anterior de lucratividade
das atividades extrativistas. Com isso, aumentou a pressão dessas empresas por ainda maiores incentivos
estatais. Apesar de terem apoiado governos “neoextrativistas progressistas”, estes passaram a ser
insuficientes no trabalho de repressão às vozes que se opõem a esses incentivos (Ibase, 2018).
21



Nesse país, apenas em 2012, foram quarenta e três os assassinatos políticos de
civis, motivados politicamente, associados diretamente à resistência ao golpe, segundo
Gordon e Webber (2016), apoiados em dados do Comité de Familiares de Desaparecidos
de Honduras (COFADEH). Somente no governo de Lobo, iniciado em 2009, sessenta e
sete advogados e vinte e nove jornalistas foram assassinados, agregando ao panorama de
violência estatal e paramilitar e impunidade desde o golpe de Estado (Gordon, 2010).
Para Middeldorp, Morales e Haarb (2016), seguido ao golpe de Estado, houve um
aumento significativo da repressão estatal, com dados da Comissão da Verdade32 de 2013
indicando 5.418 violações de direitos humanos entre junho de 2009 e 2012, incluindo 94
casos de tortura e 58 assassinatos com motivação política.

No Brasil, o golpe de Estado jurídico-parlamentar que depôs a presidenta Dilma


Rousseff em 2016, liderado pelo grupo político de Michel Temer, tem levado a um
processo semelhante de intensificação do autoritarismo e de flexibilização dos marcos
que regulam o extrativismo, reduzindo significativamente o papel do Estado no controle dessas
atividades e transferindo os recursos destas para o mercado financeiro. Isso tem se dado por
meio de Medidas Provisórias e Projetos de Lei – o que já indica a supressão do debate
público sobre os temas – que atendem as bases eleitorais de congressistas que apoiaram o
golpe, em especial aqueles da bancada ruralista. Exemplos disso no âmbito da mineração
são a criação da Agência Nacional de Mineração (ANM) em dezembro de 2017 (Lei
nº13.575/2017, que era a MP nº791/2017) e as modificações do Código de Mineração de
1967 e da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM)
(Decreto nº9.406/2018).

Somado a isso, a Petrobras perdeu a sua centralidade na exploração de


hidrocarbonetos, inclusive do pré-sal, passando a poder abrir mão de sua participação
mínima (30%) nos blocos de exploração e produção (Lei nº13.365/2016). Para piorar, foi
aprovada a chamada Lei da Grilagem (Lei nº13.465/2017), que ampliou o Programa
Terra Legal para todo o país, aumentou o limite de regularização fundiária de 1.500ha
para 2.500ha e potencialmente passa a disponibilizar quase 90 milhões de hectares dos
assentamentos rurais para o capital privado – o que abre mais portas para as tentativas de




32
Para mais informações ver Monge Yoder et al. (2013).
22



facilitação da estrangeirização de terras no país. Em outros tópicos, a contestação social
tem freado as tentativas de flexibilização, como no caso da tentativa de restrição da
concepção de trabalho escravo (Portaria nº1129/2017, Ministério do Trabalho e
Emprego), suspensa pela Ministra do Supremo Tribunal Federal Rosa Weber. Ou ainda
as tentativas de redução, recategorização ou extinção de determinadas áreas protegidas,
como a Reserva Nacional do Cobre e Associados (Renca), entre o Pará e Amapá
(Decreto nº9.142/2017), e a Floresta Nacional do Jamanxim na região da BR-163
paraense (PL nº8107/2017, antiga MP nº756), ainda em tramitação no Congresso. A
partir da implantação desse conjunto de medidas liberais, os conflitos sociais
aumentaram no campo, sobretudo onde predominam o agronegócio, a mineração e
grandes projetos de infraestrutura, segundo dados da CPT33.

Portanto, seguindo Zhouri (2018), observamos que “a flexibilização das normas e


o retrocesso institucional colocam em questão a própria noção de democracia e
configuram um dos ‘efeitos derrame’” não só da mineração, mas do conjunto das
atividades extrativistas. Assim, o esgotamento do “ciclo progressista” na América Latina
possui forte correlação com o período pós-boom das commodities e se expressa tanto
pelos golpes de Estado que levou a um “neoextrativismo liberal conservador”
(Gonçalves, Milanez, Wanderley, 2018) quanto pela vitória eleitoral de governos
conservadores, como o já mencionado retorno do partido PRI no México em 2012, que
continuou promovendo o extrativismo sem recorrer a justificações de melhorias sociais34.

Considerações finais

As características centrais do extrativismo na América Latina nas últimas duas


décadas se apresentam na confluência de diversos fatores que reforçam sua posição
histórica subordinada ao Norte Global na divisão internacional do trabalho, dentre os
quais destacamos: as atrações à instalação das empresas por meio de incentivos fiscais;



33
Cf. Porto-Gonçalves et al., 2018; Gonçalves, Milanez e Wanderley (2018); Zhouri (2018).

34
Cabe acrescentar que no em julho de 2018 o México elegeu seu primeiro presidente de centro-esquerda,
André Manuel Lopez Obrador, do partido Morena, colocando um final (ou uma pausa) em sucessivos
governos do PRI, marcados por violações de direitos humanos e livre acesso às mineradoras e indústria
extrativista.
23



as flexibilizações legais e a permeabilidade do Legislativo ao lobby das transnacionais; a
impunidade com relação à práticas empresariais de corrupção que atravessam segmentos
da administração pública, ao passo em que há criminalização de mobilizações e ativistas
socioambientais; a governança autoritária dos projetos, o que inclui legislações mais
criminalizadoras e o uso da violência seja por vias oficiais, com o acionamento do
Exército e do aparato policial para conter mobilizações, seja extraoficialmente através de
policiais que trabalham para as elites locais; e o silenciamento da imprensa frente à
violação sistemática dos direitos humanos pelas corporações.

Portanto, a América Latina ao se construir historicamente como paraíso


extrativista para o Norte Global e transnacionais, se mostra um inferno para aqueles que
lutam pela melhoria de suas condições de vida e democratização de seus recursos
naturais no âmbito local, regional, nacional e continental. Buscamos argumentar que há
especificidades no neoextrativismo em curso no Sul Global, notadamente no
deslocamento das transnacionais do extrativismo, que migraram nas últimas duas
décadas da África para a América Latina, com o incentivo legislativo e financeiro de
países com governos progressistas.

A noção de confronto político permite levantarmos os elementos comuns aos


contextos latino-americanos analisados, que incluem a difusão de ações coletivas, formas
organizativas e estratégias de luta. A mobilização dos ativistas, por sua vez, conforma
suas identidades sociais, que se explicitam em categorias como as de afetados, atingidos,
ativistas ambientais, defensores de direitos humanos, luchadores, entre outras. Assim, a
ambientalização dos conflitos sociais e a luta por direitos humanos têm tido um papel
significativo na constituição das identidades sociais e das ações não só dos ativistas, mas
na reconfiguração da governamentalidade sobre populações e territórios.

Em suma, a literatura referente aos confrontos em torno dos extrativismos indica


que essas atividades se inserem em relações de dominação preexistentes, integrando uma
coalizão de forças formada por agentes da administração pública, indústrias, elites locais
e/ou grandes projetos minerais, agroindustriais, energéticos e de infraestrutura. Essa
coalizão, por sua vez, violenta sistematicamente os direitos de uma diversidade de atores,
incluindo trabalhadores rurais, povos e comunidades tradicionais, ameaçando sua
reprodução social e física, por meio de mecanismos ilegais e legais. Esses ativistas, por
sua vez, continuam resistindo e lutando em busca de autonomia através da construção de
24



solidariedade e de visibilidade de suas causas em variadas escalas, enfrentando a
criminalização e as práticas de destruição da contestação, embora em posição
desfavorável na correlação de forças em que se encontram.

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